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TURISMO E TRABALHO: NO LIMIAR DA INCERTEZA O CASO DOS BUGUEIROS NO RIO GRANDE DO NORTE JEAN HENRIQUE COSTA

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TURISMO E TRABALHO: NO LIMIAR DA

INCERTEZA O CASO DOS BUGUEIROS NO RIO GRANDE DO NORTE

JEAN HENRIQUE COSTA

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JEAN HENRIQUE COSTA1

TURISMO E TRABALHO: NO LIMIAR DA

INCERTEZA O CASO DOS BUGUEIROS NO RIO GRANDE DO NORTE

1 Professor recém aprovado para o Departamento de Administração da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Sociólogo (DCS/UFRN), Bacharel em Turismo (UnP), Especialista em Demografia (DEST/UFRN) e Mestrando em Geografia (PPGe/UFRN). E-mail: [email protected] / [email protected].

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Na sociedade capitalista, o trabalho é a

causa de toda degeneração intelectual, de

toda deformação orgânica. Comparem o

puro-sangue das estrebarias de Rothschild,

servido por uma criadagem de bímanos,

com aquele rude animal das fazendas

normandas, que trabalha a terra, transporta

o estrume, carrega a colheita ao celeiro.

Paul Lafargue – O Direito à Preguiça

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RESUMO

Objetivou-se nesta pesquisa compreender e analisar as condições de trabalho

vigentes no serviço turístico de passeio de bugues no Rio Grande do Norte, tendo em vista

entender a relação existente entre o discurso governamental que justifica suas ações

enfocando o trabalho gerado pela atividade e a contraditória condição de precariedade

destes postos de trabalhos criados pelo setor. Assim sendo, este trabalho constou de

pesquisa bibliográfica acerca das especificidades sociológicas vigentes no setor de serviços;

do estudo sobre o histórico da implementação da atividade turística no RN e da pesquisa de

campo com os trabalhadores em questão. A metodologia da pesquisa de campo baseou-se

na realização de um programa de 32 entrevistas com bugueiros localizados nas praias

potiguares de Ponta Negra, Redinha Nova, Santa Rita, Genipabu e Pitangui, nos dias 22 e

23 de outubro de 2005. Os temas que estavam contidos nestas entrevistas eram: o perfil dos

trabalhadores (sexo, idade, situação conjugal, número de filhos e escolaridade); o tempo de

trabalho na atividade; informações sobre a profissionalização na atividade e a propriedade

dos veículos; o processo de captação dos turistas e a sua procedência; a remuneração

sazonal; outras formas de remuneração; o regime e a jornada de trabalho; a questão de

segurança no trabalho e assistência médica; relação com a previdência social; e relação com

as associações de classe. Como resultados, tem-se que estes profissionais se diferenciam

substancialmente dos demais trabalhadores envolvidos com a atividade turística de forma

geral, uma vez que na atividade como um todo é expressivo a precarização das condições e

relações de trabalho. Apesar de uma série de condições que tornam o trabalho de bugueiro

árduo e repleto de incertezas, este ainda obtém melhores rendimentos com a atividade

comparativamente a outros segmentos do setor turístico. No entanto, estes profissionais

enfrentam algumas adversidades cruciais em seus cotidianos de trabalho, tais como

remuneração bastante sazonal; jornadas e regimes de trabalho incertos; grande

periculosidade na execução dos serviços e insegurança quanto à situação previdenciária.

Tal consideração contradiz o discurso apologético do trabalho turístico e elucida suas

condições de trabalho através do serviço de passeio de bugues no RN.

Palavras-chave: Serviços. Turismo Potiguar. Trabalho Turístico. “Bugueiros”.

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NOTA EXPLICATIVA

O texto a seguir é parte integrante da Monografia de Graduação em Ciências Sociais do presente autor,

trabalho de conclusão de curso este aprovado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Devido ao

volume extenso do trabalho excluímos para esta publicação o seu referencial teórico e o capítulo que tratou do

desenvolvimento histórico do turismo no RN. Apresentamos, portanto, com fins de exposição do tema e de

referenciamento empírico, apenas a introdução do trabalho, os resultados da pesquisa de campo e as

considerações finais do mesmo. No final deste escrito encontra-se a bibliografia utilizada, com o intuito de

situar o leitor na presente perspectiva teórica e de propor novos estudos para este campo de pesquisa.

INTRODUÇÃO

O turismo no Brasil constitui-se numa atividade econômica de grande estima

pelos setores público e privado, sendo considerado como uma “mola propulsora” para o

desenvolvimento socioeconômico, tanto local-regional, quanto nacional. A consideração da

atividade a partir desta ótica apenas positiva traz para os agentes sociais envolvidos,

principalmente para as comunidades locais, uma série de inquietações de grande impacto,

sobretudo para os que de seus benefícios vivenciam apenas uma parcela ínfima de

vantagens, ou seja, a grande massa de trabalhadores que (sobre)vive da atividade em seus

níveis operacionais, sejam esses trabalhos em hotéis, pousadas, agências, transportadoras,

restaurantes, bares, bugues, etc.

Nesse contexto, o Brasil se insere nos padrões de países que investem

consideravelmente no setor de turismo, sobretudo em seu extenso litoral, resultando na

veracidade empírica de que o Brasil ultimamente vem investindo na atividade como forma

de alavancar seu crescimento econômico. Fala-se no efeito multiplicador do turismo; de sua

capacidade intrínseca de geração de empregos diretos, indiretos e “induzidos”; em suas

possibilidades de melhoramento financeiro das localidades envolvidas, etc. No entanto,

esquece-se de que a atividade é estruturalmente dotada de peculiaridades que a torna de

forma específica, tais como o seu caráter sazonal; seu status de bem supérfluo; sua

capacidade de alteração dos perfis da demanda (alterações nas preferências de viagens e

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nos padrões de renda); dentre outros fatores, além de todas as dimensões sociológicas

encontradas no setor de serviços que tornam o turismo uma atividade dotada de

singularidades inerentes, o que não ocorre, por exemplo, em parte significativa das demais

categorias econômicas vigentes nos serviços em geral.

No Estado do Rio Grande do Norte, principalmente em Natal, sua capital

administrativa e econômica, este quadro empírico ainda mais se reforça, sobretudo por ser

uma cidade litorânea do Nordeste brasileiro e contar com ações públicas de turismo há mais

de vinte anos. Na cidade do Natal, a atividade inicia-se com a construção da “Via Costeira”,

uma avenida litorânea construída em meio a uma área de preservação ambiental intitulada

de “Parque das Dunas”, voltada para a construção de hotéis de grande porte na orla

natalense, ligando as praias do centro da cidade à praia de Ponta Negra, localizada em seu

extremo sul, gerando com isso um corredor de hotéis à beira-mar e implementando uma

infra-estrutura hoteleira em condições de competitividade elevada em nível regional e

nacional.

Com a construção desta Via Costeira, criam-se todas as condições para um

quadro de mudanças que permitiriam que uma área de influência desta via, isto é, a praia de

Ponta Negra, se tornasse um complexo turístico de grande variedade de empreendimentos.

