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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 A PONTE SOBRE O RIO SERGIPE: METAMORMOSES PAISAGISTICAS, TERRITORIAIS E SOCIOGEOGRÁFICAS NO MUNICÍPIO DE BARRA DOS COQUEIROS, SERGIPE, BRASIL Max Alberto Nascimento Santos Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected] INTRODUÇÃO Ao longo da sua evolução histórica, o município de Barra dos Coqueiros, situado no estado de Sergipe, região Nordeste do Brasil, também conhecido como Ilha de Santa Luzia, enfrentou um certo isolamento geográfico que dificultou sua ocupação territorial mais intensa. Porém, no ano de 2006, esse isolamento foi quebrado por conta da inauguração da Ponte Construtor João Alves, interligando a cidade de Aracaju, capital do estado, ao município de Barra dos Coqueiros. A ponte facilitou e diversificou os fluxos geográficos e a partir de então, o município de Barra dos Coqueiros passou a conhecer os reflexos, em vários dos seus segmentos territoriais, dessa interligação realizada sem o devido planejamento. A Barra dos Coqueiros, integrante da região metropolitana de Aracaju, apresenta um cenário territorial diversificado, mostrando ao mesmo tempo características rurais e urbanas. Na realidade atual, não é difícil identificar no citado município, intervenções antrópicas sem o devido respeito às legislações pertinentes e sem algum tipo de planejamento, colocando em risco, o desejado equilíbrio ambiental. Para Penna (2002), a análise da expansão e do crescimento territorial sobre áreas de proteção ambiental, de mananciais e bacias hidrográficas, expõe os conflitos e contradições presentes na realização deste processo. As áreas de proteção ambiental, reservas ambientais, até então pouco transformadas pela ação social, ainda objetos da política de preservação, estão presentes no território como um dado significativo para o entendimento do processo de fragmentação, 105

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A PONTE SOBRE O RIO SERGIPE:METAMORMOSES PAISAGISTICAS, TERRITORIAIS

E SOCIOGEOGRÁFICAS NO MUNICÍPIO DEBARRA DOS COQUEIROS, SERGIPE, BRASIL

Max Alberto Nascimento Santos

Universidade Federal de Sergipe (UFS)

[email protected]

INTRODUÇÃO

Ao longo da sua evolução histórica, o município de Barra dos Coqueiros, situado

no estado de Sergipe, região Nordeste do Brasil, também conhecido como Ilha de Santa

Luzia, enfrentou um certo isolamento geográfico que dificultou sua ocupação territorial mais

intensa.

Porém, no ano de 2006, esse isolamento foi quebrado por conta da inauguração

da Ponte Construtor João Alves, interligando a cidade de Aracaju, capital do estado, ao

município de Barra dos Coqueiros. A ponte facilitou e diversificou os fluxos geográficos e a

partir de então, o município de Barra dos Coqueiros passou a conhecer os reflexos, em

vários dos seus segmentos territoriais, dessa interligação realizada sem o devido

planejamento.

A Barra dos Coqueiros, integrante da região metropolitana de Aracaju, apresenta

um cenário territorial diversificado, mostrando ao mesmo tempo características rurais e

urbanas.

Na realidade atual, não é difícil identificar no citado município, intervenções

antrópicas sem o devido respeito às legislações pertinentes e sem algum tipo de

planejamento, colocando em risco, o desejado equilíbrio ambiental. Para Penna (2002), a

análise da expansão e do crescimento territorial sobre áreas de proteção ambiental, de

mananciais e bacias hidrográficas, expõe os conflitos e contradições presentes na realização

deste processo. As áreas de proteção ambiental, reservas ambientais, até então pouco

transformadas pela ação social, ainda objetos da política de preservação, estão presentes no

território como um dado significativo para o entendimento do processo de fragmentação,

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expansão e uso da terra.

Nesse sentido, o presente trabalho traz uma discussão a respeito da dinâmica

geográfica atual e do cenário futuro do município de Barra dos Coqueiros, Estado de

Sergipe, Nordeste do Brasil, emergida das preocupações que se deram a partir de uma

intervenção antrópica de grande magnitude, como é o caso da construção da ponte sobre o

rio Sergipe, justificada pelo discurso de desenvolvimento do turismo.

Esse conjunto de novos elementos de transformação e alteração das regras da

produção do espaço mostra as novas articulações em torno dos interesses fundiários, para

o jogo de interesses políticos e sociais sobre o território. Essas articulações revelam a

contradição em relação ao uso e à apropriação da terra, entendida, simultaneamente, como

valor de troca (mercadoria) e valor de uso (CARLOS, 2001). E a Barra dos Coqueiros parece

funcionar a partir dessa lógica de apropriação desigual do espaço, agravada pela

intensificação da ocupação mais recente.

Nesse sentido, as atuais intervenções públicas no município de Barra dos

Coqueiros, executadas na figura do governo estadual, nesse caso o poder oficialmente

instituído, não deixam claras quais são as verdadeiras intenções desses investimentos,

podendo, dessa forma, contribuir de maneira direta para o agravamento da atual situação

socioeconômica e ambiental municipal.

A preocupação aqui apresentada é de tentar vincular a problemática ambiental

urbana e rural por intermédio das questões de uso e ocupação do solo e do crescimento

urbano através da expansão das áreas periféricas. Estas dimensões da realidade urbana e

rural têm sido tratadas separadamente, permanecendo uma dicotomia, ao serem

abordadas fora da questão da produção social do espaço e da natureza. Este estudo

preocupa-se com a questão ambiental numa totalidade municipal, como produto da

intervenção da sociedade sobre a natureza, acentuando as contradições da produção,

consumo e apropriação social do espaço.

Nesse sentido, o presente artigo, tem como objetivo principal analisar as

metamorfoses paisagísticas, territoriais e sócio-geográficas que vêm se processando no

município de Barra dos Coqueiros a partir do início das obras de construção da ponte.

Desde os primórdios da sistematização da Geografia como ciência no século XIX,

a preocupação com o entendimento da relação homem-meio ou sociedade-natureza, faz

parte da temática central da nossa disciplina.

