transformando o semiárido pelo trabalho, luiz transforma a si mesmo

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Luiz Francisco da Silva, conhecido como Luiz Jovem(34), agricultor, mora na Comunidade São João, assentamento da Reforma Agrária, distante 14km de Tianguá. Filho de Francisco Manoel da Silva e de Maria Francisca da Silva (falecida) há 5 anos. Família numerosa: 8 homens e 8 mulheres, dois dos quais falecidos. Casado com Patrícia, têm um casal de filhos: Lucas (12) e Maria Heloísa (6). A INFÂNCIA – Nessa fase de sua vida, Luiz destaca a liberdade que tinha para brincar e criar coisas novas, latas, caixas e frutas viravam carrinho de brinquedo! Hoje, diz ele, compra-se tudo pronto e a criatividade fica esquecida. Lembra com um encantador brilho nos olhos: “A gente brincava muito de bonecos feitos de talo de milho! O brinquedo que mais marcou minha infância foram os carros de forquilha. A gente fazia duas rodas colocava uma forquilha, uma cruz que era a direção, improvisava uma roda em cima da direção e colocava uns pregos. A gente passava o dia brincando com eles, mas também utilizava esse carro pra buscar água, pra levar outra criança pendurada. Brincava e utilizava esse carrinho pra fazer algumas atividades de casa.” A INFÂNCIA E O TRABALHO – “A gente tinha o trabalho como primeira atividade. Aprendemos com meu pai: primeiro as obrigações depois a brincadeira.” Na época Luiz não estudava, porque não havia escola na comunidade. Quando a terra foi desapropriada e as 21 famílias vieram para o assentamento, nem todas tinham crianças. O transporte era o jumento. Foi um tempo difícil. Quem sabia ler, pelo menos um pouquinho ensinava os jovens e adultos e depois às crianças. As aulas eram dadas nas casas e às vezes, as pessoas que ensinavam recebiam uma pequena contribuição. Na casa de Luiz, Zezito, seu irmão, foi seu primeiro professor, sabia pouco mas ensinava até aos vizinhos. Luiz iniciou seus estudos aos 8 anos de idade. Com 12 anos conclui a 1ª série. Quando entrou na escola já sabia ler e escrever. Terminou o ensino médio em 2000, pelo Telecurso. PARA SER UM BOM INSTRUTOR DE PEDREIRO É PRECISO: Primeiro tem que ser um bom pedreiro, estar aberto às mudanças, ser capaz de mudar o próprio pensamento, aceitar a opinião dos outros e se identificar com o programa. Não é só construir bem uma cisterna. Mas também ressalta: “Não pode faltar nenhum material, o envolvimento da família é importante e a presença de um Animador de Comunidade, porque no decorrer do curso sempre saem perguntas sobre o Programa, sobre os valores, onde o programa vai atuar, quem vai trabalhar... e ninguém melhor, pra responder essas dúvidas, do que quem está na coordenação do Programa.” TRABALHO DE ANIMADOR DE CAMPO NO P1+2 – Hoje como animador de Campo do P1+2, encara o trabalho não como um emprego, mas como uma oportunidade de conhecer o programa mais do que antes. Destaca: “Como Animador de Campo vi que não é só ter a cisterna segurando água, é todo um processo que faz a gente se motivar a fazer parte dele. Diz que no P1+2 há mais tempo de convivência com a família e isso ajuda muito o bom desempenho do Programa em todos os sentidos. SUA OPINIÃO SOBRE O PROGRAMA – Sem pensar muito Luiz responde: “Ele é um dos melhores que já foram criados para atender o povo! Desde os primeiros momentos que eu comecei a vivenciar e a fazer parte dele a gente vem percebendo que as famílias vão se estruturando mais, vão adquirindo mais conhecimentos e não ficam mais presas às questões políticas, ao vereador, ao prefeito... Alguns ainda não conseguiram, mas a maioria consegue entender que o Programa é um direito conquistado, não é uma troca, e isso é muito gratificante pra mim, que também faço parte dessas mudanças!” Lembra que se houvesse mais tempo para o acompanhamentos às famílias durante a realização do caráter produtivo, o resultado poderia ser melhor ainda. Avaliando sua caminhada no Programa Luiz fala com entusiasmo que quem mais mudou foi ele. Sua atuação foi para além da família e da própria comunidade. Passou a ter mais autonomia, e a ver o mundo com “outros olhos.” Reconhece que o seu trabalho como servente, pedreiro, instrutor, educador de GRH e animador de campo ajudou muitas famílias a terem uma vida melhor no campo e faz um agradecimento: “Agradeço primeiro a Deus porque tive a oportunidade de fazer parte dessa luta, ela nunca deixa ser uma luta, porque não depende só de um projeto aprovado pelo governo, mas também do nosso esforço de reivindicar, buscar de cobrar, reunir as famílias, as comunidades os municípios, regiões, então a gente move tudo isso pra conseguir o benefício das famílias, que mais precisam, dentro dos critérios. Transformando o semiárido pelo Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas trabalho, Luiz transforma a si mesmo Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 9 • nº1838 Abril/2015 Tianguá Realização Apoio Luiz, Patrícia, Lucas e Heloísa A primeira cisterna construída por Luiz e seu pai Chico Jovem Momento de avaliação do Curso de Pedreiro

