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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Fundada em 18 de Fevereiro de 1808 Monografia Tratamento Cirúrgico da Criptorquidia: Uma Revisão de Literatura Betânia Andrade Silvão Salvador (Bahia), 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

Fundada em 18 de Fevereiro de 1808

Monografia

Tratamento Cirúrgico da Criptorquidia: Uma

Revisão de Literatura

Betânia Andrade Silvão

Salvador (Bahia), 2012

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária de Saúde, SIBI -

UFBA.

S586 Silvão, Betânia Andrade

Tratamento Cirúrgico da Criptorquidia: Uma Revisão de

Literatura / Betânia Andrade Silvão. – Salvador, 2012.

46f.

Orientador: Prof. Dr Pedro Hamilton Guimarães Macedo

Monografia (Medicina) – Universidade Federal da Bahia.

Faculdade de Medicina da Bahia, 2012.

1. Criptorquidismo. 2.Tratamento cirúrgico. 3.Testículo não

descido I.Silvão, Betânia Andrade. II Universidade Federal da

Bahia. III. Título.

CDU 616-036.22

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

Fundada em 18 de Fevereiro de 1808

Monografia

Tratamento Cirúrgico da Criptorquidia: Uma

Revisão de Literatura

Betânia Andrade Silvão

Professor-orientador: Pedro Hamilton Guimarães Macedo

Monografia de Conclusão do

Componente Curricular MED-B60, e

como pré-requisito obrigatório e parcial

para conclusão do curso médico da

Faculdade de Medicina da Bahia da

Universidade Federal da Bahia,

apresentada ao Colegiado do Curso de

Graduação de Medicina.

Salvador (Bahia), 2012

III

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Monografia: Tratamento Cirúrgico da Criptorquidia: Uma Revisão de

Literatura. Betânia Andrade Silvão

Professor-orientador: Pedro Hamilton Guimarães Macedo

COMISSÃO EXAMINADORA

COMISSÃO REVISORA (ou Examinadora ou Julgadora)

MEMBROS TITULARES o Pedro Hamilton Guimarães Macedo

o Marcus Antônio de Mello Borba

o Mário Castro Carreiro

Salvador (Bahia, 2012)

IV

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RESUMO

Testículo não descido é a mais comum desordem clínica da infância a qual pode se resolver

espontaneamente até o primeiro ano de vida. Contudo, quando esta resolução não ocorre, a

correção cirúrgica é indicada Os danos decorrentes da exposição a temperaturas superiores a

do escroto, tais como degeneração maligna e comprometimento da fertilidade, podem ser

diminuídos com o tratamento cirúrgico em período adequado Esta revisão de literatura tem

como objetivo abordar sobre aspectos epidemiológicos, clínicos, e diagnósticos sobre o

criptorquidismo, com destaque para o tratamento cirúrgico e o efeito da idade sobre o

resultado do tratamento. Conclui-se que a cirurgia deve ser realizada, entre os seis e doze

meses, e que a técnica escolhida varia de acordo com a posição da gônada no decorrer de seu

trajeto do abdome até o escroto durante a vida embrionária. Diante disso, o sucesso do

tratamento depende de acesso adequado à saúde no período neonatal, visando um tratamento

apropriado em tempo hábil.

Palavras chaves: Criptorquidismo, tratamento cirúrgico, testículo não descido.

V

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ABSTRACT

Undescended testis is the most common clinical disorder of childhood which may resolve

spontaneously in the first year of life. However, when this resolution does not occur, the

surgery is indicated. The damage from exposure to temperatures above the scrotum, such as

malignant degeneration and impaired fertility, may be decreased with surgical treatment in

appropriate period. This literature review aims to approach about epidemiological, clinical,

diagnostic aspects about cryptorchidism, particularly for surgical treatment and the effect of

age on treatment outcome. It is concluded that surgery should be carried out between six and

twelve months and that the chosen technique varies according to the position of the gonads in

the course of its path of the abdomen into the scrotum during embryonic life. Therefore,

successful treatment depends on adequate access to health care in the neonatal period, seeking

appropriate treatment in a timely manner.

Keywords: Cryptorchidism, surgical treatment, undescended testicle.

VI

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SUMÁRIO

ÍNDICE DE FIGURAS 8

I INTRODUÇÃO 10

II OBJETIVOS 16

III METODOLOGIA 17

IV REVISÃO DE LITERATURA 18

IV.1 Justificativa da cirurgia 18

IV.2 Tratamento 20

IV.2.1 Considerações históricas 20

IV.2.2 Tratamento hormonal 22

IV.2.3 Considerações gerais sobre o tratamento cirúrgico 23

IV.2.4 Idade da cirurgia 25

IV.2.5 Tratamento cirúrgico para testículo não descido palpável 28

IV.2.6 Tratamento cirúrgico para testículo não descido não palpável 32

V CONCLUSÃO 38

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA I Representação da descida do testículo durante a formação fetal 10

FIGURA II Classificação do testículo não descido 11

FIGURA III Orquidopexia sem ligação do saco herniário 31

FIGURA IV Fixação extradartos e subdartos 32

FIGURA V Algorítimo para abordagem de paciente com testículo não palpável. 33

FIGURA VI Representação da posição dos trocarteres, na orquidopexia laparoscópica 35

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ABREVIAÇÕES

EUA – Estados Unidos da América

FSH – hormônio folículo estimulante

GNRH – hormônio liberador de gonadotrofina

hCG – gonadotrofina coriônica humana

LH – hormônio luteinizante

LHRH – hormônio liberador do hormônio luteinizante

OI – orquidopexia inguinal

RAS – cirurgia assistida roboticamente

SciELO – Scientific Eletronic Library Online

TND – testículo não descido

USG – ultrassonografia

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I INTRODUÇÃO

O termo criptorquidia vem do grego kriptos: oculto e orquis: testículos, o mesmo que

“síndrome do escroto vazio”, “testículo não descido” (Lópes-Cruz G et al, 2007). Portanto, a

criptorquidia trata-se da ausência do testículo no escroto, como consequência da falha da

migração normal a partir da sua posição intra-abdominal (Denes FT et al, 2006).

Durante a vida embrionária, os testículos formam-se ao lado dos rins mesonéfricos e

descem através do canal inguinal para o escroto (figura1), e já se localizam neste por volta da

35° e 40° semana de gestação, com uma função ótima entre 33° e 34° Celsius, uma

temperatura inferior à corporal (Hutson JM et al, 1998). Caso ocorra falha, um testículo pode

não completar a sua trajetória até o escroto (testículo não descido), deslocar-se para fora do

caminho normal (testículo ectópico) ou pode nunca se desenvolver (testículo atrófico) (Park et

al, 2010).

Figura I: Representação da descida do testículo, durante a formação fetal em 8 e 11 semanas

e em 4 e 8 meses (Netter FH, 2011).

O testículo não descido é a mais comum desordem clínica na infância, ocorrendo em

3% dos nascidos a termo, 21% dos nascidos prematuros e em 0.8% a 1% dos meninos com

um ano (Kim J et al 2010), sendo que 10 a 20% dos casos são bilaterais (Paulozzi LJ et al,

1999). Essa redução da prevalência comparativa entre os recém-nascidos e os meninos com 1

ano deve-se à secreção endógena pós-nascimento de testosterona que provoca a descida de

testículos, em alguns casos. (Mathers MJ et al 2009).

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A depender da localização do testículo e de sua palpação ou não durante o exame

clínico, o TND pode ser classificado em palpável e não palpável, baixo ou alto (figura 2). Os

testículos palpáveis compreendem cerca de 80 a 90% dos casos de criptorquidia. Nessa

situação a gônada pode localizar-se entre o anel inguinal interno e externo (intracanalicular),

entre o anel inguinal externo e o escroto (extracanalicular) ou ainda pode descer ao escroto

apenas quando tracionado no exame clínico (deslizante) Os outros 10 a 20% correspondem ao

testículo impalpável, o qual pode ser subdividido em: ausente, canalicular (quando os vasos

do cordão espermático penetram o anel inguinal interno), desaparecido (quando os vasos

terminam em um fundo cego), peeping (quando localizados no interior do saco herniário,

migrando para o canal inguinal pelo aumento da pressão intrabdominal), intra-abdominal

baixo (quando a menos de 2 cm do orifício interno do canal inguinal), intra-abdominal alto

(quando acima dessa distância) (Denis FT et al 2006).

Figura II: Classificação do testículo não descido

Uma importante diferenciação a ser feita, através do exame clínico, é a distinção entre

TND palpável de testículo retrátil. O exame deve ser realizado em local quente e sem

ansiedade para evitar o reflexo cremastérico de retirada do testículo (Mathers, 2009). Inicia-se

a avaliação com o paciente na posição de cócoras e observa-se se o testículo é palpável, no

escroto. Se sim, este é um testículo retrátil. Caso o paciente não puder ficar nessa posição, é

examinado deitado e, então, tentativas são feitas para ordenhar a gônada para baixo, se esta

atingir o meio do escroto ou mais é tratado como testículo retrátil. Caso o testículo, alcance

apenas a parte superior e retorne para a região inguinal é denominado TND (Sutton PA et al,

2011).

