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Catarina Alexandra Pinto da Silva Coimbra, 2009 Transferência da Aprendizagem O Sentido do Saber

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Transferência da Aprendizagem

O Sentido do Saber

Catarina Alexandra Pinto da Silva

Coimbra, 2009

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Transferência da Aprendizagem

O Sentido do Saber

Catarina Alexandra Pinto da Silva

Coimbra, 2009

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Transferência da Aprendizagem

O Sentido do Saber

Catarina Alexandra Pinto da Silva

Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação, área de Especialização em Psicologia da Educação, apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e realizada sob a orientação do Professor Doutor Joaquim Armando Gomes Alves Ferreira.

Coimbra, 2009

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais e aos meus irmãos, e a ti João, por acreditares em mim!

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer ao Professor Joaquim Armando pela atenção, pelas doutas palavras e pelo

incentivo, aos colegas de mestrado, pela força e pelo alento, às docentes que, gentilmente,

participaram na investigação e aos que estiveram sempre comigo, por todo o apoio e

disponibilidade que me ofereceram.

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RESUMO

Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

Dificilmente aprendemos sem integrar informação nas redes de conhecimento anterior.

Mesmo as actividades mais simples, quando aprendidas e repetidas, adquirem alguma

significação para o sujeito que as repete fora do seu contexto natural e original de ocorrência.

Perante o confronto com uma tarefa desconhecida, evocamos o nosso conhecimento anterior

para o aplicar à nova situação. Podemos assim, falar de transferência da aprendizagem, que

pode ser entendida como a influência que a aprendizagem anterior exerce no desempenho de

uma nova aprendizagem.

A transferência da aprendizagem tem sido colocada em lugar de destaque em vários

domínios, nomeadamente, ao nível da Psicologia e da Educação.

Realizámos um estudo qualitativo exploratório sobre esta temática. Na revisão da

literatura analisámos o estado da arte, o que nos permitiu contextualizar e clarificar o tema.

No estudo empírico procurámos, por meio da análise de estudos de casos, perceber quais as

percepções das participantes em relação à transferência da aprendizagem, conceptualizada, de

acordo com o quadro teórico desenhado. Entrevistámos sete docentes, de diferentes áreas

disciplinares, todas com experiência ao nível do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino

secundário.

Da análise dos resultados concluímos que a noção das docentes face aos significados da

transferência da aprendizagem e à identificação de aspectos chave relevantes, aproxima-se

daquilo que é conceptualizado na literatura. De uma forma geral, as suas práticas no processo

de ensino-aprendizagem são, também, suportadas pelo enquadramento teórico em referência.

Reunimos e sintetizámos algumas orientações educativas, com vista à transferência das

aprendizagens, que são sugestões para intervenção educativa, na perspectiva do trabalho

docente. Não são novas, mas pretendemos dar-lhes relevância, no sentido de poderem ser

úteis àqueles que as não têm cristalizadas. Estas têm que ver com a necessidade de uma

prática de ensino-aprendizagem ilustrada com exemplos; a significação que os conteúdos

ensinados devem ter para o aluno; a necessidade do docente ter em conta a individualidade de

cada aluno; o desenvolvimento de um ambiente de aprendizagem que ensine os alunos a

transferir;

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ABSTRACT

Transfer of learning. The sense of knowing.

Learning without adding information to our previous knowledge structures is a very

implausible task. Even the simplest activities acquire some signification for the individual

who has gain knowledge of them and repeats them even outside of their natural and original

context. Whenever we face an unknown task, we rely on our previous knowledge and we

apply it on the new situation. This can be described as transfer of learning, a term that can be

defined as the influence that previous learning experiences have on the process of a new

learning experience.

Transfer of learning has been the subject of focus in various domains, namely in the fields

of Psychology and Education.

We have conducted an exploratory qualitative study on this matter. During the literature

review we analyzed the state of the art, which enabled us to clarify the theme and view it in a

context. The empirical study, based on analysis of case studies, enabled us to look for the

understanding of participants’ perceptions on transfer of learning as it is defined by the

designed theoretical framework. Seven teachers of different knowledge fields, all of them

with experience at Lower Secondary and Secondary Education, were interviewed.

The reading of the results lead us to conclude that the notion teachers have of the

significance of transfer of learning and their ability to identify relevant key aspects is in

conformity with what is conceptualized by literature. In general, their teaching-learning

practices are supported by reference theories as well.

We gathered and synthesized some educational guidelines related to transfer of learning,

which should be understood as proposals for educational intervention from the perspective of

teaching. These guidelines are not new; however we intend to give them further relevance, in

order for them to be used by those who have not entirely acknowledged them yet. They focus

on: the need of teaching-learning practices based on illustration by examples; the meaning

that taught contents should have for the student; the need for the teacher to bear in mind each

student’s individuality; the development of a learning environment that teaches students how

to transfer.

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ABSTRACT

Déplacement de l’apprentissage. Le sens du savoir.

Nous apprenons à peine difficilement sans intégrer l’information dans les réseaux de la

connaissance prise auparavant. Même les activités les plus simples, quand elles sont apprises

et répétées, elles acquièrent une signification pour le sujet qui les répète hors de son contexte

naturel et originel de l’occurrence. En présence de la confrontation d’une tâche inconnue, on

évoque notre connaissance antérieure pour l’appliquer à la nouvelle situation. On peut, ainsi,

parler de déplacement de l’apprentissage, qui peut être comprise comme l’influence que

l’apprentissage antérieure exerce sur l’accomplissement d’un nouvel apprentissage.

Le déplacement de l’apprentissage a été mis en relief en plusieurs domaines, notamment

au niveau de la Psychologie et de l’Education.

On a fait une étude exploratrice qualitative sur ce sujet. Au moment de la révision de la

littérature, on a analysé l’état de l’art, ce qui nous a permis de mettre en contexte et clarifier le

thème. Dans l’étude empirique on a cherché, à travers l’analyse de l’étude de cas, à

comprendre les perceptions des participantes par rapport au déplacement de l’apprentissage,

conceptualisé, selon le tableau théorique dessiné. On a interviewé sept professeurs, de

différents domaines disciplinaires, toutes avec de l’expérience au niveau du collège et du

lycée.

De l’analyse des résultats on peut conclure que la notion des professeurs face aux signifiés

du déplacement de l’apprentissage et à l’identification d’aspects clés évidents s’approche de

ce qui est conceptualisé par la littérature. D’une façon générale, leurs pratiques dans le

domaine de l’enseignement et apprentissage sont aussi supportées par l’encadrement

théorique en référence.

On a réunit et systématisé quelques orientations éducatives, pour le déplacement des

apprentissages, qui sont des suggestions pour l’intervention éducative, dans une perspective

du travail de l’enseignant. Elles ne sont pas nouvelles, mais on veut leur donner de

l’importance, dans le sens qu’elles peuvent être utiles à ceux qui ne les ont pas cristallisées.

Celles-ci ont un rapport avec le besoin d’une pratique d’enseignement et apprentissage

illustrées à travers des exemples; la signification que les contenus enseignés doivent avoir

pour l’apprenant ; la nécessité que le professeur a de donner de l’importance à l’individualité

de chaque élève et le développement d’une ambiance d’apprentissage qui enseigne l’élève à

déplacer.

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ÍNDICE

Pág. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………... 1

I PARTE: REVISÃO DA LITERATURA...…………………………………………………. 3

CAPÍTULO 1. Aprendizagem……………………………………………………………. 4 1. O que é aprender?............................................................................................................ 4 1.1 Tipos de aprendizagem………………………………….............................................. 5 1.2 Processos mentais implicados………………………………………………………… 7 2. Como aprendemos?......................................................................................................... 8 2.1 A concepção comportamentalista……………………………………………………. 9 2.2 A concepção cognitivista……………………………………………………………... 15 3. Aprendizagem e transferência…………………………………………………………. 21

CAPÍTULO 2. Transferência da Aprendizagem………………………………………… 24 1. Apontamento histórico………………………. ………………………………………... 24 2. Transferência: constructo………………………………………………………………. 26 3. Níveis e tipos de transferência………………………………………............................. 30 4. Investigação……………………………………………………………………………. 36 5. Factores e variáveis envolvidos no processo…………………………………………... 45

II PARTE: ESTUDO EMPÍRICO…………………………………………………………… 50

CAPÍTULO 3. Metodologia………………………………………………………………. 51 1. Investigação qualitativa: o paradigma interpretativo…………………………………... 51 2. Plano de investigação…………………………………………………………………... 55 3. Participantes……………………………………………………………………………. 55 4. Instrumento: a entrevista semi-estruturada……………………………………………. 57 5. Procedimento…………………………………………………………………………... 60

CAPÍTULO 4. Apresentação, Análise e Discussão dos Resultados……………………. 62

CONCLUSÃO………………………………………………………………………. 106

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………. 110

ANEXOS…………………………………………………………………………… 119

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

1

INTRODUÇÃO

A presente dissertação insere-se no âmbito do Mestrado em Ciências da Educação,

Especialização em Psicologia da Educação.

A Psicologia da Educação centra o seu objecto de estudo no domínio da educação, ao

nível da análise, compreensão e avaliação do processo de ensino e aprendizagem. Sendo a

minha formação académica em Ciências da Educação e dado o interesse pessoal pela área da

aprendizagem e a minha experiência profissional na área da educação e formação, no qual

estão, indubitavelmente, presentes as questões da aprendizagem, a escolha da temática para

investigação surgiu naturalmente.

Especificamente, a questão da transferência da aprendizagem, em análise, surge pelo

interesse suscitado por algumas leituras prévias, pela identificação de possibilidades de

pesquisa dadas por conclusões e discussões apresentados em vários estudos, e pela relevância

da investigação científica para intervenção.

Apresentamos um trabalho de natureza empírica, motivado pelas nossas considerações, na

procura de informações, percepções e entendimentos da transferência da aprendizagem. O que

é a transferência da aprendizagem? Existe transferência da aprendizagem? Qual é a sua

importância? Qual é a sua utilidade? Partimos à procura destas e de outras respostas na

literatura e na voz dos educadores.

A dissertação está dividida em duas partes.

Na primeira parte fazemos a revisão da literatura, que é particularmente importante na

definição de um enquadramento do referencial teórico para a investigação em referência. Esta

parte é constituída por dois capítulos.

O primeiro capítulo refere-se à aprendizagem, onde explicamos o que é aprender,

enumeramos os tipos de aprendizagem, enunciamos os processos mentais implicados na

aprendizagem, explicamos a forma como aprendemos, fazendo alusão à concepção

comportamentalista e à concepção cognitivista e, introduzimos depois a temática da

transferência.

No segundo capítulo referimo-nos à transferência da aprendizagem. Iniciamos com um

apontamento histórico, referimo-nos depois à significação do conceito de transferência e

enumeramos alguns dos níveis e tipos de transferência. Depois fazemos alusão à investigação

realizada, fazendo menção aos primeiros e aos estudos mais contemporâneos, que

considerámos mais significativos. Terminamos o capítulo com a identificação de alguns

factores e variáveis envolvidos no processo de transferência da aprendizagem.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Na segunda parte apresentamos o estudo empírico. Esta também é constituída por dois

capítulos.

No terceiro capítulo referimo-nos à metodologia. Iniciamos uma menção ao paradigma

interpretativo, referindo-nos, nomeadamente e às características da investigação qualitativa.

Identificamos depois, o plano e os participantes do nosso estudo, caracterizamos o

instrumento utilizado e descrevemos o procedimento seguido.

No quarto capítulo fazemos a apresentação, a análise e a discussão dos resultados,

perscrutando significações que contribuam para uma melhor compreensão do fenómeno

estudado.

Finalizamos com a conclusão, onde apresentamos as conclusões e as suas implicações

para a intervenção educativa, referimos as limitações do estudo e identificamos sugestões para

futuras investigações.

Esperamos que este trabalho constitua um pequeno contributo para a investigação em

Ciências da Educação, embora sabendo que novos problemas e novas questões surgirão,

colocando-o em causa, mas é este permanente reiniciar, na procura de outras respostas, num

processo ordenado e sistematizado, que o conhecimento, quando pautado por rigor, se faz

ciência.

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I PARTE: REVISÃO DA LITERATURA

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber

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CAPÍTULO 1. Aprendizagem

“O homem, enquanto tem um corpo, é feito para trabalhar; vemos, todavia, que de inato ele não tem

senão a simples aptidão; pouco a pouco, é necessário ensinar-lhe a estar sentado e a estar de pé, a

caminhar e a mover as mãos, a fim de que aprenda a fazer qualquer coisa. Como pode, portanto, a

nossa mente, sem uma preparação prévia, ter a prerrogativa de se mostrar perfeita em si e por si? Não

é possível, porque é lei de todas as coisas criadas o começar do nada e elevar-se gradualmente, tanto

no que diz respeito à essência como no que diz respeito às acções. Com efeito, até acerca dos anjos,

muito vizinhos de Deus em perfeição, consta que não sabem tudo, mas progridem gradualmente no

conhecimento da admirável sabedoria de Deus (…)” (Coménio, 1996, p. 121).

1. O que é aprender?

“Reflectir sobre o que é aprender e o domínio dos mecanismos da aprendizagem

determina uma análise sobre as características das aprendizagens simples e complexas, a

tomada de consciência sobre as concepções que as crianças e os jovens constroem para

explicar os fenómenos e a reflexão sobre a importância da reconstrução de um saber no

decorrer da sua apropriação” (Carneiro, 2000, p. 16).

Desde crianças que vamos aprendendo em interacção com o meio, aprendemos a andar, a

falar, a escrever e a ler, a resolver problemas, a prestar atenção, a recordar factos, a fazer

generalizações, a aplicar regras e tantas, tantas outras coisas, num contínuo que se vai

complexificando ao longo do tempo, em resposta à interacção que estabelecemos com o meio.

Em adultos continuamos a aprender. Adquirimos competências profissionais, fazemos novas

aprendizagens e ao longo da vida apropriamo-nos de uma infinidade de informação.

Aprender implica adquirir e modificar conhecimentos, atitudes, habilidades, estratégias,

comportamentos... A aprendizagem permite-nos pois, a adaptação às condições do meio, na

medida em que, em referência a Anderson (2000), o nosso comportamento, que é modelado

pela aprendizagem, é susceptível de ser modificado, de acordo com a complexidade e as

mudanças do ambiente. Podemos assim falar de uma modificação adaptativa do

comportamento.

O que significa então aprender? Como podemos definir a aprendizagem?

Não existe uma definição de aprendizagem, mas várias. É pois difícil enunciar uma

definição satisfatória que inclua tudo aquilo que pretendemos, como actividades e processos e

que, simultaneamente exclua o que não é aprendizagem (Hilgard, 1961). Das múltiplas

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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definições1 que podemos encontrar o enfoque da significação encerra três conceitos: processo,

modificação e experiência.

Enquanto processo, a aprendizagem é uma acção não fugaz e momentânea, excluindo-se

assim mudanças comportamentais temporárias e transitórias. A modificação refere-se ao

processo de modificação e transformação na capacidade de agir, que decorre no interior do

sujeito. No que se refere à experiência, entendemos que a aprendizagem ocorre através da

prática, das vivências pessoais do sujeito que aprende (excluindo-se aqui as mudanças

comportamentais determinadas pela hereditariedade, como é o caso das alterações

maturacionais) na procura pelo equilíbrio entre aquilo que já sabe e o desconhecido (Tavares

& Alarcão, 2002; Anderson, 2000; Schunk, 2008).

A aprendizagem é entendida assim, como um processo, em que, a partir de uma exposição

ao meio são produzidas modificações, ou seja, alterações e/ou adaptações comportamentais

em resultado do exercício e da experiência.

Vejamos agora os vários tipos de aprendizagem que podem ocorrer.

1.1 Tipos de aprendizagem

Existem várias classificações de tipos de aprendizagem2.

1 Vejamos algumas definições de aprendizagem: “(…) uma mudança relativamente estável e duradoura do comportamento e do conhecimento. Esta mudança do comportamento está relacionada com o exercício e a experiência, podendo ocorrer de forma consciente ou inconsciente, num processo individual ou interpessoal” (Monteiro, 1996, p. 10); “(…) o processo pelo qual modificações duradouras ocorrem no potencial comportamental como resultado da experiência” (Anderson, 2000, p. 4); “(…) uma construção pessoal, resultante de um processo experiencial, interior à pessoa e que se traduz numa modificação de comportamento relativamente estável” (Tavares & Alarcão, 2002, p. 86); “Aprender é uma forma de mudança, que se distingue das mudanças do mero crescimento interno e que está relacionada com situações externas especiais e normalmente é muito mais rápida, e distinta da adaptação, fadiga, excitabilidade, depressão, e outras trocas fisiológicas sendo muito mais permanente” (Thorndike, 1968, p. 162). “(…) uma modificação na disposição ou na capacidade do homem, modificação essa que persiste durante um tempo e que não pode ser simplesmente atribuída ao processo de crescimento” (Gagné, 1987, p. 2); “A aprendizagem é um processo pelo qual se origina ou altera uma actividade, por meio da reacção a uma dada situação, sempre que as características da mudança em curso não possam ser explicadas com base em tendências reactivas inatas, na maturação ou por alterações temporais do organismo (…)” (Hilgard, 1961, p. 13); “(…) a aprendizagem é um processo continuado de descoberta e construção de significados a partir da informação e da experiência (…)” (Ausubel, 1962, cit. por Almeida, 1996, p. 21); “Alteração no comportamento de um organismo que resulta de uma interacção com o meio, que se traduz por um aumento do seu repertório (…)” (Richelle, 2001, p. 75). “(…) mudança mais ou menos permanente de comportamento que se produz como resultado da prática” (Kimble, 1969, cit. por Oliveira & Oliveira, 1996, p. 65); “A aprendizagem é uma mudança permanente no comportamento ou na capacidade de agir de uma determinada forma, que resulta da prática ou de outras formas de experiência” (Schunk, 2008, p. 2). 2 Uma das classificações é a definida por Bloom que descreveu vários tipos de aprendizagem, de acordo com uma taxionomia de objectivos do domínio cognitivo: evocação, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação (Smith & Ragan, 1999).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Daremos ênfase à categorização do autor Robert Gagné dado que nos parece clara e bem

fundamentada, sendo que também é a mais utilizada e a mais útil na projecção de materiais de

instrução segundo Smith & Ragan (1999).

Gagné (1970, p. 62) distinguiu oito modalidades de situações diferentes, nas quais se

realiza a aprendizagem, isto é, “(…) oito conjuntos de condições sob as quais se introduzem

modificações nas capacidades do aprendiz”, que classificou como tipos de aprendizagem. Os

tipos de aprendizagem (de complexidade crescente) que foram definidos são os que a seguir

apresentamos.

Tipo 1 – Aprendizagem de sinais: “o indivíduo aprende a dar uma resposta geral e difusa a

um sinal. É o clássico reflexo condicionado de Pavlov (1927)”;

Tipo 2 – Aprendizagem de tipo estímulo-resposta: “o indivíduo aprende a dar uma

resposta precisa a um estímulo discriminado. O que se aprende é uma conexão (Thorndike,

1898), ou uma operação discriminada (Skinner, 1938), algumas vezes também chamada

reacção instrumental (Kimble, 1961)”;

Tipo 3 – Aprendizagem em cadeia: “o que se adquire é uma cadeia de duas ou mais

conexões entre estímulos e respostas. As condições para esta aprendizagem foram descritas

por Skinner (1938) e por outros, especialmente por Gilbert (1962)”;

Tipo 4 – Associações verbais: “é a aprendizagem de cadeias verbais. Basicamente, as

condições assemelham-se às das outras cadeias (motoras). Todavia, a presença da linguagem

no ser humano dá um certo relevo a esse tipo de aprendizagem, porque os elos internos

podem ser seleccionados do vocabulário previamente assimilado pelo indivíduo (cf.

Underwood, 1964)”;

Tipo 5 – Aprendizagem de discriminações múltiplas: “o indivíduo aprende a dar n

respostas diferentes identificadoras em relação a diferentes estímulos que, no entanto, devem

assemelhar-se fisicamente em maior ou menor grau. Embora a aprendizagem de cada conexão

estímulo-resposta seja uma ocorrência do tipo 2, as conexões tendem a interferir na fixação

umas das outras (cf. Postman, 1961)”;

Tipo 6 – Aprendizagem de conceitos: “a pessoa que aprende adquire a capacidade de dar

uma resposta comum a uma classe de estímulos que podem diferir uns dos outros de maneira

mais profunda quanto à aparência física. Assim, ela torna-se capaz de dar uma resposta que

identifica toda uma classe de objectos ou factos (cf. Kendler, 1964)”;

Tipo 7 – Aprendizagem de princípios: “em termos mais simples, um princípio é uma

cadeia de dois ou mais conceitos. Funciona para controlar o comportamento da maneira

sugerida por uma regra verbalizada, de tipo “Se A, logo B”, onde A e B são conceitos.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Todavia, deve ser cuidadosamente diferenciada da simples sequência verbal: “Se A, logo B”,

que, naturalmente, poder ser apresentada no tipo 4”;

Tipo 8 – Resolução de problemas: “a resolução de problemas é um tipo de aprendizagem

que requer elementos internos habitualmente chamados de pensamento. Dois ou mais

princípios anteriormente adquiridos são combinados de maneira a produzir uma nova

capacidade que se pode indicar como dependente de um princípio de “ordem superior”

(Gagné, 1970, pp. 63-64).

Alguns anos depois Gagné (1987) revê esta classificação em oito tipos e distribui a

variedade das tarefas de aprendizagem por cinco grandes categorias, a saber: habilidades

intelectuais; informação verbal; estratégias cognitivas; habilidades motoras e atitudes. As

habilidades intelectuais compreendem cinco subcategorias, a saber: a capacidade de

discriminar classes de coisas diferentes; a capacidade de classificar coisas de acordo com as

suas características físicas (conceitos concretos); a capacidade de classificar coisas de acordo

com as suas características abstractas (conceitos definidos); a capacidade de aplicar uma regra

(procedimento simples) na solução de um problema ou realização de uma tarefa; a capacidade

de aplicar uma regra de ordem superior (procedimento complexo ou conjunto de regras

simples) na solução de um problema ou realização de uma tarefa. A informação verbal diz

respeito à capacidade para verbalizar nomes de objectos, factos, nomes, enunciar proposições,

e outras informações que estão armazenadas na memória. As estratégias cognitivas referem-se

à capacidade de criar ou escolher um processo mental que conduza à solução de um problema

ou ao desempenho de uma tarefa. As habilidades motoras dizem respeito à capacidade para

desempenhar tarefas físicas segundo padrões estabelecidos. E, finalmente, as atitudes, estas

relacionam-se com a capacidade de adoptar um comportamento específico em concordância

com valores e crenças adquiridos.

Todas as aprendizagens referidas têm na base processos mentais que são activados pelo

sujeito quando está a aprender. Debrucemo-nos agora sobre esses processos.

1.2 Processos mentais implicados

Os processos mentais constituem um conjunto de actividades de pensamento que

utilizamos quando estamos a aprender. Estes relacionam-se directamente com os conteúdos

que aprendemos, isto é, com as características e dificuldades levantadas pelo conteúdo do

conhecimento (Carneiro, 2000).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Embora cada conteúdo possa suscitar dificuldades específicas, podemos enumerar um

conjunto de processos de pensamento que são transversalmente importantes para vários tipos

de aprendizagens, a saber:

a) “Relacionar/estruturar: esta actividade cognitiva acontece quando o sujeito estabelece

relações entre as diferentes dimensões de um conteúdo, constitui ligações entre as partes e o

todo, relaciona conhecimentos prévios com novas informações ou organiza diferentes tipos de

informações num todo estruturado;

b) Analisar: este processo mental traduz-se na capacidade de segmentar um todo nos seus

diferentes componentes, decompor um problema em vários passos, discriminar vários

atributos de um conceito;

c) Inferir: este tipo de raciocínio expressa-se através da capacidade para extrair

consequências ou conclusões a partir de determinados dados ou para reconhecer as relações

de causa e efeito entre determinados factos;

d) Concretizar/aplicar: esta competência implica ser capaz de formar imagens concretas a

partir de informação abstracta, indicar exemplos de determinados conceitos, aplicar os

conhecimentos para resolver problemas, interpretar fenómenos da realidade a partir de

conhecimentos interiorizados, etc.;

e) Seleccionar: este tipo de raciocínio expressa-se pela capacidade de distinguir dimensões

essenciais e secundárias de um conjunto de informações ou ser capaz de reduzir uma grande

quantidade de informações aos seus aspectos mais importantes;

f) Raciocínio crítico: este procedimento cognitivo revela-se na capacidade para apresentar

argumentos ou factos que contrapõem determinados pontos de vista, noções ou teorias;

g) Resolução de problemas: este procedimento consiste na capacidade de articular

estratégias e planos de acção em relação a determinados objectivos a atingir ou de elaborar

esquemas mentais que ajudem a organizar os passos necessários até se chegar a um objectivo;

h) Memorizar: a retenção da informação implica pôr em prática estratégias de repetição e

ensaio em relação à informação que se pretende assimilar” (Carneiro, 2000, pp. 27-28).

Abordado o conceito de aprendizagem, os tipos de aprendizagem e os processos mentais

nela implicados, cumpre-nos explicitar agora o processo e aprendizagem, isto é, como

adquirimos conhecimento, como aprendemos.

2. Como aprendemos?

“A explicação sobre o modo como o indivíduo adquire o conhecimento e o desenvolve

tem sido procurada ao longo dos séculos, quase sempre acompanhada pelas tendências

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inatistas que, desde Platão, vêem a aprendizagem de conceitos essenciais como um relembrar

de formas incrustadas na memória, ou pelas tendências empiricistas que se apoiam na

experiência e nos objectos que rodeiam o indivíduo” (Sequeira, 1990, p. 37). Vemos aqui

duas orientações3 sobre a origem do conhecimento, o racionalismo e o empirismo, e a sua

relação com o meio. Estes conceitos, como iremos ver, encontram-se presentes nas actuais

teorias da aprendizagem.

Desde há muitos anos que vários investigadores se têm debruçado sobre a compreensão

dos processos de aprendizagem. Existem pois, diversas teorias que procuram explicar a

complexidade desses processos que, apesar de algumas divergências, trazem consigo um

contributo muito importante para o estudo da aprendizagem.

As teorias que maior influência têm exercido na educação, consideradas as mais

importantes, são as comportamentalistas, que enfatizam os comportamentos observáveis e as

condições ambientais e as cognitivistas, que se centram nos processos de pensamento e de

análise da informação (Carneiro, 2000).

Iremos então agora fazer referência à concepção comportamentalista e à concepção

cognitivista.

2.1 A concepção comportamentalista

O comportamentalismo (também designado de associacionismo, behaviorismo ou ciência

do comportamento) teve início nos Estados Unidos no início do século XX, altura em que

havia uma grande euforia em torno da perspectiva da evolução de Darwin4, segundo a qual os

seres humanos, em continuidade com os animais, aprendiam segundo as mesmas leis.

3 “O racionalismo refere-se à ideia de que o conhecimento deriva da razão, sem recorrer aos sentidos. A distinção entre mente e matéria, que figura proeminentemente na visão racionalista do conhecimento humano, pode ser atribuída a Platão, que distingue o conhecimento adquirido através dos sentidos daquele vindo pela razão. Platão acreditava que as coisas (por exemplo, casas, árvores) são reveladas ao povo através dos sentidos, enquanto que os indivíduos adquirem ideias raciocinando ou pensando sobre aquilo que sabem. As pessoas têm ideias sobre o mundo, e elas aprendem (descobrem), estas ideias, reflectindo sobre elas. A razão é a maior faculdade mental, porque através dela as pessoas aprendem ideias abstractas. As informações obtidas com os sentidos através da observação, de escuta, sabor, cheiro, ou tocar constituem matérias-primas em vez de ideias. A mente é inatamente estruturada para fornecer e prover significado às informações sensoriais recebidas. O empirismo refere-se à ideia de que a experiência é a única fonte de conhecimento. Esta posição deriva de Aristóteles (384-322 a.C.), que foi aluno de Platão e seu sucessor. Aristóteles não fez nenhuma distinção nítida entre mente e matéria. O mundo externo é a base para as impressões humanas dos sentidos que, por sua vez, são interpretadas como lícitas (consistentes, imutáveis) pela mente. As leis da natureza não podem ser descobertas através de impressões sensoriais. Pelo contrário, elas são descobertas através da razão, tendo em conta como a mente toma os dados do ambiente. Diferentemente de Platão, Aristóteles acreditava que as ideias não existem independentemente do mundo externo” (Schunk, 2008, pp. 10-11). 4 “Uma razão para o interesse inicial pela aprendizagem foi a teoria da evolução, elaborada por Charles Darwin. A publicação do seu livro Da Origem das Espécies em 1859 captou a imaginação do mundo intelectual com a ênfase sobre o modo como a selecção natural modificou as espécies, de forma a que elas se adaptassem melhor

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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De acordo com Schunk (2008, p. 16), “O behaviorismo foi uma força poderosa em

psicologia na primeira metade do século XX, e as teorias mais antigas da aprendizagem são

comportamentais. Estas teorias explicam a aprendizagem em termos de fenómenos

observáveis”.

Para os behavioristas a maior parte do comportamento animal e humano poderia ser

entendido como o resultado de mecanismos de aprendizagem elementares que operavam nas

experiências fornecidas pelo meio (Anderson, 2000). Deste modo, “(…) a quantificação dos

dados comportamentais, as interpretações em termos associacionistas/conexionistas e a ênfase

no papel do reforço como determinante da aprendizagem vieram formar as bases do

behaviorismo que, no início, se centrou no estudo do comportamento, excluindo todos os

conceitos subjectivos que envolvessem a «consciência»” (Ribeiro, 1994, p. 10).

A aprendizagem reduzia-se assim, aos padrões de resposta que se manifestavam em

movimentos, em reacções musculares e que, portanto, eram objectivamente observáveis. Estes

padrões de resposta eram construídos através de diferentes processos de condicionamento.

Aprender seria assim, acumular associações estímulo-resposta, o que pressupunha repetição e

exercício, tendo o sujeito, em todo este processo, um papel passivo.

O termo behaviorismo está associado ao nome do psicólogo americano John B. Watson

(1878-1958), cujos trabalhos vêm na senda dos estudos sobre os reflexos condicionados de

Ivan P. Pavlov (1849-1936) e do conexionismo (E-R) de Edward L. Thorndike (1874-1949).

Pavlov estudou a secreção salivar de cães. Nas suas experiências, ao colocar comida

perante o animal, verificou que aquele salivava. Depois fez soar uma campainha aquando de

uma nova apresentação do alimento e verificou, novamente, que o cão salivava. Ao repetir a

experiência várias vezes, constatou que o animal salivava independentemente se associada à

campainha era apresentado alimento. A campainha condicionava, portanto o cão a salivar. “A

metodologia básica começa com o estímulo não-condicionado (ENC), biologicamente

significativo, que evoca reflexivamente uma resposta não-condicionda (RNC). O alimento,

por exemplo, é um ENC e a salivação é uma RNC. O ENC é emparelhado a um estímulo

condicionado (EC) neutro, tal como uma campainha. Após um número de emparelhamentos

ao seu ambiente. Os teóricos da aprendizagem viram as suas pesquisas como uma extensão evidente da pesquisa de Darwin. Enquanto Darwin se dedicava à adaptação através das gerações de uma espécie, os teóricos da aprendizagem focalizavam-se na contínua adaptação de um membro individual de uma espécie ao longo do seu ciclo de vida. A compreensão da relação entre a adaptação geral das espécies e a aprendizagem individual é ainda hoje um tema actual de pesquisa” (Anderson, 2000, p. 6).

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desse tipo, o EC adquire a capacidade de evocar a resposta por si mesmo. Quando ocorre a

resposta ao EC, ela é denominada resposta condicionada (RC)” (Anderson, 2000, p. 9).

Pavlov identificou ainda alguns processos que envolvem o condicionamento, como a

extinção, a recuperação espontânea, a generalização do estímulo e a discriminação.

A aprendizagem era assim concebida como um processo de desenvolvimento de reflexos

condicionados que se obteriam substituindo estímulos não condicionados por estímulos

condicionados. Considerava-se que teria ocorrido aprendizagem, na medida em que uma

resposta passa a manifestar-se também na presença de um estímulo que inicialmente não a

suscitava.

De acordo com Anderson (2000), Thorndike estudou uma situação de aprendizagem

bastante diferente da estudada por Pavlov. Thorndike colocou um gato faminto dentro da

caixa (aparato experimental designado caixa-problema) e, do lado de fora, colocou alimento.

O gato poderia aceder ao alimento se pressionasse uma alavanca que abriria a porta da caixa.

Thorndike estava interessado em descobrir com que rapidez eles aprendiam a sair da caixa-

problema. Após várias experiências observou que, de início, os gatos se comportariam mais

ou menos aleatoriamente, transitando dentro da caixa, arranhando-a, miando e assim por

diante, até que, acidentalmente encontravam o dispositivo de abertura. Durante os ensaios, o

comportamento aleatório diminuía gradualmente conforme os gatos encontravam, cada vez

mais rapidamente, o mecanismo de abertura, ou seja, o tempo que despendiam para abrir a

caixa era cada vez menos, e eram capazes de sair da caixa mais cedo. Thorndike classificou

este processo como aprendizagem por ensaio e erro. Na sua concepção considerou que este

processo de fortalecimento fosse automático e que não exigisse qualquer actividade cognitiva

por parte dos gatos.

Thorndike enunciou três leis da aprendizagem que se baseiam na ideia de que a

aprendizagem está associada a um esforço que é recompensado, a saber: a lei do efeito, a lei

do exercício ou frequência e a lei da maturidade específica.

A aprendizagem era perspectivada como uma resolução de problemas.

O tipo de processo de aprendizagem estudado por Thorndike é designado de

condicionamento instrumental, por sua vez, Pavlov desenvolveu um tipo de condicionamento

que denominou de condicionamento clássico. Em ambos os casos, uma resposta é aprendida a

partir de uma situação de estímulo. No condicionamento clássico, o estímulo é EC e a reposta

é a RC. Nas caixas-problema de Thorndike, o estímulo é a caixa-problema e a resposta é a

acção adequada de abertura da caixa.

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“Thorndike e Pavlov transmitiram consideravelmente a sua inspiração para o movimento

behaviorista que dominou a psicologia americana na primeira metade do século XX. Ambos

eram tidos como precursores da teoria segundo a qual a aprendizagem poderia ser entendida

como uma associação directa entre estímulo e resposta sem o postulado da intervenção de

processos mentais. Essa ideia conduziu à crença de que todo comportamento poder ser

considerado em termos de conexões entre estímulo e resposta” (Anderson, 2000, p. 15).

Thorndike e Pavlov exerceram uma forte influência no pensamento de Watson, o mais

famoso dos primeiros behavioristas.