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Luiz, um jovem agricultor encara o desafio de construir cisternas no semiárido e inicia uma valorosa jornada de aprendizagem, partilha e crescimento pessoal. Fortalece sua vivência na comunidade e amplia seus conhecimentos e atuação no Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido. Começa como pedreiro, à Instrutor, Educador de GRH e Animador de Campo do P1MC e agora do P1+2.

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Page 1: Transformando o semiárido pelo trabalho, Luiz transforma a si mesmo

Luiz Francisco da Silva, conhecido como Luiz Jovem(34), agricultor, mora na Comunidade São João, assentamento da Reforma Agrária, distante 14km de Tianguá. Filho de Francisco Manoel da Silva e de Maria Francisca da Silva (falecida) há 5 anos. Família numerosa: 8 homens e 8 mulheres, dois dos quais falecidos. Casado com Patrícia, têm um casal de filhos: Lucas (12) e Maria Heloísa (6).

A INFÂNCIA – Nessa fase de sua vida, Luiz destaca a liberdade que tinha para brincar e criar coisas novas, latas, caixas e frutas viravam carrinho de brinquedo! Hoje, diz ele, compra-se tudo pronto e a criatividade fica esquecida. Lembra com um encantador brilho nos olhos: “A gente brincava muito de bonecos feitos de talo de milho! O brinquedo que mais marcou minha infância foram os carros de forquilha. A gente fazia duas rodas colocava uma forquilha, uma cruz que era a direção, improvisava uma roda em cima da direção e colocava uns pregos. A gente passava o dia brincando com eles, mas também utilizava esse carro pra buscar água, pra levar outra criança pendurada. Brincava e utilizava esse carrinho pra fazer algumas atividades de casa.”

A INFÂNCIA E O TRABALHO – “A gente tinha o trabalho como primeira atividade. Aprendemos com meu pai: primeiro as obrigações depois a brincadeira.” Na época Luiz não estudava, porque não havia escola na comunidade. Quando a terra foi desapropriada e as 21 famílias vieram para o assentamento, nem todas tinham crianças. O transporte era o jumento. Foi um tempo difícil. Quem sabia ler, pelo menos um pouquinho ensinava os jovens e adultos e depois às crianças. As aulas eram dadas nas casas e às vezes, as pessoas que ensinavam recebiam uma pequena contribuição. Na casa de Luiz, Zezito, seu irmão, foi seu primeiro professor, sabia pouco mas ensinava até aos vizinhos. Luiz iniciou seus estudos aos 8 anos de idade. Com 12 anos conclui a 1ª série. Quando entrou na escola já sabia ler e escrever. Terminou o ensino médio em 2000, pelo Telecurso.

