transformando natureza em gente - flávio valente

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  • 7/21/2019 Transformando Natureza Em Gente - Flvio Valente

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    Segurana Alimentar e Nutricional:

    Transformando natureza em gente

    Flavio Luiz Schieck Valente

    1. Alimentao e vida

    O ato de alimentar-se, alimentar seus familiares e aos outros um dos que maisprofundamente reflete a riqueza e a complexidade da vida humana em sociedade. Os hbitos eprticas alimentares de um ser humano, de sua famlia e de sua comunidade so um produto dahistria e da vida de seus antepassados, um reflexo da disponibilidade de alimentos e de gua nalocalidade onde residem, e de sua capacidade econmica e fsica de ter acesso aos mesmos.

    A discusso sobre o tema da alimentao deve incorporar elementos sobre a produo (tipos

    de alimentos produzidos, quantidade, composio nutricional, qualidade); quem produz, como eonde; acesso fsico e econmico aos alimentos e gua; modos de preparo; informaes sobrebalanceamento nutricional recomendvel da dieta; riscos e benefcios potenciais sade dediferentes alimentos, como gorduras saturadas, carne vermelha, alimentos transgnicos, p.ex., entreoutros.

    No entanto, a alimentao incorpora muitos outros aspectos que tambm precisam serlevados em conta nesta discusso: criatividade, amor, carinho, socializao, cultura, espiritualidade ereligiosidade.

    Por isto dizemos que a definio do que uma alimentao adequada no pode ser reduzidaa de uma rao nutricionalmente balanceada. Uma alimentao adequada aquela que colabora para

    a construo de seres humanos saudveis, conscientes de seus direitos e deveres, enquanto cidadosdo Brasil e do mundo. Conscientes, inclusive, de sua responsabilidade para com o meio ambiente e

    com a qualidade de vida de seus descendentes. Como j foi dito antes: Ns tomamos a Terraemprestada de nossos descendentes, temos que ser capazes de devolve-la como a recebemos, ou

    melhor.

    Promover a Segurana Alimentar e Nutricional Sustentvel, nesta perspectiva, umaresponsabilidade coletiva da sociedade organizada em estado (governo, sociedade civil sem fins

    lucrativos e setor empresarial), que deve buscar articular as iniciativas governamentais (pol ticas,programas e aes) e no governamentais em polticas pblicas capazes de garantir a realizao doDireito Humano Alimentao para todos.

    No hnada mais bsico para todo ser vivo que os atos de respirar, comer e beber. O mesmovale para o ser humano. So atividades fundamentais que nos garantem a gua e os nutrientespresentes nos alimentos que comemos e bebemos, e o oxignio no ar que respiramos. Sem elesficamos fracos, adoecemos e morremos.

    Diferentemente de muitos outros seres vivos, o ser humano demora para se alimentar de

    forma independente. Nossos filhos s andam com um ano e s se tornam capazes de prover suaprpria alimentao bem mais tarde, em uma idade que dependerda organizao social em quenascerem e forem criados.

    O desenvolvimento do ser humano depende, desde o momento da concepo, do apoio de

    seus pais, de sua famlia, da comunidade e da sociedade em que vive. Este apoio se manifesta sob aforma de alimentos, carinho, cuidado, estimulao, educao e segurana, entre outros. Todas estas

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    formas de apoio so fundamentais para que o desenvolvimento e crescimento humano se dem deforma plena. impossvel separar o valor individual de cada um destes fatores. Alimentao, semcarinho e cuidado, no alimenta. Carinho, sem alimento, no nutre. Assim, a alimentao para o serhumano muito mais que um ato instintivo de caa, movido exclusivamente pela fome. Tambm vaimuito alm da mera ingesto de nutrientes presentes na natureza e sua digesto e transformao emcorpo, em vida. O ser humano no se alimenta de clcio, de ferro, de protenas ou de vitaminas. Elese alimenta de comida socialmente produzida desde o momento de sua obteno (coleta, produo,caa, pesca, etc.) at o momento do preparo e partilha, passando por todas as poss veis fases detransporte, armazenamento, conservao, etc.

    O ser humano, ao longo de sua evoluo, desenvolveu uma intricada relao com o processoalimentar, transformando-o em um rico ritual de criatividade, de partilha, de amor, de solidariedade e

    de comunho entre seres humanos e com a prpria natureza, permeado pelas caractersticas culturaisde cada comunidade e agrupamento humano. Ao alimentar-se junto de amigos, de sua famlia,comendo pratos caractersticos de sua infncia, de sua cultura, o indivduo se renova em outrosnveis alm do fsico, fortalecendo sua sade fsica e mental e tambm sua dignidade humana.

    Ao comer, portanto, no s buscamos satisfazer nossa fome e nossas necessidadesnutricionais. Ao nos alimentarmos a ns mesmos e uns aos outros, familiares, amigos e mesmoestranhos, ns nos refazemos, nos construmos e nos potencializamos uns aos outros como sereshumanos em nossas dimenses orgnicas, intelectuais, psicolgicas e espirituais. Ns reafirmamosnossa identidade e diversidade cultural, no contexto da universalidade de sermos humanos. N o sem razo que todas as festividades familiares e comunitrias, e muitos rituais espirituais, envolvematos de preparo e comunho de alimentos.

    A alimentao humana um complexo processo de transformao de natureza em gente, em

    seres humanos, ou seja, em humanidade.

    Em nossa sociedade moderna de consumo, muitas vezes perdemos a noo de ondeverdadeiramente vm os alimentos. Parece que eles vm do supermercado ou mesmo da indstria dealimentos. Para a discusso que estamos tendo aqui, fundamental resgatar que o que comemos essencialmente produzido pela natureza. Comemos alimentos que nos fornecem nutrientes

    (protenas, gorduras, acares, vitaminas, sais minerais, etc.) e energia, para que os mesmos sejamtransformados em nossos corpos e em vida. Mesmo que modificados pela indstria, os nutrientes e aenergia so originrios de plantas e animais.

    Por sua vez, todos os seres vivos do planeta dependem basicamente da capacidade

    desenvolvida pelas plantas de utilizar energia do sol para produzir substncias ricas em nutrientes eenergia (fotossntese), que podem ser utilizados por nossos organismos para crescer, desenvolver-see viver. Ou seja, na realidade, nos alimentamos de luz solar transformada pelas plantas em fontes de

    nutrientes e energia. De fato, somos feitos de luz transformada em matria. Como diz o poetaCaetano Veloso, citando Mayakoviski: Gente foi feita para brilhar, e no para morrer de fome

    Se o sol nasce para todos, fica difcil ento entender porque h ainda tanta fome e malimentao no mundo. A fome no acontece por que deu um apago no sol para alguns, mas simporque a sociedade criou cercas arbitrrias que definem quem tem direito terra, quem tem direito gua, quem tem direito a emprego, quem tem direito educao e informao, entre outras tantascoisas. Assim, gera-se a excluso e a fome. Assim gera-se a falta de controle sobre a prpria vida,sobre a alimentao e sobre a sade. Ou seja, assim se limita o acesso do seres humanos riquezacientfica, cultural, material e espiritual produzida socialmente pela humanidade e acumuladaprivadamente pelas elites e grupos polticos e econmicos dominantes. Como dizia Herbert deSouza, o Betinho: O que mata de fome no a seca, a cerca. Resgatando um dos maiores

    intelectuais brasileiros que trabalhou com o tema, Josude Castro, diramos que a fome e a malimentao no so fenmenos naturais, mas sim sociais. Portanto somente atravs de aes sociais

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    e coletivas poderemos super-los. Somente atravs da implantao progressiva de um modelo dedesenvolvimento humano sustentvel, tendo como um dos eixos centrais a promoo de polticaspblicas de segurana alimentar e nutricional seremos capazes de transformar em realidade o direitohumano alimentao para todos.

