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FAUUSP AUP 270 Planejamento nacional 2008 1º semestre TRANSPORTE E NÃO-INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO Mariane Victor Frade Teles Índice 1. Introdução 2. Rede de transportes nacional 2.1. Histórico 2.2. PNOT 2.2.1. Diagnóstico 2.2.2. Comentários sobre os estudo para um PNOT 3. Conclusões e considerações finais 4. Anexos 5. Bibliografia

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FAUUSP AUP 270 Planejamento nacional 2008 1º semestre

TRANSPORTE E NÃO-INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO Mariane Victor Frade Teles

Índice

1. Introdução

2. Rede de transportes nacional

2.1. Histórico

2.2. PNOT

2.2.1. Diagnóstico

2.2.2. Comentários sobre os estudo para um PNOT

3. Conclusões e considerações finais

4. Anexos

5. Bibliografia

Frade Transporte e não-integração do território 2

1. Introdução

Esta monografia tem por objetivo compor uma análise crítica de como se desenvolve o processo de reprodução do espaço nacional brasileiro e a conseqüente fragmentação (ou não-integração) do território nesse processo. Pretende-se evidenciar a dita não-integração através da rede nacional de transportes que, entende-se, corresponde a uma abordagem visual clara da configuração do espaço. Como base de apoio ao entendimento do espaço, além de uma bibliografia diversa, serão usados os estudos e diagnósticos de “Subsídios para uma Política de Ordenamento Territorial” (PNOT, 2006)1

Pretende-se nessa introdução apresentar a questão da acumulação entravada no Brasil e suas implicações para a rede de infra-estrutura nacional. O capítulo seguinte versa sobre o transporte nacional apresentando um breve histórico e descrição e análise de alguns pontos dos estudos para uma PNOT. Nas considerações finais procura-se concluir como o desenvolvimento das redes de transporte está intimamente ligado a não-integração do território e como uma PNOT poderia contribuir para uma melhoria nessa situação.

Conforme analisado por Deák2, no Brasil desenvolve-se um processo de acumulação entravada, no qual o excedente da produção é em parte acumulado e em parte expatriado. Tal processo, desenvolvido sob diversas formas ao longo da história, tem por objetivo principal a manutenção da sociedade de elite - oposta a sociedade burguesa própria do capitalismo - existente no país desde época colonial.

A manutenção dessa sociedade de elite é feita através de entraves que impedem a acumulação desimpedida e, conseqüentemente a formação de uma sociedade burguesa atuante. Isso se traduz na expatriação de parte do excedente e na aparentemente paradoxal acumulação entravada, cujo objetivo é justamente aumentar o excedente expatriável.

Desde os tempos coloniais, quando a expatriação ocorria de maneira compulsória, esse paradoxo já era presente, e se manteve após a Independência, através da dívida externa com a Inglaterra (“herdada” de Portugal). Os juros da dívida se constituíram no instrumento maior de dependência do Brasil e a economia do país voltou-se para os interesses externos.

O processo de acumulação capitalista precisa da circulação de bens e capital para sua reprodução. Os setores básicos de infra-estrutura, em especial o transporte, são essenciais nesse processo: permitem aumento de

1 Ministério da Integração Nacional (2006). Documento base para a definição da Política Nacional de Ordenamento Territorial - PNOT (Versão preliminar) Brasília, 2006 2 DEÁK, Csaba. Acumulação entravada no Brasil/ E a crise dos anos 80. Espaço & Debates 32:32-46. 1991

Frade Transporte e não-integração do território 3

produção, distribuição de bens e mão de obra, diminuição nos custos de produção e, conseqüentemente, incremento da concorrência e maior acumulação.

Os obstáculos estabelecidos à criação de uma infra-estrutura que abrangesse o território nacional em sua totalidade, criando assim integração e unidade nacional, são instrumentos da manutenção do status quo. Os investimentos estatais em infra-estrutura, ao longo da história brasileira, constituíram apenas instrumentos para o já citado aumento da expatriação na medida em que incrementaram a relação da produção interna com o mercado externo.

