trotsky e o programa de transicao

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    TROTSKY E O PROGRAMA DE TRANSIOLeon Trotsky redigiu o Programa de Transiopara a IV Internacional, fundada em 1938, noperodo das piores derrotas do proletariado internacional em toda sua histria (vitria do nazi-fascismo na Itlia e na Alemanha, ascenso do stalinismo na URSS, derrota do proletariadofrancs sob o governo da Frente Popular, perspectiva de derrota do proletariado espanhol na

    guerra civil da Espanha, etc.). Em 1934, Trotsky colocava em termos claros as concluses quese derivavam da bancarrota da III Internacional, passada, atravs do stalinismo, ao campo daordem burguesa mundial, fato demonstrado por sua capitulao, sem combate, frente aonazismo: O proletariado tem necessidade de uma Internacional em todos os tempos e sobtodas as circunstncias. Se no existe agora uma Internacional, necessrio diz-loabertamente e passar de imediato a prepar-la. A proclamao formal da IV Internacionalproduziu-se nos piores tempos e circunstncias: as das piores derrotas do proletariadomundial em toda a sua histria, esmagado pelo nazi-fascismo no Ocidente, atomizado pelostalinismo no pas da primeira revoluo vitoriosa; frente ao horizonte certeiro de uma novacarnificina mundial, tornada inevitvel aps as derrotas do proletariado espanhol e francs, jem curso com a invaso da China pelo Japo (e com o pacto Hitler-Stlin, prognosticado por

    Trotsky como a conseqncia inevitvel dos Acordos de Munique, de 1938, entre o nazi-fascismo e as democracias ocidentais).

    A crise, primeiro, e a bancarrota, depois, da Internacional Comunista, expresso mais elevadada fuso do marxismo revolucionrio com a vanguarda operria mundial, foi um produto doretrocesso da revoluo provocado pela traio da social-democracia, pela burocratizao doprimeiro Estado Operrio que foi uma conseqncia desse retrocesso, e pela derrota dacorrente revolucionria encabeada por Trotsky. A bancarrota da III Internacional iniciou-secom a traio da revoluo chinesa de 1927-28, tomou forma com a claudicao criminosa doPC alemo em 1932-34 e se consolidou com a aliana entre a burocracia sovitica e aaristocracia operria europia, e destas com a sombra da burguesia, mediante as FrentesPopulares e a cristalizao do reformismo e etapismo dos PCs, operadas na dcada de 30.

    Esta poltica foi responsvel pela derrota do proletariado francs em 1936 e da revoluoespanhola em 1931-1939.

    Dessas circunstncias desfavorveis, Trotsky tentou tirar a fora da nova Internacional,forjando-a no apenas sobre a base da continuidade revolucionria das trs Internacionaisprecedentes, mas tambm da assimilao a fundo das lies deixadas pelas derrotas. Isto nosignifica que se tratasse de uma Internacional de doutrinadores: nos seis anos que vo davitria nazista proclamao da IV Internacional, as foras agrupadas por Trotsky seempenharam em erguer partidos revolucionrios, em especial na Espanha, Frana e EstadosUnidos, teatros dos embates de classe mais importantes da dcada (a guerra civil espanhola, aFrente Popular francesa e o movimento de sindicalizao industrial, CIO, norte-americano).Trotsky esforava-se em convencer seus partidrios de que isto s era possvel no quadro deuma Internacional: A partir do momento em que nos dirigimos a construir partidosindependentes, desde 1933, j somos a IV Internacional, embora no sejamos uma direorevolucionria reconhecida. Somos a IV Internacional porque o movimento com o qualestamos comprometidos e sobre o qual comeamos a nos organizar.

    Da que, junto a aqueles esforos, Trotsky tentasse colocar em p um quadro internacionaljunto com organizaes centristas de esquerda, como o SAP, a OSP e o RSP da Holanda eAlemanha, o PSOP francs (a cujo dirigente, Marceau Pivert, Trotsky afirmou que osbolchevique-leninistas so uma frao da Internacional que se constri, uma de cujas tarefasseria regenerar em um nvel histrico mais elevado a democracia revolucionria da vanguardaproletria); atravs do entrismo em diversos partidos socialdemocratas , para acelerar a

    diferenciao revolucionria de suas alas de esquerda, etc. Estes esforos por construir a IV,no obstante, fracassaro. As limitaes polticas destas organizaes revelaram-se insolveis

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    salvaram de sua completa dissoluo, e impediram o caminho da restaurao. As reformasprogressistas da burocracia foram derivaes da luta revolucionria da Oposio de Esquerda.Para ns isto insuficiente. Mas j alguma coisa. No por casualidade um dos principaisempenhos da GPU (polcia poltica) stalinista foi o assassinato do responsvel pelo trabalhosovitico na direo da IV Internacional, Leon Sedov (filho de Leon Trotsky), consumado em

    1938.A IV Internacional era, portanto, um fator objetivo da poltica mundial, que justificou acoincidncia entre Hitler e o embaixador francs Coulondre, em 1939 (relatada pelo diriofrancs Le Temps) de que o pior perigo de uma II Guerra Mundial consistia na possibilidade deque dela emergisse vitorioso Monsieur Trotsky. O assassinato de Trotsky pelo stalinismo, em1940, no foi produto de uma vingana pessoal, nem de um ajuste de contas entre facescomunistas, mas um fato poltico de primeira relevncia, em que a burocracia atuou porconta da burguesia mundial, que j lhe havia dado sua aprovao antecipada ao declarar legaisos Processos de Moscou, nos quais Trotsky foi o principal acusado e condenado morte.

    A IV Internacional no foi fundada como uma seita doutrinal destinada a preservar a heranaideolgica revolucionria em circunstncias que tornavam impossvel sua utilizao. Quando

    Trotsky insistia em que a IV Internacional nadava contra a corrente, chegando a empregar,para os trotskistas, a expresso exilados de sua prpria classe, estava sublinhandodificuldades e tarefas polticas objetivas, no uma impossibilidade histrico-metafsica deatuar. O esforo de Trotsky e seus companheiros no deve ser reivindicado apenas por terpreservado a continuidade do programa revolucionrio, mas por haver colocado em p umaorganizao revolucionria atuante na arena da luta de classes mundial e nos principais pases.A assertiva de Trotsky, o partido seu programa, somente vlida com seu reverso, oprograma o partido: sem partido revolucionrio atuante, o programa revolucionrio umaabstrao.

