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TV MONITORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Cláudia Regina Vasconcelos Bertoso Leite Universidade Estadual de Goiás - UEG Resumo: A investigação sobre a integração da televisão como tecnologia comunicacional à educação infantil carece de discussão diante da capacidade de atração das crianças pela linguagem televisiva e dos usos que os profissionais podem fazer das possibilidades da TV em diversos momentos da rotina diária da instituição. Os dados coletados preocuparam por revelarem o ato de assistir à televisão dentro do CMEI sendo reduzido ao cumprimento de um papel instrumental e por nem sempre constituir-se em práticas que consideram a televisão como importante recurso tecnológico educacional. O estudo aproxima a questão da quantidade de horas de usos da TV nos lares apontadas nas pesquisas tanto de M. Winn (1984) e por Guareschi e Biz (2005) à quantidade de horas observadas que os professores recorrem aos usos da TV dentro da Instituição de Educação Infantil. Para realizar tal discussão embasou-se nas perspectivas educacionais de Vygotsky (2010), nos estudos sobre televisão e tecnologias educacionais de M. Winn (1984) e Guareschi e Biz (2005), e nas propostas pedagógicas para a Educação Infantil dos estudos de autores brasileiros como Schmitt (2011), Maranhão (2000) e no documento Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil - Brasil (2009). O desencadear da análise alerta a TV ocupando um espaço controverso dentro do CMEI ao executar a ação de um profissional, principalmente por reter a atenção das crianças. A análise dos dados coletados sobre os usos da televisão e a revisão bibliográfica sobre o planejamento e o desenvolvimento de ações educativas com usos de tecnologias educacionais apontaram resultados que questionam e alertam para um espaço e uma função de instrumentalização que a televisão e sua programação têm ocupado na instituição. Palavras-chave: Televisão. Educação Infantil. Instrumentalização. Ao calcular a média de tempo que o educador da educação infantil dispensa ao cuidar de cada criança individualmente e multiplicar pela quantidade de crianças e de vezes que faz esse atendimento personalizado a elas, Schmitt (2011) verifica que abre- se um espaço de ausência não só da supervisão, mas também das relações entre o adulto e o grupo de crianças. Semelhante ausência não se relaciona à saída do professor do agrupamento ou que as crianças estejam sozinhas, antes se refere à atenção ao grupo. A autora alerta para a dificuldade de dividir-se o tempo do professor com o coletivo de crianças e com cada criança individualmente. Destaca que os momentos individualizados de cuidado visto sua importância no desenvolvimento da criança enfrentam dificuldades, porque o ambiente é coletivo e, por vezes, igualmente, devido à insuficiência de professores para o atendimento do grupo de crianças. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03914

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TV MONITORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Cláudia Regina Vasconcelos Bertoso Leite

Universidade Estadual de Goiás - UEG

Resumo: A investigação sobre a integração da televisão como tecnologia

comunicacional à educação infantil carece de discussão diante da capacidade de atração

das crianças pela linguagem televisiva e dos usos que os profissionais podem fazer das

possibilidades da TV em diversos momentos da rotina diária da instituição. Os dados

coletados preocuparam por revelarem o ato de assistir à televisão dentro do CMEI sendo

reduzido ao cumprimento de um papel instrumental e por nem sempre constituir-se em

práticas que consideram a televisão como importante recurso tecnológico educacional.

O estudo aproxima a questão da quantidade de horas de usos da TV nos lares apontadas

nas pesquisas tanto de M. Winn (1984) e por Guareschi e Biz (2005) à quantidade de

horas observadas que os professores recorrem aos usos da TV dentro da Instituição de

Educação Infantil. Para realizar tal discussão embasou-se nas perspectivas educacionais

de Vygotsky (2010), nos estudos sobre televisão e tecnologias educacionais de M. Winn

(1984) e Guareschi e Biz (2005), e nas propostas pedagógicas para a Educação Infantil

dos estudos de autores brasileiros como Schmitt (2011), Maranhão (2000) e no

documento Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil - Brasil (2009). O

desencadear da análise alerta a TV ocupando um espaço controverso dentro do CMEI

ao executar a ação de um profissional, principalmente por reter a atenção das crianças.

A análise dos dados coletados sobre os usos da televisão e a revisão bibliográfica sobre

o planejamento e o desenvolvimento de ações educativas com usos de tecnologias

educacionais apontaram resultados que questionam e alertam para um espaço e uma

função de instrumentalização que a televisão e sua programação têm ocupado na

instituição.

Palavras-chave: Televisão. Educação Infantil. Instrumentalização.

Ao calcular a média de tempo que o educador da educação infantil dispensa ao

cuidar de cada criança individualmente e multiplicar pela quantidade de crianças e de

vezes que faz esse atendimento personalizado a elas, Schmitt (2011) verifica que abre-

se um espaço de ausência não só da supervisão, mas também das relações entre o adulto

e o grupo de crianças. Semelhante ausência não se relaciona à saída do professor do

agrupamento ou que as crianças estejam sozinhas, antes se refere à atenção ao grupo.