Hoje, a praia de Ponta Negra abriga quase que a totalidade dos meios de hospedagem de

pequeno e médio porte da cidade do Natal e é responsável por toda uma gama de serviços e

equipamentos turísticos de lazer da cidade, resultando, em seu espaço, a existência de uma

série de bares, restaurantes, pousadas, hotéis, boates, centros de compras, motéis, centros de

artesanato, redes de prostituição, casas de câmbio, casas bancárias, passeios de bugues,

comércio informal, “pontos de drogas”, etc., voltados fundamentalmente para o turismo.

Este é especificamente dirigido a turistas internacionais, oriundos atualmente em parcelas

significativas dos vôos charters, e turistas nacionais de poder aquisitivo elevado, uma vez

que os preços das mercadorias e serviços existentes em Ponta Negra e seu entorno

requerem condições materiais significativas para o usufruto destes atrativos e serviços.

Não apenas Ponta Negra e seu entorno próximo tornou-se destino turístico.

Com a implementação do “Programa de Desenvolvimento do Turismo do Rio Grande do

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Norte”, o PRODETUR/RN, em meados dos anos 1990, outros municípios também

conseguiram condições, mesmo que limitadas frente à oferta natalense, de competirem no

mercado turístico local. É o caso da Praia de Pipa, no município de Tibau do Sul; de

algumas praias do litoral sul do Estado, especificamente situadas nos municípios de

Parnamirim e Nísia Floresta; e mais residualmente outras praias do litoral norte, àquelas

vigentes nos municípios de Extremoz e Ceará-Mirim. Tais destinos são detentores de uma

oferta turística de serviços que varia de um município a outro. No entanto, os serviços mais

variados se concentram expressivamente na capital Natal.

Um destes serviços existentes no turismo local são os passeios turísticos de

bugues, sendo estes compostos de deslocamentos em veículos (bugues) pela cidade do

Natal com suas praias urbanas e as praias litorâneas presentes nos municípios credenciados

a possuírem tais serviços. Segundo a Secretaria Estadual de Turismo do Rio Grande do

Norte (SETUR/RN), estes serviços destinam-se a “proporcionar ao turista um transporte

adequado para efetuar passeios em praias, dunas, lagoas e sítios de valor histórico e

cultural, observadas as normas de segurança, proteção e preservação do meio ambiente e do

patrimônio turístico e paisagístico do Estado” (SETUR/RN, 2002).

ILUSTRAÇÃO DO TRABALHO DE BUGUEIRO NAS DUNAS

Foto 1 – Ilustração do Trabalho de Bugueiro nas Dunas Fonte: natalonline (2005).

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Estes Bugues são automóveis conversíveis fabricados em fibra de vidro e

passíveis de se locomoverem em áreas de maior dificuldade de tráfego, por exemplo, dunas

de areia, beira-mar, encostas de lagoas, etc. Tal serviço no Rio Grande do Norte é composto

por 721 profissionais e conta atualmente com um sindicato que legaliza a atividade junto a

SETUR/RN que, por sua vez, estipula as normas para a legalidade dos serviços prestados,

além de existirem também diversas associações de classe situadas nas áreas de atuação

destes profissionais. Estas áreas de atuação constituem-se em seis, atualmente, delimitando

onde estes bugueiros devem prestar seus serviços e fixarem formalmente seus passeios e

suas organizações. Estas seis áreas, de acordo com a SETUR/RN (2002) são:

“I - área A: compreende os municípios litorâneos de Baía Formosa, Canguaretama e Tibau do Sul; II - área B: compreende os municípios litorâneos de Senador Georgino Avelino, Nísia Floresta, Parnamirim e Natal; III- área C: compreende os municípios litorâneos de Extremoz, Ceará-Mirim e Maxaranguape; IV- área D: compreende os municípios litorâneos de Rio do Fogo, Touros, São Miguel do Gostoso, Pedra Grande, São Bento do Norte e Caiçara do Norte; V- área E: compreende os municípios litorâneos de galinhos, Guamaré, Macau, Porto do Mangue; VI- área F: compreende os municípios litorâneos de Areia Branca, Grossos e Tibau” (SETUR/RN, 2002).

O início dos passeios deve se efetivar nestas áreas onde o bugueiro é

credenciado, podendo se estender a todo Estado do Rio Grande do Norte, isto é, cada

bugueiro somente deve atuar em sua área de credenciamento. Porém, caso o turista queira

sair desta área, a liberdade é dada para todo o Estado. Geralmente ocorre esta mobilidade

de intercredenciamento, uma vez que as áreas A, B e C, que compreendem as praias de

Natal, Extremoz e Tibau do Sul, fundamentalmente, são visivelmente as mais visitadas

pelos turistas.

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O Rio Grande do Norte é o único Estado a possuir este serviço de passeio de

bugues regulamentado através de legislação estadual. Em 1988, foi realizado o primeiro

“Curso de Conscientização Turística para Bugueiros”, com carga horária de 87h/a e contou

com 69 participantes. Nos anos entre 1988 e 2004, foram realizados mais vinte cursos,

capacitando 823 profissionais para a atuação no serviço de “Buggy-Turismo”. Em 1998,

publica-se o Decreto n° 14.037 de 26 de julho e a Portaria n° 019/98 de 23 de setembro,

concretizando a regulamentação deste tipo de serviço turístico. Em 2000, o curso passa a

ser intitulado de “Curso de Formação de Bugueiro”, com uma carga horária de 274h/a. Já

no ano de 2002, publica-se a Portaria n° 018/02 de 01 de abril, com vistas a revogar a

portaria anterior e adequar alguns itens a realidade em exigência. Atualmente a SETUR/RN

é o órgão responsável pelo ordenamento e disciplina desta atividade.

O processo seletivo para o ingresso na profissão de bugueiro realiza-se apenas

quando há a existência de demanda turística para tal serviço, esta verificada e comprovada

através de parecer técnico obtido a partir de estudo de fluxo turístico. A abertura, então, se

dá mediante a publicação no Diário Oficial do Estado do edital de seleção e o processo

consta de prova escrita e prática, com vistas à conclusão do Curso de Formação e o

posterior credenciamento.

O conteúdo do curso de formação consta de diversas disciplinas, sendo elas:

Geografia Aplicada ao Turismo; História Aplicada ao Turismo; Qualidade no Atendimento;

Mecânica de Buggy; Boas Maneiras; Informações Turísticas; Introdução ao Turismo;

Primeiros Socorros; Preservação Ambiental; Direção Defensiva e Prática Profissional

(Prática e Teórica). Além disso, ainda há as atividades complementares, tais como palestras

sobre legislação do serviço de Buggy-Turismo; Código de conduta contra a exploração

sexual infanto-juvenil; e City-tour. A duração deste curso consta de 274h/a, com duração de

quatro meses2.

Estes passeios de bugue no RN, ao passo que se constituem em serviços

operacionais, são também atrativos per si, uma vez que o próprio serviço é uma atratividade

2 As informações contidas nestes três últimos parágrafos foram colhidas em entrevista realizada com funcionário da SETUR/RN.