    O programa da IV Internacional (o Programa de Transio) partiu da contradio entre ascondies objetivas e subjetivas (a crise de direo do proletariado mundial) da revoluo. O

    amadurecimento das primeiras se mede pelo grau de internacionalizao das foras produtivas(ao longo de todo o sculo, o comrcio mundial cresceu mais rpido do que a produo, e naAlemanha de hoje, por exemplo, as transaes externas de capital superam em cinco vezes osnegcios internacionais de mercadorias) e o reforo simultneo das fronteiras nacionais,contradio que tornava obsoletos, simultaneamente, o Estado capitalista e a utopia stalinistado socialismo em um s pas. A imaturidade das segundas, pela demora e derrotas darevoluo mundial, frente ao imperialismo capitalista e burocracia.

    Em um texto de 1931, Trotsky resumiu cabalmente a questo: Se o edifcio terico daeconomia poltica marxista se apia inteiramente na concepo do valor como trabalhomaterializado, a poltica revolucionria do marxismo se apia na concepo do partido comovanguarda do proletariado. Por outro lado, a questo do partido (ou seja, de seu programa)somente podia ser colocada em termos internacionais: A hora da desapario dos programasnacionais soou definitivamente em 4 de agosto de 1914 (incio da Primeira Guerra Mundial). Opartido revolucionrio do proletariado no pode se basear em mais que um programainternacional que corresponda ao carter da poca atual, a do mximo desenvolvimento eafundamento do capitalismo. Um programa comunista internacional no uma soma deprogramas nacionais ou um amlgama de suas caractersticas comuns. Deve tomardiretamente como ponto de partida a anlise das condies e tendncias da economiamundial e do estado poltico do mundo como um todo, com suas relaes e contradies, ouseja, com a dependncia mtua que ope seus componentes entre si. Na poca atual,infinitamente mais do que durante a precedente, apenas se deve e se pode deduzir o sentidoem que se dirige o proletariado do ponto de vista nacional, da direo seguida no domnio

    internacional e no o contrrio. Nisto consiste a diferena fundamental que separa, no pontode partida, o internacionalismo comunista das diversas variantes do socialismo nacional.

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    Unindo em um sistema de dependncias e contradies pases e continentes que alcanaramdiferentes graus de evoluo, aproximando os diversos nveis de seu desenvolvimento edistanciando-os imediatamente aps, opondo implacavelmente todos os pases entre si, aeconomia mundial se converteu numa realidade poderosa que domina a dos diversos pases econtinentes. Este nico fato fundamental d um carter profundamente realista idia do

    partido comunista mundial.Trata-se, hoje, de verificar a vigncia das condies objetivas e subjetivas da revoluo naatual etapa histrica para, sobre essa base, colocar as tarefas polticas emergentes da luta pelaInternacional revolucionria. Em nenhuma outra poca da histria, a sociedade humanaapresentou contrastes to violentos, contradies to insuportveis, como hoje. No existecampo da cincia ou da tcnica no qual os conhecimentos e o poder humanos no sedupliquem a cada dez anos ou menos. Com a astronomia, a biologia molecular, a medicina, aarqueologia, geologia, a eletrnica, a informtica, a engenharia de alimentos, a gentica, etc.,o homem conquista os segredos da natureza para melhor govern-la. A humanidade devorouos frutos da rvore da cincia, convertendo-se em mais poderosa que quaisquer dos deusesque, aterrorizada por seus prprios poderes, ela imaginou no passado e continua a imaginar

    no presente. Os escravos mecnicos e eletrnicos que o gnio humano criou esto a, prontospara libert-lo para sempre da necessidade de ganhar o po com o suor da fronte: asubstituio do trabalho pela livre atividade criadora. As mil fontes da abundncia pedempassagem para satisfazer totalmente as necessidades de seis bilhes de seres humanos quehabitam a Terra, ou de dez vezes essa quantidade, se fosse necessrio.

    Entretanto, 4/5 da humanidade, nos pases atrasados e, inclusive, nos crescentes bolses depobreza dos pases avanados, no tm acesso, durante uma vida inteira, ao mnimo vitalbiolgico de 2 mil calorias dirias, e est condenada a uma vida estreita e curta. Epidemias defome ainda sacodem o Terceiro Mundo: no Brasil e na Amrica Latina, doenas controladash muito tempo pela medicina (clera, mal de Chagas, leptospirose e at tuberculose)ameaam provocar catstrofes sociais. No obstante, nos pases avanados, os governos no

    sabem o que fazer com a superproduo de alimentos que ameaa derrubar os preos esubsidiam a regresso das foras produtivas. H mais de 50 anos, o criador da cibernticademonstrou que com os meios tcnicos de ento a linha de montagem poderia ser substitudaem menos de 5 anos em toda a grande indstria do planeta, por um sistema automtico. Ocapital financeiro freou desesperadamente esse progresso, que levaria quebra de todo ocapital no amortizado.

    Se agora a concorrncia no mercado mundial obriga a introduzir a automatizao em umaescala crescente, isto no resulta numa reduo da jornada de trabalho nem na melhoria dascondies de vida dos trabalhadores. Ao contrrio, sob o capitalismo, aperfeioamentoininterrupto e cada vez mais rpido do maquinismo, torna a situao do operrio cada vezmais precria (Manifesto Comunista): o capital conhece apenas as necessidades lucrativas.

    No existe para satisfazer as necessidades da imensa maioria, mas para engordar os lucros deuma nfima minoria de grandes capitalistas. A automatizao , por isso, sinnimo dedesqualificao, aumento da jornada de trabalho, fadiga insuportvel e desemprego: leva aclasse operria decadncia profissional e incultura sem perspectivas.