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Reconhecer o testículo retrátil é importante, visto que este, geralmente, não requer

terapia, pois não afeta a fertilidade e geralmente se mantêm no escroto na infância ou na

puberdade (Rasmussen B, 1988). Contudo, quando se trata de patologia bilateral, a cirurgia é

aceita pois pode comprometer a fertilidade (Thorup J, 1990). Há ainda a possibilidade de o

testículo tornar-se criptorquídico ou diminuir de tamanho, necessitando de cirurgia, a qual

deve ser realizada aos 3 anos (La Scala GC et al, 2004).

Outra subclassificação dentre os TND palpáveis é em alto e baixo. TND palpável alto

é aquele que o testículo é palpável, mas não atinge o escroto, através da ordenha. TND

palpável baixa é aquele que é ordenhado até a parte superior do testículo e pode voltar ou não

à região inguinal (Sutton PA et al, 2011).

O testículo não palpável pode ser também ausente ou desaparecido, secundário a

torção intrauterina ou perinatal, sendo denominado monorquia ou anorquia (se ambos

estiverem ausentes). É importante diferenciar também testículo ectópico de não descido. O

último se localiza no caminho entre descida do testículo normal. Já o ectópico, desvia do

caminho normal de descida e pode ser encontrado na região inguinal, períneo, canal femoral,

área próxima ao púbis ou no hemiescroto contralateral. Testículo não descido iatrogênico é

aquele que era previamente descido, mas que se tornou fixado por uma cicatriz no tecido

cefálico ao escroto após de uma cirurgia prévia (Thorup J et al, 2007).

Há ainda outra condição clínica denominada testículo não descido adquirido. Esta

condição foi comprovada, pois estudos demonstraram incompatibilidade entre a taxa de

congênito TND (cerca de 0,8 a 1%) e a de orquiodopexias realizadas (cerca 1,5 a 3% com a

idade de 17 anos) (Kokorowski PJ et al, 2010). Trata-se, portanto, de testículos que eram

localizados no escroto no primeiro ano de vida e que, em seguida, reascenderam (Villumsen

AL et al, 1966). A explicação para essa condição é de que, com o crescimento, o funículo

permanece pequeno e provoque a subida da gônada. Há ainda uma correlação com processo

vaginal patente ou com um remanescente fibroso (La Sacala GC et al, 2004). Outro fator de

risco é testículo retrátil significativo. Acredita-se que espasticidade natural do músculo

cremastérico, com picos entre 5 a 8 anos, provoque a ascenção (Kokorowski PJ et al, 2010).

Por isso, é obrigatória a confirmação da localização intraescrotal ser confirmado com o exame

físico periódico até a puberdade. Uma última etiologia para testículo ascendido são os casos

de criptorquidismo que apresentaram descida espontânea, mas que reascederam

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posteriormente. Ainda não existe uma diretriz sobre quando se deve realizar a cirurgia nestes

casos (Thorup J et al, 2007).

O diagnóstico para testículo não descido é essencialmente clínico, contudo alguns

exames complementares podem ser necessários. Para fazer o diagnóstico de testículo não

descido, primeiro faz-se o exame físico da criança usando-se as duas mãos. Palpa-se, em local

quente e sem ansiedade para evitar o reflexo cremastérico de retirada do testículo, a partir da

espinha ilíaca anterior em direção ao púbis e com a outra mão palpa-se o escroto. Essa

manobra empurra o testículo posicionando-o no anel inguinal externo. Quando é liberado, o

testículo retorna do canal inguinal (testículo gliding). (Mathers MJ et al, 2009).

Para testículo não palpável, a ultrassonagrafia permite classificar, avaliar o tamanho

e a estrutura do parênquima do testículo. Contudo, atualmente, o método preferido para

localização é a laparoscopia. Geralmente, testes laboratoriais não são necessários para o

diagnóstico. As situações que requerem tal avaliação são: análise genética para descartar um

cariótipo feminino com síndrome androgenital em casos de testículo bilateral não palpável;

avaliação endocrinológica em casos bilaterais para descartar outras síndromes; detecção de

produção de testosterona antes da exploração cirúrgica, assim como teste de estimulação hCG

(gonadotrofina coriônica humana). O aumento do hormônio luteinizante (LH) e do homônio

folículo estimulante (FSH), com ausência de substância inibidora de Müller sugere anorquia,

assim como gonadotrofina elevada e teste de estimulação intramuscular de hCG negativa

reforçam anorquia. Contudo a prova final de anorquia é com exploração cirúrgica (Mathers

MJ et al, 2009).

As causas exatas de testículo não descido não estão claras, contudo alguns fatores

têm demonstrado serem de risco para a patologia, tais como: peso abaixo de 2,5 kg ao

nascimento; insuficiência placentária com redução da secreção de gonadotrofina coriônica

humana e consequente nível reduzido de estrogênio materno; exposição a compostos

organoclorados, monoésteres de ftalatos; tabagismo materno ou paterno (Del Torso et al,

1997) e; diabetes melitus materno. (Pettersson et al, 2007).

Após certo período, o criptorquidismo causa uma série de alterações na fisiologia

normal do testículo. Isso ocorre, pois a localização do testículo no canal inguinal ou no

abdome provoca a exposição dessa gônada a temperaturas de 35° a 37°C, que

consequentemente, causa alteração na morfologia e nas funções fisiológicas e aumento dos

riscos de complicações (Hutson JM et al, 1998). Devido a isso, o criptorquidismo, em adultos,

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pode provocar algumas consequências, como oligoespermia, azoespermia (Virtanen HE et al,

2007), insuficiência endócrina (Andersson AM et al, 2004) e possível degeneração maligna

(Giwercman A et al, 1989).

Diante das consequências do criptorquidismo, o tratamento da patologia é mandatório,

caso este não se resolva espontaneamente o que ocorre tipicamente após os seis meses

(Berkowitz GS et al, 1993). O tratamento geralmente é cirúrgico, contudo o consenso sobre o

manejo do TND é difícil, pois depende de longo período de acompanhamento desde o

diagnóstico até realização da atividade testicular na idade adulta (Marchetti F et al, 2012).

Quanto ao uso de hormônios esse ainda é controverso (Dunkel L et al, 1997)

A cirurgia para criptorquidismo é indicada para evitar a degeneração testicular, a

diminuição da fertilidade tardiamente, ajudar na detecção de malignidades e reduzir a taxa de

torção testicular (Woong Na et al, 2011). O tratamento difere a depender de o criptorquidismo

ser palpável ou não palpável. Caso o testículo seja palpável o tratamento é realizado através

da orquidopexia aberta. Já os casos de criptorquidismo não palpável, tanto a cirurgia quanto o

diagnóstico são por via laparoscópica (Lee A et al, 1997).

A primeira orquidopexia com sucesso foi descrita por Annandale no Jornal de

Medicina Britânica em 1879 e realizada em um menino de três anos. Contudo até 1960,

poucos artigos foram publicados sobre a técnica cirúrgica Neste período a discussão sobre a

melhor idade para realizar a cirurgia já era discutida (Thorup J et al, 2007).

Tradicionalmente a cirurgia aberta, para testículo palpável, é realizada através de uma

abordagem inguinal, na qual são feitas duas incisões: uma em região inguinal ou na virilha

para visualizar o cordão espermático e outra incisão escrotal para corrigir a posição testicular

dentro do escroto. Posteriormente, uma nova técnica cirúrgica possibilitou a realização da

cirurgia por meio de apenas uma incisão escrotal, nos casos de testículos distais ao canal

inguinal. Este procedimento permite uma cirurgia em menor tempo, com melhor resultado

estético e menos comorbidade. Contudo, uma controvérsia em relação a essa técnica é se a

dissecção é suficiente para alongar o cordão espermático e colocar o testículo dentro do

escroto sem tensão. Outra preocupação é sobre a ligação suficiente do processo vaginal para

que não permita a formação de hérnia ou hidrocele (Woong Na et al, 2011).

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Outra discussão a cerca do método tradicional refere-se à necessidade de ligação do

saco herniário durante a orquiodopexia. Novos estudos sugerem que a sua não realização não

prejudica o resultado final da cirurgia e não aumenta o risco de hérnia.

Para os casos de testículo não descido não palpável, a cirurgia geralmente é realizada

por via laparoscópica. A principal vantagem dessa técnica é que pode ser usada para o

diagnóstico e posteriormente revertida na orquidopexia para o tratamento. Além disso, é

minimamente invasiva, com poucos furos e uma pequena incisão inguinal, e apresenta taxa de

sucesso maior comparada à cirurgia aberta (Sangrasi AK et al, 2010)

Os determinantes mais importantes para o sucesso da cirurgia são: uma adequada

mobilização do testículo e do cordão espermático e ausência de tensão na colocação do

testículo dentro da bolsa. Quanto às complicações, destacam-se: atrofia testicular, lesão de

vasos espermáticos, excessiva tração, congestão venosa pós-operatória, isquemia com atrofia

subsequente, subida do testículo, infecção e sangramento. (Ghnnam WM et al, 2011).