Nos seus estudos sobre o comportamento, Watson rejeitou tudo o que não pudesse ser

observado, medido com objectividade. Na sua perspectiva, os constructos mentais como a

mente, o espírito, a consciência, a pessoalidade e a interiorização, aparecem desprovidos de

significado para a sua investigação por não serem susceptíveis de uma observação objectiva,

mensurável. “Watson vê a aprendizagem como o resultado de um processo de

condicionamento segundo o qual determinadas respostas ou reacções são associadas a

determinados estímulos e considera que todas as formas de comportamento podem ser

aprendidas” (Tavares & Alarcão, 2002, p. 92). Todo o comportamento humano poderia assim,

ser compreendido como o resultado de associações aprendidas entre estímulos e respostas.

No seguimento do caminho por percorrido por Watson, na década de 1930, o americano

Edwin R. Guthrie (1886-1959) desenvolveu as teses comportamentais de forma radical,

considerando que o complexo comportamento do Homem, em última instância, poderia ser

explicado como resultado de um desenvolvimento evolutivo que o levou a aprender

determinados padrões de reacção muscular diante de estímulos recebidos em dadas

circunstâncias. Guthrie “(…) rejeitou qualquer conceito psicológico que pudesse ter uma

conotação «mentalista». Postulou uma lei da aprendizagem: aprendizagem por associação ou,

como a chamava, contiguidade”. Considerava que “(…) se um determinado estímulo (ou

padrão de estímulos) for seguido de uma resposta, então a próxima vez que esse estímulo

aparecer, seguir-se-á a mesma resposta. E é tudo o que há a saber – estímulos e respostas em

sequência. Não há necessidade de recorrer à recompensa, ao reforço ou ao «efeito» para

explicar a aprendizagem. Acreditava que a aprendizagem ocorria da primeira vez que o

estímulo e a resposta se associavam” (Sprinthall & Sprinthall, 2001, p. 212).

Também Clark L. Hull (1884-1952) e Burrhus F. Skinner (1904-1990) contribuíram para

o estudo da aprendizagem, nesta perspectiva comportamentalista.

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Segundo Ribeiro (1997b, p. 354), Hull considerava que “(…) a aprendizagem, enquanto

processo básico de modificação e evolução do comportamento, acontece de maneira

inteiramente automática e é determinada por factores do meio externo (físico) e do meio

interno (fisiológico), sem intervenção de aspectos de ordem psicológica, cuja origem e

natureza eram supostamente consideradas inexplicáveis pelas leis da evolução natural”. O

principal objectivo de Hull e de alguns teóricos neo-hullianos, era desenvolver uma teoria

sistemática dos condicionamentos clássico e instrumental que pudesse explicar a totalidade do

comportamento – humano e animal (Anderson, 2000).

Ainda antes de analisarmos a perspectiva de Skinner, referenciamos Edward C. Tolman

(1886-1959), o mais influente crítico da época às teorias da aprendizagem, nomeadamente de

Hull e Thorndike.

Tolman vinha do campo behaviorista, portanto, falava uma linguagem que os outros

behavioristas compreendiam, neste sentido, podiam ser estabelecidas associações entre as

pesquisas que realizou e os conceitos behavioristas. Duas das suas mais conhecidas

investigações envolviam a aprendizagem que os ratos faziam em labirintos – paradigma

experimental em voga na época. Contudo, a principal conclusão de Tolman foi uma questão

cognitiva – o comportamento era melhor compreendido como resposta a uma meta. A

principal contribuição de Tolman foi a evidência de que não é o comportamento que é

aprendido, mas sim o conhecimento que pode ser utilizado para guiar o comportamento

(Anderson, 2000).

Referenciando agora psicologia skinneriana, esta baseia-se numa perspectiva do

comportamento totalmente ligada ao meio, sendo este que causa as mudanças no

comportamento, porque as consequências da resposta influenciam a acção futura e porque

estas consequências ocorrem no meio exterior. Neste sentido, tudo o que o sujeito faz, ou vier

a fazer no futuro, é um resultado directo da sua história única de reforços e punições

(Sprinthall & Sprinthall, 2001).

O ponto de partida para as investigações levadas a cabo por Skinner é a lei do efeito de

Thorndike, segundo a qual a aprendizagem é uma associação entre o estímulo e a resposta

resultante de um acto do sujeito. Skinner desenvolveu um conjunto de experiências na

designada caixa de Skinner, estudando o comportamento animal, perante uma alavanca que,

se premida, libertava alimento. Após carregar nela por acaso e receber o alimento, o animal

repete o comportamento, obtendo de todas as vezes comida, o que designou de reforço

positivo. Skinner desenvolveu outras experiências em que utilizou estímulos dolorosos ou

desagradáveis, nas quais um rato caminhava sobre uma rede metálica por onde passava uma

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corrente eléctrica, que podia ser interrompida ao carregar-se num pedal Depois de várias

tentativas e erros, o animal aprende a evitar a dor, carregando no pedal, o que foi classificado

de reforço negativo. Skinner estudou as condições em que as reacções podem ser reforçadas

ou enfraquecidas até à sua extinção e reduziu-as a quatro: reforço positivo ou recompensa;

reforço negativo; extinção; e castigo.

Skinner considera assim a aprendizagem como uma forma de condicionamento que “(…)

já não é o reflexo condicionado ou condicionamento clássico de Pavlov; trata-se agora do

condicionamento operante ou instrumental, mais complexo, que inclui a noção de reforço, ou

seja, uma situação em que a relação entre o estímulo e a reacção é fortalecida de tal maneira

que aumentam as possibilidades de que, de futuro, uma determinada reacção seja associada a

um determinado estímulo” (Tavares & Alarcão, 2002, p. 95).

Skinner interessou-se em analisar o comportamento dos organismos em várias situações

de estímulo, e não pelos mecanismos internos que mediavam esse comportamento. Concluiu,

segundo Anderson (2000, p. 23), que “(…) todo o comportamento complexo, incluindo o

comportamento humano, era apenas uma questão de modelação e encadeamento da resposta

produzidos por esquemas de reforço adequados”.

Em jeito de síntese, podemos dizer que o behaviorismo centrou-se no comportamento

exterior, observável, susceptível de ser medido, defendendo a ideia de que o importante não é

a acção do meio sobre o indivíduo mas a reacção do indivíduo ao meio. O sujeito é então

passivo e estabelece uma relação de carácter mecânico, aprendendo, por meio da prática,

hábitos, através de associações entre estímulos e repostas.

A aprendizagem é perspectivada como uma mudança de comportamento, como uma

forma de condicionamento e baseia-se assim, na reacção física, visível, a um estímulo,

afirmando a importância da estimulação e enfatizando as condições ambientais.

A ideia principal destas teorias é, de facto, a de que é possível explicar os

comportamentos a partir da relação entre os estímulos (as características do ambiente) e as

respostas (as características do comportamento). Se a relação estímulo-resposta for seguida de

acontecimentos satisfatórios para o sujeito, é fortalecida a associação, ou seja, ocorre a

aprendizagem. Logo, esta acontece quando a emissão de uma resposta é seguida de uma

consequência reforçadora, aumentando, assim, a frequência dessa resposta para aquele tipo de

situação ou estímulo. Este mecanismo de aprendizagem permite modificar a taxa de

ocorrência de comportamentos que o sujeito já possui ou, pode também conduzir à produção

de novos comportamentos que ainda não existam no seu repertório. A generalização

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representa o facto de determinados comportamentos reforçados numa dada situação poderem

ser transferidos para outras situações semelhantes. A extinção ocorre quando comportamentos

anteriormente reforçados numa dada situação deixam de o ser (Carneiro, 2000).

Esta concepção, que se centra na mudança de comportamentos observáveis, cujas acções

dos indivíduos são exclusivamente dirigidas em função das consequências ambientais, parece

ser bastante reducionista. Contudo, é necessário ter em conta que muitos dos nossos

comportamentos, na vida quotidiana, são aprendidos e influenciados pelo efeito das

contingências de reforço associadas às situações (Carneiro, 2000).

Vários contributos começaram a colocar em causa esta concepção da aprendizagem.

“O “mecanicismo” associado às primeiras leituras behavioristas, onde a aprendizagem se

confundia com a aquisição e fortalecimento de conexões entre unidades informativas

(Thorndike, 1913) ou com a aquisição e fortalecimento de respostas através da manipulação

das propriedades dos estímulos e das contingências agradáveis ou desagradáveis às respostas

emitidas (Skinner, 1950), deu lugar progressivamente a concepções mais dinâmicas de

aprendizagem. As investigações na área passaram a estar mais centradas nos seres humanos

do que nos animais, ao mesmo tempo que a incidência passou a ser menos nas formas mais

simples de aprendizagem, como a memória e a percepção, e mais na compreensão,

categorização ou raciocínio” (Almeida, 1996, pp. 19-20). A ênfase passou a ser colocada na

compreensão e não apenas na execução de tarefas, acentuando o papel do aprendiz na

estruturação do conhecimento.

Analisemos agora a perspectiva cognitivista.

2.2 A concepção cognitivista

“(…) Já desde os primeiros tempos da teoria do comportamento, existia uma concepção

alternativa, segundo a qual o que conta quando os animais (e os seres humanos) aprendem não

é a mudança no comportamento em si, mas a aquisição de um novo conhecimento. Um dos

mais proeminentes representantes deste ponto de vista foi Edward C. Tolman (…) que

defendia a ideia de que, tanto no condicionamento clássico como no instrumental, uma animal

ganhava parcelas de conhecimento, ou seja, cognições” (Gleitman, 1999, p. 164).

Teve assim início, nos anos de 1950, uma importante revolução na psicologia e,

especificamente, no estudo da aprendizagem. Como nos diz Anderson (2000), o cognitivismo

veio declarar o importante papel dos processos mentais complexos na adaptação do

comportamento humano. O cognitivismo toma, assim, por objecto “(…) os processos mentais,

as operações e representações mentais que se inserem entre a estimulação externa ou interna e

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a resposta. Isto é, os psicólogos que se filiam numa perspectiva cognitiva «abrem a caixa

negra», e o entendimento do sujeito não mais é o de um dispositivo que reage, mas sim de um

organismo que trata a informação e age (…)” (Almeida, 2004, p. 13).

Podemos também, nesta perspectiva, salientar alguns teóricos que se debruçaram no

estudo da aprendizagem, tendo em conta os processos internos do sujeito que aprende. Apesar

de divergências, em termos de implicações educativas e princípios psicopedagógicos

enunciados, estes autores importam ser aqui referenciados pela leitura que fazem da

aprendizagem, como sendo o resultado de um processo de modelação do comportamento, por

meio de processos mentais complexos.

Reagindo contra a visão mecanicista do behaviorismo, alguns autores, como Max

Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1941)

estudaram uma teoria, designada teoria da forma (gestaltismo), que explicava que o sujeito

interpreta e organiza o que o rodeia em termos de conjuntos e não, apenas, em termos de

elementos isolados (Tavares & Alarcão, 2002).

Wertheimer considerava que era inútil estudar pequenas partes dos conceitos psicológicos,

como a percepção ou a aprendizagem. Não fazia, pois, sentido estudar partes isoladas dado

que se se modificar uma parte, necessariamente, modifica-se o todo. De igual forma, o todo

poderá manter-se, mesmo quando todas partes foram modificadas (Sprinthall & Sprinthall,

2001).

Köhler trabalhava com Wertheimer. Realizou estudos com primatas e concluiu, de acordo

com Sprinthall e Sprinthall (2001), que a aprendizagem resultava de uma série de soluções de

discernimento e não de tentativas e erros cegos.

Importa aqui referenciar também, Kurt Lewin (1890-1947), que concebeu a teoria de

campo. “Tomando como base a ideia de que o todo, a estrutura, é mais do que a soma das

suas partes, Lewin afirma que toda a actividade psicológica, e portanto também a

aprendizagem, se realiza num campo de acção em que um conjunto de factores interferem e

condicionam o comportamento de uma pessoa numa determinada situação” (Tavares &

Alarcão, 2002, p. 100).

Outro dos teóricos cognitivistas é David P. Ausubel (1918-2008), que elaborou uma

explicação sistemática da aprendizagem, salientando os processos cognitivos envolvidos

como, a atenção, a memória, o processamento da informação e a transferência das

aprendizagens para novas situações. De acordo com a sua teoria, designada por teoria da

assimilação, a aprendizagem significativa (quando aquilo que aprendemos já tem um

significado ou torna-se significativo durante o processo de internalização) modifica a natureza

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da nova informação, dado que esta é articulada numa estrutura cognitiva que já existe, bem

como o que foi anteriormente adquirido (Ribeiro, 1997b). “(…) Ausubel acentua a sua teoria

na organização do conhecimento em estruturas e nas reestruturações que são produzidas

devido à interacção entre tais estruturas presentes no sujeito e a nova informação” (Pozo,

2002, p. 209). “A aprendizagem deve fazer-se por recepção (…) deve processar-se

dedutivamente, partindo dos conceitos gerais para chegar aos específicos” (Oliveira &

Oliveira, 1996, p. 80). Após ter feito várias investigações sobre os processos de estruturação

da aprendizagem, concluiu que “(…) é mais fácil aprender-se se a informação for organizada

e sequenciada de uma forma lógica, isto é, de tal maneira que objectivos, que pressupõem

conhecimentos anteriores não sejam ensinados sem que esses conhecimentos estejam

realmente presentes e segundo estratégias que facilitem a organização da matéria a aprender

em conjuntos significativos e que visem uma melhor facilitação e retenção da aprendizagem”

(Tavares & Alarcão, 2002, p. 105).

Outra perspectiva é a de Jerome S. Bruner (1915-) que, à semelhança de Piaget,

desenvolveu uma teoria dos estádios explicativa do desenvolvimento cognitivo. Salientou a

necessidade de uma teoria do ensino tendo em conta a estrutura e a forma do conhecimento, a

organização das sequências de aprendizagem, o papel do reforço e do feedback, que esta deve

comportar (Raposo, 1995). Defendeu a aprendizagem pela descoberta, segundo a qual os

factores e as relações que os alunos descobrem por si próprios, tendem a ser melhor retidos,

podendo estes encontrar, de forma autónoma, alguns dos princípios básicos que explicam os

fundamentos de determinado conteúdo (Ribeiro, 1997b).

Para Bruner a aprendizagem “(…) é um processo activo do sujeito que apreende, organiza

e guarda a informação recebida. O conhecimento adquire-se a partir de problemas que se

levantam, expectativas que se criam, hipóteses que se avançam e verificam, descobertas que

se fazem. É depois organizado em categorias e relacionado com conhecimentos previamente

adquiridos e armazenados no cérebro” (Tavares & Alarcão, 2002, p. 103).

Importa ainda referenciar, entre tantos outros, John R. Anderson (1947-), um cognitivista

genuíno, que desenvolveu a teoria ACT – Architecture of Cognition Theory5, apresentando 5 Segundo esta teoria a cognição complexa toma lugar numa interacção entre o conhecimento declarativo e o conhecimento procedimental. O conhecimento procedimental é representado em unidades designadas por “regras de produção”, e o conhecimento declarativo, é representado em unidades designadas chunks” (Almeida, 2004, p. 35). O conhecimento procedimental diz respeito ao “saber como” e o conhecimento declarativo diz respeito ao “saber que”. Na terminologia de Anderson (1983, cit. por Ribeiro, 1997a), o conhecimento declarativo permite ao sujeito conhecer os dados factuais e o conhecimento executivo diz respeito à formação, codificação e utilização de estratégias que visam um determinado fim. Estes, em interdependência constante, explicam a interacção do sujeito com o meio.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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uma explicação acerca dos princípios básicos do funcionamento do sistema cognitivo.

Enunciada como “(…) uma teoria simples da aprendizagem e da cognição” (Anderson &

Schunn, 2000, p. 2), esta debruçou-se sobre a explicação do funcionamento do sistema

cognitivo, enfatizando o papel activo do sujeito. Pozo (2002, p. 120), ao referir-se à teoria

ACT, escreve que o sistema computacional desenvolvido por Anderson “(…) possivelmente

constitui a mais ambiciosa e completa tentativa de elaborar uma teoria psicológica geral e

unitária a partir dos pressupostos computacionais da ciência cognitiva”.

No âmbito da perspectiva cognitivista, enriquecida e fundamentada num conjunto de

princípios básicos para a compreensão da cognição, podemos encontrar modelos que nos

auxiliam na análise do funcionamento racional humano, especificamente nas tarefas de

aprendizagem (Ribeiro, 1994).

Consideremos agora a abordagem dos modelos de processamento da informação, que

caracteriza várias teorias no âmbito da psicologia cognitiva e que encontram na metáfora do

computador uma boa metáfora.

Modelos de processamento da informação

Os modelos de processamento de informação6 emergem na década de 50, quando,

segundo Figueira (2002, p. 242), “(…) se substituiu os termos estímulo (S), resposta (R) e

reforço (R), dos esquemas behavioristas, pelos conceitos de input, output e feedback”. Para

além da mudança de terminologia, houve um desvio do centro de interesse para o estudo das

estruturas, processos e representações que mediatizam a relação input e output.

De acordo com esta abordagem da aprendizagem, a mente humana é concebida como um

sistema complexo que recebe, armazena e utiliza informação. “A concepção do ser humano

como processador de informação baseia-se na aceitação da analogia entre a mente humana e o

funcionamento de um computador. Para ser exacto, adoptam-se os programas de computador

como metáfora do funcionamento cognitivo humano” (Pozo, 2002, p. 41). Os computadores

são, pois, dotados de algumas das capacidades da mente humana, dado que adquirirem

informação, armazenam em memória, recuperam, classificam e transformam-na.

6 “Os antecedentes históricos do Sistema de Processamento da Informação – IPS – situam-se ao nível da Teoria da Comunicação (Shannon, Winer, 1940 – conceitos como codificação e representação, processamento serial e paralelo, capacidade limitada dos registos sensoriais e da STM [memória a curto prazo]), das Ciências Computacionais e Cibernética (para Newell e Simon – General Problem Solver (GPS) – o homem é um manipulador de símbolos tal como a máquina. Entre os inputs e os outputs existe qualquer coisa que não só a “caixa negra”), e dos Linguistas (para Chomsky, o problema central é analisar a capacidade do humano em produzir e compreender nova informação) (Siegler, 1983, p. 131)” (Figueira, 2002, p. 242).

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Esta abordagem incide, assim, sobre “(…) o conjunto de processos de pensamento e de

raciocínio implicados na elaboração e processamento de conhecimentos. O princípio

fundamental é o de que as actividades mentais actuam sobre os dados transmitidos pelos

órgãos sensoriais (estimulação visual, auditiva ou táctil), atribuindo-lhes um significado a

partir de conhecimentos preexistentes” (Carneiro, 2000, p. 22).

Os diversos modelos de processamento de informação7 desenvolvidos, procuraram

entender os processos mentais que contribuem para a realização de tarefas e saber como os

sujeitos representam a informação que recebem e que tipos de processos utilizam para a

integrar. As diferenças entre eles tinham que ver com o nível de funcionamento cognitivo que

enfatizavam. Foram conceptualizados vários modelos, sendo o modelo de Gagné (1985)

considerado como um dos mais representativos e complementar aos referidos anteriormente

(Ribeiro, 1997a). Neste sentido, seguimos, com a identificação e descrição do modelo de

processamento da informação, enquanto modelo descritivo dos mecanismos cerebrais

implicados no processo de aprendizagem.

“Trata-se de um modelo geral de processos da cognição, ou teoria da arquitectura

cognitiva, que postula princípios básicos de operação sobre o sistema cognitivo” (Almeida,

2004, p. 35).

A figura que a seguir apresentamos representa esse modelo8.

7 Exemplos de outros modelos são o modelo modal de Atkinson e Shiffrin (1968) e o modelo de aquisição dos níveis de processamento de Craik e Lockhart (1972), que procuraram compreender o que ocorre durante a aquisição, retenção e recuperação de informação. 8 De uma forma simplificada, descrevemos, de acordo com Gagné (1985), o modo como este modelo funciona. O cérebro organiza-se em receptores que captam os estímulos do meio que são recebidos pelos órgãos receptores, sob a forma de sinais físicos energéticos. Os órgãos receptores, por sua vez, vão enviar sinais, sob a forma de impulsos electroquímicos, para os registos do sistema nervoso central. Uma vez no sistema nervoso central, uma pequena parte da informação segue para a memória a curto prazo (MCP), também designada de memória de trabalho, e a restante perde-se no sistema. A memória a curto prazo corresponde, grosso modo, à nossa consciência, àquilo a que estamos atentos num determinado momento; esta tem uma duração e capacidade limitada. Uma vez aqui, a informação pode ser codificada e depois armazenada na memória a longo prazo (MLP). A codificação é um processo de transformação, em que a nova informação é integrada na informação já existente. A memória a longo prazo armazena a informação até esta ser novamente recuperada. A informação recuperada forma os geradores de resposta. Em pensamento consciente, a informação flui da memória a longo prazo para a memória a curto prazo e daí para os geradores de resposta. No caso de uma resposta automática, a informação flui directamente da memória a longo prazo para os geradores de resposta, durante a recuperação. A forma como todo este processo decorre, depende muito de duas estruturas superiores: o controlo executivo e as expectativas. O controlo executivo está relacionado com a opção de cada sujeito, em termos de estratégias mentais a utilizar, no percurso codificação e descodificação da informação. As expectativas dizem respeito ao que o sujeito se propõe atingir, representam as suas motivações específicas para aprender determinado assunto.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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MEIO

EFECTORES

RECEPTORES

Controlo executivo Expectativas

Geradoresde

resposta

Registos Sensoriais

Memória a curto prazo

Memória a

Longo prazo

Figura 1. Modelo de Processamento de Informação (R. Gagné, 1974, in Gagné, 1985, p. 9)

Os modelos de processamento de informação têm uma grande importância ao nível da

planificação e organização do ensino. O método básico para a construção destes modelos

consistia numa detalhada análise das tarefas, ou na identificação das principais características

exigidas pela tarefa, para identificação dos passos a seguir no processo de aprendizagem

(Almeida, 2004). O processamento da informação, em si mesmo, define-se assim, como “(…)

a sequência de operações mentais e seus produto implicados no desempenho de uma tarefa

cognitiva” (Sternberg 1990, cit. por Almeida, 2004, p. 72).

Em resumo, podemos referir que a perspectiva cognitivista vê a aprendizagem como um

processo interactivo do sujeito com o mundo externo, permitindo a aquisição de um número

crescente de novas acções, o que influi no plano da organização interna do conhecimento –

reestruturação cognitiva. O cognitivismo considera assim os sujeitos como “(…) seres

activos, iniciadores de experiências que conduzem à aprendizagem, buscando informação

para resolver os problemas, reorganizando o já aprendido, em vez de serem passivamente

influenciados pelo exterior” (Oliveira & Oliveira, 1996, p. 75). Centra-se, pois, nos processos

mentais e no significado que as tarefas têm para o sujeito, sendo a ênfase colocada na

compreensão e não apenas na execução das tarefas.

Esta abordagem acentua o contributo dos processos cognitivos básicos intrínsecos à

atenção, apreensão e codificação da informação, bem como os processos de significação,

compreensão e de relação entre a nova informação e os conhecimentos anteriores do sujeito.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Considera ainda, os processos envolvidos na elaboração das respostas ou resolução,

propriamente dita, dos problemas (Sales, Rosário & Almeida, 2005).

O aspecto central é então, o processamento mental de informações (Schunk, 2008), que

permite fazer uma análise das componentes subjacentes à recepção, codificação,

armazenamento, evocação e tratamento da informação, possibilitando uma descrição mais

operacional da cognição.

Com a revolução cognitiva, apesar de não se ter descurado a importância de factores como

os métodos de ensino, o ambiente escolar e familiar, centrais na perspectiva

comportamentalista, o interesse alargou-se, também, aos aspectos motivacionais e aos

processos organizacionais e transformadores da informação (Ribeiro, 1997a).

Ao atenderem aos processos mentais envolvidos na aprendizagem, as teorias cognitivistas

trouxeram espaço para a abordagem de temáticas como a motivação e a transferência da

aprendizagem.

3. Aprendizagem e transferência

Nos anos 60, a aprendizagem passou a ser perspectivada sob o prisma cognitivista – a

concepção da aprendizagem como processamento de informação, como construção de

conhecimento ou como aquisição significativa de informação – no sentido de se

compreenderem os processos e as condições subjacentes à aquisição, estruturação e aplicação

do conhecimento. De uma lógica do ensino (trabalhada pelo behaviorismo) caminhámos para

uma lógica da aprendizagem (trabalhada pelo cognitivismo), ou do professor para o aluno

(Almeida, 1995; Béltrán et al., 1990). A investigação começou então, a preocupar-se,

sobretudo, com os processos e os sistemas de aquisição, organização, acesso e generalização

do conhecimento (Almeida, 1996).

A todo o instante deparamo-nos com situações novas ou, mesmo que conhecidas, que

contêm elementos que não estavam presentes ou que se apresentam de forma diferente na

nova situação. Esperamos, portanto, que aquilo que já aprendemos possa ser evocado, não

unicamente numa situação similar na qual foi gerado, mas em diferentes contextos da vida,

numa lógica de aplicação da aprendizagem não apenas do conhecimento automático, como é

o declarativo, que é mais estático, mas do conhecimento que requer alguma inovação, como o

procedimental, que é mais flexível.

Dificilmente aprendemos sem integrar informação nas redes de conhecimento anterior.

“Mesmo as actividades reflexas simples, quando aprendidas e repetidas, passam a incluir

alguma significação particular para o sujeito que as repete fora do seu contexto natural e

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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original de ocorrência. Assim, acontece com o bebé que transfere o mecanismo reflexo de

sucção do seio da mãe ou do biberão para os dedos ou para a exploração de qualquer objecto

que leva à boca” (Almeida, 1996, p. 24).

Sendo a aprendizagem um processo cumulativo, “(…) quanto mais conhecimentos e

habilidades um indivíduo adquire, mais provavelmente a sua nova aprendizagem será

moldada pelas suas actividades e experiências passadas. Um adulto raramente, ou nunca,

aprende algo completamente novo. Perante o confronto com uma tarefa desconhecida, as

informações e os hábitos que ele construiu no passado serão o seu ponto de partida. Assim, a

transferência da aprendizagem de antigas para novas situações é parte integrante da maioria,

se não de toda a aprendizagem. Neste sentido, o estudo da transferência é coextensivo com a

investigação de aprendizagem” (Postman, 1972, p.1019).

De alguma forma, segundo Perkins e Salomon (1994), qualquer aprendizagem requer um

mínimo de transferência e dizer que ocorreu aprendizagem tem implícita a ideia de que algo

foi apreendido e que o podemos utilizar noutra situação, ainda que a situação posterior, apesar

de poder ser muito semelhante, terá algumas diferenças. Neste sentido, não podemos

estabelecer nenhuma linha absoluta entre a aprendizagem por si só e a transferência. No

entanto, a transferência só se torna interessante como um fenómeno psicológico e educacional

em situações onde a transferência não seja entendida ela própria como aprendizagem. Por

exemplo, um estudante pode mostrar determinadas competências de gramática num teste de

inglês (aprendizagem comum) mas não no discurso quotidiano (onde se espera a

transferência). Por outras palavras, falar de transferência é esperar que a aprendizagem num

determinado contexto tenha impacto para além desse contexto.

Olhando para o século XXI, Schoenfeld (1999) diz-nos que na investigação em educação,

a aprendizagem e a transferência são áreas onde é necessário fazer-se um progresso

significativo ao nível do desenvolvimento teórico, com vista à prática. A questão central na

aprendizagem é averiguar da possibilidade de se construírem sólidas teorias que possibilitem

uma caracterização rigorosa e detalhada acerca do modo como as pessoas entendem aquilo

que as rodeia e como desenvolvem capacidades para fazer aquilo que desejam ou necessitam.

Foram já dados grandes passos no entendimento acerca da natureza da aprendizagem, mas há

ainda um longo caminho a percorrer, sendo que a própria definição de aprendizagem não é

consensual, como já vimos no início do capítulo. No que respeita à transferência, a questão

essencial centra-se em compreender o modo como nós usamos o conhecimento em

circunstâncias diferentes daquelas em que adquirimos esse conhecimento. A transferência é

omnipresente, a cada momento, fazemos conexões, adaptamo-nos ao meio, transpomos aquilo

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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que já aprendemos para situações novas, transferindo assim, pelo menos em algum grau,

aquilo que antes foi aprendido.

A revolução cognitivista do século 20 adicionou uma importante dimensão à questão. A

orientação positivista sobre a construção do conhecimento, ao ser substituída por uma visão

relativista, possibilitou que as atenções se focassem, também, nas condições que permitem a

transferência das experiências aprendidas. “Sem transferência, a relevância da educação

formal é limitada. Portanto, tudo o que afecta significativamente a probabilidade de

transferência deve ser estudado cuidadosamente, e as técnicas que promovem a transferência

devem ser implementadas em escolas e outras configurações (definições) de instrução” (Pugh

& Bergin, 2006, p. 147).

Não basta pois, que a escola promova a mera aquisição de conhecimentos, deverá

preparar o aluno para resolver os problemas quotidianos, que são necessariamente diferentes

daqueles que este enfrenta na escola (Peixoto, 1984).

Mas o que é então a transferência da aprendizagem? Qual é o seu significado? Que

estudos se têm realizado na área? Qual é a sua importância?

Vamos agora procurar dar resposta a estas e/ou outras questões, no sentido de facilitarmos

um melhor entendimento do tema.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber

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CAPÍTULO 2. Transferência da Aprendizagem

“Observou-se o firmamento e verificou-se que havia um movimento perpétuo e que as várias

revoluções dos astros produziam a variedade das estações que convém ao nosso universo. Em

consequência disso, à sua imitação, inventou-se um instrumento capaz de reproduzir exactamente o

movimento rotatório diário do firmamento e de medir as horas. E esse instrumento é composto de

pequenas rodas, não sòmente para que uma seja arrastada pela outra, mas também para que o

movimento possa continuar indefinidamente. Mas foi necessário compor este instrumento de peças

imóveis, precisamente como o mundo. Na verdade, no nosso instrumento, no lugar da terra, primeiro

corpo fixo do mundo, são postas bases imóveis, colunas, guarnições, e no lugar das esferas móveis,

do céu, as várias rodinhas. Mas como não se podia dar a uma roda a tarefa de girar sobre si mesma e

de fazer girar, juntamente consigo, as outras (como o Criador deu aos astros a força de se moverem a

si mesmos e de fazerem mover outros, juntamente consigo), foi necessário tomar emprestada da

natureza a força geradora do movimento, ou seja, o movimento gerado ou pela gravidade ou pela

liberdade. Com efeito, ou se prende um peso ao eixo cilíndrico da roda mestra e, enquanto o peso

puxa para baixo, o eixo cilíndrico gira e faz girar a sua roda, e esta faz girar, juntamente consigo,

outras, e assim sucessivamente; ou se faz uma longa mola de aço que, constrangida a volver em redor

de um eixo cilíndrico, enquanto se esforça por regressar à liberdade e por se estender, faz girar o eixo

cilíndrico e a sua roda. E para que o movimento do relógio não seja excessivamente rápido, mas lento

como o do céu, encaixam-se outras rodinhas de modo que a última, aquela que, movida apenas por

dois dentinhos, vai para a frente e para trás e faz tic-tac, tic-tac, representa o revezar-se da luz, que

vai e vem, ou seja, o revezar-se dos dias e das noites. Àquela parte, porém, que deve dar o sinal da

hora, ou do quarto de hora, ligam-se os aparelhos, feitos segundo as regras da arte, que servem para

aumentar ou diminuir o movimento, consoante a necessidade, precisamente do mesmo modo que a

natureza, mediante o movimento das esferas celestes, faz surgir ou desaparecer o inverno, a

primavera, o verão e o outono, cada um deles dividido em meses” (Coménio, 1996, pp. 188-190).

1. Apontamento histórico

A transferência da aprendizagem tem sido um dos fenómenos mais activamente estudados

em Psicologia (Detterman, 1996). Foi considerado o tema mais importante na psicologia da

aprendizagem (Ellis, 1969), um dos problemas mais importantes da aprendizagem (Carraher

& Schliemann, 2002), o coração do nosso sistema educativo (Bransford & Schwartz, 1999) e

talvez a questão essencial da educação (Singley & Anderson, 1989).

Embora os tratados académicos datem desde o tempo da obra De Anima1 de Aristóteles, e

o tema tenha atraído renovado interesse aquando do nascimento da Psicologia2 como ciência,

1 De Anima (Da Alma) é um tratado escrito de Aristóteles (que viveu entre 384 e 322 a.C.), composto por três livros, no qual ele procura delinear uma teoria geral e sistemática acerca da alma.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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o debate científico sobre a transferência só teve início no princípio do século XX (Ceci &

Ruiz, 1996).

A natureza, a frequência, o contexto, entre outros aspectos, acerca da transferência, foram,

assim, objecto de investigação durante os últimos mais de cem anos, o que resultou em

milhares de artigos, capítulos e livros que contribuíram para o caminho do entendimento que

tem vindo a ser percorrido.

De acordo com Barnett e Ceci (2002), a questão da transferência da aprendizagem

suscitou interesse ao longo do século passado, por uma razão teórica, dado que constitui uma

forma de avaliação dos modelos de aprendizagem, aspecto também sublinhado por Bransford

e Schwartz (1999, p. 62) ao afirmar que “Medir a transferência é uma forma especialmente

importante de avaliar o sucesso educativo”. E, por outro lado, por uma razão prática, em

referência ao investimento e tempo dispendidos na educação, dado que muito do investimento

financeiro e humano em educação foi justificado com base na premissa de que instrução

formal favorecia a aquisição de habilidades gerais, que eram depois transferidas para o

contexto não académico, ajudando os estudantes a tornarem-se membros mais produtivos da

sociedade. Leberman, McDonald e Doyle (2006), apontam também que a inequívoca

sensibilização actual, para a importância da transferência da aprendizagem, prende-se com: o

reconhecimento de que é um conceito nuclear na aprendizagem, que diz respeito ao processo

e resultado, que facilita o armazenamento, processamento, a recordação e a recuperação de

informações e que é importante para outras actividades cognitivas como pensar, raciocinar,

planear e resolver problemas; a percepção de esta é a essência do entendimento, o objectivo

último de ensino e aprendizagem; o reconhecimento crescente que precisamos de transferir,

necessariamente, a informação num mundo de globalização de avanços tecnológicos e

crescente interdependência; uma clara compreensão de que a educação e formação são, muitas

vezes, tendencialmente teóricas, o que gera, consequentemente, uma falha na integração da

aprendizagem e na sua aplicação no dia-a-dia, na actividade profissional (Haskell, 2001); a

importância do retorno de investimento e a necessidade de promover programas de educação

e formação que tenham um impacto positivo na sociedade (Phillips, 1996; Williams et al.,

2003).