    Sob o domnio do capital financeiro, etapa senil e ltima do capitalismo, todos os progressoscientficos e tcnicos se transformam em seu contrrio. Os novos recursos energticos e autilizao intensiva dos antigos no trazem consigo uma melhora do bem-estar, mas produzemcatstrofes ecolgicas (de petrleo ou de energia atmica). A quase totalidade da pesquisacientfica, especialmente nos pases avanados, est vinculada produo armamentista. Em1985, os gastos militares chegaram a quase um bilho de dlares, muito mais do que toda arenda da metade mais pobre da populao mundial. Esse gasto no se reduz em perodos de

    recesso, e sua reduo relativa depois do fim da guerra fria (que lhe servia de pretextoideolgico) foi escassa ridcula (as guerras contra o terrorismo so a busca de um novo

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    pretexto para aumentar esses gastos). Somente com a produo de foras destrutivas aburguesia consegue impedir que as foras produtivas faam romper a camisa de fora dapropriedade privada dos meios de produo e de troca, e dos Estados Nacionais, queobstaculizam absolutamente o desenvolvimento dessas foras.

    Longe de tornar obsoleta a noo de imperialismo, tal como fora definida por Lnin, a poca

    atual acentua ao mximo suas caractersticas, assim resumidas por Trotsky: Ao aproximareconomicamente os pases e igualar o nvel de seu desenvolvimento, o capitalismo opera comseus mtodos, anrquicos, que minam continuamente seu prprio trabalho, opondo um pas eum ramo da produo a outro, favorecendo o desenvolvimento de certas partes da economiamundial, freando ou paralisando o de outras. Somente a combinao destas duas tendnciasfundamentais, centrpeta e centrfuga, nivelamento e desigualdade, conseqncias ambas danatureza do capitalismo, explica-nos o vivo entrelaamento do processo histrico. causa dauniversalidade, da mobilidade, da disperso do capital financeiro, que penetra em todas aspartes, o imperialismo acentua ainda mais essas duas tendncias. O imperialismo une commuito mais rapidez e profundidade em um s os diversos grupos nacionais e continentais; criaentre eles uma dependncia vital das mais ntimas; aproxima seus mtodos econmicos, suas

    formas sociais e seus nveis de evoluo. Ao mesmo tempo, persegue esse seu fim porprocedimentos to antagnicos, dando tais saltos, efetuando tais blitzesnos pases e regiesatrasados, que ele mesmo perturba a unificao e o nivelamento da economia mundial, comviolncias e convulses que as pocas precedentes no conheceram.

    O carter revolucionrio do movimento operrio no foi uma inveno do marxismo. Aocontrrio: a doutrina marxista expressou teoricamente esse carter, que o precedeu. J nasdcadas de 1830 e 1840, os operrios protagonizavam lutas revolucionrias contra o capital,destacando-se a insurreio dos trabalhadores txteis de Lyon, em 1844. Durante uma dasprimeiras greves modernas, a dos operrios da cidade inglesa de Manchester, em 1832, ostrabalhadores de Lyon (Frana) em seu jornal O Eco das Fbricas, faziam um chamado solidariedade com seus irmos de classe do pas inimigo. A histrica bandeira do

    internacionalismo proletrio (Proletrios do Mundo, Uni-vos, lanada no ManifestoComunista de 1848) foi a expresso de uma tendncia j existente na classe operriainternacional, quando ainda os Estados Nacionais se encontravam em formao e ocapitalismo lutava para conquistar o mundo.

    O movimento operrio apenas poderia triunfar na arena internacional. Da tambm se concluique o socialismo s realizvel no plano internacional. A socializao dos meios de produosignifica a abolio das fronteiras nacionais. A idia de que o socialismo pudesse ser construdoapenas em um pas completamente alheia ao marxismo. Nas revolues de 1848, oproletariado procurou tomar a direo da revoluo democrtica, transformando-a emrevoluo proletria. Na medida em que isto no ocorreu, a prpria revoluo democrticaabortou (foram restauradas monarquias e Estados autoritrios). Porm, em 1871, a Comuna

    de Paris foi o teatro da primeira tomada do poder pela classe operria.Este acontecimento demonstrou que: 1) A classe operria no se poderia limitar a se apropriarda mquina de Estado burocrtico existente: deveria destru-la; 2) O novo poder emergente (aditadura do proletariado), governo de combate contra o domnio burgus, caracteriza-se pelatendncia dissoluo da separao entre Estado e sociedade. Ou seja, pela eliminao radicalde todas as formas de opresso social e poltica (desaparecimento do Estado). A histria fezsurgir a ditadura proletria como a nica via possvel de passagem em direo sociedadesocialista.

    A vitria da Revoluo de Outubro de 1917, primeiro ato da revoluo proletria mundial,inaugurou a era histrica da revoluo socialista. Ela explodiu em um pas no qual semesclavam caractersticas de uma nao imperialista e de um pas atrasado, econmica epoliticamente. As tarefas da revoluo democrtico-burguesa (includa a reforma agrria),motor da revoluo, no estavam cumpridas, mas o proletariado j estava altamente

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    concentrado. Porm, se a Rssia era o elo mais frgil da corrente imperialista, sua revoluono foi uma exceo. Ela foi uma resposta contundente carnificina da I Guerra Mundialimperialista, evidncia do anacronismo histrico das relaes de produo capitalistas.Revolues proletrias (derrotadas) aconteceram tambm na maioria dos pases da EuropaOriental e Ocidental. A vitria russa foi possvel pela existncia de uma direo revolucionria

    altura da tarefa (o bolchevismo), embora essa direo no teria conseguido nada sem omovimento consciente dos trabalhadores, materializado em sua auto-organizao emConselhos Operrios (Soviets).

    Lnin no estava expressando uma idia pessoal, e sim a dinmica objetiva de um movimento,ao afirmar: Nossa revoluo o prlogo da revoluo socialista mundial, um passa emdireo dela. O proletariado russo no pode, por suas prprias foras, concluir vitoriosamentea revoluo socialista. Mas pode dar sua revoluo uma extenso capaz de criar melhorescondies para a revoluo socialista e, at certo ponto, inici-la. Pode tornar a situao maisfavorvel para a entrada em cena, nas batalhas decisivas, de seu colaborador principal e maisseguro, o proletariado socialista europeu e norte-americano. O abandono da perspectivaindicada por Lnin, substituda pela tese stalinista da construo do socialismo em um nico

    pas, foi o reflexo do retrocesso da revoluo e da burocratizao do Estado que delaemergiu. Dois fatores foram decisivos: 1) O fracasso da revoluo internacional, devido traio histrica da social-democracia e da inexperincia dos jovens ncleos revolucionrios; 2)O esgotamento, desmoralizao e at desintegrao da classe operria russa, depois de anosde sacrifcios, guerra civil e intervenes estrangeiras.