Esta revisão bibliográfica traz uma discussão acerca do melhor período para a

realização da cirurgia, as principais técnicas cirúrgicas empregadas, suas vantagens e

desvantagens comparadas umas com as outras, assim como suas principais indicações.

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II OBJETIVOS

Realizar uma revisão de literatura sobre a definição, aspectos epidemiológicos,

clínicos, diagnósticos e, com, principal abordagem sobre as consequências da criptorquidia,

indicações e técnicas cirúrgicas da criptorquidia, e o efeito da idade sobre o resultado do

tratamento.

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III METODOLOGIA

Esta monografia foi realizada a partir de uma pesquisa a qual buscou uma melhor

compreensão e detalhamento sobre o tema.

Para efetivação do trabalho, uma ampla pesquisa foi realizada em bibliotecas

eletrônicas, tais como: SCIELO e PUBMED, selecionando os artigos considerados mais

importantes publicados posteriormente ao ano 2000.

Na organização do material, foram realizadas as etapas de procedimentos da

monografia, com identificação preliminar bibliográfica, fichamento de resumo, análise e

interpretação, revisão e relatório final.

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IV REVISÃO DE LITERATURA

A revisão de literatura a seguir foi preparada de modo a esclarecer melhor o tema.

Primeiramente, é abordado o porquê de se realizar a cirurgia, trazendo as consequências do

criptorquidismo se não tratado e posteriormente é abordado sobre o seu tratamento. Este

último tópico, para melhor organização, foi subdivido em: 1) considerações históricas; 2)

considerações gerais; 3) idade da cirurgia, 4) tratamento hormonal, 5) tratamento cirúrgico

para testículo palpável e 6) tratamento cirúrgico para testículo não palpável. O primeiro tópico

traz um breve resumo sobre as primeiras técnicas cirúrgicas e seu avanço com o tempo; o

segundo apresenta os aspectos gerais do tratamento do criptorquidismo; o terceiro aborda

sobre as divergências atuais acerca da melhor idade para a realização da cirurgia, assim como,

sobre o ocorre na prática; o quarto faz uma breve abordagem sobre o tratamento hormonal e

as contradições sobre o seu uso; o quinto explica detalhadamente a técnica cirúrgica e as suas

inovações para testículo palpável e; o sexto traz a mesma a abordagem, contudo em relação ao

testículo não palpável.

IV.1 Justificativa da cirurgia

O criptorquidismo é uma doença que se não tratada acarreta algumas consequências.

Isso ocorre, pois a presença da gônada em local não habitual com características distintas

provoca uma série de alterações nos testículos, as quais podem desencadear: alterações

histológicas, diminuição da gônada, infertilidade e câncer.

Pacientes com criptorquidia, ao nascimento, apresentam células germinativas no

testículo (espermatogônias e de gonócitos), mas com 15 meses estas células podem faltar,

provocando prejuízo na produção de espermatozoides, visto que o número destas células

correlaciona-se com a contagem espermática em indivíduos adultos (Cortes D et al, 1998).

Quanto à infertilidade, em uma revisão, resultado da reunião de um grupo de experts

dos países nórdicos, sobre o manejo da criptorquidia, concluiu-se que, apesar de TND

apresentar-se unilateral em uma frequência quatro vezes maior que TND bilateral, o prejuízo

na fertilidade de um testículo não é compensada pela do outro. A contagem espermática é

menor que o normal em homens adultos, mesmo com a realização de orquidopexia na

infância. Contudo a fertilidade (definida como nunca ter tido um filho) se aproxima da

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população normal, portanto um esforço deve ser feito no sentido de melhorar a

espermatogênese em meninos nascidos com TND (Ritzén EM et al, 2008).

A fertilidade varia principalmente com a presença de doença em um ou em abas as

gônadas. Foi demonstrado que 100% dos pacientes não tratados com bilateral criptorquidismo

são inférteis. Contudo, se tratados essa taxa diminui para 38%. Para os casos de unilateral

criptorquidismo tratados, a infertilidade é de 10% versus 6% na população normal, não

havendo muita diferença. Sendo que a cirurgia não altera a fertilidade (Gapany C et al, 2008).

As mudanças histológicas, iniciadas aos 9 meses, provoca também uma diminuição

da gônada, o que determina um tamanho testicular mais favorável se a cirurgia ocorrer aos 9

meses comparado com 3 anos (Gapany C et al, 2008). Quanto ao maior risco de torção

testicular, não há evidência de maior frequência.

Além disso, o criptorquidismo está relacionado a risco aumentado de câncer de

células germinativas (seminomas, não-seminomas, teratomas, coriocarcinomas, tumor de saco

vitelínico, carcinomas embrionários e tumores de células germinativas mistos). Esse risco é 5

vezes maior do que na população geral, e 10% das neoplasias de testículo relacionam-se com

o criptorquidismo. Entretanto, o seminoma o câncer mais comum nestes casos apresenta

sobrevida de cerca de 100%, portanto o tratamento não oferece impacto na sobrevida do

paciente (Gapany C et al, 2008).

Segundo Petterson A, o risco de câncer testicular é determinado ainda no útero, já

que este é aumentado independente da idade da cirurgia. Concordante com essa teoria, há

estudos que indicam o aumento do risco de câncer no testículo contralateral em casos de

criptorquidia unilateral, apesar de em menor grau que no não descido. (Moller H et al, 1996).

Contudo, Gapany C, em estudo mais recente, demonstrou que se a cirurgia ocorrer antes dos

10 anos, o risco pode torna-se normal ou reduzir-se para duas vezes o normal. Essa teoria é

apoiada por Ritzen EM, o qual recentemente demonstrou que a orquidopexia antes dos 13

anos reduz o risco de câncer comparado com quem foi operado após esta idade (Ritzén EM et

al, 2008). Porém, não se sabe se câncer e criptorquidismo têm uma causa em comum, ou se

este é causa da malignidade (Petterson A et al, 2007). Concluindo, se há algum efeito entre

orquidopexia no não desenvolvimento de câncer este ainda precisa ser estabelecido (Marchetti

F et al, 2012).

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Além dos efeitos na fisiologia do testículo, acredita-se que o testículo distópico pode

interferir no bem estar psicossexual. Mas, apesar da espermarca ocorrer mais cedo nestes

pacientes, a atividade sexual, o tamanho do pênis, problemas de impotência são os mesmos

que na população geral. Não existem estudos sobre a prevalência de distúrbios neuróticos.

(Gapany C et al, 2008).

IV.2 Tratamento

IV.2.1 Considerações históricas

A história da criptorquidia e a primeira tentativa de correção iniciaram-se no século

XVIII e desde então muito progresso ocorreu. Os primeiros estudiosos, no século XVIII,

foram Baron Albrecht von Haller e John Hunter. Aquele foi o primeiro a descrever a posição

do testículo em sua posição fetal. Hunter, através, de análise anatômica post-mortem,

confirmou a posição fetal do testículo; definiu a descida do testículo no oitavo mês de

gestação, e propôs o gubernáculo como o guia para a descida do testículo. Thomas B. Culling,

em 1866, foi o próximo a estudar o tema. Este observou o funcionamento anormal do

testículo não-descido e estabeleceu prazos para a recuperação destes e resumiu as possíveis

causas da patologia: desenvolvimento defeituoso do músculo cremastér, aderências

secundárias à peritonite e ao anel externo contraído. Suas descobertas foram importantes

como base para a primeira orquidopexia (Park K et al, 2010).

Porém, antes da orquidopexia, um testículo não descido era tratado com castração. A

primeira tentativa descrita para correção foi realizada por James Adams, em Londres. A

cirurgia foi realizada em um menino de 11 semanas, a qual consistiu em uma incisão de 11

polegadas sobre o anel inguinal externo, posterior liberação do cordão espermático e do

testículo e realização de uma sutura com fio catgut para fixar no escroto. Contudo o paciente

faleceu devido à peritonite. Já a primeira orquidopexia de sucesso foi realizada por

Annandale, em 1877, em um menino de três anos com testículo palpável. Este médico usou da

técnica desenvolvida por James e dos seus conhecimentos de técnica asséptica com ácido

carbólico. Desde então, muitos avanços ocorreram pela contribuição de outros cirurgiões

(Park K et al, 2010).

Max Schüler, em 1881, defendeu a divisão do processo vaginal para mobilizar o

cordão espermático, ressaltou a cobertura do testículo com músculo cremaster e a ligadura do

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canal inguinal para evitar a reascensão. Arthur Dean Bevan, em 1899, enfatizou a mobilização

livre de tensão, através da liberação dos vasos espermáticos por meio da ressecção do

retroperitônio para obter maior comprimento; ele descreveu também a sutura da camada

profunda da fáscia superficial da aponeurose do oblíquo externo para prevenir a retração do

testículo, e apresentou uma taxa de 95% de sucesso em suas cirurgias (Park K et al, 2010).

No século XX, alguns avanços ocorreram. Alguns cirurgiões, diante do pequeno

tamanho do cordão espermático, fixaram o testículo em outro local (como na fáscia lata

contralateral) durante 3 a 6 meses, e depois o colocaram no escroto. Prentiss comprovou que o

alongamento do cordão espermático pode ser obtido através da divisão dos vasos epigástricos

inferiores e deslocamento medial dos vasos espermáticos. Schoemaker foi o primeiro a

descrever a fixação testicular na bolsa subdartos. Assim, em 1960, os principais padrões da

orquidopexia foram estabelecidos para testículos de implantação baixa, com taxa de sucesso

de 89% a 92% (Park K et al, 2010).