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Segundo Silva (1978), as categorias fundamentais do conhecimento geográfico

são: espaço, lugar, região, território, paisagem, que definem o objeto da geografia.

Entretanto, a compreensão da metamorfose do espaço habitado da Barra dos Coqueiros a

partir da construção da ponte sobre o Rio Sergipe, encontra um campo fértil na discussão de

três dessas categorias: Espaço geográfico, território e paisagem.

Numa apreciação histórica da relação na qual podemos chamar sociedade e

natureza podem-se observar em todos os espaços habitados do planeta, a mudança de um

meio natural para um meio cada vez mais artificial, isto é, para um meio que a todo o

momento recebe intervenções do homem auxiliado pelo avanço da ciência, da tecnologia e

da informação. Dessa forma, as alterações no espaço habitado, as metamorfoses

paisagísticas e os impactos gerados por essas mudanças são constantes e não acontecem

apenas nos grandes centros urbanos. Com a difusão das técnicas, num mundo cada vez

mais globalizado, municípios de pequeno porte, como por exemplo, Barra dos Coqueiros, no

litoral sergipano, está susceptível a alterações de grande magnitude no seu espaço.

Para a presente análise, discutir o conceito de espaço e toda a sua complexidade

é, acima de tudo, fazer Geografia, pois dentre os conceitos geográficos discutidos é ele, sem

sombra de dúvidas, o mais debatido, e por conta de sua complexidade é o que mais desafia

os pesquisadores e ainda pode ser considerado como um conceito central desta ciência.

Para Smith (1999), no processo de desenvolvimento capitalista, o espaço

tornou-se uma preocupação cada vez maior no que diz respeito à sobrevivência do sistema.

Até o final do século XIX, aproveitando um mercado para os seus produtos e um modelo de

circulação organizado em escala mundial, o capitalismo procurou universalizar o seu modo

de produção. A partir do século XX, a expansão econômica e a produção do espaço se dão

mais pela diferenciação interna do espaço global.

De acordo com Santos (1985), o espaço é uma instância da sociedade, por isso

ele contém e está contido na economia, na política, na cultura e não deve ser pensado

apenas como objeto, porque ele também está na essência, é o princípio ativo das coisas.

Desta forma, o espaço é a parte e o todo. É o conjunto das coisas, somado a sociedade que

o modifica e o transforma. Portanto, cada parte da natureza abriga, necessariamente, uma

parte da sociedade.

Em sua preocupação pelas metamorfoses do espaço habitado, Milton Santos

(1988) destaca as mudanças do meio geográfico ao longo do tempo histórico. Para esse

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grande geógrafo brasileiro, o espaço habitado se tornou um meio geográfico

completamente diverso do que fora na aurora dos tempos históricos. Não pode ser

comparado, qualitativa ou estruturalmente, ao espaço do homem anterior à Revolução

Industrial, pois a articulação tradicional e histórica da comunidade com o seu quadro

orgânico natural foi então substituído por uma vasta anarquia mercantil.

Nos dias atuais, com o avanço da tecnologia, o homem consegue dominar áreas

de seu interesse, que anteriormente se apresentavam de difícil intervenção, tornando-as

sítios comercializáveis, respaldados pelo marketing e também de um apelo ecológico de

empreendimentos em harmonia com a natureza. Entretanto, Santos (1988, p. 44) destaca

que

Agora, o fenômeno se agrava na medida em que o uso do solo se torna

especulativo e a determinação de seu valor vem de uma luta sem trégua entre

os diversos tipos de capital que ocupam a cidade e o campo. O fenômeno se

espalha por toda a face da Terra e os efeitos diretos e indiretos dessa nova

composição atingem a totalidade da espécie. Senhor do mundo, patrão da

Natureza, o homem se utiliza do saber científico e das invenções tecnológicas

sem aquele senso de medida que caracterizara as suas primeiras relações com o

entorno natural. O resultado, estamos vendo, é dramático.

Santos (1996) afirma que o espaço é a totalidade verdadeira, semelhante a um

matrimônio entre a configuração territorial, a paisagem e a sociedade. As formas podem,

durante muito tempo, permanecer as mesmas, mas como a sociedade está sempre em

movimento, a mesma paisagem e a mesma configuração territorial nos oferecem, no

transcurso histórico, espaços diferentes, significados, representações, valores e esquemas

de percepção também variados. Esses espaços diferenciados, essas espacialidades

singulares, são resultados das articulações entre a sociedade, o espaço e a natureza, por

isso revelam toda uma complexidade enquanto categoria analítica.

Toda essa dinâmica é considerada por Milton Santos (1996, p. 52), como um

conjunto que neste caso é caracterizado como sistema.

Sistema de objetos e sistema de ações interagem. De um lado, os sistemas de

objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema

de ações leva a criação de objetos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É

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assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.

As ações são cada vez mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar.

Daí a necessidade de operar uma separação entre a escala de realização das ações e a

escala de seu comando. Esta distinção se torna fundamental no mundo de hoje: muitas das

ações que se exercem num lugar são produtos das necessidades alheias, de funções cuja

geração é distante e das quais apenas a resposta é localizada naquele ponto preciso da

superfície da Terra. Fato esse que pode ser vivenciado na escala do município, trazendo à

tona a necessidade da análise do seu espaço habitado.

a sua geografia pode ser construída a partir da consideração do espaço como

um conjunto de fixos e fluxos. Os elementos fixos, fixados em cada lugar,

permitem ações que modificam o próprio lugar, que recriam as condições

ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um

resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos,

modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também

se modificam (...) os fixos são cada vez mais artificiais e mais fixados ao solo, os

fluxos são cada vez mais diversos, mais amplos, mais numerosos, mais rápidos.

Toda esta efervescência nos leva ao debate de uma outra categoria chave da

ciência geográfica na busca de bases teóricas para o entendimento das novas dinâmicas que

ocorrem no município em análise, o conceito de território.