2 A Psicologia como disciplina científica teve início a meados de 1800 e uma das primeiras questões que preocupou os investigadores foi perceber como é que a informação aprendida num determinado momento influencia, mais tarde, a aprendizagem e a performance noutra situação (Royer, Mestre & Dufresne, 2005).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Mas o que querem dizer, os diversos autores, quando falam em transferência da

aprendizagem?

Vamos tentar compreender o significado que o conceito de transferência encerra,

atendendo às diversas significações que foram sendo atribuídas ao longo do tempo.

2. Transferência: constructo

A transferência3 da aprendizagem tem despertado o interesse de estudiosos de várias áreas,

nomeadamente a filosofia, a psicologia e a educação. As diferentes perspectivas e

terminologias resultaram em diversas definições e atribuição de significados. De acordo com

De Corte (2003), historicamente, a noção de transferência foi conceptual e empiricamente

muito controversa.

Consideremos algumas definições.

“Transferência [de treinamento] consiste na influência que alguns aspectos da experiência prévia

exercem na performance subsequente. Quando tal influência ocorre, pode acontecer transferência

positiva, que potencia a habilidade, ou transferência negativa, que impede a performance” (…) “A

transferência negativa ocorre quando alguns aspectos da experiência prévia funcionam para degradar a

subsequente aprendizagem. Assim um decréscimo de desempenho pode acontecer quando estímulos

idênticos são associados a respostas discrepantes. A transferência negativa pode também resultar numa

situação na qual as respostas desejadas são similares embora diferindo em aspectos importantes”

(Fobes, 1987, p. 1133).

“Transferência – Aprendizagem numa situação transferida para outra situação. Existem, na

generalidade, dois tipos de transferência: positiva e negativa. Na transferência positiva, a

aprendizagem numa situação facilita a aprendizagem noutra situação. (…) A transferência negativa

ocorre quando a aprendizagem, numa situação, tem um efeito nocivo na aprendizagem de uma outra

situação” (Chaplin, 1981, p. 599).

“Há transferência quando uma aprendizagem influencia outra” (Oliveira & Oliveira, 1996, p. 92).

“À primeira vista, a noção de transferência da aprendizagem parece muito directa e simples.

Contudo, é um conceito altamente complexo para investigar, medir e demonstrar. (…) De um ponto de

vista teórico, a transferência da aprendizagem ocorre sempre que o conhecimento e habilidades

3 A palavra transferência deriva do latim, é composta pela proposição trans que significa para o outro lado, além de e pelo verbo ferre que significa levar, trazer ou transportar, daí o significado que se atribui a transferência que é o de passar ou levar de um lado para o outro.

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aprendidos anteriormente afectam a forma como novos conhecimento e habilidades são aprendidos e

executados. Quando a aquisição ou o desempenho posterior é facilitado, a transferência é positiva.

Quando a aquisição ou o desempenho posterior é impedido, a transferência é negativa” (Taylor, n.d, p.

1).

“Transferência refere-se a se e como os estudantes acedem e aplicam as suas aprendizagens a

novos contextos (…) Como resultado, a transferência é susceptível de ser um processo mais

consciente do que uma aplicação reflexiva de competências rotineiras” (Pugh & Bergin, 2006, pp. 147,

148).

“Transferência da aprendizagem (frequentemente chamada transferência de treinamento) está

presente em todos os dias da vida, no desenvolvimento da criança e do adulto. A transferência tem

lugar sempre que o nosso conhecimento, habilidades e competências afectam a aprendizagem ou a

performance de novas tarefas. (…) Em essência, a transferência da aprendizagem ocorre sempre que o

conhecimento e as competências aprendidos anteriormente afectam o modo como novos

conhecimentos e competências são aprendidos e executados. Quando a posterior aquisição ou

performance é facilitada, a transferência é positiva; quando a posterior aquisição ou performance é

impedida, a transferência é negativa. A transferência pode ser geral (i.e., independente do conteúdo),

afectando uma vasta gama de novos conhecimentos e competências, ou específica (i. e., dependente do

conteúdo), afectando somente conhecimentos e competências específicas dentro de um assunto

circunscrito (…)” (Cormier & Hagman, 1987, p. xi, 1).

“Transferência envolve o movimento de uma pessoa, uma transacção, ou um objecto de um lugar

e tempo para outro no nosso quotidiano. Como um constructo em psicologia educacional, refere-se a

uma pessoa que transporta o produto da aprendizagem de uma tarefa, problema, situação (…) para

outra” (Beach, 1999, p.101).

A transferência “(…) é um fenómeno complexo, de ordem superior (…)” (Singley & Anderson,

1989, p. 1).

“Na psicologia das aprendizagens, a transferência designa o processo pelo qual uma resposta

produzida numa situação é reproduzida numa outra. Este processo intelectual desempenha um papel

importante na construção das aprendizagens e na aquisição dos conhecimentos, na medida em que

permite, por um lado, estender uma competência a domínios diferentes e mais vastos, e, por outro

lado, aceder a níveis mais elevados de competência (…)” (Arenilla, Gossot, Rolland & Roussel, 2000,

p.450).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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“(…) Transferência é um fenómeno que envolve a mudança na performance de uma tarefa como

resultado do desempenho anterior numa tarefa diferente” (Gick & Holyoak, 1987, p. 10).

“(…) Literatura recente (…) define transferência como uma ampla, produtiva, e sustentada

utilização de conhecimentos adquiridos, habilidades, e motivações em novos contextos e tarefas de

aprendizagem” (De Corte, 2003, p. 142).

“Efeito positivo de uma aprendizagem ou de uma actividade sobre uma aprendizagem ou uma

actividade posterior mais ou menos diferente. Os fenómenos de generalização da resposta e do

estímulo, descritos no estudo da aprendizagem animal, constituem formas elementares de

transferência. A transferência também se observa bem no homem nas aprendizagens mnésicas ou nas

aprendizagens de resolução de problemas (daí que a expressão hoje em dia muitas vezes preferida

neste contexto seja a de transferência de conhecimento). Ela é função, entre outros, do grau de

semelhança entre os dados nas duas situações. Mas pode pôr em jogo mais do que semelhanças

facilitadoras no material a aprender ou a tratar, uma verdadeira transposição de regras ou estratégias

aplicadas. O benefício observado na segunda aprendizagem pode igualmente resultar de uma

transferência de atitudes gerais, por exemplo, de atenção perante a tarefa. O efeito da aprendizagem

inicial pode também ser negativa. Fala-se então de transferência negativa ou, mais correntemente, de

inibição proactiva ou de interferência. A transferência negativa pode ser particularmente espectacular

nos casos de aprendizagens motoras (como na passagem da condução automóvel à direita para a

condução à esquerda), mas é também de salientar que o efeito negativo é apenas transitório. A ideia de

que a transferência assenta menos sobre o material a adquirir do que sobre as estratégias cognitivas e

as atitudes de atenção usadas no aprender servem de base a uma pedagogia que visa aprender a

aprender” (Richelle, 2001, p. 753).

“Transferência da aprendizagem quase pode ser tomada como uma medida da efectividade da

aprendizagem. Ainda assim, a transferência é extremamente difícil de localizar. Apesar de um corpo

de pesquisa se ter dedicado a entendê-la (…) a transferência permaneceu um conceito ilusório” (Ph.D,

2005, p. 1).

“A transferência da aprendizagem ocorre quando a aprendizagem num contexto ou com um

determinado conjunto de materiais tem impacto no desempenho num outro contexto ou com outros

materiais relacionados” (Perkins & Salomon, 1994, p. 6452).

“A transferência foi concebida como um processo altamente cognitivo, totalmente sensível ao

contexto no qual tem lugar” (Cox, 1997, p. 1).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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“Transferência da aprendizagem é o uso que fazemos da aprendizagem passada quando

aprendemos algo de novo e a aplicação dessa aprendizagem em situações semelhantes e em situações

novas. À primeira vista, é muito simples. A transferência de aprendizagem, porém, é o próprio

fundamento da aprendizagem, do pensamento, e da resolução de problemas” (Haskell, 2001, p. xiii).

“Transferência é o grau em que um comportamento será repetido numa nova situação”

(Detterman, 1996, p. 4).

“Todos reconhecemos tratar-se de um componente fundamental da aprendizagem e de um

processo mais ou menos natural, que nos permite utilizar num novo contexto conhecimentos

adquiridos anteriormente (Byrnes, 1996; Mendelsohn, 1994)” (Miranda, 2005, p. 235).

“Transferência refere-se aos conhecimentos e habilidades aplicados de novas formas, com novos

conteúdos, ou em situações diferentes daquelas onde foram adquiridos” (Schunk, 2008, p. 19).

“Conceito que designa o processo de aplicação do conhecimento e das competências a situações

novas. Na tipologia de Bloom, entende-se que os níveis de aplicação, análise, síntese e avaliação

encerram potencialidades de transferência da aprendizagem” (Marques, 2000, p. 170).

“Quando falamos sobre transferência da aprendizagem estamos interessados em saber em que

medida a aprendizagem é transferida de um contexto para outro” (Leberman, McDonald & Doyle,

2006, p.1).

Analisando as diversas definições4 podemos fazer sobressair alguns elementos que são

comuns: o sujeito que aprende, o contexto, a tarefa, a performance (desempenho), o processo

(intelectual, cognitivo, de ordem superior), o movimento (transacção de um lado para o outro)

e a medida (da aprendizagem).

Existem ainda, muitas outras definições similares (Singley & Anderson, 1985; Perkins &

Salomon, 1994; Ripple & Drinkwater, 1982; Ellis, 1969; Marini & Genereux, 1995; Mestre,

2003; Bransford, Brown & Cocking, 2000; Bransford & Schwartz, 1999; Macaulay, 2000; 4 Em algumas definições, o termo treinamento e aprendizagem aparecem como sinónimos, mas podem também assumir significados diferentes. Treinar refere-se a concepções no âmbito do trabalho, das competências específicas e podem aparecer como o resultado da aprendizagem. Aprender, no entanto, parece ser um termo muito mais amplo, abrangendo não só habilidades específicas, mas também socioculturais, cognitivas e características comportamentais. Apesar da terminologia poder diferir, de acordo com Cormier e Hagman (1997, cit. por Leberman, McDonald, &Doyle, 2006), o termo transferência e treinamento equipara-se à designação de transferência da aprendizagem.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Leberman, McDonald & Doyle, 2006; Royer, Mestre & Dufresne, 2005) nas quais estão

também presentes aqueles elementos e que, poderiam ter sido aqui referenciadas.

Em última análise, apesar de algumas discordâncias entre diversos autores, a grande

maioria concorda que a transferência da aprendizagem pode ser conceptualizada como a

influência que a aprendizagem anterior exerce no desempenho de uma nova aprendizagem

(Macaulay, 2000). Ocorre a partir do momento em que, deparando-se com novas situações, o

sujeito as vivencia mobilizando todas as estruturas e conteúdos já existentes. A este respeito e

neste sentido Klemp (1977, cit. por Bridges, 1993, p. 49) refere que uma das ambições

imbuída na noção de transferência “(…) é a esperança de que a educação ou treinamento

podem ser transferidas a partir do laboratório, seminário ou conferência para o mundo exterior

(…)”, sendo que a outra “(…) é a de que essas competências serão transferidas de um

contexto para outro no mundo em que estão a ser aplicadas”.

Vejamos agora algumas classificações quanto aos níveis e tipos de transferência da

aprendizagem.

3. Níveis e tipos de transferência

No decorrer das nossas leituras, deparámo-nos com diversas classificações referentes a

níveis e tipos de transferência, de acordo com a conceptualização que cada autor desenhava.

Decidimos pois, face à diversidade, apresentar uma classificação possível, que nos parece

lógica, em resumo, dos aspectos principais, que consideramos interessar a uma leitura e

compreensão mais clara do conceito.

No que se refere aos níveis, consideramos aqui a transferência positiva e a transferência

negativa.

“Existe transferência quando a aprendizagem da tarefa A influencia a aprendizagem da

tarefa B. A transferência pode ser positiva ou negativa. Quando a aprendizagem de A facilita

a aprendizagem de B, diz-se que houve transferência positiva; quando a aprendizagem de A

inibe a aprendizagem de B, ocorre transferência negativa” (Sprinthall & Sprinthall, 2001, p.

249). Isto é, a transferência da aprendizagem pode assumir três formas, na medida em que o

desempenho numa primeira tarefa pode ajudar ou facilitar, dificultar ou inibir, ou ainda,

acrescenta Ellis (1969; Marx, 1972; Oliveira & Oliveira, 1996; Schunk, 2008), não produzir

efeitos na execução de uma segunda tarefa, o que significa um tipo de aprendizagem que não

tem influência notória na aprendizagem subsequente e aqui, falamos em transferência zero ou

neutra.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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A definição e distinção entre a transferência positiva e negativa, os níveis mais vezes

referenciados por diversos autores (Marx, 1972; Ripple & Drinkwater, 1982; Perkins &

Salomon, 1988, 1994; Schunk, 2008; entre outros), é expressa na definição de que positiva

melhora a aprendizagem ou desempenho noutro contexto; ocorre quando o conhecimento

anterior facilita a aprendizagem subsequente; acontece quando a aprendizagem passada

facilita ou reforça as posteriores (efeito positivo proactivo) ou também quando as actuais

aprendizagens vão reforçar positivamente as anteriores (efeito positivo retroactivo); ocorre

quando o desempenho de uma tarefa pode ajudar ou facilitar o desempenho de uma segunda

tarefa, e de que a negativa acontece quando a aprendizagem ou experiência anterior inibe ou

interfere a aprendizagem ou o desempenho num novo contexto; significa que a aprendizagem

anterior interfere na aprendizagem subsequente ou torna-a mais difícil; dá-se quando uma

aprendizagem anterior dificulta ou inibe outras posteriores (efeito negativo proactivo) ou

quando uma aprendizagem presente vai perturbar aprendizagens anteriores (efeito negativo

retroactivo); ocorre quando desempenho de uma tarefa pode interferir ou inibir o desempenho

de uma segunda tarefa.

Em referência aos tipos de transferência, existem diferenças subtis e marcadas entre eles,

que derivam e que conduzem a distinções de classificações de transferência à luz do seu nível

de complexidade.

Foram também vários os autores que descreveram os conceitos e as diferenças entre tipos

de transferência.

Podemos então falar em transferência próxima (near) e transferência distante ou

longínqua (far). Normalmente estes termos distinguem a proximidade ou distância entre a

aprendizagem inicial e a tarefa de transferência.

A transferência próxima refere-se à transferência entre contextos muito semelhantes,

ocorre quando há uma grande sobreposição entre situações, ou seja, entre as condições da

aprendizagem e as envolvidas na transferência ou entre o estímulo durante a instrução e os

elementos presentes na situação de transferência. Um exemplo que ilustra este tipo de

transferência é aquele em que, face a uma tarefa escolar em que os alunos aquando da

realização dos exames, têm de resolver exercícios semelhantes aos praticados durante as

aulas. É ainda classificada, também, como a capacidade de transferir conhecimentos dentro do

mesmo campo temático (Royer, 1979, cit. por Miranda, 2005; Royer, 1986; Perkins &

Salomon, 1988, 1994; Mendelsohn, 1994, cit. por Miranda, 2005; Royer, Mestre & Dufresne,

2005; Leberman, McDonald & Doyle, 2006; Schunk, 2008).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

32

A transferência distante diz respeito à transferência da aprendizagem para um assunto e ou

contexto diferente daquele em que ocorreu aprendizagem inicialmente, portanto,

dissemelhantes, como por exemplo, transferir conhecimentos aprendidos na disciplina de

Português para as disciplinas de História ou mesmo de Matemática, assuntos pertencentes a

áreas diferentes, aplicar a informação aprendida na escola a problemas da vida real, isto é,

utilizar, por exemplo, conhecimentos aprendidos na matemática em decisões de investimento.

Este tipo de transferência é aquele que os professores gostariam que acontecesse, mas é o que

mais raramente acontece (Royer, 1986; Royer, 1979, cit. por Miranda, 2005; Mendelsohn,

1994, cit. por Miranda, 2005; Leberman, McDonald & Doyle, 2006; Perkins & Salomon,

1988; Royer, Mestre & Dufresne, 2005; Schunk, 2008).

Outra classificação ao nível dos tipos de transferência é a elaborada por Gagné (1970) que

distingue a transferência lateral e a transferência vertical.

A transferência lateral é mais geral, refere-se a um tipo de generalização que se faz para

um vasto conjunto de situações e com o mesmo nível de complexidade, ou seja, ocorre

quando uma e outra aprendizagem são do mesmo nível de dificuldade favorecendo uma

generalização ao longo de um amplo conjunto de situações com aproximadamente o mesmo

nível de complexidade (Gagné, 1965, cit. por Miranda, 2005; Gagné, 1970; Oliveira &

Oliveira, 1996).

O tipo de observação que leva à inferência de que ocorreu a transferência lateral pode ser

a que a seguir apresentamos. “Um indivíduo aprendeu que a relação entre os dois lados de um

triângulo rectângulo pode ser expressa com A/B = cos ø. Depara, então, pela primeira vez,

com um problema de Física relativo à aceleração de um corpo que rola num plano inclinado e

vê que o plano pode ser tratado como um dos lados do triângulo rectângulo. Sem qualquer

instrução suplementar, ele expressa a relação que procura em termos do co-seno do ângulo de

inclinação do plano com a superfície horizontal na qual se encontra. Este comportamento

pode ser confrontado com o de outro indivíduo que não aprendeu que A/B = cos ø e por isso

não pode exprimir a relação observada no plano inclinado dessa maneira. O comportamento

do primeiro indivíduo demonstrou transferência da aprendizagem, na medida em que a sua

performance se realizou muito mais rapidamente do que se daria se a capacidade inicialmente

aprendida não estivesse presente (isto é, muito mais prontamente do que faria o segundo

indivíduo)” (Gagné, 1970, pp. 335-336).

A transferência vertical é mais específica e ocorre quando uma habilidade, ou uma

unidade de conhecimento aprendido numa situação influencia directamente a aquisição de

uma habilidade ou unidade de conhecimento, mais complexo, aprendido posteriormente, isto

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

33

é, uma competência, que deve ser aprendida, é adquirida mais rapidamente se for precedida da

aprendizagem das competências que lhe são subordinadas. Referimo-nos aqui, aos efeitos que

as capacidades aprendidas em determinado nível produzem na aprendizagem de outras

capacidades, pertencentes a níveis superiores (Gagné, 1970; Oliveira & Oliveira, 1996;

Miranda, 2005, p. 239; Royer, Mestre & Dufresne, 2005).

Esse tipo de transferência é possivelmente realçado pela variedade de conhecimentos

anteriores que o indivíduo tenha adquirido, dado que a aprendizagem de qualquer princípio ou

assunto mais complexo pode ser abordada de várias maneiras, e não de uma única. “A

definição de limite, em Matemática, por exemplo, pode ser introduzida de maneira que se

baseie em diferentes princípios subordinados. Em Física, massa pode ser definida de várias

maneiras, dependendo, assim, do domínio prévio de outros princípios. É possível que esses

conhecimentos subordinados possam agir no sentido de ampliar reciprocamente os seus

efeitos, quando uma nova capacidade está a ser aprendida. Por essa razão, a aprendizagem

posterior pode ser mais rápida para o indivíduo que disponha de muitas capacidades

subordinadas. A transferência vertical pode ocorrer mais prontamente em indivíduos que

dominam uma grande riqueza de conhecimentos subordinados relevantes do que naqueles que

sabem muito pouco. Actualmente esta afirmação tem carácter hipotético, uma vez que ainda

não foi sistematicamente estudada” (Gagné, 1970, p. 338).

Podemos também distinguir a transferência literal e a transferência figurativa.

Royer (1979, cit. por Miranda, 2005) diferencia a transferência literal da figurativa,

mencionando que a primeira é mais específica e a segunda mais genérica.

A literal “(…) envolve a transferência de competências intactas ou conhecimentos para

uma nova tarefa” (Schunk, 2008, p. 212). Existem outras situações que parecem não envolver

a transferência de uma habilidade intacta, mas sim a aplicação de um segmento do

conhecimento do mundo como uma ferramenta para pensar ou aprender sobre um novo

problema ou questão (Royer, 1979, cit. por Royer, Mestre & Dufresne, 2005).

A figurativa “(…) refere-se à utilização de alguns aspectos do nosso conhecimento geral

para pensar ou aprender sobre um determinado problema (…) envolve frequentemente o uso

de analogias, metáforas, ou de situações comparáveis (…) ocorre quando os estudantes

encontram novas aprendizagens e empregam o mesmo estudo de estratégias que eles usaram

para dominar a aprendizagem anterior numa área relacionada (…) requer desenhar uma

analogia entre as antigas e as novas situações e a transferência de conhecimentos gerais para a

nova situação” (Schunk, 2008, p. 212).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

34

As metáforas e as analogias são estratégias que facilitam a transferência figurativa e que

devem ser valorizadas nos processos de pensamento do aluno. As actividades com recurso a

estas estratégias envolvem o aluno no uso dos seus conhecimentos e ajudam na compreensão

dos temas. Por exemplo, quando utilizamos a representação do sistema solar (o Sol no centro

com os planetas à sua volta) como uma analogia para compreender a representação de um

átomo (o núcleo no centro com os electrões à volta do núcleo) ou quando utilizamos

metáforas como «o homem como um processador de informação» ou «o nosso cérebro é

como um computador» para compreender o modo de funcionamento da mente humana

(Miranda, 2005; Royer, 1979, cit. por Royer, Mestre & Dufresne, 2005).

Podemos ainda distinguir dois outros tipos de transferência, de acordo com Salomon e

Perkins (1989; Perkins & Salomon, 1988), a saber: low-road transfer e high-road transfer5.

A low-road transfer refere-se à “(…) transferência espontânea e automática de

competências altamente praticadas, com pouca necessidade de um pensamento reflexivo”

(Salomon & Perkins, 1989, p. 118). Ocorre com competências e acções que foram

amplamente praticadas em vários contextos, sendo que os comportamentos tendem a ser

desencadeados de forma automática em resposta às características de uma situação, que é

percepcionada como claramente semelhante à situação do contexto original de aprendizagem,

no qual foram adquiridas essas competências e acções. Neste sentido, a transferência pode

ocorrer, às vezes, de forma quase desatenta, com pouca consciência do que se está a fazer. O

nível de actividade cognitiva aumenta quando algum aspecto da situação é diferente e exige

atenção (Schunk, 2008).

Importa ainda mencionar que, de acordo com Salomon e Perkins (1979, p. 122, cit. por

Miranda, 2005, pp. 237-238), “muitas actividades envolvidas nos processos de socialização,

aculturação e nos processos de desenvolvimento cognitivo baseados na experiência, resultam

na aquisição de padrões de comportamento habitual, tendências de resposta, traços de

personalidade, estratégias e estilos cognitivos, expectativas, sistemas de crenças, etc.”

decorrem deste tipo de transferência, uma vez que dão origem a comportamentos e

desempenhos não intencionais e implícitos.

Os mecanismos que proporcionam este tipo de transferência são a prática variada e a

automaticidade (Salomon & Perkins, 1986, cit. por Miranda, 2005).

A high-road transfer “(…) envolve a explícita e consciente formulação de abstracção

numa situação que permite fazer uma ligação com outra” (Salomon & Perkins, 1989, p. 118).

5 Tal como Miranda (2005) optámos por não traduzir estes dois termos, dado que não conseguimos encontrar designações em português que se lhes referissem de forma satisfatória.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Depende da deliberada abstracção significativa do conhecimento ou de habilidades, a partir de

um contexto para a aplicação noutro contexto; não é tão dependente das semelhanças de

estímulos superficiais, dado que por meio da abstracção reflexiva é possível ver as profundas

analogias. Estas características contrastam com o carácter reflexivo automático da low-road

transfer.

Ocorre quando os alunos aprendem uma regra, um princípio, um protótipo, um esquema e

depois usam-no de um modo mais geral do que como eles aprenderam. A transferência é,

assim, significativa, porque os alunos não aplicam a regra, o conhecimento, de forma

automática, pelo contrário, analisam a nova situação e decidem que estratégias serão úteis

aplicar. A abstracção está presente durante a aprendizagem e, mais tarde, quando os alunos

percebem os elementos básicos de um novo problema ou situação e decidem aplicar a

habilidade, o comportamento ou a estratégia (Schunk, 2008).

O mecanismo que facilita este tipo de transferência é a abstracção significativa (mindful

abstraction), que permite descontextualizar os elementos cognitivos passíveis de serem

transferidos. A abstracção pode ser vista como um produto, na medida em que é uma

representação de algo que é mais geral, menos específica do que outra representação com a

qual é comparada, e como um processo, em referência ao modo como se chega à abstracção,

que ocorre por meio de um vasto conjunto de mecanismos de processamento da informação

(Salomon & Perkins, 1986, 1989, cit. por Miranda, 2005).

No âmbito da high-road transfer, Salomon e Perkins (1989) distinguiram outros dois

tipos, de acordo com a origem da transferência, a forward reaching e a backward reaching6.

Foward-reaching: ocorre quando são abstraídos comportamentos e cognições do contexto

de aprendizagem para um ou mais potenciais contextos de transferência, ou seja, quando há

uma abstracção significativa de elementos básicos em antecipação, para posterior aplicação;

por exemplo, enquanto os alunos estão a estudar álgebra, eles podem pensar como parte do

material, do conhecimento (determinado conteúdo, como os limites) poderá ser pertinente no

cálculo; é pró-activa e requer autocontrolo sobre as potenciais utilizações das habilidades e

dos conhecimentos; exige algum conhecimento dos potenciais contextos onde o conhecimento

pode ser útil, sendo que, este tipo de transferência é pouco provável quando os alunos têm

pouco conhecimento sobre os potenciais domínios de transferência (Salomon & Perkins,

1989; Schunk, 2008).

6 Optámos, também aqui, mantendo a opção, aquando dos termos high-road transfer e low-road transfer, por não traduzir estes dois termos, dado que não conseguimos encontrar designações em português que se lhes referissem de forma satisfatória.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Backward-reaching: quando os estudantes abstraem, no contexto de transferência,

características da situação que permite a integração com ideias anteriormente aprendidas, isto

é, quando enfrentam uma situação nova e deliberadamente procuram conhecimentos

relevantes já adquiridos; por exemplo, enquanto os alunos estão a trabalhar num problema de

cálculo, eles poderão tentar pensar em quaisquer situações de álgebra que podem ser úteis

para resolver o problema de cálculo (Salomon & Perkins, 1989; Schunk, 2008).

Podíamos ainda aqui apresentar outras classificações como: transferência geral e

transferência específica, transferência por generalização, transferência por abstracção ou

conceptualização, transferência por inferência; transferência simples e transferência

complexa, entre outras.

Embora existam amplos precedentes na literatura no que respeita à distinção entre tipos de

transferência (Butterfield, 1988; Gagné, 1977; Langley, 1985; Salomon & Perkins, 1989;

Singley & Anderson, 1989), não há consenso sobre as bases precisas para distinguir tipos de

transferência ou mesmo para distinguir aprendizagem de transferência (Butterfield, Slocum,

& Nelson, in press; Gick & Holyoak, 1987; Singley & Anderson, 1989). A construção de uma

profunda taxonomia de transferência não é um objectivo realista, entre outras razões,

estabelecer a fidelidade de qualquer taxonomia da transferência seria extremamente

complexo, em virtude: da combinação de diferenças quantitativas e qualitativas que

compreenderia; das diferenças entre inevitáveis semelhanças métricas aplicáveis às

características críticas, processos transformacionais, e conhecimento; da necessidade de

incluir, nos estudos de fidelidade, muitos problemas controlados ao mesmo nível de análise

(Butterfield & Nelson, 1991).

Centremo-nos agora na investigação que tem sido realizada nesta área.

4. Investigação

As perspectivas actuais acerca da transferência têm reminiscências na noção grega de

disciplina formal. Segundo esta, “(…) o papel da escola era o de disciplinar as mentes dos

alunos. Pensava-se que a mente, tal como os músculos dos atletas, deveria ser exercitada

sistematicamente até se tornar tão forte que pudesse aprender e compreender praticamente

qualquer material novo. A teoria da disciplina formal manteve-se em voga até ao início do

século XX. Disciplinas como a Lógica, o Latim e o Grego eram ensinadas não pelo seu valor

prático mas, porque se pensava que fortaleciam a mente do aluno, a ponto de tornar fácil toda

a resolução de problemas posterior” (Sprinthall & Sprinthall, 2001, p. 250).

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Na lógica deste pensamento, a mente era composta por várias faculdades, como a

observação, a discriminação, o raciocínio, a atenção, a memória, o discernimento, que podiam

ser exercitadas. Estudar Matemática ou Latim, por exemplo, era considerado muito

importante, dado que melhorava o raciocínio e a capacidade de memória do aluno. O

importante era manter as capacidades mentais aptas a qualquer aprendizagem, treinando-as

(Marx, 1972; Oliveira & Oliveira, 1996).

Contudo, a teoria da disciplina formal foi colocada em causa por alguns psicólogos, como,

William James, E. L Thorndike e Charles Judd, acabando por cair em descrédito, por não ter

base científica. Todos os estudos apontavam para o facto de que «treinar a mente» tinha

poucos ou nenhuns benefícios a longo prazo.

Um dos primeiros autores a colocar em causa os seus pressupostos foi William James

(1890), que fez uma experiência ao nível da memorização de poesia. Assim, passou vários

minutos, por um período de oito dias, a memorizar poesia, pensando que, se a teoria da

disciplina formal estivesse correcta, exercitar a mente através da memorização de outro

poema, facilitava a memorização futura. Depois tentou memorizar, durante várias horas, um

livro e depois novamente um excerto de poesia semelhante ao primeiro. Os resultados deste

teste levaram-no a suspeitar da validade da teoria formal (Ripple & Drinkwater, 1982;

Oliveira & Oliveira, 1996; Sprinthall & Sprinthall, 2001).

Alguns anos mais tarde, Thorndike (1924) demonstrou que os efeitos da aprendizagem de

disciplinas abstractas, como a matemática, não tinham maior influência noutras

aprendizagens, do que outras disciplinas pudessem ter. Investigações posteriores vieram,

também, fortalecer esta ideia de que não existia base científica que permitisse afirmar que

determinadas disciplinas escolares contribuem mais do que outras para o desenvolvimento

cognitivo do aluno (Oliveira & Oliveira, 1996).

Começaram então a surgir e desenvolver-se estudos experimentais7 numa tentativa de

compreensão da questão da transferência da aprendizagem.

7 O desenho clássico para estudar a transferência consiste num procedimento para determinar quando e como o desempenho subsequente é afectado. Na condição experimental, os sujeitos são treinados numa actividade preliminar (A), enquanto o grupo de controlo não tem essa experiência. Depois, na fase de teste, mede-se o desempenho do grupo experimental, noutra tarefa (B) e compara-se o desempenho dos dois grupos. Existem numerosos desenhos experimentais para avaliar a transferência, nomeadamente técnicas específicas para medir a quantidade de transferência demonstrada. Ellis (1969, p. 9), na sua obra“The transfer of learning”, descreve os vários tipos de desenhos e fórmulas utilizadas nos estudos experimentais no âmbito da transferência e sinaliza a importância de “(…) observar que as conclusões de diferentes estudos sobre a transferência dependem facilmente do modo como essa transferência foi medida”.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Os estudos experimentais sobre a transferência tinham o objectivo de compreender a

influência que uma experiência de aprendizagem circunscrita exercia sobre o desempenho

subsequente numa tarefa teste específica, e “(…) é só quando as condições da aprendizagem

prévia são colocadas sob controlo experimental que as contribuições de transferência podem

ser avaliadas com precisão”. Os investigadores estavam, porém, conscientes, de que os efeitos

produzidos experimentalmente representavam, na melhor das hipóteses, apenas uma pequena

fracção do total da transferência da aprendizagem anterior que o indivíduo trazia para a

situação de ensaio (Postman, 1972, p.1019).

A maioria dos investigadores considera que a transferência é rara, ainda que a literatura

contenha experiências de insucesso, existem também manifestações de êxito na tentativa de

encontrar a transferência. A questão da transferência, segundo Brown e Kane (1988, p. 494)

“(…) é de considerável importância em psicologia; contudo, é um tema que provoca opiniões

extremas, dado que uns defendem que é um produto raro (Thorndike, 1913) e outros, que é

omnipresente na aprendizagem humana (Ferguson, 1956; Hebb, 1949)”.

Postman (1972, p. 1021) identifica dois objectivos gerais dos estudos experimentais sobre

a transferência: “(…) a avaliação dos efeitos do treino prévio sobre o domínio de novas

tarefas e a determinação do que aprendeu em consequência de uma dada experiência de

aprendizagem. Os dois problemas naturalmente estão, estreitamente inter-relacionados. Há, no

entanto, uma diferença importante na ênfase entre os dois tipos de experiências. Num caso, o

foco é sobre as condições de melhoria na fase de teste. No outro caso, as características da

primeira tarefa são objecto de inquérito”.

A investigação clássica sobre este fenómeno foi conduzida por Thorndike nas primeiras

décadas do século XX. Thorndike (1923) examinou a tese de que estudar Latim disciplinava a

mente e preparava os estudantes para um melhor desempenho noutros temas académicos, face

aos estudantes que não tinham aprendido Latim e, não encontrou nenhuma vantagem em se

estudar Latim.

Numa outra experiência, Thorndike treinou sujeitos a estimar o comprimento de linhas

com diferentes comprimentos. Quando eles atingiam um determinado nível de destreza e

acuidade na tarefa, introduzia depois uma nova tarefa, com linhas de diferentes

comprimentos. O autor verificou que existiam poucas diferenças nos desempenhos dos

sujeitos na realização da primeira para a segunda tarefa. Acreditou que tinha assim, refutado a

teoria da disciplina formal, considerando que poderia ocorrer transferência ao nível da

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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aprendizagem entre tarefas devido à existência de elementos idênticos entre estas (Sprinthall

& Sprinthall, 2001).

Uma outra investigação, relevante, foi a realizada por Thorndike e Woodworth, na qual

submeteram os sujeitos a um pré-teste ao nível do cálculo da área de rectângulos e depois,

deram a oportunidade daqueles melhorarem o seu desempenho através da prática, com

feedback. Após esta tarefa de aprendizagem, os sujeitos foram testados numa tarefa

relacionada com a estimação de áreas de círculos e triângulos. A transferência foi avaliada

pelo grau que a aprendizagem da tarefa A (estimativa da área de rectângulos) influenciava a

tarefa B (estimar as áreas de círculos e triângulos). Thorndike e Woodworth encontraram

poucas evidências de transferência neste estudo e declararam que a capacidade de estimar a

área não era uma habilidade geral (Thorndike & Woodworth, 1901; Bransford & Schwartz,

1999).

