escola e currículo - servicos.ulbra.br · a denominação escola moderna não está relacionada...

227
Escola e Currículo

Upload: buitram

Post on 18-Jan-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Escola e Currículo

Escola e Currículo

Organizado pela Universidade Luterana do Brasil

Universidade Luterana do Brasil – ULBRACanoas, RS

2017

Karla SaraivaLisiane Gazola Santos

Iara Tatiana BoninDaniela Ripoll

Bianca Salazar GuizzoJuliana Ribeiro de Vargas

Conselho Editorial EAD

Ana Patricia BarbosaAndréa de Azevedo Eick

Astomiro RomaisClaudiane Furtado

Italo OgliariJuliane Maria Puhl Gomes

Lourdes da Silva GilLuiz Carlos Specht Filho

Maria Cleidia Klein OliveiraRafael da Silva Valada

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Dados técnicos do livro

Diagramação: Jonatan SouzaRevisão: Ane Sefrin Arduim

A disciplina de Escola e Currículo visa ampliar a compreensão do con-ceito de currículo frente à realidade da escola contemporânea e das

políticas públicas no contexto da Educação Básica. Segue uma breve des-crição das abordagens temáticas apresentadas nesse livro.

O Capítulo 1 trata da emergência da escola moderna, ou seja, do lento surgimento e consolidação da escola mais ou menos nos moldes que se conhece hoje no período compreendido entre o século XVII e o século XIX. As discussões apresentadas mostram que essa emergência se sustenta em algumas condições históricas: as transformações no modo de pensar e utilizar o tempo e o espaço; o surgimento de um sentimento de infância; a necessidade de controlar as classes populares de modo a produzir sujeitos capazes de adaptarem-se às exigências do trabalho fabril e com noções de cidadania. Esse capítulo funciona como um pano de fundo histórico para as discussões que se seguem.

No segundo capítulo, intitulado Teorias do Currículo, são abordadas algumas definições do termo Currículo, as Teorias Tradicionais, Críticas e Pós-Críticas do Currículo e a importância do estudo de tais definições e teorias para formação de professores comprometidos com práticas peda-gógicas que visam à constituição de sujeitos críticos, reflexivos que compre-endam as complexas relações sociais e culturais nas quais estão inseridos.

O terceiro capítulo – Novos tópicos para o currículo – traz para a discussão o fato de que vivemos num mundo heterogêneo, a ideia de que “somos todos diferentes” e que não deve haver primazia de uma identidade sobre outra. Tais discussões colocam, para os currículos, novas questões a ser pensadas.

Apresentação

Apresentação v

O Capítulo 4, sobre Gênero e Sexualidade, apresenta algumas discussões acerca do conceito de gênero e do conceito de sexualidade utilizando autoras e autores oriundos dos Estudos Culturais, dos Estudos Feministas e dos Estudos de Gênero e Sexualidade. O capítulo mostra, ainda, a importância da abordagem de tais questões na escola básica e no currículo, bem como apresenta alguns dos desdobramentos (e, em alguma medida, alguns dos retrocessos) atuais no que diz respeito à abordagem dessas temáticas.

No Capítulo 5, Relações étnico-raciais e temática indígena, a au-tora problematiza a multiplicidade de culturas que “integram” e constituem as salas de aula e que nos impõem maneiras plurais de proceder, de or-ganizar o trabalho pedagógico e de avaliar, e discute sobre algumas das culturas que vêm sendo historicamente desconsideradas, subjugadas, ba-nalizadas nos currículos.

No Capítulo 6, intitulado Diretrizes Curriculares Nacionais e Proje-to Político Pedagógico, são trabalhadas questões pertinentes a dois do-cumentos importantes para a organização educacional e escolar na atua-lidade. Um deles refere-se às Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013), que são normas obrigatórias, fixadas pelo Con-selho Nacional de Educação (CNE), que devem orientar o planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino. O outro diz respeito ao Projeto Político Pedagógico que deve ser organizado a partir da especificidade de cada escola e que se constitui como uma obrigação legal que deve tradu-zir a visão, a missão, os objetivos, as metas e as ações que determinam o caminho a ser trilhado por uma determinada instituição com o intuito de formar sujeitos ativos, críticos e criativos.