    2.Segurana Alimentar e Nutricional e Direitos Humanos

    Direitos Humanos so todos aqueles que os seres humanos possuem, nica eexclusivamente, por terem nascido e serem parte da espcie humana. Estes direitos so inalienveis eindependem de legislao nacional, estadual ou municipal especfica. Eles foram firmados naDeclarao Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, pelos povos do mundo, porintermdio de seus chefes de estado e governos. A Declarao foi elaborada e assinada em ummomento em que a humanidade tomou conscincia da barbrie que representou o Holocausto. Estepacto universal, baseado em princpios ticos e morais, reconhece que a diversidade a nica coisaque todos os seres humanos tm em comum, e que esta deve ser respeitada e tratada com equidade.

    A Declarao representou um avano para um novo patamar no tortuoso caminho percorrido pelahumanidade em seu processo evolutivo. Posteriormente, em 1966, foram firmados os Pactos

    Internacionais de Direitos Civis e Polticos e de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, ambosratificados pelo Brasil e incorporados legislao nacional por meio de Decretos Legislativos. Estesdireitos so universais, porque se aplicam a todos os seres humanos independentemente do sexo e daopo sexual, da idade, origem tnica, cor da pele, religio, opo poltica, etc. Eles so indivisveise a satisfao de um no pode ser usada para ou prescindir da satisfao de outro. Na aplicaodesses direitos tambm no se pode permitir a discriminao, exigindo-se o completo respeito diversidade. De acordo com este conjunto de normas legais universais, cabe s sociedades humanas,sob a responsabilidade do Estado, cumprir as obrigaes de respeitar, proteger e realizar os direitoshumanos de cidados e grupos populacionais que residem em seu territrio.

    Quando os direitos no so respeitados, protegidos ou realizados, podemos falar de umaviolao destes direitos, recaindo a responsabilidade maior pelas mesmas sobre o Estado, a quemcabe, em nome da sociedade, velar pela realizao dos direitos humanos. O direito humano alimentao est includo dentro dessa categoria dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais,obrigando-se o estado a respeitar a capacidade de indivduos, famlias e comunidades de produzirsua prpria alimentao e/ou de obter a renda monetria suficiente para adquirir os alimentosadequados. Constituem-se violaes do direito humano alimentao as iniciativas estatais e/ougovernamentais que, sem a criao de mecanismos alternativos de garantia desse direito:

    provoquem ou facilitem a expulso de pequenos produtores familiares da terra ondeproduzem seu sustento (Ex. construo de barragens para hidreltricas);

    prejudiquem a produo nacional de alimentos mediante a importao de produtos apreos abaixo do custo de produo (ex. Dumping do leite argentino e da comunidadeeuropia);

    reduzam o apoio produo agrcola nacional;

    gerem desemprego; (ex. poltica de estabilizao monetria provocando umavalorizao artificial da moeda nacional e o barateamento das importaes, destruindo aproduo nacional);

    eliminem a possibilidade de sobrevivncia de milhares de pescadores artesanais efamiliares; (ex. poluio nas guas utilizadas por esses pescadores);

    extingam programas sociais e/ou alimentares dirigidos a populaes e/ou gruposvulnerveis; (Extino do Programa de Distribuio Emergencial de Alimentos)

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    O estado tambm est obrigado a proteger a capacidade dos seres humanos de produzire/ou ter condies monetrias para adquirir sua alimentao. A falta de proteo ativa do estadocontra aes de empresas ou outros atores sociais e econmicos que impeam a realizao do direitoconstitui uma violao. Por exemplo: a ao de grileiros; fuses empresariais que gerem demissoem massa; vazamentos de leo de responsabilidade de empresas privadas e pblicas; consumo dealimentos potencialmente agressivos sade; propaganda mentirosa sobre valor nutricional dealimentos.

    A sociedade, organizada em estado, tem ainda a obrigao de elaborar e implementarpolticas, programas e aes, que promovam a progressiva realizao do direito para todos,definindo claramente metas, indicadores, e recursos alocados para este fim.

    A no criao destas polticas e/ou o no cumprimento das metas, ou a no alocao dosrecursos, configuram-se como violaes. Por exemplo, constituem-se violaes dos direitos:

    a no elaborao de uma Poltica Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional,conforme acordado pelo governo brasileiro na Cpula Mundial de Alimentao, de1996;

    o no cumprimento das metas previstas para a Reforma Agrria; o no cumprimento da alocao dos recursos de apoio Poltica Nacional de

    Agricultura Familiar;

    o no cumprimento do decreto que preva manuteno do poder real de compra dosalrio mnimo ;

    a baixa execuo do oramento social e de investimentos, com desvio dos recursos paragarantir o pagamento dos servios e juros da dvida externa e interna;

    as altas taxas de mortalidade materna e infantil devidas malimentao ou orientaoalimentar inadequada.

    Por fim, nas situaes de emergncia decorrente de desastres naturais, frente situao degrupos com necessidades especiais, ou de populaes submetidas deprivao crnica, o Estado,com o apoio da sociedade, deve realizar o direito destes grupos, mediante o aporte de recursos

    financeiros e/ou alimentares, garantindo a recuperao da capacidade das famlias e/ou comunidadesde alimentar-se a si prprias, dentro do prazo mais breve possvel de tempo.

    3. Direito alimentao: princpio fundamental da Segurana Alimentar

    Segurana Alimentar trata exatamente de como uma sociedade organizada, por meio depolticas pblicas, de responsabilidade do estado e da sociedade como um todo, pode e deve garantiro direito alimentao. Assim, o direito alimentao um direito do cidado e a segurana

    alimentar e nutricional, para todos, um dever da sociedade e do estado. Para facilitar, podemos usaro exemplo de nossa famlia. Nem todos os membros de nossa famlia podem sozinhos garantir suaalimentao diria. A famlia de alguma forma precisa comprar, preparar e garantir uma alimentaode qualidade para bebs, jovens estudantes, desempregados, enfermos, idosos e outros.

    Da mesma forma a sociedade precisa garantir mecanismos que assegurem que todos os

    cidados tenham acesso regular alimentao segura, em sua casa, na escola, no trabalho, emhospitais e outras instituies, alm das informaes necessrias para que possam ter prticasalimentares e estilos de vida que promovam a sade e a nutrio. disto que se trata SeguranaAlimentar. Na sociedade, como na famlia, cada caso deve ser tratado de forma diferenciada e, aomesmo tempo, com equidade. Aquelas pessoas que no podem ter acesso ao alimento ou por suafaixa etria, ou por condies que limitam sua capacidade de se sustentar, devem receber a adequadaassistncia familiar ou social. Isto um direito do todo cidado. A fome e a misria constituem-se nanegao de nossa humanidade individual e coletiva. So a desumanizao no sdaqueles a quem

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    negado o acesso alimentao, vida e cidadania como tambm da sociedade que no lhes garantetais direitos. Aonde hcrianas desnutridas, hfamlias com fome, analfabetas, sem autonomia paragerir sua prpria vida. O tamanho das crianas desnutridas e de seus pais nutricionalmente nanicos, um reflexo do acesso que estas comunidades de trabalhadores tem ao mundo e s riquezas por elesmesmos produzidos. um reflexo do tamanho de seu mundo, "do que lhes cabe neste latifndio". um reflexo da falta de acesso que tm cultura e riqueza acumulada, seja sob a forma de riquezamaterial ou da histria e cincia escrita e elaborada.

    Assim, o desafio colocado ao povo brasileiro o de assumir o controle sobre nossa vida esobre os rumos de nosso pas. a luta por resgatar nossa dignidade enquanto nao e construir acidadania de todos os brasileiros. Um dos primeiros passos nesta direo garantir a SeguranaAlimentar e Nutricional de todos. Como um direito humano fundamental.

    No podemos aceitar que o direito humano alimentao fique esperando existirem ascondies polticas ou econmicas ideais, para que ele seja assegurado. Ele um direitoprimordial, pois o direito prpria vida.