Thorndike e Woodworth procuraram, mas não conseguiram sinalizar o impacto positivo

de uma determinada aprendizagem noutra aprendizagem. Concluíram que a transferência

dependia, então, dos elementos idênticos presentes no contexto inicial de aprendizagem e no

contexto de transferência, isto é, situações que compartilham elementos idênticos.

Esta perspectiva ou teoria dos elementos idênticos8 tem implícita a ideia de que a

transferência da aprendizagem depende da tarefa de aprendizagem e da semelhança entre

tarefas, ocorrendo, assim, quando situações têm elementos idênticos (estímulos) e requerem

respostas semelhantes (Perkins & Salomon, 1994).

Os autores expressaram, assim, a sua opinião em termos da hipótese dos elementos

idênticos, definindo estes como sendo “(…) características físicas objectivas comuns às

situações” e a aprendizagem foi considerada como “(…) uma espécie de generalização de

respostas com base numa inerente similaridade entre estímulos”. Em termos educativos,

propõe que os estudantes devam enfrentar problemas tanto quanto possível, semelhantes às

que encontrarão mais tarde no trabalho (Thorndike, 1913) (Carraher & Schliemann, 2002, p.

2).

Em análise a esta forma de entendimento, vários autores questionaram quais seriam os

elementos idênticos, numa dada situação, portanto, como poderiam ser identificados, por

8 Singley e Anderson (1989) ressuscitaram a teoria de Thorndike pela redefinição dos seus elementos idênticos nas unidades de conhecimento declarativo e processual da teoria de ACT. Propuseram que a transferência inicial podia ser explicada em termos de sobreposição da componente declarativa e a transferência continuada em termos de sobreposição da componente processual. A principal diferença é que os elementos de Thorndike referem-se apenas a comportamentos externos e a proposta destes autores inclui operações puramente cognitivas que fazem referência a objectos mentais abstractos. Neste processo de ressurgimento da teoria de Thorndike, deram assim suporte, à teoria ACT da representação de conhecimento.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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outro lado, o quão semelhante devem ser para poderem ser considerados idênticos. Estas

constatações geraram alguma discussão e colocaram em causa a validade da noção dos

elementos idênticos, tendo-se concluído que a posição dos elementos idênticos era

insuficiente para explicar todas as transferências (Ellis, 1965, cit. por Singley & Anderson,

1985; Brown, 1989; Schunk, 2008). Thorndike foi então, levado a dizer, que os elementos

seriam considerados idênticos ao nível das características superficiais. “A teoria foi traduzida

para dizer que, se duas situações partilham uma profunda estrutura subjacente, mas diferem

nas suas características superficiais, não pode ser esperada transferência, considerando que, se

houver elementos de superfície (por exemplo, similaridade física ou perceptual) em comum, a

transferência será um “resultado necessário” (Brown & Kane, 1988, p. 494).

Perante a insuficiência da teoria dos elementos idênticos, demonstrada com a verificação

da transferência entre tarefas que não partilham a estrutura lógica mas, apenas elementos

superficiais, outros investigadores centraram-se nas semelhanças estruturais ou conceituais

entre tarefas (Carraher & Schliemann, 2002).

Um dos autores que contestou a teoria defendida por Thorndike foi Judd (1918). Este

defendia a ideia de que o transferível a novas situações são as generalizações e não os

elementos idênticos. Segundo ele “(…) a transferência depende do grau de generalização que

o sujeito abstrai da situação de aprendizagem ou da possibilidade de deduzir um esquema

geral de relações entre os elementos que caracterizam uma situação” sendo que o “(…) sujeito

é capaz de transferir ou generalizar a sua experiência quando apreende uma regra ou um

esquema de relações” (Marx, 1972; Oliveira & Oliveira, 1996, p. 94). Judd formulou, assim,

com base nestes pressupostos, uma teoria que designou por teoria da generalização.

A experiência clássica que realizou ilustra a sua concepção. “(…) Judd treinou dois

grupos de rapazes a acertarem num alvo submerso em doze polegadas de água. Ensinou a um

dos grupos, o experimental, os princípios gerais da refracção; não ensinou a refracção ao

grupo de controlo. Embora ambos os grupos obtivessem resultados equivalentes quando o

primeiro alvo se encontrava submerso a doze polegadas, quando se elevava o alvo a quatro

polegadas, os rapazes do grupo experimental apresentavam um melhor desempenho. Os

rapazes do grupo de controlo, a quem não tinham sido ensinados os princípios da refracção,

respondiam à nova tarefa como se fosse um problema inteiramente novo. Com base nesta

experiência, Judd postulou a teoria da transferência por generalização onde se afirmava que a

transferência B é muito mais eficaz quando se aprende a teoria ou a generalização subjacente

à tarefa. Os rapazes que tinham simplesmente aprendido a acertar no alvo submerso a doze

polegadas transferiam esta competência apenas para os alvos que estivessem também

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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submersos a doze polegadas de profundidade. Quando a profundidade do alvo era alterada,

não ocorria transferência. Judd insistiu que se deve ensinar aos alunos as abstracções e

generalizações bem como os pormenores de uma disciplina. Os alunos devem, ainda,

aprender determinados factos e possuir determinada informação, mas a sua capacidade para

transferir depende, igualmente, da compreensão básica, das generalizações teóricas, que

permitem a interpretação dos factos” (Sprinthall & Sprinthall, 2001, pp. 250-251).

A posição de Judd perdeu a favor de Thorndike e tornou-se geralmente assumido que a

transferência é uma raridade, e que, quando acontece, é na maioria das vezes, resultado da

interpretação de algumas das características superficiais do estímulo do meio. Deste modo,

“(…) Thorndike venceu e a Psicologia ganhou sessenta anos de elementos idênticos na forma

como ocorre a generalização de estímulos primários e Judd perdeu, levando com ele a crença

subjacente aos princípios de causalidade (…)” (Brown, 1986; Orata, 1945) (Brown, 1989, p.

372).

Central às abordagens tradicionais da transferência é a metodologia dominante segundo a

qual se solicitava aos sujeitos a aplicarem algo que aprenderam, a um novo problema ou

situação.

Durante a década de 70 e 80, as pesquisas sobre a transferência debruçaram-se sobre a

resolução de problemas analógicos. “Nestes estudos de laboratório, os participantes primeiro

aprendiam a resolver um problema altamente circunscrito. Depois eles tentavam resolver

problemas sobre conteúdos totalmente independentes, que não estavam relacionados com o

problema original, mas que, na perspectiva do experimentador, consagravam a mesma

estrutura lógica e, presumivelmente, poderiam ser resolvidos, aplicando processos similares.

Estes estudos revelaram que, geralmente, os sujeitos não conseguiam resolver as tarefas alvo,

a menos que fossem incitados para consultar os procedimentos anteriormente aprendidos ou a

situação do problema” (Carraher & Schliemann, 2002). Os estudos de transferência analógica

produziram, assim, imensos resultados, claramente conflituantes: muitos deles conseguiram

mostrar a transferência e outros falharem nessa demonstração. Descrevemos aqui os

principais estudos.

Reed, Ernst e Banerji (1974) realizaram investigações e não conseguiram demonstrar

transferência na maior parte dos desempenhos medidos. Eles investigaram a transferência

entre um problema que envolvia missionários e canibais (três canibais e três missionários

encontram-se na margem de um rio e todos precisam de o atravessar até à outra margem;

dispõem, para isso, de um barco onde cabem somente duas pessoas de cada vez; os

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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missionários têm de ter cuidado ao fazer a travessia porque se, em qualquer altura houver

mais canibais do que missionários em alguma das margens, os canibais comerão os

missionários) e outro problema análogo, em que substituía os intervenientes, por esposas e

maridos ciumentos (Barnett & Ceci, 2002).

Outros investigadores, como Simon e Hayes (1977) analisaram os efeitos de transferência

entre puzzles, quebra-cabeças ou jogos isomorfos, que partilhavam a mesma estrutura lógica

mas que eram descritos, em termos físicos, de forma muito diferente. Por exemplo, algumas

investigações concentraram-se no quebra-cabeças da Torre de Hanoi (consiste numa base que

tem três pinos, num dos quais são dispostos alguns discos uns sobre os outros, por ordem

crescente de diâmetro, de cima para baixo; o problema consiste em passar todos os discos de

um pino, para outro qualquer, usando um dos pinos como auxiliar, de forma a que um disco

maior nunca fique, em nenhuma situação, em cima de outro menor) e num problema

isomorfo, uma história sobre três monstros extraterrestres (em que cada um tem um globo de

cristal de tamanho diferente; as regras segundo as quais eles devem passar os globos uns aos

outros são, logicamente, equivalentes às da movimentação dos discos entre os pinos). Os

resultados demonstraram que “(...) os sujeitos normalmente não reconhecem a conexão entre

um problema isomorfo e o outro e, portanto, não possuem estratégias, não se reportam àquilo

que adquiriram ao trabalhar com um, para os outros” (Perkins & Salomon, 1994, p. 6453).

Gick e Holyoak (1980, 1983) realizaram um estudo, usando o clássico problema de

radiação do tumor de Duncker (1945) e uma analogia militar. Os participantes receberam

primeiro, informações sobre um problema e uma solução. O problema militar é o que a seguir

descrevemos: um general deseja capturar uma fortaleza, rodeada de quintas e vilas, localizada

no centro de um país. Existem muitas estradas para chegar à fortaleza, mas todas foram

minadas; contudo, a disposição das minas permitia que pequenos grupos de homens pudessem

passar ao longo das estradas, em segurança, sendo que uma grande força poderia detonar as

minas; um ataque directo em grande escala era, portanto, impossível; a solução de general foi

então a de dividir o seu exército em pequenos grupos, enviando cada grupo para a frente de

cada uma das diferentes estradas, por forma aos grupos convergirem, simultaneamente, para a

fortaleza. O problema de radiação descreve uma situação análoga na qual um tipo de raio

poderia ser usado para matar um tumor cancerígeno, contudo, nas doses necessárias poderia

também matar os tecidos circundantes. A solução é então, a de dispersar os raios por todo o

corpo de paciente, dado que eles convergem simultaneamente para o tumor, vindo de locais

diferentes, não destruindo, assim, o tecido circundante. O segundo problema poderia ser

assim, resolvido por analogia com o primeiro problema, consoante os participantes fizessem

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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ou não uso do que tinham aprendido inicialmente. O que se verificou foi que ocorreu, em

muitos casos, uma falha surpreendente na transferência espontânea de um problema para o

outro (Bransford & Schwartz, 1999; Barnett & Ceci, 2002). Contudo, a transferência foi

grandemente aumentada, quando os investigadores sugeriam aos sujeitos que estes tentassem

fazer uso do problema que tinha sido apresentado em primeiro lugar. A quantidade de

transferência, para assim “(…) depender em grande parte do local para onde a atenção dos

indivíduos é dirigida durante o ensaio, o que sugere a conveniência da instrução e da

formação sobre as indicações que sinalizam a importância do conhecimento disponível. Uma

série de estudos converge para a conclusão que a transferência é reforçada quando a instrução

envolve múltiplos exemplos e incentiva os alunos a reflectirem sobre o potencial de

transferência (por exemplo, Bransford, Franks, Vye, & Sherwood, 1989; Brown & Kane,

1988; Ghatala, Levin, Pressley, & Lodico, 1985; Pressley, Borkowski, & Schneider, 1987)”

(Anderson, Reder & Simon, 1996, p. 7).

Um outro estudo realizado foi o de Perfetto, Bransford e Franks (1983). Neste estudo, um

grupo de sujeitos foi questionado sobre a veracidade de frases como “Um padre casa várias

pessoas por semana”. Depois, foram apresentados aos sujeitos um conjunto de problemas de

insight adaptados de Gardner (1978). Muitas das frases continham as soluções para os

problemas. Por exemplo, a frase anterior pode ser aplicada no seguinte problema: “Um

homem que viveu numa pequena cidade nos Estados Unidos casou vinte mulheres diferentes

da mesma cidade. Todas estão vivas, e ele nunca divorciou nenhuma delas. No entanto, ele

não quebrou nenhuma lei. Pode explicar?" (Perfetto et al., 1983, p. 25). Surpreendentemente,

a exposição prévia às diferentes frases não influenciou o tipo de solução dada pelos sujeitos.

No entanto, os sujeitos utilizavam as frases, quando lhes era explicado, explicitamente, a sua

relevância (Singley & Anderson, 1989, p. 21).

Um grande número de estudos experimentais demonstraram que as pessoas têm fracos

desempenhos a perceber semelhanças entre problemas e em soluções análogas (Reed, Ernst e

Banerji, 1974; Hayes e Simon, 1977; Weisberg, DiCamillo e Phillips, 1978,1985; Gick &

Holyoak, 1980; Holyoak, 1985) (Singley & Anderson, 1989; Anderson, Reder & Simon,

1996).

Uma das explicações para tal facto é dada por Carraher e Schliemann (2002, p. 3) que

apontam que o problema na obtenção de tais resultados “(…) reside no facto dos

investigadores terem, inconscientemente, olhado por um só prisma, quando procuravam

evidências de transferência”. Como no caso do problema de Duncker (1945), onde se

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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concluiu que os sujeitos não fizeram transferência, uma vez que não conseguiram fazer uso

das informações sobre os ataques de infantaria, na elaboração de um procedimento médico

para destruir um tumor. Os autores consideram que os resultados não revelaram efectivamente

que as respostas dadas eram independentes das experiências e dos conhecimentos prévios dos

sujeitos, mas mostraram apenas que estes não utilizaram as situações de aprendizagem como

era esperado. Afirmam, assim, que “(…) a falha na detecção de transferência foi quase

certamente o reflexo da visão afunilada dos investigadores”.

Existem no entanto, também, muitas manifestações de sucesso de transferência, como por

exemplo, em Brown, 1994; Brown e Campione, 1994; Kotovsky e Fallside, 1989; Lehman,

Lempert, e Nisbett, 1988; Pennington, Nicolich, e Rahm, 1995; Schoenfeld, 1985; Singley e

Anderson, 1989; Smith, 1986 (Anderson, Reder & Simon, 1996).

Para Anderson, Reder e Simon (1996, pp. 7-8) a investigação tem, tendencialmente,

procurado a transferência nos locais onde é menos provável encontrá-la, ou seja, a

investigação tende a olhar para a transferência a partir da pouca prática num desempenho

inicial para a aplicação depois, noutro domínio. E, contrariamente aos que afirmam que o

conhecimento não é transferido entre as tarefas, as evidências que têm encontrado suportam

as seguintes conclusões: “(1) Dependendo da situação experimental e da relação do material

inicialmente aprendido para o material de transferência, pode haver tanto uma grande

quantidade de transferência, um montante modesto, nenhuma transferência de todo, ou

mesmo transferência negativa. (2) A representação e o grau de prática são os principais

determinantes da transferência de uma tarefa para outra, e a transferência varia de um domínio

para outro, e directamente com o número de elementos simbólicos que são partilhados. (3) O

montante da transferência depende para onde a atenção se dirigiu durante a aprendizagem ou

a transferência. A instrução sobre os sinais que indicam a relevância de uma habilidade

disponível deve provavelmente receber mais ênfase na instrução do que agora normalmente

recebe”.

Nas últimas décadas, em resposta às várias críticas à transferência, surgiram diversas

perspectivas alternativas, como: (a) a transferência como transições consequentes (Beach,

1999, 2003); (b) a abordagem capacidades e limitações (Greeno, 1997; Greeno, Smith, &

Moore, 1993); a preparação para a aprendizagem futura (Bransford & Schwartz, 1999;

Schwartz & Martin, 2004); (d) a perspectiva da transferência orientada para o actor (Lobato,

2003, in press-a); (e) diversas perspectivas de actividades teóricas (Tuomi-Gröhn &

Engeström, 2003; van Oers, 2004), que oferecem um repensar da transferência, com novas

definições, metáforas e métodos (Lobato, 2006).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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As investigações realizadas, sobretudo nos últimos 20 anos, demonstraram que a

transferência não é um processo espontâneo. “Embora algumas formas de transferência

simples de habilidades pareçam ocorrer automaticamente, grande parte da transferência exige

habilidades de pensamento complexas e crenças sobre a utilidade do conhecimento” (Schunk,

2008, p. 210).

Neste sentido, é difícil ensinar os alunos a transferirem e colocar este mecanismo em

evidência, de um modo explícito (Butterfield & Nelson, 1989; Clark, 1992; Mendelsohn,

1994; Salomon & Perkins, 1989). Porém, “(…) parece possível formar os sujeitos para

saberem melhor transferir, como parece possível facilitar a transferência manipulando as

variáveis associadas às situações; é ainda possível ter em conta estes dois grupos de variáveis.

Alguns autores (De Corte, 1994; Mendelsohn, 1994; entre outros) chegam mesmo a dizer que

um bom ensino, isto é, aquele que influencia positivamente a aprendizagem dos alunos, deve

ser deliberadamente orientado para a transferência. Afirmam ainda que os professores, em vez

de utilizarem a transferência como um meio de avaliar a aprendizagem deveriam, pelo

contrário, usar a transferência como o principal motor de uma aprendizagem eficaz”

(Miranda, 2005, p. 250).

Detenhamo-nos agora, sobre alguns factores e variáveis que estão envolvidos no processo

de transferência da aprendizagem.

5. Factores e variáveis envolvidos no processo

Alguns dos factores e variáveis que influenciam o processo de transferência das

aprendizagens, relacionam-se, de uma forma geral, com as situações de aprendizagem

(variáveis associadas ao contexto), as características individuais dos sujeitos (variáveis

associadas ao sujeito) e a natureza das actividades em que estes são envolvidos (variáveis

associadas às tarefas).

Caracterizemo-las sumariamente, reportando-nos a um enquadramento escolar.

Variáveis associadas ao contexto.

O contexto é um factor relevante, dado que os conhecimentos adquiridos em contextos

variados permitem uma maior abstracção dos aspectos essenciais e relevantes, na medida em

que os sujeitos desenvolvem uma representação mais flexível do conhecimento, por meio de

actividades de contraste, de comparação e de padronização.

Bransford, Brown e Cocking (2000), referem que a transferência é afectada pelo contexto

de aprendizagem original, sendo que as pessoas podem aprender num contexto, sem deixar,

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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contudo de transferir para outros contextos; a investigação indicou que a transferência entre

contextos é especialmente difícil quando um objecto é ensinado apenas num contexto único e

não em vários contextos, sabendo que aquilo que é ensinado em apenas num único contexto é

menos provável de favorecer flexivelmente a transferência de conhecimentos, do que aquilo

que é ensinado em contextos de múltiplas (Bjork e Richardson-Klavhen, 1989). A observação

do ambiente quotidiano oferece oportunidades de repensar as práticas da escola para trazer

para estas alinhamento com os requisitos dos ambientes quotidianos. É importante ajudar os

alunos a escolherem, adaptarem e inventarem ferramentas para resolver problemas. É uma

forma de facilitar a transferência incentivando também a flexibilidade de pensamento.

A forma como os conhecimentos são organizados através do processo de ensino é

fundamental no desenvolvimento, nos alunos, dos seus padrões de representação do

conhecimento e permitem estratégias de reevocação e recuperação. Macaulay e Cree (1999, p.

192), referem ainda que “a integração da teoria e prática, aprendizagem e aplicação, é

importante no contexto institucional da aprendizagem e dentro do posicionamento de prática.

O ambiente de aprendizagem deve ser um ambiente de segurança e desafio em ordem para o

estudante progredir e, uma das funções essenciais neste contexto é o do controlo” (Cree et al.,

1998).

Variáveis associadas ao sujeito.

Os sujeitos variam em termos da sua capacidade de transferir adequadamente o que

aprenderam. Para poderem transferir, os estudantes deverão ser capazes de articular e

deliberar sobre seus quadros de referência com base na sua própria experiência pessoal e

conhecimento. Isto implica “(…) uma pedagogia que valoriza e usa a experiência que os

estudantes trazem para a aprendizagem, reconhecer a importância dos sentimentos e atitudes

dos estudantes na habilitação ou inibição do seu progresso, dar tempo de reflexão, incentivar

uma “profunda” em oposição a uma abordagem “superficial” da aprendizagem e promover a

auto-direcção (Cree et al., 1998)” (Macaulay & Cree, 1999, p. 192).

Especificamente, a este nível, podemos indicar as seguintes variáveis: a aprendizagem

inicial, (factor que está relacionado com o grau de domínio do assunto original; sem um nível

adequado de aprendizagem inicial, não se pode esperar transferência; a importância da

aprendizagem inicial é ilustrada por uma série de estudos destinadas a avaliar os efeitos da

aprendizagem na programação da linguagem LOGO); entendimento versus memorização (a

transferência é afectada pelo grau em que as pessoas aprendem com entendimento em vez de

apenas memorizar conjuntos de factos ou seguirem um conjunto fixo de procedimentos);

motivação (afecta a quantidade de tempo que pessoas estão dispostas a dedicar à

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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aprendizagem, os estudantes ficam mais motivados, quando podem ver a utilidade o do que

estão a aprender e quando podem usar essa informação para fazer algo que tem impacto sobre

outros (McCombs, 1996; Pintrich and Schunk, 1996); “Um número estudos converge na

conclusão de que a transferência é reforçada, pelo facto dos estudantes verem o potencial de

implicações de transferência de que eles estão a aprender (Anderson et al., 1996); a

representação dos problemas (a transferência é aperfeiçoada pelo ensino que ajuda os alunos a

representarem os problemas a um nível mais elevado de abstracção); a metacognição (a

transferência é influenciada pela consciência que estudantes têm de si próprios como

aprendentes que activamente podem exercer um controlo efectivo sobre os seus próprios

processos de pensamento e monitorar as suas estratégias de aprendizagem, os recursos e

avaliar a sua capacidade para o desempenho nas tarefas)” (Bransford, Brown & Cocking,

2000, p. 60; Miranda, 2005).

Variáveis associadas às tarefas.

A transferência entre tarefas é função da semelhança entre tarefas de transferência e

experiências de aprendizagem. O que é inicialmente aprendido e daí os conhecimentos

potencialmente disponíveis para transferência, é limitado pela estrutura da própria tarefa,

sendo que é importante avaliar se as condições de codificação fomentam a aprendizagem do

material e são adequadas para a tarefa de transferência subsequente. Vários factores estão

associados: o número de variáveis que afectam a quantidade e tipo de conhecimento adquirido

durante o treinamento; o grau de aprendizagem atingido durante a aquisição; e outro factor

importante refere-se aos tipos de exemplos e aos conteúdos a serem aprendidos (Cormier &

Hagman, 1987).

“Os materiais e os problemas de prática da aprendizagem devem ser vistos como relevante

ou “autênticos”, pelos alunos, baseados na realidade e estruturados de modo que eles tragam

“os elementos transferíveis – conceitos e princípios – em consciência e [ponto] fora sua

aplicabilidade mais geral” (Nisbet & Shucksmith, 1986, p. 21). Oportunidades para

transferência precisam de ser sinalizadas através de métodos como o role play, análise crítica

de incidente, cenários de estudo de caso, práticas observadas, simulações de vídeo e

aprendizagem baseada no problema. Muitos exemplos ou modelos são requeridos para

permitir que o educando construa um índice ou repertório através do qual experiências

anteriores podem ser acedidas e ligadas a novas experiências (Cree et al., 1998)” (Macaulay

& Cree, 1999, p. 192).

As actividades que permitem ao aluno fazer a transferência envolvem uma variedade de

técnicas de processamento cognitivo, como “(…) estabelecer conexões, relacionar, estruturar,

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reestruturar, reunir, adaptar, aplicar, refinar, memorizar, analisar, sintetizar, comparar, avaliar,

imaginar, resolver problemas, generalizar, abstrair (…)” entre outras (Macaulay & Cree,

1999, p. 187).

Foi no tempo da psicologia behaviorista que nasceu o conceito de transferência.

Thorndike foi dos primeiros psicólogos a usar provas de transferência para avaliar concepções

sobre a aprendizagem escolar, nomeadamente a doutrina da «disciplina formal», prevalecente

no início do século XX” (Miranda, 2005).

“As teorias behavioristas salientam que a transferência depende dos elementos idênticos

ou características semelhantes (estímulos) entre situações. Comportamentos transferem-se (ou

generalizam-se) quando as anteriores e novas situações partilham elementos comuns. Assim,

um aluno que aprende que 6x3=18 deve ser capaz de efectuar esta multiplicação em diferentes

contextos (escola e casa) e quando os mesmos números aparecem num formato de problema

semelhante (por exemplo, 36x23=?)” (Schunk, 2008, p. 19).

Mais tarde, as teorias cognitivas postularam que a transferência ocorre quando os alunos

compreendem a forma de aplicar o conhecimento em diferentes contextos. Enfatizam o modo

como a informação é armazenada na memória e explicam como se faz o uso dos

conhecimentos que são guardados e que pode ser facilmente acedido a partir de outra

memória de armazenamento local. Salientam que as situações não necessitam de partilhar,

assim, elementos comuns (Schunk, 2008).

As implicações institucionais destas perspectivas divergem.

“Na perspectiva comportamental, os professores devem reforçar a semelhança entre as

situações e apontar elementos comuns. As teorias cognitivas completam esses factores dando

ênfase à questão da percepção que o aluno tem do valor da aprendizagem que é crucial. Os

professores podem abordar estas percepções através da inclusão, nas aulas, de informações

sobre a forma como o conhecimento pode ser usado em diferentes contextos, ensinando aos

alunos regras e procedimentos a aplicar em situações para determinar qual o conhecimento

que será necessário, e dando-lhes feedback sobre a forma como as habilidades e estratégias

podem beneficiá-los de maneiras diferentes” (Schunk, 2008, p. 19).

“A transferência é um conceito chave na educação e teoria de aprendizagem, porque a

maior parte da educação formal aspira à transferência. Geralmente, o contexto de

aprendizagem (salas de aula, livros de exercício, testes, tarefas simples) difere

consideravelmente dos contextos de finais do aplicativo (em casa, no trabalho, com tarefas

complexas). Consequentemente, os fins da educação não são alcançados se não ocorrer a

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transferência. A transferência é ainda mais importante na medida em que não é dada como

garantida. Abundantes provas mostram que, muitas vezes, a transferência esperada de

experiências de aprendizagem não ocorre. Assim as perspectivas e condições de transferência

são questões cruciais de ensino” (Perkins & Salomon, 1994, p. 6452).

O objectivo da aprendizagem é, assim, dotar o aluno de conhecimentos e informações que

sirvam a um conjunto vasto de fins, possibilitando que a aprendizagem seja transferida de

forma, de alguma forma, para outras circunstâncias, ajudá-los a transferir o que aprenderam

na escola para as situações do dia-a-dia, para a comunidade onde estão inseridos e para o local

de trabalho.

Face ao exposto e tendo em conta as nossas questões preliminares, partimos agora à

procura de percepções, informações, talvez de algumas respostas, junto daqueles que de perto

testemunham a forma como os nossos alunos transferem as suas aprendizagens.

O nosso estudo empírico é, assim, qualitativo, dado o nosso objectivo de compreensão e

descrição do fenómeno.

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II PARTE: ESTUDO EMPÍRICO

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CAPÍTULO 3. Metodologia

“A ciência ou conhecimento das coisas, uma vez que não é senão uma visão interna das coisas, exige

os mesmos requisitos que a observação ou visão externa, ou seja, os olhos, o objecto e a luz. Dados

estes meios, segue-se a visão. Ora os olhos da visão interna é a mente ou engenho; o objecto são

todas as coisas colocadas fora e dentro da inteligência; a luz é a devida atenção. Mas, assim como, na

visão externa, é preciso usar um técnica própria, se se quer ver as coisas tais como são, assim

também, na ciência, é preciso usar um método próprio, a fim de que as coisas se apresentem à

inteligência de modo que esta as apreenda e conheça com prontidão e certeza” (Coménio, 1996, p.

305).

1. Investigação qualitativa: o paradigma interpretativo

“(…) O século XX foi testemunha do conflito entre dois paradigmas principais, utilizados

na investigação dos problemas educacionais. Um, modelado nas ciências naturais, enfatiza as

observações empíricas e quantificáveis, que se prestam a análises conduzidas por

instrumentos matemáticos. Nesta perspectiva, a tarefa da investigação consistiria em

estabelecer relações causais, em explicar (Erkären). O outro paradigma, derivado das

humanidades, coloca o acento na informação holística e qualitativa e nas abordagens

interpretativas (Verstechen)” (Simões, 1990, p. 39).

No contexto do paradigma positivista1 o objecto geral da investigação é concebido em

termos de comportamento. Para avaliação deste comportamento são utilizadas, pelo

investigador, categorias de classificação predeterminadas, pressupondo “(…) uma

uniformidade de relações entre a forma do comportamento e o seu significado, de modo que o

observador pode reconhecer o significado de um comportamento sempre que este se produz”

(Hérbert, Goytte & Boutin, 2005, p. 36).

No contexto do paradigma interpretativo2 o objecto é enunciado em termos de acção. Face

a esse objecto, “(…) o investigador postula uma variabilidade das relações entre as formas de

comportamento e os significados que os actores lhes atribuem através das suas interacções

sociais” (Hérbert, Goytte & Boutin, 2005, p. 39). 1 “O positivismo é uma postura filosófica e epistemológica que postula a possibilidade de um conhecimento «positivo» do mundo, na acepção de um conhecimento verdadeiro e totalmente objectivo, quer se trate do mundo social quer do mundo físico, donde a «importância» dos métodos das ciências naturais para as ciências humanas” (Hérbert, Goytte & Boutin, 2005, pp. 35-36). 2 A denominação de paradigma interpretativo, pela qual optámos, é utilizada por Erickson, por oposição ao paradigma positivista, e deriva da expressão «investigação interpretativa». A expressão é utilizada essencialmente para “(…) sublinhar que a «família» das abordagens assim designadas partilha um interesse fulcral pelo significado conferido pelos «actores» às acções nas quais se empenharam. Este significado é o produto de um processo de interpretação que desempenha um papel-chave na vida social” (Hérbert, Goytte & Boutin, 2005, p. 32).

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Na essência, de acordo com McMillan e Schumacher (1989, p. 14, cit. por Simões, 1990,

pp. 39-40), “(…) o que está em causa são duas filosofias e epistemologias diferentes: uma,

que poderia designar-se por «lógico-positivista», a qual considera que existe uma única

realidade social objectiva (independente dos sentimentos e das crenças dos indivíduos),

realidade essa abordável empiricamente, como todo o fenómeno natural; a outra, a que

poderia chamar-se «naturalístico-fenomenológica», a qual postula a existência de múltiplas

realidades sociais, construídas pelos indivíduos e abordáveis pela via da vivência, da

convivência e da empatia, como todo o fenómeno social” (McMillan e Schumacher, 1989, p.

14).

A investigação dita qualitativa foi introduzida há cerca de 30 anos no campo educação. “A

tradição de investigação qualitativa, em ciências sociais, consiste essencialmente em estudar e

em interagir com as pessoas no seu terreno, através da sua linguagem, sem recorrer a um

distanciamento que levaria ao emprego de formas simbólicas estranhas ao seu meio”

(Gauthier, 1987, p. 32, cit. por Hérbert, Goytte & Boutin, 2005, p. 47).

De acordo com Denzin e Lincoln (1994) a história da investigação qualitativa encerra

cinco momentos: o primeiro momento designado de período tradicional (1900-1950); o

segundo momento denominado de época moderna ou do ouro (1950); o terceiro momento

designado de estilos confusos (1970-1986); o quarto momento intitulado a crise de

representação (1986-1990) e o quinto momento que é o momento actual (1990 até ao

presente). Assim, à concepção do estudo das “pessoas estranhas” e do “cientista só”, seguiu-

se o aperfeiçoamento de técnicas de recolha de dados, a preocupação com a validade e a

fidelidade dos dados recolhidos e dos investigadores “romancistas”. Depois a inclusão na

investigação qualitativa de todos os procedimentos que não cabiam na investigação

quantitativa, a aproximação das ciências sociais às humanidades e à literatura e a publicação

de importantes trabalhos no domínio da educação. Mais tarde, o estudo das pessoas começou

a ser visto como cada vez mais idiossincrático e questionaram-se as estratégias quantitativas

de chegar à verdade e os melhores critérios para validar o trabalho qualitativo. Hoje tentamos

encontrar consensos quanto aos critérios de validação do conhecimento obtido pela

investigação qualitativa, estudamos contextos cada vez mais específicos, colocando a ênfase

na especificidade das pessoas e dos contextos.

Em jeito de síntese, de acordo com Hérbert, Goytte & Boutin (2005, pp. 52-53), “a

transformação histórica do interesse das metodologias qualitativas pelo mundo da vida

humana é descrita no sentido de uma passagem do interesse: a) sobre as pessoas de algures

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paras as pessoas de aqui; b) sobre o mundo rural para um mundo urbano; c) sobre a

sociedade como um todo para subgrupos sociais”.

De uma forma geral, podemos apontar, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), cinco

importantes características da investigação qualitativa a saber:

(1) Na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente natural, constituindo

o investigador o instrumento principal – para o investigador qualitativo divorciar o acto, a

palavra ou o gesto do seu contexto é perder de vista o significado, nesta perspectiva, os

investigadores posicionam-se nos locais de investigação, porque o contexto onde esta decorre

é determinante na compreensão dos fenómenos;

(2) A investigação qualitativa é descritiva – na investigação qualitativa os dados

recolhidos não são reduzidos a símbolos numéricos, os resultados da investigação contêm

informações transcritas de entrevistas, notas de campo, fotografias, vídeos, registos oficiais e

outros;

(3) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente

pelos resultados ou produtos – a ênfase qualitativa no processo revela dados que nos

possibilitam uma intervenção ao nível de variáveis intermédias de investigação. Mais do que

o ponto de chegada, interessa-nos, por vezes, identificar o percurso;

(4) Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva - em

investigação qualitativa vai-se construindo um quadro de análise que ganha forma à medida

que se recolhem e examinam as partes, daí que os investigadores qualitativos não recolhem

dados com o objectivo de confirmar ou não hipóteses construídas previamente, inversamente,

as abstracções são construídas à medida que os se vão agrupando os dados recolhidos;

(5) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa – os investigadores

qualitativos estão interessados no modo como as diferentes pessoas dão sentido à sua vida, o

processo da investigação qualitativa reflecte assim, uma espécie de diálogo entre os

investigadores e os sujeitos.

Podemos também aqui referir as características apontadas por Atkinson e Hammersley

(1994) que indicam que em investigação qualitativa: a) a ênfase é colocada, sobretudo, no

estudo da natureza de fenómenos sociais particulares, em vez de se preocupar,

prioritariamente, com o teste de hipóteses acerca dos mesmos; b) os investigadores lidam

principalmente com dados “não estruturados”, isto é, com informações que foram recolhidas

sem ter havido uma definição prévia das categorias de análise do real; c) o trabalho

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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desenvolvido abrange, habitualmente, um número reduzido de casos, podendo mesmo

abranger apenas um caso, que é estudado detalhadamente; d) a análise dos dados envolve uma

interpretação explícita dos significados e dos objectivos do comportamento humano,

recorrendo-se principalmente a descrições e explicações verbais, desempenhando a

quantificação e a análise estatística um papel secundário.