Para testículos, em região acima do anel inguinal interno ou intra-abdominais, Jorge

e Bagley sugeriram uma incisão medial à espinha ilíaca ântero-superior até a fáscia do

oblíquo externo, proporcionando a abordagem da cavidade peritoneal. Os vasos são

mobilizados retroperitoneamente e os testículos passam diretamente através da parede

abdominal no tubérculo púbico (manobra de Prentiss). Em 1959, Fowler e Stephens

desenvolveram uma forma de preservar o fornecimento de sangue para o testículo através da

circulação colateral, contornando o obstáculo da limitação de mobilidade devido à artéria e à

veia testicular, útil para crianças com ducto deferente longo. Posteriormente essa técnica foi

modificada em duas fases, aumentando a taxa de sucesso. Cortesi descreveu pela primeira

vez a laparoscopia para localizar testículos não palpáveis e, posteriormente, expandiu como

método terapêutico, tendo como vantagens: melhor visualização, capacidade de dissecção

vascular extensa até a origem dos vasos, morbidade mínima e capacidade de criar um anel

interno medial aos vasos epigástricos inferiores e realizar um curso em linha reta até o

escroto. Hoje a laparoscopia pode ser feita com preservação dos vasos espermáticos ou por

meio da orquidopexia de Fowler e Stevens (Park K et al, 2010).

Como último avanço apresentado nos últimos anos, apresenta-se a cirurgia robótica.

Esta pode ser usada em casos mais complicados de criptorquidismo, tais como testículos

intra-abdominais em região alta, em particular para a segunda fase da cirurgia, quando a se

mostra útil em reconstrução de pequenos vasos e ductos (Casale P et al, 2009).

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Mais recentemente, a terapia hormonal com a Gonadotrofina Coriônica Humana tem

sido considerada como tratamento único ou completar à cirurgia, a qual será melhor explicada

no tópico a seguir. Contudo a eficácia desta terapêutica ainda é controversa e necessita de

maiores estudos para que seja comprovada como útil para o manejo da criptorquidia (Mathers

MJ et al, 2009).

Essa história descrita mostra a lógica por trás do tratamento atual.

IV.2.2 Tratamento hormonal

Atualmente, novos estudos sugeriram uma nova modalidade de tratamento: a terapia

hormonal, a qual pode ser utilizada em combinação com a técnica cirúrgica. O hormônio

utilizado é a Gonadotrofina Coriônica Humana (hCG) a qual estimula a secreção do hormônio

luteinizante (LH) que provoca a secreção de testosterona pelo testículo que, por sua vez, inicia

a descida da gônada. Contudo o uso da terapia hormonal ainda é controverso, apresentando

muito efeitos colaterais e taxa de sucesso de apenas 20% e exige um acompanhamento por, no

mínimo, 6 meses, devido a frequência de reascensão ser de 24%. A terapia hormonal

combinada pré-operatória deve ser realizada na criança com 6 meses, para melhorar a

fertilidade subsequente e, se esta não for suficiente, a cirurgia é indicada antes do primeiro

ano. Porém, se a criptorquidia for detectada após um ano, ou houver hérnia inguinal

simultânea, a cirurgia é a primeira escolha de tratamento (Mathers MJ et al, 2009).

Ainda em relação ao tratamento hormonal, não há estudos comparando o método

hormonal com o cirúrgico. Na ausência de provas, em alguns locais, prevalece um ou outro

tratamento. Nos Estados Unidos da América (EUA) a cirurgia é preferida e, em algumas

partes de Europa, o tratamento hormonal é iniciado primeiro e a cirurgia é recomendada em

caso de falha deste. Os estudos controlados randomizados apresentam uma eficácia de 20% e,

com o seguimento, de 15% com o tratamento hormonal, comparado com 95% de sucesso com

a cirurgia (Ritzén EM et al, 2008). Na Itália, onde o tratamento hormonal é utilizado, tanto o

HCG quanto com o hormônio liberador do hormônio luteinizante (LHRH) são administrados.

Um estudo descritivo, retrospectivo, multicêntrico, mostrou que 31% das crianças são tratadas

com hormônio (55% com HCG e 45 com LHRH) como tratamento de primeira linha, com

idade média de 21,6 meses, com taxa de sucesso de 25% (Marchetti F et al, 2012).

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De acordo com o Consenso Nórdico o uso de hormônios é reservado, pois o uso do

HCG é associado com o aumento do risco de dano testicular e consequente redução da

espermatogênese (Dunkel L et al, 1997), aumento da apoptose de células germinativas e com

efeitos sistêmicos como hipertrofia ventricular. Contudo o uso de análogos GNRH ainda é

debatido, sendo que seu uso é defendido pela Sociedade Europeia de Cirurgiões Urologistas

Pediátricos, por aumentar a fertilidade principalmente naqueles com TND bilateral. Alguns

estudos mostram efeitos benéficos estatisticamente significantes no uso da GNRH antes e

depois da orquidopexia, contudo mais estudos são necessários para confirmar essa hipótese

(Marcetti F et al, 2012). Conclui-se que a cirurgia ainda deve ser preferida ao tratamento

hormonal (Ritzén EM et al, 2008).

IV.2.3 Considerações gerais sobre o tratamento cirúrgico

Quando o testículo não descido é suspeito no período neonatal, a criança deve ser

encaminhada ao cirurgião pediátrico ou ao urologista pediátrico, se o testículo não descer até

os 5-6 meses (Thorup J et al, 2008). Este período é considerado, pois a produção endógena de

testosterona pode provocar a descida espontânea da gônada (Gapany C at al, 2008). Contudo,

se ambos os testículos não estiverem presentes, deve ser encaminhado à unidade pediátrica

imediatamente para descartar sexo ambíguo (Thorup J et al, 2008). Outra condição que sugere

distúrbio de diferenciação sexual é testículo não palpável associado com hipospádia, e deve

ser investigado com avaliação hormonal. Há ainda outra condição clínica, na qual os

testículos ascendem tardiamente, denominada criptorquidismo tardio, o qual deve ser tratado

por meio de cirurgia (Gapany C et al, 2008).

A cirurgia deve ser realizada entre 6-12 meses, de preferência antes dos 18 meses e o

seguimento em um período de 12 meses, quando a USG deve ser indicada (Thorup J et al,

2008). De acordo com o consenso nórdico de 2008, as cirurgias deveriam ser realizadas em

centros de cirurgia pediátrica ou de urologia, afinal as taxas de complicação são menores em

mãos mais experientes (Ritzén EM et al, 2008). Recorrência ou atrofia devem ser tratadas

adequadamente. Casos bilaterais devem ser acompanhados até a puberdade precoce. Crianças

com testículo com descida espontânea têm que ser acompanhados de perto. Aos pais devem

informar o risco de infertilidade e de câncer de acordo com a natureza do criptorquidismo

(Thorup J et al, 2008). Como visto nas recomendações para pacientes pediátricos, já estão

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bem estabelecidas, contudo, para adultos ainda não há nenhum consenso, mesmo sabendo-se

que, se não tratado, traz consequências, em longo prazo, para a função testicular e para o

desenvolvimento de câncer (Pettersson A et al, 2007).

A técnica cirúrgica utilizada largamente é a abordagem inguinal ou testicular alta

para testículo palpável ou não palpável. Contudo a laparoscopia tem se tornado o padrão para

o diagnóstico e o tratamento para os não palpáveis. Quanto ao tratamento hormonal sozinho,

ou como adjuvante ou neoadjuvante, ainda não há estudos que permitam uma recomendação

baseada em evidência (Gapany C et al, 2008).

A cirurgia, tanto por via aberta ou laparoscópica, consiste em, após encontrar o

testículo, dissecá-lo, assim como o cordão espermático, para conseguir livre tensão e então é

realizada a transferência para o escroto. Sendo que, em 5% dos casos, é necessário mudar a

técnica durante o procedimento. As taxas de sucesso da cirurgia dependem da quantidade de

testículo dentro do escroto e da não atrofia. E a fertilidade depende da idade da cirurgia, e se o

testículo é palpável ou não palpável, contudo, como a fertilidade só pode ser determinada

após um longo período de acompanhamento e há perda de 25% do seguimento dos pacientes,

a interpretação dos dados é difícil. Uma revisão de literatura de 64 artigos de 1995,

observando a frequência de atrofia e a posição do testículo, a taxa de sucesso da cirurgia, foi

de 74% para abdominal, 82% para os “peeping”, 87% para canalicular, 92% além do anel

inguinal externo. A taxa de sucesso foi de 89% para inguinal, 67% para Fowler-Stevens, 77%

para Fowler-Stevens de dois estágios, 81% para transabdominal, 73% para de dois estágios e

84% para orquidopexia microvascular. Com o tempo, o sucesso da cirurgia aumentou. Sendo

que, na década de 90, a orquidopexia inguinal foi maior que 95%; para os testículos

abdominais, foi de 85-90%, para orquidopexia em um único estágio ou Fowler-Stevens em

dois estágios, aberta ou fechada (Thorup J et al, 2008).