A partir da década de 1990, com o Programa de Desestatização diversas empresas do setor de infra-estrutura foram privatizadas (anexos 4.1 e 4.2). Assim, o Estado abriu mão definitivamente de sua soberania, já questionável, sobre a configuração territorial brasileira; o mercado – externo - passou a determinar onde os investimentos atenderiam melhor aos seus interesses.

Assim, acentuou-se o processo de não-integração tão característico do espaço nacional. Os pólos de produção recebem sempre maiores investimentos, nos diversos setores da economia, e são saturados em detrimento das periferias. Constituem-se regiões 3, com desigualdades internas e entre si, voltadas sempre a políticas pontuais que acentuam as diferenciações e não atendem a idéia de Nação enquanto unidade.

A não-integração do território é tão evidente que se manifesta em diversos aspectos: indicadores econômicos e sociais, densidade demográfica, investimentos públicos e privados, atividades econômicas e redes de infra-estrutura. É sobre esse último ponto que focaremos nossa análise, especialmente na rede de transportes, já que a infra-estrutura gera e é gerada, enquanto instrumento, pela produção e pela acumulação.

2. A rede de transportes nacional

2.1. Histórico

Este capítulo tem por objetivo estabelecer um entendimento do processo histórico do desenvolvimento dos transportes no Brasil e suas implicações espaciais. Apesar da abordagem pouco aprofundada, entende-se que esse cenário é importante para a compreensão da atual configuração do território.

3 Mori discute o uso do termo “região” nas políticas territoriais como agravador de diferenças. Para a autora a região deve ser entendida “como uma formação singular, portanto, como uma síntese concreta em um momento dado, do processo de formação do espaço, cujo estudo permite uma aproximação a suas determinações no âmbito da política nacional”. (MORI, 1997, pág. 152). Assim, procuraremos usar o termo região tendo essa visão de espaço dinâmico.

Frade Transporte e não-integração do território 4

Dentro do contexto da acumulação entravada que se dá no Brasil, a infra-estrutura foi, ao longo dos anos, estabelecida de acordo com os interesses do mercado externo.

A rede de transportes, em especial, teve seu desenvolvimento diretamente influenciado pela lógica da exportação, e foi sempre pensada como forma do escoamento da produção. A rede ferroviária, primeira forma de transporte em grande escala, chegou ao país de forma para escoar os produtos nacionais para os portos. Foi o trem o grande indutor da urbanização, sempre apoiada no capital estrangeiro, no caso das ferrovias, o inglês.

A expansão da rede ferroviária foi rápida acompanhando a prosperidade da economia cafeeira. Porém, essa malha atendia apenas às áreas exportadoras. Junto à ferrovia e à economia cafeeira, complementando-se mutuamente, veio a imigração européia como forma de obter mão-de-obra assalariada abundante.

“Conjugando os fatores de mão-de-obra barata, mercado certo (o café) e a ausência de concorrentes a ferrovia desenvolveu-se, tanto em quilômetros de linhas implantadas como em transporte de carga e passageiros, propiciando lucros e acumulação de capital.”4

A acumulação obtida com o café possibilitou o início da industrialização, o que trouxe também o crescimento das cidades. São Paulo passa a se destacar como “centro econômico” e lugar de prosperidade.

O aumento das distâncias entre local de trabalho e moradia trouxe a necessidade do transporte coletivo intra-urbano. Os bondes passaram a ser adotados para os centros urbanos enquanto os trens atendiam aos subúrbios em formação.

Todas essas rápidas mudanças causaram uma grande transformação espacial e o início das desigualdades intra-urbanas. Além disso, com a industrialização e o crescimento econômico, o investimento cíclico nas cidades “prósperas” se acentuou, fazendo do vetor Sudeste muito mais desenvolvido que o restante do país.

Porém, com a invenção do automóvel, o capitalismo, sempre precisando expandir, encontrou um caminho de expansão de grande longevidade. No Brasil, seguindo o modelo norte-americano, isso implicou em transformações importantes no território.