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a ser conhecida. Estes despertam interesses diversos dos turistas, o que para a mão-de-obra

em exercício é de fundamental importância, dadas as situações de trabalho criadas pela

demanda para o encaminhamento destes serviços.

No entanto, estes serviços, como parcelas expressivas de trabalhos vigentes na

atividade turística, são dotados de características intrínsecas que anunciam condições de

trabalho de grande precariedade, o que neste trabalho será objeto de nossa investigação.

Decorrente disso, esta pesquisa possui como objetivo geral compreender e

analisar as condições de trabalho vigentes nos serviços de passeio turístico de bugues no

Rio Grande do Norte, a partir de estudos sobre as especificidades sociológicas encontradas

no setor de serviços; da situação da atividade turística na cidade do Natal, hoje vigente no

Estado do Rio Grande do Norte, tendo em consideração o histórico da implementação do

turismo no Estado e o tipo de desenvolvimento que este teve em sua dinâmica econômica;

e, por fim, das condições de trabalho vigentes na atividade turística da cidade do Natal-RN,

tendo como ponto de partida os trabalhadores bugueiros que prestam serviços de passeio

turístico no RN, a partir de pesquisa qualitativa com estes.

Esta, por sua vez, se justifica devido a grande euforia governamental,

empresarial e até popular em que o turismo é tratado, onde tentar apreender um de seus

elementos justificadores, ou seja, o trabalho, a partir de suas condições, é para este escrito

de suma importância. Também a atividade turística dos bugueiros merece ser analisada,

uma vez que muito se fala de benefícios, de rendimentos elevados e de boas condições de

trabalho contidas em tais serviços e pouco se esclarece o que se vivencia no setor.

A metodologia da pesquisa constou de pesquisa bibliográfica a respeito dos

temas envolvidos; de levantamento documental na Secretaria Estadual de Turismo do Rio

Grande do Norte (SETUR/RN); de pesquisa exploratória na imprensa local sobre o sub-

setor turístico de passeio de bugues; e da realização de trinta e duas entrevistas com

bugueiros do Estado, operacionalizadas nas áreas B e C já mencionadas. Estas foram

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realizadas com bugueiros espacialmente localizados nas praias de Ponta Negra, Redinha

Nova, Santa Rita, Genipabu e Pitangui3, nos dias 22 e 23 de outubro de 2005.

Tentou-se, através das mesmas, obter informações sobre os seguintes aspectos

relevantes para os objetivos aqui estabelecidos: o perfil dos trabalhadores (sexo, idade,

situação conjugal, número de filhos e escolaridade); o tempo de trabalho na atividade;

informações sobre a profissionalização da atividade e a propriedade dos veículos; o

processo de captação dos turistas e sua procedência; a remuneração sazonal; outras formas

de remuneração; o regime e a jornada de trabalho; a questão de segurança no trabalho e

assistência médica; relação com a previdência social; e relação com as associações de

classe.

As conclusões desta pesquisa são, antes de tudo, uma “aproximação qualitativa

preliminar”, dadas as suas limitações empíricas. Isto posto, esta não possui caráter

conclusivo. Nenhuma pesquisa é de status conclusivo, mas esta possui limitações

metodológicas que merecem aqui serem apontadas.

Primeiramente, iniciou-se uma pesquisa quantitativa, com o intuito de

mensurarmos as condições de trabalho destes trabalhadores bugueiros. Em razão da

amostra elevada que obtivemos através de uma “amostragem aleatória simples”, que estava

no valor de 251 questionários a serem aplicados, não prosseguimos desta forma. Assim foi

resolvido, devido aos custos operacionais que envolveriam a pesquisa, dados pelas despesas

financeiras e pela limitação de tempo imposta por um trabalho monográfico.

Em segundo lugar, esta pesquisa não possui técnicas metodológicas qualitativas

na essência deste tipo de pesquisa. Qualitativamente, o presente objeto de estudo deveria ter

passado por uma vivência maior em nossos procedimentos investigativos. O que não

ocorreu. Realizaram-se, então, entrevistas abertas com os bugueiros sobre os temas e

variáveis já mencionadas, com vistas à compreensão e análise do proposto por este

trabalho. Estas entrevistas foram de curta duração e, na exigência que impõe uma pesquisa 3 A Praia de Ponta Negra situa-se no extremo sul da cidade do Natal; enquanto que Redinha Nova, Santa Rita, Pitangui e Genipabu localizam-se no município de Extremoz, sendo estas últimas praias do litoral norte do RN.

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qualitativa, na totalidade dos objetivos aqui estabelecidos, estes não foram plenamente

contemplados.

Sintetizando, prefere-se aqui denominar este trabalho como uma “aproximação

qualitativa preliminar”, com vistas a atenuarmos os problemas enfrentados por esta

pesquisa e esclarecermos a presente honestidade acadêmica. Isto posto, nossas

considerações finais devem ser compreendidas como uma primeira investigação sobre as

condições de trabalho dos bugueiros norte-rio-grandeses.

Tais limitações não empobrecem este trabalho, mas apenas o enriquecem, uma

vez que expõe as dificuldades de uma pesquisa e aponta, mesmo que preliminarmente, para

os objetivos aqui estabelecidos.

A partir disso, de forma a uma melhor visualização didática, este trabalho assim

se estruturou:

No capítulo primeiro apresentou-se uma discussão teórica sobre as

especificidades conceituais e sociais do setor de serviços, fundamentada numa

problematização sobre este setor e suas relações com a demanda consumidora e a força de

trabalho, a partir do gerenciamento da mão-de-obra e suas implicações no desenvolvimento

da prestação dos serviços, fundamentado basicamente nos sociólogos Claus Offe e John

Urry.

No capítulo seguinte, apresentou-se um referenciamento empírico ao

surgimento da atividade turística no Rio Grande do Norte, enfocando basicamente o tipo de

desenvolvimento que o turismo teve no Estado e como se estrutura atualmente o setor,

principalmente enfocando a questão do trabalho na atividade.

Por fim, o capítulo final apresentou a referida pesquisa de campo, enfocando o

conteúdo investigado em nossas entrevistas e sua conseqüente relação indissociável com o

referencial teórico, fase exploratória preliminar e considerações sobre o turismo no RN.

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O TRABALHO DE BUGUEIRO NO LIMIAR DA INCERTEZA

Esta pesquisa baseou-se nas informações obtidas num programa de trinta e duas

entrevistas realizadas com bugueiros espacialmente localizados nas praias de Ponta Negra,

Redinha Nova, Santa Rita, Genipabu e Pitangui, nos dias 22 e 23 de outubro de 2005.

Para compreender e analisar as condições de trabalho desses profissionais

foram abordados os seguintes aspectos relevantes para esta pesquisa: o perfil dos

trabalhadores (sexo, idade, situação conjugal, número de filhos e escolaridade); o tempo de

trabalho na atividade; informações sobre a profissionalização na atividade e a propriedade

dos veículos; o processo de captação dos turistas e a sua procedência; a remuneração

sazonal; outras formas de remuneração; o regime e a jornada de trabalho; a questão de

segurança no trabalho e assistência médica; relação com a previdência social; e relação com

as associações de classe.