    4. Segurana Alimentar e Nutricional: um conceito em disputa e construo

    A noo de segurana alimentar foi originalmente utilizada na Europa a partir da I GrandeGuerra. Sua origem estava profundamente ligada ao conceito de segurana nacional e capacidadede cada pas produzir sua prpria alimentao, de forma a no ficar vulnervel a possveis cercos,embargos ou boicotes de motivao poltica ou militar. Ainda hoje no podemos dizer que umaconcepo acabada. Ela, na verdade, palco de profunda disputa, pois a questo alimentar relaciona-se com os mais distintos interesses. Vejamos, como nas ltimas dcadas, evoluiu a compreensodessa questo. Na dcada de 1970 a causa principal da insegurana alimentar/fome era atribuda produo insuficiente de alimentos. Isto implicava que segurana alimentar fosse conceituada comouma poltica de armazenamento estratgico e de oferta segura e adequada de alimentos, e no comoum direito de todo ser humano de ter acesso a uma alimentao saudvel. O enfoque estava noproduto e no no ser humano. Com base nesta perspectiva, foi promovida a Revoluo Verde queacabou por aumentar a produo de alimentos e, ao mesmo tempo, de famintos e de excludos, almde promover srios agravos ambientais.

    Na dcada de 1980, reconheceu-se que o problema maior era a falta de acesso aos alimentos,em decorrncia da pobreza (falta de acesso e controle sobre a terra, gua, meios de produo edinheiro) e o conceito passa a ser o de garantir o ... o acesso por parte de todos, todo o tempo, a

    quantidades suficientes de alimentos para levar uma vida ativa e saudvel. Isto implicava que aao da sociedade deveria concentrar-se na reduo da pobreza, com menor nfase na produo.

    No final da dcada de 80 e incio dos anos 90 observa-se mais uma modificao no conceito

    de segurana alimentar. Incorpora-se ao mesmo as noes de alimento seguro (no contaminadobiolgica ou quimicamente); de qualidade do alimento (nutricional, biolgica, sanitria etecnolgica); do balanceamento da dieta, da informao e das opes culturais (hbitos alimentares)dos seres humanos em questo.

    A partir da enorme diversidade de prticas alimentares desenvolvidas pelos agrupamentoshumanos, e de sua relao com a promoo da sade, tornou-se possvel a identificao de princpiosbsicos de uma alimentao saudvel. Princpios estes que permeiam grande parte das culturasalimentares:

    Uma alimentao saudvel, balanceada, diversificada e equilibrada deve, ao longo dotempo, e de forma sustentvel fornecer todos os componentes necessrios ao desenvolvimento e amanuteno do organismo saudvel, como gua e lquidos em geral; alimentos frescos, naturais,integrais, variados, que garantam o aporte de todos os nutrientes (prote nas, aucares complexos,

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    gorduras essenciais, vitaminas, sais minerais, etc.) e fibras alimentares, de forma balanceada. E,

    ainda, privilegiar o consumo de pescado e carnes brancas magras e limitar o consumo de alimentos

    que se consumidos em excesso levam a agravos sade (carnes vermelhas, frituras, gordurassaturadas, bebidas alcolicas e estimulantes, cereais no integrais e acar refinado).

    Alm disso, a alimentao deve ser segura do ponto de vista nutricional, de conservao ede higiene; ser livre de contaminaes qumicas (agrotxicos, antibiticos, hormnios, conservantes,etc.) e orgnicas (bactrias, parasitas, etc.) prejudiciais sade.

    Existem ainda aspectos relacionados com o direito de todos os consumidores de ter a

    composio nutricional , origem e processo produtivo dos alimentos explicitado no rtulo,permitindo a liberdade de escolha do consumidor final.

    Mas a alimentao no pode perder sua condio de fonte de satisfao e realizao do serhumano, sendo saborosa e respeitando as prticas e hbitos alimentares das diferentes culturas. E, nasua produo devem ser promovidas prticas produtivas diversificadas e integradas que garantam arelao harmnica do ser humano com a natureza (prticas agroecolgicos, produo de alimentos

    orgnicos, etc.).

    Uma alimentao que siga estes princpios capaz de prevenir e reverter doenas carenciais(desnutrio, anemia, etc.) e doenas crnico degenerativas (obesidade, presso alta, doenascardiovasculares, etc.). Ao mesmo tempo, seria capaz de estimular o fortalecimento de sistemas

    sustentveis de produo de alimentos, no contexto de uma proposta de desenvolvimento humanosustentvel.

    4. Nutrio e o Ciclo da Vida

    A discusso at aqui apresentada demonstra que a alimentao fundamental para o

    desenvolvimento humano, mas deve estar inserida em um contexto de aes integradas entre si.Estudos recentes de Comisses da ONU indicam que existem perodos crticos na vida dos sereshumanos em que estas aes integradas so fundamentais para um bom desenvolvimento. Esteenfoque foi denominado deAbordagem do Ciclo de Vida. Uma compreenso adequada da mesma vista hoje como fundamental para orientar aes de segurana alimentar para promover a ruptura dociclo vicioso da fome, doena e misria, ressaltando o papel central que podem exercer as boascondies de vida, uma nutrio adequada e o acesso a servios de sade de qualidade.

    Esta abordagem reconhece o perodo que vai da concepo aos trs anos de idade comocrtico para que o ser humano possa atingir o seu pleno potencial de desenvolvimento. A boanutrio fundamental neste processo. No entanto, como se pode ver na Figuras 1, existem v riosoutros momentos crticos em que a interveno e a promoo se tornam centrais, tais como: a idadereprodutiva, incluindo o momento da concepo; o perodo intra-uterino; o perodo do parto eperinatal; o perodo do desmame; o perodo pr-escolar; e a adolescncia. Assim, umaabordagem voltada para o ciclo de vida tem que considerar aes em todos estes momentos e queintegrem aes na rea de sade e nutrio; requerendo iniciativas de insero econmica e decapacitao para a cidadania. Estudos recentes ressaltam a centralidade da quest o nutricional paraesta abordagem, reconhecendo um papel muito mais importante desnutrio enquanto causacoadjuvante da mortalidade de crianas menores de 5 anos. Estima-se que cerca de 25% das mortesneste grupo etrio, no nordeste brasileiro, so associadas desnutrio grave, enquanto outros 74%estariam associados a quadros de desnutrio leve e moderada, de muito maior prevalncia, e queraramente so objeto de aes pblicas. Ao mesmo tempo, seres humanos que sofreram carnciasnutricionais, do perodo crtico da concepo aos trs anos, so muito mais propensos, na idade

    adulta, ao desenvolvimento de doenas crnicas no transmissveis, do que aqueles que foram

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    bem nutridos. Entre estas, podem ser destacadas as doenas cardiovasculares (hipertenso,acidentes vasculares cerebrais e doena coronariana), diabetes e obesidade.

    a) Para o enfrentamento desse quadro so necessrias aes inter-setoriais integradas e nos diferentesmomentos do ciclo de vida. Aes pontuais e desarticuladas tm um impacto reduzidssimo.

    Dentro desta perspectiva, fica muito clara a relevncia de uma Poltica Nacional deAlimentao e Nutrio, no contexto de uma Poltica de Segurana Alimentar, e mais ainda deintervenes de carter intersetorial que influenciem o desenvolvimento infantil. Elas levam a umamelhor nutrio e sade destes grupos; um melhor aproveitamento escolar; a reduo da evasoescolar; ao prolongamento do tempo na escola de meninas e jovens, com melhoria de sua auto-

    estima e reduo e retardamento da fertilidade; a reduo da prevalncia de baixo peso ao nascer eda mortalidade materna e infantil, pela reduo das gravidezes em jovens e a melhor capacidadeprodutiva tanto do ponto de vista fsico como intelectual.

    5. O surgimento de um novo conceito: Soberania Alimentar

    A noo de Soberania Alimentar surge como uma resposta dos movimentos sociais perdada capacidade dos governos nacionais de elaborar e promover um conjunto de pol ticas pblicascapazes de garantir a segurana alimentar e nutricional de suas populaes, no contexto daprogressiva internacionalizao da economia imposta pelo processo de globalizao. O conceitosurge pela primeira vez no Frum Nacional sobre a Soberania Alimentar, no Mxico, em 1996,meses antes da realizao da Cpula Mundial de Alimentao de Roma. Neste encontro, a destruioda agricultura mexicana a partir do NAFTA (Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte) foidenunciada pelos agricultores e movimentos sociais daquele pas. Em poucos anos, 40% daproduo de milho do pas havia sido substituda por importaes provindas dos EEUU, destruindo a

    produo local.