Silva (200) levanta a hipótese de que o estabelecimento do rodoviarismo, tanto nos EUA quanto no Brasil, seja “decorrente da vitória dos interesses das corporações vinculadas ao aço, borracha, cimento e petróleo.”5

4 Silva, Amélia Maria da Costa. Conflitos e rupturas em torno do transporte urbano: a geohistória dos trilhos como indutor da urbanização no Brasil no séc. XX. In: Companhia Brasileira de Trens Urbano - CBTU. A cidade nos trilhos transporte metroferroviário - monografias premiadas Companhia Brasileira de Trens Urbanos. Rio de Janeiro : CBTU, 2005 (pág.158)

5 Silva, 2005. Pág. 168

Frade Transporte e não-integração do território 5

O fato é que o governo brasileiro apoiou a vinda de montadoras e construiu rodovias, iniciando a opção pelo rodoviarismo que passaria a ser a vertente essencial do transporte brasileiro.

A transferência das ferrovias (antes administradas por empresas estrangeiras) ao poder estatal, que investia agora em rodovias, fez com que os trens ficassem obsoletos e cada vez menos utilizados. Os trens lentos e “limitados” passaram a se contrapor a velocidade e “liberdade” do automóvel.

O automóvel, assim como os trens, foi indutor de urbanização, tornando as distâncias paradoxalmente menores e maiores simultaneamente. As cidades cresceram horizontalmente de maneira desordenada conforme a terra urbana ia ficando cada vez mais cara. O transporte coletivo passa também a ser motorizado.

Nos anos de 1950, especialmente no governo de Juscelino Kubitschek, houve uma impulsão na indústria automobilística. A construção de Brasília possibilitou a interiorização do rodoviarismo com a criação de rodovias ligando algumas das capitais estaduais a nova capital federal.

Assim, através de um grande incentivo do governo e do lobby das indústrias automobilísticas desenvolveu-se no Brasil um sistema de transportes voltado em suas diversas escalas (nacional, regional e local) ao automóvel.

2.2. PNOT

Este capítulo tem por objetivo analisar a atual situação espacial dos transportes no Brasil por meio dos dados obtidos nos estudos para uma Política Nacional de Ordenação Territorial, elaborado por professores e pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) para Ministério da Integração Nacional.

O texto tem caráter prioritariamente diagnóstico, porém levanta algumas questões que serão analisadas nas Conclusões de maneira crítica, sempre tendo em mente que foi elaborado para o desenvolvimento de uma política a ser adotada pelo governo federal.

2.2.1. Diagnóstico

A PNOT faz um diagnóstico sobre a não-integração do território nacional sobre diversos aspectos, caracterizando-a como “desigualdades regionais”. Serão descritos alguns pontos considerados importantes para uma compreensão geral da configuração física dos transportes no Brasil.

O texto diagnostica a preponderância do modal rodoviário com relação aos outros. Ainda aponta a maior densidade e qualidade desse modal na região Sudeste. No Nordeste, as rodovias são melhores no litoral, e no Centro-Oeste concentram-se em torno das capitais. Na Amazônia aponta a Transamazônica como principal via, porém muito deteriorada. (PNOT, pág.49)

Frade Transporte e não-integração do território 6

Tal configuração pode ser avaliada no anexo 4.3. que traz a malha rodoviária aliada à densidade demográfica. O uso das cores permite uma noção visual clara da concentração desse modal nas áreas já citadas.

Quantos às ferrovias, aponta inúmeros problemas, em grande parte causados pela opção pelo rodoviarismo e pelo abandono do investimento estatal nesse modal, como já citado no item 2.1.

O transporte ferroviário não é integrado nem entre si (anexos 4.5. e 4.6.), sendo que a diferença de bitolas dificulta essa integração, e nem com os outros modais. A malha tem como objetivo principal o escoamento de produtos para exportação, o que a segmenta. Esse foco exportador faz com que a malha ferroviária seja essencialmente para o transporte de carga (anexo 4.7.). O transporte de passageiros por trens de longa distância sequer é considerado no texto.

