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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO URBANO DE SÃO JOÃO DEL REI/MG SOB A PERSPECTIVA DA GEOGRAFIA CULTURAL E DA PAISAGEM Altino Barbosa Caldeira Programa de Pós-Graduação em Geografia Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [email protected] José Flavio Morais Castro Programa de Pós-Graduação em Geografia Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais jfl[email protected] INTRODUÇÃO Este artigo pretende mostrar como se originou e desenvolveu a cidade de São João del Rei, sob o prisma da geografia cultural e da paisagem, como o processo de transformação altera a escala desta paisagem e como as pesquisas desenvolvidas no âmbito acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais tem contribuído para a preservação e conservação da paisagem cultural resultante desse processo. Para isto buscará fornecer informações sobre sua história, o território onde se estabeleceram os primeiros desbravadores e como a paisagem natural se transformou no tempo para acolher e favorecer o ciclo de crescimento que logo se impôs. A cidade de São João Del Rei, em Minas Gerais, tem uma dinâmica urbana que arrebata a imaginação do geógrafo. Situada na região das terras altas da Serra do Espinhaço e no Campo das Vertentes, cujo nome demonstra a sua riqueza hidrográfica, apresenta atualmente um desempenho econômico, social e turístico que a destaca dentre as outras cidades do Estado. O objetivo principal deste estudo é mostrar como a paisagem cultural resultante deste processo tornou-se protagonista dos enredos e das conquistas obtidas na construção 83

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TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO URBANO DESÃO JOÃO DEL REI/MG SOB A PERSPECTIVA DA

GEOGRAFIA CULTURAL E DA PAISAGEM

Altino Barbosa Caldeira

Programa de Pós-Graduação em Geografia

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

[email protected]

José Flavio Morais Castro

Programa de Pós-Graduação em Geografia

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

[email protected]

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende mostrar como se originou e desenvolveu a cidade de São

João del Rei, sob o prisma da geografia cultural e da paisagem, como o processo de

transformação altera a escala desta paisagem e como as pesquisas desenvolvidas no âmbito

acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais tem contribuído para a preservação e conservação da paisagem cultural

resultante desse processo. Para isto buscará fornecer informações sobre sua história, o

território onde se estabeleceram os primeiros desbravadores e como a paisagem natural se

transformou no tempo para acolher e favorecer o ciclo de crescimento que logo se impôs. A

cidade de São João Del Rei, em Minas Gerais, tem uma dinâmica urbana que arrebata a

imaginação do geógrafo. Situada na região das terras altas da Serra do Espinhaço e no

Campo das Vertentes, cujo nome demonstra a sua riqueza hidrográfica, apresenta

atualmente um desempenho econômico, social e turístico que a destaca dentre as outras

cidades do Estado.

O objetivo principal deste estudo é mostrar como a paisagem cultural resultante

deste processo tornou-se protagonista dos enredos e das conquistas obtidas na construção

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do espaço urbano, considerando que o patrimônio cultural é o conjunto de bens e práticas

consideradas de grande valor para uma determinada comunidade e que diz respeito á

formação desta comunidade, pois de acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu

artigo 216, “constituem patrimônio cultural os bens de natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referencia à identidade, à ação, à

memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Considera-se,

portanto, que esta paisagem é uma porção peculiar do território brasileiro, “representativa

do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana

imprimiram marcas ou atribuíram valores” (ALMEIDA, 2009).

Desse modo, para se avaliar as referências atualmente encontradas na paisagem

de São João del Rei, recorreu-se a mapas, fotografias e desenhos da região, para demonstrar

como se deu esta ocupação e em que sentido esta transformação contribuiu para os valores

que são considerados relevantes e significativos recebidos como herança cultural e que

cabe a nós e às gerações futuras, conhecer e preservar como referencias à sua identidade e

memória.

Considera-se que o conhecimento de bens que integram o patrimônio cultural é

um passo importante para seu reconhecimento e sua valorização, apresentando-se como

condição imprescindível para que sejam preservados. Portanto, a utilização de recursos

modernos para a visualização desses bens, capazes de disponibilizar grande quantidade de

informações de maneira dinâmica e interativa a estudantes, profissionais, pesquisadores e

políticos, torna-se fundamental para o processo de integração entre a comunidade e sua

memória.

