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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR INSTITUTO DE CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS FACULDADE DE TURISMO

PRISCILLA ROBERTA CAMARGO FERREIRA

TURISMO CULTURAL, PATRIMNIO E EDUCAO PATRIMONIAL: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O ESPAO SO JOS LIBERTO EM BELM (PA), E A COMUNIDADE DO ENTORNO

BELM 2011

PRISCILLA ROBERTA CAMARGO FERREIRA

TURISMO CULTURAL, PATRIMNIO E EDUCAO PATRIMONIAL: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O ESPAO SO JOS LIBERTO EM BELM (PA), E A COMUNIDADE DO ENTORNO

Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Turismo, pela Universidade Federal do Par.

Orientador: Prof. Dr. Raul Ivan Raiol Campos.

BELM 2011

PRISCILLA ROBERTA CAMARGO FERREIRA

TURISMO CULTURAL, PATRIMNIO E EDUCAO PATRIMONIAL: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O ESPAO SO JOS LIBERTO EM BELM (PA), E A COMUNIDADE DO ENTORNO

Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial para obteno do grau em Bacharel em Turismo, pela Universidade Federal do Par. Aprovado em: ____/____/____ Conceito: _________________

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Raul Ivan Raiol de Campos UFPA Orientador Examinador 1:___________________________________ Examinador 2:___________________________________

Para a comunidade da Cidade Velha, lugar aonde o passado, o presente e o futuro se encontram todos os dias.

AGRADECIMENTOSA hora dos agradecimentos a mais complicada; no h regras, no h normas; nenhum modelo bsico. difcil nessa hora no se tornar um clich, mas por pior que parea, que seria de ns sem eles? Mesmo no sendo um modelo de religiosidade, eu devo agradecer a Deus por ter me proporcionado inmeras oportunidades de ser o que sou; por ter me dado a vida que um gato tem, por ter uma famlia tradicional e moderna ao mesmo tempo, por ter amigos no Brasil e no mundo, por viver em uma cidade que eu mais amo do que odeio, por ter vindo de uma cidade que me mostrou o mundo, e por ter vivido em um estado que me mostrou a beleza da cultura, e acima de tudo, por ser consciente desses privilgios. Na vida acadmica, no posso deixar de agradecer aos mestres da Pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana, eles me mostraram a luz da educao, sem eles, esse trabalho no seria possvel. No Turismo, agradeo a todos os mestres que trilharam comigo esse caminho, e em especial ao professor Lucio Bentes, por seu eterno otimismo, profissionalismo e amor a profisso; ao professor Eduardo Gomes, por questionar, entristecer, alegrar e viver a tica do turismo; e ao meu orientador, professor Raul Ivan pelo seu conhecimento e apego ao Patrimnio Cultural. Agradeo aos meus pais, meus maiores incentivadores, meus irmos que me divertem e me irritam, a minha av Nair que sempre me entende, ao meu namorado que quase sempre me entende, a aos meus familiares que esto sempre ao meu lado, meus tios, tias, primos, primas avs e avs. Sou afortunada por ter essas pessoas em minha vida. Aos meus amigos baianos (Mnica, D, Rogrio, Caio, Lucas, Rogenia, Thiago, Ana Cristina,Igor, Karina, Duda e a lista que no tem fim), aos meus amigos feitos aqui na UFPA (Tercia, Yuri, Charles, Catarina, Luciana, Jesuline, Louriene, Qusia, Lucicla). Agradeo a Prof. Rosngela e a Sra. Carmem de Souza do IGAMA por me receberem to bem, ao Adrielson da BelemTur por sua espontaneidade e honestidade e tambm a Carla Cruz do IPHAN, por seu trabalho em Belm. Enfim, agradeo a vida, aos problemas, aos desafios, as dificuldades e toda a aprendizagem que eles me trouxeram; sem isso eu no seria o que sou.

A educao , pois, a arte que se prope este objetivo, a converso da alma,e que procura os meios mais fceis e eficazes de o conseguir. No consiste em dar viso ao orgao da alma, visto que j a tem. Mas, como ele est mal orientado, e no olha para onde deveria, ela esforasse para encaminh-lo na boa direo. (O Mito da Caverna Plato)

RESUMOO presente trabalho teve como objetivo central conhecer as relaes estabelecidas entre o Espao So Jos Liberto, e a comunidade do entorno, e suas conseqncias para o Turismo Cultural em Belm do Par. Nessa perspectiva, estudou-se o patrimnio turstico localizado nos bairros da Cidade Velha e Jurunas em Belm do Par, a comunidade do seu entorno e tambm o poder pblico nas esferas municipal, estadual e federal. Por meio de pesquisas bibliogrficas, documentais e fotogrficas, fundamentou-se teoricamente este trabalho; tambm havendo pesquisa de campo, onde foram utilizadas entrevistas abertas com a populao do entorno, poder pblico e turistas. Sendo assim, as categorias analticas apresentadas nesse trabalho foram cultura, patrimnio cultural, turismo cultural e educao patrimonial. Foram traadas as relaes entre elas, e de que modo suas dinmicas influenciam na vida da comunidade belenense. Foi possvel verificar que apesar dessas categorias estarem ligadas, so tratadas de modo isolado. Assim sendo, atualmente o turismo parece no ser afetado to fortemente, entretanto, a relao entre a comunidade do entorno e o patrimnio (So Jos Liberto) precisa ser fortalecida, pois a comunidade do entorno pouco se identifica com ele.

PALAVRAS-CHAVE: SO JOS LIBERTO, COMUNIDADE DO ENTORNO, PATRIMONIO CULTURAL, TURISMO CULTURAL, EDUCAO PATRIMONIAL.

ABSTRACTThe present study aims to understand the relationship between Espao So Jos Liberto and the surrounding community, and its consequences for cultural tourism in Belm do Par. From this perspective, we studied the public space located in the tourist districts of Cidade Velha and Jurunas in Belem, as well as the surrounding community and the relevant administration in the municipal, state and federal levels. The theory of this work was based off the review of academic literature, government publications, photographs and historic documents. Field research was also conducted (open interviews were made with the surrounding population, public administration, and tourists). The analytical subjects presented in this work are: culture, public heritage, cultural tourism and heritage education. We traced the relationships between them, and how this dynamic influences the community of Belem. It was noted that although these subjects are related, they are treated in an isolated way by governmental institutions. Thus, at this moment, it was show that did not affect tourism strongly; however, the relationship between the community and public heritage (in this case) needs to be strengthened, because the surrounding community does not relate to its own heritage.

KEYWORDS: ESPAO SO JOS LIBERTO, SURROUNDING COMMUNITIES, CULTURAL HERITAGE, CULTURAL TOURISM, HERITAGE EDUCATION.

SUMRIO

1. INTRODUO..................................................................................

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2. CULTURA E PATRIMNIO 2.1 DEFINIO DE CULTURA............................................................... 2.2 CULTURA E CONTROLE SOCIAL NO BRASIL............................... 2.3 A CULTURA BRASILEIRA................................................................ 2.4 A CULTURA E O PATRIMNIO CULTURAL................................... 2.5 O PATRIMNIO CULTURAL BRASILEIRO..................................... 2.6 TURISMO CULTURAL...................................................................... 3. EDUCAO PATRIMONIAL 3.1 O QUE EDUCAO PATRIMONIAL.......................................... 3.2 AS CASAS DO PATRIMNIO........................................................ 4. POLTICAS PBLICAS E O PATRIMNIO CULTURAL 4.1 O QUE SO POLTICAS PBLICAS?............................................ 4.2 POLTICAS PBLICAS CULTURAIS NO BRASIL.......................... 42 43 34 39 15 18 21 24 26 30

5. O ESPAO SO JOS LIBERTO E A COMUNIDADE BELENENSE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE COMUNIDADE, PATRIMNIO CULTURAL E SUAS RELAES COM O TURISMO 5.1 A CONTEXTUALIZAO HISTRICA DO SO JOS LIBERTO... 5.2 O ESPAO SO JOS LIBERTO E SEUS VISITANTES............... 5.3 A COMUNIDADE DO ENTORNO: UM PERFIL SOCIOECONMICO.............................................................................. 5.3.1 A comunidade e o So Jos Liberto: Uma relao em construo........................................................................................ 5.3.2 BelemTur, IPHAN e IGAMA: Turismo Cultural, Patrimnio Cultural e Educao Patrimonial , vises sobre o poder pblico e o Espao So Jos Liberto....................................................................... 76 68 65 49 59

5.3.2.1 O Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) 5.3.1.2 O Instituto de Gemas e Jias da Amaznia IGAMA......... 5.2.1.3 A Coordenadoria Municipal de Turismo BelemTur...........

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6. CONSIDERAES FINAIS............................................................. 7. REFERENCIAS............................................................................... 8. APNDICES...................................................................................

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APRESENTAO A primeira vez que ouvi sobre a cidade de Belm do Par foi em 1992 quando meus avs paternos decidiram deixar a capital paulista, e viver em uma cidade menor e mais tranqila. Confesso que no sudeste do Brasil raramente pensamos em como a vida no norte, por isso mesmo ainda sendo criana fiquei curiosa a respeito da cidade. Aps chegarem em Belm meus avs compraram uma casa em um bairro chamado Cidade Velha, o que denotava ser um bairro histrico, talvez residencial; aps longas conversas ao telefone percebemos que era uma rea histrica, porm muito perigosa. Nas proximidades da casa dos meus avs havia um presdio, por diversas vezes presos haviam escapados, e havia muita tenso por l. Em 1994 finalmente pude vir a Belm e as constantes recomendaes acerca da violncia pareciam desencantar um bairro to bonito como a Cidade Velha. Aps quinze dias de frias voltei para a minha vida, e esqueci sobre a realidade to intrigante que eu havia conhecido. Em 2006 eu e minha famlia resolvemos nos mudar para Belm do Par, e logo nos primeiros dias fui convidada a visitar o antigo presdio. Aceitei ao convite e ao chegar ao Espao So Jos Liberto simplesmente no tinha palavras para descrever a beleza daquele lugar, imaginei que todos da comunidade estavam felizes com o novo ponto cultural e que todos faziam visitas constantes; afinal a estrutura, e a historia que o local possua era vastssima, e todos desfrutavam desse ambiente. Aps voltar dessa visita comecei a conversar com os vizinhos sobre como o Espao So Jos Liberto era lindo, e os questionei sobre suas opinies. Para minha surpresa ningum havia ido ao local. Todos sabiam de sua existncia, mas no o freqentavam, ou se quer sabiam o que havia l dentro. Suas memrias eram restritas a rebelies e fugas da poca do Presdio. O incomodo que essa situao me causou me acompanha at hoje no ultimo ano da faculdade de turismo, pois aps ler e aprender tanto sobre Patrimnio Cultural, Cultura e Cultura Brasileira, Planejamento do Turismo, esse

questionamento tomou propores maiores, e me fazem buscar respostas para esse aparente afastamento ou no identificao do Patrimnio Cultural com a comunidade do entorno. Ser que o Espao no poderia desenvolver aes de educao patrimonial que aproximasse a comunidade do entorno? Ser que s eventos promovidos pelas classes economicamente superiores tm algum apelo

cultural no Espao So Jos Liberto? Ser que s essas classes tm acesso a educao e por isso se vem no Patrimnio Cultural? Como isso afeta o bem estar da comunidade do entorno e como isso afeta o Turismo? Este Trabalho de Concluso de Curso (TCC) se embasar em teorias e em trabalho de campo para procurar possveis respostas a essas questes.