Na investigação qualitativa as diversas fases do processo não estão estruturadas à partida,

resultam pois, de interacções sucessivas de decisões e tarefas (Goetz e LeCompte, 1984, p.

62), que passam “(…) pela definição da questão que motivou o estudo, pela selecção dos

sujeitos, pela delimitação dos papéis do investigador, pelas estratégias de recolha de dados e

pelos procedimentos para analisar e interpretar os mesmos, as quais têm lugar sob a forma de

ciclos que se sobrepõem (McMillan e Schumacher, 1989, p. 185), ao longo de todo o trabalho

de campo (Bogdan e Biklen, 1982, p. 56)” (Vieira, 1995, p. 65).

Nesta perspectiva, é pois o próprio estudo que dita as etapas que o investigador deve

seguir. Esta flexibilidade não significa que o processo de investigação não seja organizado ou

não válido, o que implica, de acordo com Guba e Lincoln (1981, cit. por Tuckman, 2005, p.

510) “(…) circunscrever limites e encontrar uma linha orientadora para garantir que o

processo seja credível, apropriado, consistente, confirmável e neutral”.

Quando iniciámos o nosso trabalho, ainda que já tivéssemos uma ideia acerca do que

iríamos fazer, nenhum plano detalhado foi delineado antes da recolha de dados. “É o próprio

estudo que estrutura a investigação, não ideias preconcebidas ou um plano prévio detalhado”

(Bogdan e Biklen, 1982, p. 83). Mas, por outro lado, seria enganador negar que, ainda assim,

não tínhamos um plano.

Após termos formulado, no início deste trabalho, algumas questões, apresentando, no

fundo, o motivo, que aqui nos trouxe, visitámos e revisitámos alguma literatura.

Tendo em conta as questões levantadas no nosso estudo, o contexto, reflectindo sobre as

possibilidades de trabalhar no terreno, o contacto já efectuado com alguns participantes, tendo

já em vista a recolha de dados, ainda que não de uma forma detalhada, considerámos que seria

pertinente, como opção metodológica, no âmbito do processo de investigação qualitativa,

estudar casos de vários sujeitos que pudessem ser participantes no âmbito da temática em

estudo.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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2. Plano de investigação

O plano de investigação3 pode ser definido como o conjunto de procedimentos e

orientações a que a observação de um fenómeno ou a condução de uma investigação deve

obedecer, tendo em vista o rigor e o valor prático da informação recolhida. “Em investigação,

o termo “plano” é utilizado como um guia do investigador em relação aos passos a seguir. Na

investigação qualitativa em educação, o investigador comporta-se mais de acordo com o

viajante que não planeia do que com aquele que o faz meticulosamente” (Bogdan e Biklen,

1982, p. 83).

Para a concretização do nosso estudo o plano4 utilizado foi o Estudo de Caso.

Quando uma investigação se preocupa em responder a questões do tipo “como?” e

“porquê?”, quando o investigador tem pouco controlo sobre os acontecimentos e quando o seu

interesse versa sobre um fenómeno contemporâneo, inserido num contexto de vida real,

reportamo-nos a um estudo de caso (Yin, 1994). Este “(…) consiste na observação detalhada

de um contexto ou indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um acontecimento

específico” (Merriam, 1988, cit. por Bogdan & Biklen, 1994, p.89). Podemos estudar um caso

único ou múltiplos casos, que pode ser um indivíduo, um grupo de alunos, uma escola, um

programa, um conceito, um contexto, um arquivo de documentos ou um acontecimento, entre

outros (Vieira, 1995).

A utilização deste plano de investigação, faz sentido nesta investigação, pela significação,

antes mencionada, e pelas características que lhe são atribuídas por Merriam (1998), ao

classificar o estudo de caso de: particular (aborda uma determinada situação, acontecimento

ou fenómeno); descritivo (o produto final é uma descrição aprofundada do fenómeno que está

a ser estudado) e heurístico (conduz à compreensão do fenómeno que está a ser estudado).

3. Participantes

Nos estudos qualitativos a selecção dos participantes não tem como objectivo garantir a

sua representatividade, para possibilitar, numa fase posterior, a generalização das conclusões.

3 Por uma questão de estruturação lógica da apresentação do nosso estudo, para nós, e sobretudo para aqueles que lêem o nosso trabalho e por considerarmos interessante e nos revermos na proposta de organização das diversas fazes do processo de investigação qualitativa apresentada por Vieira (1995) optámos por apresentar e descrever agora, neste caso, o plano de investigação utilizado. 4 No que se refere à classificação dos vários planos qualitativos utilizados pelos investigadores, encontramos alguma variedade, não existindo ainda, uma uniformização na classificação deste tipo de planos de investigação. As múltiplas metodologias de investigação qualitativa (Denzin e Lincoln, 1994) são o resultado de pequenas etapas emergentes que vão tendo à medida que o estudo vai evoluindo, as quais vão dando forma aos dados recolhidos (Vieira, 1995).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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O investigador estuda, habitualmente, amostras intencionais e de tamanho reduzido. Neste

sentido, depois de ter tido contacto com o contexto do seu estudo, o investigador começa a

identificar junto de quem poderá vir a recolher dados, escolhendo assim, os seus informantes5

(Vieira, 1995).

A amostra do nosso estudo é constituída por docentes com habilitações para leccionar ao

2.º e 3.º ciclo do ensino básico e ao ensino secundário. É uma amostra intencional (não

probabilística) da população disponível, composta por 7 participantes. No corrente ano

lectivo, 3 são docentes em escolas do ensino básico e 4 são docentes em escolas do ensino

secundário.

A nossa opção por docentes do ensino básico, ao nível do 3.º ciclo e do ensino secundário,

prendeu-se com o facto destes trabalharem com adolescentes que possuem já algum nível de

abstracção, onde, à partida será mais fácil identificar a ocorrência de transferência da

aprendizagem.

O Quadro 1, que a seguir apresentamos, identifica as participantes do nosso estudo.

Importa explicar que iremos utilizar, neste trabalho, a abreviatura “E” seguida de um

número, para designar a entrevistada, de forma a assegurar o anonimato.

Quadro 1. Identificação dos Participantes

Entrevistado Género Idade Habilitações Anos de Experiência

E1 F 30 Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, variante Estudos

Portugueses7

E2 F 28 Licenciatura em Ensino de Matemática 5

E3 F 40 Licenciatura em Ensino de Português e Francês e Mestrado em

Língua e Literatura Francesas 17

E4 F 38 Licenciatura em Química, profissionalização via ensino em Físico-

Química 15

E5 F 27 Licenciatura em Ensino de Biologia e Geologia 5

E6 F 44 Licenciatura em Ensino de Línguas e Literaturas Modernas e Pós-

Graduação em Formação Profissional 20

E7 F 28 Licenciatura em Ensino de Biologia e Geologia e Mestrado em

Ciências da Educação, especialização em Desenvolvimento Social 6

5 Na opinião de Morse (1994, p. 228, cit. por Vieira, 1994, p. 80), “um bom informante é aquele que possui o conhecimento e a experiência pretendidos pelo investigador, que é dotado de uma certa capacidade de reflexão, que consegue falar com clareza, que dispõe de tempo para ser entrevistado, e que se mostra disposto a participar no estudo”.

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Podemos aqui relacionar e resumir algumas características das nossas participantes, que

consideramos importante destacar.

São todos do sexo feminino. Têm idades compreendidas entre os 27 e 44 anos, com uma

idade média de 34 anos, e podemos aqui distinguir dois grupos, a E1, E2, E5 e E7, e depois a

E3, E4 e E6, de acordo com a nível etário: os mais novos e os mais velhos.

No que se refere às habilitações académicas quatro têm habilitações ao nível da

licenciatura, uma com pós-graduação e duas com mestrado; em termos de áreas disciplinares,

três são de línguas e literaturas e quatro de ciências.

Quanto aos anos de experiência, a participante com menos experiência, ensina há cinco

anos e a participante com mais anos de ensino fá-lo há 20 anos; a média é de,

aproximadamente, onze anos, o que consideramos significativo em termos de prática docente,

no que se refere à percepção que poderão ter em relação ao tema em análise.

4. Instrumento: a entrevista semi-estruturada

“O investigador desembarca no campo da pesquisa munido de um quadro conceptual em

embrião e de uma série de questões de âmbito geral. À medida que coloca as suas perguntas e

observa o comportamento dos actores, o investigador recolhe uma série de respostas (…)”

(Hérbert, Goytte & Boutin, 2005, p. 103).

No que se refere à forma como o investigador recolhe os dados, num estudo qualitativo,

de acordo com Vieira (1995) podem-se utilizar técnicas interactivas (envolvem uma

interacção pessoal entre o investigador e os participantes), como a observação ou a entrevista

etnográfica ou técnicas não interactivas (não envolvem uma interacção pessoal entre o

investigador e os participantes), como a consulta de documentos, e ainda, sendo o

investigador o principal instrumento de recolha de dados, este pode tirar notas, fotografias,

elaborar mapas, entre outros.

“Um dos processos mais directos para encontrar informação sobre um determinado

fenómeno, consiste em formular questões às pessoas que, de algum modo, nele estão

envolvidas. As respostas de cada uma das pessoas vão reflectir as suas percepções e

interesses. Dado que pessoas diferentes têm também diferentes perspectivas, pode emergir

assim um quadro razoavelmente representativo da ocorrência ou ausência do fenómeno e,

desse modo, propiciar-nos uma base para a sua interpretação” (Tuckman, 2005, p. 517). A

entrevista é assim um meio privilegiado em investigação qualitativa para a recolha de dados

descritivos “(…) na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver

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intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo”

(Bogdan & Biklen, 1994, p. 134).

O instrumento utilizado para recolher informação sobre o entendimento que os docentes

detêm sobre a temática da transferência da aprendizagem foi uma entrevista etnográfica (ou

não estruturada) que, de acordo com a definição de McMillan e Schumacher (1989, p. 405)

“trata-se de um conjunto de questões abertas destinadas a obter dados sobre os significados

dos participantes”.

Segundo Goetz e LeCompte (1984, cit. por Vieira, 1995, p. 102), “(…) alguns autores

falam deste tipo de entrevistas, não estandardizadas, como um guião (enterview guide), do

qual fazem parte questões gerais e informações específicas que o investigador deseja obter

junto dos participantes”. A condução da entrevista pode ser feita de um modo informal, sendo

a ordem das perguntas e o contexto onde esta decorre, muitas vezes, factores relativamente

arbitrários, não havendo ainda a preocupação estrita de entrevistar todos os participantes de

igual forma. Além disso, as questões colocadas não seguem obrigatoriamente uma sequência

pré-estabelecida, mas vão surgindo e sendo encadeadas nas repostas dadas pelos participantes,

sendo o seu formato, preferencialmente, do tipo “perguntas abertas” que permitem ao sujeito

responder, por suas palavras e, por vezes, de forma extensa, ao que lhe foi pedido (Vieira,

1995).

O guião da entrevista que elaborámos, contém uma introdução (sintética e que não

direcciona as respostas dos entrevistados), na qual se explica o contexto e o objectivo da

entrevista e um desenvolvimento, constituído por duas partes, em que a primeira reporta-se

aos dados de identificação e a segunda é constituída por sete questões abertas. Fazem pois,

parte do guião, questões gerais e informações específicas de acordo com aquilo que

desejávamos obter junto dos participantes. Encontra-se em anexo o guião de entrevista

elaborado.

A primeira e a segunda questão referem-se à identificação, significado e compreensão do

conceito de transferência da aprendizagem (O que é? Como se processa?); a terceira e a quarta

questão situam-se ao nível da aplicação, utilização da transferência da aprendizagem (Que

usos e que estratégias?); a quarta e a quinta questão têm que ver com a identificação dos

factores facilitadores e as barreiras na transferência da aprendizagem (O que

faculta/dificulta?); a sétima questão refere-se à importância da temática (Que valoração?).

Escolhemos a entrevista como instrumento de recolha de dados, uma vez que esta se

coaduna, inteiramente, com o objectivo do nosso estudo.

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Pelas suas características próprias, esta técnica interactiva de recolha de dados é uma

forma de observação do real que possibilita a entrada do investigador no terreno com algumas

questões importantes alinhadas e, é do contacto com os participantes, que vão surgindo

conteúdos revestidos de interesse.

Sumariamente, fazemos agora referência à questão da credibilidade de um estudo

qualitativo, destacando algumas particularidades da nossa investigação.

A relevância de qualquer investigação dependente, em parte, “(…) da capacidade de cada

investigador para demonstrar: (1) a credibilidade das conclusões a que chega (LeCompte &

Goetz, 1982, p. 31); (2) a adequação das respostas dadas às questões que se propôs estudar

(LeCompte, 1997, p. 247); e (3) a legitimidade dos processos metodológicos utilizados para o

fazer (Strauss e Corbin, 1998, p. 268)” (Vieira, 1999, pp. 89-90).

Esta questão da importância dos estudos científicos realizados está relacionada com os

conceitos de fidelidade e validade.

A fidelidade refere-se à possibilidade de replicabilidade das conclusões do estudo, isto é,

a possibilidade de outros investigadores, utilizando o mesmo procedimento, o mesmo plano

de investigação, poderem chegar a resultados idênticos, corroborando as conclusões a que

outros chegaram (Yin, 1994). Em investigação qualitativa, tem que ver com a consistência das

observações efectuadas, com os instrumentos utilizados, o tipo de registo e análise dos dados

e a sua interpretação. Importa aqui mencionar que, nos estudos qualitativos, o principal

instrumento de recolha de informações é o próprio investigador, logo, as questões ligadas à

fidelidade acompanham todo o percurso da investigação. Este tem pois, de estar consciente

das dificuldades colocadas pela sua própria subjectividade. LeCompte e Goetz (1984) fazem

uma distinção entre fidelidade externa (grau em que observadores independentes são capazes

de observar os mesmos fenómenos ou, de definir os mesmos constructos, quer no seio do

mesmo contexto, quer no seio de contextos idênticos) e fidelidade interna (grau em que outros

investigadores, perante um conjunto de constructos previamente elaborados conseguem fazê-

los corresponder aos dados que recolhem, seguindo o mesmo procedimento do investigador

que os elaborou) (Vieira, 1999).

Em referência ao instrumento utilizado, o guião de entrevista que elaborámos tem uma

validade intrínseca, que lhe está implícita, e uma validade racional, dado que resultou de um

conjunto de questões que vieram responder a objectivos específicos, em referência a uma

matriz organizadora.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Quanto à técnica de análise de conteúdo utilizada na análise dos dados, coloca-se a

questão da fidelidade ao nível da codificação, uma vez que, como refere Vala (1999, p. 117)

“qualquer conteúdo é susceptível de interpretações diversas. É por isso de prever que dois

codificadores, ao analisarem um mesmo material, cheguem a resultados diferentes. Da mesma

forma, um mesmo codificador ao longo do trabalho de análise de conteúdo pode não aplicar

de forma idêntica os mesmos critérios de codificação”. É pois necessário que as categorias

sejam definidas operacionalmente e que traduzam o real sentido dos dados.

Por forma a aumentar a fidelidade do estudo, procurámos: fazer uma descrição do

processo de investigação, tão completa quanto o possível; definir de forma clara o papel do

investigador; precisar o quadro de referência conceptual; e descrever o melhor possível o

método de recolha e análise do dados.

A validade tem que ver com a precisão das conclusões a que se chegou, ou seja, até onde

são válidas e credíveis as explicações e interpretações que o investigador enunciou. Está

relacionada com o próprio investigador, com os relatos que ele faz da realidade observada.

Também aqui se distingue validade interna (até que ponto as observações e descrições

efectuadas constituem representações “autênticas” da mesma realidade) e validade externa

(até que ponto as descrições efectuadas são legitimamente comparáveis entre diferentes

contextos) (Vieira, 1999).

A validade interna pode ser considerada um ponto forte dos estudos qualitativos uma vez

que o investigador é participante, testemunha dos fenómenos que estuda. Uma das ameaças à

validade interna do nosso estudo poderá ser o efeito do observador, que se refere à influência

do investigador nos dados que recolhe, no nosso caso, aquando da realização das entrevistas.

Quanto à validade externa, esta não constitui a preocupação central da investigação

qualitativa, dado que o objectivo não é a generalização dos resultados. Yin (1994) destaca que

existem autores que consideram que a questão da generalização dos resultados, num estudo de

caso, não se coloca, devido à especificidade do caso ou ao carácter irrepetível do mesmo.

Mas, se por um lado existem “casos” em que a generalização não faz sentido, por outro,

existem estudos de caso em que os resultados podem, de alguma forma, ser generalizados,

aplicando-se a outras situações.

5. Procedimento

No que se refere ao procedimento, importa referir que as entrevistas foram realizadas, em

contextos arbitrários (tendo contudo, existido o cuidado na escolha de locais calmos, sem

muito ruído e com alguma privacidade), em tempos diferentes, com durações variáveis (entre

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12 e 25 minutos, aproximadamente, com uma duração média de 16 minutos) até encontrarmos

um padrão de respostas que considerámos ilustrar a acção. Foram conduzidas de um modo

informal, não obedecendo as questões, rigidamente, à ordem pré-estabelecida no guião,

seguindo o encadeamento das respostas dadas pelas participantes, tendo surgido outras

questões, que considerámos pertinentes auscultar. As entrevistas foram gravadas, com a

prévia autorização das entrevistadas, e depois transcritas.

Enquanto entrevistadores, tivemos uma atitude de aceitação em relação às opiniões

expressas pelas entrevistadas, abstendo-nos de julgamentos e avaliações, numa atitude de

escuta, compreensão e simpatia pelas entrevistadas.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber

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CAPÍTULO 4. Apresentação, Análise e Discussão dos Resultados

“Aumentar-se-á ao estudante a facilidade da aprendizagem, se se lhe mostrar a utilidade que, na vida

quotidiana, terá tudo o que se lhe ensina. E isso deve verificar-se em todas as matérias: na gramática,

na dialéctica, na aritmética, na geometria, na física, etc. Sem este cuidado prévio, acontecerá que tudo

o que lhe contarem lhe parecerá um monstro de um mundo desconhecido; e a criança, ainda não

muito interessada em saber que essas coisas existem na natureza e como existem, poderá acreditar

nelas, mas a sua crença não constituirá ciência. Mas, se se lhe mostrar qual é o objectivo de cada

coisa, é como meter-lha na mão, para que saiba que sabe e se habitue a utilizá-la” (Coménio, 1996, p.

246).

Após a recolha de dados pelo investigador, todo o material obtido tem de ser analisado. A

análise qualitativa dos dados é essencialmente de carácter interpretativo e acontecer ao longo

do trabalho de campo (Vieira, 1995). É um “(…) processo de busca e de organização

sistemático de transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que foram

sendo acumulados, com o objectivo de aumentar a sua própria compreensão desses mesmos

materiais e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou. A análise envolve o

trabalho com os dados, a sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura

de padrões, descoberta dos aspectos importantes e do que deve ser aprendido e a decisão

sobre o que vai ser transmitido aos outros” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 205).

Neste primeiro momento descrevemos e sistematizamos a informação recolhida.

Reportamo-nos a cada entrevista, pela ordem que foram realizadas, identificando os dados da

entrevistada e expondo as respostas dadas.

A abreviatura “Q” seguida de um número designa a questão, de acordo com a ordem pré-

definida no guião.

ENTREVISTA 1

Identificação: A participante E1 tem 30 anos, é licenciada em Línguas e Literaturas

Modernas, variante Estudos Portugueses, lecciona numa Escola Secundária a disciplina de

Português e tem 7 anos de experiência docente.

Q1: Para a E1 a designação “transferência da aprendizagem” é completamente nova, não

querendo com isto dizer que, conhecendo o que ela significa, já não tenha contactado, de

alguma forma, com ela, afirma. Questionada sobre aquilo que então lhe sugeria a expressão,

respondeu que a transferência da aprendizagem,

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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“(…) Numa perspectiva normalmente passa de professor para aluno, (…) se aí direi que

transferência da aprendizagem terá que ver com um processo inverso, ou seja, ou melhor, a

aprendizagem incidir sobretudo sobre o aluno ou sobre o formando numa perspectiva autodidáctica,

não sei, talvez me ocorresse uma coisa desse género”.

Considerou, de acordo com a síntese que efectuámos, que é algo que “vai de um lado para

o outro”. Após termos dado uma definição de transferência da aprendizagem a E1 afirmou

que, apesar de nunca ter ouvido a designação e aquela definição, é algo de que se fala sempre.

Referiu que já tinha lido alguns artigos sobre a questão, sobre a influência que exercem, nos

alunos, as experiências exteriores, extra-escola, salientando a importância do papel das novas

tecnologias que colocam em relevo a questão da transferência. Em atenção à definição por nós

referenciada, a E1 refere que esta questão terá mais que ver com a aplicação das

aprendizagens adquiridas em contexto escolar e profissional. Referindo aquilo que a E1

afirmou, resumimos a ideia e questionámos se então considerava que estava relacionado com

aquilo que os seus alunos aprendem fora da escola e que depois trazem para dentro da sala,

relacionando-o com aquilo que vão aprendendo. O que foi sublinhado pela E1, referindo que é

sem dúvida o que acontece.

Q2: A E1 considera que as aprendizagens são transferidas de uma situação para outra,

afirmando que:

“(…) Cada vez mais, isso faz todo o sentido. Portanto, cada vez mais a sala de aula deixou de ser

um espaço isolado, portanto eu acho que, os alunos, cada vez mais, não conseguem, digamos assim,

entrar na sala de aula e desligar um pouco daquilo a que estão sujeitos (…) continuo a achar que

sobretudo com as novas tecnologias… que no fundo é um instrumento que lhes dá acesso a uma

quantidade de informação a diferentes níveis, que eles, de facto, transportam necessariamente, e

aliás, da experiência que tenho, isso nota-se cada vez mais, portanto, eles conseguem, felizmente,

aceder a um conjunto de informações que depois conseguem, de facto, aplicar num contexto em sala

de aula”.

Questionada sobre a forma como considera que os alunos fazem a aplicação dos

conhecimentos, a E1 salienta que é exactamente pela assimilação que eles fazem de uma

determinada realidade e porque estão em constante contacto, quase em directo, com muita

informação. Ao depararem-se com determinado conteúdo na aula, os alunos reportam-se, de

imediato, a outros locais/fontes onde viram essa informação. Referiu que, de facto, como é

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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tudo em tempo tão real, eles conseguem assimilar o que estão a aprender, filtrando muito

rapidamente a informação, porque esta é imensa, a todos os instantes, colocando-se aqui,

contudo, uma questão muito pertinente que é a memória, os conhecimentos que eles, de facto,

retêm.

Q3: Questionada sobre se os seus alunos aplicam e utilizam os conteúdos dados na aula,

no âmbito da sua disciplina, de tema para tema e se fazem a ponte, depois, para as outras

disciplinas, considera que: “(…) Esse é, de facto, o trabalho mais árduo de um professor, e no meu caso especifico é a

capacidade de realmente de lhes conseguir incutir a utilidade, no fundo, do conteúdo que é assimilado

naquela disciplina em concreto e depois noutras áreas ou lá fora. Eu acho que, eu acho que esse é até

o segredo da aprendizagem, é esse, é eles serem capazes de perceber a amplitude da aprendizagem

naquele momento. Eu acho que isso ainda continua a ser um trabalho diário contínuo, não acho que

isso tenha melhorado, ou mudado, depende. E eu sinto isso diariamente, muitas vezes tenho que lhes

fazer, chamar e chamar à razão e fazer-lhes perceber a importância que aquele conteúdo depois

noutras áreas e eu acho, sinceramente, que esse é o cerne da aprendizagem. E, no caso da minha

disciplina, da língua portuguesa, se calhar muito mais, porque embora eles percebam, a importância

mediática de aprender na língua deles, o não dar erros, por exemplo, o serem capazes de comunicar

de uma forma correcta eu acho que eles também se esquecem muitas vezes que ela é necessária, por

exemplo, num contexto de trabalho prático numa questão de interpretação”.

Afirma pois, que é um trabalho e uma luta diária e não considera que isso tenha mudado

por algum motivo em especial, continua a ser um trabalho contínuo, porque os alunos não

têm, de facto, essa percepção do conhecimento.

Q4: No que se refere às estratégias que a E1 utiliza para promover a transferência da

aprendizagem, de conhecimentos, tomando como exemplo uma das estratégias referenciadas

na literatura que se refere às oportunidades de aplicação prática dos conteúdos, em diversas

situações, que indicámos, esta menciona que procura sempre direccionar os conteúdos,

usando exemplos práticos que têm que ver com a realidade profissional, contudo refere que:

“(…) Quando trabalho os registos de língua com eles, a dificuldade que eles muitas vezes têm de

perceber, ou melhor eles percebem, mas em termos práticos, esquecem-se de aplicar, que é a

percepção de utilizar os diferentes registos de língua, consoante as diferentes situações de

comunicação”.

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Outra das estratégias que utiliza é a simulação de entrevistas, para trabalhar, por exemplo,

os diferentes registos de língua, elabora com os alunos o currículo, promove a pesquisa de

anúncios de emprego e simula as eventuais repostas, a elaboração de relatórios, procurando

assim mostrar a importância da língua portuguesa na prática, em situações que irão precisar de

a utilizar.

Questionada sobre que outras estratégias utilizava, a E1 respondeu que, de momento, não

se recordava de mais nenhuma.

Q5,6: No que se refere aos factores que podem facilitar e, por outro lado, às barreiras que

dificultam ou impedem a transferência da aprendizagem, a E1 indica que:

“(…) Se calhar, para essa transferência da aprendizagem se concretizar, de uma forma mais…

com maior sucesso, de uma forma mais positiva e se calhar deveria também ser feito

transversalmente, não é, e se calhar, muitas vezes isso é centrado numa determinada disciplina, esse

trabalho, ou há uma preocupação em descontextualizar e fazê-los ver outras realidades em que eles

podem aplicar aqueles conteúdos e não acontece depois em todas. Eu acho que facilitava se houvesse

um trabalho, se calhar mais transversal”.

Refere que se trabalho de forma isolada, não existindo um trabalho transversal, que

permitiria ao aluno fazer a ponte entre conteúdos e até, recordar-se mais facilmente do que

aprendeu numa e noutra disciplina, ver a aplicabilidade e o sentido da aprendizagem. O facto

de não existir transversalidade faz com que os alunos “desliguem” de disciplina para

disciplina, perdendo-se o fio condutor, afirma.

“E se calhar cada vez mais tem que haver esse trabalho transversal, porque não há outra forma

de lidarmos com essa questão”.

Refere que, se por um lado, a transversalidade é facilitadora, por outro, a sua ausência é

uma barreira. Para além desta barreira referiu a motivação, a bagagem cultural, as

características de cada aluno que podem não facilitar a transferência. Indicando que é

importante que eles sejam autodidactas, que tenham capacidade de ser independentes a esse

nível, que revelem curiosidade e capacidade de pesquisa, exemplifica:

“(…) A bagagem cultural, de cada um…, que eles trazem, isso é, de facto, e eu vou percebendo

isso no dia-a-dia, até por pequenas questões dentro da própria sala de aula, portanto a capacidade

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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que muitos têm, por exemplo, de fazer o uso correcto da informação que recebem diariamente e à

qual acedem através da internet, e muitas vezes são capazes de, num contexto de sala de aula, se

recordarem de um determinado, enfim, conteúdo que assimilaram, de uma informação obtida através

da internet e conseguem aplicá-lo (…) adaptando, exactamente àquela, à nossa realidade, neste caso,

à realidade do português. Isso acontece logo e eu acho que, continuo a dizer que isso é uma mais

valia das novas tecnologias, que também desperta, que fomenta a curiosidade de alguns deles”.

Considerando as características pessoais dos alunos um factor de peso, refere também a

importância dos papel dos professores:

“(…) Nós não podemos concentrar tudo na particularidade de cada aluno, nós também temos que

fazer a nossa parte, eu acho que isso pesa também, sem dúvida nenhuma. Se calhar também cabe a

nós despertar a curiosidade e esse auto-didactismo neles para eles próprios também conseguirem

lidar com essa questão”.

Em referência à importância do papel do professor na facilitação da transferência,

aludimos ao facto da necessidade do professor, por vezes, situar o aluno, lembrá-lo da

similaridade de situações de problemas anteriores, por forma a uma melhor compreensão da

tarefa proposta e até, de formas de resolução.

“Sim, sem dúvida. Eu acho, acho que isso, aí está, também tem que ser um trabalho permanente

da nossa parte, porque… e eu posso, sei lá, posso me lembrar de pequenos conteúdos que vou

ensinando num âmbito muito mais restrito que é a minha área e eu percebo as dificuldades, quem diz

a esse nível, diz a uma escala maior, como é lógico, deles serem capazes de hoje trabalharmos a

interpretação de um determinado poema e é suposto a capacidade de interpretá-lo ser igual para

outros poemas, não é. Portanto, e muitas vezes eles, realmente parece que se limitam e não, e não são

capazes de perceber que determinados parâmetros que foram estudados e aplicados na orientação

para a interpretação daquele poema que são igualmente aplicáveis noutros e quem diz noutros, diz

noutras tipologias textuais e eu acho que isso continua a ser a grande dificuldade do ensino. Eu acho

que eles, realmente, muitas vezes, não têm a percepção de como estão a aprender aquele conteúdo e

ele é, de facto, aplicável a muitas outras realidades. E a nós, cabe-nos a nós, de facto, lembrar

constantemente e não só, provavelmente diversificar as actividades para eles perceberem como, de

facto, é importante eles desenvolverem determinadas competências que depois são aplicadas pela

vida fora em diferentes contextos, não é. Porque, o facto de eles serem capazes de interpretar um

determinado texto vão fazê-los também ter a capacidade, se essas competências forem adquiridas, de

futuramente estarem no contexto de trabalho, enfim… até a ler um jornal e serem capazes de

assimilar o que é importante, de filtrar o que é essencial e de interpretar de uma forma correcta.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Portanto eu acho que cabe a nós, de facto, direccionar e diversificar as actividades dentro da sala de

aula, nesse sentido, precisamente”.

Q7: Quanto à importância, valoração que atribui à temática da transferência da

aprendizagem, a E1 respondeu:

“(…) Toda a importância, porque, como disse, eu acho que é o cerne da aprendizagem, cada vez

mais no mundo em que nós estamos de globalização, em que tudo mexe com tudo (…) portanto eles

terem a capacidade de transferir conhecimentos adquiridos em diferentes realidades é essencial, é no

fundo a ferramenta chave para eles estarem munidos de uma capacidade multifacetada, digamos

assim, para o mundo que é cada vez mais multifacetado. Cada vez mais o mundo lá fora exige da

parte deles não um conjunto de conhecimentos compartimentados, mas cada vez mais único, mais

uniforme, no sentido em que se interligam e, de facto, se houver uma estratégia e se houver

consciência da importância da transferência dessa aprendizagem, eu acho que, de facto, ela, cada vez

mais, deve ser fomentada no espaço sala de aula ou no espaço escola… para haver sucesso e não só

em termos escolares, mas em termos futuros…sociais, portanto, não só escolar mas também social, eu

acho que sim, acho que faz todo o sentido”.

ENTREVISTA 2

Identificação: A participante E2 tem 28 anos, é licenciada em Ensino de Matemática,

lecciona numa Escola Secundária a disciplina de Matemática e tem 5 anos de experiência

docente.

Q1: Para a E2 a expressão transferência da aprendizagem não a reporta para nada, pelo

menos com essa designação. Após termos dado a conhecer uma definição, afirmou que afinal,

já conhecia o conceito.

“Sim, isso é muito utilizado a nível da educação e formação de adultos, tanto básico como

secundário, baseia-se nas experiências de vida… eles têm algumas aprendizagens e aquilo que

ensinamos é feito, tenta-se sempre, (…) ter como ponto de partida, as aprendizagens ou vivências que

eles já têm (…) uma vez que são pessoas que, normalmente já são pessoas mais velhas, já têm alguma

experiência de vida”.

Questionámos em relação aos alunos, como é que concebia a transferência da

aprendizagem.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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“Aos alunos é assim, no ensino da matemática é muito importante, porque a matemática é uma

disciplina que é dividida ao longo dos anos, por exemplo, um capítulo de funções não é dado todo no

mesmo ano, é dado um bocadinho em cada ano lectivo. Então, é muito importante para eles terem

sempre presente conhecimentos anteriores, tanto que num ano lectivo, uma das coisas que costumo

fazer, é sempre numa primeira aula, fazer a introdução a conceitos do ano lectivo anterior, desse

mesmo tema”.

Q2: Sublinhámos a ideia de que então a E2 considerava, de alguma forma, que as

aprendizagens que os alunos fazem são transportadas, transferidas de uma situação para outra,

questionando como achava que isso acontecia. Afirmou que nem sempre era fácil, de

antemão, saber aquilo que eles já sabem, não tendo sido seus alunos, utilizando a conversa

informal para tentar descobrir a bagagem que trazem detrás, “(…) Acaba por se ter algumas ideias e previne-se um bocadinho, porque, às vezes, não há um

como nem um porquê, surge, aproveita-se, porque é sempre bom…” Insistimos na questão acerca de como a E2 achava que os alunos faziam essa ponte entre

os conhecimentos. Explicou que quando está a leccionar utiliza muitos exemplos do dia-a-dia

e os alunos recordam-se de situações onde já tiveram perante esses problemas e fazem a

ligação. Considera que surgem naturalmente em conversa sobre os temas do quotidiano.

Q3: Em resposta à questão da aplicação, utilização que considera que os alunos fazem no

âmbito da sua disciplina e entre as várias disciplinas, refere que em relação à transferência

para as outras disciplinas, não sabe se isso acontece, quanto à matemática,

“(…) Vai-se relembrando, também porque faz-se sempre uma revisão quando se está a dar ou…

eu tento sempre dizer “Então lembram-se quando falámos, de… e tento, tento sempre, fazer-lhes uma

introdução, mesmo a nível da história, por exemplo, o Teorema de Pitágoras, quem é que foi

Pitágoras, onde é que surgiu, e eles acham imensa piada a esse tipo de situações, o que faz com que

depois, seja mais fácil de recordar…”

Questionámos se considerava que todos os seus alunos conseguiam, por analogia, resolver

os problemas matemáticos que colocava, fazendo a transferência de conhecimentos. A E2

referiu que nem todos conseguem, mas que a maioria o faz,

“(…) Até porque na matemática são sempre situações novas e eles têm que aplicar tudo o que é

conhecimentos sempre em situações novas, em todos os testes, em todas as actividades, em todos os

exercícios, é sempre em contextos diferentes…”

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Q4: No que se refere às estratégias que a E2 utiliza em sala de aula para promover a

transferência da aprendizagem, indica que tenta sempre dar exemplos, actividades e exercícios

variados, em contextos diferentes, precisamente para eles se reportarem a várias situações e

terem de aplicar o mesmo conhecimento a situações diferentes, fazer incidir o mesmo

conteúdo em contextos diferentes. Explicámos que essa era uma das estratégias referenciadas

na literatura, ao que referiu:

“Aliás, o ensino da matemática, requer mesmo isso, num programa de matemática eles têm

mesmo que, nem todos conseguem, como é óbvio, mas têm mesmo que, os alunos devem ser sempre

postos perante esse tipo de situações… (…) Porque senão, depois, aparece uma coisa nova e eles não

sabem, vão às compras, não sabem, vão aos saldos não sabem, não é…”

Esclareceu que os alunos que sabem matemática têm que, obrigatoriamente, fazer essa

transferência de conhecimentos, porque de outro modo, não conseguiriam entender os

conteúdos.