    Em 1917, a classe operria russa contava com 3 milhes de membros: em 1922, com ummilho e 240 mil. Pretender analisar a burocratizao da URSS a partir de frases de textos vinteanos anteriores revoluo, passando por cima desse doloroso processo histrico, dar provade absoluta idiotice. A burocracia surge onde a luta pela existncia individual ocupa um lugardominante nas energias da sociedade. Sua funo aliviar os conflitos que essa luta origina,tirando privilgios dessa funo. A burocracia possui como base de sua autoridade a ausncia

    de artigos de consumo, e a luta de todos contra todos, resultado dessa ausncia. contrrio verdade e a mais leve sombra de inteligncia afirmar que a alienao dos trabalhadores e aburocracia so produtos da opo ideolgica pela indstria pesada, em lugar da indstria levee de consumo: a burocratizao da URSS e do partido comunista j estavam mais do queconsumadas antes que se desse o menor passo em direo da indstria pesada.

    Todo Estado Operrio tem uma dupla natureza: socialista na medida em que defende apropriedade coletiva dos meios de produo; burguesa na medida em que a distribuio seopera de acordo com normas capitalistas (a cada qual segundo seu trabalho). A fis ionomiadefinitiva do Estado define-se pela relao oscilante entre essas duas tendncias, socialista eburguesa. O stalinismo expressou a vitria da segunda sobre a primeira, baseada naexpropriao poltica dos trabalhadores em favor de uma burocracia privilegiada, anti-operria

    e anti-socialista. Dizer que a contra-revoluo stalinista estava inscrita no Qu Fazer, osProcessos de Moscou na proibio das fraes no interior do partido, etc., ignorar ainterveno estrangeira contra a jovem repblica sovitica, a aliana da social-democraciaalem com o Estado Maior, o prprio sistema capitalista responsvel pela Guerra Mundial,pelo atraso da sociedade russa e pela barbrie vitoriosa. negar a interveno na Histria davontade consciente sob a forma elementar da organizao, preconizar a renncia e aresignao, condenar a luta e at as vitrias parciais. A revoluo foi derrotada, mas nodestruda. O nazismo e o fascismo fizeram o proletariado internacional pagar caro pela ousadiade ter feito a Revoluo de Outubro, mas a propriedade privada no foi restaurada na URSS, oque provou a profundidade da onda revolucionria, inclusive na hora da derrota. O regimeanti-operrio stalinista e a gesto burocrtica da economia foram o alto preo pago pelo

    proletariado sovitico burocratizao, porm a manuteno de boa parte das conquistas

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    econmicas e sociais da revoluo (nacionalizao da indstria e da terra, monoplio estataldo comrcio exterior, planificao central da economia) teve conseqncias imensas.

    Assim, Trotsky pode escrever, em 1936, nA Revoluo Trada: Os imensos resultados obtidospela indstria, o incio pleno de promessas de um salto na agricultura, o extraordinriocrescimento das velhas cidades industriais, a criao de novas, o rpido aumento do nmero

    de operrios, a elevao do nvel cultural e das necessidades, so resultados incontestveis daRevoluo de Outubro, na qual os profetas do Velho Mundo pretenderam ver a tumba dacivilizao. J no h necessidade de discutir com os senhores economistas burgueses: osocialismo demonstrou seu direito vitria, no apenas nas pginas de O Capital, mas numaarena econmica que cobre a sexta parte da superfcie do globo, no na linguagem dadialtica, mas na do ferro, cimento e eletricidade.

    Embora a URSS sucumbisse sob os golpes externos - o que esperamos no suceda - e peloserros de seus dirigentes, continuaria, como prova para o futuro, o fato indestrutvel da queapenas a revoluo proletria permitiu a um pas atrasado obter em menos de 20 anosresultados sem precedentes na histria. Assim se encerra o debate com os reformistas nomovimento operrio. Podemos comparar sua agitao de ratos obra titnica de um povo

    chamado pela revoluo uma nova vida? Se, em 1918, a social-democracia alem tivesseaproveitado o poder que os operrios lhe conferiam para consumar a revoluo socialista eno para salvar o capitalismo, no seria difcil conceber, apoiando-nos no exemplo russo, oinvencvel poder econmico que teria hoje o bloco socialista da Europa central e oriental, e deuma parte considervel da sia. Os povos do mudo tero que pagar ainda com novas guerras erevolues os crimes histricos do reformismo.

    A vigncia da revoluo nas relaes de produo e na conscincia das massas foi provada na IIGuerra Mundial, quando a URSS esteve a ponto de ser aniquilada pelo nazismo, com o qualStalin mantinha uma aliana privilegiada at 1941, quando a Alemanha invadiu a URSS. Depoisda espetacular derrota inicial, que dizimou o exrcito sovitico, a recomposio da foramilitar da URSS foi uma faanha econmico-social. Fbricas inteiras foram transferidas para o

    Leste e foram mobilizados todos os recursos naturais. A ajuda aliada URSS no cobriu 10% daproduo sovitica. Tudo isso teria sido impossvel se existisse propriedade privada dos meiosde produo (nos pases capitalistas ocupados pelo nazismo, a burguesia foi quase totalmentecolaboracionista). Foi uma vitria histrica da planificao estatal, uma vitria moral dosprincpios do socialismo. Vitria mundial, na medida em que a derrota de Hitler na URSS livroua humanidade da ameaa militar nazista, a maior mquina de guerra da histria humana atento.