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1. INTRODUO

Beni (2009) afirma que o Turismo um sistema aberto que envolve diversas reas de atuao e conhecimento, logo se entende o valor de estudos interdisciplinares capazes de ressaltar gradativamente a autoridade do mesmo. Sendo assim, a necessidade e a grande abrangncia de pesquisa com os mais diversos temas relacionados ao Turismo enriquecem seus estudos e cada vez mais concretizam sua importncia e relevncia, tanto para o meio acadmico quanto para a sociedade em geral. Nesse sentido, dentro do campo dos estudos de Patrimnio Cultural e Turismo, esse trabalho se prope a visualizar essa interao na cidade de BelmPar. Inserido em uma construo terica e prtica o Patrimnio no ser percebido de modo esttico e alheio da realidade das massas, mas sim como parte imprescindvel na construo do contexto cultural e educacional na cidade de Belm. O Espao So Jos Liberto um espao que h cerca de nove anos foi restaurado aps ter servido de presdio nos ltimos anos do sculo XX, a proposta inicial de utilizao dele seria o de divulgao da cultura paraense e incluso da sociedade local como um todo nesse funcionamento. Ali tambm funciona o Museu das Gemas e o Plo Joalheiro, onde so produzidas jias para serem comercializadas. Nessa perspectiva, o Espao So Jos Liberto sempre visto como um lugar belo por suas novas formas, e vem sendo constantemente apreciado como um ponto turstico. A memria dos tempos de hospital, mosteiro ou cadeia pblica se apagaram e atualmente os estudos voltados para ele focam-se em sua propriedade artstica, porm a comunidade do entorno parece no se identificar com arte ou mesmo cultura, ainda que essa seja fruto tambm desta comunidade. na investigao de fatores que possam colaborar na visualizao das caractersticas na relao entre Patrimnio Cultural (Espao So Jos Liberto) e Turismo que se encontra a importncia desse trabalho, sejam eles nas polticas pblicas, na educao ou na comunidade do entorno. Nessa contextualizao a primeira parte deste trabalho foi desenvolvida por meio de pesquisa bibliogrfica, documental e fotogrfica; para isso foram utilizadas

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trs categorias analticas centrais: Cultura, Patrimnio Cultural e Turismo Cultural. Depois de construda a base terica, iniciou-se a pesquisa de campo, que objetiva contrastar-se com as teorias. Desse modo, a segunda parte deste trabalho exibe a construo da pesquisa de campo. Durante o ms de outubro de 2011 foi feita pesquisa de campo com moradores do entorno, visitantes do Espao So Jos Liberto e com o poder pblico, representado pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), Instituto de Gemas e Jias da Amaznia (IGAMA) e Coordenadoria de Turismo do Municpio de Belm (BelemTur). As entrevistas semi-abertas foram realizadas com vinte moradores do entorno do Espao So Jos Liberto (ver apndice A). A partir dessas entrevistas, foi possvel traar o perfil socioeconmico da comunidade, perceber suas opinies e entender como se d a interao por parte da comunidade do entorno com o espao. Como o Espao So Jos Liberto tambm um ponto turstico, durante esse perodo realizou-se inclusive entrevistas semi-abertas com quinze visitantes (ver apndice B). Assim, foi possvel perceber qual o pblico que freqenta esse espao e quais so os aspectos positivos e negativos do mesmo no ponto de vista dos visitantes. Por fim, entrevistas abertas foram feitas com o IGAMA, o IPHAN e a BelemTur, (ver apndice C, D e E), pois imprescindvel a participao da perspectiva do poder pblico na questo patrimonial e cultural. No ltimo captulo deste trabalho, so explicitadas as percepes e imagens que foram construdas ao longo da realizao da pesquisa.

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2. CULTURA E PATRIMNIO 2.1. Definio de Cultura

Cultura um componente fundamental para o estudo de vrias reas de conhecimento. Na realidade do turismo no diferente, pois o entendimento da cultura indispensvel na manifestao desse fenmeno; obviamente sua importncia para a rea do Turismo uma realidade que permite perceber a efetividade do mesmo, constituindo-se tambm como ferramenta no planejamento e aprimoramento desta rea. As diversas conceituaes para o termo cultura, podem proporcionar diferentes conotaes, como erudio, conhecimentos artsticos ou cientficos e at mesmo conservao. Porm, o termo cultura aqui estudado tem o comportamento humano como base de sua definio. A cultura toda a produo humana proposital ou no. Ela transmitida de gerao a gerao e nunca permanece a mesma, pois assim como os seres humanos, a cultura viva, ou seja, est em permanente mutao. importante salientar que cultura no sinnimo de erudio, pois todos os povos a produzem. comum considerar-se que cultura um elemento restrito ao continente europeu, porm, a verdade que o Brasil um pas vasto em cultura e no apenas aquela trazida da Europa, mas a cultura dos povos que j viviam h muito tempo aqui, os indgenas. Del Priore e Venncio (2010, p. 21) asseguram que:Os ancestrais das tribos tupis no eram apenas estmago. Eram extremamente sensveis ao mundo cultural: esculturas de pedra e osso representando pssaros, mamferos e homens constituem um catlogo apaixonante de suas criaes artsticas. Nas grutas, a representao de animais cada grupo tinha seu favorito, como o tamandu, peixes ou tucanos -, de formas geomtricas ou de figuras humanas envolvidas em cenas familiares e sexuais indica o misto de fruio esttica e investimento ritual em torno das imagens.

Assim, entende-se que cultura fruto de qualquer sociedade, pois o homem a constri no coletivo e no existe um povo que no produza cultura. Nessa viso, preciso abandonar preconceitos relacionados a povos tidos como no civilizados ou aculturados, preciso entender o que cultura no sentido mais amplo de sua expresso. Para Castro (2005, p. 69) cultura pode ser definida da seguinte forma:Cultura ou civilizao, tomada em seu amplo sentido etnogrfico, aquele todo complexo que inclui conhecimento, crena, arte, moral, lei,

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costumes e quaisquer outras capacidades e hbitos adquiridos pelo homem na condio de membro de uma sociedade.

Desse modo infere-se que independentemente do povo, a manifestao cultural inerente ao seres humanos. Dentro dessa manifestao podem-se observar caractersticas distintas que ajudam o saber da inteno do termo e tambm do ser cultura. Mello (1987) certifica que: A cultura objetiva e subjetiva: as idias, os pensamentos, os valores, crenas, tudo aquilo que permeia o pensamento social e embasa as situaes particulares, que so manifestadas dentro de cada sociedade e de cada grupo social inserido nela. A cultura material e no-material: todos os artefatos, materiais, invenes, ou seja, tudo aquilo que produzido por uma sociedade denominado de cultura material e essa manifestao material nada mais do que o fruto dos pensamentos dessa sociedade, isto , de sua cultura imaterial. A cultura real e ideal: essa a diviso entre aquilo que se afirma acreditar e fazer e entre o que realmente se vive no dia-a-dia. A cultura ideal a norma estabelecida socialmente. A real a manifestao de situaes que ocorrem e as reais manifestaes sociais a isso.

A cultura dentro de qualquer sociedade indubitavelmente um elemento essencial para a manuteno de qualquer atividade. Obviamente no h sociedade sem cultura, nem cultura sem sociedade, pois a manifestao da cultura se d atravs do coletivo. De acordo com Mello (1987, p. 42)[...] que a cultura, embora seja em ltima anlise obra do homem e exista para o homem, ela uma tarefa social e no individual; ela o conjunto de experincias vividas pelo homem atravs de mais de um milho de anos de existncia.

Nesse sentido, a cultura de todos e para todos, pois passada de gerao a gerao; os ensinamentos, as prticas, os pensamentos, as

manifestaes materiais e imateriais, no podem ser privatizadas, isoladas ou alienadas daqueles que a produzem. A produo da cultura diria e continua, pois todos os membros de uma sociedade so responsveis por isso.

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Dentro de cada sociedade a construo de cada cultura determina o modo de agir de seus membros. por meio dessa construo cultural que os padres de comportamentos so determinados, sendo assim, a cultura condiciona a viso e a concepo de um povo, acerca dos mais variados assuntos e temas. Tudo aquilo que se encontra fora dos padres j estabelecidos, julgado como incorreto e pode at chegar a ser repudiado. Para Laraia (2003, p. 67) O modo de ver o mundo, as apreciaes de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais so assim produtos de uma herana cultural, ou seja, o resultado da operao de uma determinada cultura. Essa simbologia que envolve a cultura um fator essencial para os estudos inerentes cultura. Assim, Brando (1986 p. 23), analisa que:O trabalho de transformar e significar o mundo o mesmo que transforma e significa o homem; uma prtica coletiva. uma ao socialmente necessria e motivada e a prpria sociedade em que o homem se converte para ser humano parte da cultura, no sentindo mais amplo que possvel atribuir a essa palavra. Tambm a conscincia do homem, aquilo que permite a ele no apenas conhecer, como os animais, mas conhecer-se conhecendo, o que lhe faculta transcender simbolicamente o mundo da natureza de que acompanha na historia o trabalho humano de agir sobre o mundo e sobre si mesmo. A construo social da conscincia realiza-se atravs do trabalho, que, por sua vez, resulta da possibilidade de comunicao entre as conscincias, ao ser realizado coletivamente e ao ser coletivamente significado.

O simbolismo cultural um elo social que reflete os hbitos construdos de modo coletivo, ele responsvel pela identificao ou no dessa sociedade com diversas situaes que ocorrem no seio da mesma. Isso mostra que a cultura, subjetiva como objetiva, um conjunto de significados sistematizados, transmitidos necessariamente atravs de smbolos e sinais. A nosso ver, portanto, a caracterstica bsica da cultura seu carter simblico. (Mello, 1987 p. 48). Assim, como a simbologia presente na cultura, Mello (1987) tambm destaca o dinamismo e estabilidade que se manifestam nela, pois na cultura e nas sociedades existem estruturas permanentes, mas no imutveis, isto , as estruturas tais como famlia ou Estado permanecem a existir, mas suas significaes variam de acordo com a contextualizao social e temporal na qual esto localizadas. O poder poltico, a famlia, a religio e outras instituies que se encontram nas mais diversas reas continuam a durar (estabilidade), porm se alteram e se transformam de acordo com o momento histrico de seus contextos (dinamismo). Brando (1986, p.22) justifica que:

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[...] a cultura o processo histrico (e, portanto de natureza dialtica) pelo qual o Homem, em relao ativa (conhecimento e ao) com o mundo e com os outros homens, transforma a natureza e se transforma a si mesmo, constituindo um mundo qualitativamente novo de significaes, valores e obras humanas e realizando-se como homem neste mundo.