A autora alerta para a dificuldade de dividir-se o tempo do professor com o

coletivo de crianças e com cada criança individualmente. Destaca que os momentos

individualizados de cuidado — visto sua importância no desenvolvimento da criança —

enfrentam dificuldades, porque o ambiente é coletivo e, por vezes, igualmente, devido à

insuficiência de professores para o atendimento do grupo de crianças.

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Sobre o papel que os elementos com os quais a criança fica em contato durante

as ausências das ações coletivas dos adultos, Schmitt (2011, p.26) expõe que “esses

objetos representam um terceiro educador, junto com os demais profissionais da sala.

Contudo não é um educador formado por si mesmo ou pelo acaso, mas sim pela ação humana”.

Schmitt (2011) destaca exemplos de ficar olhando o móbile, tocar o piso, jogar-se em

almofadas, olhar e interagir com outros bebês, brincar livremente com seus brinquedos

ou com outras crianças ou ainda realizar alguma atividade programada pelo professor.

Com relação a tais elementos dos quais o professor lança mão como recursos

nesses momentos, o acompanhamento e a orientação de estágio supervisionado em

Educação Infantil do curso de Pedagogia e a consequente participação no cotidiano dos

Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), em um município, revelaram usos

diários, frequentes e rotineiros da televisão.

Desta forma, o objetivo deste texto centra-se na análise dos usos da televisão, a

partir dos dados coletados em um dos CMEI, e na relação deles com o processo

educativo definido para a primeira etapa da Educação Básica.

A discussão é de suma importância por remeter ao fato de que, ante o enorme

poder ideológico que a televisão representa, se o professor não faz a mediação, a tevê

faz por ele (TOSCHI, 2004). Da mesma forma, Martin-Barbero (2009) atenta para a

necessidade de reconhecermos o papel importante da tecnologia como a “grande

mediadora” entre as pessoas e o mundo. Porém, ele faz um alerta para que o olhar não

seja desviado da significativa intenção desse meio de comunicação: a lógica “de que o

que as tecnologias mediam hoje, de modo mais intenso e acelerado, é a transformação

da sociedade em mercado” (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 20).

Dentre os estudos que apontam que as crianças veem bastante televisão, a

pesquisa de Guareschi e Biz (2005) expõe o tempo médio que o brasileiro fica diante da

TV: de 3,9 horas diárias. Em algumas vilas periféricas, atinge 6 horas e, no caso das

crianças, cujos pais temem deixá-las na rua enquanto trabalham, chega a 9 horas diárias.

Nesse sentido, por outra pesquisa, a de Marie Winn (1984), a televisão tem sido

utilizada pelos pais como uma babá ou babá eletrônica. Sua obra, na qual utilizou esse

termo, chama-se “A droga de ligar na tomada”. A autora chamava de droga porque a

ação de assistir à TV priva a criança das brincadeiras e de outras formas de interação

mais ativas e saudáveis. A autora alerta que houve um declínio na supervisão dos pais

para com as crianças e constatou que o aparelho, nessa função de babá, está sendo cada

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dia mais usado por um número maior de pais, ao passo que, os recursos tecnológicos do

aparelho e sua programação atraem sobremaneira a atenção das crianças.

Na história brasileira, as amas-secas ou amas de leite substituíram parte do papel

da mãe no ato de amamentar os filhos ou cuidar deles. Já num contexto mais próximo, a

“babá” exerceu tal função e é um termo relacionado a um profissional que trabalha,

recebe seu pagamento para cuidar de bebês e crianças pequenas nos períodos de

ausência dos pais, por exemplo. O estudo, a formação e a profissionalização nunca se

mostraram como uma exigência para esse profissional que exerce cuidados específicos

da criança ou das crianças de uma família.

Ao longo da trajetória histórica das políticas educacionais brasileira para a

criança pequena, denotam-se semelhantes questões. Compreendemos que as ações e as

funções atuais dos professores da Educação Infantil fazem distinção entre os

profissionais que executam ações de educação e cuidado das crianças: a professora

regente e a monitora - nomenclatura da agente ou auxiliar da professora no município

pesquisado. Dessa função do auxiliar da professora, é exigido bem menos estudo e há

mais cobranças quanto às ações de cuidado, alimentação e higienização das crianças o

que aproxima-se bastante ao da babá da casa, pois ambas estão ligadas à ideia dos

cuidados básicos exercidos pelas escravas, amas-secas ou de leite.

Durante a análise dos dados coletados na pesquisa de mestrado: a presença da

televisão na Educação Infantil, verificou-se que a maioria dos protocolos de registros

das observações da pesquisa inicia-se com a frase: “Ao chegar ao CMEI, ao

agrupamento ‘x’, a TV estava ligada, veiculando ... ‘tal programa ou filme’”. Constatou-

se que, rotineiramente, das 7h, momento da chegada das crianças, até a hora do café da

manhã, 8h, quando ocorre a acolhida delas e a troca de uniforme, a TV permanecia

ligada para elas assistirem a desenhos ou a filmes em DVD.