Quanto ao perfil destes trabalhadores, no que concerne ao sexo, constatou-se

que dos 721 bugueiros credenciados pela SETUR existem apenas entre cinco e oito

mulheres exercendo a atividade. Isto significa que o trabalho do gênero masculino

predomina na categoria, onde somente uma mulher foi identificada pela pesquisa. Esse

perfil se diferencia daquele dos trabalhadores que se encontra na atividade turística de uma

maneira geral, onde predomina o trabalho feminino nas funções mais operacionais, tais

como recepção, atendimento, limpeza, recreação, etc.

A idade deles encontra-se nas seguintes faixas etárias: 9,3% possuem idade

abaixo de 25 anos; 28,2% entre 26 e 33 anos; 25% entre 34 e 41 anos; e 37,5% possuem

idade acima de 42 anos. Isto nos revela um quadro empírico adverso ao que ocorre no

trabalho vigente na atividade turística em geral, uma vez que nessa atividade, encontra-se

uma parcela elevada de trabalhadores bastante jovens, devido fundamentalmente ao baixo

nível de qualificação dos trabalhos e à elevada taxa de rotatividade de mão-de-obra

existente no setor, além do pouco interesse dos trabalhadores mais qualificados em

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permanecer nesses serviços, conforme foi visualizado em (Fonseca & Petit, 2002) e Cunha

(1997).

Quanto aos bugueiros, a grande maioria dos trabalhadores situa-se na faixa

etária superior aos 34 anos (62,5%) e ainda observa-se uma parcela expressiva destes

profissionais com idade acima dos 42 anos (37,5%). Estes fatos são incomuns em muitas

funções operacionais existentes na atividade turística como um todo. Isto nos leva a

formular algumas suposições quanto ao trabalho dos bugueiros; enquanto que o empregado

nas atividades em geral dos serviços em turismo tem interesse transitório, os bugueiros são

trabalhadores autônomos que investem em meios de transporte, realizam cursos de

formação, se credenciam para o exercício da atividade e a torna um importante meio de

vida, não passível, portanto, de abandono imediato.

A situação conjugal dos entrevistados é a seguinte: 87,5% encontram-se em

situação de união conjugal (casado ou em regime de concubinato) e apenas 12,5% deles são

solteiros. Este é outro aspecto importante observado na pesquisa, ou seja, além de serem

trabalhadores mais idosos encontram em situação de união que requer melhores condições

orçamentárias necessárias para a manutenção da família, o que por sua vez pode conduzir

ideal e virtualmente a melhores condições de trabalho. Enquanto em hotéis, agências de

viagem ou bares e restaurantes, por exemplo, parte significativa da mão-de-obra é

predominantemente jovem, feminina e (sobre)vive com baixíssimos salários, na atividade

de bugueiros os trabalhadores possuem outras necessidades importantes de manutenção das

suas famílias, o que supõe a carência de melhores rendimentos.

Entre estes trabalhadores, é nítida a relação de dependência entre a situação de

união conjugal e a existência de filhos. Dos 87,5% que se declararam nesta situação, 92,8%

afirmaram possuir filhos4. Isto reforça o que foi acima afirmado, tendo em vista que além

da necessidade de reproduzir material e socialmente a sua família, o bugueiro ainda

necessita de melhores rendimentos para educar e encaminhar os seus dependentes. Apesar

disso, a quantidade de filhos desses trabalhadores segue a tendência estrutural de queda da

4 1 bugueiro possui 6 filhos; 2 bugueiros possuem 5 filhos; 1 bugueiro possui 4 filhos; 5 bugueiros possuem 3 filhos; 10 bugueiros possuem 2 filhos; e 7 bugueiros possuem 1 filho.

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taxa de fecundidade brasileira, que está em 2,4 filhos por mulher durante a vida

reprodutiva, para o ano 2000.

Já o nível de escolaridade da categoria dos bugueiros se situa dentro do quadro

geral dos recursos humanos empregados no setor de turismo, isto é, de baixa escolaridade.

Foi constatado o seguinte: 47% possuem apenas o 1° grau incompleto; 15,5% possuem 1°

grau completo; 18,7% 2° grau incompleto; e 18,7% 2° grau completo. Esta condição de

baixa escolaridade formal indica um problema fundamental existente no setor de serviços

no Brasil, especialmente na atividade turística norte-rio-grandense, ou seja, a falta de

recursos humanos qualificados. Isto é algo essencial para viabilizar essa atividade de

serviços, em especial no turismo local, que lida com o lazer exigente de usuários cada vez

mais sofisticados. O problema da necessidade do trabalho emocional levantado por Urry

(1996) limita ainda mais a qualidade dos serviços mediante uma mão-de-obra sem instrução

e/ou motivação, dadas as condições de possível insatisfação destes recursos humanos.

Mesmo que estes serviços sejam meramente operacionais, a qualidade do

trabalho dos bugueiros é imprescindível para sua boa avaliação, conforme mostrou Urry

(1996) quando se referia à subjetividade do que é ter qualidade ou não em seu exemplo do

trabalho em restaurantes. A qualidade dos serviços turísticos no Brasil, sobretudo no Rio

Grande do Norte, é algo polêmico, uma vez que tanto o poder público quanto o

empresariado do setor esperam, normalmente, que a mão-de-obra tenha “uma natural

vocação” para o turismo, tendo em vista as belezas naturais aqui existentes. É, no mínimo,

uma atitude cômoda que denota falta de planejamento e gestão adequada, tanto dos recursos

naturais quanto da mão de obra de qualidade para melhorar o desempenho do turismo local.

A predominância das atividades em serviços na sociedade atual, conforme

mostrou Offe (1991), proporcionou que a atividade de turismo ganhasse expressão nas

economias nacionais dos países subdesenvolvidos. Isso implica que, aproveitando-se das

potencialidades locais, alguns serviços inovadores, por exemplo, estes passeios de bugues

em locais aprazíveis, surgissem para atender às exigências de usuários. A qualidade na

prestação desses serviços passou a ser um desafio tanto para os trabalhadores quanto para

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os órgãos públicos e privados do setor, pelos riscos de acidentes que envolvem a operação e

a exigência da demanda.

Quanto às variáveis das relações de trabalho que a pesquisa enfoca, foi

verificado que o tempo de trabalho que estes bugueiros exercem a atividade é o seguinte:

3,1% declarou exercer a mesma há menos de 1 ano; 9,3% possui entre 2 e 3 anos de

trabalho; 6,3% encontra-se entre 4 e 5 anos; 15,5% entre 6 e 10 anos; 40,6% possui entre 11

e 15 anos; 18,7% entre 16 e 20 anos; e 6,3% está na atividade de bugueiro há mais 21 anos.

Isto significa que a grande maioria, isto é, 59,3% já trabalha como bugueiro entre 11 e 20

anos. Outra vez, essa categoria marca a sua diferença em relação aos trabalhadores do

turismo norte-rio-grandense, que não permanecem nos seus empregos por muito tempo.