    Ainda em 1996, a Via Campesina, uma organizao internacional de pequenos produtoresrurais, definiu soberania alimentar como: ...o direito de cada nao manter o desenvolvimento desua prpria capacidade para produzir os alimentos bsicos dos povos, respeitando a diversidadeprodutiva e cultural.

    5. O EMBATE ENTRE A PROMOO DO DIREITO HUMANO ALIMENTAOPARA TODOS E A GLOBALIZAO DA ECONOMIA

    A construo do conceito de segurana alimentar, na dcada de 90, teve um fortecomponente voltado para o plano local e as iniciativas que se voltam diretamente para o indiv duo.Mas isto no pode ser dissociado de uma realidade mais ampla, que ultrapassa os limites regionais enacionais, ao mesmo tempo provoca forte determinao naqueles limites.

    Com a acelerao do processo de globalizao da economia, ocorrido nos ltimos anos,torna-se chave incorporar nessa anlise o exame dessas determinaes. Essa a outra face da formacomo hoje compreendida a idia da segurana alimentar. Examinemos em que contexto ela se d.

    O processo de internacionalizao da economia, sob a hegemonia dos grandes gruposfinanceiros do capitalismo internacional se acelerou enormemente aps o desmonte da UnioSovitica e do bloco socialista. Sem nenhum mecanismo internacional capaz de lhes estabelecer umacontraposio poltica organizada, estes grupos, por meio de organizaes multilaterais como o FMI

    (Fundo Monetrio Internacional), o Banco Mundial e o antigo GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e

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    Servios), desencadearam uma intensa ofensiva a partir de meados da dcada de 80, com oprogressivo enfraquecimento da ONU.

    O FMI endureceu as negociaes da dvida externa, impondo aos governos a implantao deProgramas de Ajuste Estrutural, coordenados pelo Banco Mundial. Estes programas se baseavam na

    reduo dos mecanismos de controle sobre o mercado e do tamanho dos estados nacionais; nareduo dos gastos sociais; na reduo dos gastos com funcionalismo pblico; na reduo desubsdios indstria e agricultura nacional e na abertura das fronteiras penetrao de produtos, deempresas e do capital internacional, inclusive o financeiro.

    O desfecho da rodada de negociaes que criou a Organizao Mundial do Comrcioacabou por refletir a total hegemonia dos Estados Unidos e do pequeno grupo de pases mais ricos. Aclusula que autorizava os governos a desenvolverem iniciativas nacionais de proteo agricultura com base na garantia da segurana alimentar de sua populao retirada do novoacordo. E o compromisso de apoio aos pases, cuja segurana alimentar nacional fosse afetada pelaliberalizao do comrcio agrcola internacional, nunca foi cumprido.

    Na formao da OMC dividiram-se, de um lado, os interesses dos diferentes grupos depases em relao sua situao enquanto grande exportadores de alimentos. De outro, ficaram osgrandes importadores de alimentos, que dependem dessas compras para garantirem a seguranaalimentar de suas populaes. A proposta de reduo progressiva de tarifas protecionistas daagricultura nacional e dos subsdios produo e exportao foram acertados.

    O processo de globalizao do comrcio mundial de alimentos se dar ento nos termosditados pelo Acordo sobre Agricultura da OMC, que se baseia em trs aspectos principais: a induovia das importaes, sob o argumento de uma pretensa melhora do acesso ao mercado para todosos pases; a reduo compulsria do apoio domstico para a agricultura e, tambm, das subvenespara as exportaes.

    Na realidade, estas medidas passam a encabear o rol de obstculos segurana alimentarenfrentados pelos pases subdesenvolvidos. Agravando ainda mais essa ameaa, surge o fato de quea regulao do comrcio passa a escapar do controle dos pases nele envolvidos, sendo regido emesferas externas aos mesmos.

    Mas os apologistas de planto do neoliberalismo enxergam as coisas diferentes. Para eles, apromoo da Segurana Alimentar se dar pela liberalizao do comrcio, queda dos preos,eliminao dos estoques reguladores, aumento do comrcio internacional. Tudo isso geraria umamaior eficincia produtiva e, como conseqncia, um maior acesso a alimentos baratos por todos.Porm, o que se vna prtica que a mera exposio competio internacional no o caminhopara a busca de maior eficincia produtiva, devido aos componentes esprios desta competio e a

    natureza intrinsecamente excludente da dinmica das economias capitalistas. Vale mencionar apermanncia da prtica de dumping por parte dos pases industrializados, mesmo que sob formaslegitimadas pelas regras atuais de comrcio.

    Com argcia observa o diretor-internacional da FIAN (Rede ): A alimentao vista comouma mercadoria para ser trocada como qualquer outro produto e a segurana alimentar como um

    resultado da especializao e da lgica das vantagens comparativas (Watkins & Windfuhr,

    1996:25).

    No novo mundo globalizado, quer se fazer do alimento mera mercadoria

    Em 1996, realizou-se a Cpula Mundial da Alimentao, promovida pela FAO. Nessaocasio tornou-se inevitvel a polarizao sobre o tema do comrcio internacional de alimentos.

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    Menos no debate entre governos e mais pelas enrgicas manifestaes de representaes dasociedade civil. neste momento que emerge com fora a idia da soberania alimentar. A mais ativarepresentao internacional dos camponeses, a Via Campesina, reivindica a soberania alimentarcomo o direito de cada nao manter e desenvolver sua prpria capacidade para produzir os

    alimentos bsicos dos povos, respeitando a diversidade produtiva e cultural.

    A vitalidade dessa concepo vai se afirmando a partir de ento e absorvendo outrosatributos, como a resistncia apropriao dos recursos genticos pelos grupos transnacionais e padronizao da cultura alimentar. Da mesma maneira, rechaa-se a utilizao dos alimentos comoinstrumento de barganha poltica e econmica, atravs de embargos e bloqueios.

    importante registrar que a defesa da soberania alimentar tem sido um dos mais fortesimpulsionadores das mobilizaes antiglobalizao que vm ocorrendo nos ltimos anos, comdestaque para Seattle e Gnova. De fato, a maior mobilizao da sociedade civil internacionalacontece exatamente em relao s vrias facetas da Soberania Alimentar e sua interao com aproposta de reviso do Acordo sobre o Comrcio Agrcola Internacional, pela OMC. Entre estesressaltamos:

    a introduo de produtos alimentcios transgnicos, tanto em pases desenvolvidoscomo em desenvolvimento, com suas conseqncias sociais, ambientais, econmicas ede sade;

    a questo das patentes de organismos vivos e dos direitos de propriedade intelectual dosprodutores e comunidades agrcolas tradicionais;

    a questo da utilizao do CODEX Alimentarius como barreira no tarifria aocomrcio internacional, especialmente para produtos oriundos de pases do sul;

    a questo da industrializao da agricultura versus a agricultura sustentvel e aagricultura familiar;

    a questo da reforma agrria e do acesso aos recursos naturais; e a questo da migrao

    das grandes indstrias e grande produtoras de alimentos para o Sul, com perdas deemprego no Norte,

    Mas, provavelmente, o maior marco de afirmao da idia da soberania alimentar ocorreuem setembro de 2001, com a realizao do Frum Mundial sobre Soberania Alimentar, em Havana.Em meio a um conjunto de propostas lconstrudas, a Declarao Final desse frum afirma:

    Entendemos por soberania alimentar o direito dos povos a definir suas prprias polticas

    e estratgias sustentveis de produo, distribuio e consumo de alimentos que garantam o

    direitoalimentao para toda a populao, com base na pequena e mdia produo, respeitando

    suas prprias culturas e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indgenas de

    produo agropecuria, de comercializao e de gesto dos espaos rurais, nos quais a mulher

    desempenha um espao fundamental.