De acordo com Machado (1997), a discussão a respeito do significado do

território emerge na obra de Ratzel que dirige sua argumentação a partir de força do

Estado-Nação e também de estudos que predominaram até a década de 1960 na chamada

Geografia Clássica. Tais estudos tinham como centro da atenção a temática territorial vista

através da esfera nacional, enfatizando tanto questões políticas e econômicas quanto

ideológicas e culturais. O poder e a atuação do Estado Nacional definiam o território a ser

investigado, através da fixação de capital e de trabalho materializado no solo que, por sua

vez, marcavam os limites políticos-territoriais. Tal situação, para a citada autora, levou a uma

marginalização da temática territorial nas discussões acadêmicas.

De acordo com o pensamento de Souza (1995, p. 84),

O território surge na tradicional Geografia Política, como espaço concreto em si

que é apropriado, ocupado por um grupo social. A ocupação do território é vista

como algo gerador de raízes e de identidade: um grupo não pode mais ser

compreendido sem o seu território, no sentido de que a identidade

sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do

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espaço concreto.

Porém, existe uma retomada da discussão do conceito por conta de uma nova

lógica de organização sócio-espacial em esfera planetária a partir da década de 70,

passando o território a ser utilizado associado à noção pós-moderna de transnacionalização,

trazendo a tona toda uma nova complexidade. Desta forma, o território passa a ter,

segundo Souza (1995, p. 86), uma flexibilização e passa a fazer parte do conjunto de

conceitos híbridos, tão comuns na ciência geográfica.

Para Souza (1995, p. 81), é imperioso que se saiba despir do manto de

imponência com qual se encontra revestido, via de regra, o conceito de território porque a

palavra normalmente evoca a noção de território nacional:

A bem da verdade, o território pode ser entendido também à escala nacional e

em associação com o Estado como grande gestor. No entanto, ele não precisa e

não deve ser reduzido a essa escala ou à associação com a figura do Estado (...),

territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas

escalas, da mais acanhada à internacional; territórios são construídos (e

desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes: séculos,

décadas, anos, meses ou dias; territórios podem ter um caráter permanente,

mas também podem ter uma existência periódica, cíclica.

Porém, mesmo com esta diversidade de situações, o conceito ficou, por parte do

senso comum e da maior parte da literatura científica, restrito a carga ideológica de

território nacional.

Para Souza (1995, p. 86), o território é visto como um campo de forças, uma teia

ou uma rede de relações sociais, que, a par da sua complexidade interna, define, da mesma

forma, um limite, uma alteridade.

Como se vê, da mesma forma que a noção de espaço, o território se reveste de

grande complexidade. Entretanto, Haesbeart (2006), a partir de um levantamento detalhado

das diversas concepções de território, consegue agrupá-lo dentro de dois grandes

referenciais teóricos:

a) o binômio materialismo e idealismo, desdobrado depois em duas outras

perspectivas, a visão mais totalizante e a visão mais parcial do território em

relação a: i) o vínculo sociedade-natureza; ii) as dimensões sociais privilegiadas

(econômica, política e/ou cultural);

b) a historicidade do conceito, em dois sentidos: i) sua abrangência histórica – se

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é um componente ou condição geral de qualquer sociedade ou se está

historicamente circunscrito a determinado(s) período(s) ou grupo(s) sociais; ii)

seu caráter mais absoluto ou relacional: físico-concreto ( como “coisa”, objeto), a

priori ( no sentido do espaço Kantiano) ou social-histórico ( como relação).

No entendimento de Haesbeart (2004), a ênfase ao “uso” do território a ponto de

distinguir entre o “território em si” e o “território usado”, ao mesmo tempo em que explicita

uma priorização da sua dimensão econômica, estabelece uma distinção discutível entre o

território como forma e o território usado como objeto e ações, sinônimo de espaço

humano.

Dentre as categorias da ciência geográfica eleitas para explicar as metamorfoses

do espaço litorâneo da Barra dos Coqueiros a partir da construção da ponte sobre o

estuário do Rio Sergipe, a última a ser abordada para a conclusão deste tópico é a da

paisagem.

De acordo com Sousa (2004), a paisagem habitualmente tratada pelo senso

comum (materializada, concreta, mais natural) surge no século XVI, manifestada,

principalmente, na pintura, quando os grandes artistas materializavam as lindas e às vezes

idealizadas imagens do meio natural. Como as paisagens representadas eram,

normalmente, do meio rural (entendido como mais natural) ou do meio urbano (entendido

como uma construção cultural) nasce a dicotomia paisagem natural e paisagem cultural.

Analisando esse tema, Heasbeart (2002), discute esses dois modos distintos de se ver a

paisagem. Para esse geógrafo a paisagem, numa visão naturalista, assume uma dimensão

objetiva, visível e concreta. Nessa perspectiva, tem-se a paisagem mais conhecida do senso

comum, aquela constantemente enfocada pelas câmeras dos turistas. Numa dimensão

culturalista, ela se subdivide em objetiva, que prioriza as formas construídas culturalmente

pelos homens, da percepção que prioriza o olhar individualizado. Neste segundo caso, o

elemento paisagem é abstrato, percebido apenas pelos sentimentos, seria um estado da

arte.

Para a geógrafa espanhola Bolós i Cappdevila (1992), a partir do século XIX, o

termo paisagem é profundamente utilizado em geografia e, em geral, se concebe como

conjunto de formas que caracterizam um setor determinado da superfície terrestre.

Ao referir-se à paisagem, Troll (1982) concebia-a como o conjunto das interações

homem e meio. Tal conjunto apresentava-se sob dupla possibilidade de análise: a da forma

(configuração) e da funcionalidade (interação de geofatores incluindo a economia e a cultura

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humana). Ao propor o estudo de Geografia Física Global, Bertrand (1972, p. 56) definiu a

paisagem da seguinte forma:

É uma porção do espaço caracterizado por um tipo de combinação de dinâmica,

e portanto instável, de elementos geográficos diferenciados – físicos, biológicos,

antrópicos – que, ao atuar dialeticamente uns sobre os outros, fazem da

paisagem um conjunto geográfico indissosiável que evoliu em bloco, tanto sob

efeitos das interrações entre os elementos que a constituem como sob efeito da

dinâmica própria de cada um dos elementos considerados separadamente.