As privatizações geraram melhoras insuficientes no modal ferroviário, as concessionárias responsáveis sequer cumprem as metas de segurança e produção (PNOT, pág.72). Das concessionárias, apenas duas tem transportes de passageiros6 e apenas como complementar ao de cargas.(anexo 4.8.)

Quanto às hidrovias a análise feita é que “o modal fluvial é usado apenas para o transporte da carga geral da produção regional e a circulação de população de baixa renda, particularmente na Amazônia.”7 (anexo 4.4.)

A circulação aérea é apontada como de grande importância no âmbito internacional (negócios e turismo). Assim, o diagnóstico, evidenciando que os pontos de conexão com o exterior são poucos e localizados, aponta que “as redes aéreas mantêm um padrão altamente concentrado nas capitais estaduais.”8

Aponta ainda o papel de cada modal no transporte nacional. Analisa que devido “a extensão territorial e a tropicalidade do Brasil” 9as hidrovias e aerovias deveriam ser mais articuladas com a América do Sul. Porém, não é o que ocorre sendo essa articulação feita através, principalmente, das vias rodoviária e ferroviária.

Como conclusão aponta a necessidade de “um maior equilíbrio entre os vários modos de transporte (no momento, perigosamente centrados no rodoviário)” e acredita nesse equilíbrio como uma “potente alavanca na melhoria da acessibilidade e da inclusão das áreas mais periféricas do território

nacional.”10

6 Estrada de ferro Vitória-Minas (EFVM) e Estrada de Ferro dos Carajás (EFC). Fonte: Ministério dos Transportes.

7 PNOT, 2006.Pág 72

8 PNOT, 2006.Pág 73

9 PNOT, 2006.Pág 74

10 PNOT, 2006.Pág 75

Frade Transporte e não-integração do território 7

2.3. Comentários sobre o estudo para uma PNOT

A PNOT faz um diagnóstico claro da concentração, em quantidade e qualidade da malha de transporte, principalmente rodoviário, no centro-sul do país e nas áreas litorâneas. Os diversos mapas deixam clara a não- integração entre essas áreas e o restante do país e que a dificuldade de relações internas é acentuada pela ênfase nas relações externas.

Entretanto, apesar das conclusões evidentes o estudo ensaia uma política pouco compreensível para reverter esse processo. Logo na introdução o texto define o ordenamento territorial como a “regulação das tendências de distribuição das atividades produtivas e equipamentos no território nacional ou supranacional decorrente das ações de múltiplos atores segundo uma visão estratégica e mediante articulação institucional e negociação, de modo a alcançar os objetivos desejados.”11

Tal afirmação não nos dá clareza da postura efetiva dessa política. Porém mais pra frente, segundo o texto ainda, a PNOT tem como pano de fundo a globalização e a competitividade mundial e que o Estado “deixa de ser o principal ator no planejamento e na execução de políticas territoriais” 12.

Ainda afirma que “seu papel é regular as atividades e sua distribuição no território, visando compatibilizar o interesse geral com a competitividade, de modo a evitar a ampliação das desigualdades sociais e regionais. Ao mesmo tempo, o Estado continua a ser o principal financiador das iniciativas privadas.” 13

Essas afirmações, apesar de consecutivas, parecem contraditórias na medida em que dão ao Estado a incumbência de evitar a ampliação das desigualdades sem que ele se coloque como principal ator do planejamento e execução das políticas territoriais. O Estado se coloca à margem do planejamento, esperando que seus “incentivos” reguladores permitam que as “grandes corporações – sobretudo privadas” 14 determinem a configuração do território.