Nota-se que a cultura indissocivel da condio humana, e por isso no pode ser separada do homem por sua condio econmica. A cultura no privilgio de uma determinada classe social, ela obra humana, pois a partir dela o ser humano se constri como comunidade e como ser individual. Percebe-se que podem existir varias definies do que seja cultura, e para a construo deste trabalho se entende cultura como todo o modo de viver de um povo, seus costumes, hbitos, artes, falas e tudo que se manifesta por ele.

2.2. Cultura e Controle Social no Brasil

sabido que na construo da cultura brasileira, trs diferentes etnias se fizeram presentes: os ndios, os africanos e os europeus. Das relaes entre esses povos as bases da cultura brasileira foram sedimentadas, relaes essas que trazem em sua origem diversos elementos de desigualdades, dominao e luta. A histria do Brasil mais do que suficiente para ratificar tal afirmao. O domnio portugus, a escravizao indgena e africana, as batalhas travadas por riquezas naturais so temas bsicos em qualquer aula de histria do Brasil desde as primeiras sries do ensino fundamental. Porm, o que no ensinado em muitas dessas aulas acerca da realidade brasileira, so as conseqncias desse passado cultural; os conflitos e as lutas que vm desde a colonizao do Brasil. Acredita-se viver em um pas livre de preconceitos raciais, pois aqui todos tm sangue misturado. Contudo, possvel perceber que as idias de igualdade racial e da inexistncia de preconceito no possuem uma base slida dentro da sociedade brasileira. Da Matta (1986, p. 46) alega que:[...] quando acreditamos que o Brasil foi feito de negros, branco e ndios, estamos aceitando sem muita crtica a idia de que esses contingentes humanos se encontraram de modo espontneo, numa espcie de carnaval social e biolgico. Mas nada disso verdade. O fato contundente de nossa historia que somos um pas feito por portugueses brancos e aristocrticos, uma sociedade hierarquizada e que foi formada dentro de um quadro rgido de valores discriminatrios. Os portugueses j tinham uma constituio

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discriminatria conta os judeus, mouros, e negros, muito antes de terem chegado ao Brasil; e quando aqui chegaram apenas ampliaram essas formas de preconceito. A mistura de raas foi um modo de esconder a profunda injustia social, econmica e poltica, deixava-se de lado a problemtica mais bsica da sociedade. De fato mais fcil dizer que o Brasil foi formado por um triangulo de raas, o que nos conduz ao mito da democracia racial, do que assumir que somos uma sociedade hierarquizada, que opera por meio de graduaes e que, por isso mesmo, pode-se admitir, entre o branco superior e o negro pobre e inferior, uma srie de critrios de classificao.

Assim, verifica-se que as desigualdades e o acesso limitado a necessidades bsicas dentro de uma sociedade qualificada como democrtica, so marcas fortes e presentes na sociedade brasileira e essa caracterstica acentua o relacionamento entre os diferentes membros e as diversas manifestaes culturais, sendo o prprio patrimnio material uma delas. Sorj (2006) identifica sete aspectos marcantes dentro da sociedade brasileira: Patrimonialismo: A apropriao privada de recursos Estatais, seja por polticos, funcionrios pblicos, pela elite ou para a represso e domnio de grupos sociais. O patrimonialismo no Brasil fortalece as desigualdades sociais, impedindo que haja melhorias na qualidade de vida da populao. O Estado racionalizador: O Estado Brasileiro vem desde a dcada de 1930, concentrado no crescimento econmico, mesmo que para isso tenha sacrificado o desenvolvimento social em vrias fases da histria. Influenciado pelo positivismo, o estado Brasileiro busca progresso seja ele tecnolgico, ou econmico, mas sempre guiado pelo poder elitista, constantemente financiando e promovendo as grandes indstrias. Capitalismo: O sistema capitalista responsvel pela compra da fora de trabalho, propriedade privada e o mercado, est presente na sociedade brasileira e em suas instituies. Historicamente o crescimento econmico das dcadas de 60 e 70 tornou o pas endividado e atrelado economia global. Apesar de a economia ter se estabilizado no final da dcada de 90, as conseqncias desse perodo ainda so visveis na sociedade brasileira. Desigualdade, heterogeneidade e estrutura social: A desigualdade de acesso aos bens de consumo gerada pela diferena de renda familiar, no sendo a responsvel pelo acesso aos bens coletivos, geralmente garantidos pelo Estado como educao, sade, segurana e saneamento bsico. A diferena

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a esses servios pode ser influenciada em grande parte pela instruo de cada pessoa, ou seja, o nvel educacional de cada cidado pode influenciar seu acesso a esses bens. Outros fatores que podem influenciar essa desigualdade so fatores espaciais (regies norte e nordeste em comparao ao sul e sudeste brasileiros) e fatores de gnero e racial (as estatsticas sociais que mostram dados que desfavorecem mulheres e negros). A lgica institucional: As instituies no Brasil, histrica e culturalmente, mostram dois modos de funcionamento, ou obsolescncia por sua fragilidade de funcionamento ou decadncia por falta de recursos polticos e materiais. Apesar de sempre se renovar em questes de novas instituies a novas demandas sociais, a fragilidade institucional brasileira enfraquece o sistema das instituies como um todo. Cidadania e Representao Poltica: A cidadania ainda uma meta a ser atingida no Brasil. As diversas dificuldades educacionais em se construir cidados capazes de julgar de forma critica o que acontece no pas e a flexibilidade das leis com o comportamento de poderosos, minam a estrutura cidad do Brasil. A falta de uma melhor representao poltica um assunto recorrente na literatura das cincias polticas, sociais e jurdicas. Vindo de um passado fortemente religioso no Brasil e tambm com diversas dimenses polticas como o enfrentamento da ditadura no sculo XX, o pas no confia em seus polticos, pois o Estado no consegue enxergar a heterogeneidade da nao, e acaba priorizando interesses particulares. Sociabilidade e padres culturais: Na dcada de 1950, com a industrializao, urbanizao e o fomento do consumo iniciam-se modificaes dos padres culturais brasileiros. Essas transformaes assumem papeis essenciais na individualizao do ser e na mudana das autoridades previamente estabelecidas. A sociabilidade urbana desenvolve suas caractersticas a partir de uma serie de relaes influenciadas pelos fatores j mencionados, tais como o patrimonialismo, sendo assim, a sociedade brasileira pode ser reconhecida pelas seguintes marcas culturais: a) A sociedade brasileira tem frgeis componentes cvicos, isto , uma baixa identificao com os smbolos polticos do Estado e a noo de interesse pblico. b) A sociedade brasileira gregria, fundada na insero em redes e por extenso, na valorizao dos contatos pessoais. c) A sociedade brasileira religiosa. d) A sociedade

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brasileira apresenta praticas racistas, apesar de ser ideologicamente contrria ao racismo. e) A sociedade brasileira est voltada para o futuro. f) A sociedade brasileira contempornea autoritria, exibindo profundas desigualdades sociais, mas pouco hierrquica. g) A sociedade brasileira violenta. h) A sociedade brasileira ldica.

Dentro dos aspectos acima mencionados e da contextualizao da sociedade brasileira, possvel perceber as deficincias que se encontram nas mais diversas categorias polticos sociais no Brasil. Nota-se que questionamentos acerca de comportamentos repetitivos e polticas pblicas, que aparentam ser inteis para a sociedade, so fundamentos em uma enorme gama de fatores que compe a formao da cultura e da sociedade brasileira.

2.3. A Cultura Brasileira

Quando se fala em Brasil nos pases europeus, associa-se a imagem brasileira com a grande floresta Amaznica ou com futebol e carnaval. Obviamente, esses aspectos no definem o Brasil, tampouco a miscigenao em sua origem, que resultou em uma cultura singular com atitudes, gestos e pensamentos particulares a sociedade brasileira. Rosrio (1993, p. 27) elucida a cultura brasileira como:[...] a soma das criaes populares, das tcnicas inventadas, das concepes criadas, das maneiras comuns de viver e de conviver de toda a populao vivendo no pas. tudo aquilo que traduz o modo de ser dos brasileiros, no conjunto de sua linguagem, sua viso de mundo, suas criaes poticas, suas escolas literrias, sua cincia, suas leis, suas tcnicas de trabalho, seus tipos e estilos de habitao, seus vesturios, seus hbitos de alimentao, suas manifestaes religiosas e filosficas, seus cultos populares e oficiais, seus falares diversos e caractersticos metropolitanos e regionais, sua organizao social e sua evoluo poltica.

Assim, o estudo da cultura brasileira est relacionado a todas as cincias, pois se manifesta em todas as reas de conhecimento. A cultura brasileira poltica, histria, economia, filosofia, artes, literatura etc., no pode ser associada a uma rea especfica e, efetivamente, est presente nos mais diversos estudos. Para se entender a cultura brasileira, necessrio inicialmente, investigar a origem do que considera-se enquanto cultura brasileira, o nascimento e construo dela. As teorias sociais advindas do final do sculo XIX e incio do sculo XX trazem

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em si as vrias vertentes utilizadas pelos tericos brasileiros, que iniciavam o estudo da cultura brasileira, dentre eles o evolucionismo social e o positivismo. Para Ortiz (2006), os estudos sociais de Nina Rodrigues e Silvio Romero, procuram entender a fundamentao de uma cultura brasileira por meio das teorias do evolucionismo social, assim, de modo objetivo, a existncia de raas inferiores e superiores, determinam que dentro de qualquer sociedade os povos inferiores tenderiam a evoluir e se tornarem povos superiores, podendo dessa forma garantir o continuo progresso civilizatrio. O Brasil e sua cultura se encontravam na posio de miscigenao de seu povo, pois no havia uma s etnia, mas trs: brancos, negros e ndios. Nessa viso, o povo branco estimado como povo superior, enquanto negros e ndios eram povos inferiores, isto , a parte inicial da evoluo social do Brasil enquanto civilizao. Os povos inferiores (negros e ndios) eram fracos e primitivos, j o povo branco os ajudaria a evoluir; porm, para que isso fosse concretizado era imprescindvel que o povo branco se aclimatizasse nos trpicos, era indispensvel que eles se acostumassem com a geografia e clima do Brasil, nisso se resumia o papel dos negros e ndios na evoluo social do Brasil, a aclimatizao da etnia branca, para que essa crescesse e consertasse o pas o elevando ao status de civilizao.A mestiagem simblica traduz, assim, a realidade inferiorizada do elemento mestio concreto. Dentro dessa perspectiva a miscigenao moral, intelectual e racial do povo brasileiro s pode existir enquanto possibilidade. O ideal nacional na verdade uma utopia a ser realizada no futuro, ou seja, no processo de branqueamento da sociedade brasileira. na cadeia da evoluo social que podero ser eliminados os estigmas das raas inferiores o que politicamente coloca a construo de um Estado nacional como meta e no como realidade(ORTIZ, 2006, p 21).