ANTECEDENTES

No final do século XVII, as bandeiras vindas da região de São Paulo, começaram a

percorrer as trilhas utilizadas pelos índios para alcançar a região montanhosa onde se

esperava encontrar as riquezas pretendidas pela Coroa Portuguesa. Em 1674, foram

iniciados os dois movimentos de ocupação da região das terras da futura Capitania das

Minas Gerais. O primeiro, partindo de São Paulo, buscando ouro e pedrarias e, o segundo,

da Bahia, procurando pastos para a criação de gado (CARRARA, 2007, p.52). O risco de

doenças e a ameaça indígena, assim como as dificuldades naturais do relevo acidentado e

dos rios caudalosos a atravessar, eram obstáculos a enfrentar. Entre os anos 1693 e 1695,

foram descobertas nas bacias dos rios São Francisco e Doce, grande quantidade de ouro de

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aluvião. O monopólio as minas eram reivindicadas pelos paulistas, que invocavam a seu

favor o disposto na carta régia de 1694, dirigida a D. João Lencastre, Governador do Brasil

(VASCONCELLOS, 1974, p.15).

As lavras, distribuídas por este vasto território, tinham o Rio São Francisco a

correr-lhe pelo centro enquanto para além de suas margens ficava ao sertão, ainda

desconhecido. Nesse espaço de natureza variada, entre montanhas e vales, os lugares

foram recebendo denominações diversas, constituindo-se em assentamentos de

mineradores que foram adquirindo identidades próprias. Organizando-se geograficamente

de forma gradativa em torno dos córregos e ribeirões, que davam nomes aos lugares, os

ambientes, ainda de marcação imprecisa, passaram a receber as construções das primeiras

capelas e do casario de entorno. As capelas eram dedicadas ao santo do dia em que ali se

estabeleciam os forasteiros, por um costume religioso que atribuía, assim , ao santo

protetor a incumbência de zelar pelo sucesso da empreitada e a quem se deveria recorrer

nos possíveis infortúnios. A primeira ocupação histórica do território onde hoje se encontra

a cidade de São João Del Rei, ocorreu com a descoberta do ouro nos córregos e ribeirões da

região e, em 1704, o assentamento formado pelos primeiros mineradores, liderados pelo

bandeirante paulista Tomé Portes del Rei, passou a chamar-se Arraial Novo Rio das Mortes.

Com o rápido povoamento, esta região tornou-se o centro econômico da

Colônia, ainda pertencente à Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, criada em 1709. São

João del Rei se destacava pela sua localização, pois era passagem obrigatória para os

viajantes que buscavam a região aurífera concentrada em sua maior parte nas vilas de

Caeté, Sabará, do Ribeirão do Carmo e em Vila Rica. Vindos de São Paulo ou do Rio de

Janeiro, deviam transpor os rios do sul de Minas, que serviram de referencia para a

conquista do território mineiro, como o Verde, Baependi, Grande, Preto e das Mortes, pelo

Caminho Velho - de São Paulo para as minas - ou o Rio Paraíba do Sul, Paraibuna, pelo

Caminho Novo - que subia do Rio de Janeiro para as minas pela Serra do Mar e a Serra da

Mantiqueira.

Costa (2005, p.58) mostra mapas detalhados sobre a região central das minas e

os traçados dos vários caminhos, com destaque para o Caminho dos Currais, Caminho pelo

Sertão, Caminho de São Paulo para as minas e Caminho Novo. Esses caminhos que se

faziam eram de passagem obrigatória para os registros de cobrança de pedágio e controle

da passagem do ouro extraído nas minas. Segundo Costa (2005), das oito cartas

pertencentes ao acervo da Biblioteca Nacional, manuscritas a tinta e a lápis, a mais

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abrangente inclui informações sobre os cursos dos Rios Paraíba, Paraopeba, das Mortes e

Grande com referencias às nascentes do Rio da Prata e São Francisco. O Caminho Velho, de

São Paulo em direção às minas passava por Guaratinguetá, atravessando a Serra da

Mantiqueira e passando pelas localidades de Pinheirinho, Pouso Alto, Carrancas, São João

del Rei e Lagoa Dourada, Congonhas e outros, até Ouro Preto.