Essa alta taxa de estabilidade profissional existente entre os bugueiro pode

indicar certa rigidez ou controle imposto pelo Governo do Estado do RN, que limita a

abertura de vagas ou credenciamento de novos profissionais. Tal dificuldade contribui

substancialmente para a melhora na qualidade do trabalho e para a diminuição dos riscos

nos percursos mais sujeitos a acidentes. Por ser uma atividade autônoma, o trabalhador

bugueiro pode exercer outras atividades quando houver crises sazonais da atividade, o que

contribui para que essa taxa se mantenha mais ou menos constante ao longo do tempo.

Quanto ao credenciamento desses profissionais pela SETUR/RN, verificou-se

que todos estavam credenciados. Ao contrário do que foi visualizado na fase de exploração

desta pesquisa, que se baseou em consultas a alguns jornais locais, e que diagnosticou a

existência de bugueiros atuando na clandestinamente, foi identificado que, praticamente

não existem profissionais ilegais em exercício na atividade pelos seguintes motivos: a

atuação do poder público, através da fiscalização própria e das associações de classe dos

próprios bugueiros, além da vigilância dos turistas que, orientados pelas agências e pelos

hotéis, cobram dos bugueiros suas credenciais.

Alguns dos entrevistados disseram já ter atuado como clandestinos, mas

atualmente encontram-se regularizados. Outros, apesar de não afirmar o mesmo,

responderam, quando perguntados sobre tempo de trabalho na atividade, que tinham menos

tempo de credenciamento do que de trabalho no exercício da profissão, o que induz a

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acreditar que já chegaram a trabalhar clandestinamente. Tendo em vista que o primeiro

credenciamento foi concedido em 1998, talvez nem devêssemos classificá-los como

clandestinos, a não ser a partir de então, apesar da existência desse tipo de passeio na época

e até mesmo na atualidade.

Foi também identificado, dentre os entrevistados, que quase todos, com exceção

de um, são proprietários dos bugues em que trabalham e que estes possuem apenas um

veículo. Sabe-se, porém, que nem todos os bugueiros são proprietários de bugues e que

alguns outros possuem até dois veículos autorizados para a atividade. Isso possibilita que

estes empreguem aqueles motoristas credenciados para fins de complementação de renda.

No entanto, foi constatado que, de uma maneira geral, os bugueiros possuem apenas um

bugue e trabalham apenas para si próprios.

De acordo com um quadro demonstrativo disponibilizado pela SETUR/RN,

existem atualmente no Estado do Rio Grande do Norte um total de 721 bugueiros

credenciados, embora existam somente cerca de 621 bugues autorizados para o tráfego 5.

Há, portanto, um saldo de 100 bugueiros além dos veículos. No entanto, esses bugueiros

não proprietários têm o direito de adquirir seus próprios veículos pela condição de

credenciados. Atualmente existem apenas três empresas (com CNPJ) que atuam nessa

atividade de passeio turístico, uma no município de Extremoz e duas em Natal.

Para obter esse credenciamento, os bugueiros são submetidos a um Curso de

Formação de Bugueiros, que é ministrado por instituições contratadas pela SETUR/RN ou

por ela própria, conforme afirma a portaria 018/02 de 2002. Conforme foi visto na pesquisa

de campo, alguns profissionais tiveram a preocupação de fazer outros cursos

complementares, tais como idiomas e de técnico em turismo. Na exploração jornalística

preliminar, observou-se que alguns cursos foram ministrados por órgãos do Governo do

Estado, tais como o Corpo de Bombeiros, a Secretaria de Defesa Social do Estado e o

Departamento Estadual de Trânsito do RN, exclusivamente para os bugueiros.

5 Neste total, encontram-se incluídos os veículos dos trabalhadores autônomos e das empresas especializadas da atividade.

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Indagou-se também, na pesquisa, como estes profissionais têm acesso aos seus

usuários turistas 6, isto é, como se dá a captação dos mesmos para os passeios pelos roteiros

de praias, lagoas e dunas aprazíveis. Dentre as respostas obtidas, houve uma variedade

significativa de possibilidades. A abordagem pessoal, embora nem sempre a mais usual nas

respostas, parece ser uma prática bastante comum em momentos de dificuldade que

ocorrem na baixa estação ou quando os outros meios de captação são insuficientes. No

entanto, apenas 18,7% dos entrevistados declaram abordar o turista dessa forma para

oferecer-lhe o passeio. Este mesmo percentual, ao tempo que abordam pessoalmente os

turistas, declarara também usar as agências de viagens, os hotéis e as associações de classes

como forma de captar os usuários de passeios.

O que se pode afirmar, sem perigo de erro, é que os agenciadores de atividade

são bastante comuns na forma de captar esses usuários. Dentre os quais se destacam,

segundo nossa classificação, os agenciadores formais, tais como agências, associações e

hotéis e os informais, como guias turísticos, recepcionistas de hotéis e pousadas,

proprietários/gerentes de bares e restaurantes e terceiros relacionados a esses equipamentos.

O que é apropriado afirmar é que estes agenciadores cobram uma comissão aos bugueiros

por turistas agenciados, o que diminui os rendimentos auferidos por estes. Cada agenciador,

formal ou informal, estipula essa comissão de trabalho e faz a ponte entre o turista usuário

dos passeios e o bugueiro. Somente assim é possível trabalhar nessa atividade, uma vez que

os outros meios de captação de turistas muitas vezes não são suficientes. Constatou-se

também que, embora existam os pacotes turísticos, cujos passeios de bugues já estão

inclusos, garantindo a certos bugueiros passeios regulares, há também uma parte

significativa destes profissionais que não contam com esses mecanismos que oferecem tais

vantagens.

Parece que as diversas associações da categoria desempenham um papel

decisivo na captação de usuários para esses passeios. Segundo 40,5% dos nossos

6 A nacionalidade dos usuários dos passeios de bugue é tanto turistas nacionais quanto turistas estrangeiros. 46,8% dos entrevistados responderam que não existe uma predominância de nacionalidade entre os turistas usuários dos passeios; 43,4% responderam que predominantemente atuavam com turistas nacionais; 6,3% disseram que os estrangeiros eram predominantes; e 3,1%, afirmou que, no geral, eram os nacionais, mas no momento os estrangeiros estavam prevalecendo.

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entrevistados, a sua associação contribui de forma importante para a captação dos seus

passageiros. Com algumas exceções, na opinião desses mesmos bugueiros, essas

associações, apesar de não serem a principal fonte de captação desses usuários, são

instrumentos importantes na integralização da renda mensal desses trabalhadores.

Na visão desses trabalhadores, essas associações beneficiam os sócios porque

“ajudam no acesso aos clientes; contribuem na fiscalização da atividade contra os bugueiros

clandestinos que hoje são poucos; são organizações que representam a categoria de

trabalhadores; prestam informações sobre o setor; oferecem segurança, ponto de apoio e

aparelhamento técnico, como telefone, fax, escritório, publicidade e propaganda, etc.”.