    6. CONSTRUINDO O CONCEITO E FORTALECENDO A LUTA, NO BRASIL

    Apresentou-se, ataqui, a construo do conceito de segurana alimentar no nvel mundial eas novas referncias que o intenso debate e lutas travadas vm produzindo. Mas, vale trazerinformaes e analisar como esse processo de definio conceitual se deu no Brasil. Isto, porque, acontribuio brasileira tem sido notria, se no decisiva, naqueles aspectos que representam osmaiores avanos nessa compreenso.

    As primeiras referncias no Brasil segurana alimentar surgiram no mbito do Ministrioda Agricultura, no final de 1985. quela poca foi elaborada uma proposta de Poltica Nacional deSegurana Alimentar, com os objetivos centrais de atender as necessidades alimentares da

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    populao e atingir a auto-suficincia nacional na produo de alimentos. Apesar dessa proposta tertido pouca repercusso na poca em que foi efetuada, a semente estava plantada.

    No ano seguinte, o tema foi retomado na I Conferncia Nacional de Alimentao e Nutrio,um desdobramento da 8 Conferncia Nacional de Sade, quando a alimentao jfoi classificadacomo um direito bsico.

    Tambm no Brasil, o conceito de Segurana Alimentar ampliava-se incorporando, s esferas daproduo agrcola e do abastecimento, as dimenses do acesso aos alimentos, das carnciasnutricionais e da qualidade dos alimentos. justamente aqui que se comea a falar de SeguranaAlimentar e Nutricional, como duas categorias interdependentes.

    Em 1991, o Governo Paralelo, coordenado pelo Partido dos Trabalhadores, elaborou

    proposta de Poltica Nacional de Segurana Alimentar, incorporando as discusses anteriores. Estafoi apresentada ao Governo Collor, que no se mostrou sensibilizado. Sendo reapresentada ao novoPresidente, em fevereiro de 1993, acabou subsidiando a elaborao do Plano Nacional de Combate Fome e Misria e a criao do CONSEA, em maio de 1993.

    Inicia-se, ento, uma fase memorvel de mobilizaes no pas em que o enfrentamento dafome e da misria passa a ser uma questo a ser discutida no bojo das polticas econmicas e sociaise da segurana alimentar, como debate continuado entre sociedade civil e governo.

    Em julho de 1994, realizou-se a I Conferencia Nacional de Segurana Alimentar, convocadapela Ao da Cidadania e pelo CONSEA. Reuniram-se a cerca de 1.800 delegados de todo o pas,com forte predominncia da sociedade civil. O relatrio final refletiu a preocupao da populaobrasileira com a concentrao de renda e da terra, como um dos principais determinantes da fome eda misria no pas.

    Consolidou-se, ento, o entendimento de que a garantia da Segurana Alimentar eNutricional para todos deve ser um dos eixos de uma estratgia de Desenvolvimento Social para oBrasil e que exige, para sua implementao, uma parceria efetiva entre governo e sociedade civil, naqual prevalea o respeito mtuo e complementaridade de aes, ao invs de subordinao.

    Com base em todo o debate desenvolvido neste per odo construiu-se o conceito brasileiro,que foi adotado no documento Brasileiro para a Cpula Mundial da Alimentao, segundo o qual :

    Segurana Alimentar e Nutricional consiste em garantir a todos condies de acesso a

    alimentos bsicos seguros e de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem

    comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em prticas alimentares

    saudveis, contribuindo assim para uma existncia digna em um contexto de desenvolvimento

    integral da pessoa humana.

    Ver : CONSEA (1994) I Conferncia Nacional de Segurana Alimentar - Relatrio Final CONSEA & Ao da Cidadania Contra aFome, a Misria e Pela Vida, Braslia, julho.

    7. A (IN)SEGURANA ALIMENTAR NO BRASIL

    A questo alimentar no Brasil revela um conjunto amplo de problemas, no qual a fome e adesnutrio aparecem certamente como os mais cruciais. Portanto, a incapacidade de acesso aosalimentos ou aos recursos produtivos destinados a produzir esses alimentos s o os principais fatorescausadores da insegurana alimentar.

    Para que possam ser elaboradas e exercidas polticas pblicas aptas para o enfrentamento doproblema da fome e desnutrio preciso que se saiba aproximadamente quantos so, onde esto,

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    que atividades exercem, sexo e idade. So informaes difceis de serem obtidas e, por isso, existesempre muita polmica acerca desses dados.

    O Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), que um rgo vinculado aoMinistrio do Planejamento, Oramento e Gesto, vem nos ltimos dez anos estimando o nmero depessoas que vivem abaixo do nvel de indigncia no pas. Estas formariam o contingente que viveem uma situao de fome, em estado contnuo. Segundo os nmeros do Mapa da Fome, do IPEA,teria ocorrido uma reduo significativa deste contingente, entre 1990 e 1996 (1990: 33.002.648 depessoas; 1993: 29.737.091; 1995: 23.515.136 e 1996: 21.352.479). Esta reduo foi maispronunciada nas rea urbanas do que nas rurais, sendo que em 1996, 45,8% dos indigentes estavamna rea rural e 20,48% nas regies metropolitanas. Assim, ainda eram mais de 21 milhes depessoas, em 1996, cuja renda no cobria sequer o custo de uma alimentao capaz de cobrir asnecessidades nutricionais bsicas. (ARIAS, 1999) Esta uma populao em alto risco deinsegurana alimentar.

    No mesmo perodo, a populao abaixo do nvel de pobreza baixou de 67.533.576 (48% dapopulao) para 55.032.912 (35,6%). (ARIAS, 1999-2) Inicialmente, a estabilizao teve umimpacto positivo sobre a renda e condies de vida dos setores mais pobres da sociedadebrasileira, explicando em grande parte a reduo significativa no nmero absoluto de pessoas abaixodo nvel de indigncia e pobreza, observado at1996.

    A melhoria desses nmeros at1996 podem, em parte, serem atribudos ao impacto doplano econmico de estabilizao. Esta situao voltou a se agravar nos anos seguintes, com oefeito das polticas ditadas pelo receiturio das organizaes financeiras de Bretton Woods(FMI, Banco Mundial e OMC), extremamente perniciosas para as condies de vida, em geral,e para as condies alimentares e nutricionais da populao.

    Outros estudos, baseados em perfil de consumo, desenvolvidos em vrias cidadesbrasileiras, mostram que esta populao abaixo do nvel de pobreza (55 milhes, em 1996), tambmse encontrava em risco de insegurana alimentar, seja do ponto de vista energtico, seja do ponto devista de consumo insuficiente de uma srie de macro e micronutrientes como o ferro, a vitamina B12, a Vitamina A e o Clcio, com grande impacto sobre a morbidade e mortalidade, tanto de crianascomo em adultos. (GALEAZZI, 1997).

    Um estudo recente, desenvolvido pelo Instituto da Cidadania 1, estima que, em 1999, haviam

    cerca de 44 milhes de brasileiros abaixo da linha de pobreza. Entre estes, os grupos sociais maisfreqentes so os pequenos agricultores, os trabalhadores domsticos, os trabalhadores sem carteiraassinada e os desempregados. A estimativa do Instituto da Cidadania mostra, ainda, que 9% dessas

    pessoas esto na Regio Norte, 50% na Regio Nordeste, 26% na Regio Sudeste, 10% na RegioSul e 6% na Regio Centro-Oeste. Este estudo mostra, tambm, que 20% dos mais pobres do pasvivem nas reas metropolitanas, 45% nas reas urbanas no metropolitanas e 34% nas reas rurais.

    Apesar da melhoria no quadro alimentar e nutricional, o desafio que se coloca nossa frenteainda imenso. Segundo dados do Ministrio da Sade, o Brasil tem uma mortalidade infantilestimada em 37 por mil nascidos vivos, tendo 55% destes bitos a desnutrio como causa principalou associada. (MS,1999).

