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1 V a Reunião Equatorial de Antropologia GT 10 - Circulação de pessoas, objetos e técnicas no Caribe, nas Guianas e na Amazônia Da mata ao mapa Os Xikrin no encontro dos caminhos Stéphanie Tselouiko 1 « O mapa não é o território » Alfred Korzybski, Resumo Essa comunicação propõe descrever e analisar, por meio de etnografia, uma experiência de etnomapeamento realizada em 2014 entre os Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá (TITB), no Estado do Pará (Brasil) como atividade de um programa de gestão ambiental. A realização desse tipo de ação, cada vez mais frequente entre povos indígenas, necessita ser questionada numa abordagem antropológica que permita destacar os mecanismos de transcrição e tradução das relações desses grupos com seu território em palavras e símbolos, projetados em mapas. A ambição de uma tal proposta é não somente refletir sobre a exequibilidade e as limitações dos etnomapas como instrumento de diálogo entre o conhecimento indígena e o conhecimento científico no diagnóstico ambiental para subsidiar a gestão territorial das Terras Indígenas, mas também contribuir com o campo de investigação antropológico que se dedica a examinar procedimentos de criação de documentos, tais como os mapas. Palavras-chaves Mebengokre-Xikrin, etnomapeamento, territorialidade, aprendizagem, fenomenologia. 1 Doutoranda em antropologia social na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris e Laboratoire d’Anthropologie Sociale, sob a direção do Dr. Prof. Alexandre Surrallés; em cotutela com a Universidade Federal de São Carlos, programa de pós-graduação em Antropologia Social, sob a direção da Dra. Profa. Clarice Cohn

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Va Reunião Equatorial de Antropologia

GT 10 - Circulação de pessoas, objetos e técnicas no Caribe, nas Guianas e na Amazônia

Da mata ao mapa

Os Xikrin no encontro dos caminhos

Stéphanie Tselouiko1

« O mapa não é o território »

Alfred Korzybski,

Resumo

Essa comunicação propõe descrever e analisar, por meio de etnografia, uma

experiência de etnomapeamento realizada em 2014 entre os Xikrin da Terra Indígena

Trincheira-Bacajá (TITB), no Estado do Pará (Brasil) como atividade de um programa de

gestão ambiental. A realização desse tipo de ação, cada vez mais frequente entre povos

indígenas, necessita ser questionada numa abordagem antropológica que permita destacar os

mecanismos de transcrição e tradução das relações desses grupos com seu território em

palavras e símbolos, projetados em mapas. A ambição de uma tal proposta é não somente

refletir sobre a exequibilidade e as limitações dos etnomapas como instrumento de diálogo

entre o conhecimento indígena e o conhecimento científico no diagnóstico ambiental para

subsidiar a gestão territorial das Terras Indígenas, mas também contribuir com o campo de

investigação antropológico que se dedica a examinar procedimentos de criação de

documentos, tais como os mapas.

Palavras-chaves

Mebengokre-Xikrin, etnomapeamento, territorialidade, aprendizagem, fenomenologia.

                                                                                                               1 Doutoranda em antropologia social na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris e Laboratoire d’Anthropologie Sociale, sob a direção do Dr. Prof. Alexandre Surrallés; em cotutela com a Universidade Federal de São Carlos, programa de pós-graduação em Antropologia Social, sob a direção da Dra. Profa. Clarice Cohn

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Introdução

A Terra Indígena Trincheira Bacajá (TITB) habitada pelos Xikrin, grupo mebengokré

do tronco linguística Jê, se insere em um complexo multiétnico da região atualmente

designada como Médio Xingu. De mais de 1 500 000 hectares2 de superfície, a TITB foi

delimitada e oficializada em 1996. Os estudos históricos avaliam o estabelecimento dos

Xikrin na beira do rio Bacajá entre 1924 e 1928 (FISHER, 2000). Hoje em dia, a população

da TITB é composta de mais de 800 pessoas3, repartidas nas oito aldeias ao longo do rio

Bacajá com exceção da recente aldeia Ràpkô, situada mais afastada do rio, no lugar de uma

antiga fazenda cujos donos foram expropriados e a área recuperada pelos Xikrin.

Desde 2009, com o reaparecimento do projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte,

até o estabelecimento do Plano Básico Ambiental (PBA), que acompanha a construção efetiva

da usina, e com a concomitante construção de estradas ligando cada aldeia à Transamazônica,

a TITB passa por transformações de ordem políticas, econômicas e ecológicas sem

precedentes. Devido ao maior trânsito de pessoas e de bens (objetos, mercadorias,

conhecimentos, religião, documentos, impactos socioambientais, projetos), os campos

relacionais dos Xikrin tem se transformado e se expandido ao mundo exterior de modo

singular, suscitando interrogações sobre as perspectivas de vida na TITB para as gerações

presentes e futuras. Em 2014, os Xikrin de todas as aldeias da TITB4 iniciaram um trabalho de

etnomapeamento no quadro do programa de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (GATI)

com o apoio da ONG The Nature Conservancy (TNC), cujo objetivo foi capacitar jovens,

denominados no projeto de “etnomapeadores”, no uso de GPS e na realização de mapas,

fornecendo informações sobre a história da ocupação do território, recursos (colheita, pesca,

caça) que o compõem e ameaças (garimpo, pesca, madeira, etc.).

A realização de etnomapas, em constante aumento entre povos indígenas, necessita ser

questionada numa abordagem antropológica que permita destacar os mecanismos de

transcrição e tradução das inter-relações desses grupos com os ambientes compondo seu

território em palavras e símbolos, projetados em mapas. Para iniciar essa reflexão, parece-me

                                                                                                               2 1 650 939 hectares exatamente 3 Segundo o censo da Secretaria de Saúde Indígena (2014) 4 Neste texto, sempre que me referir aos Xikrin, estarei me referindo à Terra Indígena Trncheira-Bacajá, não incluindo portanto os Xikrin do Cateté, que estão na Terra Indígena Cateté e fora da Bacia hidrográfica do Xingu. Sobre os Xikrin do Cateté, cf. Vidal 1977, 1992; Giannini 1991 a e b; Gordon 2005.

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importante debruçar sobre o que chamamos de “ambiente” (que às vezes designo pelo termo

“mundo”), de “espaço” e de “território”, tal como experimentado e vivido por uma dada

sociedade. Caberia também à geografia principalmente, com ajuda da antropologia, reinventar

certos princípios de leitura e de representação desses termos, levando em conta os riscos de

equivoco nos exercícios de tradução operados nos diálogos entre indígenas e não-indígenas.

Essa problemática representa um desafio antropológico e político crucial, ainda mais no

contexto atual crítico de problematização de demarcação e gestão das Terras Indígenas do

Brasil.

