trÂnsito poÉticos

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Resenha Acadêmica

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POEMAS PASSAGEIROSPoemas Passageiros o primeiro livro de poesia do escritor sergipano Jeov Santana, depois de um longo tempo dedicando-se a prosa, o escritor e professor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), se aventura no campo da produo potica.Jeov Santana nasceu em Maruim,Sergipe, em 1961. graduado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe, mestre em Teoria Literria pela Universidade Estadual de Campinas, e doutor em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Alm do livro aqui resenhado, publicou:Dentro da casca(1993),A ossatura(2002),Inventrio de ranhuras(2006).EmPoemas Passageiros, o poeta nos convida a fazer uma viajem mediante a linguagem aos diversos territrios ainda no explorados, ou at mesmo revisitar esses espaos sob um novo prisma, um novo olhar, onde os elementos observados, tidos como simples e incuos de significados podem nos dizer mais do que aquilo que j foi dito. O livro constitui-se um verdadeiro mapa potico, uma viajem, tendo como veculo a linguagem, na companhia dapoesia, sob o olhar de algum que sente e responde aos estmulos que a realidade lhe impe.Esse olhar no est circunscrito ao simples contentamento, mas sim, a reflexo dos elementos que compem a realidade subjetiva de cada lugar contemplado. Em outras palavras, o convite no visitao, mas sim, emoo, e sentimento, a acima de tudo pensamento. Uma espcie de traado da alma que culmina no pensamento, e, por fim, em uma reflexo profundamente tocante. Jeov Santana em sua potica, cumpri seu dever com imenso desvelo a poesia e sua finalidade sagrada. Antes de mais nada, a verdadeira poesia tem como primazia nos levar a sentir, e por fim, nos fazer pensar. Nesse aspecto, a poesia de Jeov Santana precisa. No tem como ficar impoluto diante da realidade mensurada em Poemas Passageiros. As imagens so contundentes, por vezes trgicas, instaurando uma atmosfera de conturbao e desordem emocional, inevitavelmente tocando o leitor. O poeta incisivo em sua descrio, consequentemente suscita em ns uma sensao de sermos tambm vassalos dessa realidade. Isso s possvel, porque o texto potico em sua cerne consegue dialogar com o pblico de seu tempo. O poeta tambm faz parte dessa engrenagem problemtica, no h como ficar inclume ao tempo que vive. Ele consegue sentir mais do que qualquer mortal. Nada passa desapercebido ao seu olhar sensvel que no vilipendia essa Madureza, mas que adentra com intrepidez o ngreme terreno da quimera social e faz de sua poesia a caixa de ressonncia de suas inquietaes, face ao tempo que est inserido.ORAO DOS MENINOSBala perdidano ache meu pai.Deixa ele vir pra casauma outra vez mais.

(Aracaju, 9.4.2005)ORAO DOS MENINOS DO BRASIL IIMeu pai policialmas um cara do bem.Nunca farnenhum malpra teu seu nomena boca da moa bonitado jornal nacional.

Cuida dele, Jesus!

(Aracaju, 9.4.2005)

CURSO DA MADUREZANingum viu o seu choronaquela noite do coningum veio lanara ncora ao barco brio.A, vocabriu uma cervavoc ouviu um somvoc fez um bilhetevoc cortou os pulsosMas a vida tirou chinfraE saltou fora da insidia.E ai, cara como vo as coisas?funcionrio publicomarido e pai exemplarespizzaria as sextasMissa dos homensou lmina daInominvelainda roa sua jugular?

(Aracaj, 22-23.2.2003)