    A vitria da URSS foi relativizada pela sobrevivncia do domnio burocrtico, que acomprometeu: 1) No plano interno, pela super-explorao dos trabalhadores (racionamento,bloqueio salarial com um aumento do volume monetrio de 250%), pelo aumento dos poderesburocrticos e o restabelecimento dos graus no Exrcito Vermelho, que fortaleceu o corpo deoficiais; 2) No plano mundial, pelos acordos contra-revolucionrios com o imperialismomundial, celebrados em Teer, Yalta e Postdam. Mas essa vitria e a expropriao do capitalna Europa do Leste depois da II Guerra geraram um enorme desenvolvimento das forasprodutivas. Certamente deve-se desfazer a identificao entre estatizao e socialismo, usadapelo imperialismo para desacreditar a revoluo. Foi justamente o stalinismo quem introduziuessa identificao, para justificar o bloqueio da revoluo em um s pas ou regio, e tambmseus privilgios, baseados na propriedade estatal. De acordo com Trotsky, em sua j citadaobra: A propriedade privada, para tornar-se social, tem que passar inelutavelmente pelaestatizao. A propriedade estatal converte-se na de todo o povo medida em quedesaparecem os privilgios e distines sociais e, conseqentemente, o Estado perde suarazo de ser. Em outras palavras: a propriedade estatal transforma-se em social na medida em

    que deixa de ser propriedade do Estado. Reciprocamente, quanto mais o Estado sovitico se

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    eleva acima do povo, mais duramente se ope, como guardio da propriedade, ao povo, etanto mais claramente atesta contra o carter social da propriedade estatal.

    Com o final da II Guerra e a ocupao militar do Leste europeu, o poder da burocracia stalinistachegou ao seu znite. Ela utilizou a luta de classes mundial para cumprir seus compromissoscontra-revolucionrios com o imperialismo, e ao mesmo tempo pression-lo. Mas a prpria

    crise imperialista minou as bases dessa poltica: a partir de 1947 (Plano Marshall, 30 bilhes dedlares para salvar o capitalismo europeu), a poltica stalinista comeou a entrar embancarrota. A presso j no surtia efeitos: somente o enfrentamento revolucionrio fariaretroceder o imperialismo, mas a burocracia visceralmente hostil revoluo, que colocariaimediatamente em questo seus privilgios e seu domnio. A crise do stalinismo evidenciou-secom a ruptura Stalin-Tito (1948) e a tomada do poder pelo PC chins (1949) contra a polticade unidade nacional preconizada por Stalin, o que tambm vlido para a Iugoslvia.

    O processo da revoluo anti-burocrtica no campo diretamente dominado pelo stalinismomanifestou-se inicialmente com a rebelio dos operrios de Berlim oriental, em 1953, contidacom o auxlio das potncias ocidentais. A colaborao crescente com o imperialismo no foiepisdica e complementou a centralizao burocrtica do campo socialista. A criao do

    COMECON em 1948 consagrou uma poltica de saque, pela burocracia russa, dos pases daEuropa oriental, baseada na ocupao militar, que criaria uma fora centrfuga, ao tornar asburocracias impostas pelo Kremlin, na Europa oriental, cada vez mais atradas pelo mercadocapitalista mundial.

    O conjunto dessas contradies se deixou sentir na prpria URSS, onde o ndice decrescimento econmico passou de 8,3% em 1959 para 4,5% em 1963. Pior ainda, o problemada relao entre os elementos da produo e as diversas partes da economia a prpriaessncia da economia socialista. O perigo est menos no crescimento mais lento e mais naausncia de correspondncia entre as diversas partes da economia (Trotsky). Em 1959, osetor de bens de produo projetou um crescimento de 8,1% e realizou 12%; em 1963, o setorde bens de consumo projetou 6,3% e realizou apenas 5%. A estagnao crescente da economia

    e as despropores cada vez maiores entre seus diversos setores puseram em evidncia a criseda gesto burocrtica da economia, comprometendo o que restava do planejamento central.

    A burocracia procurou uma sada para a crise atravs do entrelaamento com o capitalestrangeiro. Na URSS, em 1959, os equipamentos importados eram responsveis por 16% doinvestimento global; em 1975, por 27%. Entre esses equipamentos, em 1959, 2% vinham doOcidente; em 1975, 40%! Isto, porm, longe de resolver os problemas da economia sovitica,lanou-a pelo caminho da dependncia crescente e do endividamento frente s economiascapitalistas. Em 1973, a URSS possua 6,1% dos mercados ocidentais de produtos agrcolas e5,2% dos manufaturados. Em 1983, essas propores caram para 4,5% e 3,2%,respectivamente. A crise capitalista fechava os mercados, aumentava as dvidas (pelas taxas de

    juros crescentes) e lanava as economias burocrticas ao caos, que teve uma manifestaoespetacular na crise polonesa de 1980, que provocou o surgimento do sindicato Solidariedade.

    Esse processo econmico foi a base da aproximao poltica crescente da burocracia aoimperialismo, o que confirmou que aquela era uma camada burguesa no interior do EstadoOperrio. Em 1975, nos Acordos de Helsinque, a burocracia se comprometeu, com osrepresentantes do imperialismo, em manter o status quo na Europa (o respeito s fronteirasherdadas da II Guerra) e permitir a livre circulao de mercadorias e capitais. Globalmente, aimplementao de acordos regionais materializou a entrega da revoluo no Oriente Mdioe na Amrica Latina, determinando o isolamento da Revoluo Cubana.

    Porm, o questionamento da burocracia vindo de baixo (a revoluo poltica) tambmcresceu, com uma resistncia constante nas fbricas e grandes levantamentos populares:

    1956, Hungria e Polnia; 1968, Tchecoslovaquia; 1970, Polnia; 1980-81, Polnia... Apesar dacensura, a URSS no pode permanecer alheia ao processo: a rebelio operria em

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    O remanescente da propriedade estatal apenas serviu acumulao individual dos burocratasrestauracionistas. A restaurao capitalista no significa que seja necessrio que se consumeantes a privatizao de todas e cada uma das grandes empresas estatais. Bastaria que aeconomia - ainda comportando uma alta porcentagem de estatizao - se integrasse circulao do capital mundial atravs do comrcio exterior, da dvida pblica e a progressiva

    formao de um mercado. Para isto apontam as medidas que aboliram o monoplio docomrcio exterior e das finanas, a planificao estatal, a liberao de preos e a formao deempresas mistas com o capital estrangeiro. A restaurao capitalista comporta fatalmenteuma pilhagem e uma destruio sem precedentes das foras produtivas estatizadas. Atransio do socialismo ao capitalismo significa uma enorme regresso social e seudesenvolvimento foi impossvel sem uma vitria da contra-revoluo no plano poltico. Comvariantes especficas, este quadro se aplica tambm China e Cuba. Sustentar a existncia deum Estado Operrio na China devido permanncia do PC no poder ignorar que, justamente,a relativa estabilidade da burocracia chinesa permitiu que o processo de restauraocapitalista fosse mais longe nesse pas que em qualquer outro do ex-bloco. Essa estabilidade,por sua vez, explica-se pelo relativo xito burocrtico em esmagar o proletariado, a partir dos