A paisagem tem, pois, um movimento de transformação ou de mudança que

pode ser mais ou menos rápido ou se processar muito lentamente. As formas não nascem

apenas das possibilidades técnicas de uma época, mas dependem também das condições

sociais, econômicas, políticas e culturais atuais. A técnica tem um papel importante, mas não

tem existência fora das relações sociais. Nesse contexto, paisagem deve ser pensada

paralelamente às condições políticas, econômicas e também culturais onde foi formada.

Desvendar essa dinâmica social é fundamental, pois as paisagens restituem todo um

cabedal histórico de técnicas, cuja era revela; mas ela não mostra todos os dados, que nem

sempre são visíveis (SANTOS, 1988).

Entender a paisagem é procurar compreender como as forças e processos

econômicos, políticos e sociais atuam e atuaram sobre aquele determinado ambiente. São

estas forças e processos que se apresentam na sua configuração paisagística atual, isto é, na

construção e reconstrução da paisagem que acontece a cada momento. É neste

entendimento que estão os dados, situações e processos não visíveis, mas que estão

presentes na paisagem.

Para Santos (1996, p. 83), “paisagem é o conjunto de formas que, num dado

momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre

o homem e a natureza. Ou ainda, a paisagem se dá como conjunto de objetos reais

concretos”.

De acordo com Holzer (1999), a paisagem em conjunto com outros conceitos

como o de ecossistema, território ou de ambiente, ganharam destaque nas páginas da mídia

e na boca dos cidadãos preocupados com o seu bem-estar, desvelando significados

complexos que antes estavam restritos à conversas dos especialistas e agora passaram para

o âmbito do varejo das redes mundiais de comunicação, onde os gostos, senão as atitudes

culturais, se reciclam rapidamente. Nesse sentido, a paisagem não pode ser vista apenas

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como realidade objetiva, contém também uma carga cultural e deve ser um elo entre o

estático e o dinâmico, entre o físico e a cultura.

De acordo com Santos (1998), são diferentes os conceitos de paisagem e de

configuração territorial. A configuração territorial pode ser entendida como o território

somado ao conjunto de objetos existentes sobre ele, que são objetos naturais ou objetos

artificiais que a definem. Para o autor, seja qual for o estágio de desenvolvimento de um

determinado país, haverá sempre nele uma configuração territorial formada pelo conjunto

de recursos naturais, lagos rios, etc. e de recursos criados como pontes, estradas de ferro,

de rodagem, barragens, açudes, cidades, etc. É essa constelação de todas as coisas

arranjadas em um sistema que forma a configuração territorial, cuja realidade e extensão se

confundem com o próprio território de um país. A configuração territorial, todavia, é um

todo, é um conjunto total, integral de todas as coisas que formam a natureza em seu

aspecto superficial e visível. Nas palavras de Santos e Silveira (2001, p.248), “As

configurações territoriais são o conjunto dos sistemas naturais, herdados por uma

determinada sociedade, e dos sistemas de engenharia, isto é, objetos técnicos e culturais

historicamente estabelecidos”.

De acordo com o pensamento de Silva (2007), a complexa interconectividade das

variáveis espaciais e sua dinâmica, através de redes e fluxos de ordem econômica, política,

social e cultural, possibilitam ao espaço geográfico a busca do equilíbrio tanto nas relações

sociedade-natureza quanto nas relações sociais de poder na organização do território,

conferindo aos sistemas, características como mutação, resistência e resiliência.

No pensamento de Santos (1996), os movimentos da sociedade, atribuindo

novas funções às formas geográficas, transformam a organização do espaço, criam novas

situações de equilíbrio e ao mesmo tempo novos pontos de partida para um novo

movimento. Por adquirirem uma vida, sempre renovada pelo movimento social, as formas

podem participar de uma dialética com a própria sociedade e assim fazer parte da própria

evolução do espaço.

Na atual fase capitalista, as práticas econômicas, um aspecto particular das

demais práticas sociais, modificam o espaço físico na condição do valor de uso e de valor de

troca, gerando uma dinâmica de mercado em torno do próprio espaço, dinâmica essa que

inclui a produção de bens materiais e a adequação do meio ambiente circundante às

necessidades sociais.

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Santos (1996) assinala que nunca houve na história do mundo um subsistema de

técnicas tão invasor, com tal capacidade de se difundir e de se impor aos lugares e aos

homens, sendo que também é a primeira vez na história que o subsistema técnico tende à

unidade. Os agentes que utilizam os subsistemas mais novos são hegemônicos, enquanto

os agentes homogeneizados utilizam subsistemas técnicos não hegemônicos. Entretanto, o

envelhecimento do patrimônio técnico é rápido, logo substituído por outro de maior

capacidade operacional, em função da competitividade, fazendo com que equipamentos,

infra-estrutura e lugares envelheçam rapidamente.

Para reiterarmos a idéia da força do espaço e da materialidade geográfica nas

mudanças geográficas e na configuração do território, é conveniente enfatizar o

pensamento de Moraes (2002, p. 51): “toda sociedade para se reproduzir cria formas, mais

ou menos duráveis, na superfície terrestre” Ainda para o referido autor, essas formas

obedecem a um dado ordenamento sociopolítico do grupo que a constrói, e respondem

funcionalmente a uma sociabilidade vigente a qual regula também o uso dos espaços e dos

recursos nele contido. Tais formas – que expressam uma quantidade de valor incorporado

ao solo – substantivam na paisagem relações sociais específicas.

Para Moraes (2002), um espaço produzido herdado é que sobredetermina

continuamente o uso dos lugares, concebendo através da história, de uma forma geográfica,

uma progressiva transformação do planeta, resultando numa cumulativa

antropomorfização do espaço terrestre.

Desta forma, o processo de valorização do espaço pode ser desdobrado em

alguns processos geográficos mais específicos que de acordo com Moraes (2002) podem ser

assim agrupados: Da apropriação dos meios naturais, aparecendo a superfície terrestre

para as sociedades como um celeiro dos meios de subsistência e trabalho; a transformação

dos meios naturais, a partir de certo grau de intervenção põe novas qualidades e novas

relações; e de reapropriação dos meios já transformados, em que grupos sociais se vêem

envolvidos com espaços já qualificados como segunda natureza. Nesses três universos a

relação da sociedade com o espaço pode ser confundida com o seu relacionamento com a

natureza, porém, ainda de acordo com o citado autor, existem relações não naturais entre a

sociedade e o espaço, pois seres humanos constroem ambientes artificiais, cuja

naturalidade se limita à origem dos materiais empregados.