Ainda segundo Ortiz (2006), outro pensamento presente entre os intelectuais brasileiros do incio do sculo XX foi o positivismo de Auguste Comt, que na busca por um maior reconhecimento das cincias sociais, aproximou-as das cincias biolgicas em uma comparao entre a sociedade e os organismos. O autor brasileiro Manuel Bonfim, identifica-se com essa corrente terica e contextualiza o Brasil dentro desta. Para ele, os povos so como organismos e por isso so influenciados por fatores internos e externos, nesse caso o meio (local) e o passado (histria). Quando esse organismo atacado por um parasita, comea a definhar enquanto o parasita que rouba suas vitaminas e nutrientes inicialmente cresce,

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porm ao longo desse processo tambm sero deteriorados, visto que o organismo chegar a um ponto onde no poder mais crescer e acabar terminado. Nessa analogia biolgica os pases da America Latina e o Brasil so os organismos, suas metrpoles (Espanha e Portugal) so os parasitas que impedem suas evolues sociais. Logo, na viso social os traos negativos dos povos brancos (parasitas) se misturam com os traos positivos de negros e ndios (organismos), mas na perspectiva de Manuel Bonfim, por serem povos fracos, ainda no possuem a capacidade de eliminar a herana branca. Mesmo que condenando o racismo, o autor ainda no consegue visualizar os povos como iguais e a cultura brasileira ainda restrita a debates sobre raas e etnias. A mudana do centro das discusses no que se refere a uma possvel cultura ou identificao brasileira comea a ser alterada em um momento de

transformaes econmico-sociais. Com a mudana do sistema escravista para o capitalista, comea-se a se fazer presente a urgncia em se introduzir as etnias negras e indgenas a realidade brasileira, pois preciso criar-se uma imagem do ser brasileiro. Da surge o mito da fuso democrtica das trs raas. Ortiz (2006, p 39 e 44) destaca que no Brasil:[...] pode-se datar o momento da emergncia da histria mtica, e no difcil constatar que essa fbula engendrada no momento em que a sociedade brasileira sofre transformaes profundas, passando de uma economia escravista para outra de tipo capitalista, de uma organizao monrquica para republicana e que se busca, por exemplo, resolver o problema da mo-de-obra incentivando-se a imigrao europia. Se o mito da mestiagem ambguo porque existem dificuldades concretas que impedem sua plena realizao. A sociedade brasileira passa por um perodo de transio, o que significa que as teorias raciolgicas, quando aplicadas ao Brasil, permitem aos intelectuais interpretar a realidade, mas no modific-la. [...] O mito das trs raas , neste sentido, exemplar: ele no somente encobre os conflitos raciais como possibilita a todos de se reconhecerem como nacionais.

Dessa maneira, ao observarem-se as mudanas na construo do conceito de cultura brasileira como a criao de uma identidade nacional; nota-se que esta, est diretamente influenciada por questes econmicas e polticas. Percebe-se como cultura que a identidade e o poder so conceitos que esto entrelaados. Isso evidencia que a dinamicidade da cultura brasileira uma constante. Sendo assim, preciso entender que sua conceituao estar sempre em construo.

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A beleza da cultura brasileira e de qualquer cultura no est somente em suas tcnicas, mas na capacidade simblica despertada tanto no coletivo quanto no individual. A cultura e suas manifestaes esto nas entrelinhas e tambm expostas a todos, cabe a cada sociedade entender isso e no tentar monopoliz-la, rotulandoa e a distribuindo como um mero produto. O acesso a ela nunca poder ser restrito, mesmo que sempre o tentem faz-lo, pois a cultura inerente ao ser humano.

2.4 A Cultura e o Patrimnio Cultural O termo patrimnio tem suas razes no latim, referindo-se a tudo aquilo que era possudo pelos aristocratas romanos. Funari e Pelegrini (2006) descrevem que dentro dos patrimnios da aristocracia podiam-se incluir terras, mveis, escravos e at mesmo filhos e esposas. A partir dessa viso, pode-se perceber que patrimnio no fazia parte da realidade daqueles que no eram aristocratas (a maioria da populao), pois no possuam bens. De acordo com Funari e Pelegrini (2006, p.11):O patrimnio era um valor aristocrtico e privado, referente transmisso de bens no seio da elite patriarcal romana. No havia o conceito de patrimnio pblico. Ao contrrio, o Estado era apropriado pelos pais de famlia. Nesse contexto pode-se compreender que os magistrados romanos colecionassem esculturas gregas em suas casas. O patrimnio era patriarcal, individual e privativo da aristocracia.

Com a propagao do catolicismo e todo o poder que a Igreja Catlica possua na Idade Mdia, a religio assumia o papel de centralizar os rituais coletivos, as catedrais personificavam o fator mais importante nesse contexto, a ligao do divino com os homens por meio dessa instituio. A produo da cultura diria e continua, pois todos os membros de uma sociedade so responsveis por isso. Sendo assim, cada sociedade identifica-se com aquilo que se produz, ou seja, identifica-se com sua cultura e com o seu patrimnio. Da o termo patrimnio cultural, a apropriao da cultura enquanto propriedade que determina e determinada pelo seu povo. Para Gonalves (1996, p. 63):Uma nao concebida como a legtima proprietria de sua cultura. Ao mesmo tempo, os atos de apropriao de uma cultura nacional criam seu proprietrio: uma nao existe na medida em que se apropria de si mesma por meio de sua cultura. Em outras palavras, uma nao sua autoapropriao.

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Dentro dessa apropriao, que se encontram questes cruciais para o estudo do patrimnio cultural, como os motivos de preserv-lo, destru-lo, constru-lo e reconhec-lo. importante ressaltar que a centralizao do Estado e a constituio da repblica fortalecem o direito de igualdade, porm tambm permitem que os detentores do poder democrtico desenvolvam instrumentos para permanecerem no poder, afinal a democracia tambm pode ser uma forma de controle do poder. A apropriao do patrimnio cultural pode conotar idias e conceitos que favoream determinadas posies e ideologias; a prpria educao pode ser um instrumento no fortalecimento dessas ideologias. Poder e cultura so conceitos que podem ser relacionados. O conceito de patrimnio pbico cultural nasce na Frana e em sua revoluo que derruba a Bastilha, smbolo do poder autoritrio da monarquia; concebendo a todos os cidados o direito quilo que antes era restrito apenas a elite. Camargo (2002, p. 21) afirma que:Do termo vigente do direito de sucesso das estirpes, os descendentes so herdeiros dos bens do pai, cujos bens materiais constituem o patrimnio. E ao conjunto de bens, legado ou patrimnio herdado pelo pai, acrescentou-se o qualitativo de nacional. Ou seja, os cidados, com a Revoluo Francesa, eram livres e iguais perante a lei (Liberdade/Igualdade), e, nascidos no pas, so todos irmos (Fraternidade) e herdeiros do mesmo pai, o Estado Nacional. Conseqentemente, as obras e os monumentos deveriam exprimir e testemunhar o gnio do povo francs atravs do tempo. Os monumentos seriam a materializao da identidade nacional, e por meio deles, os cidados se reconheceriam como franceses.

Funari e Pelegrini (2006) alegam que juntamente com o conceito de cidadania e pertencimento a uma devida nao existem as leis que devem proteger esse patrimnio. Nessa perspectiva, existem dois tipos de leis acerca do patrimnio: as leis do direito de tradio latina e as leis baseadas no common Law (tradio britnica); assim cada Estado define a interao judicial com o patrimnio. A primeira (latina) restringe os proprietrios que encontram itens considerados de interesse publico, ou seja, o Estado tem o direito de interferir em itens do patrimnio, pois o acesso a este considerado igual a todos os cidados do Estado, no podendo ser restrito. (FUNARI; PELEGRINI, 2006) J as leis que se baseiam no Common Law permitem que o patrimnio histrico ou de valor cultural que seja encontrado em propriedade privada seja considerado como pertencente ao dono na propriedade e o mesmo pode vend-lo

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ou utiliz-lo da maneira que julgar melhor. Funari e Pelegrini (2006, p. 19) asseguram que:Na mesma linha de raciocnio, os bens achados em propriedades privadas, segundo o direito consuetudinrio, so de seu proprietrio, e por isso podem ser vendidos. Isso vale tanto para o petrleo como para vestgios histricos. J na tradio do direito romano, tais bens so considerados pblicos e no podem ser usados pelos particulares a seu bel-prazer.

Ambas as construes legais do patrimnio avigoram a presena e importncia do mesmo para as naes, independente de suas leis. Isto significa que os Estados estavam preocupados com a preservao daquilo que representavam sua identidade, especialmente aquilo que podia ser associado a uma imagem, um smbolo; sendo assim, vrios instrumentos foram criados com o objetivo de zelar pelo patrimnio material, como museus e legislaes especficas. Na busca pela afirmao de suas culturas, o nacionalismo exacerbado no perodo da II Guerra Mundial em algumas naes gerou a idealizao de culturas nacionais e com isso, atitudes preconceituosas que destruram outros smbolos de outras culturas. Exemplos desses atos podem ser constatados pela historia de pases como Itlia e Alemanha. A partir do perodo do ps-guerra a criao da Organizao das Naes Unidas (ONU), e da Organizao das Naes Unidas para a Educao a Cincia e a cultura (UNESCO), inicia-se uma nova era para o patrimnio cultural, pois as interpretaes preconceituosas sobre cultura passam a ser questionadas e abandonadas. O conceito de diversidade cultural comea a ser fortalecido e a tolerncia passa a ser essencial no entendimento de cultura. Desse modo, o entendimento de patrimnio cultural transcende o fsico e o material, a diversidade e a cultura imaterial passam a ser valorizados e percebidos como parte do processo de reconhecimento do patrimnio cultural. 2.5 O Patrimnio Cultural Brasileiro

A definio do que faz parte do chamado patrimnio brasileiro uma obra em constante andamento, pois como j foi visto o patrimnio a apropriao da cultura. De acordo com Lemos (2004), iniciativas isoladas de preservao patrimonial datavam desde o sculo XVIII, quando o Conde de Galveias escreveu ao

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governador de Pernambuco denunciando a situao decadente do Palcio das Duas Torres que fora construdos por Maurcio de Nassau. Para Lemos (2002), as aes acerca da preservao patrimonial como responsabilidade do Estado s vm a ocorrem no incio do sculo XX, quando Mrio de Andrade em 1936 escreve um projeto que agrupava as obras de arte em oito categorias (arte arqueolgica, amerndia, popular, histrica, erudita nacional, erudita estrangeira, aplicadas nacionais e aplicadas estrangeiras). Campos (2008, p.44), conclui que:Portanto, pode-se inferir que Mrio de Andrade usou o termo arte para referir-se s vrias manifestaes culturais produzidas e existentes no Brasil. Desse modo, ele buscou incluir no seu anteprojeto a diversidade/pluralidade cultural brasileira, caracterizando uma viso antropolgica de patrimnio histrico.