Os determinantes mais importantes para o sucesso da cirurgia são: uma adequada

mobilização do testículo e do cordão espermático e ausência de tensão na colocação do

testículo dentro da bolsa (Ghnnam WM et al, 2011). Quanto às complicações cirúrgicas, são

infrequentes, sendo as mais frequentes: dano do ducto deferente e de vasos testiculares que

pode provocar atrofia do testículo, inchaços peri-operatórios e infecções. O acompanhamento

é realizado em 1, 6 e 12 meses pós-cirurgia. Na puberdade, os pacientes devem procurar

alterações testiculares pela auto palpação. (Gapany C et al, 2008). Se o testículo atrofiar ou

não crescer, dentro do escroto, a conduta é incerta. (Mathers MJ et al, 2009).

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Outra complicação é a recorrência, decorrente do reparo inadequado de hérnia

inguinal ou do processo vaginal patente ou ausência de dissecção retroperitoneal. Nesse caso,

as cicatrizes dificultam a cirurgia, por isso, na cirurgia, realiza-se a mobilização em bloco do

cordão, da cicatriz e uma parte da aponeurose do músculo oblíquo externo, o que demanda

risco para os vasos e testículo (Thorup J et al, 2008).

IV.2.4 Idade da Cirurgia

A determinação da melhor idade para a realização da cirurgia é influenciada pelo

início das transformações histológicas, o risco de câncer, a viabilidade funcional e o

crescimento do testículo criptorquídico. Contudo, alguns pesquisadores discordam quanto ao

período mais adequado para o tratamento e, mesmo onde este já está estabelecido, através de

consensos, a cirurgia ainda ocorre tardiamente. As divergências entre o recomendado e a

prática são ainda mais marcantes em países em desenvolvimento, onde o acesso ao tratamento

médico é dificultado.

A Academia de pediatria, em 1996, recomendou que a cirurgia fosse realizada com

menos de 1 ano, baseada no fato de que o número de células germinativas por túbulo

seminífero começa a diminuir a partir de 1 a 2 anos. Outra pesquisa demonstrou que a

capacidade do testículo recuperar-se após o primeiro ano é diminuída. A partir desses e outros

achados, o consenso nórdico de 2008 recomenda a cirurgia entre 6 e 12 meses, ou o quanto

antes após o diagnóstico. Já para criptorquidismo adquirido, uma recente publicação

recomenda esperar até a puberdade para realizar a cirurgia, pois alguns destes tendem a

regredir espontaneamente, baseado no tamanho do testículo, contudo, sem considerar a

espermatogênese (Ritzén EM et al, 2008).

Gapani considera que mudanças histológicas ocorrem aos 9 meses e que o tamanho

testicular é melhor se a cirurgia ocorrer aos 9 meses comparado com 3 anos. Quanto ao

desenvolvimento de neoplasia, o tratamento antes dos 10 anos diminui o risco de câncer e no

segundo semestre previne mudanças histológicas, contudo, não está comprovado que efeitos

na fertilidade comparada à realizada aos 2 anos. Quanto ao crescimento testicular, a operação

aos nove meses em unilateral criptorquidia é melhor do que com 3 anos (Gapany C et al,

2008).

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Já em outro estudo, realizado na Suécia, que relacionou a idade da cirurgia com o

risco de câncer testicular, através de uma análise de 16.893 pacientes submetidos à

orquidopexia antes dos 20 anos, demonstrou que a taxa de incidência de câncer entre aqueles

que foram operados antes dos 13 anos foi de 2,23, e após os 13 anos foi de 5,4, apresentando

um risco aproximadamente duas vezes maior. Como a taxa de câncer testicular, na Suécia, em

2004, de acordo com o Registro de Câncer da Suécia é de 0,5%, calcula-se que 69 meninos

precisam ser tratados antes dos 13 anos para prevenir um caso de câncer, antes dos 55 anos.

Essa coorte demonstrou, também, que o risco de câncer testicular é determinado ainda no

útero, já que o risco de câncer é aumentado em toda a população estudada (Pettersson A et al,

2007).

Mathers MJ demonstrou que os homens com história de criptorquidismo possuem

uma probabilidade 32 vezes maior que a população geral de desenvolver câncer, sendo que a

odds ratio aumenta de 3.5 para 17,1 em homens com esta patologia. Quando se trata de

testículo intra-abdominal, o risco é cinco vezes maior que o criptorquidismo inguinal, assim

como para casos bilaterais, torna-se também maior. Quanto a correção cirúrgica antes de a

puberdade influenciar no risco de malignidade ainda é controverso. Contudo, uma coorte, com

16983 pacientes demonstrou que o risco de malignidade é duas vezes maior em meninos que

não foram operados até os 13 anos (Mathers MJ et al, 2009).

Em uma pesquisa, realizada nos EUA, cuja amostra compreendeu 28 204 pacientes

submetidos à cirurgia entre 1999 e 2008, demonstrou a média de idade da cirurgia foi de 4,4

anos, sendo que 18% com a idade de 1,12 anos até 2 anos, 43% com 2 anos e 52% com 3

anos. Esses resultados evidenciaram que, apesar das orientações atuais, a cirurgia ainda é

realizada após os 2 anos, não havendo evolução no período estudado. Uma análise de multi

variáveis estabeleceu que a raça e tipo de seguro foram significantes para a idade da cirurgia,

sendo que negros eram menos propensos a se submeterem à cirurgia por volta dos dois anos

que brancos, assim como os conveniados privados têm maiores chances de cirurgia mais

precoce. Outro fator determinante foi o hospital no qual paciente procurou atendimento, pois

este esteve diretamente relacionado com a idade da cirurgia. Essa diferença pode ser

explicada por diferenças nas características ambientais ou da população entre os hospitais ou

por causa da variabilidade entre os hospitais específicos ou por fatores específicos do sistema

de saúde (Kokorowski PJ et al, 2010).

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Em estudo italiano descritivo, retrospectivo multicêntrico, demonstrou que a média

de idade de tratamento, no país, ainda é tardia. O tratamento hormonal é realizado com idade

média de 21,6 meses, o tratamento cirúrgico com a mesma idade, e, quando ocorre a terapia

combinada o atraso é ainda maior, com 24 meses. Demonstrou também que apenas 13% das

crianças foram submetidas à cirurgia antes de 12 meses, sendo que 1/3 após os 2 anos. O

atraso foi imputado às diferenças de conhecimento e atualização dos médicos, assim como às

diferenças organizacionais a nível nacional e regional, pois houve diferenças no manejo da

criptorquidia entre as regiões. Concluindo, mostra-se a necessidade de maior disseminação

das atuais orientações quanto à orquidopexia e que o consenso sobre a criptorquidia seja

amplamente divulgado (Marchetti F et al, 2012).

Quando se trata de países subdesenvolvidos o atraso é ainda maior. Em um estudo

retrospectivo de pacientes com testículo não descidos tratados no Hospital de Ensino

Universitário, em Benin City (Nigéria), entre janeiro de 1997 e dezembro de 2006, com uma

amostra de 81pacientes, 43,7% destes tinham menos que 5 anos e 56,3% uma idade superior

a 5 anos. Essa demora no tratamento representou alterações no volume testicular: para aqueles

com 5 anos ou menos, 90,3% tinham volume normal; 9,7%, volume reduzido; já para os

pacientes com mais de 5 anos, 40,5% tinham volume normal; 37,5% reduzido e 17,5%

atrésico. A causa deve-se, em parte ao diagnóstico retardado, sendo que 69% dos casos foram

descobertos pelos pais na idade de 4,7± 3,9 anos, 21,1% pelo próprio paciente com 13,1±6,4

anos; 7,1% devido a torção com 16,8±3,6 anos; e 2,8% devido à infertilidade com 38,5±12

anos. As causas dos atrasos foram: ignorância, não disponibilidade de um profissional que

pudesse diagnosticar o problema, pois grande número de partos é realizado por parteiras sem

conhecimento da doença; restrição financeira. Como agravante, as pesquisas mostram ainda

que existem pessoas com testículo não descido que não procuram atendimento médico, devido

à discordância entre a prevalência da doença e o número de cirurgias realizadas (David OO et

al, 2008).

A idade em que é feita a cirurgia interferi também no tipo de técnica empregada. O

tratamento oferecido em 84,4% dos casos foi a orquidopexia com fixação testicular subdartos

e em 11,6% orquiectomia, sendo que todos com menos de 5 anos fizeram a orquidopexia,

com apenas 11,3% em multiestágios, sem nenhuma orquiectomia ou testículo atrófico. Já,

para aqueles com mais de 5 anos, a principal cirurgia foi a orquidopexia em multiestágios

devido ao pequeno tamanho do cordão espermático e 10 orquiectomias devido à atresia. E o

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resultado da cirurgia também é influenciada pela idade. Nos 2 anos de seguimento, houve um

rápido crescimento da gônada em pré-púberes e púberes e em adultos o crescimento não foi

significativo (David OO et al, 2008).