    massacres de 1989.O impasse vivido pela revoluo cubana vincula-se apenas em parte ao fim da URSS. A vitriarevolucionria a poucas milhas do gigante imperialista foi um golpe para a poltica decoexistncia pacfica do stalinismo e abriu o ciclo da revoluo socialista para a AmricaLatina. Logo depois de que a poltica de extenso da revoluo via foquismo fracassara, ocastrismo se adaptou ao stalinismo (apoiou a invaso russa Tchecoslovquia em 1968 e asameaas de invaso da Polnia em 1981) passando a uma poltica democratizante de procurade um acordo com as burguesias do continente: apoio aos governos de Velazco Alvarado,Pern e Allende, que concluram em derrotas polticas, na dcada de 70.

    Fidel Castro coroou essa evoluo formulando sua prpria verso da coexistncia pacfica: aNova Ordem Internacional, diferente da revoluo socialista, afirmando que a Amrica Latina

    no se encontrava madura para ela e que as prprias revolues sociais nada resolvem. Estapoltica teve influncia decisiva no retrocesso da revoluo sandinista que, ao no percorrer ocaminho do castrismo em 1959-61 (expropriao da burguesia) concluiu devolvendo o poder ala contra, sob pretexto de democracia.

    Ao lado dessa poltica externa, o reforo do burocratismo interno configura para a revoluocubana, que garantiu aos explorados conquistas sociais inditas na Amrica Latina, umcaminho de derrota, sob a presso do imperialismo, o que se expressa no esvaziamentoprogressivo daquelas conquistas. A reivindicao de pluralismo em Cuba, feita pela esquerdademocratizante latino-americana, situa-se dentro da proposta castrista (abertura) e capitulafrente presso imperialista, pois no questiona a inexistncia em Cuba de um poderemanado das organizaes dos trabalhadores, reivindicando sua organizao democrtica e o

    direito de expresso naquelas para todas as tendncias revolucionrias. Isto coloca o problemada revoluo poltica em Cuba e a necessidade de uma poltica revolucionria independentepara a revoluo latino-americana: s o poder operrio e campons, sob a estratgia daunidade socialista da Amrica Latina garantir a eficcia da luta contra a re-colonizao deCuba e pela continuidade do ciclo revolucionrio.

    Toda a literatura sobre a democratizao dos pases imperialistas vem abaixo ao se estudarsua realidade econmica, poltica e social. A burguesia viu-se obrigada a uma srie deconcesses ao movimento operrio nos anos imediatamente posteriores a 1945, como preopara sua estabilidade poltica. O mais notvel que as dcadas ulteriores de prosperidadeforam acompanhadas por uma necessidade estrutural do Estado burgus de liquidar essasconcesses. A nica barreira contra isso a resistncia do proletariado. Mais do que nunca, o

    desenvolvimento espontneo do capitalismo significa retrocesso social e isto quando as

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    condies materiais da produo permitiriam a passagem para um estgio qualitativamentediferente de satisfao das necessidades humanas.

    O sistema poltico est abertamente dominado pela burocratizao e pelo militarismo. OEstado efetivamente o comit executivo da classe burguesa, com os burocrtas operriosatuando como meros comparsas. Aqui observamos que o desenvolvimento capitalista se

    identifica com relaes sociais e polticas necessariamente opressivas, que apenas podem seracentuadas; somente a luta de massas pode arrancar algumas conquistas, permanentementepostas em questo pela reproduo capitalista. O capitalismo no conhece nenhuma forma dehumanizao e os crticos do marxismo confundem o crescimento da produo e a melhoratemporria das condies de vida de alguns setores da classe operria dos pases imperialistascom uma inverso das leis do movimento de acumulao de capital.

    Como na poca de Marx, a nica fora de resistncia aos efeitos imediatamente destrutivosdessas leis a fora social e poltica da classe operria. A diferena clara: em um perodoascendente do capitalismo esses efeitos (por exemplo, as penosas jornadas de trabalho) eramum custo do carter progressivo da acumulao capitalista e o proletariado podia limit-lospor todo um perodo histrico. Atualmente, em condies tecnolgicas abstrata e

    qualitativamente muito mais favorveis, os resultados de um combate puramente sindical, ouseja, pelo valor da fora de trabalho, so mais estreitos e a brutalidade das condies detrabalho resulta exclusivamente do carter reacionrio do desenvolvimento capitalista.

    O desenvolvimento capitalista metropolitano tambm se caracteriza por um crescenteretrocesso social. Os elevados nveis de desemprego constituem um dado permanente dociclo, que no absorvido nos perodos de auge, e que se agrava nas recesses. Mais ainda,uma parte cada vez maior da populao marginalizada no circuito da prosperidade e oexemplo evidente so as dezenas de milhes de pobres nos EUA. Estas fraes das massasexploradas no ingressaro jamais em relaes salariais normais; no melhor dos casos terotrabalhos precrios, sem qualificao nem estabilidade. Isto passa a ser caracterstico dasrelaes de trabalho. O capital j no transforma em operrios assalariados sequer as massas

    das metrpoles imperialistas. A degradao urbana traduz esse retrocesso e lhe d suasignificao como manifestao de um sistema que apenas pode pr em evidncia suastendncias reacionrias.

    O papel dominante do capital financeiro prprio da fase imperialista do capitalismo. O quecaracteriza essas dcadas a extrema exacerbao do parasitismo. A produo material damais-valia aparece subordinada s necessidades das fraes mais especulativas do capital, queregulam a equalizao das taxas de lucro em seu benefcio. Assim se produz uma super-expanso do crdito e do endividamento, com a exploso dos benefcios fictcios implicados. possvel afirmar que a expanso atual do capital especulativo se produz sobre a base doprprio capital especulativo; as montanhas de dvidas permitem a estruturao de novosinstrumentos de apropriao dos lucros. O dficit estatal alimenta permanentemente estaengrenagem. A crise atual do capitalismo, em escala mundial, se projeta como a pior em todasua histria, devido acumulao de dficits e falncias inditas, tanto no setor privado(hipotecas) como no setor estatal, que agora se manifesta em toda sua fora com aperspectiva de falncia imediata de vrios estados europeus, sem falar no endividamento semprecedentes dos EUA.