Apesar disso, alguns destes mesmos informantes se diziam insatisfeitos com suas

associações de classe, talvez até pelo vício de reclamar, que pouca coisa vislumbravam de

bom nessas associações.

Por outro lado, 59,5% dos entrevistados afirmaram que essas associações de

classe pouco ou quase nenhuma ajuda oferece à categoria, conforme segue: “Por enquanto

nada oferece”; “hoje quase nada oferece”; “nenhum benefício”; “são muito devagar”;

“somente a diretoria ‘enche o bucho’”; “são muito fracas” e “pouca coisa oferece” são os

exemplos das queixas de alguns credenciados abordados pela pesquisa. No entanto,

percebe-se que, caso indagássemos sobre possíveis feitos proporcionados aos bugueiros

pelas associações, tais como a construção de pontos de apoio e captação de passeios, eles

continuariam com as queixas, mas amenizariam com os poucos benefícios visualizados.

Deve-se diferenciar, todavia, essas associações de profissionais do Sindicato

dos Bugueiros do RN (o SINDBUGGY) que possui uma atribuição mais formal porque

representa a categoria dos bugueiros como um todo diante do poder público e junto à

SETUR/RN; enquanto as associações funcionam como entidades que congregam os seus

associados por locais de credenciamento para execução dos serviços de passeio turístico, e

para a demarcação territorial nesse mercado.

Constatou-se que todos os bugueiros entrevistados são associados a alguma

dessas associações, uma vez que é condição sine qua non estar vinculado a algum tipo de

apoio e cooperação. Percebeu-se na pesquisa que estes também são filiados ao

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SINDBUGGY, que representa os bugueiros junto à SETUR/RN e a outros órgãos públicos

e privados do Estado. Várias foram as associações identificadas pela pesquisa: a primeira

delas, a Associação dos Proprietários e Condutores de Bugues de Aluguel (APCBA), a

“Coopbuggy”, a Star Buggy e a Associação dos Bugueiros de Genipabu. Cada área de

credenciamento da atividade no Estado possui sua e/ou suas associação(ões) de

profissionais.

Por seu turno, para a manutenção dessas associações, os bugueiros contribuem

com uma mensalidade que varia de acordo com os critérios das diversas associações.

Constatou-se nas entrevistas as seguintes formas de mensalidades: por exemplo, a APCBA

cobra 5% do valor de cada passeio realizado pelo seu associado; outras R$ 1,00 (um real)

por dia de trabalho ou por passeio; a Star Buggy cobra entre R$ 60,00 e R$ 70,00 reais por

mês; a Bugre Show cobra R$ 25,00 mensais; e a Coopbuggy cobra entre R$ 10,00 e R$

16,00 também mensais. Pode-se compreender, através das respostas obtidas, com precisão,

que o Sindbuggy cobra uma mensalidade no valor de R$ 30,00 por cada bugueiro.

A questão crucial do trabalho, não apenas de bugueiro, mas em todas as

profissões, é a remuneração, onde no presente caso, como estamos tratando com

trabalhadores autônomos, nos referimos aos rendimentos médios mensais líquidos

esperados, ou seja, quanto se ganha mensalmente livre, descontados os custos da atividade

(combustível, manutenção do veículo, despesas com associações, pagamento a

agenciadores, guias, etc.) e adequando a variabilidade destes ganhos.

A seguir, a pesquisa abordou a variável “rendimento” obtida pelos bugueiros

nas altas e baixas estações, procurando apreender a sazonalidade da atividade7. De fato,

observou-se uma diferença substancial entre os rendimentos médios mensais líquidos

obtidos nessas ocasiões, o que para o trabalhador gera uma incerteza quanto a sua renda,

conforme segue nos dados a seguir.

7 Sabe-se que a existência atual dos vôos charters vindos diretamente da Europa contribuiu significativamente para o crescimento da atividade turística local. No entanto, ao contrário do que está impresso em algumas publicações jornalísticas locais, estes vôos não conseguiram eliminar a sazonalidade do setor, apesar de terem contribuído significativamente para atenuar os efeitos desta estacionalidade turística.

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No período da alta estação, 12,5% dos entrevistados responderam obter

rendimentos acima de R$ 3.000,00; 25% entre R$ 2.000,00 e R$ 3.000,00; 25% entre R$

1.500,00 e R$ 2.000,00; 22% entre R$ 1.300,00 e R$ 1.500,00; 6,2% entre R$ 1.100,00 e

R$ 1.300,00; 3,1% entre R$ 900,00 e R$ 1.100,00; e 6,2% não responderam.

No geral, constatou-se que 50% dos informantes disseram obter um rendimento

médio mensal líquido entre R$ 2.000,00 e R$ 3.000,00, o que podemos auferir que estes

valores estão, caso comparados a outras atividades vigentes no setor de serviços, acima do

vivenciado em diversas atividades deste setor. No caso do trabalho em turismo, de forma

geral, que se caracteriza por uma expressiva precariedade do trabalho, o rendimento dos

bugueiros possui um patamar bem mais acentuado.

Por outro lado, na baixa estação, época que a impressa local afirma existir uma

crise no setor turístico de passeios de bugues, conforme foi observado na fase exploratória

desta pesquisa, os rendimentos auferidos oscilam entre os seguintes patamares: 9,4% dos

bugueiros responderam obter rendimentos entre R$ 1.300,00 e R$ 1.500,00; 3,1%

rendimentos entre R$ 1.100,00 e R$ 1.300,00; 18,7% entre R$ 900,00 e R$ 1.100,00; 3,1%

entre R$ 700,00 e R$ 900,00; 37,5% entre R$ 500,00 e R$ 700,00; 22% entre R$ 300,00 e

R$ 500,00; e 6,2% não responderam. Isto indica que 59,5% dos informantes afirmaram

auferir nessa época de baixa estação uma média de rendimento mensal líquido entre R$

300,00 e R$ 700,00.

A oscilação entre os rendimentos obtidos pelos bugueiros entre estas estações

turísticas equivale à cerca de 400%. Isto posto, constata-se uma variabilidade extrema entre

o que eles recebem nos períodos de alta estação com relação à baixa. Isso revela uma

característica da atividade que leva o bugueiro a situações de insegurança quanto à sua

remuneração. Essas flutuações de rendimentos refletem a carência de passeios em alguns

meses do ano, chegando alguns bugueiros a obterem apenas um passeio semanal, segundo

alguns entrevistados.

Mesmo que esses rendimentos sejam flutuantes e incertos para muitos desses

profissionais bugueiros, comparando-se suas médias em relação a outros trabalhos vigentes

na atividade turística, verifica-se que estes são valorativamente melhores do que os salários

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obtidos em empregos referentes a muitas funções existentes em meios de hospedagem,

agências de viagens, bares e restaurantes, etc. Novamente os trabalhadores bugueiros se

diferenciam das demais categorias de trabalho presentes na atividade geral de turismo,

desta vez através de seus rendimentos, “marca maior” desta diferenciação.

Além dos rendimentos já referidos, os bugueiros auferem outras formas de

rendimentos que foram identificados pela pesquisa. Estes se referem às comissões e

benefícios (alimentação) proporcionados por bares e restaurantes, fundamentalmente, aos

bugueiros por conduzirem os usuários dos passeios a seus estabelecimentos comerciais.