Tradicionalmente, a definição e a representação da noção de ambiente foram tarefas da

geografia, inicialmente entendido no sentido de meio físico essencialmente, isto é, um

conjunto de dados objetivos e mesuráveis tais como relevo, clima, solos, etc. Na

representação gráfica desses dados em mapas, se criou uma relação puramente quantitativa e

abstrata entre o território e o mapa: a escala (MAZUREK, 2013). A questão da relação do

território com a existência humana do ponto de visto ontológico, e a realidade que o território

constitui, começou a aparecer numa trilha aberta pela fenomenologia, que tem por abordagem

uma análise direita da experiência vivida por um sujeito considerado como “ator da sua

realidade geográfica”, isto é, da realidade do território que se forma através da experiência

vivida daquele sujeito e que o envolve, e também como “ator da sua própria realização como

ser que faz sentido” (HOYAUX, 2002, p. 1). Merleau-Ponty, nesse sentido, postula que

através da nossa corporeidade (isto é, em um nível infra-verbal), o real está “carregado de

predicados antropológicos”. De fato, vivemos em um mundo totalmente significativo, repleto

de sentidos, no antípoda de um mundo objetal, o que a biosemiótica chama de semiosfera5,

que tal como a atmosfera, a hidrosfera, e a biosfera, é uma esfera que “ (...) penetra em todos os cantos dessas outros esferas, incorporando neles todas as formas da comunicação: som, cheiro, movimentos, cores, formas, campos elétricos, radiações térmicas, ondas de todo tipo, sinais químicos, tato, etc. Em fim, sinais de vida.” (HOFFMEYER, 1996 (1993) apud BERQUE, 2013, p.7, minha tradução)

Nesse mundo totalmente significativo, é a vida de nosso corpo que dá sentido às coisas

que nos envolvem, tal como nas que temos na mente. Segundo Berque (1987, 2010), é a vida

do corpo próprio que anima o ambiente (pt.), milieu (fr.), Umwelt (al.) o distinguindo assim

                                                                                                               5 Com a introdução de outros sentidos tais como ouvido, olfato, tato, e tantos outros, afeita à abordagem do Ingold (2000, 2003, 2007, 2012), quero abrir os campos sensitivos aos modos perceptivos para captar as affordances, onde Gibson (1979) considerava principalmente (para não dizer exclusivamente) a visão.

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do meio ambiente (pt.), Environnement (fr), Umgebung (al), essencialmente físico, objetivado.

"O ambiente (pt.) (milieu fr.), não é o meio ambiente (pt.) (environnement fr., Umgebung al.);

é a realidade do seu ambiente para uma espécie em particular ou uma cultura, ou seja, um

determinado ambiente, especificamente adequados para / por esta espécie ou cultura"

(BERQUE, 1987, tradução minha, grifos meus). Viveiros de Castro vai na mesma direção

quando, se referindo ao conceito de affordance de Gibson (1979 : 8, apud VIVEIROS DE

CASTRO 2007), argumenta que a noção de ambiente exige um "ambientado", ou seja, um

ente para que este ambiente exista, pois não há, segundo ele, ambiente no absoluto: "Todo

ambiente é ambiente de um dado organismo (ou espécie), para quem, ou de quem, o ambiente

é ambiente " (2007, p.4). Seguindo a trilha da conceptualização fenomenológica do habitar

como proposta heurística para explicar as diversas maneiras de estar-no-mundo, considera-se

o corpo como condição permanente da experiência, já que permite uma abertura perceptiva ao

mundo e um engajamento nele. Isso sugere que não se tem uma verdade única a respeito da

visão de mundo, mas uma multiplicidade de realidades através da percepção e experiência do

mundo pelo próprio corpo. A ideia de que não há ambiente sem sujeito, para quem este é

ambiente é, de acordo com Viveiros de Castro (2007), muito próximo do perspectivismo

indígena, que deve ser entendido como uma multiplicação de pontos de vista, ou seja uma

multiplicação de mundos, que supõe significações semelhantes sobre mundos diferentes o que

não deve ser confundido com o relativismo que implica equivalência entre diferentes

significações “do um mesmo mundo”, parafraseando sua expressão.

Se são os mundos que diferem, como compreender estes mundos, estes ambientes nos

(e dos) quais cada sociedade vive, de forma a dar conta das inter-relações complexas que

mantêm o equilíbrio (tanto teórico como concreto) destes mundos? E como traduzir estas

inter-relações em termo de território, em particular em etnomapas, quando se trata de usá-los

como instrumento de diálogo entre o conhecimento indígena e o conhecimento científico no

diagnóstico ambiental para subsidiar a gestão territorial das Terras Indígenas, por exemplo ?

Na primeira parte desta comunicação, irei descrever os diversos modos de acesso e uso

dos recursos florestais pelos Xikrin. Usarei vários caminhos, tais como os Xikrin, para

abordar a noção de propriedade e a extensão do domínio do kukradjà6 sobre uma dita

                                                                                                               6 kukradjà, frequentemente traduzido por cultura ou conhecimento, tal como atuado e vivido no quotidiano, é um termo complexo que abrange também outros significados relevando tanto do domínio humano como não-humano no que falam a respeito da composição do corpo humano e animal (mão, braços, pernas, coração, fígado, etc.) e da composição das roças em plantas alimentares (batatas doces, mandiocas, cará, bananas, jerimum, mamão), cuja integridade é essencial à perenidade do modo de produção da condição mebengokré no

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“natureza” que pressupõe que se está sempre “indo pro mato”, mesmo quando já se está “no

mato”. Darei importância analítica às experienciais sensoriais na aprendizagem do meio

ambiente ao longo dos caminhos, e concomitantemente na produção da pessoa mebengokre.

Na segunda parte, pretendo destacar como os Xikrin se apropriam (ou não) das

ferramentas de cartografia e como traduzem e transcrevem no papel (mapas) suas relações

com o território, dando destaque à maneira como os conhecimentos histórico-ecológicos

transmitidos pelos pais e avós assim como os conhecimentos adquiridos pela própria

experiência inserem-se ou não em um sistema de cartografia referenciada em uma geometria

euclidiana, ortogonal e isótropa, tendo em vista que os modos de ocupação e uso do espaço

pelos Xikrin são contínuos, multidimensionais, dinâmicos, ou em outras palavras, orgânicos,

como já terei demostrado na primeira parte. Desse modo, proponho questionar os modos de

apropriação ou não dos mapas pelos Xikrin como ferramenta de gestão territorial e de luta

política na defesa de seus direitos.

I. (Escrev-)Indo na mata (sobre si mesmo)

Os Xikrin habitam a última fronteira da Amazônia paraense, uma floresta volumosa

onde um olhar não experimentado (e não engajado) vê somente um oceano verde homogêneo

e caótico, uma “natureza selvagem”. Os Xikrin, entretanto, reconhecem uma ordem e várias

categorias de ambientes contínuos, dinâmicos, às vezes superpostos, e compostos de

numerosos lugares muito percorridos e nomeados, ou “culturalizados” (INGOLD, 2000).

Nessa sessão, relatarei, por meio de uma dwelling perspective7, no sentido do Ingold, como os

Xikrin experimentam o espaço habitado por eles há quase um século, e as diversas maneiras

que nele evoluem, se engajam, captam os sinais de ida e de volta, nele deixam marcas, outros

sinais, criando novos significados, definindo o espaço, escrevendo e reescrevendo a cada

passagem sua história, afirmando (e firmando nele) sua possessão do território, assim como

afirmando sua condição humana mebengokre. Para apoiar meu argumento, me aproprio aqui

da noção de “engajamento” de Ingold (2000), definida como a forma pela qual os humanos

percebem seu ambiente através de suas práticas, por oposição a uma visão mais clássica que

separa a relação prática e técnica da concepção simbólica, e para a qual a percepção

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         mundo (Cohn, 2005, 2008). Essa acepção deve ser distinguida de mynha, traduzível por coisas, que também releva do domínio dos pertences, mas em um outro sentido, mais utilitário. 7 Dwelling perspective é uma abordagem para estudar as praticas ecológicas partindo do individuo na sua interelação ativa com os elementos do seu ambiente no qual ele faz parte. O autor chama este individuo de “organismo-pessoa” (INGOLD, 2000, p.5).