    Cerca de 57 mil crianas menores de um ano morrem por ano em decorrncia de noter seu direito humano alimentao garantido.Isto sem contar que cerca de 1 milho de crianasnascidas (aproximadamente um tero do total de nascimentos), a cada ano no Brasil, n o temregistrado nem seu nascimento, nem seu eventual bito. Uma correo deste sub-registroprovavelmente demonstrar uma situao ainda mais grave, na medida em que so os filhos dapopulao excluda que no so registrados e mais risco tem de morrer precocemente.

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    Embora o maior percentual da populao em condio de vulnerabilidade esteja nas reasurbanas no metropolitanas, estudos recentes apontam que a situao mais grave ocorre na rearural, com uma grande concentrao entre populaes indgenas, trabalhadores rurais sem terra(acampados e recm assentados), e nas periferias das cidades grandes e mdias. No hindicativo dediferenas significativas entre a situao nutricional de homens e mulheres. Como vimosanteriormente, o problema da insegurana alimentar no Brasil no se limita questo da pobreza efome. Muitos outros aspectos incidem sobre esta situao. As respostas frente a este quadro noprecisam ser inventadas. necessrio que o pas assuma como prioridade um Plano Nacional deSegurana Alimentar e Nutricional, cuja base foi democraticamente construda por ocasio darealizao da Ia. Conferncia Nacional de Segurana Alimentar, promovida pelo CONSEA (1994).Apresenta-se, a seguir, as principais diretrizes estabelecidas nesta Conferncia.

    I. Garantia do direito alimentao adequada para todos os habitantes como um direitohumano bsico

    a) reconhecimento do direito na Constituio;b) regulamentao em legislao especfica e

    c) promulgao de um Cdigo Brasileiro de Conduta sobre o Direito Alimentaoadequada aplic!"el a todos os atores sociais;

    d) institucionali#ao de mecanismos de cobrana da reali#ao do direito de f!cilacesso para toda a populao$

    % &'ome (ero *ma proposta de +oltica De ,egurana Alimentar- ,o +aulo ,etembro .//%$ 0ste estudoconsidera todas as pessoas cu1a famlia tem uma renda di!ria inferior a *,2 %

    II. Ampliar as condies de acesso alimentao e reduzir o seu peso no oramento familiar

    a) Promoo do Desenvolvimento Rural Integrado e Sustentvel

    garantia o acesso terra e das condies para nela produzir, com o desenvolvimento deum amplo processo de reforma agrria;

    garantia do acesso gua para consumo e produo consolidao e apoio agricultura familiar; melhoria da qualidade de vida na rea rural; estmulo produo de alimentos bsicos; apoio verticalizao da produo na propriedade rural; promover o acesso a nichos de mercado;

    incentivo de acesso da agricultura familiar aos mercados institucionais

    promoo da agricultura ecolgica sustentvel.

    b) Desenvolvimento de modelos alternativos de gerao de renda e ocupaes produtivas

    estmulo criao e fortalecimento de pequenas empresas urbanas e rurais; estmulo ao associativismo e ao cooperativismo; capacitao profissional, gerencial e administrativa de trabalhadores e micro

    empresrios; apoio a iniciativas de Crdito Popular;

    c) Promoo de Poltica de abastecimento alimentar popular em reas urbanas

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    iniciativas de Garantia da Renda Mnima (Campinas - renda mnima; Braslia - BolsaEscola; Feira de Santana, Braslia - Cesta da Cidadania, etc.)

    agricultura urbana;

    abastecimento alimentar a preos justos para reas de baixa renda, articulando oprodutor, pequenos varejistas e consumidor.

    III - Assegurar sade, nutrio e alimentao a grupos populacionais determinados

    a) Programas alimentares e nutricionais dirigidos a grupos populacionais social e nutricionalmente

    vulnerveis

    descentralizao do programa de recuperao de crianas e gestantes desnutridas; ampliao do Programa Nacional de Alimentao Escolar;

    programas especiais de erradicao de distrbios nutricionais causados por carncias demicronutrientes;

    outros programas dirigidos a trabalhadores, desempregados, idosos, enfermos e pessoas

    institucionalizadas. focalizao de programas de suplementao emergencial de alimentos

    b) Desenvolvimento de parceria entre sociedade civil e poder publico, visando a implementa o deiniciativas de contrapartida social por parte de todos os beneficirios em situao de excluso e emcondies de desenvolver atividades produtivas, como um mecanismo de construo de cidadania ealavancamento de desenvolvimento humano local.

    IV - Assegurar a qualidade biolgica, sanitria, nutricional e tecnolgica dos alimentos e seuaproveitamento, estimulando prticas alimentares e estilos de vida saudveis.

    vigilncia e controle de qualidade dos alimentos em todos os pontos da cadeiaalimentar, desde a roa at os locais de consumo (domiclio, restaurantes, bares,ambulantes, etc.), passando pelos locais de produo e comercializao;

    operacionalizao do direito de acesso informao sobre a composio dos alimentos,prazos de validade, etc.

    promoo e fornecimento regular de informaes sobre hbitos alimentares e estilos devida saudveis;

    estmulo e criao de oportunidades de acesso a programas supervisionados deatividades fsica a todos os cidados.

    Todo este processo implica na discusso de claros mecanismos de governabilidade e

    controle social, com responsabilidade compartilhada entre os vrios atores, e de capacitao dosrecursos humanos. A adoo de mecanismos unificados de coordenao da poltica dedesenvolvimento em nvel nacional, estadual e municipal fundamental para que a execuo damesma se de dentro das prioridades e das capacidades locais.

    O Governo Fernando Henrique, porm, desprezou todo o acmulo jexistente, priorizandoapenas a estabilizao da econmica brasileira a partir de sua insero sem critrios na economiaglobalizada. Ficou, assim, em segundo plano o enfrentamento imediato das prec rias condies devida de uma grande maioria da populao brasileira.

    Os que mais sofreram com a abertura da economia brasileira s importaes - o setoragrcola e a pequenas e mdias empresas nacionais vem enfrentando grandes dificuldades ou

    quebraram, no conseguindo competir com os produtos importados a baixo preo. Isto levou a umaumento expressivo no desemprego e no xodo rural.

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    Mesmo a Reforma Agrria que vem sendo duramente arrancada pelo movimento social dosSem Terra, poderia ser um forte instrumento de insero social e de fortalecimento econmico doBrasil. Mas visto pelo governo atual e pelo prprio Presidente como uma mera medida de carterexclusivamente social e atrasada. Joga-se na lata de lixo a experincia histrica de muitos pasesque conseguiram alavancar sua retomada de crescimento econmico e social a partir da ReformaAgrria, quando a transformaram em uma das peas centrais da estratgia de desenvolvimento sociale econmico, com nfase na insero da populaes excludas.

    Se no fosse pela presso continuada das entidades da sociedade civil, e mais especialmentedas foras sociais que se integraram na Ao da Cidadania, no CONSEA, no COEP, na Pastoral daCriana e, mais recentemente, no Frum Brasileiro de Segurana Alimentar e nutricional, estatemtica teria sido eliminada da agenda poltica brasileira De novembro de 1998 ato momento, oFrum Brasileiro de Segurana Alimentar e Nutricional Sustentvel, em parceria com a sociedadecivil e os governos estaduais de pelo menos 10 estados brasileiros, vem articulando a constru o deFruns Estaduais e Conselhos de Segurana Alimentar e Nutricional Estaduais, com a participaode governo e sociedade civil. O objetivo central destes conselhos o de garantir que um dos eixosestratgicos das polticas pblicas econmicas e sociais, em nvel estadual, seja o de combater a

    fome e a excluso social, promovendo o direito humano alimentao para todos. (FBSAN, 1999)

    8. Pensando a Segurana Alimentar no local

    O desenvolvimento local, no contexto da busca de modos-de-vida sustentveis, um dosmuitos caminhos alternativos em direo construo de um novo paradigma para a humanidade. no local onde as pessoas vivem. no local, que vivem os meninos na e da rua. no local ondeexistem pessoas desempregadas, vivendo e sendo sustentadas por suas famlias, sem teto, sem terra esem comida. no local, onde os desnutridos e todos os exclu dos podem deixar de ser estatsticas erecuperar seus rostos e seus nomes. no local que decises imediatas, sejam individuais oucoletivas, podem salvar ou mudar as vidas de um indiv duo, de uma famlia e mesmo de umacomunidade.