Essa conclusão é reafirmada no seguinte trecho:

“(...)há mais ordem no território do que se supõe. Mas uma ordem

unilateral, que serve a interesses de empresas poderosas, importantes para o país, mas excludentes da grande massa da população brasileira que passa a

11 PNOT, 2006.Pág 10

12 PNOT, 2006.Pág 100

13 Idem

14 Idem

Frade Transporte e não-integração do território 8

ser submetida à desordem. Não será possível uma regulação que estimule a grande corporação a ações de inclusão social, tendo em vista as benesses que recebe? ”15

O diagnóstico que se faz da exclusão causada pelo interesses privados é claro, porém a solução encontrada não é dada pela diminuição das diferenças por uma ação estatal e sim por uma ação privada incentivada pelo Estado.

O texto assinala que “a tendência da participação da ferrovia na matriz de transporte, contudo, tende a crescer em face da ênfase das exportações na base da economia nacional.” 16Além disso, afirma que o setor privado apenas tem inovado no que já foi feito pelo Estado para a expansão das exportações e que “seus corredores não trazem grande benefício à inclusão social.” 17 Mais uma vez, é difícil compreender, tendo em vista a dita ação nociva do setor privado, como se estabeleceria uma mudança nessa relação exclusiva com a exportação sem a atuação direta do Estado.

O texto ainda aponta que, apesar da importância das exportações, a constituição de um mercado interno é essencial para o país. Caracterizando sempre a ferrovia como potencialmente exportadora afirma que “a rodovia é mais importante em termos sociais por sua capilaridade e a malha rodoviária merece ser recomposta”18. Apresenta ainda a multimodalidade, articulação entre os modais. como forma de cobrir o território e atender a população.

A multimodalidade é decerto uma possibilidade promissora, com equilíbrio entre os modais de acordo com seu custo-benefício, impacto ambiental e social. A capilaridade da rodovia é essencial, porém a modernização das ferrovias também se apresenta como um grande problema, para atravessar os obstáculos da visão unilateral exportadora para esse modal.

O texto faz ainda um comentário interessante, que foge um pouco das questões de específicas dos transportes, mas é determinante para o estabelecimento eficiente de uma Política de Ordenamento Territorial.

“O papel do território é fundamental, ressaltando a questão da escala e das cidades. No que tange o acesso aos serviços públicos, o excesso de descentralização que marcou o país após a Constituição de 1988, embora sendo uma justa reação à centralização autoritária, tem favorecido a pulverização de recursos e a má qualidade dos serviços, evidenciando que é urgente definir escalas territoriais mínimas e adequadas ao acesso à população.” 19

15 PNOT, 2006.Pág 107

16 PNOT, 2006.Pág 72

17 PNOT, 2006.Pág 83

18 PNOT, 2006.Pág 106

19 PNOT, 2006.Pág 107

Frade Transporte e não-integração do território 9

Neste ponto, o texto faz colocações importantes acerca da centralização. Conforme analisou Mori (1997) 20, a oposição e o constante vai-e-vem da centralização e descentralização (ligada a ideologias e as idéias de “autoritarismo” e “liberdade”) no Brasil muito tem prejudicado o planejamento por constituir um obstáculo a políticas unitárias para o território nacional.

3. Conclusões e considerações finais

Através do entendimento da acumulação entravada tal qual ocorre no Brasil e de seus desdobramentos nos investimentos em infra-estrutura, procurou-se analisar a distribuição dos transportes no país e suas conseqüências espaciais.

Os investimentos em transporte têm sido feitos no Brasil sistematicamente visando atender as demandas do mercado externo. Primeiramente, as ferrovias atenderam ao escoamento da produção cafeeira, posteriormente as rodovias atenderam também ao TRANSPORTE para os portos, mas principalmente à produção de uma indústria automobilística estrangeira, fomentada pelas corporações vinculadas ao aço, borracha, cimento e petróleo.

O rodoviarismo trouxe implicações sérias à configuração do espaço em suas diversas escalas. As cidades cresceram apoiadas na possibilidade de transposição das distâncias dos veículos motorizados, porém sem planejamento, o que, hoje, traz diversos problemas intra-urbanos: a poluição, os congestionamentos, os problemas sérios no transporte público coletivo baseado em ônibus. Além disso, o individualismo, no qual o rodoviarismo foi calcado, acentua todos esses problemas.