Nesse agrupamento, avistou-se que as crianças assistiam a um filme, o qual foi

interrompido para que tomassem o café da manhã. Ao retornarem, contudo, não

voltaram a ver o filme. Na hora do banho, as monitoras levam as crianças ao banheiro

em grupo de três (quantidade de chuveiros). Nesse período, as crianças que já tomaram

banho e as que ainda vão tomar concentram-se na TV.

No exame dos cadernos de planejamento dos professores acerca de um semestre,

não se encontrou registro dos usos da TV tanto quanto foi verificado nas observações

cotidianas. Portanto, os cadernos não apresentam a descrição da atividade que o grupo

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das crianças desenvolvia durante os momentos em que os professores exerciam os

cuidados individualizados.

O relato da coordenadora pedagógica enfatiza a relação observada entre a

veiculação das programações na rotina da acolhida, banho, troca de roupa e brincadeira

livre, dentre outros, e a ausência dessas ações nos cadernos de planejamentos “no

momento da chegada, troca de uniforme, ela está sempre ligada. Os filmes usados são variados.

Os professores passam muito mesmo. Mais do que está no plano”. (Protocolo de registro nº 2,

4/5/2013 - Coordenação pedagógica – turno matutino).

Os dados remetem ao uso da TV mais como auxiliar do professor, mormente

quanto ao controle da atenção do grupo de crianças enquanto realizam ações

individualizadas. Nessa função, aproxima-se bastante da relação estabelecida pelos pais

quando da discussão da tevê-babá apresentada por M.Win (1984).

Ao realizar o cálculo da quantidade de tempo dispensado no agrupamento,

principalmente ao Berçário e ao Maternal, nos momentos de acolhida das crianças até o

horário do café da manhã (das 7h às 8h - 1 hora) e somarmos com o tempo do banho,

das trocas (por volta de 40 minutos para a turma toda, sendo uma vez no turno matutino

e, outra, no vespertino), das brincadeiras livres (40 minutos), com o tempo antes e o

depois do “momento do soninho” (20 minutos), teremos, no mínimo, uma média de 3

(três) horas de veiculação de programação televisiva, sem planejamento, todos os dias.

Semelhante cálculo foi apontado por Guareschi e Biz (2005), quando

computaram a média de 3,9 horas diárias das crianças assistindo à TV em casa, permite-

nos constatar que, no CMEI pesquisado, o tempo de audiência televisiva é quase o

mesmo. Se prosseguirmos nessa lógica, naquele estudo, a função da TV nas casas é de

babá (TV-babá), uma auxiliar da mãe nos cuidados da criança, o que, no CMEI,

associaríamos à função de mais uma monitora (a TV-monitora), que é de mais uma

auxiliar da professora.

Durante a pesquisa, constatou-se que os profissionais atribuem à TV-monitora a

função de ajudante, dessa forma, em virtude de o fim da ação consistir em atrair-se a

atenção da criança por determinado tempo, os professores, muitas vezes, nem mesmo se

preocupam em passar um filme completo.

Verificou-se a redução da tecnologia à função instrumental a que, na maior parte

das vezes, a TV ocupou junto à rotina da criança e a ficou evidente a menor quantidade

de vínculo entre as ações educativas com usos da televisão com a mediação que se faz

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por ações planejadas e intencionais (VYGOTSKY, 2010), que é também a proposta do

trabalho pedagógico da Educação Infantil (BRASIL, 2009).

A associação entre a história da Educação Infantil à realidade verificada no

CMEI sobre os usos da TV demonstra que a televisão tem tomado conta das crianças

como uma ajudante não para educar, mas pela confiança de sua segurança devido à sua

atenção ser atraída pela programação.

Para tanto, acredita-se que os resultados desta pesquisa contribuam para novas

reflexões e demandas de formação profissional, no campo da Educação Infantil e das

tecnologias, que são uma demanda da contemporaneidade. Também, pela defesa da

revisão e guarda de um quantitativo compatível da relação número de crianças por

professor em cada agrupamento.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes

curriculares nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2009.

GUARESCHI, Pedrinho A e BIZ, Osvaldo. Mídia, educação e cidadania: tudo o que

você deve saber sobre mídia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. (2001).

Gráfico 6.2 - Distribuição dos domicílios particulares. Acesso em 23 de setembro de

2013, disponível em IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalho

Endimentopnad 2001/sintese2001.pdf

MARANHÃO, D. G. O cuidado como elo entre a saúde e Educação. Cadernos de

Pesquisa. 2000.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6. ed.

Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.

SCHMITT, Rosinete V. O encontro com bebês e entre bebês: uma análise do

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TOSCHI, MirzaSeabra. Educação para as mídias: conceito, relação com a educação

e experiências. Todos os contos. Goiânia:Ayvu-Etã, 2004.

M. Winn. Children without childhood. Harmondsworth, Penguin,1984.

VYGOTSKY, L. S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

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