PARA SER UM BOM INSTRUTOR DE PEDREIRO É PRECISO: Primeiro tem que ser um bom pedreiro, estar aberto às mudanças, ser capaz de mudar o próprio pensamento, aceitar a opinião dos outros e se identificar com o programa. Não é só construir bem uma cisterna. Mas também ressalta: “Não pode faltar nenhum material, o envolvimento da família é importante e a presença de um Animador de Comunidade, porque no decorrer do curso sempre saem perguntas sobre o Programa, sobre os valores, onde o programa vai atuar, quem vai trabalhar... e ninguém melhor, pra responder essas dúvidas, do que quem está na coordenação do Programa.”

TRABALHO DE ANIMADOR DE CAMPO NO P1+2 – Hoje como animador de Campo do P1+2, encara o trabalho não como um emprego, mas como uma oportunidade de conhecer o programa mais do que antes. Destaca: “Como Animador de Campo vi que não é só ter a cisterna segurando água, é todo um processo que faz a gente se motivar a fazer parte dele. Diz que no P1+2 há mais tempo de convivência com a família e isso ajuda muito o bom desempenho do Programa em todos os sentidos.

SUA OPINIÃO SOBRE O PROGRAMA – Sem pensar muito Luiz responde: “Ele é um dos melhores que já foram criados para atender o povo! Desde os primeiros momentos que eu comecei a vivenciar e a fazer parte dele a gente vem percebendo que as famílias vão se estruturando mais, vão adquirindo mais conhecimentos e não ficam mais presas às questões políticas, ao vereador, ao prefeito... Alguns ainda não conseguiram, mas a maioria consegue entender que o Programa é um direito conquistado, não é uma troca, e isso é muito gratificante pra mim, que também faço parte dessas mudanças!” Lembra que se houvesse mais tempo para o acompanhamentos às famílias durante a realização do caráter produtivo, o resultado poderia ser melhor ainda.

Avaliando sua caminhada no Programa Luiz fala com entusiasmo que quem mais mudou foi ele. Sua atuação foi para além da família e da própria comunidade. Passou a ter mais autonomia, e a ver o mundo com “outros olhos.” Reconhece que o seu trabalho como servente, pedreiro, instrutor, educador de GRH e animador de campo ajudou muitas famílias a terem uma vida melhor no campo e faz um agradecimento: “Agradeço primeiro a Deus porque tive a oportunidade de fazer parte dessa luta, ela nunca deixa ser uma luta, porque não depende só de um projeto aprovado pelo governo, mas também do nosso esforço de reivindicar, buscar de cobrar, reunir as famílias, as comunidades os municípios, regiões, então a gente move tudo isso pra conseguir o benefício das famílias, que mais precisam, dentro dos critérios.

Transformando o semiárido pelo

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

trabalho, Luiz transforma a si mesmo

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9 • nº1838

Abril/2015

Tianguá

Realização Apoio

Luiz, Patrícia, Lucas e Heloísa

A primeira cisterna construídapor Luiz e seu pai Chico Jovem

Momento de avaliação do Curso de Pedreiro

Page 2: Transformando o semiárido pelo trabalho, Luiz transforma a si mesmo

CISTERNAS NA COMUNIDADE – Em 1999 a Pastoral Social através da Cáritas iniciou o Projeto Piloto das Cisternas na sua comunidade, coordenado por Lourdes Camilo e Chico Antonio. Foram cadastradas 17 famílias. Todo o trabalho foi feito em mutirão. Nesse tempo Luiz, com 14 anos, nunca tinha feito qualquer atividade de pedreiro. Foi seu pai que fez o curso para a cisterna e ele o acompanhou. Durante a primeira construção, que serviu de Curso de Pedreiro, Luiz atuou como servente. A primeira cisterna foi feita na sua casa!

Depois da divisão dos grupos ele fez dupla com seu pai e foi assim que aos poucos conquistou a confiança dos demais. Lá pela terceira cisterna começou a liderar o grupo, que sempre recorria a ele quando encontrava qualquer dificuldade. Depois desse trabalho, foi chamado para capacitar uma turma na comunidade da Canastra, juntamente com outro pedreiro. Luiz não conseguia nem dormir direito, tamanha era a ansiedade. A confiança depositada na sua capacidade, foi determinante para que suas ideias fossem colocadas em prática e ele se tornasse um dos mais respeitados pedreiros!