Os conflitos oriundos das disputas pela posse das lavras, gerados pela cobiça

pelo ouro, levaram à Guerra dos Emboabas, entre portugueses e paulistas, insatisfeitos com

o direito de exploração das jazidas, quando aconteceu o triste episódio do “Capão da

Traição”, quando os paulistas foram emboscados e chacinados pelos portugueses. Esses

sinistros acontecimentos contribuíram para a criação oficial das vilas, em 1711, assumindo

suas formas jurídicas próprias, providas de caráter administrativo e eclesiástico. Como as

atividades mineradoras prescindem de alimentos para abastecer esta população as

atividades produtivas se concentravam nos quintais e nas pequenas fazendas que surgiram

nas imediações das vilas, com a criação de gado e fazendas que cuidavam da agricultura de

subsistência. Organizando-se espacialmente e estrategicamente no espaço da vida colonial

ao longo do século XVIII, concentrou uma população empenhada em produzir bens de

consumo e oferecer serviços às outras vilas mineradoras. Em 1713, para homenagear Dom

João V, Rei de Portugal, o arraial alcançou foros de vila, passando a se chamar Vila de São

João Del-Rei, em homenagem a D. João V, conformando-se como um posto comercial

importante passando a ser sede da Comarca do Rio das Mortes (Fig. 1).

Fig. 1- Limite de vilas e comarcas da Capitania de Minas Gerais, no quadro atual do Estado de MinasGerais, entre os anos de 1711 e 1713; Fonte: Castro, 2011.

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A produção aurífera contabilizada neste período repercutiu de modo positivo

sobre a economia e a região, cuja rede de estradas de ligação entre os diversos núcleos

urbanos se expandiu consideravelmente, constituindo-se as estradas reais, oficiais, onde

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deveriam passar e ser aferida toda a produção. Após o levante ocorrido em Vila Rica, contra

a taxação do imposto sobre o quinto do ouro e a dominação e execução dos insurgentes, foi

criada a Capitania de Minas Gerais, em 1720, por desmembramento. A quantidade de ouro

que chegou em Lisboa (GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA, 1967, p.808

apud CALDEIRA, 1997), em quilos, em alguns anos específicos do século 18. Entretanto, de

1740 a 1755 esta produção diminuiu e tornou-se fixa entre 14.000 e 16.000 kg (Tabela 1).

Tabela 1 – Datas e quantidade de ouro vindas do Brasil, que chegaram em Lisboa; Fonte:Caldeira, 1997.

Data Quantidade (em kg)

1699 725

1701 1.785

1703 4.350

1712 14.000

1720 25.000

1721 21.000

Em 1744, a Câmara da Vila de São João del Rei assinalava a decadência das lavras

de mineração com mais de dez anos (CARRARA, p.20) repetindo o que as câmaras das outras

vilas confirmavam sobre a ruína da Capitania, pelo esgotamento do ouro aluvional. Ao

mesmo tempo, ressaltava-se a abundancia de carnes de porco e de vaca, assim como o

necessário aprovisionamento de grãos, hortaliças e frutos na região das minas. Desse modo

caracterizava-se, ao mesmo tempo, a decadência e a opulência (CARRARA, p.23). Por causa

de seus vales férteis e de clima ameno as colinas do Campo das Vertentes

transformaram-se, ainda no século XVIII, no celeiro de cereais de Minas.

Em 1789, a Comarca foi berço de um dos mais destacados episódios da

Inconfidência Mineira, que tinha a intenção de romper com Portugal. Seus moradores em

que se incluíam os habitantes da vizinha Vila de São José (atual Tiradentes) e de Vila Rica

(atual Ouro Preto) uniram suas forças contra a dominação portuguesa, contra a opressão

colonial. Os inconfidentes tinham relação com as atividades de extração mineral ou com a

produção agrícola e muitos deles haviam estudado na Europa e tinham consciência dessa

opressão. Eram contra a cobrança de impostos excessivos, que os indignavam. Todavia,

entre eles encontrava-se um traidor que denunciou ao a trama aos dirigentes portugueses

resultando na prisão, morte ou deportação dos envolvidos.