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decorreria da reconstrução da realidade expressa em termos simbólicos, reiterando uma

divisão natureza/cultura, infeliz porque inapropriada para entender os modos de relação que

os Xikrin desenvolvem com seu ambiente ao longo da vida, modos de relação que

determinam suas percepções, aprendizagens do e ações no mundo, induzindo a constituição

de um sistema de valores que determina reciprocamente a produção de novas pessoas e de

uma condição mebengokré no mundo (COHN, 2000, 2005, 2008, 2014) em perpétuo

movimento. Para Ingold,

Compreender o mundo não é uma questão de construção, mas de engajamento, não de construir, mas de habitar, não de tomar um ponto de vista sobre o mundo, mas de tomar o ponto de vista do mundo. (INGOLD, 1996, p.121, tradução minha, grifos meus).

“Tomar o ponto de vista do mundo” é inteligível se consideramos que o ser humano

não é um sujeito extraído de um mundo objetivado, reificado, tal como pressuposto pelo

dualismo moderno (sujeito/objeto) e sobre o qual esse sujeito humano transcendental vai

projetar arbitrariamente sentidos e figurações, tomando “um ponto de vista sobre o mundo”,

como se esse sujeito humano fosse onisciente, como se a existência dele fosse desconectada

da existência dos outros habitantes (animal, vegetal, mineral, espíritos) desse “mundo-objeto”

absoluto. “Tomar o ponto de vista do mundo”, é possível quando se concebe o ser humano

como ser sensível indissociavelmente diluído no mundo, que percebe os stimulis do mundo;

um ser então que se dividualiza e se produz continuamente com o mundo numa relação

concreta (do latino concrescere, isto é “crescer junto”), intencional e dinâmica com ele, numa

relação que, de volta, estrutura sua ação quotidiana nele.

Para adotar a abordagem fenomenológica para dar conta da maneira singular que os

Xikrin se constituem como ser-no-mundo, um mundo que formam, ou seja, que habitam,

necessita-se dar atenção à sua ontogenia. Segundo os Xikrin, os humanos nascem já com um

corpo î, mortal, e uma alma (ou duplo) karon, imortal, que se desenvolvem ao longo da vida

da pessoa pelo contato direito da rede corpo/alma(s) com o ambiente (COHN, 2000, 2005,

2008; GIANNINI, 1991a e b). ´

Para os Xikrin "saber" é "ver" e "ouvir", fazendo dos olhos e dos ouvidos os órgãos de

aprendizagem por excelência; mas não se trata só de ver ou de ouvir para saber mais, de

acordo com Cohn (2000), se deve combinar as duas ações para captar o que eles aprendem,

“armazenando” no coração e permitir que se expressem e ajam de acordo com o modo de ser

mebengokre. Além disso, se no início da vida de uma pessoa, a visão, a audição e o seu

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coração são pouco desenvolvidos, o crescimento deles deve ocorrer durante todo o seu ciclo

de vida através das inter-relações que ela estabelece com os diferentes ambientes8 no

quotidiano e durante os rituais (GIANNINI, 1991a,b, COHN, 2000). Assim, a aprendizagem é

vivida pelos Xikrin não apenas como um envolvimento de ser no mundo (COHN, 2000), mas

também como um envolvimento do mundo no ser. Em suma, a aprendizagem é mais um

processo de acumulação de experiências incorporadas e encorporadas do que uma categoria

fixa transmitida de geração em geração (como de resto os Xikrin enfatizam quando pensam

sua própria condição no mundo, cf. COHN 2006).

Desse modo, a perpétua produção da condição mebengokre no mundo é concomitante

com o desenvolvimento de campos relacionais, constituindo a realidade do mundo para os

mebengokre, na base de uma aprendizagem concreta e dinâmica dos dois. Esta constatação é

afeita à análise de Ingold (2000, 2003), segundo o qual o conhecimento não descreve um

mundo que existe em si, nem um mundo construído conscientemente por homens antes que

eles possam agir sobre ele (o que denomina de building perspective9), mas que seria revelado

por imersão do "organismo-pessoa" no ambiente de vida (dwelling perspective), o que supõe

que pensar e agir surgem como propriedades emergentes de um sistema de desenvolvimento

que envolve a pessoa por meio de suas disposições, num campo relacional com o mundo e os

outros entes.

A aprendizagem Xikrin é gradativa, e segundo Cohn (2005), ela se faz junto com seu

karon ao passo em que fica cada vez mais solidário com seu corpo. Necessita-se de muito

cuidado para o karon não escapar, em particular quando a pessoa é criança, está doente ou

em situação de vulnerabilidade como quando se encontra num ambiente desconhecido

(COHN, 2005). Assim, a pessoa não anda da mesma forma no espaço segundo seu estado e

em particular segundo sua idade. À medida que o individuo cresce, ele vai penetrar cada vez

mais e cada vez mais longe o universo florestal cujos sinais serão ensinados, incorporados e

retornados a ele a traves a técnica.

Saindo da aldeia, os caminhos levam primeiro para as roças que se formam na

periferia. A roça é o primeiro domínio, fora da aldeia (a não ser também a cidade onde os

Xikrin nascem cada vez mais frequentemente), que o individuo começa a frequentar. Embora

                                                                                                               8 Cohn e Giannini falam de “domínios cósmicos” nos trabalhos delas, mas tentei adequar essa expressão no contexto atual com a palavra “ambiente” que abrange tanto a ideia de ambiente natural como de ambiente social.  9 Isto é uma construção mental do que o mundo é e sobre o qual se pode agir. Opto aqui por não traduzir esses conceitos building perspective e dwelling perspectiv para os quais não existe tradução adequada.

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a roça seja socializada pela ação humana de forma explicita, ela não deixa de ser um lugar

perigoso, onde a integridade das pessoas, e principalmente as mais fracas (como as crianças e

os doentes), está sempre ameaçada pelo ataque de animais (escorpiões, cobras, as vezes

porcos) e sobretudo dos mekaron (espírito dos mortos), correndo-se o risco de ver seu karon

escapar. Por isso, é preferível que a mãe deixe o seu recém-nascido ainda muito vulnerável

com alguém em casa quando ela vai para roça, mas, como isso nem sempre é possível,

acontece que desde os primeiros meses de idade, no colo da mãe, o individuo já penetre o

mundo da roça. Mas é quando ela anda que a criança se familiariza de fato com este mundo.

Sentado no meio dos cultivares enquanto sua mãe esta roçando, a criança observa, escuta e

reproduz os gestos. Quando cresce, a criança ganha autonomia10. Se não for junto com a mãe,

nada a principio impede a criança de encontrar com ela depois, por isso, ela deve conhecer os

caminhos que levam para a roça. Inclusive, no período da broca das roças novas, é frequente

ver as crianças levar a merenda para seus pais. Elas devem então aprender a reconhecer a

entrada da roça nova no meio da vegetação embaralhada e encontrar o caminho novo que as

leva para os pais no meio da roça em broca. Se os adultos estão ainda trabalhando, o barulho

dos facões batendo os troncos vai guiar as crianças, mas caso já estão descansando, a

observação se impõe mais ainda à criança para identificar as marcas das passagens, tais como

galho cortado, vegetação pisada, etc. Um grito esperando por um eco pode ajudar a se orientar

com a audição. A criança então é livre de ir e sair da roça usando os caminhos nitidamente

marcados e conhecidos que ligam as roças às casas, sem os adultos mas nunca sozinha, elas

andam em grupo.