AS MAIORES DIFICULDADES QUE UM PEDREIRO PODE ENCONTRAR NA CONSTRUÇÃO DE UMA CISTERNAS – Na compreensão de Luiz, é o não conhecimento do terreno e a quantidade de material, às vezes limitada. Ele explica: “Dependendo do terreno às vezes é preciso acrescentar algumas coisas: um pouco mais de cimento, de vedacit, de ferro e nem sempre o Programa prevê isso.” A distâncias das comunidades e a falta de uma presença cons tante dos animadores, também. No caso do P1MC isso é mais difícil porque o Programa abrange vários municípios, com uma grande quantidade de cisternas. Quando a família não participa ativamente, as coisas ficam mais difíceis.

MAIORES SATISFAÇÕES NO TRABALHO DE PEDREIRO: São muitas, mas Luiz destaca a importância da mobilização social para que todas as etapas do programa sejam bem executadas, as amizades que ele cativou, a alegria de ver, as famílias conquistando o direito à água para o consumo humano e para a produção. Por fim diz que também, como beneficiário do Programa, o valor de se ter água em casa é incalculável!

AS BOAS LEMBRANÇAS DO TEMPO DE PEDREIRO – O aprendizado na sua vida profissional como pedreiro, começou na construção de cisternas. Lembra que em Arneiroz, participou de uma capacitação em barragem subterrânea e depois voltou lá para construir uma cisterna. Durante os 10 dias que passou com a família beneficiária, sentiu-se em casa, como se dela fizesse parte, compartilhando o trabalho doméstico e participando do convívio familiar. Em outra comunidade, Lagoa de Uberaba, antes da cisterna estar concluída, a família precisou fazer uma viagem para Canindé. Luiz e mais quatro pedreiros da região, se aperrearam, pensando onde ficariam, porém, a família fez questão que eles permanecessem na casa. “A confiança da família, fez com que a gente fizesse tudo que estava ao nosso alcance, cuidar da casa, limpar, lavar as panelas, fazer café... Saber que estamos numa comunidade, somos estranhos, estamos passando, não temos muito tempo de estar com a família, e transmitir essa confiança! Pra gente, isso é muito gratificante!”

O TRABALHO COM MULHERES – Luiz foi contratado para ser Instrutor de um Curso de Cisternas para 9 mulheres da Ibiapaba. Conta que se surpreendeu com a capacidade e o capricho de todas nesse trabalho. Uma delas era sua irmã Dedete, que já fazia alguns trabalhos de pedreira em sua própria casa: fogão, jardim... Depois do curso, somente Dedete continuou no programa. Luiz conta que formou uma dupla com ela e como eram irmãos, isso facilitou sua saída de casa para realizar esse trabalho. Uma das mulheres do curso tinha um esposo que também era pedreiro de cisterna. Achava que eles formariam uma dupla, mas isso não aconteceu. Ouviu muita gente dizer: Esse serviço de pedreiro não é serviço pra mulher, é serviço pra homem, porque é pesado! Mas Luiz viu o quanto as mulheres são capazes! Segundo ele, a maior dificuldade que elas encontram, é sair de casa, deixando que as responsabilidades domésticas sejam assumidas por outros membros da família. Conta que quando chegou numa comunidade para construir cisternas, formando dupla com sua irmã Dedete, foi r eceb ido pe la f amí l i a , que os cumprimentou e expressou um ar de curiosidade, como se perguntasse: Será que o outro pedreiro vai chegar mais tarde? Então quando Dedete saiu do quarto de roupa apropriada para o trabalho e pegou o material dela, o povo se admirou! Teve servente que se recusou a “levar material pra uma mulher!” No segundo dia as pessoas iam se acostumando com essa novidade e daí pra frente, depois da cisterna feita, as famílias iam depositando mais confiança no seu trabalho. Dedete chegou a construir uma cisterna calçadão, porém não está mais no Programa.

Articulação Semiárido Brasileiro – CearáBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Luiz orientando pedreiros e aprendendo com eles a aperfeiçoar as construções.

Luiz capacitando novos pedreirosLuiz e sua irmã Dedete,