Na escala nacional, o rodoviarismo implicou no aumento do custo dos transportes de carga, já que a rodovia é mais cara e menos eficiente que outros modais. Os custos da rodovia, inseridos na reprodução da sociedade de elite voltada ao mercado externo, impediram uma maior integração do território nacional, centrando sua malha no litoral e centro-sul. Além de uma dificuldade maior de locomoção em grande escala, de cargas, criou uma imobilidade de passageiros.

Além dos investimentos no transporte rodoviário, houve também uma ausência de investimentos nos outros modais. As hidrovias, apesar do potencial brasileiro e de constituírem um modal de baixo custo, não são aproveitadas como deveriam. Mesmo as aerovias se concentram nas capitais e o transporte aéreo interno encontra-se saturado, como foi (e é) constatado na recente crise.

As ferrovias, que já haviam mostrado sua qualidade, foram abandonadas em razão da opção pelo automóvel. Foram subutilizadas, as malhas foram pouco ampliadas e sem o pensamento de uma idéia sistêmica,

20 MORI, 1997

Frade Transporte e não-integração do território 10

com uma malha que conectasse os pólos produtores não apenas aos portos exportadores, mas entre si e entre os potenciais pólos consumidores, atendendo a um mercado interno.

Além disso, as ferrovias também perderam seu caráter de transporte de passageiros através de longas distâncias. Um estudo feito sobre a única ferrovia brasileira a fazer a serviço de transporte ferroviário de passageiros interestadual, com dois trens em sentidos opostos, diariamente21, mostra que há inclusive rentabilidade na exploração desse modal. Apesar do estudo ter como alvo as empresas privadas, deixa claro que o abandono do sistema ferroviário é fruto de escolha política.

Sobre os estudos para um PNOT no Brasil, destaca-se o diagnóstico que aponta as deficiências e diferenciações que causam a não integração do território brasileiro e a proposta da intermodalidade como solução para a fragmentação.

O rodoviarismo é um mal enquanto excesso, portanto é preciso que se aproveite as melhores características de cada modal. Conectando os diversos modais de acordo com a situação e, principalmente, criando uma rede com conexões internas e não apenas voltadas ao exterior, pode-se encontrar uma possível integração dos transportes.

Porém, entende-se que a mudança efetiva nessa configuração fragmentada seja fruto de uma mudança no processo de reprodução econômica e social brasileira, com uma postura estatal definida. A postura de centralização – não ligada ao autoritarismo e sim à idéia de unidade- é fundamental para esse processo.

Quanto à integração da rede de transportes como uma das facetas da integração nacional, entende-se que é importante que medidas sejam tomadas para que a integração dos transportes ocorra, mas o essencial é que o estado tome a posição central do planejamento e realmente contribua para a formação de um mercado interno, eliminando entraves para a acumulação, antes de deixar que os atores privados construam o espaço.

21 FERREIRA, Moacir Porto; CANTARINO, Anderson. Transporte de passageiros no

Brasil: uma análise e comentário à luz da responsabilidade social. Escola de engenharia da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2006. Pág. 8

Frade Transporte e não-integração do território 11

4. Anexos

4.1. O EFEITO DA PRIVATIZAÇÃO

0,05,0

10,015,020,025,030,035,040,045,0

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

years

% o

f the

exp

endi

ture

in h

ouse

hold

inco

me

Figure 1. Brazil: Metropolitan Regions. Share of spending on public services (1) in household income (2) (1996-2002). Source: Dupas, G. (2003) - Data from IBGE: Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) and Pesquisa Mensal de Emprego (PME).