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De acordo com John Mawe em sua visita à região, em 1809, de cuja data é o

mapa abaixo (Fig. 2) relata que “São João Del Rei, capital do distrito de mesmo nome é uma

cidade importante com cinco mil habitantes no mínimo. Está situada perto do Rio das

Mortes, que corre para o Norte, e se lança no Rio das Velhas. O terreno em torno é muito

fértil, e produz excelentes frutos, tanto exóticos como indígenas, assim como o milho e o

feijão, um pouco de trigo, etc. E a parte mais cultivada da Comarca, da qual é celeiro; aí

fabricam sofrível quantidade de queijo e toucinho muito mal preparado. Estes dois artigos

são enviados ao Rio de Janeiro. Dai mandam muitas aves, um pouco de cachaça, açúcar e

café. Os víveres são mais baratos que em Vila Rica. A carne de porco e de vaca custa um

penny e uma libra; as aves e as hortaliças na mesma proporção (...). Cultiva-se um pouco de

algodão, que se fia à mão e com o qual se fabricam panos grosseiros para os negros;

algumas vezes fazem deles panos mais finos para a mesa. As senhoras de São João del Rei

gostam muito de fazer renda e são consideradas mais cuidadosas com coisas domésticas do

que as de outras cidades; muitas descendem dos paulistas, tão célebres por seu espírito de

obra e economia” (MAWE,1978).

O Campo das Vertentes foi notório no período colonial e ainda o é, pela

variedade de sua produção que inclui a capacidade artesanal de sua população. O inglês

John Mawe, também se encantou com a beleza da vegetação: "Na vizinhança de São João

Del Rei (...) há uma singular espécie de pinheiros, de cuja casca transuda muita goma

resinosa. (tinta para tecido) A madeira é de um belo vermelho escuro, cheia de nós e

excessivamente dura. (...) Cultiva-se um pouco de algodão, que se fia a mão e com o qual se

fabrica panos grosseiros para os negros; algumas vezes fazem dele panos mais finos para

mesa. As senhoras de São João Del Rei gostam muito de fazer renda e são consideradas

mais cuidadosas com cousas do lar do que as das outras cidades". Afirma, ainda que “a

Comarca, que nunca dependera demasiadamente da mineração, supera com certa

galhardia a crise econômica que se abateu sobre a Capitania, principalmente depois de

1780".

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Fig. 2 – Demonstração no Novo Mappa topográfico orientado, e geograficamente exposto para omais verdadeiro e exato conhecimento do terreno que formava o Termo da Villa de S. João d’elRei

[AN (F2/Map.1-4/5) - Fotografia: Vicente Mello] ; Fonte: Costa, 2005, p.87

Por outro lado, em 1818, o viajante inglês John Luccock assim descreveu a Vila de

São João Del Rei: “Cerca de 200 pés abaixo da Igreja do Bomfim, estende-se a Vila de São

João d’El Rey. O primeiro dos epítetos pelo qual se a designa, indica ser ela um agrupamento

de segunda ordem, somente inferior a uma cidade e munida de todas as repartições

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próprias de tal categoria. Do local em que estamos, muitas ruas são nitidamente visíveis, o

curso de um ribeirão amplo e raso, coleando através da vila, as duas pontes que o

transpõem, os edfícios públicos todos e muitas casas particulares, entre leas destacava-se

muito a de um meu amigo Aureliano, distinguindo-se, como aliás várias outras, pelas janelas

envidraçadas e outros traçosde superioridade. A mistura de numerosas igrejas com as

casas, de telhas vermelhas e ainda não enegrecidas pelo fumo, de telhados não deformados

pela intromissão de chaminés, de paredes feitas limpas e alvas pela aplicação de argamassa

e caiação, do calçamento cor de cinza das ruas, das areias amarelentas do rio e do verde dos

jardins, formava um quadro pitoresco e interessante. De um modo geral, a cidade é

compacta, sua forma aproximadamente circular e sua situação e porte muito semelhantes

aos de Halifax, no Yorkshire. O cenário vizinho é grandemente montanhoso e apresenta

estranha mistura de morros arredondados e rochedos fragmentados, de aridez e verdura

de pobreza do solo e riqueza da vegetação, de jardins em meio a desertos e de conforto em

plena desolação” (LUCCOCK, 1975). Luccock faz referência também às igrejas, treze ao todo,

com seus ornamentos extraordinários, seus tetos arqueados e pintados em vermelho

amarelo e azul, bem ao gosto brasileiro, com imagens da Virgem e dos santos. Na década de

1830, a economia da região atrai a indústria têxtil e com a implantação de fábrica de

extração mineral com alta tecnologia, com a chegada da St. John Del Rei Mining Company.

Em 1838, a Vila foi elevada à condição de cidade, quando a escala urbana já se

destacava pelo elevado processo de crescimento de sua economia, o que facilitou a abertura

de serviços importantes para a população como casa bancária, hospital, biblioteca, teatro e

cemitério público. A cidade passou a contar com serviços dos Correios e iluminação pública

a base de querosene – uma evolução para a época. O município já contabilizava na sede

urbana, cerca de mil e seiscentas casas distribuídas por vinte e quatro ruas e dez praças.