Além das roças, os caminhos se ramificam através uma vegetação mais alta e mais

densa, denominada genericamente “floresta” (bà), que pode ser de vários tipos: floresta preta

(bà tyk) ou floresta vermelha (bà kamrek), floresta amarela (bà ràràre), floresta limpa (bà

kej), floresta baixa (bà prire) ou ainda floresta inundada (buà noro). Estas são classificadas

segundo o lugar no território, o que determina a hidrografia, a pedologia, o tipo de vegetação

e a presença de animais particulares, o conjunto condicionando o tipo de atividade a ser

realizada. Se todos, inclusive as crianças, sabem pelo menos alguma coisa sobre o mundo,

cada um se expressa e age apenas segundo o que é socialmente aceito, ou seja, conforme sua

categoria de idade e estatuto na sociedade (COHN, 2000, 2005; GIANNINI, 1991a e b). E é

                                                                                                               10 Para o andar e falar e como isso marca a autonomia da criança e sua maior mobilidade cf. COHN 2000.

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progressivamente que se explora cada vez mais o universo florestal, sempre a partir de um

desejo de aprender expressado (COHN, 2000).

Como presenciei um dia, uma família foi para a mata (bà kam ten) caçar um tatu que o

casal de velhos (mebengêt) e a filha solteira deles de quarenta e poucos anos (mekratymre)

tinham mantido preso (anjé) dentro do buraco à véspera. Junto com esse trio, veio um casal de

jovens sem filhos cujo homem era um dos netos do casal de mebengêt e veio também um

outro neto de quatorze anos, o filho da mekratymre. A presença deles não constituía uma

condição para pegar o animal, e ainda menos para levá-lo para a aldeia, já que, ao contrário de

uma anta ou de uma queixada, o tatu é um animal de porte relativamente pequeno. Eles

vieram para assistir e aprender. Mas infelizmente, quando chegaram no buraco, perceberam

que o tatu tinha conseguido se livrar. Mas isso não iria impedir os mebengêt e a mekratymre

de prosseguir. Superando a decepção, decidiram continuar a jornada mais além, aproveitando

o caminho que se oferecia a eles, atrás de outra caça e frutas, enquanto o casal de jovens

resolveu voltar para a aldeia. A mekratymre perguntou para o filho dela se os queria

acompanhar, ele respondeu que não e voltou junto com o casal de jovens. Não pareceu

representar problema algum. O grupo se dividiu, cada um numa direção. A caça ao tatu é

geralmente realizada em família, e todo mundo, até os recém-nascidos, podem presenciar,

desde que em lugar apropriado. De fato, não é tanto a caça em si que determina quem

participe, mas o lugar. Uma tarde, uma família foi a uma roça velha atrás de um tatu que foi

localizado na manhã do mesmo dia. Uma mulher dessa família levou com ela um bebê que

tinha apenas seis meses e uma filha de cinco anos. Levava-se uma meia hora andando para

chegar a esse local, isto quer dizer que não era tão perto da aldeia, portanto se tratava de um

lugar que foi socializado certo tempo atrás, o que a presença de numerosos pés de bananeiras

testemunhava. Quando perguntei se não era perigoso as crianças irem até onde a gente estava,

a mãe me respondeu que não porque era uma roça velha (puru tym). Se o tatu estivesse

escondido em um buraco na mata fechada, por exemplo, o recém-nascido e a menina não

teriam sido levados, mesmo se fosse mais perto da aldeia.

Se o engajamento no mundo florestal é diferenciado segundo a idade, ele o é também

segundo o sexo que determina o tipo de recurso a ser coletado. Ao contrário de um certo

preconceito, segundo o qual a floresta é um domínio masculino11, é muito frequente ver um

                                                                                                               11por ser a cena da caça por excelência, e a caça sendo uma atividade muito valorizada em numerosos povos indígenas da Amazônia, a floresta está atribuída ao domínio masculino, deixando ao segundo

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grupo de mulheres ir à mata juntas atrás de açaí ou de coco de babaçu, sem ser

necessariamente acompanhadas por homens. Os caminhos adotados são os mesmos que os

homens para caçar como o testemunhou um cartucho no chão em uma das excursões das

mulheres que acompanhei. Dependendo do recurso procurado, as mulheres vão passar mais

ou menos tempo nos caminhos. Por exemplo, se for atrás de açaí que as mulheres vão, elas

passarão a maior parte do tempo fora dos caminhos, no meio dos açaizais, retornando no

caminho para se dirigir em um outro açaizal. Os homens, por sua vez, andam mais nos

caminhos procurando visualmente de cada lado as marcas de passagem de algum animal tal

como umas frutas mordidas ou ainda os mry djabit (mry = animal da floresta, djabit = trilha),

que são as trilhas deixadas pelas passagens repetidas dos animais e ao lado das quais se deve

sempre andar (mry djabit apkre anten) para não deixar o cheiro da sua humanidade, fazendo

que os animais não voltem mais pelo mesmo caminho. É somente no momento da

perseguição que os homens saem dos caminhos, correndo e pulando atrás da caça, ou caçando

na vigília no galho de uma árvore frutífera apreciada por um determinado animal e que

geralmente se encontra fora do caminho para não afastar os animais com uma marca humana

demais...

Este engajamento diferencial no mundo florestal é progressivo e sem grandes

constrangimentos, mas sempre incentivado pelos pais. Um adolescente estava junto com a

mãe dele na roça perto da pista de aterrissagem quando de repente se fez ouvir os homens

correndo atrás de queixadas. A mãe do adolescente disse para dele deixar o que estava

fazendo e correr junto com os homens, o que ele fez, mas não os encontrou, e quando voltou

para a roça sua mãe pareceu aborrecida mas não comentou nada mais. Um jovem que ainda

não casou (menoronyre) vai progressivamente acompanhar seus pais, tios e irmãos na mata

para caçar. No início ele não levará armas, mas apenas seu corpo e seus sentidos para

aprender a reconhecer os rastros deixados pelos animais e as frutas que comem. Uma moça

adolescente vai principalmente penetrar o mundo das roças com sua(s) mãe(s), avós e irmãs e

cunhadas, ajudando no plantio, na limpeza e na colheita, e depois na preparação dos produtos

colhidos. Mas em certas épocas, ela vai poder acompanhar as mulheres para a mata, colher

açaí, bacaba, e coco de babaçu. Não é sistemático, e depende sempre de quando as moças

estão dispostas a ir também. À medida que os jovens vão percorrer os caminhos na mata, eles

vão aprender a identificar as rotas e os recursos disponíveis. Vão também aprender a destacar                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          plano o interesse que os espaços florestais representam para as atividades femininas de produção (alimentares e ontogênicas).

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os pés de babaçu (ron) e as castanheiras (pi-y) nos quais têm direito de coletar as frutas, sendo

que cada pé destas essências tem um dono humano que é único (e eventualmente por extensão

sua família) a poder explorar o pé em questão (ron ambàri, pi-y ambàri). Voltarei nesse ponto

mais adiante.

Sobre aprender qualquer outro tipo de atividade extrativista na mata, se fala amakre an

ten, “aprender andando”, ou seja, aprender no movimento, no deslocamento, e no encontro

dos diversos elementos do ambiente, recebendo os “sinais de vida”, já que a informação,

como nos diz Bateson (1986), existe somente através o movimento de quem percebe seu

ambiente.

As idas para a mata que participam da produção da pessoa, são infinitas tais como a

produção da pessoa está sempre em aberto (COHN, 2005), já que sempre terá algo a descobrir

e a aprender sobre a mata, e em retorno algo a ganhar sobre se mesmo para seu próprio

desenvolvimento como ser mebengokre. Sendo que, do ponto de vista dos Xikrin, o mundo

nunca é o mesmo, mas em perpétua mudança através os fatos que vão mudando (COHN,

2014), a relação com o mundo (inclusive a relação espacial) também esta sempre em

movimento, o que produz uma posição circunstancial do sujeito no espaço, uma posição que

não seja simplesmente física, mas antes de tudo ontológica.