Q5,6: Reportando-nos depois aos factores facilitadores e às barreiras na transferência da

aprendizagem, referiu que:

“(…) Uma das principais barreiras é as lacunas que eles trazem de anos anteriores, que às vezes,

às vezes, eles para fazerem a tal…essa… transferência de aprendizagem, não precisam só de um

conteúdo que é o que está a ser analisado, mas precisam de conteúdos anteriores, que é o que

acontece muito na matemática, e não tendo os conteúdos anteriores bem presentes, às vezes nem o

conteúdo,… apesar de perceberem o que se está a falar não conseguem fazer a ponte”.

Em relação aos aspectos que podem facilitar a transferência refere que aquilo que ajuda os

alunos é, precisamente, ver aplicabilidade dos conteúdos nas situações do dia-a-dia. Para isso

costuma utilizar software especifico da matemática para, por exemplo, falar de geometria,

sendo que,

“(…) O facto de eles estarem a ver e eu estar a dizer, isto é um sólido de revolução e agora as

faces são assim, a planificação é assim… aquilo tudo a desmontar-se, é muito diferente do que estar

só a mostrar eu acho que isso é muito importante, exemplos do dia-a-dia e exemplos práticos de

visualização”.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Q7: No que se refere ao seu posicionamento face à importância ou ao valor da temática

para o ensino, refere que a transferência da aprendizagem: “A nível da matemática é fundamental, porque, mais uma vez digo, como a matemática é feita ao

longo dos anos, não são capítulos isolados, são capítulos divididos ao longo dos anos é fundamental

que eles consigam transferir conhecimentos de uns anos para os outros, porque senão perdem-se pelo

meio”.

A nível do ensino, de uma forma global indica considera que a transferência é importante

porque:

“(…) Na vida real (…), nós não vivemos das experiências dos outros, vivemos das nossas e

agimos e somos de acordo com o que aprendemos e com o que interiorizamos, não é… eu acho que

sim, que é fundamental!”

ENTREVISTA 3

Identificação: A participante E3 tem 40 anos, é licenciada em Ensino de Português e

Francês e Mestre em Línguas e Literaturas Francesas, lecciona numa Escola Secundária as

disciplinas de Português e Francês e tem 17 anos de experiência docente.

Q1: A esta questão a E3 afirmou que já tinha ouvido falar na escola, já tinha lido alguns

artigos na internet sobre a transferência da aprendizagem.

“(…) No meu entender, acho que será pegar nas aprendizagens que os aluno ou que as pessoas

têm para aplicar a novas situações em contexto sala de aula ou contexto fora da sala de aula. E que

pode…daquilo que adquiriu, das competências que foi adquirindo, no pré-escolar, no primeiro ciclo,

no segundo ciclo e por aí fora, vai transferindo essas aprendizagens, quer para a sua vida do dia-a-

dia, quer até nas novas situações de aprendizagem. Foi mais ou menos isso que eu ouvi”.

Afirma que todos os professores partem do princípio que o aluno não é uma tábua rasa.

Considera de um modo geral, que os alunos são detentores de muitos conhecimentos e que, se

calhar, não sabem é geri-los muito bem e que, por isso, talvez as novas metodologias de

ensino, venham um bocado ao encontro disso. E exemplifica dizendo que, por exemplo, em

termos de informática, das novas tecnologias da informação e da comunicação, os alunos,

muitas vezes dominam esses conhecimentos mas não sabem aplicá-los e que se calhar é

necessário ajudá-los a gerir esses conhecimentos, ajudá-los transferir aquilo que aprenderam

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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um dia a brincar ou em casa ou com os amigos, para os trabalhos que têm de realizar, para a

escola.

Depois de darmos a conhecer uma definição de transferência da aprendizagem, a E3

declarou que da sua prática era esse o entendimento que fazia.

“(…) Da prática pedagógica e da prática com os miúdos nós sentimos que eles, muitas vezes, não

são aquilo que eu digo, tábua rasa, ou seja, eles têm, detêm alguns conhecimentos, que depois, às

vezes não, não mobilizam, porque os professores também não os motivam…”

Q2: A E3 considera que as aprendizagens são transportadas, transferidas de uma situação

para outra.

“Sim e deve haver essa transferência, porque é uma mais valia que eles possam fazer a

transferência daquilo que já aprenderam noutras situações quer nos outros anos lectivos, quer na, na

sua vida do quotidiano e aplicá-las e aprofundá-las, sobretudo, porque eu acho que a importância do

ensino actualmente, prende-se com isso, portanto, com o ir aprofundando, cada vez mais, os

conhecimentos que se tem, e sempre numa perspectiva de gerir o conhecimento, porque, lá está,

muitas vezes, os miúdos têm uma determinada apetência e conseguiram desenvolver muito bem aquela

área e depois precisam de saber, de verificar, do que é essencial do que é acessório. E essas

transferências que eles vão efectuando de ano para ano ou de situação para situação, são importantes

e depois eles aí podem seleccionar a informação que precisam”.

Q3: Considera que os alunos vêem outros usos, fazem outras utilizações daquilo que lhes

ensina dentro da sua disciplina e entre disciplinas, designando isso de transversalidade das

matérias. E exemplifica referindo que no ensino secundário, quando estão a falar sobre

assuntos relacionados com a juventude tocam aspectos da disciplina de Psicologia e de

Biologia, por exemplo.

“(…) Mesmo os próprios textos, os livros, até nos trazem ou nos dão indicações, para que nós

possamos fazer a transversalidade, ou seja, que possamos usar o professor, por exemplo, de biologia

que possa dar indicações ou possa dar conteúdos ligados àquela área mais científicos e depois nós

trabalhamos o texto, numa área mais literária, mas sempre coordenando as nossas actividades

lectivas, de modo a que os alunos possam ir adquirindo, de uma maneira e de outra e possam usar

isso como uma mais valia”.

No âmbito desta transversalidade faz sobressair a questão da participação dos vários

professores no processo, referindo que

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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“(…) Normalmente, conseguimos quando nos damos muito bem com os professores do conselho

de turma, quando existe…quando existe uma… digamos assim… uma partilha de conhecimentos,

entre os próprios professores, nós, às vezes, e isso já aconteceu, por exemplo, na história…a história

de França com a história universal. A importância, por exemplo, de um determinado assunto como a

revolução francesa, pedimos a um professor de história que nos possa vir à aula dar uma pequena

ligação, fazer o elo de ligação…a importância… é melhor do que nós estarmos a falar, vem um

professor diferente e faz uma coisa diferente…Isto, isto acontece, quando, numa escola os professores

são disponíveis… trabalham em articulação, trabalham em conjunto e conseguem fazer esse tipo de

trabalho, nem sempre é possível, às vezes, eles próprios nos dão os materiais e nós podemos preparar

a aula”. Referiu que a articulação entre professores é importante e os alunos fazem mesmo a

transferência das aprendizagens, quando há um bom trabalho de conjunto.

Q4: Questionada acerca das estratégias que utiliza para promover a transferência da

aprendizagem, refere que utiliza o trabalho de pesquisa, utilizando as novas tecnologias, para

consulta de artigos, possibilitando o cruzamento de informações. Utiliza assim, o recurso às

tecnologias e o recurso à investigação, os trabalhos de grupo e utiliza ainda, como estratégia,

a realização de sínteses da matéria anterior. Considera, no entanto, que antes de os colocar a

pesquisar,

“(…) Primeiro temos que os ensinar a pescar, não é, e depois então vamos-lhes dando as

ferramentas, por exemplo, porque, muitas vezes, eles também não conseguem seleccionar as páginas

correctas da Web nós assim damos-lhes algumas páginas, já sabemos quais são aquelas que eles

devem pesquisar e eles já vão direitinhos ao tema, portanto, vão logo direitinhos à página”.

Explicámos que uma das estratégias referenciadas na literatura refere-se à importância de

exemplificar a aplicabilidade dos conteúdos em diversos contextos, o que, de alguma forma,

era aquilo que a E3 fazia.

“Pois, é o que eu digo, não é, se nós damos indicações para eles pesquisarem numa página que

seja ligada à Psicologia, numa página que seja ligada à medicina, que tenha, que tenha, textos,

obviamente correctamente, escritos e com, com pessoas que sejam fiáveis, também dando indicação

bibliográfica de alguns livros. Eles podem, de facto, verificar que, que em várias áreas da nossa vida,

do conhecimento, pode-se fazer a interligação do mesmo tema para essas áreas… e ver a

aplicabilidade, se é possível ou não, há casos em que sim, há casos em que não e eles depois também,

obviamente farão as suas selecções”.

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Considera que, em relação a esta preocupação, a nível do ensino, em Portugal, talvez

ainda existam poucas pessoas preparadas para isto, ou se o fazem, fazem-no de forma

inconsciente.

“Eu própria, se calhar… faço-o inconscientemente, sem ler muitos artigos sobre isso… mas tenho

a noção de que é uma realidade cada vez mais urgente, porque os miúdos têm necessidade de aplicar

em muitas situações…o saber é muito, é muito por disciplina, é muito por conteúdos e fala-se muito

na competência, ele quando tem uma competência deve adquiri-la em todas as áreas do saber e,

muitas vezes, isso não acontece, a competência é naquela disciplina, não abarcando as outras áreas”.

Q5,6: Considerando os factores e as barreiras na transferência da aprendizagem, refere

que o que facilita é o recurso às novas tecnologias, ao uso da informação na aldeia global, o

facto de poder ter na sala de aula vários instrumentos que permitam aos alunos efectuarem

pesquisas, fazer trabalhos e que possam depois levar para casa nos seus computadores ou nos

dispositivos de armazenamento de dados. Refere mais uma vez aqui, a importância do

trabalho cooperativo entre os professores.

“(…) E depois que haja também, se houver essa possibilidade, isso é bom, o encontro para

trabalho cooperativo entre professores, não é, também para poderem… digamos assim, verificar até

que ponto é que estão ou não a conseguir fazer com que os alunos utilizem os conhecimentos de uma

determinada disciplina em outra (…)”.

Enuncia depois, uma das barreiras, afirmando que aquilo que dificulta,

“(…) É o fecho dos professores que se fecham na sua conchinha e tentam, no fundo, só transferir,

dar os conhecimentos… transmitir, é mais isso, os conhecimentos aos alunos, não lhes dando

possibilidade de poderem articular com outras matérias, com outros conhecimentos, com outras

disciplinas, perguntar até e questionar outros professores… é um pouco isso e depende muito também

da filosofia da escola… se a escola é, se a escola permite, se a escola tem um horário em que os

professores se reúnem uma vez por semana, para poder trabalhar em conjunto, é bom, se a escola não

tem esse tipo de abertura e ainda se dá muito ao trabalho individual, o professor não consegue por

em prática, novas metodologias, novas técnicas e facilitar isso junto dos alunos”.

Q7: Questionada sobre a valoração e a importância que atribui à temática da transferência

da aprendizagem, considera que:

“(…) Se todos nós fôssemos aplicando cada vez mais… seria importante e muito importante para

o ensino, porque, se calhar, iríamos ter mais sucesso educativo… na medida em que os alunos se

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sentiam, primeiro que aquilo que aprendiam era útil e que podia ser aplicado, não apenas, para um

teste ou para uma avaliação sumativa, mas sim para novas situações e que pudessem, efectivamente,

usufruir desses conhecimentos. Eu acho que cada vez mais se poderá vir a falar dessa temática e

talvez seja um dos factores de motivação para os professores e para os próprios alunos… para que

eles possam aplicar, de facto, o conhecimento que vão adquirindo nas situações com que se vão

deparando, quer nas disciplinas, quer nas outras disciplinas, quer mesmo na vida real, na vida da

escola, na vida da casa, nos desportos, sei lá, em tudo aquilo que eles fazem… Eu acho que poderá

ser uma via de sucesso para o ensino em Portugal”.

ENTREVISTA 4

Identificação: A participante E4 tem 38 anos, é licenciada em Química, com

profissionalização via ensino em Físico-Química, lecciona numa Escola Básica dos 2.º e 3.º

Ciclos as disciplinas de Matemática e Físico-Química e tem 15 anos de experiência docente.

Q1: Em resposta a esta primeira questão, que procura saber se o docente já ouviu falar, já

leu, sabe o que é a transferência da aprendizagem, a E4 a afirma que sabe mais ou menos o

que significa.

“Eu penso que a transferência da aprendizagem é transferir o que eles aprendem para situações

do dia-a-dia, certo”.

Sublinhámos a sua ideia, explicando o que poderá ser concebido como transferência da

aprendizagem, de acordo com alguns autores. A E4 acrescentou com um exemplo.

“Por exemplo, para fazerem um cálculo de irem ao supermercado e perceberem quanto é que vão

pagar, por exemplo, sabendo que compraram cinco unidades de qualquer coisa… estão a usar a

tabuada para resolução de um problema do dia-a-dia deles”.

Explicámos que o uso da tabuada é uma aplicação quase automática que fazemos do

conhecimento, falar de transferência implica que conhecimentos anteriores sejam aplicados a

situações novas, a problemas, que exijam uma adaptação ao contexto e não um automatismo.

Colocando-nos nestes termos, questionámos se considerava que, face a um problema de

físico-química, num teste de avaliação, com uma estrutura semelhante a outro que já resolveu

na aula, mas agora com uma linguagem diferente, se achava que os seus alunos conseguiam

resolver o problema, se conseguiam fazer essa transferência?

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A E4 respondeu que isso dependia do tipo de alunos, que os alunos que considera bons,

resolveriam sem dificuldade, mas que, mudando o tipo de linguagem, solicitando a mesma

resposta, que a maioria não consegue resolver.

“(…) É das questões que nós mais temos debatido na escola, também, que é este facto deles não

conseguirem, basta mudar o contexto, basta mudar a linguagem, para eles não perceberem

normalmente, e isto não é estar a dizer que os professores de português têm culpa, mas são mesmo

dificuldades que eles têm de interpretação do que lhes é pedido. Eles não conseguem, portanto,

usando uma linguagem diferente, eles não conseguem interpretar o que lhes é pedido… sendo

exactamente a mesma coisa, só que usando outra linguagem”.

Q2: A E4 considera que aos alunos transportam, transferem as aprendizagens de uma

situação para outra, mas considera que os alunos

“(…) Não conseguem aplicá-la, exactamente, conseguem transferi-la, se for exactamente igual,

mas basta mudarmos a maneira como apresentamos o problema, ou o exercício (…) mas pedir a

mesma coisa e já não conseguem lá chegar. Alguns conseguem, aqueles que nós consideramos bons

alunos, aqueles mais fraquitos ou médios, os médios nem sempre, os fracos, nem pensar, não

conseguem mesmo”.

Q3: No que se refere à utilização, à aplicação dos conhecimentos que os seus alunos

fazem dos conteúdos, no âmbito da Físico-Química e entre as várias disciplinas, considera

que os alunos aplicam e utilizam os conhecimentos, embora continuem a ter muita

dificuldade, na generalidade, e explica que

“(…) Uma das grandes coisas que eu faço nas minhas aulas é fazê-los perceber que as disciplinas

não são estanques, mas que os conhecimentos que se aprendem numas, são aplicadas nos outras,

porque eles pensam “Porque é que eu estou a aprender isto em físico-química se não vou utilizar no

meu dia-a-dia” e eu tento fazer-lhes perceber… “Vocês quando estão em ciências, a falar nisto,

quando vão a uma farmácia, quando vão buscar um medicamento, vocês não ouvem falar em

qualquer coisa? “Sim!”, quando vocês lêem um rótulo de um detergente da máquina, então vocês

estão a utilizar a química. A partir daí eles começam a perceber, mas geralmente, têm uma grande

dificuldade em pegar no que eles aprendem e aplicar noutros sítios, acham que aquilo é aquilo, é dali

e dali e não saem dali…”

Acrescenta que não há um intercâmbio entre as disciplinas, entre as várias coisas que se

relacionam, e nada é estanque.

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Q4: Questionada sobre as estratégias que utiliza para promover a transferência da

aprendizagem, refere que quando está a ensinar conteúdos novos ou não, tenta mostrar-lhes

como é que aquilo pode ser válido na outras disciplinas, no dia-a-dia, que não é algo que se

aprende na escola e que não servir para nada no futuro deles, mas que é importante, e eu tenho de

dar essa volta e eles aí já entendem melhor.

“Dou exemplos práticos. (…) Tomando como exemplo situações do dia-a-dia e explicando

“Olhem, aqui vocês estão a aplicar conhecimentos de matemática… ou estão a aplicar conhecimentos

de físico-química e eles dizem “Ah, que engraçado!” eles ficam assim muito admirados. Por exemplo,

uma técnica que utilizámos uma vez… no 8.º ano de físico-química, a parte da física é a visão e

audição e eles ficaram muito admirados… na parte da visão dá-se os defeitos da visão, dá-se as lentes

e eles ficaram muito admirados, como é que era possível nós…a física… então, eles chegavam a casa,

no caso dos pais que usavam lentes ou, que usavam óculos, “Olha tu sabes? As tuas lentes são deste

tipo”… e assim é mais fácil! Isso foi sempre o que eu tentei fazer…”

Referimos então, que uma das estratégias que utiliza é dar exemplos. Referiu que sim, que

tenta sempre fazer isso, hoje com maior facilidade do que quando era mais “verde no

assunto”, mostrar a aplicação a situações, problemas do dia-a-dia e demonstrar como está lá a

matemática, a física ou a química presente.

Q5,6: Quanto aos factores e às barreiras que podem facilitar e dificultar a transferência da

aprendizagem, a E4 refere que aquilo que facilita são os exemplos do dia-a-dia, para os alunos

perceberem que não estão a adquirir um conjunto de conceitos porque é obrigatório, mas

porque são coisas importantes, o que dificulta é a maneira como, ainda hoje, se encara o ensino,

que é estudar, estudar, estudar, conteúdos que não tem aplicabilidade nenhuma no dia-a-dia.

“Há falta de motivação, portanto, eles fazem o 9.º ou 12.º ano porque têm que o fazer e porque é

necessário, porque estão dentro da escolaridade obrigatória, ou porque sabem que mais tarde o 9.º

ano vai-lhes ser útil… não o encaram como sendo algo (…) que é útil no dia-a-dia, já agora, quanto

mais para o futuro”.

Q7: Em relação à importância da transferência da aprendizagem no seio do ensino, da

escola a E4 afirmou:

“É muito. É muito importante! Porque enquanto eles não encararem… ou seja, não se aplicar a

transferência das aprendizagens no dia-a-dia, não tem sentido e não se entende e não se percebe

porque é que se estuda, porque é que se investe e é extremamente importante para os alunos terem

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uma visão e as pessoas terem uma visão que realmente aquilo não foi algo que teve que se estudar

para fazer o 9.º ou o 12.º ano e que se arquiva, mas sim algo que vai ser necessário e que qualquer

dia vai aplicar no dia-a-dia dele e na vida dele e ao longo da vida dele, que vai utilizar e que vai

melhorar”.

Questionámos se considerava se o ensino ou a escola estavam a caminhar nesse sentido.

Respondeu que sim que achava que a escola cada vez mais está a caminhar nesse sentido,

embora refira que existem resistências por parte de alguns professores e que isso não tem ver

com a idade.

“(…) Há alguns professores com mais idade que oferecem resistência, mas há outros professores

mais novos também, há uma certa resistência de alguns professores… e depois os alunos dizem “Ah,

as suas aulas são uma seca!”, pois são, têm que ser uma seca, se for só debitar conhecimentos e

aprendizagens e não explicar para o quê que elas servem, que poderão um dia ser úteis. Eles não

gostam e não percebem porque é que têm que aprender aquilo, porque é fundamental haver uma

transferência de conhecimentos e de aprendizagens, para eles perceberem que não é algo que teve

que se aprender mas sim, poderá ser útil na vida, no futuro, seja nos estudos, na vida do dia-a-dia…”

ENTREVISTA 5

Identificação: A participante E5 tem 27 anos, é licenciada em Ensino de Biologia e

Geologia, lecciona numa Escola Secundária as disciplinas de Biologia e Geologia e tem 5

anos de experiência docente.

Q1: Para a E5 o tema da transferência da aprendizagem é completamente novo. Pela

associação das duas palavras considera que poderá estar relacionado com as transferências da

aprendizagem nos ciclos, do 1.º ciclo, para o 2.º, para o 3.º e para o secundário, mas não sabe

o que será. Apresentámos então, uma possível definição de transferência da aprendizagem

para um melhor enquadramento o que ajudou a participante a perceber um pouco melhor do

que estávamos a falar.

Q2: Neste sentido, questionámos se, tendo em conta a definição antes mencionada,

considerava que as aprendizagens que os seus alunos fazem são transportadas, transferidas

para outros conteúdos. Explicou que sim, que faziam essa transferência, mas com muita

dificuldade.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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“(…) Trocando as cartas, ou melhor, trocando… sendo a mesma situação com outras variáveis

eles já têm muita dificuldade em aplicar os conhecimentos”.

Questionámos se existiam alunos que conseguiam fazer a transferência dos

conhecimentos. A E5 afirmou que de facto, há alguns que conseguem isso, provavelmente

terá que ver com cultura em casa que os estimula nesse sentido, para o querer saber, as

perspectivas futuras deles, o facto de quererem seguir ou não para o ensino superior. No

fundo está muito relacionado com as motivações que cada um deles tem.

“(…) Tenho encontrado muitos alunos desmotivados e esses não fazem um esforço para tentar

aplicar esses conhecimentos às diversas situações”. Q3: Quanto à aplicação, à utilização dos conhecimentos que os alunos fazem de tema para

tema, no âmbito da sua disciplina e entre as várias disciplinas, considera que é um pouco

difícil avaliar isso na sua disciplina por comparação com a disciplina de Português, dado que

é mais transversal. Contudo refere que

“(…) Existem alunos que realmente aplicam e por vezes até trazem curiosidades de outras

disciplinas para a minha e, pelo que sei, também levam da minha para as outras disciplinas, mas

esses são alunos muito especiais, pelo menos, daqueles que me têm aparecido, não é muito frequente

o uso das aprendizagens quer noutras situações, muito menos noutras disciplinas. Dentro da minha

disciplina alguns (…) são capazes de transferir conhecimentos para diferentes temas (…)”.

Questionámos como é que considerava que esses alunos especiais faziam a transferência

da aprendizagem. “Por exemplo, sempre que inicio um tema, faz-se uma avaliação diagnóstica daquilo que vou

ensinar, não é, e eu vejo o à vontade que eles têm no tema e, muitas vezes, apercebo-me que eles vão

buscar conhecimentos já adquiridos, para tentar situarem-se no novo tema, relaciono isso como uma

transferência de aprendizagem”. Q4: No que se refere às estratégias que utiliza em sala de aula para promover a

transferência, indica o treino, como estratégia principal. “(…) Aplicar muitas situações até eles serem capazes de reproduzir conhecimentos (…) dando-

lhes várias ferramentas e várias situações (…), mas passa muito pela motivação, que eles estando

motivados, têm mais facilidade em aplicar os conhecimentos, quando querem, agora quando não

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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querem, quando não estão motivados, quando não gostam do tema, é muito complicado eles fazerem

isso”.

Q5,6: Questionada sobre os factores que podem facilitar e as barreiras que dificultam a

transferência da aprendizagem, indica que ao nível do aluno, é a motivação, que por um lado é

facilitador e, por outro, inibe a transferência. Refere também que depende do tema em

questão. “(…) Também está relacionado com o tema em questão, porque há temas, por exemplo, sismos e

vulcões, que eles rapidamente se põem atentos e até ouvem nas notícias… Digamos que quando são

temas mais concretos e reais, com os quais eles lidam todos os dias, também isso ajuda muito, porque

assim eles conseguem transferir. Por exemplo escala de Richter, magnitude, eles ouvem… conseguem

transferir estas aprendizagens. Agora quando eu falo em tectónica de placas, isto para eles já é um

mais complicado. Depois também depende um pouco do grau de abstracção do tema, não é, mas

também da maturidade do aluno…” Refere a importância dos alunos visualizarem aquilo que está a explicar, e recorre por isso

a apresentações em power point, a filmes ou vídeos. E refere aqui o material que a escola

disponibiliza ou não.

“Que tipo de meios audiovisuais e de apoio que existam na escola que consiga, efectivamente,

ajudar-nos a desenvolver o nosso trabalho, em termos de data show, de laboratórios, isto tudo

também influencia, porque permite-nos, ou não, oferecer aos alunos mais motivação, ou não”.

No que diz respeito aos professores, indica que há professores e professores. Mas, o que,

de uma maneira geral, dificulta a transferência da aprendizagem é a extensão dos programas,

que não possibilitam o treino desejado, o trabalho que gostaria de fazer com os seus alunos.

Q7: Quanto à importância que atribui a esta temática refere que: “É completamente essencial a transferência das aprendizagens, porque o professor, tem como

objectivo ensinar, mas também de formar cidadãos, não é… se eles ficam com um grande

conhecimento, mas não são capazes de o aplicar nas diversas situações, não interessa para nada.

Portanto acho que esse conceito, que eu não conhecia e que estou agora, pela primeira vez, a ter

contacto é muito importante, muito importante! E às vezes, quem está à frente do ensino, esquece-se

um pouco disso, nós também precisamos de tempo para conseguir ligar a vida real aos programas…”

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Questionámos ainda, se considerava se o ensino, de uma forma geral, estava voltado para

a facilitação da transferência da aprendizagem.

“Eu acho que, às vezes, nós não temos tempo, mas também tenho de admitir que os programas

têm sido remodelados e estão, cada vez mais, voltados para a vida real, na minha disciplina a

temática do ambiente é muito falada já, a temática das catástrofes naturais, das epidemias, são muito

faladas, são temas muito actuais, os programas estão a começar a virar-se um pouco para aí, o que

não quer dizer que os alunos consigam virar-se para aí também”.

“Na minha opinião depende muito do factor motivação e da base familiar que eles têm em casa,

se os incentiva ou não, se os ajuda, ou não. Se se fomenta também isso depois no nosso trabalho, se

depois em casa eles também são ajudados a fazer isso”.

ENTREVISTA 6

Identificação: A participante E6 tem 44 anos, é licenciada em Ensino de Línguas e

Literaturas Modernas e tem uma Pós-Graduação em Formação Profissional, lecciona numa

Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos as disciplinas de Língua Portuguesa e Francesa e tem 20

anos de experiência docente.

Q1: Perguntámos à E6 o que entendia por transferência da aprendizagem.

“Não sei exactamente o que se entende por transferência da aprendizagem, mas penso que será a

capacidade dos alunos, de passarem de uma aprendizagem de sala para a aplicação… transformar

conhecimentos em competências (…)”.

Indicámos uma possível definição, colocando já em relevo a ideia que tinha mencionado,

o facto de considerar que as aprendizagens eram transferidas de uma situação para outra.

Q2: Considerou que de facto, hoje em dia, cada vez mais os alunos, sobretudo, os mais

novos fazem essa transferência, nomeadamente no que se refere às novas tecnologias. “(…) Há quem diga que eles funcionam com os novos aparelhos intuitivamente, mas não é

verdade, a verdade é que eles aprenderam a funcionar com um e fazem a analogia “Ah o MP3

funcionava assim, portanto a câmara de vídeo há-de funcionar mais ou menos de um modo

semelhante” e, na prática, aquilo que eles fazem é essa transferência. Não sei é se eles são capazes de

fazer das aprendizagens escolares, aprendizagens que os ajuda na vida normal, isso é que eu, às

vezes, tenho algumas dúvidas se nós lhes estaremos a dar as ferramentas necessárias para isso. Eu

tento, eu esforço-me”.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Q3: No seguimento da informação mencionada, questionámos se considerava que os seus

alunos, na sua disciplina em particular e entre as várias disciplinas fazem uso dos

conhecimentos que vão adquirindo ao longo do tempo, se os aplicam. “(…) Eu acho que sim, eu espero que sim, eu esforço-me por isso. Por exemplo, este ano eu levei

os alunos ao Festival Islâmico de Mértola, já sabia que iam lá estar pessoas, vendedores da Tunísia,

da Líbia, países francófonos, e então, eu adaptei os conhecimentos em sala, nós temos que dar algum

vocabulário de compras e vendas, e eu ajudei-os a trabalhar o sentido, para depois serem capazes,

durante a feira, o festival, de usar esses conhecimentos. Eu sei que eles ficaram todos contentes

porque para além de dizerem bom dia e boa tarde, conseguiram comprar em francês. Não era muito

necessário, mas eles fizeram questão”.

Q4: No que se refere às estratégias que utiliza para promover a transferência da

aprendizagem, refere que tenta sempre fazer a aproximação dos conteúdos à vida real,

trabalhando com as várias disciplinas.

“(…) O mundo é muito vasto e a lusofonia é muito vasta e nós podemos ajudar os miúdos, ao

mesmo tempo que estamos a trabalhar conteúdos científicos, a perceberem mais da vida. Por

exemplo, eu lembro-me que os meus alunos andavam a estudar em História, a questão do morgadio,

aquela questão de que só o filho mais velho é que herda. E eu, em língua portuguesa, expliquei-lhes a

palavra, depois pedi-lhes para eles verem com a professora de matemática como é que o facto de hoje

não haver morgadio influenciava nas nossas propriedades, não é, vendo se o tetra avô tiver 100

euros, se cada filho tiver 4 filhos, que parte da herança do tetra avô lhes chegaria a eles. Isto, no

fundo, sempre usando a língua portuguesa também”.

“(…) Tento sempre, por exemplo, um dos trabalhos que os meus alunos têm que fazer é ver o

telejornal, ou ler um jornal, ou ouvir a informação na rádio, sempre. E depois, num dia da semana

eles têm que vir para a sala dizer “a notícia desta semana para mim foi esta”. Porque ajuda-os a

estar atentos ao mundo que os rodeia e a trazerem para a aula dúvidas de vocabulário, que de outro

modo não trazem (…)”.

“(…) Nunca ou dificilmente, ou muito raramente lhes explico vocabulário, tenho sempre um

dicionário em sala, foi uma luta para ter um dicionário em sala, em todas as salas da minha escola há

um dicionário, e os meus alunos quando têm uma dúvida de vocabulário, vão ver ao dicionário, vão

ver ao amiguinho deles e o amigo explica-lhes e dá-lhes, além da vertente que eles procuram, dá-lhes

outros significados e isso permite-nos depois entrar em conversas e em introduções de palavras, por

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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exemplo, vamos imaginar uma palavra tem vários sentidos, a palavra “canto” tem vários sentidos, eu

obrigo-os, depois, num texto a usarem a palavra com os vários sentidos. Por exemplo, quando nós

aprendemos palavras novas ao longo da semana, obrigá-los a usar essas palavras nos textos que eles

escrevem e depois a irem procurar sítios, textos, televisão, filmes, onde essas palavras estejam a ser

usadas, porque se for só, se ficar só na sala de aula, os miúdos têm muita dificuldade em depois fazer

essa tal transferência”.

Refere que para eles o mundo é engavetado e que, por isso, têm dificuldades em relacionar

aquilo que aprenderam numa ou noutra disciplina, cabendo aos professores, afirma, exigir aos

alunos fazerem estas inter-relações, porque, de outro modo, elas são mais difíceis, vão-se

fazer mais tardiamente e vão prejudicar, obrigatoriamente, as aprendizagens.

Sublinhámos a importância dos exemplos que estava a dar e referimos que uma das

estratégias referenciadas na literatura, consiste em possibilitar exemplos de aplicações práticas

dos conteúdos que se ensinam.

Referiu, ainda a propósito dos exemplos, a importância da linguagem utilizada no

enunciado dos problemas, das tarefas.

“(…) Por exemplo, ainda hoje, os problemas de matemática, eu gosto muito de implicar com a

matemática porque eu sou de português, os problemas de matemática não dizem nada às crianças. “O

João foi à loja e comprou...” loja, foi à loja? O que é uma loja? “Foi à mercearia”, à mercearia?

Eles já não vão à mercearia, vão ao supermercado. “Comprou um 1kg de batatas, pagou com 20

euros, recebeu 15,40 euros de troco, quanto” isto para eles não lhes diz nada, porque eles não vão às

compras, eles não vão nunca comprar batatas, provavelmente há gente com 25 anos que nunca foi

comprar batatas. Se o exercício tiver um CD ou um MP4 algumas coisas…, eles fazem lindamente,

porquê, porque lhes diz. Muitas vezes, basta isso para mudar um pouco as coisas, para os miúdos

interiorizarem a utilidade do conhecimento (…)”.

Mencionou ainda que fazer com que os alunos de hoje transfiram as suas aprendizagens

para o mundo exige muita flexibilidade mental por parte do professor.

“Exige mesmo muita força, porque a minha geração, e há professores de gerações anteriores à

minha, em que, para nós o livro chegava-nos e hoje as pessoas não percebem que para o miúdo, o

livro é uma perda de tempo. Se não tiver um conteúdo associado, se não se ligar à electricidade… Se

não houver uma tecla para tocar, não serve para nada (…) O truque é associar ao livro qualquer

coisa ligada à técnica. Os meus alunos lêem livros, fazem a ficha de leitura, mas não me entregam em

papel, enviam-na pela internet…Na prática não muda nada eu leio na mesma, mas havendo um meio

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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técnico que eles dominam, de que eles gostam, isso, para eles, em termos de escrita, é completamente

diferente”.

Q5,6: Quanto aos factores que podem facilitar a transferência da aprendizagem, a E6

indica que a facilitação tem que ser sempre feita através da associação da sala de aula ao

mundo exterior, a algo que eles conhecem bem, de modo a estabelecer a ponte.

“(…) Por exemplo se eu estou a estudar o regulamento, em vez de ir buscar um regulamento de

uma escola, vou buscar o regulamento do clube de ténis, ou do clube de vela, porque eu sei que há

alunos que frequentam esses clubes, portanto, fazendo isso, isso mostra-lhes que é algo que eles

precisam. Porque hoje em dia há tantas vertentes, que eles só se interessem por aquilo que precisam e

nós também, não é? Isto é uma forma de facilitar e é a única forma que eu conheço de facilitar. O

professor pode fazer o pino, pode fazer o que quiser, mas se não faz a ligação àquilo a que se chama

escola paralela à vida normal, não se facilita a passagem”.