O atraso da cirurgia, portanto, é decorrente dos problemas socioeconômicos do

sistema de saúde pública, ausência de informação dos pais, dificuldade de acesso ao sistema

de saúde terciário e diferenças de conhecimento e atualização dos médicos (Denes FT et al,

2008). Para diminuir as taxas de complicações decorrentes do atraso em procurar atendimento

médico, campanhas de esclarecimento sobre saúde, exame genital completo após o

nascimento, e rastreio regular de crianças para testículos não descidos devem ser realizadas

(David OO et al, 2008).

IV.2.5 Tratamento Cirúrgico para testículo não descido palpável

Para testículo não descido palpável, a técnica cirúrgica atualmente usada é a

orquidopexia com criação da bolsa dartos. Após anestesia geral, a cirurgia inicia-se com uma

incisão inguinal na altura do anel inguinal interno, sendo que a aponeurose do músculo

oblíquo externo é incisada lateralmente ao anel inguinal externo na direção de suas fibras,

evitando lesar o nervo ilioinguinal. O testículo é localizado, o cordão espermático liberado e a

gônada é notificada quanto ao tamanho, posição e anormalidade. O testículo e o saco

herniário são dissecados do canal. Os anexos gubernaculares são liberados para permitir a

identificação do testículo dentro das fibras cremastéricas, o processo vaginal patente e as

estruturas do cordão. As fibras cremastéricas e o saco herniário são cuidadosamente separadas

das estruturas do cordão espermático e o saco é mobilizado por tração dentro do canal e

ligado com sutura. Quando necessário, secção retroperitoneal através do anel inguinal interno

fornece comprimento adicional de vasos para que o testículo alcance o escroto (Thorup J et al,

2008).

Posteriormente, um túnel é formado do canal inguinal ao escroto com um dedo ou

com uma pinça. A bolsa subdartos é criada pela colocação, através do túnel, de um dedo o

qual estica a pele no interior do escroto. Uma incisão de 1-2 cm é feita na pele sobre o dedo e

uma pinça hemostática é inserida e empurrada superiormente e inferiormente para criar a

bolsa. Uma pinça é colocada sobre a mão do cirurgião e é guiada dentro da bolsa até o canal

inguinal, pela retirada do dedo. A pinça é então usada para segurar o testículo através de um

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tecido adventício e levado até a bolsa. Nesse momento, a preensão do testículo e do ducto

deferente deve ser evitada. Quando o testículo já estiver na bolsa, uma sutura pode ser feita

para estreitar o colo da bolsa lateralmente para evitar retração, pode ser realizada também na

borda do corte da túnica albugínea. Contudo, a sutura na túnica albugínea não é recomendada

por poder provocar inflamação testicular e dano vascular intratesticular, especialmente na

borda inferior do testículo. Porém, alguns autores recomendam a sutura a fim de evitar torção.

A pele do escroto é então fechada, a aponeurose do músculo oblíquo é reaproximada com

sutura absorvível, e a pele e o subcutâneo com pontos (Thorup J et al, 2008).

Outra técnica disponível é a de Bianchi. Nesta, é realizada apenas uma incisão

escrotal alta, para meninos com o testículo distal ao anel inguinal externo. A bolsa dartos é

criada através dessa incisão antes da mobilização do testículo. Em seguida, o assistente apalpa

e segura o testículo retido, para que o cirurgião realize a dissecção romba e aguda dos tecidos

até se aproximar do testículo. A pele flácida e a curta distância do anel inguinal externo até o

escroto permitem a fácil mobilização. Os anexos gubernaculares são liberados, para

visualização do testículo dentro das fibras cremastéricas, do processo vaginal patente e das

estruturas do cordão. Assim como na técnica anterior, o nervo ilioinguinal deve ser

identificado e protegido antes de continuar a cirurgia. As fibras cremastéricas e o saco

herniário são separados do cordão e o saco é dividido entre pinças hemostáticas. O saco

cranial é mobilizado sob tração para o canal e ligado com sutura. Se maior comprimento do

cordão é necessário, a dissecção é feita abrindo o anel inguinal externo e o canal, quando

necessário. Posteriormente, o testículo é levado até o escroto e a cirurgia é finalizada assim

como na técnica explicitada anteriormente (Thorup J et al, 2008).

Um estudo prospectivo controlado randomizado comparou a técnica tradicional e a

técnica de Bianchi. Os resultados dessa pesquisa demonstraram que a taxa de sucesso da

operação e a taxa de satisfação estética dos pais foram equivalentes, contudo os tempos de

hospitalização e da própria cirurgia foram estatisticamente maiores na técnica tradicional. Em

11 testículos, foi necessária a reversão para a técnica tradicional por causa de insuficiente

comprimento vascular ou processo vaginal, ou por alta localização em dois casos, sendo a

principal razão foi o insuficiente tamanho do cordão espermático. Os casos de falha do

método tradicional por causa do pequeno tamanho dos testículos ou por estes estarem

escondidos. Quanto às complicações pós-operatórias, observou-se hematoma escrotal no

grupo que realizou cirurgia com uma única incisão e deiscência ocorreu um caso em cada

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grupo e não houve relato de falha da ligação do processo vaginal. O estudo demonstrou

também que orquidopexia com uma única incisão é um método útil em termos de

simplicidade sem significar dificuldades cirúrgicas, sendo indicado o método tradicional,

quando a gônada está localizada dentro do canal inguinal ou acima. Contudo este estudo

contou com um número pequeno de pacientes e não houve análise do volume do testículo

(Woong Na S et al, 2011).

Outro artigo, por meio de uma revisão retrospectiva dos procedimentos realizados

pelo próprio autor, demonstrou necessidade de conversão em três casos (numa amostra de 55)

para orquidopexia inguinal (OI), por imobilização inadequada do testículo. Quanto ao tempo

cirúrgico, a abordagem escrotal é efetuada em tempo mais curto (média de 29,5 min) que a OI

(42,7 min). (Sutton PA et al, 2011).

A ligadura ou não do saco herniário é outro fator de discussão na cirurgia do testículo

não descido palpável. Tradicionalmente, durante a orquidopexia, é realizada a ligadura do

saco herniário para prevenir o desenvolvimento de hérnia pós-operatória. Contudo, novos

estudos demonstraram que a ligação do saco herniário não é necessária durante a

orquidopexia, pois dentro de 24 horas, ocorre metamorfose de células mesodérmicas in situ,

fechando o peritônio. (Handa R et al, 2005)

Buscando esclarecer este assunto, Jain KJ et al, pesquisou os efeitos da não ligadura,

tendo em vista, que estudos anteriores demonstraram que, em casos de hérnia inguinal, a não

ligação do saco herniário não tem efeitos adversos ou complicações. 450 crianças foram

submetidas à cirurgia, onde o saco foi aberto diretamente mantendo os testículos para baixo e

as estruturas do cordão espermático dissecados até o anel interno, o saco não foi ligado e

empurrado profundamente para o anel interno (figura 3). Após a cirurgia, os pacientes foram

acompanhados entre 9 a 24 meses, e nenhuma hérnia foi encontrada no seguimento. Os

resultados comprovaram que a não ligação do saco herniário, além de não proporcionar

nenhum efeito adverso, contribui para a diminuição das complicações anestésicas, reduz o

estresse indevido de drogas e da cirurgia, evita a exploração tediosa em espaços estreitos entre

pinças hemostáticas, aumentando o tempo cirúrgico e podendo provocar trauma acidental às

estruturas vizinhas, cordão espermático e vasos. Conclui-se que a ligadura do saco herniário

não é necessária (Jain KJ et al, 2011).

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Figura III: Orquidopexia sem ligação do saco herniário: seta aponta saco herniário aberto e

sendo empurrado para o anel inguinal interno (Jain KJ, 2011).

Outro estudo com período de seguimento mais amplo, entre 1,5 a 3 anos, também

obteve os mesmos resultados. Nenhuma crianças apresentou hérnia inguinal, concluindo-se

que a ligadura do saco herniário não é necessária na orquidopexia inguinal. Portanto, as

conclusões foram as mesmas: a não ligadura proporciona economia de tempo; diminui o risco

de trauma do saco herniário, cuja estrutura é bastante delicada; evita o risco de ligadura

acidental do cordão espermático. (Kumari V et al, 2009)

Outra discussão diz respeito à fixação escrotal. O método tradicional envolve a

transfixação da parede do testículo em dois diferentes pontos e fixação da túnica dartos. Uma

segunda técnica consiste da eversão da túnica parietal vaginal e a verdadeira bolsa dartos é

criada por meio da criação de uma janela através de fáscia dartos, passagem do testículo e

fechamento da janela de ambos os lados do testículo (figura 4). Em um estudo, onde as duas

técnicas foi comparadas, nos resultados, não houve complicações maiores, tais como atrofia,

ascensão, perda e hérnia. Foram documentados apenas infecção da ferida e hematoma. A

técnica cirúrgica desenvolvida demonstrou ser útil para evitar a ascensão do testículo na

medida em que evita a abertura da túnica dartos e promove a formação de aderências entre o

revestimento do cordão espermático e o tecido subcutâneo. Outra vantagem é a diminuição da

necessidade de fixação com sutura ou estreitamento da janela do cordão. Contudo novos

estudos e de longo prazo são necessários para estabelecer esse método (Ghnman WM et al,

2011).