O que mais me chamou atenção nos discursos sobre as jornadas na mata é que se está

sempre “indo para a mata”, mesmo quando para a gente (não Xikrin) já se está na mata, como

se “estar na mata” fosse para os Xikrin algo inalcançável, sempre em busca. Do meu ponto de

vista e da onde eu venho, a aldeia dos Xikrin se encontra no meio da mata amazônica, mas

quando os homens se reúnem no ngàb (casa dos homens ou ainda chamada casa do guerreiro)

para decidir das atividades tais como caçar, buscar castanha, açaí, etc. eles dizem “ir para a

mata” (bà kam ten). Quando um homem vai sozinho pra mata caçar, ele avisa todo mundo

indicando o caminho que vai tomar para todo mundo saber e fala “eu vou para a mata” (bà

kam ba i ten). Nos dias precedentes uma festa (metoro), os homens falam “vamos caçar para o

metoro” (gwaj ba metoro bà kam ten). As caças em grupo estão organizadas com

antecedência e é o cacique que vai juntar os homens para decidir do(s) lugar(es) de

acampamento onde ficarão 4 a 5 dias. Fazer acampamento se diga Me bà neto wadjà, o que

quer dizer “na entrada da mata”. No acampamento, de manhã, os homens se reúnem e

decidem os caminhos que vão tomar para pegar jabuti e caçar, e na hora de sair, se diga... “ir

para a mata” (bà kam ten). A aldeia não está na mata, o acampamento também não, porque a

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mata aqui não esta vivida como espaço absoluto, mas como espaço que recebe a projeção das

intencionalidades através a relação e a significação que os Xikrin lhe concedem nas suas

ações e discursos, um espaço cujo estatuto se transforma na medida que se conquista12.

O lugar, supostamente fixo e material, pode virar circunstancial, emergindo do

“movimento que o leva” (RETAILLÉ, 2007 apud MAZUREK, 2013, p.134). A percepção

espaço-temporal do espaço é móvel, dêictico, e muito de natureza egocêntrica já que “o lugar

é fixado pela escala do nosso quotidiano” (MAZUREK, 2013, p.134), e não por uma escala

absoluta. Ela “supõe de reconhecer que a ação prática sempre tem um posicionamento em um

“aqui” e um “agora”, de onde se vê o outro, de onde se vê de forma singular o mundo, já que

obviamente, se trata do “mundo” que esta ao meu alcanço” (LINDÓN, 2000 apud

MAZUREK, 2013, p.134). Em outras palavras, o lugar está sempre redefinido de acordo com

o movimento no “momento estrutural da existência humana” (WATSUJI, 1935 apud

BERQUE, 1987), isto é na relação dinâmica (o « momento ») que se estabelece entre os dois

pendentes do ser humano: seu lado individual e seu lado relacional com o mundo e os entes

que o compõem. “Ir para a mata” não é meramente uma questão de deslocamento de um

ponto a outro. “Ir para a mata”, é a saída da aldeia ou do acampamento, não para um domínio

selvagem e natural que se colocaria em oposição ao domínio civilizado e cultural, mas é o

próprio movimento que, ao longo dos caminhos, vai fazer o indíviduo se desenvolver, se

“desembrulhar” (INGOLD), numa “linha de devir” (DELEUZE & GUATTARI, 1980),

acumulando prática e conhecimento, integrando e participando de uma malha interconectando

lugares e entes humanos e não-humanos.

Se deslocar (na mata) se fala me y (ou me yry ten) em mebengoke, onde me é gente, y

é semente e ten é andar. Yry esta usado para dizer ir no encontro, mas yry é também sinônimo

de devir: ba i mej yry (estarei bem logo). Me y é uma maneira muito poética que os Xikrin

têm de expressar o movimento no espaço, como ação orgânica, dando lhe forma pela criação

de caminhos e de ambientes, estar em devir, pois “o dar forma é vida” (KLEE, 1973 apud

INGOLD, 2012, p.26), “assim como a planta cresce a partir da sua semente, a linha cresce a

partir de um ponto que foi posto em movimento” (INGOLD, 2012, p.26). Nessa mesma ideia

de ação orgânica, Ingold utiliza o exemplo da teia de aranha para ilustrar o processos de

tecelagem de caminhos em malha. Ele escreve: “os fios de uma teia de aranha são tecidos a                                                                                                                12  Esses   espaços   e   a   biodiversidade   florestal   que   representam   não   são   vividos   como  espaços  “para  si”  mas  “consigo”  (BERQUE,  2000  apud  BRUNOIS,  2004,  p.  105.  tradução  minha)  

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partir de materiais exsudados pelo corpo da aranha, e são dispostos segundo seus

movimentos. Eles são extensões do próprio ser da aranha à medida que ela vai trilhando o

ambiente” (INGOLD, 2008, p.210).

As andanças dos Xikrin para a mata não estão feitas por acaso. Saindo da aldeia, à

medida que se afastam, eles decorrem uma sucessão de ambientes distinguíveis pelo tipo de

solo, a topologia, a hidrologia, que vão determinar a vegetação e os animais potencialmente

encontrável. Cientes dessas diversas composições de biodiversidade, a escolha de um

caminho para coleta e/ou caça nunca é feita à toa. Dependendo do período do ano, devido

uma aprendizagem contínua, os Xikrin sabem onde procurar frutas que atraem caça para

matar, ou mesmo para coletar, onde procurar recursos usados para a pintura corporal (resina,

jenipapo, pinceis) ou outros enfeites (sementes, galhos, etc.), e plantas medicinais. Mas indo

quotidianamente para a mata, mesmo passando pelos mesmos caminhos, não implica que os

Xikrin reproduzem meramente as mesmas interações com o ambiente. Eles vão sempre

improvisando. A detecção de frutos mordidos por animais, de terra pisada revelando o local

onde uma anta dormiu há pouco tempo (kokrut noro dja), ou ainda o rastro de uma vara de

porcos cuja recém passagem é confirmada pelo cheiro forte (kudjà), etc. constituem tantos

indícios, ou “sinais de vida” oferecendo novas condições de possibilidade de relação ao longo

dos caminhos e que podem transformar uma jornada de coleta de açaí em família em uma

jornada de caçada coletiva depois de alguém ter retornado para aldeia para avisar os homens

dessa oportunidade. Segundo Ingold (2012), “improvisar é seguir os modos do mundo à

medida que eles se desenrolam, e não conectar, em retrospecto, uma série de pontos já

percorridos. Os caminhos ou trajetórias através dos quais a prática do improviso se desenrola

não são conexões, nem descrevem relações entre uma coisa e outra, elas são “itinerações”

(DELEUZE & GUATTARI, 1980), isto é “linhas ao longo das quais as coisas são

continuamente formadas”. Tal como a aranha tece seus fios, os Xikrin tecem seus caminhos

ao longo dos quais eles conduzem sua percepção e ação no mundo nas suas jornadas

quotidianas “indo para a mata”.

Canais condutores de todas as suas atividades (WEINER, 1991 apud INGOLD, 2007,

p.76), os caminhos trabalhados em cada passagem são o reflexo do modo de apropriação do

espaço e dos recursos. É particularmente relevante quando se trata dos caminhos como marca

de apropriação de certas essenciais florestais tais como castanheira (pi-y), babaçu (ron) ou

jenipapo (mroti). Quando alguém “vai para a mata” quebrar castanhas por exemplo, se no

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momento de quebrar o ouriço de um pé que não pertence a ninguém, esta pessoa encontra

uma castanha particularmente grande (y tire), então é decretado que a castanheira é dela, ela

volta para aldeia e mostrando para todo mundo a castanha grande que descobriu, declara que

aquela castanheira situada em tal lugar é dela, ela fala “inho ambàri” (meu pé). O processo é

o mesmo quando se trata de um pé de babaçu. Enquanto o jenipapo, é a descoberta mesma do

pé que estabelece a apropriação, à condição, claro, que não seja anteriormente de ninguém.