No que se refere às barreiras que podem impedir a transferência da aprendizagem, indica

que a maior dificuldade á manter sempre o mesmo material, sempre a mesma linguagem,

conseguir manter sempre o mesmo registo de actividades diferenciadas, captar-lhes a atenção. “(…) Mostrar aos alunos que há coisas interessantes na escola. Que eles podem aprender na

escola e que lhes vão ser úteis a seguir, que se eles aprenderem a ler um texto, que eles até podem

achar aborrecido, se eles aprenderem a ler bem esse texto, isso vai-lhes permitir lerem depois textos,

que são eles a escolher e que lhes interessam. Estão a aprender vocabulário (…) que depois vão usar

naquilo que eles querem, e isso… quando o professor não consegue fazer isso, está tudo mal”.

Q7: Em referência à importância e ao valor que atribui à temática da transferência da

aprendizagem afirma

“Eu acho que (…) isto é importantíssimo, não é? Acho que só faz sentido ensinar ou aprender,

aquilo que nos vai ser, de algum modo, útil. O útil pode ser imediato, pode ser rapidamente ou pode

ser útil mais tarde, só que hoje em dia nós temos um problema, é que dizer aos miúdos “Ah, isto vai-te

ser útil mais tarde”, antigamente isso servia, mas agora não serve, agora os miúdos já não acreditam

nisso, porque já se aprenderam muitas coisas que passam rapidamente e portanto não dá”.

Questionamos se considerava que o ensino, de uma maneira geral, e a escola e os

professores, especificamente, tinham em consideração ou estavam atentos à transferência da

aprendizagem.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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“Não. Eu acho que infelizmente a escola ainda não deu conta que isso é extremamente importante

e que é preciso fazer isso, porque, hoje em dia, dizer ao aluno “Daqui a 10 anos isto vai ser muito

útil” e ele diz “Ó professor, daqui a 10 anos, daqui a 10 anos está este computador… há 6 meses este

computador não existia, há 6 meses este MP4 era enorme e agora é pequeníssimo”, portanto, isto

para eles não lhes diz nada, nós temos que lhes mostrar rapidamente a utilidade das aprendizagens e

isso faz-se como? Saindo da escola e pondo-os em contacto com profissionais, por exemplo, eu tive

uma aluna que fez doutoramento e que veio à escola, queria a colaboração de uma turma e os miúdos

acharam giríssimo que ela tivesse já sido minha aluna e agora, eles que eram meus alunos, estavam a

fazer parte da tese de doutoramento dela e depois, fomos à defesa da tese dela, o que surpreendeu a

Universidade inteira, porque nunca ninguém tinha levado 15 miúdos do 8.º ano na tese de

doutoramento e os pais, alguns pais, disseram “Ah, não tem muito interesse”e outros disseram que

“Sim, porque assim, o meu filho vai ver o que é preciso para fazer e como é que se faz” e quando o

amigo disser que a tia, a irmã, ou a prima, foi defender a tese de doutoramento, ele sabe o que é, viu

como se faz. E fazendo isto, ele já vai saber, ao longo da vida toda, o que deve fazer… vai ter em

mente, ele já viu o que é uma tese de doutoramento, já não é o abstracto, já não é um conceito, uma

coisa esquisita. O percurso dele vai ser influenciado por isto, obrigatoriamente”.

Explica que tenta sempre fazer com que os seus alunos vejam para lá da escola. Aquilo

que ensina aos seus alunos não fica no vazio, diligencia para que eles vejam a aplicabilidade

prática, partindo do que é a abstracção na escola.

“A escola deve estabelecer estes paralelos. Nós fomos à Grécia com os alunos e quando voltámos

fizemos uma demonstração de sabores gregos na escola, que aprendemos lá. Porque isto com os

miúdos funciona, cada realização deles é uma conquista porque, quando eu era miúda, eu ia às

compras, eu cozinhava, a partir dos 10, 12 anos, por aí, os pais começavam a confiar em nós para

essas coisas, hoje não! Hoje é quase, “Olha filho já tens 18 anos mas, deixa-me só calçar-te as meias,

deixa ver se tu calçaste bem”, portanto, tem que ser a escola a deixar fazer, a dar autonomia, quando

se deixa é uma conquista, é uma vitória e tem que passar por aí, mas infelizmente, nem sempre é

possível, porque “Há o programa”, uma coisa muito importante!”

ENTREVISTA 7

Identificação: A participante E7 tem 28 anos, é licenciada em Ensino de Biologia e

Geologia e Mestre em Ciências da Educação na área de especialização em Desenvolvimento

Social, lecciona numa Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos as disciplinas de Biologia e Geologia

e Ciências Naturais e tem 8 anos de experiência docente.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Q1: Quando questionada se sabia o que era a transferência da aprendizagem, se já tinha

ouvido falar ou lido alguma coisa sobre o assunto, afirma que já ouviu falar. Perguntámos

então o que sabia sobre a temática.

“O processo pelo qual o aluno incorpora uma nova aprendizagem. Está relacionado com o

processo de incorporação de novos conhecimentos, e se ele depois consegue, para além de apreendê-

los compreendê-los”.

Explicámos que a concepção que tinha entra em linha de conta com uma definição

possível de transferência de aprendizagem que apresentámos.

Q2: Neste sentido, de acordo com a noção que a E7 tinha acerca da significação da

transferência, questionámos se considerava então, que as aprendizagens são transportadas,

transferidas de contexto para contexto.

“Nem sempre, não é, depende da situação e, muitas vezes, da disciplina e do conteúdo que

estamos a leccionar. Os alunos conseguem fazer essa transferência, normalmente quando nós a

demonstramos primeiro com situações do quotidiano e depois, numa nova situação, numa nova

aplicação dos conhecimentos, eles fazem, mas nem sempre conseguem… até porque muitas vezes eles

nem compreendem, exactamente por questões de falta de domínio da língua materna, muitas vezes

não compreendem aquilo que nós dizemos ou o que lêem”.

Q3: No que se refere à capacidade dos seus alunos terem ou não a capacidade de ver

outras aplicações e de fazer outros usos dos vários conteúdos que lhes são ensinados, no

âmbito das suas disciplinas e entre as várias disciplinas, refere que sim, que alguns alunos o

fazem e que o mesmo aluno em contextos diferentes, pode fazer ou não.

“Alguns fazem isso, falam “Ah, já falámos nisto em história”, por exemplo, ou noutra disciplina,

ou já viram na televisão, o que acontece muitas vezes e normalmente fazem-no, com base, realmente

naquilo que viram na televisão ou falaram noutra disciplina ou então que tenhamos falado numa ou

outra situação. E têm sempre por base situações, experiências de vida, ou situações do quotidiano que

eu acho que é mais fácil para eles fazerem essa transferência”.

Salientámos novamente como considerava que decorria nas suas aulas, essa transferência.

“Há uns que fazem melhor do que outros e há conteúdos que é muito complicado eles fazerem

transferência de conhecimentos, até pela abstracção do próprio conteúdo, por exemplo, se falarmos

em vulcões, os alunos certamente já ouviram muitas imagens, muitos filmes de vulcões já ouviram

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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falar, é fácil para eles evoluir mais um pouco nesse sentido. Se falarmos, por exemplo, da tectónica de

placas entramos num campo bastante abstracto e é complicado! É complicado para eles perceberem

só por si, a informação que lhes estamos a transmitir, quanto mais em transformá-la”.

Q4: Quanto às estratégias que utiliza em sala de aula para promover a transferência da

aprendizagem, de conhecimentos, salientou

“Eu costumo utilizar vários recursos, dependendo dos conteúdos, desde filmes, acetatos, jogos,

tento sempre variar, a leitura de ciência, aplicada a questões do quotidiano, mas aquele que…

normalmente o recurso que está sempre presente nas minhas aulas é o diálogo com eles, as minhas

aulas são dadas a falar com eles e, mediante aquilo que eles falam, podem ser detectados erros,

podem ser corrigidos, podem ser aproveitadas coisas boas e podemos avançar um pouco mais para a

frente, a partir daí”.

Reforçámos a ideia de que utilizava os exemplos, que foi mencionando até então, sendo

que estes constituem uma das estratégias referenciadas na literatura.

Q5,6: Questionada sobre que factores promovem a transferência da aprendizagem e que

barreiras a impedem, afirma que o que melhor promove é o tempo para trabalhar determinado

conteúdo, determinada matéria, para também o professor se mover ao ritmo do aluno sendo a

barreira, justamente, a falta de tempo.

“Nós temos vários conteúdos programáticos para dar, no final exigem-nos que seja cumpridos e

nem todos os alunos têm o mesmo ritmo, nem todos os alunos têm o mesmo tempo para aprender e

apreender”.

Outras das barreiras que identificou tem que ver com a linguagem, a compreensão ao

nível da língua portuguesa.

“E há outra coisa, muitos alunos não compreendem, sobretudo nas ciências, não são os

conteúdos em si, mas, por exemplo, quando eles estão a fazer um exercício e se o exercício estiver

escrito, muitas vezes não compreendem o português e aí passa para um problema de transferência da

língua portuguesa aplicada a outras disciplinas. E por não compreenderem o português, isto se o

aluno estiver a fazer o exercício sozinho, não é um problema de desenvolvimento de raciocínio do

próprio aluno, o conteúdo, mas é um problema de interpretação, que muitas vezes bloqueia, de facto,

a aprendizagem. Eu colocá-lo-ia até, como o factor mais importante, na maioria dos casos, mais

determinante. Se o aluno tem facilidade em ler, interpretar, escrever bem, é quase, pelo menos nas

disciplinas de ciências naturais, o sucesso é quase garantido”.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Q7: No que respeita à importância da temática para o ensino, para a escola refere que

“É importante, é fulcral! Eu gostaria, sobretudo, que nós tivéssemos, na nossa formação, mais

técnicas, mas técnicas com exemplos também concretos, não é, para ensinarmos melhor e também

mais tempo”. Questionámos se considerava que os professores trabalham no sentido de promoverem a

transferência da aprendizagem. “Acho que os professores tentam trabalhar nesse sentido, a ideia é essa. Aprender é isso, não é!

Agora, eu por exemplo, no 7.º ano temos 90 minutos, por semana, de ciências naturais, apenas, ora aí

está, o tempo aqui é muito aborrecido em relação aos conteúdos que temos para dar, melhorar. Nós

temos, no 7.º ano, temáticas variadíssimas, até com um nível de abstracção já razoável, para alunos

do 7.º ano e temos pouco tempo para trabalhar e se eu faltar na semana seguinte, então isso significa

que os meus alunos ficaram 2 semanas sem ter aulas e ao fim de 2 semanas, senão trabalharam os

conteúdos em casa, já se esqueceram e aí nada feito. A menos que tenha ficado alguma

reminiscência!” Insistimos ainda e interrogámos se achava que a escola estava sensível a esta questão da

transferência.

“Eu acho que a escola está sensível embora não dê esse nome, não é. As pessoas podem não ter a

noção do nome pomposo que é transferência da aprendizagem mas, é a preocupação de todos os

professores que os alunos consigam aprender, a transformar e a aplicar o conhecimento a novas

situações, aliás, nas fichas de avaliação, muitas vezes, até é o padrão de exercícios que valoriza a

aplicação de conhecimentos que é sobrevalorizado. Porque são os exercícios mais giros, (…) e como

nós gostamos de motivar os alunos também à descoberta, à tentativa de resolverem alguma questão,

não é, na tentativa também de superar, acabamos também por incluir esse tipo de exercícios, algumas

vezes até em demasia, não é! Há alunos que, muitas vezes, não têm a capacidade, no momento, de

fazerem esse tipo de aprendizagem e poderão tê-la 3, 4 meses mais tarde”.

Depois desta abordagem narrativa da informação recolhida, em que transcrevemos vastos

segmentos de acontecimentos registados por escrito, com o objectivo de “(…) identificar

princípios gerais e modelizar situações particulares” (Hérbert, Goytte & Boutin, 2005, p.

150), fazemos agora a análise e discussão dos resultados.

A análise qualitativa de dados é “(…) o processo de busca e de organização sistemático de

transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que foram sendo

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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acumulados, com o objectivo de aumentar a sua própria compreensão desses mesmos

materiais e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou. A análise envolve o

trabalho com os dados, a sua organização, divisão em unidades manipuláveis, síntese, procura

de padrões, descoberta dos aspectos importantes e do que deve ser aprendido e a decisão

sobre o que vai ser transmitido aos outros” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 205). É

essencialmente de carácter interpretativo e, verifica-se ao longo de toda a investigação, com

vista a uma compreensão aprofundada dos sujeitos em estudo, a partir das suas perspectivas,

enquanto participantes na investigação.

Em investigação qualitativa vai-se construindo um quadro de análise que ganha forma à

medida que se recolhem e examinam as partes. Daí que os investigadores qualitativos “não

recolhem dados ou provas com o objectivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas

previamente; ao invés disso, as abstracções são construídas à medida que os dados

particulares que foram recolhidos se vão agrupando” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 50).

Seguimos pois, a lógica indutiva, característica deste tipo de investigação, segundo a qual,

partimos das observações (de determinado fenómeno), para as descrições narrativas

(narrações detalhadas das pessoas, acontecimentos e processos) e destas para os conceitos

(abstracções elaboradas a partir dos fenómenos observados) (Vieira, 1994).

Spradley (1980, cit. por Vieira, 1995) identificou quatro tipos de análise qualitativa de

dados que considerou os mais importantes, a saber: a análise de domínio, a análise

taxinómica, a análise componencial e a análise temática.

Um outro tipo de análise é a de conteúdo1, que é uma técnica que tem sido muito utilizada

nas ciências sociais. Apesar de alguma discussão em torno da sua classificação2 quanto ao

1 “A história da análise de conteúdo remonta já aos tempos da 1.ª Grande Guerra, como instrumento de propaganda política; na 2.ª Grande Guerra foi utilizada na análise de jornais, com o intuito de detectar indícios da propaganda nazi nos meios de comunicação norte-americanos, sendo de sublinhar, nesta perspectiva, a obra de Lasswell e Leites (1949)” (Amado, 2000, p. 53). De acordo com Bardin (1977, p. 13), descrever a história da análise de conteúdo “(…) é essencialmente referenciar as diligências que nos Estados Unidos marcaram o desenvolvimento de um instrumento de análise das comunicações; é seguir passo a passo, o crescimento quantitativo e a diversificação qualitativa dos estudos empíricos apoiados na utilização de uma das técnicas classificadas sob a designação genérica de análise de conteúdo; é observar à posteriori os aperfeiçoamentos materiais e as aplicações abusivas de uma prática que funciona há mais de meio século. Mas também é por em questão as suas condições de aparecimento e de extensão em diversos sectores das ciências humanas, e tentar clarificar as relações que a análise de conteúdo mantém ou não com disciplinas vizinhas pelo seu objecto ou pelos seus métodos”. Empregada originalmente em pesquisas sobre o conteúdo de jornais, a técnica de análise de conteúdo tem sido largamente utilizada em investigações sobre opinião pública e propaganda e, para determinar características do conteúdo de obras literárias, didácticas e científicas. Existem várias definições da análise de conteúdo. “Berelson (1952) definiu a análise de conteúdo como uma técnica de investigação que permite “a descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação”. Adoptando esta mesma definição, Cartwright (1953) alarga o âmbito da análise de conteúdo na medida em que propõe a sua extensão a “todo o comportamento simbólico”. Trinta anos depois, Krippendorf

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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facto de ser uma técnica qualitativa ou quantitativa, o que importa aqui considerar é que, esta

é uma via privilegiada para análise de dados em investigação qualitativa.

De acordo com Amado (2000) para efectuar a análise de conteúdo seguimos um processo,

com várias etapas pré-estabelecidas que emprestam rigor e profundidade à técnica, ao mesmo

tempo que, exigem uma total explicitação de todos os seus passos.

Um princípio fundamental para a análise de conteúdo é a detenção de um corpo de

documentos que vamos fragmentar, fazer uma análise vertical e recompor através de um

processo de categorização/codificação – análise horizontal.

A tarefa de análise implica, assim, “(…) num primeiro momento, a organização de todo o

material, dividindo-o em partes, relacionando essas partes e procurando identificar nele

tendências e padrões relevantes. Num segundo momento essas tendências e padrões são

reavaliados, buscando-se relações e inferências num nível de abstracção mais elevado”

(Lüdke & André, 1986, p. 45).

A apresentação dos dados, de acordo com Amado (2000, p. 60), pode ser elaborada “(…)

com base em tabelas, quadros sinópticos e matrizes, que revelem o sistema de categorias e as

suas particularidades; por outro lado, julgamos fundamental não perder o carácter descritivo,

verdadeiramente qualitativo, recorrendo às necessárias citações (as unidades de registo ou de

contexto)”.

Com esta análise de dados o “(…) investigador quer apreender e aprender algo a partir do

que os sujeitos da investigação lhe confiam, nas suas próprias palavras, ou o que o

investigador regista no seu caderno de campo durante uma observação participante ou, ainda,

a partir de documentos escritos para serem analisados ou retirados de qualquer arquivo”

(Amado, 2000, p. 62).

Esta técnica encerra em si mesmo alguma complexidade mas, oferece-nos uma análise

organizada, coerente, objectiva e sistemática dos dados recolhidos num estudo qualitativo. O

objectivo é o de compreender cada caso particular e, comparar depois, os casos entre si.

(1980) definiu análise de conteúdo como “uma técnica de investigação que permite fazer inferências, válidas e replicáveis, dos dados para o seu contexto” (Vala, 1999, p. 103). 2 Encontramos vários pontos de vista acerca da inserção da técnica de análise de conteúdo na investigação quantitativa ou qualitativa, a saber: a análise de conteúdo é uma técnica de análise quantitativa (Vieira, 1995); Minayo (2000, cit. por Cappelle, M. A., Melo, M. L. & Gonçalves, C. A., 2003 p. 3), referindo-se à análise de conteúdo, “afirma ser um método mais comummente adoptado no tratamento de dados de pesquisas qualitativas. Contudo, não é somente em investigações qualitativas que a análise de conteúdo pode ser utilizada”; Harris (2001, cit. por Cappelle, M. A., Melo, M. L. & Gonçalves, C. A., 2003 p. 3), refere que “alguns autores, como Silverman (1993) e Neuman (1994), a consideram um conjunto de técnicas quantitativas, enquanto outros (Berg, 1998; Insch et al., 1997; Sarantakos, 1993) acreditam que ela possui elementos tanto da abordagem quantitativa como da qualitativa”.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Seguindo os vários passos de processo descritos por Amado (2000), desde a definição do

problema e dos objectivos do trabalho, à explicitação do quadro de referência teórico, à

constituição de um “corpus” documental, e à leitura atenta e activa, chegamos à

categorização/codificação dos dados. Esta última fase diz respeito ao “processo pelo qual os

dados brutos são transformados e agregados em unidades que permitem uma descrição exacta

das características relevantes do conteúdo” (Holsti, 1969, cit. por Bardin, 1977, p. 103)

(Amado, 2007).

Nesta fase, o primeiro grande objectivo da análise de conteúdo é o de organizar os

conteúdos de um conjunto de mensagens num sistema de categorias, para isso, há que

começar por espartilhar os textos nas unidades de sentido que se considerarem pertinentes em

função das características do material a estudar, dos objectivos do estudo e das hipóteses

formuladas (caso as haja). Seguidamente atribui-se um código a cada uma dessas unidades,

correspondente ao sentido que se lhe atribui e que, ao mesmo tempo, traduz uma das

categorias (ou subcategorias) do sistema. Terminada a codificação (que é simultaneamente

categorização), aproxima-se e confronta-se a informação através da construção de matrizes.

Só a partir daí, se poderá passar ao segundo grande objectivo da análise de conteúdo que é, o

de elaborar um texto que traduza as similaridades e as diferenças das diversas mensagens

analisadas e que, ao mesmo tempo, permita caminhar no sentido de uma interpretação e da

eventual teorização. Tudo isto, porém, terá de ser feito num conjunto de fases que devem

obedecer a alguma ordem e sistematicidade, que a seguir apresentamos (Amado, 2007).

A. Determinar as unidades de registo ou de significação: “uma unidade de registo é o

segmento determinado de conteúdo que se caracteriza colocando-o numa dada categoria”

(Vala, 1999, p. 114). Podemos distinguir dois tipos de unidades: formais (a palavra, a frase,

uma personagem, a intervenção do locutor numa intervenção, um item) e semânticas (a

unidade mais comum é o tema ou a unidade de informação) (Vala, 1999).

B. Determinar a unidade de contexto: “a unidade de contexto é o segmento mais largo de

conteúdo que o analista examina quando caracteriza uma unidade de registo. A dimensão da

unidade de contexto depende do tipo de unidade de registo que se escolheu. (…) Quanto mais

extensas são as unidades de registo e de contexto mais dificuldades se levantam à validade

interna da análise” (Vala, 1999, p. 114).

As unidades de contexto destinam-se, assim, ao enquadramento das unidades de registo,

ajudando na sua compreensão, podendo, por isso, constituir-se como equivalentes a categorias

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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(atribui-se um código a cada uma das unidades de registo, correspondente ao sentido que se

lhes atribui e que, ao mesmo tempo, traduz uma das categorias do sistema).

C. Determinar a unidade de enumeração: “a unidade de enumeração é a unidade em

função da qual se procede à quantificação. Podemos classificar as unidades de enumeração

em geométricas e aritméticas. As unidades geométricas são as mais comuns nas análises de

imprensa. As unidades aritméticas podem ser muito variadas e ter ou não por base

directamente as unidades de registo. Permitem contar a frequência de uma categoria, a

intensidade da atitude em relação (…) [a um] objecto, o tempo de antena ou número de

imagens consagrado a (…) [a um] conteúdo, etc.” (Vala, 1999, p. 115). Se as unidades de

registo dizem respeito ao que se conta, as unidades de enumeração relacionam-se com o modo

de contagem, permitindo assim determinar o modo de quantificar os dados que estão a ser

analisados.

D. Categorização: “a categorização é uma operação de classificação de elementos

constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo

o género (analogia), de acordo com os critérios previamente definidos. As categorias são

rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registo, no caso da

análise de conteúdo)” (Bardin, 1977, p. 117). Esta é, segundo Amado (2000) a fase mais

problemática da análise de conteúdo, mas também a mais criativa.

Durante o processo de categorização efectuado, procurámos respeitar, na formulação das

categorias, as regras fundamentais a que esta deve obedecer, a saber: “exaustividade – cada

categoria deve abranger por completo o conjunto das unidades de sentido que se coloca sob o

seu tecto (…); exclusividade – uma unidade de registo não deve pertencer a mais do que uma

categoria (…); homogeneidade – um sistema de categorias deve referir-se a um único tipo de

análise, não devendo, portanto, misturar-se diversos critérios de classificação; pertinência –

um sistema de categorias deve ser adaptado ao material em análise e aos objectivos da

investigação; objectividade – deve evitar-se a subjectividade na sua formulação tornando-a

utilizável, de igual modo, por vários investigadores (…); e, finalmente, a produtividade –

deve oferecer a possibilidade de uma análise fértil, criadora de um discurso novo, mas

adequado e coerente com os dados (Ghiglione e Matalon, 1992)” (Amado, 2000, p. 58).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Apresentamos então, agora, a análise, recorrendo a quadros sinópticos, com base na

codificação elaborada e fazemos a interpretação os resultados.

Importa dizer que as opções que seguimos em termos metodológicos, na análise da

informação, foram tomadas em função daquilo que procurávamos. Considerámos importante,

numa fase inicial, apresentar narrativas e depois, particularizar os dados através da análise de

conteúdo.

Nesta análise, optámos por apresentar a informação agrupada nos quadros3, por respostas,

abrangendo assim, transversalmente as sete entrevistas.

Procurámos basear-nos em todo o trabalho precedente o que, de acordo com Amado

(2000), possibilita a análise de todo o tipo de relações que se estabelecem, como: causas,

alternativas, justaposições, oposições, e outras.

A primeira questão da entrevista tinha como objectivo averiguar se a entrevistada

conhecia ou tinha alguma referência acerca da transferência da aprendizagem e, ainda que o

conceito fosse novo para si, o que achava que poderia significar.

Optámos por dividir as repostas a esta pergunta em dois quadros: o primeiro relativo à

identificação e o segundo à significação do conceito de transferência da aprendizagem.

No que se refere à identificação do conceito três das entrevistadas não conhecem o termo:

“Eu nunca ouvi o nome. Até posso saber o que é, mas não me reporta a nada” (UR2) “é

completamento novo o termo transferência da aprendizagem” (UR3); e quatro conhecem:

“Sim, já ouvi falar em transferência da aprendizagem” (UR7) ainda que o E3 e o E6 tenham

apenas uma ideia vaga acerca do assunto, “Sim. Mais ou menos. Li umas coisas na internet,

outras acho que ouvi na escola” (UR4).

O Quadro 2, que a seguir apresentamos, ilustra as repostas dadas.

Quadro 2. Identificação do conceito de transferência da aprendizagem

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

E1 1 Completamente novo o termo. Não quer dizer que conhecendo, já não tenha contactado,

mas o termo é completamente novo para mim.

E2 2 Eu nunca ouvi o nome. Até posso saber o que é, mas não me reporta a nada, não me faz

lembrar nada.

Não Conhece (3)

E5 3 É completamente novo o termo transferência da aprendizagem.

3 Importa explicar que na elaboração dos quadros 5, 6 e 7 considerámos, por forma a manter a coerência na leitura, dado que ilustram respostas com a enumeração de vários aspectos, manter a coluna da categoria (frequência) com a identificação do “tipo de resposta”, podendo-se facilmente reconhecer a que subcategoria aquelas pertencem.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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E3 4 Sim. Mais ou menos. Li umas coisas na internet, outras acho que ouvi na escola.

E4 5 Sim.

E6 6 Não sei exactamente o que se entende por transferência da aprendizagem. Conhece

(4)

E7 7 Sim. Já ouvi falar em transferência da aprendizagem.

Em relação ainda à primeira questão, mas no que se refere à significação do conceito,

encontramos alguma diversidade de respostas.

A E1 identifica-a como sendo uma transmissão de conhecimentos: “Numa perspectiva

normalmente passa de professor para aluno” (UR8) ou inversamente terá que ver com o aluno

numa perspectiva autodidáctica.

A E2 não sabe mesmo o que significa.

A categoria mais vezes referida é relativa à aplicação de conhecimentos. Três das

entrevistadas entendem que a transferência da aprendizagem está relacionada com a

aplicabilidade que os alunos fazem da aprendizagem: “Eu penso que a transferência da

aprendizagem é transferir o que os alunos aprendem para situações do dia-a-dia” (UR11) ou

“Penso que será a capacidade dos alunos, de passarem de uma aprendizagem de sala para a

aplicação, transformar conhecimentos em competências” (UR12).

As outras significações atribuídas foram a mudança de ciclos: “Pode ter a ver com as

transferências da aprendizagem nos ciclos, do 1.º ciclo para o 2.º ciclo, para o 3.º ciclo e para

o secundário” (UR13) e a incorporação de novos conhecimentos nos anteriores: “Está

relacionado com a incorporação de novos conhecimentos e se ele depois consegue, para além

de apreendê-los, compreendê-los” (UR14).

O Quadro 3, representado a seguir, sumaria a descrição apresentada.

Quadro 3. Significação do conceito de transferência da aprendizagem

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

Transmissão de

conhecimentos (1)

E1 8

Numa perspectiva normalmente passa de professor para aluno. Se aí direi que

transferência da aprendizagem terá que ver com o processo inverso, ou seja, a

aprendizagem incidir sobre o aluno numa perspectiva autodidáctica.

Não sabe (1) E2 9 Não sei.

E3 10 Acho que será pegar nas aprendizagens que os alunos ou que as pessoas têm para aplicar

a novas situações em contexto sala de aula ou contexto fora da sala de aula.

Aplicação de conhecimentos

(3)

E4 11 Eu penso que a transferência da aprendizagem é transferir o que os alunos aprendem para

situações do dia-a-dia.

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E6 12 Penso que será a capacidade dos alunos, de passarem de uma aprendizagem de sala para a

aplicação, transformar conhecimentos em competências.

Mudança de ciclos

(1) E5 13

Pode ter a ver com as transferências da aprendizagem nos ciclos, do 1.º ciclo para o 2.º

ciclo, para o 3.º ciclo e para o secundário.

Incorporação de novos

conhecimentos nos anteriores

(1)

E7 14 Está relacionado com a incorporação de novos conhecimentos e se ele depois consegue,

para além de apreendê-los, compreendê-los.

Face às repostas que obtivemos, podemos inferir que, talvez, muitas docentes não devam

conhecer este conceito, ainda que o possam utilizar no dia-a-dia nas suas aulas, de forma não

consciente. As várias opiniões sublinhem o que vem sendo retratado, por alguns autores, que

nos dizem que a “(…) diversidade de sentidos leva-nos a concluir que a transferência é um

conceito pouco transparente e que esconde um fenómeno muito complexo” (Miranda, 2005,

p. 249). Contudo, consideramos que as docentes que afirmam saber o que significa ou, o que

poderá significar, têm uma ideia próxima do significado que aqui adoptámos e que foi

sugerida aquando da entrevista.

A segunda pergunta da nossa entrevista remetia para a ocorrência de transferência da

aprendizagem, questionando se a entrevistada considerava que as aprendizagens eram

transferidas/transportadas de uma situação para outra.

É importante aqui referir, que após a resposta dada à primeira questão, o entrevistador deu

a conhecer à entrevistada uma definição possível de transferência da aprendizagem (de acordo

com a revisão da literatura efectuada). Nessa altura, após ter sido explicado o que poderia

significar o conceito, algumas das entrevistadas, afirmaram que afinal já o conheciam ou já

tinham ouvido falar do tema.

A maioria das entrevistadas considerou que as aprendizagens são transferidas: “Sim e

deve haver essa transferência, porque é uma mais valia que eles possam fazer a transferência

daquilo que já aprenderam noutras situações, quer nos outros anos lectivos, quer na sua vida

do quotidiano” (UR17), tendo uma delas referido que os alunos o fazem com muita

dificuldade: “Sim, mas têm muita dificuldade em fazer isso. Sendo a mesma situação com

outras variáveis eles já têm muita dificuldade em aplicar os conhecimentos” (UR19).

As outras duas entrevistadas referiram que as aprendizagens nem sempre são transferidas:

“Não sei é se eles são capazes de fazer a transferência das aprendizagens escolares,

aprendizagens que os ajudam na vida normal, isso é que eu, às vezes, tenho algumas dúvidas

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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se nós lhes estaremos a dar as ferramentas necessárias para isso” (UR20); “Nem sempre,

depende da situação e, muitas vezes, da disciplina e do conteúdo que estamos a leccionar.

Muitas vezes não compreendem aquilo que nós dizemos ou o que lêem” (UR21).

O Quadro 4, abaixo indicado, apresenta as repostas dadas.

Quadro 4. Ocorrência de transferência da aprendizagem

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

E1 15

Cada vez mais isso faz todo o sentido. Portanto, cada vez mais a sala de aula deixou de

ser um espaço isolado. Continuo a achar sobretudo com as novas tecnologias, que no

fundo é o instrumento que lhes dá acesso a uma quantidade de informação a diferente

níveis, que eles, de facto, transportam necessariamente.

E2 16 Sim.

E3 17

Sim e deve haver essa transferência, porque é uma mais valia que eles possam fazer a

transferência daquilo que já aprenderam noutras situações, quer nos outros anos lectivos,

quer na sua vida do quotidiano.

E4 18

Exacto, não conseguem aplicar a aprendizagem exactamente, conseguem transferi-la, se

for exactamente igual, basta mudarmos a maneira como apresentamos o problema, ou o

exercício, mas pedir a mesma coisa e eles não conseguem lá chegar.

As aprendizagens

são transferidas

(5)

E5 19 Sim, mas têm muita dificuldade em fazer isso. Sendo a mesma situação com outras

variáveis eles já têm muita dificuldade em aplicar os conhecimentos.

E6 20

Não sei é se eles são capazes de fazer a transferência das aprendizagens escolares,

aprendizagens que os ajudam na vida normal, isso é que eu, às vezes, tenho algumas

dúvidas se nós lhes estaremos a dar as ferramentas necessárias para isso.

As aprendizagens nem sempre

são transferidas

(2) E7 21

Nem sempre, depende da situação e, muitas vezes, da disciplina e do conteúdo que

estamos a leccionar. Muitas vezes não compreendem aquilo que nós dizemos ou o que

lêem.

Perante a explicitação do que poderá ser uma definição do conceito de transferência da

aprendizagem, verificámos que as entrevistadas quando questionadas acerca da ocorrência ou

não de transferência, começaram a integrar aquilo que lhes tinha sido transmitido e

recorreram, facilmente, à sua experiência. E aqui podemos colocar algumas questões: Será

que as docentes estão conscientes da transferência da aprendizagem? Porventura serão só

alguns docentes que a trabalham, deliberadamente, em sala de aula, ou estará a maioria a fazê-

lo, mas sem um suporte de registo, validação ou avaliação desse trabalho?

A terceira pergunta da nossa entrevista inquiria se as entrevistadas consideravam que os

seus alunos faziam uso, utilizavam, ou seja, aplicavam aquilo que aprendiam, nas várias

disciplinas e fora do contexto escolar.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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A E1 refere que os seus alunos não aplicam/utilizam as aprendizagens: “Esse é, de facto, o

trabalho mais árduo de um professor, e no meu caso específico é a capacidade de lhes

conseguir incutir a utilidade do contudo que estão assimilar, naquela disciplina e depois

noutras áreas lá fora. Não acho que isso tenha mudado, eles nem sempre têm essa percepção

do conhecimento” (UR22).

Depois, as opiniões das entrevistadas dividem-se por dois grupos.

O primeiro grupo considera que apenas alguns alunos aplicam/utilizam as aprendizagens:

“Existem alunos que realmente aplicam e, por vezes, até trazem curiosidades de outras

disciplinas para a minha e, pelo que sei, também levam da minha para as outras disciplinas,

mas esses são alunos muito especiais” (UR 24); “Sim, alguns sim. E o mesmo aluno, em

contextos diferentes, pode fazer ou não” (UR25).

O segundo grupo confirma que os alunos aplicam/utilizam as aprendizagens: “Sim. Isso

chama-se transversalidade das matérias. Os próprios livros até nos trazem indicações para

isso, ou seja, o professor de biologia possa dar conteúdos ligados mais à área científica e

depois eu trabalho a texto, numa área mais literária, de modo a que os alunos possam ir

adquirindo, possam usar isso como uma mais valia. Isto é importante e eles transferem, de

facto” (UR26); “Sim. Mas os alunos, neste campo, continuam a ter muitas dificuldades, na

generalidade. Uma das grandes coisas que eu faço nas minhas aulas é fazer-lhes entender que

as disciplinas não são estanques, mas que os conhecimentos que aprendem numas, podem ser

aplicados nas outras” (UR27).