Diante dessa complexidade conceitual, pode-se afirmar que mesmo com todo o

avanço da técnica no espaço habitado e metamorfizado pelo homem, faz-se necessário uma

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reflexão sobre os limites e possibilidades de planejamento, da gestão e do ordenamento

territorial, pois quando essas intervenções são realizadas em nome do capital e não são

bem sucedidas têm conseqüências negativas e assumem uma força destrutiva no espaço.

De acordo com o dicionário Aurélio (2001 p. 544), ponte é uma “construção

destinada a ligar margens opostas duma superfície líquida qualquer”. A definição é simples,

entretanto, ao analisarmos as margens que foram interligadas com a edificação da ponte

Construtor João Alves, unindo os municípios de Aracaju e Barra dos Coqueiros, a realidade

encontrada torna o conceito um elemento complexo, carregado de outros significados, de

conflitos e de metamorfoses territoriais nas margens do rio Sergipe, com maior magnitude

na Ilha de Santa Luzia que compreende o município de Barra dos Coqueiros, um espaço

com ambientes urbanos e rurais, inclusive com espaços relativamente pouco ocupados.

Em meio a inúmeros embates políticos propagados com justificativas

governamentais sem base de sustentação, a obra foi ganhando forma e juntamente com

ela, a paisagem estuarina urbana do rio Sergipe foi sofrendo a sua maior intervenção. Nesse

sentido, o resultado de dois anos e um mês de trabalho está visualmente disposto como

novo elemento paisagístico componente de um antigo cenário. Entretanto, não somente a

paisagem estuarina foi alvo dessa intensa modificação, dentre os municípios influenciados

pela obra, a Barra dos Coqueiros se tornou um dos principais palcos de metamorfoses que

em diferentes níveis de intensidade, alteram a sua paisagem, seu território e a sua

sociedade como um todo.

As primeiras transformações paisagísticas no município se deram a partir do

início das obras de construção da ponte construtor João Alves, em setembro de 2004. Com a

chegada de grandes máquinas e a instalação do canteiro de obras, o antigo cenário

geográfico começou a ser modificado, este fato se tornou mais visível, quando se fez

necessária a desapropriação de algumas casas e também a supressão de boa porção de

vegetação de mangue que estavam no traçado escolhido para a rodovia que

complementaria a cabeceira da ponte. De acordo com o EIA elaborado em 2004 para a

construção da ponte, as desapropriações que foram efetuadas no lado da Barra dos

Coqueiros envolveram residências de baixo padrão e mesmo invasões. Essas alterações

iniciais não só contribuiram para mudança causadas pela realocação, causando dessa forma

uma desterritorialização, mas também pela alteração no modo de vida dessas famílias.

No que se refere às alterações que puderam ser observadas na zona urbana, foi

possível constatar que algumas foram aflorando de maneira gradual em paralelo com a

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edificação da ponte e outras puderam ser observadas com a efetiva operação desse

equipamento.

Durante a fase final de construção da ponte, no ano de 2006, quando ainda não

dava para serem observados os reais impactos decorrentes do empreendimento, a

prefeitura de Barra dos Coqueiros iniciou a realização de pequenas obras de urbanização no

núcleo central do município, como a reforma da praça da matriz e uma pequena

intervenção na orla fluvial, inauguradas em julho de 2007.

No que se refere à praça da matriz, tornou-se um lugar visualmente aprazível e

mais uma opção de lazer para a comunidade local e visitantes, porém houve uma

descaracterização do patrimônio histórico por conta da retirada do antigo coreto, marco

histórico de um período.

Já a intervenção ocorrida na orla fluvial modificou o aspecto do local, porém os

estabelecimentos ali existentes não conseguiram dinamizar o seu comércio, visto que, desde

a inauguração da ponte houve uma significativa diminuição do fluxo de veículos, que era

justificada pela travessia da balsa para Aracaju.

Na medida em que se deu a efetiva ligação entre os dois municípios, alguns

conflitos sociais se processaram, resultando também em alterações na paisagem urbana da

sede municipal. Por conta da facilitação do acesso rodoviário, o setor de transportes foi,

naquele momento, o principal elemento modificador dessa paisagem.

No dia seguinte a inauguração da ponte, o serviço de transporte de automóveis

por meio de balsas teve a sua operação suspensa. A paisagem fluvial deixou então de contar

com um dentre os vários elementos paisagísticos artificiais, as balsas operavam desde a

década de 80.

Com o acesso efetivamente pronto, os ônibus do transporte intermunicipal

metropolitano deram início à prestação desse serviço entre a capital e o município de Barra

dos Coqueiros. É valido ressaltar que a regulamentação deste tipo de serviço ainda não

estava oficializada e desta forma, veio desencadear diversos conflitos entre os trabalhadores

do setor de transporte a as empresas de ônibus da capital. O reflexo dessa desavença

inovou mais uma vez a paisagem, com a construção do Terminal de Integração Rodoviário,

inaugurado em setembro de 2007. Além de descompor a paisagem fluvial através do vai e

vem das lanchas. As alterações também puderam ser percebidas no terminal hidroviário de

transporte de passageiros e em suas imediações que polarizavam uma dinâmica de

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pequenos comércios, vendedores ambulantes e outros serviços de transporte oferecidos

em carrinhos de mão, charretes e táxis, onde atualmente se encontra uma zona comercial

estagnada.

A partir de então, com essa nova forma de interligação entre o município e a

zona metropolitana de Aracaju, o aumento dos fluxos refletiu nos diversos segmentos

socioeconômicos municipais, e conseqüentemente na intensificação de modificações

paisagísticas a partir de novos cenários que trazem inovações à população local.