O Capítulo 7, Organização Curricular da Educação Infantil, apre-senta, inicialmente, a trajetória trilhada pela primeira etapa da Educação Básica no Brasil. Além disso, busca apresentar o modo como a organi-zação curricular na educação infantil tem sido pensada, tomando como base referenciais, diretrizes, relatórios elaborados e propostos especifica-mente para essa etapa da educação. Tais documentos fundamentam-se numa ideia de crianças enquanto sujeitos sócio-histórico-culturais e de di-

vi Apresentação

reitos. Em razão disso, defendem a proposição de um currículo que articu-le as diferentes linguagens utilizadas pelos sujeitos infantis.

No Capítulo 8, Organização Curricular – Ensino Fundamental, são contextualizadas as práticas de organização curricular no Ensino Fun-damental, através da retomada de aspectos históricos acerca da imple-mentação do Ensino Fundamental no Brasil; disposições legais sobre a organização curricular da referida etapa do ensino apresentadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e pelo Plano Nacional de Educação.

No Capítulo 9, Organização Curricular – Ensino Médio as autoras buscam contextualizar organização curricular do Ensino Médio atual, no sistema educacional nacional, traçando diálogos com História da Educa-ção e, ainda, com o campo da Pedagogia. Por fim, são discutidos alguns dos desafios para a organização curricular do Ensino Médio, na atualida-de, tanto para pedagogos e pedagogas, como, também, para a organiza-ção de políticas educacionais.

Por fim, são problematizados dois dos principais desafios que tangem a organização curricular do Ensino Fundamental na atualidade: a Educação Integral e as Tecnologias de Informação e Comunicação.

O Capítulo 10 traz algumas discussões acerca da escola contemporâ-nea, desdobradas a partir daquilo que foi estudado ao longo do semestre. Em especial, o capítulo problematiza dois aspectos importantes que estão levando a que se repense as estratégias de escolarização. Primeiramente, o surgimento daquilo que se poderia chamar de novas infâncias e novas ju-ventudes, constituídas a partir de transformações culturais fortemente atra-vessadas pelas tecnologias digitais. A seguir, discutem-se as conexões das transformações propostas para as escolas e sua articulação com o que se diria ser um novo capitalismo, que já não se funda na produção industrial e no trabalho de organização disciplinar, mas, sim, na produção de bens ditos imateriais e em uma organização de trabalho muito mais flexível.

1 Emergência da Escola Moderna ............................................1

2 Teorias do Currículo ............................................................21

3 Novos Tópicos para o Currículo ..........................................41

4 Gênero e Sexualidade ........................................................64

5 Relações Étnico-raciais e Temática Indígena ........................86

6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e Projeto Político Pedagógico ..................................111

7 Organização Curricular na Educação Infantil .....................129

8 Organização Curricular – Ensino Fundamental ..................145

9 Organização Curricular – Ensino Médio ............................169

10 Escola na Contemporaneidade .........................................192

Sumário

Emergência da Escola Moderna1

1 Doutora em Educação pela UFRGS. Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação da ULBRA. Desenvolve pesquisas relacionadas ao campo do currículo, tendo publicado diversos artigos na área.

Karla Saraiva1

Capítulo 1

2 Escola e Currículo

Introdução

Estamos tão habituados com a ideia de que a educação acon-tece na escola que, atualmente, muitas vezes essas duas no-ções se confundem. Parece-nos que o único modo de educar as crianças é por meio da escolarização. Entretanto, a escola, do modo como a concebemos hoje, tem uma história relativa-mente recente. Ela começa a se desenhar na Europa, no século XVI, e, lentamente, se configura como a instituição educacio-nal por excelência. nesse capítulo, pretendo mostrar, de forma sintética, algumas condições que permitiram a emergência1 e a consolidação da chamada escola moderna. Observe-se que a denominação escola moderna não está relacionada com o sentido corrente de moderno, a saber, algo novo, arrojado. O adjetivo moderno deve-se ao fato de que esse tipo de insti-tuição educacional surge na modernidade,2 sendo importante destacar que alguns elementos que marcam a transformação dos modos de vida medieval na direção de formas de orga-nização sociais modernas constituem-se, justamente, em con-

1 Utilizo o termo emergência no sentido daquilo que emerge. Emergir significa vir à tona ou, em seu sentido figurado, aparecer manifestar-se. No caso, o termo emer-gência está associado a algo que se constitui lentamente. Evito o termo surgimento justamente para evitar a ideia do aparecimento repentino de algo. A emergência da escola refere-se às condições que possibilitaram seu surgimento em um determina-do contexto histórico, em um movimento que atravessa alguns séculos.