    A construo da Segurana Alimentar e Nutricional, com base em tudo que dissemosanteriormente, deve constituir-se em um dos pilares fulcrais de qualquer projeto de desenvolvimento

    local. O princpio bsico tico e moral de aqui ningum passa fome, ou aqui todo mundo sealimenta bem expressa um dos objetivos primrios de qualquer organizao social que tenha comopreocupao central o bem estar do ser humano. As aes visando a consecuo deste objetivopodem envolver o desenvolvimento da reforma agrria, a produo urbana coletiva ou individual dealimentos, mecanismos de comercializao direta do produtor ao consumidor, polticas locais deabastecimento popular, aes de infra-estrutura sanitria e de saneamento, promoo de servios desade orientados para pessoas e famlias em risco, fortalecimento de programas de alimentaocoletiva, entre outros. Entendemos que toda iniciativa de desenvolvimento local deve incorporar,

    como um de seus elementos, a garantia do direito alimentao adequada.

    Um estudo recentemente desenvolvido pelo POLIS (Maluf et alii, 2000) identifica cinco

    grandes diretrizes para a promoo da segurana alimentar e Nutricional no municpio:

    1) promover a produo rural e urbana e a comercializao de alimentos, realizadas em basessocialmente eqitativas;

    2) ampliar o acesso a uma alimentao de qualidade e regular as condies em que os alimentos sodisponibilizados populao;

    3) promover a educao alimentar e a organizao dos consumidores na defesa dos seus direitos;

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    4) universalizar e assegurar a qualidade dos programas alimentares com carter suplementar ouemergencial dirigidos a grupos populacionais especficos;

    5) estimular a participao da sociedade civil na formulao e na implementao da poltica desegurana alimentar e apoiar as iniciativas no-governamentais. Apresenta-se, a seguir, umasistematizao acerca dos objetivos, instrumentos e requisitos associados a cada uma dessasdiretrizes.

    1. Produo de alimentos em bases socialmente eqitativas

    Objetivos

    Instrumentos

    Requisitos

    1. Promoo da agricultura de base familiar

    1.1. Melhorar a qualidade dos produtos e agregar valor aos produtos agrcolas

    Estimular a constituio de associaes de pequenos agricultores com fins produtivos

    Oferecer apoio tcnico e logstico aos investimentos

    Promover cursos de capacitao no processamento de alimentos Revisar critrios e introduzir postura de promoo nos servios de inspeo e vigilncia Introduzir a tica da segurana alimentar nos programas de desenvolvimento rural Fortalecer o papel dos CMDR's

    Capacitar tcnicos municipais

    1.2. Mobilizar reas ociosas rurais e urbanas

    Assentamentos rurais

    Cesso de reas de propriedades locais a pequenos agricultores Promoo de hortas urbanas Participar ativamente dos programas estaduais e federal de assentamentos rurais

    Encaminhar negociaes junto aos proprietrios rurais Benefcios fiscais na cobrana do IPTU e do ISS

    1.3. Acesso ao crdito

    Estimular formas de micro-crdito e de crdito solidrio Acesso a fundos pblicos de aval Criar fundo de aval ou favorecer o acesso a fundos jexistentes

    1.4. Criao de mercados

    Conferir prioridade aos pequenos produtores nos equipamentos pblicos de varejo Criar espaos pblicos para a comercializao Apoiar iniciativas de criao de pontos de venda pelos produtores Orientar a poltica de compras governamentais de alimentos Adequar a gesto de varejes, mercados e feiras

    Instituir feiras de produtores, de produtos artesanais e de orgnicos Redefinir o cardpio e as normas dos editais de compra para a alimentao escolar

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    1.5. Mulheres produtoras rurais

    Conferir apoio especfico s mulheres produtoras Estimular iniciativas de insero econmica Apoiar a eliminao da discriminao no acesso aos recursos produtivos (crdito, etc.)

    Promover capacitao no processamento de alimentos

    2. Estmulo e capacitao da produo urbana de alimentos

    2.1. Promover a produo domstica de alimentos

    Cursos de capacitao no processamento de alimentos Estimular formas de micro-crdito e de crdito solidrio Revisar critrios e introduzir postura de promoo nos servios de inspeo e vigilncia

    2.2. Apoiar a pequena indstria alimentar

    Cursos de capacitao em aspectos gerenciais e comerciais Favorecer a integrao com produo local de matria prima agrcola Mobilizar os servios de apoio s pequenas empresas (Sebrae e outros) Revisar critrios e introduzir postura de promoo nos servios de inspeo e vigilncia

    2. Acesso uma alimentao de qualidade

    Objetivos

    Instrumentos

    Requisitos

    1. Regulao do mercado e promoo da eqidade

    1.1. Regular o mercado de alimentos e ampliar a disponibilidade de produtos alimentares em bases

    socialmente eqitativas

    Ampliar e aprimorar o funcionamento de equipamentos pblicos como os sacoles, varejese feiras-livres

    Monitorar o fluxo de mercadorias e o comrcio atacadista Implementar programas de reduo das perdas e do desperdcio de alimentos Investir na construo ou na melhoria dos equipamentos pblicos Adequar a gesto dos entrepostos ou centrais poltica de abastecimento Criar sistemas regionalizados de informaes de mercado adequados aos pequenos

    produtores e comerciantes

    1.2. Estimular e aprimorar o pequeno varejo de alimentos

    Apoiar o pequeno comrcio especializado de alimentos

    Promover a conexo com a produo agroalimentar local e regional Mobilizar entidades associativas do pequeno comrcio e de produtores Programas de capacitao tcnica e gerencial

    2. Construir mercados e aproximar a produo e o consumo de alimentos

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    2.1. Apoiar a comercializao de produtos diferenciados por pequenos produtores

    Criar espaos pblicos para a venda direta de produtos diferenciados (artesanais, orgnicos eoutros)

    Estimular o aprimoramento e a difuso de produtos especficos ou tpicos Investir na construo-melhoria de espaos pblicos Implementar programas de reconverso produtiva Mobilizar entidades associativas de produtores

    2.4. Ampliar o acesso a alimentos de qualidade pela populao de baixa renda

    Organizao de grupos de compras comunitrias Mobilizar entidades associativas comunitrias e de produtores rurais Promoo de redes de economia solidria

    3. Alimentos preparados e refeies

    3.1. Oferecer refeies de qualidade a baixo preo

    Construo de restaurante popular em aglomerados urbanos de mdio e grande portes Projeto especfico de criao e gesto de restaurante popular

    3.2. Assegurar a qualidade do oferecimento de refeies prontas

    Manter um sistema permanente de fiscalizao de restaurantes e demais servios dealimentao

    Criar ou capacitar servio de fiscalizao municipal

    4. Adequao do aparato institucional

    4.1. Atuar com enfoque sistmico no abastecimento alimentar

    Criao de um rgo municipal especfico de abastecimento alimentar, preferencialmentecom estatuto de uma Secretaria

    Capacitar tcnicos municipais e outros agentes sobre os mercados de alimentos e suacomercializao

    4.2. Assegurar e promover a produo e a comercializao de alimentos de qualidade

    Constituio e aparelhamento dos servios municipais de inspeo e vigilncia sanitria Atuao promotora destes servios junto a pequenos e mdios produtores e comerciantes Estabelecimento de acordos (convnios) com os servios estaduais e federais Adequao da legislao em vigor aos objetivos da poltica de segurana alimentar

    4.3. Construir a sustentabilidade poltica e econmica a mdio prazo dos programas de abastecimentoalimentar

    Adotar a perspectiva da parceria ativa com permissionrios e usurios dos programas

    Buscar o auto-financiamento dos programas de abastecimento, exceto quando couber aconcesso de subsdios a consumidores de baixa renda

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    Estimular a organizao dos permissionrios e usurios dos equipamentos pblicos Reduzir custos indiretos e eliminar subsdios a permissionrios Buscar parcerias com entidades privadas para a implementao dos programas