Sempre esta apropriação nasce de um encontro na mata. Não pode surgir de um ato de plantar.

Essas apropriações funcionam como um modo de domesticação de uma “natureza selvagem”,

modificando as fronteiras com o mundo desconhecido (para não dizer selvagem), empurrado

os limites além dessas marcas de apropriação, que são justamente os caminhos. A apropriação

de um pé (ambàri) pode se materializar com a inscrição de um símbolo, ou nos casos mais

raros do próprio nome do dono, na casca do ambàri com facão (pi-y à aminho àdji ané), mas

em regra geral, é o próprio caminho que leva até o pé e o fato de limpar na volta que marca

esta apropriação. Os caminhos agem então como registro, como escrita na paisagem,

revelando as relações que os indivíduos estabelecem entre eles e entre eles e os elementos do

mundo florestal.

Os Xikrin dizem que antigamente, antes do contato com a sociedade nacional e do

consequente aldeamento, seus ancestrais andavam continuamente na mata. Essas andanças se

justificam pelas guerras, mas não somente, se faziam também pelo simples gosto de andar13,

quando não era pela exploração de certos recursos florestais (castanha do Pará – Pi-y ,

borracha – Baràp, mogno - ), mas não se justificam pela falta de recursos (abordagem

determinista). Eles andavam muito (à ten à ten à ten...) e ao longo das caminhadas,

realizavam coletas e caçadas que se consumiam durante festas em determinadas condições e

dados lugares, antes de continuar sua rota atrás de um novo “lugar bom para ficar” (amio ka

kimo) um tempo. Em certos lugares onde paravam, os Xikrin realizavam roças sem queima

(isto é na mata mesmo, sem derrubar as grandes árvores), nas quais plantavam batatas doces

(jàt), cará (môp), macaxeira (kwyry dwynh), bananas (tyryti) que iam colher e consumir ao

retornar ulteriormente. Essas roças iam deixando marcas da passagem e a ação humana sobre

a mata eram sinais de posse assegurando ao grupo um lugar onde parar e comer, ou seja um

                                                                                                               13 Como o demonstrei, a conquista e apropriação dos espaços florestais com seus recursos, constitui um modo de produção da condição humana mebengokre. Sobre ideias de nomadismo mebengokre ver também Fisher  (2000),  Lea (1986, 1992a,b, 2004, 2010 e 2012) e Turner (1979, 1981, 1995, 2003, 2009) e  para  os  Suya  (Jê),  ver  Seeger  (1981). E por um  dialogo  interessante  com  os  Awá-­‐Guajá,  ver  GARCIA  (2010  e  2012).    

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lugar hospitaleiro, um lugar socializado. Até hoje os lugares dessas roças antigas são pela

maior parte das pessoas conhecidos e nomeados. Os lugares onde se realizavam as festas, que

podiam às vezes durar vários dias, também recebiam nomes (mengrere dja – lugar de cantos)

se referindo as vezes a fatos ocorridos perto da festa, constituindo assim como as roças, uma

memoria dos lugares atemporal 14. O lugar da festa não era necessariamente o mesmo onde o

evento comemorado tinha acontecido. A distância entre esses lugares não significa uma

separação entre eles, mas uma relação tanto espacial como temporal. Não existe localização

no absoluto, mas uma localização relativa de lugares significativos entre eles cuja relatividade

vem da recomposição espacial operada na memória de um grupo. Esses lugares significativos

criam, segundo a expressão de Martinez (1989 apud MAZUREK, 2013), “um primeiro nível

de semântica da paisagem” que permite de falar do espaço e de falar pelo espaço. De fait, chaque point, en plein champ, où quelqu’un s’arrête, est un point déjà défini auparavant par un nom et délimité par les noms de tous les autres lieux. [...] Ainsi, très clairement, il y a ici une action de singulariser chaque lieu, de rendre particulier chaque site et de le mettre en évidence, en le différenciant des autres avec une grande netteté. De telle façon que l’espace résultant devient une totalité discontinue, minutieusement détaillé, rempli de points d’articulation qualitatifs distincts, chacun étant une unité en soi, qui se regroupe topographiquement avec les autres selon la morphologie du paysage, pour construire des ensembles supérieurs et eux-mêmes de plus grande extension, jusqu’à recouvrir tout l’espace visible (MARTÍNEZ, 1989, p. 23)15.

Segundo Mazurek (2013), limitando o lugar ao ponto, à linha e a superfície, a gente

limita consideravelmente o fato social. Pensando a escrita não como composição verbal

(texto) mas como uma malha de linhas (textura), Lefebvre (1991) reconhece que há algo em

comum entre o modo como as palavras são inscritas numa página de texto e o modo como os

movimentos e ritmos da atividade humana são registrados no espaço vivido. Segundo o autor,

“A atividade humana prática escreve na natureza que nem uma mão que rabisca”

(LEFEBVRE, 1991, p.117). Assim, essa “malha de linhas entrelaçadas de crescimento e

movimento” (INGOLD, 2012, p.27) que percorre a floresta em grande distâncias, onde cada

                                                                                                               14 “A enumeração dos nomes de aldeias [antigas} é também indicador de uma história pessoal” FISHER, 2000, p. 49. Ver também COHN, 2005, p. 154. 15 De fato, cada ponto, onde alguém para, é um ponto já definido anteriormente por um nome e delimitado pelos nomes de todos os outros lugares. [...] Assim, claramente, tem aqui a ação de singularizar cada lugar, de tornar particular cada sitio e de o evidenciar, o diferenciando dos outros. De tal que o espaço resultante vira uma totalidade descontinua, minuciosamente detalhado, repleto de pontos de articulação qualitativos distintos, cada sendo uma unidade em si, que se reagrupa topograficamente com os outros segundo a morfologia da paisagem, para construir conjuntos superiores ate recobrar todo o espaço visível (tradução minha).  

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trilha possui um nome se referindo ao uso do ambiente percorrido, dependendo de um ou

vários recurso(s) específico(s), ou ainda se referindo a uma história que liga a comunidade ou

uma pessoa em particular com aquele lugar, deve ser usada para pensar as relações de

comunicação, uma comunicação que vai além da comunicação verbal.

Resumindo, se trata aqui de um território habitado por uma sucessão de ações

individuais e coletivas de geração em geração, habitação que modula correlativamente a

constituição de um sistema de valores que determina de maneira concreta e singular a

compreensão ontológica do mundo e a compreensão ontológica do lugar do ser-no-mundo, ou

seja de uma condição humana. Com o titulo, “Escrev-Indo na mata” quis mostrar como as

jornadas dos Xikrin pela mata não tendem a um destino predeterminado, não tem finalidade

absoluta, mas são feitas de movimentos materializados pelos caminhos que, conduzindo toda

atividade, refletem e registram um modo singular de apropriação do espaço e dos recursos.

Uma apropriação pela aprendizagem continua em imersão do organismo-pessoa nesse mundo

dirigida através os caminhos que agem aqui como escrita na paisagem, falando dos Xikrin no

espaço pelo espaço, espaço habitável (INGOLD, 2000) onde não somente se passa, mas

sobretudo onde se cresce, onde se aprende, onde se produz Mebengokre concretamente com o

território.