Ainda de acordo com Lemos (2002), o projeto vanguardista de Mrio de Andrade ia alm das capacidades financeiras e estruturais do Estado, por isso o projeto desenvolvido por Mrio de Andrade no chegou a ser realizado. Em 1937 criado um diferente projeto e no final deste ano, no governo Getlio Vargas, criado o Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN), que estava sobre a responsabilidade do Ministrio da Educao, tendo como ministro Gustavo Capanema, porm no correspondia ao que Mrio de Andrade havia proposto, dando a perceber que o texto do escritor paulista no fora, j de incio, seguido como deveria, porque no prprio nome da entidade destinada defesa do patrimnio se distinguiam bens artsticos dos histricos e s. (LEMOS, 2002, p. 42) Assim, a histria do IPHAN possui dois personagens muito importantes para o atual momento e tambm para a contextualizao histrica do mesmo, o primeiro Rodrigo Melo Franco de Andrade, que em 1937 dirige a recm criada Servio de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN), o outro Alosio Magalhes que dirigiu o no mais SPHAN, mas em 1970 o atual Instituto de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN). Ambas as histrias traadas por esses personagens so de extrema importncia para o entendimento do que seja e como tratado o Patrimnio Cultural Brasileiro. Gonalves (1996) descreve que em 1937 dentro de um contexto de nacionalismo e de uma poltica controlada pelas elites brasileiras, a cultura no era certamente um tema de grande interesse entre a populao e tampouco no meio

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poltico. No entanto, a necessidade de se construir uma identidade nacional, capaz de representar o Brasil como um pas civilizado, surge como uma importante causa para o governo; uma causa que viria a modernizar o pas e coloc-lo em posio semelhante de pases com uma cultura mais evoluda, como os pases europeus. a sada do Brasil rural, para a chegada de um Brasil urbano e industrializado. Assim criado o SPHAN, e em sua direo, tem-se Rodrigo M. F. Andrade. Micelli et al., (1984, p. 29-30) expe que:Com raras excees, o IPHAN volta-se progressivamente para a exclusiva preservao arquitetnica de prdios-monumentos dos sculos XVI, XVII, XVIII. O resultado lquido deste exclusivismo o gradativo estreitamento poltico-burocrtico, social e cultural do IPHAN. No final dos anos setenta a autonomia poltico-administrativa do IPHAN baseia-se tanto na sua desimportncia relativa para as lutas polticas entre os diversos grupos e classes sociais, e entre os regimes e as oposies, quanto na inexpressividade relativa de seus recursos financeiros e de seus programas de restaurao para a apoltica cultural do Estado. (MICELI, 1984, p. 2930)

Para Gonalves (1996), nessa contextualizao que a poltica patrimonial criada nesse perodo destaca a busca por um passado que viria a educar para o futuro, logo a necessidade de preserv-lo, pois esse ato no seria apenas um impulso romntico ou descabido s realidades do pas, mas uma tentativa de fortalecer a histria e a identidade cultural brasileira, cultura que era composta por ndios, africanos e europeus. Todavia, a cultura indgena e africana eram consideradas como degraus na escala da cultura evolutiva e o Brasil como uma potncia, precisava aperfeioar sua cultura e patrimnio. Gonalves (1996, p. 85-86) descreve:O patrimnio histrico e artstico de Rodrigo pode ser pensado como um conjunto de metforas visuais por meio das quais o Brasil culturalmente individualizado. Uma metfora central nesse discurso o monumento. Nesse contexto, a prpria nao vista como se fosse um monumento, como uma entidade unificada e transcendente. Ou melhor, a nao vista a partir de uma perspectiva unificada e globalizante assumida por determinada elite. A metfora est obviamente associada ao papel do passado no discurso de Rodrigo.

assim que o patrimnio cultural visualizado na gesto de Rodrigo, era necessrio cri-lo, reconhec-lo enquanto smbolos de uma nao que iria se firmar junto s outras. Para Rodrigo no haveria um pas sem passado, sem uma histria que viesse a consolid-lo como civilizao (Gonalves, 1996).

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Tambm para Gonalves (1996), aps o perodo herico marcado pela gesto de Rodrigo Melo Franco de Andrade uma nova identidade solidificada na gesto do IPHAN. Em 1979 Alosio Magalhes assume a direo e o conceito de cultura e patrimnio comeam a ser reconstrudos. As mudanas polticas que afetavam essa transio no se referiam apenas a ela, mas a toda a histria e poltica no pas. Aos poucos o Brasil estava saindo de uma rgida ditadura militar que havia abalado a economia e a sociedade, a abertura poltica que aos poucos se tornou inevitvel, estava se instalando e a dinmica do pas no era a mesma da dcada de 1930. Alosio Magalhes, nesse momento histrico prope um novo jeito de se enxergar a cultura brasileira, apesar de no ser antroplogo, ele apropria-se da cultura como uma constante transformao, proveniente de mltiplas fontes. Para Gonalves, (1996, p. 52):Assim, Alosio substitui o patrimnio histrico e artstico de Rodrigo pela noo de bens culturais (Magalhes [1979] 1984:40-44). Quando usa a noo de cultura brasileira, ele enfatiza mais o presente do que o passado. Ele destaca que a noo de bens culturais, tal como a usa, existe no contexto da vida cotidiana da populao. Alm disso, assinala a importncia de um contato direto entre os profissionais do patrimnio cultural e as populaes locais. Enfatiza, ainda, a diversidade cultural existente no contexto da sociedade brasileira. No entanto, acredita que, alm dessa diversidade, existe uma cultura brasileira que integrada, contnua e regular.

Na viso de Alosio, a relao do patrimnio brasileiro no est focada no passado que assegura o futuro da nao, mas no presente que precisa ser avaliado constantemente. A diversidade da cultura brasileira, as contribuies que vieram e que vm de todos os locais e povos do Brasil, precisam ser levadas em conta, no podendo ser retiradas. Portanto, elas so as responsveis pela construo cultural diria do Brasil. Para ele, o patrimnio no era restrito a edificaes e arquiteturas, e sim, tudo aquilo produzido pelo povo brasileiro, tampouco um era superior ao outro, pelo contrario, eram partes igualmente importantes no processo de fortalecimento da cultura brasileira. Nessa perspectiva, Magalhes (1985, 1986 apud GONALVES 1996, p. 56) ressalta que:Alosio amplia a noo de patrimnio cultural de modo a incluir elementos que no se restrinjam categoria de arte e arquitetura colonial brasileira. Para ele, monumentos e obras de arte so considerados como um tipo especial de bens culturais bens patrimoniais que so primordialmente associados alta cultura e ao passado histrico e artstico. Eles devem merecer segundo Alosio, tanta ateno quanto quaisquer outros bens

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culturais, mas no deveriam ser privilegiados numa poltica nacional de patrimnio cultural. Diferentes formas de cultura popular so valorizadas e opostas assim chamada alta cultura: arte e aquitetura popular; diferentes tipos de artesanato; religies populares; culturas tnicas; esportes; festas populares; etc. Esses bens culturais so valorizados no por uma suposta exemplaridade, mas como parte da vida cotidiana e como formas de expresso de diferentes segmentos da sociedade brasileira. As diferentes formas de cultura popular so vistas como fonte mesma de uma autntica identidade nacional.

Nota-se que as diferentes construes com reao ao patrimnio cultural brasileiro foram igualmente importantes para a atual viso da mesma no Brasil. Tanto Rodrigo Melo Franco de Andrade como Alosio Magalhes, possibilitaram que a sociedade brasileira hoje possa de modo crtico, entender e formular novos conceitos de patrimnio e a acima de tudo criar uma imagem que possa tambm ter um maior envolvimento de todas as classes econmico-sociais no Brasil.

2.6 Turismo Cultural

sabido que o Turismo quando mal planejado, pode ser um instrumento de manipulao da cultura e por isso muitas vezes mal visto nos crculos acadmicos, porm o turismo uma fonte valiosa para o estudo da cultura por possuir inmeras facetas. Os significados que fazem da cultura um elemento fundamental aos estudos tursticos e antropolgicos tm a ver com sua dinamicidade e dubiedade. Sendo assim, cultura e turismo possuem um forte lao enquanto atividade econmica e social. De acordo com Costa (2010) no sculo XVIII, o grand tour consistia em viagens organizadas para a elite inglesa, pois estava geograficamente afastada dos demais pases europeus. Desse modo, apenas as classes abastadas podiam viajar com o objetivo de aprender, de ganharem cultura, pois atravs de pinturas, artes e a vivencia com diferentes culturas, a elite aumentava seu conhecimento. Assim consideram-se essas viagens como um marco no turismo cultural. Pela histria do Turismo Moderno, situado no sculo XIX, Thomas Cook considerado o mais famoso organizador de viagens tursticas pela Europa. Ele possibilitou uma maior democratizao das viagens na Europa, ento, criou roteiros pr-estabelecidos e que no atendiam somente a elite, mas as demais classes. Essa iniciativa revolucionou o mundo moderno e hoje tido como um marco histrico do turismo. Podendo, ento, ser percebido que a busca pelo conhecimento de outras

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culturas e novas aprendizagens so inerentes condio humana e um fator essencial para a manuteno do Turismo. Obviamente, essa busca no inveno do turismo dos dias atuais, mas uma atividade em voga h muito tempo e que vem sendo cada vez mais vivenciada no sculo XXI (COSTA, 2010). Como os estudos sobre o turismo ainda so muito recentes, existem diversas definies para o Turismo Cultural, desse modo utiliza-se a definio de Barretto, (1995, p.21) aquele que no tem como atrativo principal um recurso natural. As coisas feitas pelo homem constituem a oferta cultural, portanto turismo cultural seria aquele que tem como objetivo conhecer os bens materiais e imateriais produzidos pelo homem. Atualmente existem diversas vertentes do que seja o Turismo Cultural e como ele pode ser incorporado no somente a prtica do turismo, mas a outros setores como a educao. Costa (2010) enumera quatro ncleos que estudam o turismo cultural: Ncleo 1 - Turismo Cultural como Visitao a Recursos de Origem Cultural: Centralizado na visita a monumentos e bens culturais. Aqui se define o turismo cultural como o deslocamento para uma diferente cultura, no intuito de conhecer seus aspectos materiais e imateriais, como festas, danas e outras manifestaes culturais. Ncleo 2 Vises distorcidas de Turismo Cultural: Nessa viso o Turismo Cultural caracterizado como um turismo excludente, destinado ao pblico de alto poder aquisitivo que conseqentemente seriam considerados os nicos consumidores de cultura. Ncleo 3 Turismo Cultural como Ferramenta para o Aprendizado Cultural: Aqui o Turismo Cultural tido como um meio de experimentao da cultura, ou seja, o visitante no apenas se entretm ao visitar os espaos culturais, mas por meio das visitas capaz de desenvolver sua relao enquanto cidado com o patrimnio cultural. Ncleo 4 - Turismo Cultural como Ferramenta de aprendizagem: Nessa viso o Turismo Cultural depende mais dos visitantes, pois a sua motivao em aprender que o faz buscar esses espaos, logo a natureza dos mesmos no influencia, pois a busca incessante do homem por conhecimento a essncia do Turismo Cultural.