Suas treze igrejas construídas com esmero pelas irmandades, são possuidoras de peças

sacras de alto valor artístico e espelham a religiosidade de sua gente. O crescimento

econômico se deu a partir do século 19, quando o comércio passou a ser a principal fonte

de renda da cidade. A chegada da Estrada de Ferro Oeste de Minas foi um dos importantes

acontecimentos que marcaram seu desenvolvimento, acentuado pela criação da Companhia

Industrial São Joanense, em 1893.

Com o tombamento de seu acervo arquitetônico e artístico pelo IPHAN –

Instituto do Patrimônio histórico e artístico nacional, em 1943, a cidade de São João Del Rei

se consolidou como local de grande atratividade turística pela belíssima paisagem natural de

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seu entorno, associada ao espetáculo das tradições seculares de sua arquitetura, música,

arte e religião, situação que foi reforçada com a criação da diocese, em 1960. Possuidora de

um acervo dos mais significativos, seu território urbano é hoje objeto de mapeamento e

inventário destes bens, que se constituem como um fator de crescimento econômico,

intelectual e científico, pelas condições favoráveis de sua localização, pela implantação de

uma Universidade que se destaca na região, com mais de 20 ofertas de curso, entre os

quais, Geografia, História, Arquitetura e urbanismo, Engenharia Elétrica, Mecânica e de

Produção, Música, Letras, Química, Física, entre outras. Qualifica-se pela implantação de

uma infraestrutura urbana e regional capaz de garantir a este espaço urbano uma

centralidade que se transformou em polo de atração para toda a região. Hoje, a cidade de

São João del Rei, de acordo com o IBGE, possui uma população estimada em torno de 85.00

habitantes, o município tem uma área de 1.464.327 km2, que pertence ao Bioma da Mata

Atlântica. A mesorregião do Campo das Vertentes, onde a cidade se encontra, é formada

pela união de 36 municípios agrupados em três microrregiões: Lavras, Barbacena e São João

del Rei. A diocese de São João del Rei abriga vários municípios e cobre uma extensa área

(Fig. 3)

Fig. 3 - Municípios pertencentes à diocese de São João del Rei

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DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E OS TRABALHOS DE CAMPO

A elaboração de levantamento digital atualizado da paisagem cultural de São

João Del Rei foi idealizado no âmbito do Programa de pós-graduação da PUC-Minas, com o

objetivo de organizar e valorizar os bens culturais que constituem a sua memória urbana e a

identidade de sua gente. Como o conceito de paisagem cultural, associado à ciência

geográfica, tem se modificado ao longo do tempo, tornando-se cada vez mais abrangente e

inovador, buscou-se realizar um levantamento mais amplo possível, a fim de que pudesse

ser utilizado na gestão do espaço urbano, estendendo-se aos ambientais regionais. Dentro

desta perspectiva, o produto foi concebido em articulação com a Secretaria de Obras da

Prefeitura local de modo que possa servir de documento que permite, aos diversos setores

da comunidade, promover a sua restauração. O conhecimento de sua herança cultural, por

meio de uma leitura visual e interativa dos itens tombados, apresentados em mapas,

fotografias, desenhos e documentos específicos, propiciam uma avaliação permanente das

condições físicas desse patrimônio, com o propósito de protegê-lo e divulgá-lo. Além desses

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aspectos, caracteriza-se por seu caráter abrangente, uma vez que reúne o conhecimento de

diversas áreas como a Geografia, a História, a Arqueologia, a Sociologia, a Política, a

Arquitetura e as Artes Plásticas, entre outras, o que torna mais rico o teor de suas

informações.

Para que essas informações apresentassem o maior detalhamento possível,

foram empregadas imagens digitais utilizando-se Sistemas de Informações Geográfica

(SIG's) associados à técnica de hipertexto na recuperação de textos descritivos e

documentos históricos. Diante da relevância dos aspectos acima citados, o produto é de

grande utilidade para profissionais envolvidos com a preservação do patrimônio histórico e

artístico, considerando-se as informações pormenorizadas contidas em seu banco de dados

e os mapeamentos em escala estadual, regional e urbana, que podem ser acessados via

Internet.