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Figura IV: Fixação extradartos e subdartos: diagrama mostrando a diferença no curso do

cordão espermático entre os dois tipos de fixação escrotal respectivamente (Ghnman WM,

2011).

Uma última recomendação, em relação à cirurgia de testículo palpável, diz respeito à

presença de processo vaginal patente em cerca de 57 a 76% dos casos de criptorquidia (Handa

R et al, 2005). O processo vaginal é um divertículo do peritônio que atravessa o canal inguinal

em desenvolvimento até o escroto, permitindo uma ligação entre a cavidade peritoneal e o

escroto (Moore). Na presença do processo vaginal patente, a incisão escrotal única,

geralmente não é realizada, pois acredita-se que, nesses casos, deva ser realizada a abordagem

inguinal, pois a ligação alta do processo vaginal patente desta forma é mais segura (Sutton PA

et al, 2011).

IV.2.6 Tratamento Cirúrgico para testículo não descido não palpável

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Para testículo não descido não palpável a abordagem cirúrgica pode ser

realizada tanto por via aberta quanto por via laparoscópica. Porém esse último método

tem sido usado mais corriqueiramente, pois apresenta menor taxa de complicações,

melhor resultado estético, é minimamente invasiva e, principalmente, por permitir o

diagnóstico e o tratamento simultâneos. Contudo o tipo de técnica cirúrgica depende da

presença ou ausência do testículo, do seu posicionamento cavidade abdominal e do

comprimento disponível dos vasos testiculares (figura 5) (Sangrasi AK et al, 2010).

Figura V: Algorítimo para abordagem de paciente com testículo não palpável (Baillie CT,

1998).

A orquidopexia aberta padronizada é recomendada para pacientes com patologia

unilateral, através de uma incisão inguinal com extensão lateral se necessária. Contudo, se a

gônada não é encontrada, o canal inguinal é aberto. Na cirurgia, os vasos devem ser

preservados. Mas se estes forem muito pequenos, a orquidopexia deve ser realizada em dois

estágios: no primeiro, o testículo é fixado o mais baixo possível (tubérculo púbico ou

ligamento inguinal) e, 6 a 12 meses depois, faz-se o segundo estágio com o testículo fixado no

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escroto. Permite-se assim a preservação da artéria, contudo, o trato reprodutor e o suprimento

sanguíneo podem ser danificados. O procedimento de Fowler-Stephens também pode ser

realizado. A desvantagem da cirurgia aberta é que não permite uma visão ampla, contudo

alguns pesquisadores a recomendam somente em casos de estrutura inguinal ausente (Gapany

C et al, 2008).

Para pacientes com testículo intra-abdominal com artérias e veias muito pequenas

que não permitem a fixação no escroto na cirurgia padrão, ou para pacientes em que o

testículo está a mais que 3 cm do anel inguinal interno, o procedimento de Fowler-Stevens em

uma fase é indicado. Esta técnica busca isolar e ligar os vasos espermáticos pelo menos 3-4

cm distante do testículo. Após a ligação dos vasos, a gônada é fixada no escroto sem tensão.

O suprimento sanguíneo, nesses casos, se daria através de colaterais, derivado dos vasos

deferentes. Sua principal desvantagem é que a artéria deferente pode ser muito pequena e se

ocorrer vaso espasmo, pode ocorrer atrofia testicular (Gapany C et al, 2008).

Para diminuir o risco de vasoespasmo, o procedimento de Fowler-Stephens pode ser

realizado em duas etapas. Na primeira fase, os vasos são grampeados e, na segunda, realizada

3-6 meses após (intervalo necessário para melhorar a circulação colateral derivada dos vasos

deferentes), os vasos espermáticos são ligados e o testículo levado até o escroto. Tanto a

técnica de Fowler-Stephens em uma fase quanto em duas fases pode ser realizadas por via

aberta ou laparoscópica (Gapany C et al, 2008).

Na orquidopexia assistida laparoscopicamente, primeiramente o paciente é

submetido à anestesia geral, colocado em decúbito dorsal e em Trendelenburg, A bexiga é

esvaziada com a sonda, uma incisão transversa é realizada a 1cm acima ou abaixo da cicatriz

umbilical e então é injetado CO2 intra-abdominal via uma agulha de Veress e a pressão é

mantida a 10-12 mmHg. Um trocarte de 5mm é usado para o diagnóstico e mais dois são

colocados simetricamente sobre o abdome inferior (figura 6). A pinça a tesoura são usados

para liberar o cordão espermático, permitindo a preservação dos vasos espermáticos e

tornando o cordão disponível para, posteriormente, o testículo ser fixado no escroto. Uma

incisão transversa é realizada no escroto para produzir a bolsa subdartos. O peritônio é assim

perfurado lateralmente ao ligamento umbilical e medial ao vaso epigástrico inferior (Sangrasi

AK, 2010). Esta manobra também é usada em caso de cordão pequeno e anel inguinal aberto

para proporcionar um pequeno caminho para internalização do testículo (manobra de Prentiss)

(Gapany C et al, 2008).

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Figura IV: Representação da posição dos trocarteres, para orquidopexia, via laparoscópica,

para criptorquidismo à esquerda. Em incisão supra umbilical, trocarter para câmera, nas duas

outras incisões abdominais laterais, trocarteres para pinças e uma última incisão escrotal para

pinça que guiará o testículo até o escroto (Denes FT, 2008).

Para a cirurgia assistida por via laparoscópica, o procedimento cirúrgico é

determinado também pela localização e comprimento dos vasos e posição do testículo. Por

exemplo, se os vasos são vistos entrando no anel inguinal interno, realiza-se uma incisão

inguinal para localizar o testículo ou seu remanescente. Caso o testículo seja viável, é

realizada a orquidopexia. Neste caso, o anel inguinal interno geralmente é aberto (Thorup J et

al, 2008).

Porém, se os vasos terminam em um fundo cego, (testículo desaparecido), a ponta

dos vasos é enviado para o patologista. Se remanescentes testiculares ou hemossiderina

estiverem presentes, é indicativo de reabsorção do testículo. Nestes casos, a presença de

células germinativas é de 0-7%, tornando o desenvolvimento de câncer improvável, visto que

destas células se origina (Thorup J et al, 2008)..

Em outra situação, os vasos não são vistos saindo no anel interno e a laparoscopia

revela um testículo intra-abdominal. Neste caso, metade dos testículos estará próximo ao anel

inguinal interno, algumas vezes “espiando” (intra-abdominal baixo metade próximo aos vasos

ilíacos ou mais alto, não relacionado ao anel inguinal interno (Thorup J et al, 2008)..

Outra opção de cirurgia é a abordagem retro peritoneal para facilitar a dissecação e a

mobilização dos testículos, conseguir um comprimento de vasos adequados para realizar a

orquidopexia sem ligadura. Se comprimento adequado não for conseguido, o testículo pode

ser levado o mais baixo possível e, em um segundo estágio (um ano depois), fixar o testículo

no escroto. Este se tornou um padrão largamente utilizado (Thorup J et al, 2008).

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Uma recente técnica desenvolvida é a orquidopexia microvascular, indicada quando

os vasos testiculares são muito pequenos para laparoscopia. Os vasos do testículo são

divididos e são anastomosados microscopicamente com os vasos epigástricos. Porém essa

técnica não é muito utilizada devido ao longo período da cirurgia, a necessidade de

habilidades e instrumentação especiais (Gapany C et al, 2008).

Quando os achados da laparoscopia são hipotrofia ou atrofia testicular, a

orquiectomia laparoscópica é indicada. Nesse procedimento, os vasos são ligados e o testículo

é retirado por uma das incisões (Gapany C et al, 2008)..

Em caso de testículo intra-abdominal bilateral, deve-se, após excluir a ausência de

testículo através do cariótipo e dosagem hormonal, faz-se a laparoscopia. Se só um testículo

for encontrado trata-se como unilateral. Se for bilateral e localizado na cavidade abdominal,

faz unilateral orquidopexia em uma cirurgia e seis a 12 meses depois a contralateral, assim

como a observação da cirurgia prévia (Gapany C et al, 2008).

O resultado final da cirurgia, independentemente da técnica, depende da posição do

testículo, sendo que a posição mais alta do testículo significa maior taxa se insucesso, e do

tamanho da gônada. As principais complicações são atrofia e hipotrofia devido à déficit na

vascularização, decorrentes de: esqueletização dos vasos, edema pós-operatório, inflamação e

tensão indevida. A taxa de sucesso da orquidopexia aberta é de 81,3%; o procedimento de

Fowler Stevens em uma fase, 67% a 100%, a depender se o procedimento foi planejado ou

como um procedimento salvador de uma extensa dissecção feita; o procedimento de Fowler-

Stevens em duas fases, 77% a 95%; orquiodopexia assistida laparoscopicamente, 97%; a

orquidopexia micro-vascular, 83% a 96 %. Os resultados mostram, portanto que não há a

melhor técnica, não há uma considerada ótima, mas a orquidopexia assistida

laparoscopicamente parece ser a melhor, por poupar os vasos espermáticos, reduzir o dano às

células germinativas por não afetar a vascularização (Gapany C et al, 2008).