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Nessa perspectiva, comum atribuir Turismo Cultural apenas a cidades histricas, com um vasto acervo de museus, galerias e centros histricos. Todavia, o Turismo Cultural pode acontecer em centros urbanos. Perez (2009) relata a evoluo dos espaos pblicos nos centros urbanos. Desde a gora grega (espao pblico de debate, passando pelo Foro romano que tambm tinha como principal caracterstica a utilizao desses locais para a democracia (aqui se referindo aos cidados, isto , homens livres e nascidos nas cidades). Assim, as cidades so o ponto alto do final da Idade Mdia, com o nascimento da burguesia, os burgos (centros urbanos destinados ao comrcio) se tornam um espao de intercmbio cultural, j na Era Industrial os espaos pblicos passam a ser privatizados e sendo reduzidos a vias pblicas. Na atualidade a cidade ressurge com a reinveno do lazer e o consumo; o marketing tenta renovar a imagem dos centros urbanos para atrair capital (PEREZ, 2009). Nesse contexto, Perez (2009, p. 292) conclui que:Em sntese, podemos afirmar que a cidade, enquanto modo de vida e de habitar o espao, produto da histria e obedece articulao entre vrios modelos de urbanismo. Estes modelos so no apenas morfolgicos e arquitetnicos, mas tambm sociais e culturais. [...] o conceito de cultura um conceito alargado que pode integrar desde um evento cultural at a atmosfera ou ambiente de uma cidade, isto , os modos de vida quotidianos. A definio contempla produtos culturais como o patrimnio cultural, as artes, as indstrias culturais e os estilos de vida de um destino.

Ento, se analisa que cultura e turismo esto conectados e que o turismo pode ser usado como um dos instrumentos no desenvolvimento econmico e social de um local, desde que bem planejado e no usado como prtica nica, mas como uma atividade complementar. A cultura de um local no abalada pelo turismo quando o mesmo desenvolvido dessa forma, e sim, solidificado e partilhado por todos na comunidade. Du Cros; Mckercher (2002, p.02, traduo livre) narram que:Assim comeou a evoluo paralela e tambm independente do turismo cultural e a gesto do patrimnio cultural, ambos como um produto. Em grande medida, ambos os setores ainda operam em paralelo com pouca evidncia real que mostram verdadeiras parcerias formandas entre eles. Mas o turismo cultural pde, pode e deve alcanar os objetivos do manejo do patrimnio cultural (aprender sobre a conservao dos bens do patrimnio cultural) e da gesto turstica (recurso de mercado, viabilidade comercial dos produtos).

Na perspectiva dos estudos relacionados ao Turismo, a cultura brasileira de fundamental importncia, visto que sua historicidade a responsvel por

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transmitir e mostrar o processo de formao da cultura no Brasil. No planejamento do turismo, independentemente do seguimento, as manifestaes culturais inevitavelmente estaro inseridas e cabe a cada profissional da rea preserv-las e no false-las por meio de encenao cultural. Caractersticas nicas da cultura do Brasil sejam elas materiais ou imateriais representam a miscigenao e autenticidade de uma sociedade singular.

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3. EDUCAO PATRIMONIAL

3.1. O que Educao Patrimonial

Para Horta (1996) a Educao Patrimonial primeiramente discutida como categoria analtica e metodolgica no Brasil em julho de 1983, quando aconteceu o I Seminrio sobre o Uso Educacional de Museus e Monumentos, realizado no Museu Imperial, em Petrpolis (RJ). O tema Educao Patrimonial pode parecer relativamente novo, porm os seus princpios fazem parte da educao enquanto um processo de construo, mesmo que nos estudos relativos educao no apaream claramente referncias a educao patrimonial. Contudo, a prtica pedaggica de Paulo Freire foca-se na experincia, na identidade dos sujeitos, pois ele defendia todo o conhecimento prvio a escola que todos possuem, isto , a experincia de vida. A educao impositiva criticada por ele foi caracterizada como educao bancria, onde o aluno considerado sem qualquer conhecimento e o professor como total detentor do conhecimento, deposita conhecimento em sua vida (FREIRE; TORRES 1987). A Educao Patrimonial reconhece a experincia individual e coletiva e atravs delas que desenvolve a relao entre patrimnio e sua comunidade. Para Horta (1996, p. 3)A partir da experincia e do contato direto com as evidncias e manifestaes da cultura, em todos os seus mltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educao Patrimonial busca levar as crianas e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriao e valorizao de sua herana cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a gerao e a produo de novos conhecimentos, num processo contnuo de criao cultural. A observao direta e a anlise das evidncias (aquilo que est vista de nossos olhos) culturais permitem criana ou ao adulto vivenciar a experincia e o mtodo dos cientistas, dos historiadores, dos arquelogos, que partem dos fenmenos encontrados e da anlise de seus elementos materiais, formais e funcionais para chegar a concluses que sustentam suas teorias. O aprendizado desse mtodo investigatrio uma das primeiras capacitaes que se pode estimular nos alunos, no processo educacional, desenvolvendo suas habilidades de observao, de anlise crtica, de comparao e deduo, de formulao de hipteses e de soluo de problemas colocados pelos fatos e fenmenos observados.

Dentro dos novos conceitos de educao, o sistema formal deve dar amparo a outras formas de conhecimento, a escola deve ser capaz de utilizar-se da experincia de vida dos alunos e lev-las para a sala de aula. mais do que

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necessrio que haja a identificao da educao com o mundo que os circunda. Para Gutierrez e Prado (apud GADOTTI, 1999, p. 46) :Aprender muito mais do que compreender e conceitualizar: querer, comparar, dar sentido, interpretar, expressar e viver. Os sistemas educativos tradicionais privilegiam a dimenso racional como a forma mais importante de conhecimento. A nova educao deve apoiar-se tambm em outras formas de percepo e conhecimento, no menos vlidas e produtivas.

Logo, a educao patrimonial uma construo de conhecimento acerca de sua prpria cultura, pois ao conhecer sua cultura, o pblico capaz de se identificar com ela e como conseqncia preserv-la. Assim, a construo do pensamento crtico presente na pedagogia freireana tambm um dos pilares da Educao Patrimonial. Para Horta (1991, p. 4. Grifo da autora)O conhecimento crtico e a apropriao consciente por parte das comunidades e indivduos do seu patrimnio so fatores indispensveis no processo de preservao sustentvel desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania. O patrimnio, como o nome diz, algo herdado de nossos pais e antepassados. Essa herana s passa a ser nossa, para ser usufruda, se nos apropriarmos dela, se a conhecermos e reconhecermos como algo que nos foi legado e que deveremos deixar como herana para nossos filhos, para as geraes que nos sucedero no tempo e na histria. Uma herana que constitui a nossa riqueza cultural, individual e coletiva, a nossa memria, o nosso sentido de identidade, aquilo que nos distingue de outros povos e culturas, que a nossa marca inconfundvel, de pertencermos a uma cultura prpria e que nos aproxima de nossos irmos e irms, herdeiros dessa mltipla e rica cultura brasileira. O conhecimento dos elementos que compem essa riqueza e diversidade, originrios de diferentes grupos tnicos e culturais que formaram a cultura nacional, contribui igualmente para o respeito diversidade, multiplicidade de expresses e formas com que a cultura se manifesta nas diferentes regies, a comear pela linguagem, hbitos e costumes.

O Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) define educao patrimonial como um meio de edificar novos conhecimentos, sejam eles formais ou no, para melhor conhecer o patrimnio cultural tanto como um conceito global, quanto como aplicado realidade brasileira. De acordo com Horta (1991, p. 2. Grifo da autora) educao patrimonial:Trata-se de um processo permanente e sistemtico de trabalho educacional centrado no Patrimnio Cultural como fonte primria de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. Isto significa tomar os objetos e expresses do Patrimnio Cultural como ponto de partida para a atividade pedaggica, observando-os, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em conceitos e conhecimentos.

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Exemplos de destruio do patrimnio, alienao, e no identidade com o mesmo so corriqueiras no Brasil. Pichaes, roubos, destruio de esttuas e prdios pblicos podem parecer simples atos aleatrios, porm suas explicaes esto associadas educao, economia e sociedade. Se um povo no consegue se identificar com seu patrimnio no h razes para zelar por ele. Mas de onde vem essa identificao? A identidade cultural est associada a diversos fatores sociais, econmicos, polticos etc., mas a reproduo de comportamentos, no pode e nem dever ser associadas apenas a condio econmica, e sim a uma srie de conhecimentos adquiridos por vrios componentes da realidade vivenciada por cada membro da sociedade, como demandas sociais no atendidas adequadamente. Gebara, (2006 p. 107) avalia que:[...] preciso considerar que nenhuma ao de uma pessoa adulta em qualquer caso um padro ativo geneticamente fixado. As emoes resultam de uma mescla de processos aprendidos e no-aprendidos; componentes comportamentais, fisiolgicos e sensveis atuam, e a aprendizagem um componente relevante nos nveis do comportamento e da sensibilidade ().

Para Apple (1982), as causas e conseqncias desses comportamentos para com o patrimnio pblico tambm se fazem presente pela atuao das instituies estatais, como a escola. A escola a sistematizao de princpios educacionais que regem uma sociedade, obviamente que a escola no a nica responsvel pelos comportamentos educacionais e sociais, mas ela parte clara no processo de construo de conceitos. Apple (1982, p. 98) diz que:O controle social e econmico ocorre nas escolas no somente na forma de conhecimento que as escolas possuem ou nas tendncias que encaminham as regras e as rotinas para manter a ordem, o currculo oculto que refora as normas de trabalho, obedincia, pontualidade e assim por diante. O controle exercido tambm atravs das formas de significado que a escola distribui. Isto , o corpus formal do conhecimento escolar pode se tornar uma forma de controle social e econmico. As escolas no controlam apenas pessoas; elas tambm ajudam a controlar os significados. Desde que preservam e distribuem o que considerado como o conhecimento legtimo o conhecimento que todos devem ter , as escolas conferem legitimao cultural ao conhecimento de grupos especfico.

Embasados na idia de que a educao patrimonial construda por diversas aes e envolve os mais diversos sujeitos da sociedade, natural que se entenda sua funo. O objetivo da educao patrimonial criar formas de identificao entre a comunidade e sua cultura, seus smbolos. Oliveira (2011, p. 11) ressalta que:

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Para que isso acontea uma srie de requisitos precisam ser criados mediante ao ideal dessa educao, ideais esses que so encontrados em um novo direcionamento da educacional que tem por principio bsico a nodominao do conhecimento, mas sim que o mesmo seja compartilhado igualitariamente a todas as classes econmico-sociais. preciso ficar claro que a educao patrimonial no uma metodologia, e sim uma ao que dispe de vrias metodologias para atingir seus propsitos.