No decorrer de três semestres sucessivos foram elaboradas visitas técnicas com

os alunos da graduação direcionados para um contato direto com as áreas estudadas,

oferecendo-lhes uma oportunidade de lidar com uma experiência real, na observação e

registro da paisagem urbana, conduzindo-os a percepção de como esta paisagem sofreu

transformações ao longo do tempo. Entre os exemplos desse tipo de trabalho

encontram-se os levantamentos realizados em ruas do centro histórico como mostram as

imagens da Figura 4.

Fig. 4 – Conjunto de edificações situadas no entorno da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em SãoJoão del Rei/MG ( Grupo de trabalho da disciplina Projeto de Intervenção no Ambiente Construído,

coordenado por Altino Barbosa Caldeira em 2013).

Considerando-se as diversas áreas de estudo associadas à dimensão cultural da

geografia que, de acordo com Claval (2011) “é uma velha dama que não pára de

rejuvenescer”, observou-se que a história do crescimento e fortalecimento de São João del

Rei como centro urbano, polo comercial, econômico e cultural de uma região, deve-se ao

seu ambiente natural onde “as manifestações da atividade social se inscrevem num meio

modelado pelas forças físicas e naturais” e que, além disso, “a geografia humana não ignora

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os condicionantes naturais, mas fala cada vez mais dos homens, de suas representações e

escolhas” (CLAVAL, 2011, p.373).

Quanto ao patrimônio material, equipes constituídas de alunos da graduação e

pós-graduação, além de professores, realizaram o levantamento cadastral dos bens

tombados pelos órgãos de proteção ao patrimônio histórico, que fazem parte do conjunto

arquitetônico e urbanístico da cidade, onde se incluem os imóveis religiosos e civis

remanescentes dos séculos XVIII e XIX, conforme ilustra a Figura 5.

Fig. 5 - Paisagem urbana de São João del Rei, onde o passado e o presente se contrapõem na escalaurbana (pintura de Altino Barbosa Caldeira em 1994)

A iniciativa de construção destas edificações religiosas coube às Irmandades

religiosas, que congregavam os diversos segmentos sociais da população. Estas obras foram

iniciadas na primeira metade do século 18, quando a exploração do ouro estava no seu

apogeu, porém, levaram quase um século até serem concluídas. São obras de grande beleza

estética inconfundíveis por sua composição estilística barroca, pelos riscos do frontispício

das fachadas e torres esculpidas em pedra e dos altares e retábulos internos talhados em

madeira, atribuídos a grandes mestres da cantaria e carpintaria, como Antônio Francisco

Lisboa, o Aleijadinho, e Francisco Lima Cerqueira. Além disso, essas igrejas possuem uma

rica ornamentação e uma bela imaginária, em que se destacam as imagens de santos e os

objetos de culto trabalhados em prata. Os cuidados com a implantação e os jardins faziam

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parte do conjunto construído, como pode ser observado na figura 6.

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Fig. 6 – Planta da Igreja de São Francisco de Assis, de São João de Rei.

Fonte: www.atlasdigitalmg.com.br

Na arquitetura civil aparecem tanto sobrados trabalhados com platibandas e

frontões, quanto construções térreas de cimalhas simples e beirais. Todo este acervo

dignifica o ambiente construído e rememora a memória urbana e sua identidade,

harmonizando-se com a escala da paisagem. Ela retrata, assim, a materialização da relação

entre o ser humano e a natureza. As formas integrantes deste sistema é o “resultado de

uma combinação dinâmica de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo

dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável,

em perpétua evolução” de acordo com Bertrand (2004). O conjunto de bens imóveis

tombados totaliza, aproximadamente, setecentas unidades. Entre eles encontra-se o

Complexo Ferroviário está localizado na área central da cidade. A Estrada de Ferro Oeste de

Minas foi inaugurada por Dom Pedro II e pela Imperatriz Teresa Cristina em 28 de agosto de

1881. Um dos prédios mais importantes do conjunto é o Teatro da cidade, cuja fachada

pode ser observada na figura 7.

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Fig. 7 – Desenho da fachada do teatro, realizado para o Mapeamento Interativo da Estrada Real(Fonte: Projeto de pesquisa em andamento coordenado por Altino Barbosa Caldeira em 2010)

Por outro lado, o patrimônio imaterial de São João Del Rei também é riquíssimo.