No seu trabalho sobre a semântica geral, Korzybski (2010) nos diz que « o mapa não é

o território ». O mapa é uma linguagem que reflete na sua estrutura aquela que se tem do

mundo tal como concebido, é uma representação subjetiva de uma visão do território, na

imagem dos seus autores. Admitindo que, segundo uma abordagem perspectivista ameríndia

(VIVEIROS DE CASTRO, 1996), são os mundos que diferem, como os mapas estão

produzidos, mesmo quando de maneira “participativa”, no encontro (ou desencontro) entre o

conhecimento indígena e o conhecimento científico? Neste contexto, é possível realizar uma

tradução das inter-relações que os membros de uma sociedade desenvolvem quotidianamente

com seu ambiente, sem trair por omissão aquelas que são intangíveis e que participam da

produção da condição humana em busca perpetua? É essa pergunta que me veio quando

presenciei as oficinas de etnomapeamento na TITB.

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II. Escrevendo no papel (sobre a mata)  

No site internet da Funai, pode se encontrar as metas da Política Nacional de Gestão

Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI16) que rege os diversos programas

GATI no Brasil inteiro, e no qual as oficinas de etnomapeamento entre os Xikrin se

enquadram. O etnomapeamento está apresentado aqui como instrumento de gestão integrada

das terras indígenas que

se   configura   na   construção   de   uma   carta   geográfica   com   os   locais  importantes   do   território   indígena,   o   seu   uso   cultural,   a   distribuição  espacial  dos  recursos  naturais,  a   identificação  de   impactos  ambientais  e  outras   informações   relevantes,   salvaguardando  o   interesse,  o  olhar  e  a  compreensão  indígena.  O  Etnomapeamento  pode  ser  feito  com  base  em  desenhos   livres,   uso   de   imagens   de   satélite,   croquis,   mapas   e   cartas  geográficas.   É   um   dos   instrumentos   importantes   na   construção   e  estabelecimento   da   gestão   territorial   e   ambiental   em   terras   indígenas.  Juntamente   com   os   diagnósticos   sócio   ecológicos,   os   planos   de   vida   e  outros   instrumentos,   o   Etnomapeamento   possibilita   a   construção   de  cenários  sobre  o  uso  e  a  conservação  do  território.  (PNGATI,  grifos  meus).    

 

No quadro do programa de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (GATI17) com o

apoio da ONG The Nature Conservancy18 (TNC) e a consultoria de uma empresa de

assessoria e projetos socioambientais, Wajuri19, as oficinas de etnomapeamento iniciaram em

abril de 2014 com uma capacitação de uso de GPS, que não presenciei. A partir desta

capacitação, os etnomapeadores recém formados foram solicitados para coletar o que se

definiu no projeto como de maneira “autônoma”20 os pontos de recursos relevantes a indicar

nos etnomapas. Esses pontos foram repassados para um Sistema de Informação Geográfica

(SIG) pelos consultores da Wayuri. Em outubro de 2014, ocorreu uma oficina de elaboração

dos etnomapas. Devida a grande distância entre as aldeias de baixo com as aldeias de cima do

rio Bacajá, os organizadores das oficinas decidiram realizá-las em duas das nove aldeias da

TITB, que centralizaram as aldeias próximas. Foram ministradas por dois membros (um

antropólogo e uma bióloga) da empresa Wayuri; uma antropóloga colaboradora da FUNAI

                                                                                                               16 http://cggamgati.funai.gov.br/index.php/pngati/ 17  http://www.funai.gov.br/index.php/projeto-gati  18 http://www.tnc.org.br/ 19 https://wayuri.wordpress.com/ 20 essa “autonomia” deve ser discutida aqui ja que os etnomapeadores devem ter sido informados sobre que pontos buscar, nem que de maneira genérica – como “pesca”, poções, etc.

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capacitada sobre as politicas do PNGATI; e uma servidora da FUNAI que participou da

primeira oficina na primeira aldeia somente.

Em cada oficina, a mesma metodologia foi utilizada para produzir in fine, quatro

mapas da TITB inteira em grande escala, cada um transmitindo informação a respeito de um

tipo de recurso (pesca, caça, coleta vegetal), e um quinto a respeito das invasões e ameaças do

território. Essa divisão foi sugerida pelos consultores “para não bagunçar um mapa só, com

informações demais”. Buscando destacar as particularidades do território dividido pela área

de uso de cada aldeia, um mapa de escala menor foi também realizado para cada aldeia, onde

os etnomapeadores colocaram informações mas detalhadas sobre as diversas áreas e os

recursos disponíveis na região próxima das suas aldeias. Nesse mapa, todos os tipos de

recursos foram misturados. A partir de uma consulta entre os etnomapeadores de cada aldeia

reunidos, os pontos GPS coletados no decorrer do ano foram confirmados ou corrigidos, e

novos pontos foram acrescentados nos mapas a partir da memória do território quando se

revelava necessário, sempre buscando problematizar o que deveria ou não constar nos mapas

finais cujos uso ia ser também bastante debatidos, como irei relatar mas adiante. Os pontos

eram materializados nos mapas com desenhos feitos pelos etnomapeadores. Um cipó

representava um ponto de pesca ao timbó, um pé de frutão representava um ponto de caça,

uma queixada representava uma área de reprodução da caça, etc. Nos mapas foram

denominados e demarcados os atemãbà (atemã = diferente ; bà = floresta, ambiente)

qualificados segundo as categorias xikrin: buànoro (floresta inundada), pykatinró (praia),

ipokrêapej (ilha grande no meio do rio), bàprire (floresta baixa), bàtuk (floresta preta),

bàkamrek (floresta vermelha), bàràràrà (floresta amarela), bàmej/bàkej (floresta limpa), krãn

(morro), puru tum (roça velha/capoeira), êpyti/êkrãn (floresta fechada). Além de localizar

esses ambientes no território, os consultores pediram aos etnomapeadores defini-los uns em

função dos outros (de tal maneira a destacar uma eventual estrutura ecológico-espacial

composta por esses ambientes), descrever o tipo de solo e de vegetação que se encontra em

cada ambiente, enunciar a importância do ambiente em termos de uso, e em particular a

presença de animais e de frutas coletadas, e por fim, dizer quem vai (mulher ou homem ou os

dois) nesses diferentes ambientes.

Segundo Korzybski (apud BATESON, 1986, p.36), “em todo pensamento, percepção

ou comunicação sobre percepção, há uma transformação, uma codificação, entre o relatório e

a coisa relatada. Acima de tudo, a relação entre o relatório e a coisa relatada tende a ter a

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natureza de uma classificação, uma atribuição da coisa a uma classe. A denominação é

sempre classificadora, e a demarcação e essencialmente a mesma coisa que a denominação”.

Esse exercício de identificação dos atemãbà é um perfeito exemplo de uma transformação da

mata (a coisa relatada) em mapa (o relatório), transformação que foi dirigida segundo uma

lógica cartesiana de cartografia que tem ainda dificuldade a assimilar e sobretudo representar

que os ambientes podem se superpor segundo sistemas de localização diferentes, e que

portanto não faz sempre sentido segundo a “experiência improvisativa21” mebengokre do

espaço vivido como uma rede interconectada de caminhos e de “linhas” (INGOLD, 2007)22.

As mulheres não participaram das oficinas, enquanto os velhos colaboraram de

maneira esporádica na hora de realizar um mapa histórico que relate as andanças dos antigos

pela mata antes do contato com os kuben (não mebengokre e não-indígenas em particular). Os

homens conhecem os recursos explorados pelas mulheres, mas não sabiam dizer em que local

se colhia. Eles admitiram que assim, os mapas eram incompletos, mas, apesar de se ter

sugerido acrescentar os conhecimentos femininos nos mapas para completar os

conhecimentos masculinos, não houve mobilização e os mapas ficaram com esses mesmos

dados, que refletem então um conhecimento exclusivamente masculino e principalmente dos

jovens homens das categorias etárias menoronyre (homens não casados) e mekranyre

(homens casados com pouco filhos). Os homens dessas categorias etárias foram mais

indicados pelas comunidades para assumir a carga de agente etnomapeador devido a suas

capacidades de ler e escrever23, mas em contrapartida, eles ainda estão aprendendo a conhecer

seu território24.