2 A modernidade é um modo de compreender o mundo e de viver, relacionado a um período histórico que se inicia com o Renascimento, no século XVI. Desde o final do século XX, muitos pensadores consideram que estamos vivendo uma nova trans-formação, que estaria nos deslocando da modernidade para a contemporaneidade (também chamada, por alguns, de pós-modernidade).

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 3

dições que irão contribuir para o surgimento dessa instituição escolar.

Na sequência, irei comentar algumas das principais trans-formações que deram sustentação à emergência e à consoli-dação da escola como instituição educacional de abrangência quase universal. Entretanto, peço a meus leitores duas precau-ções. Em primeiro lugar, não entendam essas transformações pela lógica da substituição, mas pela lógica de mudanças de ênfase. Ao se perceber novas formas de significar e utilizar espaço e tempo, por exemplo, deve-se entender que, mesmo antes disso, essas mudanças já estavam se constituindo e que os significados anteriores não desaparecem, mas passam a ter menor importância. Em segundo lugar, não tomem essas transformações como mudanças bruscas, universais e homo-gêneas, mas como processos de desenvolvimento lento, cuja lógica se firma de modo gradativo e heterogêneo entre dife-rentes classes e grupos sociais.

1 Condições de emergência da escola

Retomando as discussões sobre a emergência da escola, con-forme já afirmei antes, a constituição da escola moderna inicia--se no século XVII, mas sua consolidação é um processo que se desenvolverá ao longo de alguns séculos, sendo tributário um conjunto amplo e diversificado de condições sociocultu-rais. Abordarei aqui aquelas que seriam as mais significativas, tomando como base os escritos de alguns autores que vêm abordando essa temática. Inicio tratando das transformações

4 Escola e Currículo

dos significados espaço-temporais que acontecem na passa-gem do medievo para a modernidade e que são fundamentais para a invenção da escola. O tempo e o espaço, ao passarem a ser entendidos como objetivos e mensuráveis, tornam possí-vel pensar na organização escolar assim como conhecemos.

A seguir, discuto o surgimento da noção de infância como uma fase especial da vida que exige cuidados, cujo desdobra-mento é justamente a invenção de uma série de instituições para sua educação, com destaque para a escola. Prossigo mostrando que a escola moderna se organiza a partir daquilo que Foucault (1999) chamou de disciplina, organização que estará presente, também, na prisão, na fábrica, no quartel e no hospital, e que caracterizará a modernidade. Finalizo esse capítulo mostrando como a escola pública, que se constitui ao longo do XIX, funcionou como uma estratégia de domestica-ção das classes populares pautada por uma moral burguesa, produzindo sujeitos adaptados às rotinas das fábricas e que veem a si mesmo como cidadãos.

2 As transformações espaço-temporais

O mundo medieval era um mundo misterioso, idealizado a partir de uma visão teocêntrica. Na concepção medieval, Deus era aquele que guiava o mundo e era responsável pelo destino de todos e de cada um. O espaço era percebido como frag-mentado em múltiplos mundos, sendo a principal divisão entre o mundo da alma e o mundo da carne. O mundo da alma era dividido em paraíso, purgatório e inferno. O mundo da

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 5

carne era constituído por lugares isolados, cercados por uma exterioridade misteriosa. (SARAIVA, 2006).

À noção de um espaço fragmentado, associava-se uma fraca percepção de tempo. Um tempo difícil de ser apreendi-do, com um significado subjetivo fortemente ligado com os ci-clos da vida: as estações do ano, o dia e a noite, as colheitas, as gestações... Para os medievais, a própria ideia de um futuro capaz de ser administrado por meio de decisões presentes era algo muito obscuro. No medievo, as preocupações com o fu-turo se limitavam a questões muito imediatas e relativas à so-brevivência, como, por exemplo, guardar alimentos no verão que pudessem ser consumidos no inverno. De modo mais am-plo, o pensamento teocêntrico acreditava que o futuro estava nas mãos de Deus e que a humanidade pouco podia intervir nos desígnios divinos.