    3. Educao alimentar e organizao dos consumidores

    Objetivos

    Instrumentos

    Requisitos

    1. Educao para o consumo

    1.1. Promover hbitos alimentares saudveis

    Promover ou participar de campanhas educativas massivas

    Rever os cardpios da alimentao escolar e de outros programas pblicos Introduzir elementos educativos nos programas alimentares municipais

    Realizar diagnsticos do perfil do consumo alimentar no municpio Elaborao de material educativo Capacitao dos tcnicos municipais e dos manipuladores de alimentos Incorporao das escolas nas iniciativas ligadas alimentao

    1.2. Estimular a diversidade no consumo alimentar

    Apoiar a promoo de produtos tpicos ou diferenciados Introduzir ou apoiar programas de utilizao de alimentos no-convencionais Incorporar elementos educativos nos programas relativos produo e ao abastecimento Capacitao na rea de alimentos no-convencionais

    1.3. Difundir as noes de segurana alimentar e direito alimentao

    Incorporar o tema da segurana alimentar nos currculos escolares Incorporao das escolas nas iniciativas ligadas alimentao

    2. Participao dos consumidores

    2.1. Integrar os consumidores na formulao e implementao da poltica de segurana alimentar

    Prever a participao da representao dos consumidores nas instncias deliberativas e nosprogramas pblicos

    Promover a atuao conjunta dos servios de inspeo e fiscalizao com as entidades dosconsumidores

    Sensibilizar os consumidores quanto noo de segurana alimentar e seus diversoscomponentes

    Estabelecer as conexes entre o consumo de alimentos e as formas de produo ecomercializao

    Instituir a notificao compulsria das ocorrncias de sade associadas ao consumo dealimentos

    2.2. Apoiar as iniciativas das entidades de consumidores relativas aos alimentos

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    Participar nas campanhas destas entidades (como em relao aos OGM's)

    Contribuir para o esclarecimento em relao aos diversos componentes da seguranaalimentar

    Apoio e participao efetiva nas campanhas Promoo de atividades de esclarecimento e capacitao

    3. gua como alimento essencial

    3.1. Assegurar o acesso gua de qualidade ao conjunto da populao, e de servios de saneamentobsico

    Extenso da rede de gua e de saneamento bsico Combate prioritrio contaminao das fontes de abastecimento de gua Preservar o controle pblico sobre o manejo e a distribuio de gua potvel

    4. Programas alimentares suplementares

    Objetivos

    Instrumentos

    Requisitos

    1. Educao, organizao e emancipao dos beneficirios

    1.1. Adequar a orientao e a execuo dos programas de suplementao alimentar s diretrizes dapoltica municipal de segurana alimentar

    Avaliar os programas existentes luz das diretrizes de poltica Articular os programas assistenciais s aes estruturantes

    Avanar na discriminao positiva dos beneficirios dos programas Integrar os programas de suplementao aos espaos de coordenao da poltica de

    segurana alimentar Aproximar os programas de suplementao aos das demais diretrizes de poltica Contribuir para a reviso de programas federais e estaduais com implementao

    descentralizada

    2. Programas e aes emergenciais de combate fome e desnutrio

    2.1. Implementar aes dirigidas a grupos sob risco de fome

    Programas de distribuio de alimentos associados a aes organizativas e educativas Identificao dos grupos de risco atravs dos servios de sade e de outros instrumentos de

    investigao Busca de parcerias com entidades no-governamentais e associaes comunitrias ou

    sindicais

    2.2. Instituir ou aperfeioar o sistema de vigilncia alimentar e nutricional

    Assegurar o bom funcionamento do SISVAN no municpio

    Integrar as atividades nas unidades do SUS e nas escolas e creches aos objetivos da pol ticade segurana alimentar

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    Disponibilizar recursos humanos e materiais para o funcionamento do sistema

    3. Programa de alimentao escolar

    3.1. Universalidade e regularidade do oferecimento

    Aporte de recursos financeiros e humanos prprios e captao local de recursossuplementares

    Programas especiais de oferecimento de refeies Assegurar continuidade na liberao de recursos

    3.2. Promover hbitos alimentares saudveis e diversificados e introduzir componente de seguranaalimentar

    Adequar os cardpios oferecidos, e incorporar produtos regionais e perecveis Apoiar a organizao dos pequenos e mdios produtores locais e regionais para fornecerem

    alimentos ao programa

    Difundir conhecimentos sobre os alimentos e sua produo-preparao, desde a tica dasegurana alimentar

    Capacitao dos tcnicos municipais e dos manipuladores de alimentos nas escolas Revisar editais de compra dos alimentos de modo a estimular a participao de fornecedores

    locais

    Elaborao de material pedaggico

    3.3. Fortalecer a representatividade e a participao dos Conselhos de Alimentao Escolar

    Mobilizar as comunidades envolvidas e seus representantes

    Conferir atribuies de gesto

    Implementar atividades de capacitao dos integrantes dos conselhos

    4. Programas de alimentao do trabalhador

    4.1. Monitorar a implementao do PAT

    Incorporar a iniciativa privada nos espaos de coordenao da poltica de seguranaalimentar e aproximar sua implementao das diretrizes da poltica municipal

    Sensibilizar a iniciativa privada participante do PAT e respectivos trabalhadores quanto

    perspectiva da segurana alimentar Mobilizar entidades empresariais e sindicais

    5. Aes pblicas no-governamentais

    5.1. Estimular e apoiar as iniciativas no-governamentais voltadas para a suplementao alimentar e ocombate ao desperdcio

    Integrar as entidades e suas atividades no mbito da poltica municipal de seguranaalimentar

    Apoiar as aes de doao de alimentos Oferecer suporte tcnico, logstico e financeiro a estas iniciativas Promover atividades de capacitao dos integrantes destas entidades para o aproveitamento

    integral dos alimentos

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    5. Participao da sociedade civil e institucionalidade

    Gabinete do Prefeito Poltica Municipal de Segurana Alimentar e Nutricional

    Programas Pblicos

    Entidades

    Sociedade Civil

    Secretarias e Programas

    Aes Pblicas

    Instncia Coordenadora da

    PMSAN

    Bibliografia consultada

    1. COMISSO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. Comentrio Geral numero 12.- O direitoAlimentao Adequada . UNHCHR, Genebra, 2000.

    2. CONSEA (1994)I Conferncia Nacional de Segurana Alimentar - Relatrio FinalCONSEA &Ao da Cidadania Contra a Fome, a Misria e Pela Vida, Braslia, julho.

    3. CONSEA (1994) Diretrizes para uma Poltica Nacional de Segurana Alimentar: as dezprioridades.

    CONSEA, Braslia.

    4. MALUF, Renato S. et alii. Aes Pblicas Locais de Segurana Alimentar Nutricional-Diretrizes para uma Poltica Municipal . POLIS, So Paulo, 2000.

    5. MARQUES, Suzana. I.B. Patrimnio cultural da alimentao em risco Paris, 2000 (mimeo).

    6. MARQUES, Suzana. I.B. Prticas alimentares e valor nutricional da alimentao Paris, 2000.(mimeo).

    7. MENEZES, F. Soberania Alimentar: requisito indispensvel para a segurana alimentar, no atual

    contexto de globalizao IBASE, Rio de Janeiro, 2001.

    8. VALENTE, F. Do combate Fome Segurana Alimentar e Nutricional: o Direito Alimentao adequada. R. Nutr. PUCCAMP, Campinas. 10 (1): 20-36, jan.jun, 1997.

    9. VALENTE, F. O Controle Social do Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE) nocontexto da promoo do Direito Humano Alimentao e Sade. GORA, Braslia, 2001.

    10. VALENTE, F. O combate Fome e a desnutrio e a promoo da alimentao adequada nocontexto do Direito Humano Alimentao - um eixo estratgico do desenvolvimento humanosustentvel So Paulo, Instituto da Cidadania, 2001.

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    11. WATKINS, K & WINDFUHR, M. The effect of the Uruguay Round on food security. ThirdWorld Resurgence, Bonn, 1996.