A questão do “uso cultural” do território e em particular dos locais considerados como

“importantes”, merece ser refletida com muita profundidade, começando por se questionar a

noção mesmo de “uso” e de “importância”, e sobretudo, a noção de “cultural” para os Xikrin.

                                                                                                               21 Tal como descrito na primeira parte, condições de possibilidade de relação que podem se transformar ao longo dos caminhos. 22 A questão da orientação espacial não teve como ser inserida aqui, por falta de espaço e por ser um pouco fora do eixo, mas ela constitui uma questão importante de representação cartográfica a ser trabalhada. A rigidez da forma cartográfica como estamos acostumados a fazer ainda, obedecendo a uma lógica euclidiana e cartesiana, não permite a apropriação das diversas formas sociais de formação territorial, o que arrisca colocar em cheque a realização desse tipo de ação que assimile a integridade do território com a garantia de salvaguarda cultural dos povos indígenas, como meio de defender seus direitos diferenciados. Como considerar nossas ferramentas cartográficas para adaptá-las a realidades sociais e epistemes diferentes ? 23 Isso é um ponto muito importante a ser questionado, isto é o papel diferenciado de membros da comunidade alfabetizado numa escola pensada pelos kuben e não ainda pelos próprios Xikrin. Sobre escolarização Xikrin, cf. COHN, 2009 e BELTRAME, 2013. 24 Conhecimento que, como foi dito na primeira parte, é gradativo e diferenciado segundo o gênero e a idade.

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De fato, na antropologia, ha três décadas que o conceito de cultura versus natureza está sendo

redefinido e o dualismo como proposta heurística para explicar as diversas maneiras de estar-

no-mundo, cada vez mais discutido (DESCOLA, DWYER, INGOLD, LATOUR, PÁLSSON,

VIVEIROS DE CASTRO, etc.)

Os objetivos dos etnomapas enunciados pelo PNGATI, como possibilitando a

“construção de cenários sobre o uso e a conservação  do território”, são nitidamente   de uso

politico com enfoque no aspecto utilitarista do território (e não somente utilitária), já que o

território aparece aqui como suporte de garantia da reprodução da sociedade e das

reivindicações identitárias. Procurando problematizar o uso político que esses etnomapas

deverão ter, os consultores projetaram durante as oficinas, vários vídeos que retratam lutas

territoriais de outros povos indígenas no Brasil. Leram também dois textos, um redigido pela

APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) a respeito das manifestações indígenas de

2013 contra a PEC 21525 que está tramitando no legislativo, assim como uma entrevista com a

Sonia Guajajara, representante da APIB. Além disso foi apresentado o mapa de mineração do

DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), que projeta a prospecção mineira na

quase totalidade da TITB. A partir dessas demonstrações foi proposta uma discussão para

elencar coletivamente respostas para as perguntas temáticas “pra que serve esses mapas?” e

“pra que não serve esses mapas?”. Os Xikrin entenderam bem o desafio de criar esses mapas

para defender seus interesses futuros. Falar do território é falar deles mesmo, eles o fazem in

situ quotidianamente nos seus modos de gestão dos recursos do território que se resolvem no

ngàb (casa do meio) cada vez que necessário, em consciência das relações interespecíficas

que cada individuo desenvolve no e com o território. Porem, me parece que não está ainda

claro aos Xikrin como fazer dessa relação projetada em forma de papel um instrumento de

gestão dos recursos. Talvez porque os mapas não traduziram de forma fiel essas

interelações26? A exibição dos mapas aos kuben (não mebengokre) com a localização dos

                                                                                                               25 Proposta de Emenda à Constituição, entregando ao Congresso Nacional a compentencia exclusiva para a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562 26 Lembro aqui que os Xikrin fazem mapas desde os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) de Belo Monte, em 2009. Necessita perguntar-se sobre o destino e uso dessas produções, sobre a gestão dos dados brutos fornecidos para a produção desses mapas e dos próprios mapas com suas informações, sendo que os Xikrin não precisam dos mapas para conhecer seus territórios. Essa pergunta remete também a questão de uma cartográfica como modo de controle e de poder de uma elite produtora de mapas ideológicos e instrumentais, com intencionalidade politica que, “de fato, impõe regras e convenções que limitam o uso como modelo de representação da complexidade do espaço. O mapa virou uma ferramenta normalizada: as escalas, a orientação, a simbólica, são predeterminados e concedem ao espaço um caráter fixado na sua relação e sua representação à sociedade,

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recursos surgiu como uma ameaça à integridade do território, e o uso mais nítido que os

Xikrin expressaram a respeito dos mapas foi a materialização das invasões e das fronteiras da

TI. Materialização, inclusive, que não basta ser feita somente no papel, mas que tem que ser

feita sobre tudo in situ. De fato, os Xikrin insistiram na necessidade de alargar as picadas de

demarcação do território, de tal maneira que seja “visível do céu”. Portanto, considerando que

os Xikrin desconfiam cada vez mais da capacidade da Funai atual de fiscalizar os limites da

TI, eles expressaram o vontade de que essas informações compiladas em mapas “não vazem”.

Na ocasião de uma grande assembléia dos caciques organizada pela TNC na aldeia Bacajá em

dezembro de 2014, algumas lideranças proibiram qualquer kuben de tirar fotografias do

mapas, ameaçando apagar as fotos e cobrar R$ 10 000,00 por cada fotos tirada. Por enquanto,

esses mapas parecem representar mais um risco para eles ser atingidos (kam kukradjà27)

através da revelação dos recursos do seu território, do que uma arma de defesa para lutar por

seus direitos.

Considerações finais

Até as profundezas da floresta, os espaços xikrin são “culturalizados” (INGOLD,

2000, p.53) quotidianamente, pois a história está perpetuamente escrita no espaço. As relações

entre as pessoas e entre as pessoas e os diversos elementos que compõem o ambiente estão

visíveis através os numerosos caminhos explorados e nomeados, através dos recursos

explorados e apropriados, tais como as árvores marcadas com sinais por seus donos, ou as

roças claramente demarcadas, entre os quais os caminhos passam. Olhando para esse trabalho

de etnomapeamento, é claro que pouco dessa história cotidiana está retranscrita. Apesar de ter

procurado mostrar a relação histórica dos Xikrin com o território através da atribuição de

nomes de lugares correspondentes em eventos vividos pelos antigos e conhecidos por todos, o

mapa histórico feito a partir dos relatos dos velhos figura apenas suas peregrinações pela

floresta antes do contato com a sociedade nacional e a consequente sedentarização, mas a meu

ver, não fala de maneira satisfatória da historia presente e individual que cada Xikrin

desenvolve cotidianamente com seu ambiente e que expresse a realidade humana do território                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          privilegiado o substrato físico e os lugares materiais em vez da interação social” (MAZUREK, 2013, p.114, tradução minha).  27 Kam kukradjà significa “problema” em mebengokre. Evoca uma ameaça à integridade de um sistema de produção da condição mebengkre (kukradjà). Essa reflexão faz o objeto de um artigo em elaboração com a minha colega Thais Regina Mantovanelli.

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em perpetua ressignificação. Portanto é justamente essa história cotidiana que deveria

constituir a base cartográfica (se for o bom caminho mesmo...) de um plano de gestão

territorial, exatamente como os Xikrin fazem espontaneamente.

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