A construo do currculo escolar deve priorizar a igualdade entre os alunos e nunca deixar-se manipular pelos detentores do poder. Mas, a educao patrimonial no deve se restringir ao ambiente formal da escola (no desvalorizando a mesma, pois o seu papel de extrema importncia), todavia porque ela (a educao patrimonial) visa atingir todos os cidados, uma vez que o patrimnio cultural dever ter o seu acesso livre a todos. Assim, Oliveira (2011, p. 12) pondera que:Contudo, a ao educativa deve ter como objetivo atingir todos os tipos de pblico, uma vez que o patrimnio cultural diz respeito, ao mesmo tempo, a cada indivduo e coletividade, j que um conjunto de bens usufrudos por todos. Os bens tombados so de propriedade e/ou esto sob a responsabilidade de um pblico que muitas vezes includo no rol de indivduos que deveria ser atingido pela educao patrimonial, porm, na prtica considerado pblico-alvo de poucas aes empreendidas. Em ltima instncia, isso tem como conseqncia uma potencial descaracterizao, degradao ou mesmo destruio de vrios bens culturais importantes pela falta de conscientizao desse grupo.

Independentemente da atividade das aes educativas que envolvem o patrimnio, deve-se buscar a identificao da comunidade com o mesmo. Assim, a comunidade desenvolver ferramentas nicas e adequadas a cada contexto para a preservao patrimonial. Gonalves (2011, p.13) destaca que as aes da Educao Patrimonial devem construir, valorizar e fomentar os seguintes aspectos:- Conhecimento sobre os bens culturais; - Conhecimento dos valores que levaram os bens a serem protegidos; - Conhecimento das atribuies, direitos e deveres do IPHAN, da Prefeitura Municipal, de outras instituies e de cada indivduo, no que se refere preservao do patrimnio cultural; - Fortalecimento da identidade cultural local, por meio do envolvimento da comunidade com seus bens culturais; - Conhecimento e respeito para com os bens culturais, com os quais a comunidade no se identifica diretamente (a partir do entendimento da cultura brasileira como mltipla e plural); - Entendimento quanto necessidade de preservao do patrimnio cultural; - Conhecimento de medidas de conservao preventiva para proteo dos bens materiais; - Conhecimento sobre as relaes entre tradio e evoluo dos bens imaterais;

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- Construo de relao de parceria entre o IPHAN e a sociedade civil, prefeituras, estados, instituies (educativas, religiosas, ONGs, entre outras) etc.; - Disseminao do que foi aprendido com seus pares; - Contribuio para a construo da cidadania.

Um dos livros publicados no Brasil de maior influncia na rea de Educao Patrimonial O Guia Bsico de Educao Patrimonial publicado pelo IPHAN (1999). A Educao Patrimonial apresentada como um instrumento indispensvel dentro da poltica Patrimonial do IPHAN; nele as autoras criaram um quadro que estabelece as diretrizes que a metodologia dela deve seguir.

Etapas Recursos 1. Observao

Recursos / Atividades Exerccios de percepo visual/ sensorial, por meio de perguntas, manipulao experimentao, mediao, anotaes, comparao, deduo, jogos de detetive, etc.

Objetivos Identificao do objeto, da sua funo e seu significado; desenvolvimento da percepo visual e simblica

2. Registro Desenhos, descrio verbal ou escrita, grficos, fotografias, maquetes, mapas e plantas baixas. Fixao do conhecimento percebido, aprofundamento da observao e anlise crtica; Desenvolvimento da memria, pensamento lgico, intuitivo e operacional. Desenvolvimento das capacidades de anlise e julgamento crtico, interpretao das evidncias e significados.

3.Explorao Anlise do problema, levantamento de hipteses, discusso, questionamento,avaliao, pesquisa em outras fontes como bibliotecas, arquivos, cartrios, instituies,jornais, entrevistas. 4. Apropriao Recriao, releitura, dramatizao, interpretao em diferentes meios de expresso como pintura, escultura, drama, dana, msica, poesia, texto, filme e vdeo. Quadro 1: Quadro metodolgico de Educao Patrimonial. Fonte: HORTA et al. (1999 p. 11) Envolvimento afetivo, internalizao, desenvolvimento da capacidade de autoexpresso, apropriao, participao criativa, valorizao do bem cultural

A literatura sobre Educao Patrimonial geralmente foca-se nas experincias provenientes de aes concentradas nas cidades, escolas, museus entre outros, ou seja, definir Educao Patrimonial no o objetivo maior, porm a busca por desenvolv-la dentro das mais diversas comunidades.

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Mas, o que ainda se percebe, que o tema ainda muito raro nos meios acadmicos e tambm profissionais. A incluso de disciplinas voltadas a essa temtica nos cursos universitrios, acarretaria um maior nmero de publicaes e profissionais a se inserirem no mercado to carente.

3.2 As Casas do Patrimnio

caracterstico de nossos dias, atribuir responsabilidades como a preservao e conservao do patrimnio cultural ao Estado, o governo. Porm, preciso enfatizar que o IPHAN no o nico rgo que deve atuar nessa rea. As escolas, as universidades, Organizaes No Governamentais (ONG), Associao de Bairros, enfim, a sociedade como um todo precisa estar envolvida em aes de cunho educativo para a preservao do patrimnio cultural. Cabe ao IPHAN, tambm valorizar o que vem da comunidade, no havendo diferenciao das manifestaes culturais entre mais cultas e menos cultas, ou priorizando bairros ou reas. Embasado nesse pensamento o IPHAN criou as Casas do Patrimnio, em seu website, as Casas do Patrimnio so definidas da seguinte forma pelo IPHAN:As Casas do Patrimnio constituem-se, essencialmente, em um projeto pedaggico e de educao patrimonial. o primeiro passo para transformar as sedes das representaes regionais, os escritrios tcnicos do IPHAN, e instituies da sociedade civil em plos de referncia local e regional para qualificar e atender a populao residente, estudantes, professores, turistas em uma perspectiva de dilogo e reflexo, no sentido de participarem da construo coletiva dessa nova postura institucional. Trata-se de conferir transparncia e ampliar os mecanismos de gesto da preservao do patrimnio cultural, apoiando-se principalmente em aes educacionais, em parceria com escolas, instituies educativas formais e informais e demais segmentos sociais e econmicos. (IPHAN, 2010)

O objetivo das Casas do Patrimnio , acima de tudo, a articulao das mais diversas reas com o patrimnio, na procura por aes voltadas para que toda a sociedade possa se envolver com os bens patrimoniais, independentemente da realidade que cada local possui. A relao direta da educao patrimonial e do patrimnio com as polticas pblicas de meio ambiente, infra-estrutura, turismo, educao so imprescindveis, pois assim, a comunidade poder crescer social e economicamente.

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Em

2009,

representantes

das

Casas do

Patrimnio

j

existentes,

representantes de diversos governos e prefeituras, o IPHAN e diversas outras instituies se reuniram para discutir a atual situao das Casas do Patrimnio, para a anlise e elaborao de planos e metodologias; propostas para a criao de instrumentos legais, que garantam a sustentabilidade e manuteno desses espaos. Nesse encontro foram reafirmados os objetivos e propostas das Casas do Patrimnio, sendo suas premissas bsicas: Garantir um espao para colaborao de saberes e difuso do conhecimento; Realizao, promoo e fomento das aes educativas e a articulao das reas de patrimnio cultural, meio ambiente e turismo dentre outros campos da ao pblica; Manuteno e disponibilizao das informaes e acervos sobre o patrimnio para acesso da populao; Estmulo a participao da populao na gesto da proteo, salvaguarda, valorizao e usufruto do patrimnio cultural; Promoo permanente de oficinas, cursos e outros eventos voltados socializao de conhecimentos e qualificao de profissionais para atuar na rea; Fomentar e fortalecer a atuao em redes sociais de cooperao institucional e com a comunidade; Fomentar o reconhecimento da importncia da preservao do patrimnio cultural. (CARTA DE NOVA OLINDA, 2009, p. 06)

As Casas do Patrimnio buscam empoderar cada comunidade educando, no somente a populao, mas instruindo e capacitando agentes e profissionais que possam contribuir na gesto do patrimnio. No h um plano fixo e inflexvel a ser aplicado em todas as Casas do Patrimnio, pois a descentralizao do planejamento permite que cada comunidade seja atendida do modo mais adequado ao seu pblico.A idia das Casas do Patrimnio surgiu como proposta do Departamento de Patrimnio Material e Fiscalizao DEPAM, visando estruturar gradativamente as sedes das superintendncias regionais e dos escritrios tcnicos para funcionar como uma agncia cultural local, preparada para atender a estudantes, pesquisadores, visitantes das reas tombadas e populao em geral. (IPHAN, 2010)

Atualmente j existem Casas do Patrimnio em Ouro Preto MG; Recife PE; Joo Pessoa PB; Chapada do Araripe, Nova Olinda CE, Vale do Ribeira SP e Regio dos Lagos RJ. O Par ainda no possui uma Casa do Patrimnio, embora j haja propostas para a criao de um espao no estado. Vale ressaltar que no h obrigatoriedade da Casa possuir vnculos institucionais com o IPHAN, se

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esse vnculo for estabelecido no preciso que a Superintendncia Estadual ou o Escritrio Tcnico possuam sede no municpio. Isso permite entender que havendo interesse poltico e social, a criao de uma Casa do Patrimnio em qualquer estado ou municpio uma proposta realizvel e no uma utopia distante. Por ser uma iniciativa relativamente nova, ainda no existem muitos documentos sobre elas, entretanto j visvel a importncia da atuao delas.

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4. POLTICAS PBLICAS E O PATRIMNIO CULTURAL

4.1 O que so Polticas Pblicas?

Em qualquer sociedade a organizao poltica se faz presente, independentemente do tipo de governo, o mesmo precisa se comunicar com o povo, com os cidados; sendo assim, dentro do sistema democrtico brasileiro, polticas pblicas so definidas como aes voltadas para o benefcio da comunidade como um todo. De acordo com Dias (2003, p. 23) polticas pblicas so:[...] o conjunto de aes executadas pelo Estado, enquanto sujeito, dirigidas a atender s necessidades de toda a sociedade. Embora a poltica possa ser exercida pelo conjunto da sociedade, no sendo uma ao exclusiva do Estado, a poltica pblica conjunto de aes exclusiva do Estado. So linhas de ao que buscam satisfazer ao interesse pblico e tm que estar direcionadas ao bem comum.