(1) Includes tariffs of water and sewage, electricity, telephone, public transport, petrol and taxes. (2) Average of the salaries in the Metropolitan Regions of Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

Frade Transporte e não-integração do território 12

4.2. Privatização da Infra-estrutura 1991-99

Fonte: Folha de S. Paulo, 2002.2.1 A1,B1

4.3. Malha rodoviária

Fonte: PNOT, 2006

Frade Transporte e não-integração do território 13

4.4. Principais Hidrovias

Fonte: Ministério dos Transportes, 2008

4.5. Rodovias Federais- Sudeste

Fonte: Ministério dos Transportes, 2008

Frade Transporte e não-integração do território 14

4.6. Ferrovias Federais

Fonte: Ministério dos Transportes, 2008

4.7. Extensão da Malha Ferroviária – 2008

Extensões em km

Bitola Operadoras Origem Larga Métrica Mista

Total

NOVOESTE – Ferrovia Novoeste S. A. RFFSA 1.945 1.945 FCA – Ferrovia Centro-Atlântica S. A. RFFSA 8.414 169 8.583 MRS – MRS Logística S.A. RFFSA 1.632 42 1.674 FTC – Ferrovia Tereza Cristina S.A. RFFSA 164 164 ALL – América Latina Logística do Brasil S.A. RFFSA 7.293 11 7.304 FERROESTE - 248 248 EFVM – Estrada de Ferro Vitória a Minas - 905 905 EFC – Estrada de Ferro Carajás - 892 892 CFN – Companhia Ferroviária do Nordeste S.A. RFFSA 4.189 18 4.207 FERROBAN – Ferrovias Bandeirantes S.A. RFFSA 1.463 243 283 1.989 FERRONORTE – Ferrovias Norte do Brasil - 500 500 VALEC / Subconcessão: Ferrovia Norte-Sul S.A. - 420 420 Subtotal 4.907 23.401 523 28.831

Bitola Operadoras Origem Larga Métrica Mista

Total

Frade Transporte e não-integração do território 15

Bitola Operadoras Origem Larga Métrica Mista

Total

Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU 149 57 206 Cia. Est. de Eng. de Transportes e Logística - CENTRAL 75 75

Trombetas/Jarí/Corcovado/Supervia/Campos do Jordão 374 374

Amapá/CBTU/CPTM/Trensurb/CENTRAL/METRO-SP RJ - 888 888

Subtotal - 149 1.394 - 1.543 TOTAL - 5.056 24.795 523 30.374

Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres(ANTT)

4.8. TRANSPORTE REGULAR DE PASSAGEIROS

Valores em milhões de passageiros CONCESSIONÁRIAS 1992 1997 2001 2002 2003 2004 2005 2006

EFVM 1,4 1,5 1,1 1,2 1,1 1,1 1,1 1,14

EFC 0,4 0,7 0,4 0,4 0,4 0,4 0,4 0,34

TOTAL 1,8 2,2 1,5 1,6 1,5 1,5 1,5 1,48

Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres(ANTT)

5. Bibliografia

DEÁK, Csaba. Acumulação entravada no Brasil/ E a crise dos anos 80. Espaço & Debates 32:32-46. 1991

MORI, Klara Anna Maria Kaiser. Brasil : urbanização e fronteiras. São Paulo, 1997

GONÇALVES, Maria Flora; BRANDÃO, Carlos Antônio; GALVÃO, Antônio Carlos Filgueira (Organizadores). Regiões e cidades, cidades nas regiões : o desafio urbano-regional. ANPUR,. Editora UNESP. São Paulo, 2003.

FERREIRA, Moacir Porto; CANTARINO, Anderson. Transporte de passageiros no Brasil: uma análise e comentário à luz da responsabilidade social. Escola de engenharia da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2006

Companhia Brasileira de Trens Urbano - CBTU .A cidade nos trilhos transporte metroferroviárioo - monografias premiadas Companhia Brasileira de Trens Urbano. Rio de Janeiro : CBTU, 2005

Frade Transporte e não-integração do território 16

Ministério da Integração Nacional (2006) Documento base para a definição da Política Nacional de Ordenamento Territorial - PNOT (Versão preliminar) Brasília

Internet

http://www.antt.gov.br

http://www.transportes.gov.br

http://www.mi.gov.br/