Isso se refere ao “salário político” que mostrou Claus Offe e Berger (1991) e o “sistema

total de recompensas” mencionado por Urry (1996).

Um outro tema neste estudo é o regime de trabalho, cuja variável observada é

vivenciada pelos trabalhadores bugueiros predominantemente nos turnos matutino e

vespertino de trabalho.

Constatou-se, primeiramente, que há uma flexibilidade da jornada de trabalho

destes profissionais. Como são autônomos, eles mesmos estipulam sua jornada diária de

trabalho. Os entrevistados informaram trabalhar fundamentalmente nos turnos matutino e

vespertino8. No entanto, como nem todos conseguem passeios para os dois turnos,

trabalham apenas pela manhã ou à tarde. De acordo com as entrevistas, dentre os que

afirmaram trabalhar dois turnos, verificou-se que 41,4% disseram trabalhar 8 horas por dia;

20,7% disseram 10 horas; 13,8% falaram 12 horas; 20,7% entre 8 e 10 horas; e 3,4% não

soube dizer. Sintetizando, isto expressa a predominância da jornada de trabalho em 82,8%

em torno de 8 às 10 horas ao dia. 9,3% dos informantes afirmaram trabalhar apenas no

turno matutino ou em finais de semana. Estes alegaram exercer outro trabalho, em especial

identificado pela pesquisa os de segurança e cargo público.

Isto revela outra característica estruturante do trabalho de bugueiro, isto é, as

jornadas de trabalho incertas e relativamente longas. Quando encontram trabalho, esses

profissionais podem despender longas jornadas de trabalho, além do tempo de espera pelos

8 É incomum a realização desses passeios à noite, a não ser em ocasiões especiais.

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turistas em seus locais de lazer (bares, restaurantes, lagoas, etc.) que cada dia eles

suportam.

Outra variável analisada pela pesquisa refere-se às condições de segurança no

trabalho, uma vez que na fase exploratória da pesquisa foi observada a evidência relevante

de acidentes envolvendo bugues de passeios turísticos.

A incidência desses acidentes foi observada significativamente entre os

entrevistados. Destes, 15,6% disseram já ter ocorrido no exercício de seu trabalho algum

tipo de acidente9.

As condições de trabalho do bugueiro são de grande fragilidade, uma vez que

este se locomove em dunas de área fixas e móveis que se constituem em campos de difícil

tráfego. Além disso, estes profissionais, dadas as suas limitadas condições de trabalho, nem

sempre dirigem em estado de saúde física e mental adequadas, além de questão da

imprudência como um fator a mais de risco. Essa incidência de acidentes relatados

exemplifica uma situação que preocupa o dia-a-dia de trabalho de qualquer profissional.

Essas são dificuldades vivenciadas em cotidianos de trabalho intensos de sol-a-sol, tendo

que se realizar manobras muitas vezes arriscadas, além da já referida espera estressante

pelos turistas em seus locais de pouso: bares, restaurantes, lagoas, clubes, etc. Tal

precariedade induz a diversas preocupações no âmbito da saúde ocupacional do

trabalhador, ou seja, a presença ou ausência em diversos níveis de bem-estar físico e mental

decorrente das condições de trabalho.

A questão do pagamento de assistência médica por parte do trabalhador,

juntamente com a previdência social, revelam preocupações futuras de bem estar individual

e familiar. Ambos, aparato de saúde e condições futuras de aposentadoria (previdência)

constituem-se em seguranças para qualquer trabalhador. No caso dos bugueiros, ambas

revelam significativas fragilidades. 9 Dentre estes tipos de acidentes, destacam-se os seguintes, segundo os próprios bugueiros: “falha anormal do bugue, resultando em queda de turista do veículo; o bugue rabejou e o motorista perdeu o controle, mas sem feridos; batida frontal na Via Costeira com outro veículo; uma situação em que dois turistas desobedecem às ordens do bugueiro e caem do bugue, mas sem ferimentos graves; e outro acidente com o bugueiro, mas sem turistas”.

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Sobre o pagamento de algum convênio médico como autônomos, dos

entrevistados, 15,6% responderam pagar independentemente planos de saúde isolados10;

62,5% dos entrevistados se referiram ao pagamento mensal às associações como forma de

assistência médica11; e 21,8% responderam não pagar nenhum tipo de convênio médico.

No caso destes que não pagam nenhum convênio médico, em caso de eventual

acidente, subentende-se que os hospitais públicos seriam a solução.

Na questão da previdência social, evidenciou-se uma situação preocupante para

o setor, isto é, a não contribuição para alguma forma de previdência social, o que implica

limitações extremas para futuras aposentadorias, já que são autônomos e carecem, por isso,

contribuir como tais. Dos informantes da pesquisa, apenas 25% afirmou contribuir para

alguma forma de previdência social12.

Dos demais entrevistados, 68,7% afirmaram que não contribuíam com nenhuma

forma de previdência social, onde muitos não quiseram alegar os fatores para a não

contribuição ou não sabiam com precisão. Nas falas de alguns bugueiros, estavam: “não

sobra verba”; “não é viável”; em dois casos a “falta de planejamento”; “ainda vou

contribuir”; e até chegaram a dizer que “não tem valor”. 3,1% dos entrevistados não quis se

manifestar sobre este assunto e 3,1% já se encontram na condição de aposentado.

Por fim, como acréscimos à pesquisa, poucos quiseram se manifestar,

supostamente por motivos de receio evidentemente encontrado em pesquisas sobre assuntos

tementes a sua própria reprodução social. Dentre os que se manifestaram, alguns

reclamaram das condições ruins das estradas; da falta de incentivo por parte do governo e

da falta de organização da atividade.

10 1 bugueiro declarou o Plano de Saúde “Amil”, 2 bugueiros o “Hapvida” e outros 2 o “Unimed”. 11 Um dos bugueiros disse não considerar este pagamento um “plano de saúde”, por motivos não explicitados, onde alguns reclamaram que tais pagamentos serviam, em caso de acidente, apenas aos turistas e não ao condutor. 12 5 responderam a contribuição pessoal ao INSS; 1 disse previdência privada; outro Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal e outro considerou a associação como maneira de se aposentar.

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Como ilustração do que se apreendeu empiricamente da pesquisa, tem-se a fala

de um dos bugueiros entrevistados:

“Temos o melhor trabalho da cidade em relação ao turismo. Não é emprego e sim trabalho. A forma do trabalho, se fosse um rendimento fixo, seria o melhor emprego”.

Este é, dentre os bugueiros entrevistados, um retrato do perfil destes

profissionais, ou seja, um trabalhador do sexo masculino, com mais de 34 anos de idade e

que possui bons rendimentos com a atividade, mas vivencia as suas várias incertezas.

Entendemos por “rendimento fixo”, presente em sua fala, uma forma de remuneração

estável, pois ele não declarou o seu rendimento devido a sua preocupação com a

instabilidade da atividade vigente nas altas e baixas estações.