Para Boneti (2006) essas aes so medidas tomadas pelo Estado na pretenso de sanar necessidades de grupos importantes e representativos em uma sociedade. Ou seja, a coletividade de extrema importncia dentro da construo do conceito de polticas pblicas, o que no significa que todas as necessidades de todos os grupos sociais sejam atendidas por meio de polticas do Estado. Os grupos elitistas que controlam o poder podem facilmente manipul-lo, atendendo assim, as expectativas que mais lhe sejam atraentes, ou convenientes s suas demandas polticas. Alm desse objetivo, as polticas pblicas podem servir como falsas carncias para atender interesses particulares de determinados grupos que tm acesso ao poder. A presena das elites dominantes na elaborao de polticas pblicas um fato na realidade brasileira, e a sua constante busca pela manuteno do poder tambm evidente. Porm, no somente a elite responsvel pelas polticas pblicas, os movimentos sociais, as presses internacionais e tambm a sociedade civil organizada exercem certa influncia nas mesmas; logo esses agentes que tm acesso a criao dessas aes conseguem definir vrias situaes econmicas e sociais de uma nao, Bonetti (2006, p. 55) alega que:Os agentes do poder so, ento, pessoas que possuem o privilgio de decidir na elaborao das polticas pblicas, no investimento do dinheiro pblico. No so necessariamente os representantes do povo, mas os que

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detm as regras do jogo, o domnio da legislao, o domnio da ginga poltica, o capital, as relaes de amizade, etc.

Desse modo, adequando a realidade das polticas pblicas para a atividade turstica, acredita-se que elas deveriam fortalecer a sociedade como um todo, pois, como afirma Beni (2009) o turismo um sistema aberto e tambm pode ser visto como transdisciplinar, o que mostra que a elaborao de polticas pblicas em turismo perpassa outras esferas das mesmas. Todavia, o objetivo dessas polticas no se diferencia do objetivo geral de satisfazer a sociedade como um todo, pois mesmo que estejam voltadas para o turismo, no significa que elas so construdas apenas para ele, e sim para a comunidade local como um todo. Barretto, (2003,p.33) explana que:No turismo, o papel das polticas pblicas deveria ser o de propiciar o desenvolvimento harmnico dessa atividade. Cabe ao Estado construir a infra-estrutura de acesso e a infra-estrutura bsica urbana - que tambm atende a populao local e prover de uma superestrutura jurdicoadministrativa (secretaria e similares), cujo papel planejar e controlar que os investimentos que o Estado realiza - que permitem o desenvolvimento da iniciativa privada, encarregada de construir os equipamentos e prestar os servios retornem na forma de benefcio para toda a sociedade.

Assim, as polticas pblicas no Turismo so aes do Estado voltadas para o aprimoramento da atividade turstica, o que significa que o planejamento do turismo deve levar em considerao o bem estar da comunidade e tambm o fluxo turstico.

4.2 POLTICAS PBLICAS CULTURAIS NO BRASIL

No Brasil da dcada de 1930 a criao do SPHAN consistiu em um ato conectado a outros, que tinha como objetivo do Estado sistematizar a cultura brasileira (MICELLI ET AL., 1984). Porm, ainda de acordo com Micelli et al. (1984), no se caracterizava por polticas pblicas culturais, mas uma motivao poltico social de organizar, controlar a vida cultural dos cidados, uma vez que em meio a Revoluo de 30, a cidade, enquanto centro urbano est em estado de expanso. So criadas inmeras instituies culturais no pas, a estatizao da cultura se manifesta em ideais como a criao do Museu Nacional de Belas Artes e do

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Servio Nacional de Teatro. Nesse momento a cultura resumia-se a preservao do patrimnio material. Micelli et al. (1984, p. 29) argumenta que:Alosio Magalhes explica esta opo pelo monumento de pedra e cal como opo educativa. Inexistiria no Brasil, naquela poca, uma conscincia a favor da preservao do patrimnio cultural. Criar esta conscincia, que em mdio prazo conferiria legitimidade atuao do IPHAN, teria sido o primeiro objetivo dos intelectuais que comandaram inicialmente esse rgo.

Na dcada de 1950, com a divulgao do desenvolvimentismo, o governo Juscelino Kubitschek (JK) instituiu o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), subordinado desde o incio ao Ministrio da Educao e Cultura, o ISEB tinha como objetivo reunir intelectuais das mais diversas correntes (como socialistas, comunistas, progressistas, integralistas entre outras), para que, por meio de debates e dilogos se criasse uma corrente ideolgica capaz de alavancar e desenvolver o Brasil. Era a busca por uma evoluo cultural e econmica do pas; mesmo com tal filosofia, possvel identificar que o ISEB em diversas vezes convergia com a poltica do governo JK, at o apoiando. O ISEB era um instituto que oferecia o ambiente aberto crtica e construo de conhecimento, pois oferecia aulas, palestras, publicao de livros, debates pblicos e outras aes abertas sociedade civil. (TOLEDO, 2005) Com a instaurao da Ditadura Militar no Brasil, o ISEB fechado e se inicia um novo momento no pas, no apenas politicamente, mas a Ditadura influencia de maneira marcante a vida econmica, social e obviamente cultural do Brasil. Toledo (2005, p. 11), relata que:Identificado como a esquerda subversiva, o ISEB foi objeto da sanha golpista. Nos dias seguintes revoluo vitoriosa, a biblioteca os arquivos e os mveis da sede do Instituto foram destrudos por manifestantes ensandecidos. A ditadura militar ali se manifestou por inteiro; atravs do ato de vandalismo, a inteligncia era repudiada e o pensamento crtico passaria a ser reprimido no pas por mais de vinte longos anos.

Quando em 1964 os militares assumem o poder no Brasil, inicia-se uma mudana radical na sociedade. Na procura por uma limpeza em qualquer vestgio comunista, subversivo ou contrrio aos ideais militares, a Censura instalada e a cultura fortemente cerceada por eles. Sendo assim, Vicentino (1997, p. 406) destaca:

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A limpeza comeou j nas primeiras horas aps o sucesso do golpe e foi particularmente intensa durante o perodo de vazio poltico, que se caracterizou at sua posse como presidente (marechal Castello Branco). Em dez dias, chefes militares locais agiram com quase total liberdade, investigando e prendendo sumariamente lderes polticos de esquerda, alm de jornalistas, estudantes, intelectuais ou simplesmente pessoas consideradas subversivas.

Durante esse perodo, o Estado sobre o domnio militar precisa controlar a cultura e utiliz-la como um dos instrumentos de ajuste a nova Segurana Nacional. O objetivo no era extermin-la, mas sim adapt-las aos seus interesses. A integrao nacional buscada pelos militares depois de ajustar a cultura brasileira, poderia sim estimul-la. Dentro do contexto da ditadura, Ortiz (2006, p. 88 e 89) enfatiza que:A presena do Estado se exerce ainda, e sobretudo, atravs da normatizao da esfera cultural. A partir de 1964 so baixadas inmeras leis, decretos-lei, portarias, que disciplinam e organizam os produtores, a produo e a distribuio dos bens culturais regulamentao da profisso de artista e a de tcnico, obrigatoriedade de longas e curtas-metragens brasileiros, portarias regularizando o incentivo s atividades culturais etc. O Estado move ainda reunies de empresrios, da rea pblica e privada, como o Encontro dos Secretrios de Cultura ou o Congresso da Indstria Cinematogrfica Brasileira. Dessa rede de atividades, interessante notar que as crticas ao controle estatal tenderam a se dirigir quase que exclusivamente ao aspecto da censura. Acredito que isto se deve ao fato de a censura ter adquirido, no momento em que a represso era brutal, um significado poltico que parecia condensar todo o autoritarismo do regime.

nessa realidade que o setor privado vivencia uma nova economia, como o crescimento da classe mdia e da populao urbana, contribuem para um novo mercado consumidor brasileiro. Logo a expanso, produo e distribuio dos meios de comunicao como redes de televiso, revistas e jornais visvel no Brasil. Obviamente que o poder de censura do Estado se fazia presente (e era muito forte), porm ainda sim existia uma elite cultural, que insistia em burlar as regras do Estado e por meio de diversas manifestaes anti-militares conseguiam expressar suas opinies. Del Priore e Venncio (2010, p. 282) descrevem esse perodo como:[...] a revoluo um fenmeno da alta cultura. Entre seus partidrios esto refinados romancistas, filsofos e artistas europeus e norte-americanos. No Brasil, algumas das produes culturais extraordinariamente bem-sucedidas como o cinema de Glauber Rocha, a msica de Joo Gilberto e o teatro de Augusto Boal revelam o lado positivo da ruptura radical com o passado. Mesmo nos meios nacionalistas como o caso dos intelectuais vinculados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) criado em 1955 respira-se o ar da utopia. A identidade nacional vista como a ruptura com o passado e no como a sua recuperao, conforme almejavam os romnticos do sculo XIX. Ao longo dos anos 1960, tal viso

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difundida por meio do cinema, teatro e jornalismo, assim como palestras e debates promovidos pelos Centros Populares de Cultura da Unio Nacional dos Estudantes (CPC-UNE). A valorizao desse novo nacionalismo tambm representa uma forte influncia cultura norte-americana, interpretada como uma ameaa identidade nacional, pois, ao contrrio da europeizao de sculo precedente, no se restringe a grupos de elites, destinando-se ao conjunto da populao.

Ao final da ditadura brasileira, e o processo de reabertura democrtica no Brasil na dcada de 1980, a sociedade ainda deslocada em sua nova realidade social da chamada dcada perdida, sofre as conseqncias socioeconmicas da ditadura; a alta inflao, a perda de um presidente que representava uma esperana nacional e a posse da presidncia por um vice-presidente que trazia em seu histrico resqucios das dcadas anteriores, so apenas alguns componentes desse perodo. Para Micelli et al (1984) at o incio da dcada de 1980, a existncia de polticas pblicas culturais no Brasil se resumia a preservao arquitetnica de prdios histricos. Como cultura nunca foi um aspecto que despertasse interesses polticos, o IPHAN possua certa autonomia na elaborao dos seus projetos, o que possibilitou a continuidade dessa postura desde a sua fundao, durante a gesto de Rodrigo Melo Franco Andrade e aps seu sucessor Renato Soeiro assumir a direo do rgo. Assim, a preservao de determinados aspectos e traos culturais perpetuam a ideologia cultural daqueles que assumem o poder poltico, a alocao de recursos e o favorecimento de classes, lugares e pensamentos ideolgicos. Micelli et al. (1984, p. 25-26) avaliam esse perodo da seguinte maneira:A interpretao meramente sintxica, ou meramente semntica, do IPHAN, independentemente de serem ou no verdadeiras, sero sempre insuficientes. A primeira insuficiente porque obscurece o contexto poltico, econmico e social onde a poltica pblica gerada e praticada. A poltica de preservao reduzida a programas, instituies, recursos, normas e clientela. explicada apenas pela interao entre os que dela diretamente participam: no governo e na sociedade. rica em fatos reais especficos, mas pobre em articulao e significado. Dificilmente so identificadas as causas polticas, sociais e econmicas que do significados aos fatos especficos e moldam as relaes dos grupos e classes sociais entre si, e entre estes e a poltica de preservao. No raro reduz a experincia histrica da nao a uma historia autnoma das circunstancias. Em nome