    Com a passagem cada vez mais abrupta da prosperidade crise no cenrio mundial,testemunhamos um processo que abarca o conjunto dos pases e foras sociais quecontriburam para edificar as relaes posteriores II Guerra Mundial. As formas de irrupoda crise j se manifestam em reaes operrias e populares em diversos pases, como naGrcia. A queda da burocracia stalinista foi uma manifestao do avano desse movimento,assim como a falta de estabilidade nos regimes burgueses dos pases atrasados. A burguesiacontinuar dispondo de tempo e iniciativa enquanto no haja um princpio de soluo em

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    escala internacional da crise de direo do proletariado, condenando a humanidade aoretrocesso histrico.

    As guerras no Iraque e no Afeganisto no so um episdio isolado, mas a manifestao detodas as tendncias agressivas, destrutivas e parasitrias prprias do imperialismo. Mais de umbilho de dlares dirios so gastos para reduzir uma nao oprimida a escombros. Porm,

    no se trata de uma manifestao de ofensiva poltica do imperialismo. Ao contrrio, ocontrole poltico e militar do Golfo Prsico (e de todo o Oriente Mdio) uma necessidadevital para os EUA, devido crise que atravessam: entre outras coisas, uma arma vital na lutacontra os imperialismos europeu e japons. Esse controle foi posto em cheque pelossucessivos levantamentos de massas na regio (guerra civil no Lbano, queda do x do Ir,Intifada palestina).

    A crise mundial configura uma categoria histrica referente ao momento em que adecomposio do conjunto do capitalismo adquire a forma de crises polticas e crisesrevolucionrias, integrando os ex Estados Operrios burocratizados, j vinculados circulaoeconmica mundial capitalista. O desenvolvimento da crise mundial o desenvolvimento dacrise conjunta do imperialismo e da burocracia. Trotsky assinalou que o prognstico poltico

    (referente aos Estados Operrios) tem um carter alternativo: ou a burocracia, sendo cada vezmais o agente da burguesia no Estado Operrio, derruba as novas formas de propriedade erelana o pas ao capitalismo ou a classe operria esmaga a burocracia e abre uma via aosocialismo(A Revoluo Trada).

    Para os apologistas do capitalismo, includa a pseudo-esquerda, haveria nada menos que umavitria do capitalismo sobre o socialismo. Esta hiptese foi prevista pelos marxistas comoconseqncia da superioridade do regime capitalista mundial sobre as naes isoladas onde arevoluo triunfou. Superioridade no porque sejam capitalistas - o que significaria asuperioridade da anarquia da produo sobre a planificao - mas porque o capitalismo,sistema mundial, representa ainda o conjunto histrico mais avanado da sociedade, enquantoque a revoluo triunfou nos pases mais atrasados do ponto de vista econmico e cultural. O

    marxismo foi quem primeiro previu que no apenas era provvel como tambm, em ltimainstncia, inevitvel que se a revoluo no triunfasse na maior parte dos pases capitalistas, apresso capitalista reverteria as vitrias e conquistas revolucionrias, restaurando ocapitalismo.

    Uma opinio difundida pretende que se tratou de uma vitria capitalista em conseqncia deque o capitalismo, diferena da economia planificada, foi capaz de revolucionar as forasprodutivas, elevando a produtividade do trabalho constantemente, revoluo tcnico-cientfica que possibilitou a vitria na concorrncia contra o socialismo. A verdade, aocontrrio, que em seu processo de desintegrao, o capitalismo colocou em estado deobsolescncia a imensa maioria da economia capitalista; o processo de valorizao mundial docapital no pode continuar sem destruir todo o capital excedente que criou e que noencontra lugar no mercado. Durante um longo perodo, o capitalismo tratou de dissimular essasuperproduo atravs da produo armamentista, sem perceber que se em algum ramo secria, mais do que em nenhum outro, excesso de capitais, na produo armamentista, onde ocomponente de capital fixo, tecnologia e matrias primas, muito mais intenso em relao fora de trabalho que em qualquer outra indstria. O sucateamento industrial no apenascaracteriza as naes atrasadas e os ex pases socialistas, mas tambm regies e ramosinteiros dos pases desenvolvidos. A desvalorizao de capitais bancrios e financeiros ou deindstrias como a siderrgica, automotora ou setores inteiros da eletrnica e qumica, superaem envergadura a todo o capital dos Estados Operrios e este abismo agora muito maiorcomo conseqncia do gigantesco leilo da propriedade estatal realizado nos ltimos anospela burocracia.

    Na base da crise mundial encontra-se a crise econmica do capital, uma crise desuperproduo que materializada a tendncia capitalista anarquia da produo,

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    desvalorizao dos capitais e mercadorias e, em ltima instncia, auto-abolio do capital. Oassim chamado neoliberalismo no passou de uma miragem ideolgica, pois se baseounuma interveno indita do Estado, tanto na rea econmica (nos mercados financeiros,paridades monetrias, fluxos nacionais e internacionais de capital: o processo capitalistagarante-se com meios extra-econmicos, exigindo uma interveno poltica externa cotidiana)

    como na funo poltico-repressiva. A vigncia histrica da revoluo proletria refere-se vigncia de suas premissas objetivas e subjetivas (crise da sociedade e existncia de uma classerevolucionria dentro da mesma). Continua vigente a concluso tirada por Trotsky: a revoluosocialista continua vigente na conscincia das massas e na crise capitalista mundial. A vignciadas premissas revolucionrias s pode ser medida no mbito mundial, comeando por noidentificar uma suposta decadncia da classe operria, com a decadncia da esquerda quefalava em seu nome. As mesmas condies de especulao financeira e de endividamento queconstituem a principal manifestao da crise capitalista mundial, estiveram na base do colapsodo socialismoreal.