O Quadro 5, apresentado a seguir, corrobora as repostas dadas.

Quadro 5. Aplicação e utilização das aprendizagens

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

Não aplicam/utilizam

(1) E1 22

Esse é, de facto, o trabalho mais árduo de um professor, e no meu caso específico é a

capacidade de lhes conseguir incutir a utilidade do contudo que estão assimilar, naquela

disciplina e depois noutras áreas lá fora. Não acho que isso tenha mudado, eles nem

sempre têm essa percepção do conhecimento.

E2 23

Nem todos conseguem, mas a grande parte consegue, até porque na matemática são

sempre situações novas e eles têm de aplicar tudo o que são conhecimentos, sempre em

situações novas.

E5 24

Existem alunos que realmente aplicam e, por vezes, até trazem curiosidades de outras

disciplinas para a minha e, pelo que sei, também levam da minha para as outras

disciplinas, mas esses são alunos muito especiais.

Alguns aplicam/utilizam

(3)

E7 25 Sim, alguns sim. E o mesmo aluno, em contextos diferentes, pode fazer ou não.

Aplicam/utilizam (3) E3 26 Sim. Isso chama-se transversalidade das matérias. Os próprios livros até nos trazem

indicações para isso, ou seja, o professor de biologia possa dar conteúdos ligados mais

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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à área científica e depois eu trabalho a texto, numa área mais literária, de modo a que os

alunos possam ir adquirindo, possam usar isso como uma mais valia. Isto é importante

e eles transferem, de facto.

E4 27

Sim. Mas os alunos, neste campo, continuam a ter muitas dificuldades, na generalidade.

Uma das grandes coisas que eu faço nas minhas aulas é fazer-lhes entender que as

disciplinas não são estanques, mas que os conhecimentos que aprendem numas, podem

ser aplicados nas outras.

E6 28 Eu acho que sim, eu espero que sim, eu esforço-me por isso.

A esta questão, apesar de algumas respostas positivas (mas ainda com algumas

interrogações), a maioria das entrevistadas considera que os alunos não aplicam ou que

somente alguns aplicam as aprendizagens. Esta perspectiva das docentes vem, claramente,

validar aquilo que os estudos antes referenciados concluem (ainda que, não sejam

comparáveis, pela sua natureza, os estudos revistos na literatura e aquele que aqui

apresentamos, contudo consideramos que a, determinado nível, a relação pode ser

estabelecida).

Perkins e Salomon (1988, p. 25) resumem esta posição de que os alunos muitas vezes não

aplicam os conhecimentos e habilidades aprendida num contexto, noutras situações,

afirmando que “(…) diversas investigações empíricas sobre a transferência têm demonstrado

que a transferência muitas vezes não ocorre. A explicação mais desencorajadora é a de que o

conhecimento e as habilidades poderão ser demasiado “locais” para permitir que muitas das

expectativas e aspirações que dos educadores se realizem”. Ou ainda a “(…) transferência é

especialmente importante para a teoria da aprendizagem e para a prática educativa, dado que

muito frequentemente os tipos de transferência que se esperam não ocorrem” (Perkins &

Salomon, 1994, p. 6453).

Quanto às estratégias utilizadas para promoção da transferência, a que se refere a questão

número quatro da entrevista, encontramos uma grande diversidade de respostas. Importa aqui

salientar que após a colocação da questão ou durante a resposta de cada entrevistada, foi

sugerida uma estratégia, a título de exemplo, a saber: proporcionar oportunidades de aplicação

prática dos conteúdos aprendidos em diversas situações que representem uma diversidade de

eventuais aplicações.

Cada entrevistada, com a excepção da E4 e da E7, enuncia mais do que duas estratégias.

A estratégia mais vezes referenciada (5) refere-se à realização de actividades e exercícios

diversos: “Eu já promovi situações de entrevistas, após a explicação dos diferentes registos de

língua. A elaboração do currículo, a elaboração de relatórios” (UR30); “O recurso ao trabalho

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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de trabalho de grupo” (UR36) “Um dos trabalhos que os meus alunos têm é ver o telejornal,

ou ler um jornal, ou ouvir a informação na rádio e apresentar a notícia da semana na aula”

(UR40); “Eu costumo utilizar vários recursos, dependendo dos conteúdos, desde jogos, a

leitura de ciência aplicada a questões do quotidiano” (UR43).

Duas outras estratégias mais referenciadas são a ilustração com exemplos: “Tento sempre

escolher os exemplos, precisamente para eles se reportarem a várias situações” (UR32) e a

utilização diversificada de recursos didácticos: “O recurso às tecnologias da informação e da

comunicação” (UR35); “Eu costumo utilizar vários recursos, dependendo dos conteúdos,

desde filmes, acetatos” (UR42).

Referenciada menos vezes (2) foi a estratégia do trabalho de pesquisa, seguida depois, de

referências únicas (1), as estratégias: sínteses/resumos da matéria anterior; articulação entre

disciplinas; diálogo com os alunos; e o treino: “O treino, principalmente. Aplicar muitas

situações até eles serem capazes de reproduzir conhecimentos” (UR45).

O Quadro 6, que a seguir apresentamos, enuncia as estratégias referidas.

Quadro 6. Estratégias para promover a transferência

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

29 Eu procuro direccionar, usar exemplos práticos que têm que ver com uma realidade

profissional.

30 Eu já promovi situações de entrevistas, após a explicação dos diferentes registos de

língua. A elaboração do currículo, a elaboração de relatórios. E1

31 A própria pesquisa de anúncios de emprego, aos quais eles podem responder.

32 Tento sempre escolher os exemplos, precisamente para eles se reportarem a várias

situações. E2

33 Exercícios e actividades variadas, tendo eles de aplicar os mesmos conhecimentos.

34 É sobretudo através do trabalho de investigação/pesquisa.

35 O recurso às tecnologias da informação e da comunicação.

36 O recurso ao trabalho de trabalho de grupo. E3

37 Fazer sempre uma pequena abordagem anterior.

E4 38 Tento mostrar-lhes como é que no dia-a-dia aquilo pode ser válido ou nas outras

disciplinas. Dou exemplos práticos.

39 Os meus alunos andavam a estudar em história a questão do morgadio, eu expliquei-

lhes a palavra, depois pedi-lhe para verem com a professora de matemática…

40 Um dos trabalhos que os meus alunos têm é ver o telejornal, ou ler um jornal, ou ouvir

a informação na rádio e apresentar a notícia da semana na aula.

Ilustrar com exemplos

(3)

Trabalho de pesquisa

(2)

Actividades e exercícios diversos

(5)

Sínteses/resumos da matéria

anterior (1)

Utilização de recursos

didácticos (3)

E6

41 O truque é associar ao livro, qualquer coisa ligada à técnica.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

99

42 Eu costumo utilizar vários recursos, dependendo dos conteúdos, desde filmes, acetatos.

43 Eu costumo utilizar vários recursos, dependendo dos conteúdos, desde jogos, a leitura

de ciência aplicada a questões do quotidiano.

Articulação entre disciplinas

(1)

Diálogo com os alunos

(1)

E7

44

Mas normalmente o recurso que está sempre presente é o diálogo com eles, mediante o

que eles falam podem ser detectados erros, aproveito as coisas boas, avanço ou não na

matéria.

Treino (1) E5 45

O treino, principalmente. Aplicar muitas situações até eles serem capazes de reproduzir

conhecimentos.

Numa análise global, vemos que as estratégias referenciadas como potenciadoras da

transferência apontam, para as referidas na literatura. Salientamos as categorias: actividades e

exercícios diversos (5) e ilustrar com exemplos (3), por serem das mais evocadas e por serem

ilustradas, de algum modo, na literatura.

Gagné (1970) diz-nos que orientação em relação à direcção do ensino é bastante clara, é

pois, necessário encorajar os alunos a aprender no sentido da aplicação dos seus

conhecimentos de maneira ampla, em situações tão numerosas quanto possível.

As pesquisas mostram que muitas vezes os alunos não se reportam aos factos e princípios

que adquiriram noutros contextos. Eles não conseguem utilizar nas aulas de Ciências ou no

supermercado a matemática que aprenderam nas aulas de Matemática. Eles falham na

aplicação das competências de escrita que aprenderam em Inglês, num ensaio de História. O

conhecimento tende a ficar colado à estreita hipótese inicial de aquisição. Se queremos que os

alunos façam a transferência das aprendizagens, temos de ensinar explicitamente para a

transferência, ajudando os alunos a fazer as conexões que caso contrário poderia não fazer, e

ajudando-os a cultivar hábitos mentais de efectuar a ligação entre conteúdos (Brown, 1989;

Perkins e Salomon, 1988; Salomon e Perkins, 1989).

Podemos ainda referir Gagné (1987, p. 258) citando: “A transferência de conhecimentos,

habilidades e estratégias e a solução de problemas novos e situações é um assunto sobre o

qual se tem tentado encontrar entendimento. Segundo parece, uma certa quantidade de prática

diversificada favorece a transferência das habilidades intelectuais para novas situações”.

A questão número cinco refere-se à identificação dos factores mais importantes, na

facilitação da transferência.

Não há nenhum factor que possamos destacar como o mais referenciado, dado que houve

uma distribuição, mais ou menos, homogénea nas respostas dadas.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

100

Por ordem decrescente de frequência, temos a utilização de recursos didácticos (3):

“Utilizo muito o computador, software específico de matemática, recorrendo a exemplos

práticos de visualização” (UR50); os alunos verem a aplicabilidade dos conteúdos (3): “O que

eu acho que ajuda é precisamente utilizar aplicações do dia-a-dia”(UR49); as características

pessoais do aluno: “Ao nível do aluno é a motivação, se houver motivação beneficia. Isto está

relacionado com as perspectivas deles, com a família, com a cultural local” (UR54);

“Depende da maturidade do aluno” (UR56); a transversalidade das disciplinas (2): “Eu acho

que facilitava se houvesse um trabalho, se calhar mais transversal entre disciplinas. Não há

outra forma de lidarmos com esta questão” (UR46); o trabalho dos professores em sala (1):

“Embora nós não possamos concentrar tudo na particularidade de cada aluno, nós também

temos que fazer a nossa parte. Se calhar cabe-nos a nós despertar a curiosidade e o auto

didactismo neles próprios, direccionar e diversificar as actividades dentro da sala de aula,

nesse sentido” (UR 48); o conteúdo das disciplinas (1): “Também está relacionado com os

temas em questão. Há temas mais concretos e reais com os quais eles lidam todos os dias, isso

ajuda muito, porque eles conseguem transferir” (UR55); o tempo (1): “O que melhor promove

é o tempo para trabalhar determinado conteúdo, determinada matéria com tempo para o

professor se mover ao ritmo do aluno” (UR59); conhecimentos ao nível da língua portuguesa,

“Se o aluno tem facilidade em ler, interpretar, escrever bem, é quase, pelo menos na disciplina

de ciências naturais, o sucesso é quase garantido” (UR 60).

O Quadro 7, abaixo representado, expõe os factores mencionados.

Quadro 7. Factores importantes na facilitação da transferência

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

46 Eu acho que facilitava se houvesse um trabalho, se calhar mais transversal entre

disciplinas. Não há outra forma de lidarmos com esta questão.

47

Isso depende muito da realidade de cada aluno, precisamente do autodidactismo, das

capacidades que eles têm de serem independentes a esse nível. A motivação, a bagagem

cultural de cada aluno e a capacidade que eles têm de fazer o uso correcto da

informação. E1

48

Embora nós não possamos concentrar tudo na particularidade de cada aluno, nós

também temos que fazer a nossa parte. Se calhar cabe-nos a nós despertar a curiosidade

e o autodidactismo neles próprios, direccionar e diversificar as actividades dentro da

sala de aula, nesse sentido.

49 O que eu acho que ajuda é precisamente utilizar aplicações do dia-a-dia.

Transversalidade entre as

disciplinas (2)

Trabalhos dos professores em

sala (1)

Utilização de recursos

didácticos (3)

E2

50 Utilizo muito o computador, software específico de matemática, recorrendo a exemplos

práticos de visualização.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

101

51 O que facilita é, cada vez mais, o recurso às novas tecnologias, ao uso da informação na

aldeia global. E3

52 Que haja também, se houver essa possibilidade, o encontro para trabalho cooperativo

entre professores.

E4 53 O que facilita é o facto de darmos exemplos do dia-a-dia.

54 Ao nível do aluno é a motivação, se houver motivação beneficia. Isto está relacionado

com as perspectivas deles, com a família, com a cultural local.

55

Também está relacionado com os temas em questão. Há temas mais concretos e reais

com os quais eles lidam todos os dias, isso ajuda muito, porque eles conseguem

transferir.

56 Depende da maturidade do aluno.

E5

57

É muito importante a apresentação em power point, ou em filmes, ou vídeos, para eles

conseguirem visualizar os conteúdos. O tipo de meios audiovisuais, de apoio e de

instalações que a escola tem e disponibiliza.

Os alunos verem a aplicabilidade dos conteúdos

(2)

Características individuais do

aluno (3)

Conteúdos das

disciplinas

(1) E6 58

A facilitação tem de ser sempre feita através da associação da sala de aula ao mundo

exterior, de modo a estabelecer a ponte.

59 O que melhor promove é o tempo para trabalhar determinado conteúdo, determinada

matéria com tempo para o professor se mover ao ritmo do aluno.

Tempo (1)

Conhecimentos

ao nível da língua

portuguesa (1)

E7

60 Se o aluno tem facilidade em ler, interpretar, escrever bem, é quase, pelo menos na

disciplina de ciências naturais, o sucesso é quase garantido.

No que se refere às barreiras, a questão número seis, verificámos alguma diversidade de

respostas e também uma homogeneidade na sua distribuição, por frequência.

A principal barreira identificada, refere-se às características pessoais do aluno: “Uma das

principais barreiras são as lacunas que eles trazem dos anos anteriores” (UR62); “Ao nível do

aluno é a motivação, se não houver motivação prejudica. Isto está relacionado com as

perspectivas deles, com a família, com a cultura local” (UR65).

Depois, aquelas com maior frequência atribuída (2) são as que a seguir indicamos. A não

transversalidade entre as disciplinas: “O fecho dos professores na sua conchinha, transmitindo

só conhecimentos, não dando possibilidade aos alunos de articularem com outras matérias e

outras disciplinas” (UR63); e os alunos não verem a aplicabilidade dos conteúdos: “A

maneira como eles encaram o ensino como algo que é só estudar, estudar, e que não tem

aplicabilidade nenhuma no dia-a-dia” (UR64); “O professor pode fazer o que quiser, mas se

não fizer a ligação àquilo que se chama escola paralela à vida normal, não se facilita a

passagem. A dificuldade é manter sempre o mesmo material, a mesma linguagem, mostrar aos

alunos que há coisas interessantes na escola e que lhes vão ser úteis” (UR70).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

102

Importa ainda referir aquelas que foram mencionadas isoladamente, a saber: o conteúdo

das disciplinas; a não disponibilização de recursos didácticos; a extensão dos programas; o

tempo; e os conhecimentos ao nível da língua portuguesa.

O Quadro 8, a seguir representado, ilustra as repostas dadas.

Quadro 8. Principais barreiras que impedem a transferência

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

E1 61 Se não houver esse trabalho conjunto de transversalidade.

E2 62 Uma das principais barreiras é as lacunas que eles trazem dos anos anteriores.

E3 63 O fecho dos professores na sua conchinha, transmitindo só conhecimentos, não dando

possibilidade aos alunos de articularem com outras matérias e outras disciplinas.

E4 64 A maneira como eles encaram o ensino como algo que é só estudar, estudar, e que não

tem aplicabilidade nenhuma no dia-a-dia.

65 Ao nível do aluno é a motivação, se não houver motivação prejudica. Isto está

relacionado com as perspectivas deles, com a família, com a cultura local.

66 Também está relacionado com os temas em questão. Há temas mais abstractos que são

mais complicados para os alunos.

67 Depende da maturidade do aluno.

68 O tipo de meios audiovisuais, de apoio e de instalações que a escola tem e

disponibiliza.

E5

69 Os programas são extensos, o que nem sempre facilita o treino, o trabalho desejado.

Não

transversalidade entre as

disciplinas (2)

Os alunos não verem a

aplicabilidade dos conteúdos

(2)

Características individuais do

aluno (4)

Conteúdo das disciplinas

(1)

Não disponibilização

de recursos didácticos

(1)

Extensão dos programas

(1)

E6 70

O professor pode fazer o que quiser, mas se não fizer a ligação àquilo que se chama

escola paralela à vida normal, não se facilita a passagem. A dificuldade é manter

sempre o mesmo material, a mesma linguagem, mostrar aos alunos que há coisas

interessantes na escola e que lhes vão ser úteis.

71 Nem todos os alunos têm o mesmo ritmo, nem todos os alunos têm o mesmo tempo

para aprender e apreender.

Tempo

(1)

Conhecimentos ao nível da

língua portuguesa

(1)

E7

72

Quando os alunos estão a fazer um exercício e se o exercício estiver escrito, muitas

vezes não compreendem o português e aí passa por um problema de transferência da

língua portuguesa aplicada a outras disciplinas.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

103

Tendo em conta os factores facilitadores e as barreiras enumerados pelas entrevistadas,

vemos que, muitas vezes, se referem à mesma característica enquanto facilitadora e enquanto

barreira, o que nos parece coerente.

Gostaríamos aqui, de salientar as três características que nos parecem ser de maior relevo,

a saber: a transversalidade entre as disciplinas, as características pessoais do aluno e a

aplicabilidade dos conteúdos. Um olhar mais atento, transporta-nos para os factores e

variáveis envolvidos no processo de transferência de aprendizagem, referenciados no ponto

cinco do segundo capítulo do nosso trabalho.

Neste sentido vemos, mais uma vez, que a percepção das docentes é informada, ainda que

consideremos que esta não está radicada num quadro conceptual explícito ou consciente.

A transversalidade entre as disciplinas enquadra-se nas variáveis associadas ao contexto,

em referência, às aprendizagens que os alunos podem fazer no âmbito da mesma disciplina ou

numa determinada disciplina, por si só (contexto) e transferir essas aprendizagens para outras

disciplinas (contextos).

As características individuais do aluno (categoria que é ela própria uma variável antes

referenciada) sinalizadas pelas entrevistadas, a saber: a importância da motivação e dos

conhecimentos anteriores, estão claramente evidenciadas na literatura.

A aplicabilidade dos conteúdos pode ser inserida nas variáveis associadas às tarefas, na

medida em que os materiais e os problemas das tarefas de aprendizagem devem ser vistos

como relevantes, aplicáveis e transferíveis entre tarefas.

A última questão, a número sete, reporta-se à importância da transferência da

aprendizagem e as respostas foram unânimes, em afirmar a grande importância que esta

temática reveste.

Todas as entrevistadas consideraram que a transferência da aprendizagem é muito

importante, quer a um nível mais micro (disciplina) quer a um nível mais macro (escola e

comunidade em geral): “Toda a importância. Acho que é o cerne da aprendizagem. É

essencial, é a ferramenta chave. Cada vez mais ela deve ser fomentada no espaço sala de aula

ou no espaço da escola, para haver sucesso não só em termos escolares, mas em termos

futuros, a outros níveis” (UR73); “Eu acho que, cada vez mais, se poderá vir a falar desta

temática e talvez seja um dos factores de motivação para os professores e alunos, para que

estes possam aplicar, de facto, o conhecimento que vão adquirindo nas várias disciplinas e na

vida real. Eu acho que poderá ser uma via de sucesso para o ensino em Portugal” (UR75); “É

importantíssimo. Acho que só faz sentido ensinar ou aprender, aquilo que nos vai ser, de

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

104

algum modo, útil. Eu acho que, infelizmente, a escola ainda não deu conta que isso é

externamente importante e que é preciso fazer isso” (UR78); “É importante, é fulcral. As

pessoas podem não ter a noção do nome pomposo que é a transferência da aprendizagem, mas

é a preocupação de todos os professores que os alunos consigam aprender a transformar e a

aplicar o conhecimento a novas situações” (UR79).

O Quadro 9, representado a seguir, ilustra as opiniões apresentadas.

Quadro 9. Importância da transferência da aprendizagem

Categoria (frequência) E UR Subcategoria

E1 73

Toda a importância. Acho que é o cerne da aprendizagem. É essencial, é a ferramenta

chave. Cada vez mais ela deve ser fomentada no espaço sala de aula ou no espaço da

escola, para haver sucesso não só em termos escolares, mas em termos futuros, a outros

níveis.

E2 74 A nível da matemática é fundamental. É fundamental que os alunos consigam transferir

conhecimentos de uns anos para os outros, porque senão perdem-se.

E3 75

Eu acho que, cada vez mais, se poderá vir a falar desta temática e talvez seja um dos

factores de motivação para os professores e alunos, para que estes possam aplicar, de

facto, o conhecimento que vão adquirindo nas várias disciplinas e na vida real. Eu acho

que poderá ser uma via de sucesso para o ensino em Portugal.

E4 76

É muito, muito importante. Porque, enquanto os alunos não aplicarem a transferência das

aprendizagens no dia-a-dia e não encontram sentido, não entendem, porque é que se

estuda, porque é que se investe e é extremamente importante para eles terem uma visão

que realmente o que aprenderam não foi algo que teve que se estudar para fazer o 9.º ou o

12.º ano e que se arquiva.

E5 77

É completamente essencial a transferência das aprendizagens, porque o professor tem

como objectivo ensinar, mas também formar cidadãos, se os alunos ficam com um grande

conhecimento, mas não são capazes de os aplicar nas diversas situações, não interessa para

nada. É muito, muito importante.

E6 78

É importantíssimo. Acho que só faz sentido ensinar ou aprender, aquilo que nos vai ser, de

algum modo, útil. Eu acho que, infelizmente, a escola ainda não deu conta que isso é

externamente importante e que é preciso fazer isso.

Muito importante

(7)

E7 79

É importante, é fulcral. As pessoas podem não ter a noção do nome pomposo que é a

transferência da aprendizagem, mas é a preocupação de todos os professores que os alunos

consigam aprender a transformar e a aplicar o conhecimento a novas situações.

Quanto à valoração atribuída à transferência da aprendizagem, mais uma vez, as docentes

vieram corroborar aquilo que tem sido a perspectiva da grande maioria dos autores que se têm

debruçado sobre esta questão ao afirmarem, e referenciamos aqui Perkins e Salomon (1988, p.

23), por considerarmos relevante, que “(…) a transferência desempenha um papel

fundamental na aspiração a uma educação que ultimamente tem alcançado grande destaque: o

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

105

ensino de competências de pensamento. Tal como acontece com as competências básicas e o

conhecimento, também aqui não se trata apenas de instruir alunos para o desempenho num

estreito leque de tarefas escolares. A esperança é a de que os alunos se tornem mais criativos e

pensadores críticos em muitos contextos que convidam a uma abordagem de pensamento –

tomar decisões importantes na vida, votar, interagir com outros equitativamente, realizar

actividades produtivas, como escrever um texto, pintar, entre outras”.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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CONCLUSÃO

Em larga medida, muito daquilo que somos e fazemos ultrapassa o que a natureza nos

ofereceu (Gleitman, 1999). “O processo de aprendizagem em si não é observável. Aprender é

um processo interno complexo cujos indicadores observáveis são as mudanças relativamente

estáveis que ocorrem nos indivíduos. Essas modificações, que designamos por aprendizagens,

são percepcionadas após o sujeito se ter envolvido numa actividade de aprendizagem, ou ter

tido a oportunidade de experienciar novas situações. Aprender é um processo activo que

implica alguma forma de manipulação e transformação da informação. A eficácia de uma

aprendizagem é passível de ser avaliada, não apenas pelos resultados obtidos na situação de

aprendizagem, mas também pela capacidade de transferir o que foi aprendido para novas

situações. Compreender como aprendemos torna-se muito importante se pensarmos que

grande parte das actividades humanas requer um período mais ou menos longo de

aprendizagem, e se atendermos à importância que assumem, na sociedade actual, as questões

educativas e de formação. Essa compreensão permitirá potenciar e melhorar a eficácia das

situações de aprendizagem” (Carneiro, 2000, p. 20).

Os behavioristas pensaram a modificação do comportamento como função do meio onde o

sujeito se insere, por isso, a aprendizagem era o resultado da formação de conexões entre

estímulos e repostas observáveis, comportando-se o aprendiz passivamente, condicionado

pelo exterior. Mais tarde, os cognitivistas perspectivaram o comportamento como uma função

dos processos mentais do organismo, sendo a aprendizagem um mecanismo activo do ser

humano. Resultava, assim, da reorganização de percepções e formação de novas relações,

passando a ser conceptualizada principalmente como aquisição de conhecimento, na qual o

aprendiz torna-se um processador de informação.

No âmbito do estudo da aprendizagem, várias questões importantes, têm vindo a ser

colocadas no sentido de um entendimento mais aprofundado do tema, que de diversas formas

tem sido perspectivado. Uma dessas questões refere-se à transferência da aprendizagem.

A explicação de como é que as experiências e os conhecimentos de uma situação se

transferem ou generalizam para outras situações tem sido, desde há muito tempo, uma

temática de interesse.

A investigação experimental realizada, neste âmbito, tem demonstrado que a transferência

não é um processo espontâneo e que é mesmo difícil de pôr em evidência, de uma forma

explícita (Gick & Holyoak, 1983; Salomon & Perkins, 1989; Singley & Anderson, 1989,

entre outros). Como referem Resnick e Collins (1996, cit. por Miranda, 2005, p. 235) “Não

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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tem havido muitos resultados que provem que o que é aprendido numa situação é espontânea

ou facilmente “aplicado” noutra situação”. Numa posição mais radical, Detterman (1996, p. 4)

considera “(…) que há poucas dúvidas de que grandes transferências de aprendizagem

importantes para o futuro da humanidade são eventos raros, se é que a transferência é de todo

importante. Muito pouco comportamento humano é novo e de grande importância para o

futuro da humanidade”.

O tema da transferência da aprendizagem tem gerado alguma discussão, nomeadamente a

um nível terminológico, tendo alguns autores salientado a necessidade de se reflectir sobre o

próprio conceito de transferência presente na maioria das investigações.

Mas outras questões se colocam, mesmo quanto à sua própria existência, Carraher e

Schliemann (2002, p. 22) referem-se, a esse nível, ao dilema da transferência, “(…) se

negarmos a transferência, parece que estamos a negar que nova aprendizagem assenta na

aprendizagem antiga; se apoiamos a ideia de transferência, subscrevemos crenças

questionáveis sobre o conhecimento. Nenhuma destas opções é aceitável. Este é o coração do

dilema de transferência. Acreditamos que a metáfora subjacente à transferência – ou seja, do

conhecimento que é transportado de uma situação concreta para outra – fundamentalmente é

errada e conduz a uma caricatura empobrecida de como a aprendizagem realmente funciona.

Situações e contextos não podem ser tratados exclusivamente como “algo que é dado” porque

em grande medida são construções mentais (Carraher & Schliemann, in press)”.

“Os pontos de vista da transferência tornaram-se tão profundamente tecidos no

pensamento colectivo dos educadores e cientistas da aprendizagem que é difícil colocá-los de

lado. A transferência não é usualmente tratada como uma teoria. As tradicionais sabedorias

vêem a transferência como um problema a ser explicado, um tema para o livro sobre a

aprendizagem” (Carraher & Schliemann, 2002, p. 1).

Ainda que existam algumas questões discordantes que suscitem opiniões divergentes, os

estudos da transferência, que têm colocado em relevo a sua importância no processo de

ensino-aprendizagem, reiteram a transferência como uma das preocupações centrais na

educação. A este respeito, Cormier e Hagman (1987, p. 42) sublinham que “(…) promover a

transferência bem sucedida da aprendizagem permanece um objectivo fundamental da

educação. Há razão para esperar que a contínua investigação sobre a transferência melhorará a

capacidade dos educadores para lidar com esta preocupação eminentemente prática”.

Um outro exemplo que reforça a importância do desenvolvimento da investigação nesta

área, são as directrizes emanadas, num recente workshop da Fundação Nacional de Ciência

dos Estados Unidos, por um grupo de cientistas representantes de diversas áreas como a

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

108

psicologia do desenvolvimento, a psicologia social, cognitiva, a educação tecnológica, as

pesquisas no âmbito do ensino e da aprendizagem, entre outras, que delinearam alguns temas

chave para futuras investigações, sendo que um desses temas diz respeito aos processos e aos

mecanismos subjacentes à transferência da aprendizagem” (Mestre, 2003).

No sentido e de continuarmos a investigar sobre esta temática e tendo em conta a

definição do nosso problema, equacionámos a realização de um estudo qualitativo que nos

permitisse averiguar o que sabiam os docentes acerca de uma temática tão importante e tantas

vezes sujeita a experimentação.

A pesquisa qualitativa ofereceu-nos a oportunidade de perspectivar a transferência da

aprendizagem de um modo diferente do qual tem vindo a ser abordada, em referência os

estudos que descrevemos neste trabalho.

Da análise dos resultados concluímos que a percepção das docentes face à definição da

transferência, ao uso/utilizações que os seus alunos fazem do conhecimentos, à identificação

de factores facilitadores e barreiras inibidoras da transferência da aprendizagem, que

constituem aspectos chave relevantes, aproxima-se daquilo que é conceptualizado na

literatura. Por outro lado, de uma forma geral, concluímos que as suas práticas no processo de

ensino-aprendizagem são, também, suportadas pelo enquadramento teórico em referência.

Não sendo nosso objectivo, generalizar os resultados obtidos, dado que os “(…)

investigadores qualitativos não fazem investigação para generalizar, mas para compreender”

(McMillan e Schumacher, 1989, p. 15), consideramos que estes resultados poderão ilustrar a

realidade de muitos docentes. Parece pois, haver uma orientação, implícita, nalguns docentes

para trabalharem no sentido da transferência da aprendizagem, fazendo-o sem uma

consciência deliberada.

Consideramos que, e contextualizando a temática no modo circunscrito e balizado do

nosso trabalho, a educação e formação dos docentes deveriam contemplar, explicitamente, a

temática da transferência da aprendizagem, o que é inclusive, sugerido por uma das

entrevistadas. Já Singley e Anderson (1989, pp.1-2) sinalizaram esta preocupação, ao

afirmarem que “Para a educação ser eficaz, os currículos devem ser concebidos com um olho

em direcção à transferência. Esta preocupação torna-se cada vez mais importante num mundo

onde a rápida mudança tecnológica frequentemente penaliza aqueles que são estritamente

qualificados e inflexíveis”.

Deixamos aqui algumas orientações educativas, com vista à transferência das

aprendizagens, que reunimos e sintetizámos. Estas sugestões são na perspectiva do trabalho

docente, não são novas mas, pretendemos dar-lhes relevância, no sentido de poderem ser úteis

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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àqueles que as não têm cristalizadas. Assim: os docentes devem utilizar a diversidade,

possível, de exemplos que ilustrem aquilo que estão a ensinar proporcionando oportunidades

de prática, por forma a que se descontextualizem conteúdos e se apliquem noutros contextos;

aquilo que é ensinado deve ter significado para o aluno, devendo por isso, ser facilitado por

orientações reflexivas, por parte do docente; os docentes devem orientar os alunos no sentido

de os induzir ao estabelecimento de relações entre conteúdos; e é importante que os docentes

tenham em conta a individualidade de cada aluno, nomeadamente, no que se refere às suas

motivações e aos conhecimentos anteriores.

É possível ensinar os alunos a transferir e a escola deve por isso, preparar os alunos para

serem capazes de se adaptarem, de um modo flexível a novos contextos.

É pois, necessária investigação que analise a relação entre os objectivos de realização da

aprendizagem e a transferência, nomeadamente em contexto escolar (Linnenbrink, 2005, cit.

por Pugh & Bergin, 2006).

Pretendemos que o nosso estudo contribua para a análise daquilo que a escola pode

promover, no âmbito da transferência da aprendizagem, junto dos seus alunos. Algumas das

sugestões que apontamos para estudos posteriores dizem respeito à necessidade de se

clarificar, em termos terminológicos, o conceito de transferência da aprendizagem; e a

realização de um estudo, de maior abrangência, que envolva mais docentes, e que poderão ser

agrupados por áreas disciplinas e/ou níveis de ensino. Uma limitação que consideramos

importante, refere-se às entrevistas realizadas, que poderiam ter sido em maior número.

Esperamos que este estudo possa derivar em mais investigação, em direcção ao sentido da

aprendizagem.

“O teu saber nada vale, se outro não sabe que tu sabes. Por isso, não se abra nenhuma fontezinha de

ciência, sem dela fazer derivar imediatamente pequenos riachos” (Coménio, 1996, p. 266).

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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ANEXOS

Guião de Entrevista

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Transferência da aprendizagem. O sentido do saber.

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

GUIÃO DE ENTREVISTA

Esta entrevista realiza-se no âmbito da Tese de Mestrado em Ciências da Educação, Especialização em

Psicologia da Educação e destina-se a recolher informação sobre o entendimento que os docentes detêm sobre a

temática da transferência da aprendizagem. Deste modo, em alusão à sua experiência enquanto docente,

solicitamos que responda a algumas questões. Obrigada pela sua colaboração.

Dados de Identificação: nome, idade, habilitações, escola onde lecciona, disciplina(s) que lecciona,

anos de experiência docente, local, data e hora da realização da entrevista.

Questões: 1. Sabe o que é a “transferência da aprendizagem”? Já leu ou ouviu falar sobre o tema?

(De acordo com vários autores, a transferência da aprendizagem pode ser definida como a influência que as

aprendizagens anteriores exercem no desempenho de novas aprendizagens, ou seja, deparando-se com uma

nova situação, o aluno mobiliza os conhecimentos anteriores, aplicando-os a essa situação)

2. Considera que as aprendizagens são transferidas/transportadas de uma situação para outra? Porquê?

Como?

3. Os seus alunos são capazes de ver outras utilizações/aplicações (fazem outros usos) dos vários

conteúdos aprendidos dentro da sua disciplina e no âmbito das várias disciplinas?

4. Quais as estratégias que utiliza, em sala de aula, para promover a transferência de conhecimentos

para outros contextos? (Por ex. proporcionar oportunidades de aplicação prática dos conteúdos aprendidos em diversas situações que

representem uma diversidade de eventuais aplicações)

5. Que factores aponta como mais importantes na facilitação da transferência da aprendizagem?

6. Que principais barreiras identifica na transferência da aprendizagem?

7. Como se posiciona em relação à importância desta temática para o ensino? Que valor lhe atribui?