Uma nova técnica cirúrgica trata-se da cirurgia assistida roboticamente (RAS) que já

é de grande popularidade em cirurgias em adultos e têm demonstrado vantagens com a

simplificação e precisão na exposição e sutura porque permite movimentos do braço robótico

em tempo real com aumento do grau de liberdade e ampliada visão tridimensional. Portanto, a

RAS possivelmente supera muitos impedimentos da cirurgia laparoscópica tradicional e

diminui a curva de aprendizagem e permite uma ampliação para expandir a cirurgia

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minimamente invasiva para procedimentos mais complexos em cirurgia urológica pediátrica.

Para a orquidopexia, a cirurgia robótica pode ser usada em casos difíceis tais como testículos

intra-abdominais em região alta, em particular para a segunda fase da cirurgia. Já foi

reportado o uso da RAS na orquidopoxia, durante a excisão do ducto Mülleriano

remanescente com sistema robótico, contudo a robótica não é útil reconstrução de vasos

(Casale P et al, 2009).

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V CONCLUSÃO

A criptorquidia, ou testículo não descido, é a mais comum desordem clínica na

infância, ao nascimento. A etiologia dessa condição está na falha da migração, durante o

período fetal, da cavidade abdominal em direção ao escroto, porém o porquê dessa falha ainda

não está esclarecido.

A localização do testículo em local não apropriado, cuja temperatura é superior à

escrotal, provoca, após o nono mês de vida, uma série de alterações funcionais e histológicas

na gônada (comprometendo principalmente das células germinativas), as quais podem afetar o

crescimento da gônada, a produção de espermatozoides e de hormônios. Essas alterações

provocam prejuízo da fertilidade, mesmo na presença de testículo contralateral normal, visto

que uma gônada não é capaz de compensar a outra. O tratamento cirúrgico é capaz de

diminuir o risco de infertilidade se realizado precocemente.

Além de afetar a fertilidade, o criptorquidismo provoca aumento do risco de câncer

de células germinativas. O papel da cirurgia, para evitar este problema, ainda é controverso.

Alguns autores acreditam que a probabilidade de degeneração maligna seja definida ainda no

útero, enquanto estudos mais recentes afirmam que a cirurgia antes dos 10 anos tenha efeito

benéfico. Porém este quesito ainda necessita de maiores esclarecimentos.

Na tentativa de corrigir a criptorquidia e evitar as suas consequências, desde o século

XVIII, pesquisas são feitas como forma de tratar testículo não descido. Inicialmente, o

tratamento era realizado através de castração, só posteriormente, a orquidopexia foi

desenvolvida. Com o tempo, somente avanços ocorreram no sentido de aprimorar a técnica e

melhorar os resultados. Os principais progressos foram: reconhecimento da importância da

mobilização livre de tensão do testículo, alongamento do cordão espermático através da

realização da cirurgia em dois tempos, preservação do suprimento sanguíneo do testículo

através da circulação colateral, utilização da laparoscopia durante a cirurgia tanto para o

diagnóstico quanto para o tratamento, uso da cirurgia robótica em casos mais complicados.

Outra terapêutica que não cirúrgica é a hormonal. Em alguns países a gonadotrofina

coriônica ou o hormônio liberador do hormônio luteinizante são utilizados no sentido de

estimular a produção de testosterona e esta provocar a descida do testículo. Estes hormônios

são usados sozinhos, anterior ou em concomitância com a cirurgia, contudo essa terapia ainda

necessita ser melhor estudada, pois a taxa de sucesso é pequena comparada à cirurgia, a taxa

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de reascensão é alta e, além disso, o seu uso está relacionado a um atraso na realização da

cirurgia o que aumenta os danos ao testículo. Sendo assim, a terapêutica largamente

recomendada é a cirúrgica.

Porém, a melhor época para a realização da cirurgia ainda é motivo de várias

pesquisas, pois ainda não está claro o início dos danos ao testículo e este determina quando

realizar o tratamento. Contudo, já está estabelecido que é importante aguardar, ao menos, até

os seis meses, pois vários pacientes apresentam resolução espontânea, devido à secreção

endógena de testosterona. Sendo assim, a maioria dos artigos, inclusive os consensos,

determinam como melhor época o período de 6 a 12 meses. Apesar disso, em vários países a

idade média da cirurgia ocorre tardiamente, pois ainda há diferenças de conhecimento e

atualização dos médicos, assim como às diferenças organizacionais a nível nacional e

regional. Em países, onde o acesso à saúde não é igualitário, os problemas sociais são a

principal causa do atraso, pois muitas pessoas não conseguem sequer o diagnóstico por

ausência de assistência médica adequada.

Portanto, a cirurgia deve ser realizada, em centros de cirurgia pediátrica ou urologia,

entre 6 a 12 meses, e posteriormente o seguimento deve ser feito por um ano com a

ultrassonografia periódica em casos unilaterais e até a puberdade nos bilaterais.

O procedimento cirúrgico consiste em, após encontrar o testículo, dissecá-lo assim

como o cordão espermático para obter comprimento adequado e, posteriormente, transferir o

testículo para o escroto. O sucesso da cirurgia depende da idade com que é feita e da sua

localização no abdome, sendo que quanto mais precoce e mais baixo, melhor o prognóstico.

Outros fatores importantes são mobilização adequada da gônada, e ausência de tensão na sua

colocação dentro do escroto. Quanto às complicações, as mais frequentes são dano ao ducto

deferente e aos vasos testiculares e consequente atrofia testicular, hematomas, infecção e

recorrência.

Variações da técnica cirúrgica ocorrem a depender de o testículo ser ou não palpável.

Para testículo palpável, a cirurgia pode ser feita através de uma incisão inguinal por meio da

qual o testículo é mobilizado e os seus vasos e ductos são dissecados a fim de obter

comprimento adequado e outra incisão é feita no escroto por onde o testículo é fixado. Outra

alternativa, quando o testículo está localizado distal ao anel inguinal externo e o processo

vaginal patente está ausente, é realizar apenas uma incisão escrotal alta e a, partir desta,

promover todas as etapas descritas acima. Esta última técnica demonstrou ser melhor

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comparada a primeira, por poder ser efetuada em menor tempo, apresentar melhor resultado

estético, necessitar de menor período de hospitalização.

Ainda em relação ao testículo palpável, a não ligação do saco herniário demonstrou

ser desnecessária, pois este se fecha sozinho e não representa nenhum efeito adverso ou maior

risco de hérnia. Quanto à fixação escrotal, quando a bolsa dartos é criada por meio de uma

janela através da fáscia dartos mostrou-se ser efetiva para evitar ascensão, além de diminuir a

necessidade de fixação através de sutura.

Para testículo não palpável, a cirurgia laparoscópica é a principal recomendada, por

apresentar menor taxa de complicações, melhor resultado estético, ser minimamente invasiva

e permitir o diagnóstico e tratamento simultâneos. Contudo, a abordagem intra-abdominal

depende principalmente da posição do testículo no abdome (em relação ao canal inguinal), se

o comprimento dos vasos é adequado, se o testículo está presente ou não.

O grande desafio para o testículo não palpável está em sua distância do escroto e na

vascularização que não permite a sua transferência para o escroto sem significar prejuízo da

gônada. Para contornar essa dificuldade, o procedimento de Fowler-Stevens permite, através

da ligação dos vasos espermáticos e suprimento sanguíneo por meio de colaterais, a

transferência da gônada. Essa técnica pode ser realizada também em duas fases, o que diminui

o risco de vasoespasmo. Outra opção seria através da abordagem retroperitoneal, a qual

facilita a dissecção e mobilização dos testículos e dos vasos, permitindo a orquidopexia sem

ligação dos vasos. A orquidopexia microvascular é outra alternativa, mas ainda pouco

utilizada, na qual é feita anastomose microscópica dos vasos testiculares com os epigástricos.

Apesar da existência de várias possibilidades cirúrgicas para testículo não palpável, o

principal determinante do resultado não é técnica, mas a posição do testículo, sendo que

quanto mais alto menor a taxa do sucesso, e do tamanho da gônada. As principais

complicações são atrofia e hipotrofia devido à déficit na vascularização, decorrentes de:

esqueletização dos vasos, edema pós-operatório, inflamação e tensão indevida.

A última inovação cirúrgica trata-se da cirurgia assistida roboticamente, porém ainda

pouco utilizada em paciente pediátricos e, por enquanto, se mostrou útil em uma pequena

etapa da cirurgia.

Concluindo, a criptorquidia é uma desordem clínica a qual provoca uma série

alterações a longo prazo e que, por isso, necessita ser tratada o quanto antes, de preferência,

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entre os seis e doze meses. As técnicas cirúrgicas variam de acordo com a posição do testículo

e o seu sucesso depende principalmente da época em que é realizada. Diante disso, uma maior

conscientização dos médicos, dos responsáveis pelos pacientes e um acesso adequado à saúde

em especial no período neonatal se fazem necessários, na medida em que essas mudanças

podem determinar o tratamento apropriado e em período acertado.

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