Contribuindo para mais uma nova remodelação da paisagem, o atual governo

estadual autorizou em setembro de 2007, obras de alargamento e reestruturação da

Rodovia SE-100. É digno de registro que esse trecho sempre foi bastante problemático e

perigoso, nele aconteciam diversos acidentes e devido a edificação da ponte e

conseqüentemente o aumento no fluxo de veículos, a tendência desse cenário era tornar-se

mais complexa. Porém, essa melhoria tem como principal objetivo facilitar o acesso para o

novo resort e futuros empreendimentos previstos para esse trecho, ficando a população

local como segunda beneficiária.

No que se refere a intervenções imobiliárias que atualmente modificam e

futuramente modificarão mais ainda a paisagem do município, é possível destacar a

instalação de inúmeros empreendimentos na zona urbana e em setores de loteamentos na

zona rural. Esses investimentos são executados pela iniciativa privada, com capital nacional

e estrangeiro e tem alterado sensivelmente a paisagem municipal.

Os rumores da construção da ponte trouxeram uma efervescência na atividade

imobiliária da Barra dos Coqueiros. Com o início dessa grande obra, o governo estadual fez

a contratação de um Plano Diretor Municipal para o município de Barra dos Coqueiros. Este

instrumento foi apontado como medida compensatória exigida no EIA/RIMA para o

licenciamento da referida edificação. O Plano Diretor foi elaborado, entretanto as suas

considerações destoavam e apontavam medidas completamente inexeqüíveis à realidade

municipal. Nesse plano, o zoneamento territorial era apresentado numa formatação

tradicional, composto somente de zona urbana e rural. A zona urbana se limitava ao antigo

núcleo residencial e a zona rural estava composta por oito povoados.

Nesse sentido, vários debates foram travados na Câmara Municipal de Barra dos

Coqueiros que tiveram como conseqüência a revogação deste antigo plano e a realização de

um novo, atendendo as conformidades exigidas pelo Ministério das Cidades. Esse novo

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documento apresenta uma nova proposta de ordenamento territorial do município. A partir

da análise dessa cartografia é possível projetar cenários que irão compor o território

municipal.

Ao analisar parte da cartografia disponível no Plano Diretor municipal, torna-se

possível então apresentar uma síntese da nova realidade territorial do município.

No mapa intitulado de Perímetro Urbano, foi possível observar a nova divisão

territorial do município: Zona Urbana, Zona de Expansão e Zona Rural. Esse novo

zoneamento, proporcionado como conseqüência da construção da ponte, expressa as

metamorfoses brutais do território, visto que dá nova funcionalidade a uma antiga

disposição geográfica. Em decorrência desse fato, poderão a médio e longo prazos, ocorrer

processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização, já que essas

alterações influenciarão nas relações sociais por meio da classificação das novas áreas

componentes dessas zonas.

Da observação do mapa de macrozoneamento, foi possível descrever a

classificação dessas novas áreas componentes das três grandes zonas já citadas. Nessa

análise foi possível detectar que a Zona Urbana está dividida em quatro bairros. Apesar de

estar caracterizada como zona urbana, este setor apresenta um cenário territorial

diversificado, onde é possível encontrar sítios, chácaras e fazendas, com um modo de vida

tipicamente rural e uma situação de difícil interpretação como resultado da junção desses

dois modos de ocupação do solo, que geograficamente pode ser chamado de rurbano.

Ainda de acordo com o Plano Diretor, a Zona Rural do município está situada fora da

linha limítrofe definida pela lei de perímetro urbano, onde há ocupação rarefeita, atividades de

produção da agricultura e preservação da biodiversidade nativa, favorecendo a manutenção do

ambiente natural.

O município de Barra dos Coqueiros já sente as conseqüências do aumento do

fluxo urbano proveniente da capital e deve com bastante pressa implementar a criação de

um órgão fiscalizador para exigir as premissas indicadas em seu Plano Diretor. Somente

desta maneira será possível proporcionar um crescimento equilibrado e, sobretudo, se

estará contemplando as reflexões da comunidade inseridas nessa nova realidade.

Partindo-se das principais metamorfoses paisagísticas e territoriais,

anteriormente apontadas, pretende-se aqui, apresentar as mais significativas mudanças

sócio-geográficas ocorridas no município em decorrência dessas metamorfoses.

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Com o anúncio da construção da ponte, toda uma inquietação pôde ser

observada entre os moradores do município de Barra dos Coqueiros, as dúvidas sobre o

futuro do município e as conseqüências da construção da ponte só não eram maiores que

os entraves políticos a respeito das justificativas para a realização desse projeto.

Quando do efetivo início das obras, foi possível constatar as primeiras

modificações que influenciaram o meio sócio-geográfico municipal: aproximadamente 130

famílias tiveram que ser indenizadas e transferidas de local, por conta da construção da

rodovia que complementaria a cabeceira da ponte. De acordo com o D.E.R. (2004), 50 dessas

unidades residenciais estavam em área de invasão junto ao manguezal e a construção dessa

rodovia serviria como um divisor, impedindo futuras ocupações e a conseqüente

degradação do manguezal. Porém, muitas dessas famílias atingidas pela construção da

ponte ao receberem as indenizações referentes à desapropriação de suas moradias,

migraram para outras áreas de invasão e ocuparam também outros assentamentos

irregulares, já que, de acordo com informações da prefeitura municipal, não houve

nenhuma política de inserção social para essas pessoas. A conseqüência desse fato foi o

aumento do número de barracos na invasão às margens do Canal do Guaxinim, que

atravessa boa parte do município e da sede municipal. Mesmo antes da construção da

ponte, já havia grande número de barracos às margens desse canal, porém, nos dias atuais,

é possível observar que o seu traçado serviu de eixo balizador dessa ocupação irregular.

Com o início de operação da ponte e a extinção do serviço de travessia de

automóveis por meio de balsa, os reflexos no segmento econômico municipal foram

desencadeados. Primeiramente, houve a demissão de 30 funcionários da empresa H.