As festas e representações populares se associam às manifestações religiosas e a população

se envolve diretamente, tanto nas nestas festas sacras e nos cultos da Semana Santa,

quanto nos festejos de carnaval. Ambos atraem centenas de visitantes e turistas, peregrinos

da fé ou foliões carnavalescos. Marcados por uma expressiva religiosidade, os primeiros tem

no Toque dos Sinos uma referencia secular. Atento aos avisos transmitidos pelas pancadas

dos badalos que saem das torres das igrejas, eles reconhecem, pelos diferentes os sinais

dessa música intangível a chamá-los para uma missa, uma novena, uma procissão, uma

benção, uma Via Sacra, um Te Deum, um enterro, etc. Nos dias consagrados aos santos

padroeiros, os habitantes são surpreendidos e convidados a participar das festas em sua

homenagem. Essa linguagem dos sinos foi registrada como um patrimônio imaterial da

cidade, havendo uma escola de sineiros que transmite esta experiência de uma geração

para outra, de maneira de perpetuar este costume.

No caso do carnaval as reações são outras. A música profana ganham as ruas, os

foliões se fantasiam e blocos formados por moradores e turistas se misturam à algazarra

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geral. Muita alegria e descontração animam a vida da cidade que se empolga para

engrandecer ainda mais o espírito carnavalesco. O carnaval apresenta blocos e animação

surpreendentes para uma cidade de natureza geralmente pacata.

Além destes, os costumes locais voltados para a produção de artesanato de

várias espécies, entre os quais os santos entalhados na madeira pelas mãos de hábeis

artistas populares, as modelagens em barro cozido e pintado. Outros bens desta natureza

são as formas de transmissão do conhecimento acumulado recebidos como herança

cultural, entre os quais os modos de fazer o estanho, cuja produção é bastante valorizada na

região, assim como os bordados, a culinária, as receitas de quitutes e iguarias trocadas nas

cozinhas, esses saberes passam de mãos em mãos por várias gerações, enriquecendo o

cardápio local e regional de sabores variados que utilizam os ingredientes produzidos na

região. Outros bens imateriais relevantes são a música e o teatro, havendo muitas bandas e

grupos que se apresentam nas festas de rua.

O objetivo desse trabalho de campo foi difundir e valorizar, por meio de

mapeamento, os bens materiais e imateriais da cidade de São João del Rei, os bens naturais

que compõem o meio ambiente urbano e da região, com o intuito de proteger, conservar e

preservar a paisagem cultural concentrada em sua rede viária, em suas edificações civis e

religiosas, e em suas manifestações e práticas sociais. Busca-se ainda a valorização das

áreas de proteção ambiental e refúgios da vida silvestre, além dos córregos, riachos e

nascentes mencionados, que contribuem para a formação de grandes bacias nacionais.

No primeiro trabalho executado na região os alunos percorreram diversos

municípios mostrados no mapa abaixo. De todos eles foram documentos os bens culturais e

as principais questões relacionados à paisagem cultural. Sua geografia, sua história e,

principalmente os bens considerados de interesse turístico e cultural que resultou na

realização do Atlas Digital dos bens tombados pelo IPHAN em Minas Gerais. A Figura 8

mostra um dos trechos percorridos, em que se encontra acidade de São João del Rei.

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Fig. 8 - Municípios percorridos durante o trabalho de campo na região da Estrada Real onde seencontra o município de São João del Rei (Fonte: Projeto de pesquisa em andamento coordenado por

Altino Barbosa Caldeira em 2010)

Em trabalhos de campo que se seguiram em diversos semestres dos cursos de

graduação, foram realizados levantamentos cadastrais nos imóveis situados no perímetro

de tombamento do conjunto arquitetônico e urbanístico mostrado na Figura 9.

A metodologia empregada visa conduzir uma pesquisa ampla e integrada com as

instituições públicas e privadas atuantes na cidade e região, por meio de inventários,

documentação, registros e outras formas de salvaguarda do acervo artístico e das

expressões que se sobressaem na riqueza e pluralidade das diferentes manifestações e

modos de saber e fazer. Inventariar a produção intelectual e a pluralidade das

manifestações e dos processos de transformação da paisagem, em sua escala de valores,

com seus significados e em suas contradições, significa respirar os valores do passado

interagindo-o com o presente, como resultado de uma riqueza econômica, social e cultural

que atrai o turismo para a região. Analisar e recuperar as transformações do território em

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sua escala e contradições, foi o que permeou a pesquisa realizada no sítio urbano de São

João del Rei.