    Depois da morte de Trotsky, o programa trotskista recebeu, em suas linhas estratgicas, suatotal confirmao: 1) Nos pases atrasados, a revoluo s foi vitoriosa naqueles em que se

    operou a passagem da revoluo democrtica para a socialista, ou seja, para a expropriao docapital (China, Cuba); 2) Contra tericos de todos os credos e cores, a revoluo operriaprovou tambm sua vigncia objetiva nas metrpoles imperialistas (desde o imediato ps-guerra at a revoluo portuguesa, passando pelo Maio francs), isto , sua vigncia mundial;3) As Frentes Populares provaram ser uma poltica de derrota, de aborto da revoluo e at davitria fascista: em toda a Europa ocidental do ps-guerra, Portugal 1974-1975, Chile 1970-1973, Nicargua na dcada de 80, Indonsia na dcada de 60, etc.; 4) Na ausncia de umadireo revolucionria internacional, dirigente ou inserida nos principais setores doproletariado e dos explorados do mundo todo, os processos revolucionrios abortaram ou,quando vitoriosos no plano nacional, no deram incio revoluo mundial ou sua extensocontinental, o que os conduziu a um impasse ou degenerao; 5) A burocratizao dos Estados

    Operrios conduziu essas sociedades a um completo impasse. A busca de reformas que lhedessem sada sem tocar nas bases do domnio burocrtico abriu passagem para situaes quedeixam cara a cara as alternativas da revoluo e da contra-revoluo. Que a vitria pstumade Trotsky seja, por hora, apenas terica, no poltica, no justifica as correntes de esquerdaque falam do fracasso do trotskismo, quando elas no podem sequer se vangloriar de vitriastericas (ao contrrio, s podem contabilizar fracassos espetaculares nesse plano).

    A atualidade de Trotsky consiste na constatao de que as linhas bsicas do desenvolvimentocontemporneo confirmam as matrizes do programa trotskista. A partir desse reconhecimentose podem determinar as linhas estratgicas de uma corrente revolucionria internacional, queso as do programa da IV Internacional. Nos ltimos 60 anos, as premissas histricas dointernacionalismo proletrio desenvolveram-se como nunca: a incapacidade do capitalismo

    para superar o antagonismo entre o desenvolvimento internacional das foras produtivas e osEstados Nacionais, a incapacidade da burocracia para construir o socialismo num pas s, aincapacidade do nacionalismo burgus e pequeno-burgus em levar prtica a autonomianacional. Somente a revoluo proletria pode dar uma sada progressista crise mundial, emcondies em que de todas as tendncias polticas que nasceram como conseqncia da crisede direo da classe operria, apenas a IV Internacional manteve sua vigncia como programapoltico, que se transformou no fio ideolgico da recomposio do movimento operriointernacional.

    A vigncia da IV Internacional est colocada pela vigncia de seu programa. A questo dopartido revolucionrio coloca-se frente emergncia de situaes revolucionrias, que tmum carter objetivo, isto , independente da vontade de partidos e classes em pugna. A

    situao revolucionria , em ltima instncia, o produto da contradio irreconcilivel entreas foras produtivas que se desenvolvem sobre uma base capitalista, e as relaes de

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    produo, contradio chegada a um ponto de amadurecimento. A situao revolucionria oresultado da incapacidade do capitalismo em se contrapor historicamente tendncia quedada taxa de lucros.

    As correntes polticas nacionalistas, social-democratas, fascistas ou frente-populistas no sooutra coisa que tentativas excepcionais de superar as contradies mortais do capitalismo

    dentro dos marcos deste. So tentativas para evitar a passagem a uma situao revolucionriae revoluo, procurando contrabalanar a tendncia histrica ao afundamento capitalistacom medidas polticas de exceo. Em lugar de declarar o automatismo da formao desituaes revolucionrias, necessrio por em relevo o papel do fator consciente e adelimitao clara com os movimentos polticos que o imperialismo utiliza como recursosltimos de sobrevivncia. A questo da situao revolucionria concentra-se na qualidadepoltica do programa revolucionrio.

    Na atualidade, no apenas a respeito dos pases imperialistas e semi-coloniais o ritmo dedesenvolvimento revolucionrio desigual. A unidade mundial que constitui o processo darevoluo no resulta de um desenvolvimento espontneo: requer a ao consciente davanguarda mundialmente organizada. A tendncia poltica do movimento operrio a

    reagrupar-se politicamente sob novos eixos est presente na situao internacional, o quecoloca sobre o tapete a questo do partido e da Internacional, o que demonstra a atualidadeobjetiva da questo da Internacional Operria no quadro da crise mais profunda docapitalismo ao longo de sua histria.

    O Programa de Transio tem j mais de setenta anos. As suas referncias polticas imediatas(fascismo na Alemanha e na Itlia, stalinismo na URSS, guerra civil espanhola, retrocesso darevoluo chinesa), por isso, esto datadas. Mas o Programa de Transio ultrapassa, em seumtodo, a anlise poltica imediata e at estratgica. Seu ponto de partida (Sem vitria darevoluo socialista no prximo perodo histrico, toda a civilizao humana est ameaada deser conduzida a uma catstrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada,de sua vanguarda revolucionria. A crise histrica da humanidade reduz-se crise da direo

    revolucionria) est hoje to vigente, ou mais, do que no tempo em que fora redigido.Assimcomo seu eixo metodolgico central: A tarefa estratgica do prximo perodo - perodo pr-revolucionrio de agitao, propaganda e organizao - consiste em superar a contradioentre a maturidade das condies objetivas da revoluo e a imaturidade do proletariado e desua vanguarda (confuso e desencorajamento da velha gerao, falta de experincia da nova). necessrio ajudar as massas, no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entresuas reivindicaes atuais e o programa da revoluo socialista. Esta ponte deve consistir emum sistema de reivindicaes transitrias que parta das atuais condies e conscincia delargas camadas da classe operria e conduza, invariavelmente, a uma s e mesma concluso: aconquista do poder pelo proletariado.

    O Programa de Transio da IV Internacional constitui, por isso, o nico ponto de partida sriopara o debate acerca da construo de uma esquerda revolucionria no Brasil (na forma departido) e de uma autntica Internacional dos Trabalhadores, que oferea uma alternativarealmente socialista crise mundial do capital.

    Osvaldo Coggiola