Houve certo receio por parte de alguns bugueiros em responderem

determinadas questões, pois estes acharam que estas entrevistas serviriam para esclarecer

que seus rendimentos são elevados e com isso contribuiriam para o aumento da luta para a

abertura de mais vagas no credenciamento de novos bugueiros. Isso aponta mais uma vez

para outra insegurança destes profissionais.

Por fim, evidenciamos uma série de incertezas vivenciadas por estes

trabalhadores bugueiros, estas referentes aos seus rendimentos mensais; as suas condições

de segurança; as suas jornadas de trabalho e as suas condições de previdência social, todos

estes quatro elementos primordiais para a reprodução social de um trabalhador em sua vida

cotidiana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho possuiu como objetivo geral compreender e analisar as condições

de trabalho vigentes nos serviços turísticos de passeios de bugues no Estado do Rio Grande

do Norte, estudo este realizado a partir de uma bibliografia sobre as especificidades

sociológicas presentes no setor de serviços e de um resgate sobre o histórico da atividade

turística no RN, enfocando o papel do Estado na viabilização da atividade.

Decorrente de algumas limitações operacionais oriundas da pesquisa de campo,

optou-se denominar as considerações finais deste trabalho como uma “aproximação

qualitativa preliminar”, tendo em vista o seu caráter não conclusivo, devido à

impossibilidade estatística de generalização e à carência de técnicas qualitativas

especificamente. O mesmo realizou-se mediante a utilização de entrevistas abertas com

estes profissionais bugueiros, com fins de captar os temas e variáveis contidos no programa

de entrevistas por esta pesquisa delineado.

Partiu-se, no primeiro capítulo, da análise das especificidades sociológicas

presentes no setor de serviços e no uso da mão-de-obra, fundamentalmente pautada esta

discussão nos sociólogos Claus Offe e John Urry. Analisaram-se três aspectos essenciais

para esta pesquisa: a definição sociológica de “serviço”; as hipóteses que explicam o

desenvolvimento acentuado deste setor nas sociedades contemporâneas; e a subjetividade

destes serviços e sua relação com o uso da mão-de-obra no setor. Estes passos foram

essenciais para a parte posterior do trabalho, pois se entende o turismo como resultado

deste desenvolvimento moderno dos serviços e também pela extrema capacidade da

atividade empregar recursos humanos em sua cadeia produtiva.

A partir disso, no capítulo segundo, seguiu-se uma compreensão histórica do

surgimento da atividade turística no Estado do Rio Grande do Norte, enfocando

fundamentalmente a criação da atividade e seu conseqüente mercado de trabalho através da

ação do Estado na implementação de políticas públicas de turismo. O serviço de passeio de

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bugues no RN é, então, um reflexo da complexidade que envolve a cadeia produtiva do

turismo e expressa a demanda de força de trabalho para as suas funções.

O discurso acrítico que tenta legitimar o turismo através de seus postos de

trabalho gerados é aquele que, a partir de uma ótica superficial, reproduz as mensagens

governamentais sobre a atividade e, conseqüentemente, contribui para tornar as condições e

relações de trabalho em turismo ainda mais “mascaradas”. Isto posto, a pesquisa de campo

aqui contida contribuiu para elucidar tal visão superficial.

Na terceira parte do trabalho, que compreendeu a presente pesquisa de campo,

visou-se investigar, para a compreensão e análise do trabalho de bugueiro no RN, temas e

variáveis específicas envolvidas nos objetivos aqui propostos. Decorrente disso,

evidenciou-se preliminarmente nesta pesquisa as condições de trabalho vivenciadas pelos

bugueiros no RN, através de nossa investigação de campo com estes profissionais em suas

jornadas de trabalho.

Constatou-se um quadro empírico adverso ao que ocorre nas demais categorias

de trabalho vigentes na atividade turística como um todo. No turismo em geral, observa-se

uma enorme precariedade das condições e relações de trabalho, dadas por flexibilização,

terceirização, informalidade, rotatividade de mão-de-obra, baixos salários, altas jornadas de

trabalho, sindicalização ineficiente, trabalhadores em sua maioria jovens e do sexo

feminino, dentre todas as características já apresentadas ao longo deste trabalho, apontadas

por Cunha (1997), Paiva (1995), Fonseca e Petit (2002) e Gomes et al (2002).

A diferença entre os trabalhadores bugueiros e os demais profissionais da

atividade turística em geral se dá, primeiramente, pelo perfil desses primeiros. Os bugueiros

captados pela pesquisa são essencialmente homens, com idade predominante acima dos 34

anos, em estado de união conjugal e detentores de filhos. A variável que se percebeu ser

semelhante a estes trabalhadores do turismo em geral é a instrução escolar, que

genericamente apresenta-se de baixo nível.

Sobre as condições de trabalho, no caso dos bugueiros, observam-se condições

de trabalho bem melhores das vivenciadas em outros ramos da atividade turística, por

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exemplo, trabalho em hotéis, pousadas, agências de viagens e bares e restaurantes

turísticos. No entanto, esta valoração a que estamos fazendo, e que ainda constatamos na

empolgação de parte da população local, não reflete o ano inteiro, uma vez que tais serviços

se caracterizam por uma enorme incerteza quanto à realização do trabalho. São estas

incertezas que motivaram o título deste trabalho.

Primeiramente, há uma incerteza quanto à renda, isto é, não se recebe o ano

inteiro a mesma renda que se obtém na alta estação turística; no capítulo anterior,

visualizou-se uma oscilação em torno de 400% entre a alta e baixa estação. É sem dúvida

uma flutuação de rendimento bastante instável para qualquer planejamento orçamentário

familiar.

Em segundo lugar, existe uma incerteza quanto à duração da jornada e do

regime de trabalho, devido estes bugueiros trabalharem na disposição de possibilidade de

passeios, o que pode ocorrer ou não. Alguns podem trabalhar, por exemplo, duas horas

diárias; outros doze horas e alguns voltar para casa sem passeios efetivados.

Em terceiro lugar, há uma incerteza quanto às condições de segurança no

trabalho, já que estes trabalhadores laboram mediante condições de tráfego mutável em

seus trajetos e estão sujeitos às alterações em suas condições psicológicas como condutores.

Isto se aplica a todos os bugueiros, desde os mais novos na atividade, até os mais

experientes. Trabalha-se em ambientes naturais que não pedem licença para modificarem-

se, tais como dunas fixas e móveis; ao longo do sol ardente e do relógio que impregna o

horário do início do passeio e do fim do dia de trabalho.

Em quarto lugar, há uma incerteza quanto à situação previdenciária, ou seja,

como parte significativa dos bugueiros não contribui para nenhuma forma de previdência,

futuramente terão problemas para aposentadorias equivalentes ao que se ganha atualmente

na atividade.

Por fim, esta pesquisa tentou evidenciar, apesar de suas limitações, as

condições de trabalho destes trabalhadores bugueiros do RN, tendo em vista avançar

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analiticamente em mais um aspecto presente nos estudos sociológicos sobre turismo, ou

seja, o trabalho.

REFERÊNCIAS

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