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Fig. 9 – Delimitação do perímetro de proteção do Conjunto arquitetônico e urbanístico de São Joãodel Rei; Fonte: modificado de Brasileiro, 2007.

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PRINCIPAIS RESULTADOS

A construção do “Atlas Digital dos bens tombados pelo IPHAN em Minas Gerais”

possibilitou e sensibilizou, não só a comunidade mineira e sanjoanense, mas a todos que

trabalharam no projeto, pois os próprios autores foram surpreendidos com a riqueza e

abrangência do patrimônio do Estado de Minas Gerais, envolvendo as diversas áreas de

conhecimento que se encontram interligadas. A realização do “Mapeamento Interativo da

Estrada Real” que seguiu, ampliou e interagiu ainda mais os inúmeros participantes nesta

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empreitada que levou alguns a percorrer mais de dez mil km de estrada. Os resultados que

ainda se processam, permite avaliar a escala territorial em sua dimensão urbana e regional,

podendo-se prever a amplitude da natureza da Geografia Cultural de nosso país. Os

trabalhos de documentação do acervo arquitetônico e urbanístico de São João del rei,

realizado pelos alunos, proporcionou-lhes a oportunidade de investir na cultura urbana e

favorecer a sua conservação e proteção. A documentação dos bens materiais

remanescentes do passado histórico da cidade, associado à pesquisa iconográfica, ao

levantamento cadastral dos bens edificados contaram algumas vezes com a participação

associada de professores e alunos dos cursos de graduação da Universidade Federal de São

João del Rei. A documentação do acervo arquitetônico foi realizada em parceria com a

Secretaria de Obras da Prefeitura da cidade, que privilegiou o levantamento histórico e

arquitetônico das construções mais antigas e que exigiam mais cuidados, para se obter

recursos junto aos órgãos de preservação do patrimônio e restaurá-los. O interesse geral é

devolvê-los à população em bom estado de conservação, de forma a valorizar a memória

urbana e a identidade sua paisagem cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo que foi demonstrado, o conceito de cultura se estende às diversas

manifestações que são resultantes das forças naturais, associadas às atividades e aos

modos de ser e fazer dos indivíduos e da coletividade. Os bens materiais resultam da

riqueza da terra, das atividades exercidas pelos seres humanos, das relações entre os

indivíduos e da capacidade de organizar e prever a criação de condições que permitam a

continuidade desse processo. A qualidade de vida urbana, o desempenho do comércio

interno e externo às cidades depende de como se conduz a sua história, da origem e

desejos dos seres humanos que ali aportaram e de suas conquistas. Os ambientes urbanos

são consequências do somatório dessas conquistas que se espelham na paisagem urbana

(Fig. 10).

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Fig.10 – Praça e casario na tranquila paisagem urbana de São João del Rei.

Para isto as condições do lugar, seu relevo e clima, sua hidrografia, assim como a

capacidade de produção sua gente, passa a constituir-se como um centro de referência para

toda uma região. Ela se comporta como um reflexo da organização social que ali se

estabeleceu. A configuração espacial que esta cidade hoje possui é resultado desta

confluência de meios capazes de gerir desenvolvimento ao longo de quase 500 anos de

história.

BIBLIOGRAFIA

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TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO URBANO DE SÃO JOÃO DEL REI/MG SOB A PERSPECTIVA DA GEOGRAFIA CULTURAL E DA PAISAGEM

EIXO 1 — Transformações territoriais em perspectiva histórica: processos, escalas e contradições

RESUMO

A cidade de São João Del Rei, em Minas Gerais, apresenta atualmente um desempenho

econômico, social e turístico que a destaca dentre as outras cidades do Estado. Este artigo

procura esclarecer estas razões, levando-se em conta a região e o território ocupado, o seu

desenvolvimento posterior e as transformações ocorridas na paisagem a partir desta ocupação.

Para isto, recorrerá à geografia física e humana, bem como à sua história, para analisar os fatos, as

atividades e os motivos que resultaram em sua configuração atual. Serão considerados o

ambiente natural, as intervenções antrópicas e as manifestações de sua gente quanto aos

aspectos do patrimônio imaterial. Desse modo, este artigo analisa a dimensão espacial da cultura

local, utilizando-se dos conceitos da geografia cultural para ressaltar e valorizar aspectos

urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos de sua ambiência.

Palavras-chave: Patrimônio cultural; espaço urbano; olhares múltiplos.

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