Dantas ocupados nessa atividade. Em seguida, foi possível observar o fechamento de três

dos cinco bares existentes na orla fluvial, no trecho onde era feita a espera para a travessia

da balsa. No que se refere ao setor de transporte de passageiros, com o início da operação

da ponte e conseqüentemente a travessia rodoviária de passageiros, o serviço oferecido

pelas lanchas, a partir dos hidroviários, não resistiu a essa nova concorrência. Segundo o

Cinform on-line (2006), “esse transporte será extinto por causa da baixa lucratividade, já que

com a inauguração da ponte em setembro, e o conseqüente aumento de opções de

transporte, o fluxo de passageiros reduziu cerca de 70%...”. Ainda de acordo com o citado

noticiário, com a inauguração da ponte, a H. Dantas, empresa que administrava o serviço,

reduziu gradualmente a frota, a ponto de deixar somente uma balsa operando, das seis que

anteriormente funcionavam.

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A conseqüência desse fato foi a demissão de 110 funcionários e a extinção dos

serviços de transporte oferecidos por essa empresa, entre a capital e o município de Barra

dos Coqueiros. Com a sensível diminuição no fluxo de passageiros, foi possível observar que

também houve a estagnação do comércio nos arredores do terminal hidroviário local,

ocasionando dessa forma, o encerramento das atividades de alguns estabelecimentos

comerciais.

Outro fato observado foi a diminuição dos serviços formais e informais de

transporte complementares à travessia hidroviária. Dezenas de jovens e adultos tinham

como ocupação, o serviço de transporte das mercadorias e bagagens dos passageiros em

carrinhos de mão, charretes, popularmente conhecidos como carregos. Além disso, eram

oferecidos os serviços de moto-táxi e táxis. Com exceção do transporte realizado em

moto-táxi, houve uma migração dessa oferta de serviços para as proximidades do terminal

de integração rodoviário. Já o transporte feito pelos táxis bandeira sofreu uma dinamização

na sua função, passando para um transporte do tipo lotação interligado à zona

metropolitana.

Ainda nesse contexto, foi possível observar que a inauguração da ponte gerou

diversos conflitos entre os trabalhadores do transporte rodoviário de passageiros do

município de Barra dos Coqueiros e o órgão regulador do Transporte e Trânsito de Aracaju.

Várias manifestações foram realizadas, inclusive com o a obstrução das pistas de rolamento

da ponte impedindo o fluxo de veículos entre os municípios, para que houvesse a resolução

dos problemas que afloraram no setor de transporte e a regulamentação no serviço.

No que pode ser observar a respeito das alterações na infra-estrutura básica do

município de Barra dos Coqueiros, foi possível constatar que houve um aumento

significativo na demanda. Porém, com a previsão da instalação de grandes e médios

empreendimentos e a migração gradual de novos moradores, a tendência dessa demanda é

crescer.

Em se tratando da dinâmica imobiliária surgida a partir da construção da ponte,

as conseqüências das novas ocupações são as que mais tem influenciado no modo de vida

da população local. É possível constatar em observação direta nas ruas do município, que

existe um grande número de residências colocadas à venda.

Observando a tendência atual de ocupação, é possível apontar dois cenários

diferenciados. O primeiro se refere aos assentamentos irregulares, ocupados na sua grande

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maioria pela população pobre, com forte tendência ao incremento do número de novas

invasões em áreas ambientalmente frágeis, como já é possível observar. O segundo se trata

da ocupação de alto poder financeiro que já está ocorrendo na área considerada

privilegiada do município, a linha de costa, e também do surgimento de condomínios

fechados de prédios de apartamentos residências na sede municipal.

De acordo com o Jornal Cinform (2008), grandes construtoras da capital estarão

investindo na construção de mais dois novos condomínios de prédios na Barra dos

Coqueiros. Ainda de acordo com o citado semanário, quando calculado o valor do metro

quadrado desses empreendimentos, chega-se a R$ 950,00, valor acima do que é praticado

para empreendimentos desse porte em Aracaju.

Outro fato que não pode deixar de ser considerado, é a descaracterização da

zona rural do município que atualmente não oferece tanta lucratividade na produção do seu

principal cultivo, o coco-da-baía. Por se tratar de uma área de localização privilegiada, com

paisagens cênicas de grande beleza e qualidades geográficas particulares, esses terrenos

oferecem maior rentabilidade quando se tornam mercadorias da especulação imobiliária.

Dentro desse contexto, é possível observar ao longo da Rodovia SE-100, principal eixo

indutor de ocupação no litoral de Barra dos Coqueiros, o parcelamento dessas pequenas

propriedades e o surgimento de alguns novos loteamentos, vem descaracterizando o antigo

ambiente e também os hábitos tradicionais rurais.

O fenômeno turístico imobiliário está se processando com tal rapidez na

localidade que nem mesmo a administração municipal consegue dar conta da instalação

desses novos empreendimentos. Movidos pelo discurso dos benefícios diretos gerados pelo

turismo, o próprio governo estadual incentiva a ocupação das áreas ainda desabitadas no

município.

Vislumbrando um futuro próximo, é possível afirmar que, caso não haja medidas

de controle para a ocupação dessas áreas, brevemente a orla marítima do município será

tomada por empreendimentos imobiliários voltados para a clientela internacional que

pretende ter no litoral sergipano, a sua residência de férias nos trópicos.

Inúmeros empreendimentos já foram anunciados para se instalarem no

território municipal de Barra dos Coqueiros e as conseqüências ao meio sócio-geográfico do

município serão inúmeras. A valorização do preço da terra, principalmente na zona costeira

do município impedirá o acesso à população local. Existe também a possibilidade do

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surgimento de áreas de conflitos de uso do solo, principalmente no que se refere ao acesso

à praia. Há ainda os problemas ambientais que poderão ser gerados pela ausência de

saneamento básico, pelo aumento do fluxo superficial de águas através de terrenos

impermeabilizados, pela diminuição da capacidade de infiltração, e intensificação da

ocupação de áreas ambientais protegidas, a exemplo das dunas e manguezais.

Conclui-se então, que a estrutura de desenvolvimento sustentável apresentada

como justificativa pelo idealizador da ponte, o ex-governador do Estado, não é visualizada

nas atuais atividades implementadas ou em fase de implementação no município.