A poesia de qualquer poca, desde o seu nascimento clssico, nas epopeias gregas, at os dias atuais possui um aspecto atemporal, ou seja, ela consegue falar, tocar, mexer e impactaro pblico de qualquer tempo ou poca. No entanto, esse dialogismo potico, tende a ser mais taxativo e intenso quando lemos um poeta de nosso tempo. Nos poemasOrao dos Meninos do Brasil I, eOrao dos Meninos do Brasil II, impossvel no ser tocadopor eles, uma vez que a temtica da violncia to comum ao nosso tempo. O deslocamento das figuras convencionais para um outro plano; no primeiro; Deus pela bala, e no segundo, o policial, convencionalmente concebido como uma pessoa boa, mas contornado implicitamente como algum ruim, desumano, e, por fim, mal, causa-nos um estranhamento, que propala eficazmente o olhar do poeta a essa realidade, como tambm nos tira do centro mediante uma imagem to forte e atual refletida na sensao de insegurana do sculo ps-moderno.O poeta no se conforma com as concepes daquilo que convencionalmente definido como belo, mas ele tem a necessidade de reinventar propondo configuraes inditas. A esttica de Jeov Santana, a esttica do estranhamento. Sua potica configura-se em uma atividade singular, de um abrir mo consciente do lirismo em busca de algo que nos toque pelo desnudar de nossas realidades caticas mediante uma linguagem seca, precisa e aguda, como vemos no poemaCurso da Madureza. O curso do mar,metaforicamentecomo espao de conflitos e pressoque se movimenta violentamente contra os seus navegantes, instaura no poema a imagem trgicade um sujeito que no suporta opeso de suas responsabilidadese que oscila entre; hipocritamente viver, atendendo asexigncias da realidade sociale o intenso desejo de liberta-se pela morte. Esse poema revela-noso quanto a poesia de Jeov Santana deslocada para um espao de reflexo, que por vezes, desprovida de lirismo e sonoridade, busca adentrar nocampo da crtica social, flertando assim com a filosofia,que busca atravs da poesia uma verdade.O realismo absoluto, avassalador e visceral das poesias de Jeov Santana,e dentre outrosaspectosdesuapoesia,caracteriza a sua potica ps-moderna.A nfase no cotidiano, a retomada dos textos do passado, por um outro olhar, como caso do poemaCano do Asilo, fazendo um trocadilho com o poema de Gonalves Dias,A cano do Exlio,A divina colmeia, (A divina Comdia,de Dante), a presena do humor no poema;Poema revelia, autilizaoUMA CARNIA (Charles Baudelaire)Lembra-te, amor, do que nessa manh to bela,
Vimos volta de uma estrada?
Uma horrenda carnia, oh que viso aquela!
Aos pedregulhos atirada;DIANTE DO ESPLENDOR DE LUNA PIOVANIA carniabaudelerianasobe-meao nariz.Tudo isso vai fenecer.

(Aracaju, 29-31.10.2004)deliberada da intertextualidade em;Diante do esplendor de Luana Piovani,fazendoreferncia a imagem contundente no poemaUma Carnia, de Charles Baudelaire, dentre outros.Aliteratura tem carter um contnuo que acompanha de perto as constantes transformaes scios- histricos. A leitura que o poeta faz desse contexto plataforma de sua produo. Que tipo de sociedade temos hoje? Podemos encontrar a resposta emPoemas Passageiros, mais precisamente nos poemas aqui j citados, e particularmente a meu ver;Reflexo para esses dias tristes, Apelo s Cmeras de nossas de cada dia, e Tirem os Adultos da Sala.Este ltimo, o poeta, apresentam uma lista de palavras aparentemente desconexas, remetidas ao universo da violncia expostana TV, uma vez que o ttulo do poema faz meno a sala, espao onde se encontra o aparato tecnolgico que oferece ao homem moderno uma enxurrada de lixo global, mantendo-o preso,que denunciado pelo poema, quem consegue tirar os adultos da sala?A ideia de trnsito no livro diluda na perspectiva de cada poema. O sentido de deslocamentonos poemasperpassa o sentido habitual. No se refere ao simples deslocamento, mas sim, aoconceito de futilidade, efemeridade e do acmulo de responsabilidades que constitui uma realidade to densa, pesada e hostil a sobrevivncia do homem moderno. O trnsito percorrido pelo poeta acontece em dois planos;no plano fsico, visto o deslocamento habitual queelefaz por ser professor em uma Universidade de outro Estado, impossvel no imaginar o poeta antes de produzir seus poemas, dentro de suas comodidades locomotivas transitando de lugar a lugar,colhendo imagens, e por fim materializando-as no papel. O outro, e o planosubjetivo, de suasimaginaes, do pensamento, das reflexesede suas experincias sinestsicas.Nesse plano, o deslocamento realizadoacontece sem necessariamente o poeta sair de sua casa, de sua escrivaninha. Na poesia de Jeov no h fronteiras, os contnuos deslocamentos poticos, de Aracaju a So Paulo, Macei, Rio de Janeiro e para mais alm, encurtam a distncia entre os lugares indicados no final de cada poema, garantindo a nossa passagem ao embarque dessa viajem.Jeov Santana nos convida a fazer esse percurso pela poesia. Ao ler o livronos tornamos passageiros dessa viajem, nas diversas reas, no apena geogrficas, mas tambmas diversas reas do conhecimento humano. Todavia vale ressaltar, que hsomente um nico requisito para embarcar nesse bonde, despisse. necessrio ficar nu, nu de qualquer concepes em torno do objeto aqui apresentado. Despisse dos dogmas, conceitos e sublimao daquilo que consideramos perfeitamenteintactos. A leituradePoemas Passageiros,engendra um processo de desconstruo, para tal preciso coragem para encarar a prpria realidade. Sem mais delongas, basta viajar e sentir as palavras.

REFERNCIASSANTANA, Jeov.Poemas passageiros.Macei: Uneal, Poligraf. 2001.