Observa-se a intensificação do uso e ocupação do solo. A operação da ponte tem reflexos

positivos no que diz respeito à facilitação do transporte, à mobilidade das pessoas, ao

acesso para um comércio mais diversificado na capital, ao aumento do fluxo turístico e a

valorização imobiliária. Entretanto, se esses reflexos podem ser positivos para um

determinado segmento da população, para outros e também para o meio ambiente, podem

ser encarados como negativos. As conseqüências associadas a essa operação já estão sendo

assistidas e muito provavelmente serão intensificadas com a evolução do tempo.

Desde o início da construção da ponte, observa-se uma intensa valorização do

solo, que nos últimos vem se intensificando e se tornando mercadoria de grande valor. O

segmento imobiliário tornou-se uma das principais atividades econômicas do município

atualmente. Entretanto, o preço da terra ainda é baixo, quando comparados a outras áreas

de litoral no Brasil, o que favorece a intensificação da dinâmica imobiliária municipal.

A operação da ponte intensifica a dependência do município com a capital. A

ligação com a área metropolitana de Aracaju, por meio da construção da ponte, favorece a

pressão sob a terra, e dessa forma contribui para a descaracterização sóciogeográfica da

zona rural, influenciando na mudança do modo de vida de uma significativa parcela da

população que sobrevive da produção das pequenas propriedades, através da agricultura

familiar.

A ocupação rarefeita de baixa densidade é atrativo que proporciona a atual

intensificação do uso e ocupação do território municipal. Com isso, os reflexos territoriais e

paisagísticos são observados, especificamente na intensificação da degradação ambiental e

na qualidade de vida local.

A previsão da chegada de novos empreendimentos no município exigirá uma

qualificação da força de trabalho local para garantir inserção desse contingente. Tal fato

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será favorável para a dinamização da economia local, contribuindo para a diminuição da

dependência com Aracaju.

Outros impactos sóciogeográficos podem ser previstos com a intensificação da

chegada de novos empreendimentos quer residenciais ou industriais. É possível prever a

retirada da cobertura vegetal e dessa forma a alteração dos ecossistemas existentes,

influenciando na perda de habitats e redução da biodiversidade local. E ainda, o aumento do

tráfego, o crescimento urbano, o aumento do grau de atratibilidade turística do município, a

inquietação e expectativa da população para a admissão em postos de trabalho, o aumento

do custo de vida, alterações paisagísticas e no modo de vida da população local, a perda da

identidade cultural, o crescimento da violência e doenças sociais, o aumento da arrecadação

de impostos, a intensificação da especulação imobiliária e ainda a possibilidade de

dinamização do comércio e o surgimento de novos ramos da prestação de serviços.

A quebra do isolamento relativo em que se encontrava o município de Barra dos

Coqueiros realizada através da construção da ponte sobre o rio Sergipe, consolidará uma

nova realidade na ocupação urbana do município. O antigo núcleo urbano, isto é, a sede

municipal, manterá a sua atual configuração, visto que a sua disposição urbanística é de

difícil e onerosa intervenção. Os vazios intra-urbanos serão consolidados a partir de uma

dinâmica imobiliária especulativa voltada para a classe média e média baixa, sobretudo da

capital. Por fim, os terrenos situados entre a Rodovia SE-100 Norte e a linha de costa irão se

diferenciar de toda a realidade urbana do município, já que possivelmente serão ocupados

por empreendimentos internacionais compostos pela classe de alto poder aquisitivo,

principalmente estrangeiros de diversas partes do mundo.

O município de Barra dos Coqueiros já sente as conseqüências do aumento do

fluxo urbano proveniente da capital e deve com bastante pressa implementar a criação de

um sistema municipal para tratar das questões urbanas e ambientais, colocar em prática as

premissas indicadas em seu Plano Diretor Participativo, criar novas estratégias de resolução

dos atuais problemas encontrados no município, além de efetuar parcerias com outras

esferas de governo e também com a iniciativa privada. Somente dessa maneira será possível

proporcionar um crescimento equilibrado que leve a Barra dos Coqueiros a uma coesão

territorial que viabilize o seu desenvolvimento.

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A PONTE SOBRE O RIO SERGIPE: METAMORMOSES PAISAGISTICAS, TERRITORIAIS E SÓCIOGEOGRAFICAS NO MUNICÍPIO DE BARRA DOS COQUEIROS, SERGIPE, BRASIL

EIXO: Transformações territoriais em perspectiva histórica: processos, escalas e contradições

RESUMO

O município de Barra dos Coqueiros, estado de Sergipe, teve a partir do ano de 2008, com a

inauguração da ponte sobre o rio Sergipe, a efetivação da interligação rodoviária com a capital do

estado, Aracaju. Com essa interligação rodoviária direta, inúmeras metamorfoses em diversos

segmentos estão se processando. A instalação de crescente processo de especulação imobiliária,

aumento de ocupações irregulares, conflitos territoriais, supervalorização do preço da terra,

privatização de setores de praia e outras, que alteram o modo de vida dos moradores do

município, inclusive devido à perda de parte do espaço rural, decorrente do crescimento

desordenado da zona urbana e das proliferações de loteamentos e complexos residenciais de

luxo. Nesse sentido, o propósito central desse artigo fundamenta-se na análise das principais

metamorfoses paisagísticas, territoriais e sócio geográficas ocorridas no citado município, como

também, apresenta alguns problemas já existentes, reflexos desta “abertura” do território, que

passa por mudanças significativas, nem sempre desejáveis. Para o alcance dos objetivos,

utilizaram-se de distintos procedimentos metodológicos, dentre eles, levantamento bibliográfico,

pesquisa cartográfica e documental, observações em campo e entrevistas. Constatou-se, dentre

outros resultados, que a ponte desencadeou no referido município uma série de transformações

paisagísticas, territoriais e sociais que podem ser percebidas na geografia urbana e rural da Barra

dos Coqueiros e conclui-se que se faz necessário planejamento integrado entre as esferas de

governo e a iniciativa privada para contribuir com o tão almejado desenvolvimento.

Palavras-chave: Paisagem, Território, Ordenamento Territorial.

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