A passagem do medievo para a modernidade tem com um dos eixos principais a transformação de uma concepção teo-cêntrica para outra antropocêntrica. Gradativamente, passa-se a admitir que o destino não esteja exclusivamente nas mãos de Deus e que a agência humana seria capaz de intervir no que viria a acontecer em um tempo futuro. O tempo perde seu caráter cíclico e místico, passando a ser compreendido como uma linha infinita que vai do passado para o futuro, represen-tado pela imagem hoje muito popular da seta do tempo. O espaço deixa de ser pensado como fragmentado, tornando-se único e infinito. Ambos, tempo e espaço, tornam-se objetivos, mensuráveis, administráveis e fracionáveis (SARAIVA, 2006).

6 Escola e Currículo

A passagem do teocentrismo para o antropocentrismo faz com que se comece a pensar que o futuro possa ser modificado e aprimorado pela agência humana. essa transformação está relacionada, por exemplo, com a constituição de um pensa-mento científico, que visava desvendar os mistérios da nature-za. O conhecimento deixa o campo do divino e vai habitar o campo do humano, sendo entendido como condição para pro-duzir um mundo melhor. Cabe ressaltar que a passagem para o antropocentrismo não suprime a fé em Deus, mas apenas revê seu papel. Sujeitos como Descartes e Newton, considerados precursores do pensamento científico moderno, eram bastante religiosos, porém, acreditavam que Deus havia criado o mun-do com suas leis e já não intervinha no destino dos homens de modo tão direto. A ideia era que caberia à humanidade conhe-cer a obra divina para poder operar sobre ela.

Essas transformações na concepção de tempo e de espaço se articulam não apenas com a emergência do pensamen-to científico moderno, mas também com diversas outras que acontecem na passagem do medievo para a modernidade e constituem uma das principais condições para a emergência da escola. Uma delas, de fundamental importância, é a trans-formação do que significa ser criança.

3 A emergência da noção de infância

Conforme Varela e Alvarez-Uría (1992, p.69),

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 7

assim como a escola, a criança, tal como a percebemos atualmente, não é eterna nem natural; é uma instituição social de aparição recente ligada a práticas familiares, modos de educação e, consequentemente, a classes so-ciais.

Até a modernidade, havia uma concepção de que a vida seria uma continuidade, sem que houvesse uma diferenciação de suas etapas. Desse modo, à infância não era reservado um papel especial. As crianças participavam da vida adulta na medida de suas capacidades. As providências que havia em relação às crianças eram de ordem iminentemente prática: a necessidade de alimentá-las e cuidá-las quando muito peque-nas estava ligada a sua sobrevivência. A vida era cíclica, sem rupturas e divisões, como era cíclico e sem divisões o tempo, conforme mostrei na seção anterior.

Uma vez que as crianças participavam plenamente da vida adulta, sua educação não acontecia em um espaço ou uma instituição especial. Para a quase totalidade delas, a educação acontecia nas práticas cotidianas: no lar, na oficina, no cam-po. Apenas algumas crianças de classes muito privilegiadas tinham preceptores e recebiam uma educação especializada. Havia algumas poucas escolas para a chamada infância de qualidade, ou seja, de classes abastadas, mas sem a organiza-ção atual. Eram apenas locais em que os mestres recebiam os alunos, com quem trabalhavam individualmente. Nessas es-colas, os horários eram flexíveis e não havia um currículo. Em geral, o ensino era ministrado de modo bastante confuso, sem uma organização que apontasse um percurso ou objetivos.

8 Escola e Currículo

A modernidade transforma as noções espaço-temporais e torna possível pensar a vida como sendo uma sequência de etapas, de “idades da vida” (ARIÈS, 1981). Aos poucos, a infância passa ser entendida como uma época especial. A diferença entre adultos e crianças passa a ser entendida não apenas em termos de um grau de desenvolvimento, mas como uma fase com atributos peculiares. A partir do século XVII, criança vai deixar de ser um adulto em miniatura, passando a ser percebida como tendo uma natureza distinta. Nesse mo-mento, começa a se constituir um sentimento em relação à infância junto às classes mais privilegiadas (esse sentimento só irá começar a atingir as classes populares no século XIX), que será caracterizada pela maleabilidade (que permite mol-dar seu caráter por meio da educação), pela fragilidade, pela falta de razão/juízo, pela incivilidade. A inocência só irá se tornar uma qualidade das crianças mais tarde, sendo reserva-da à chamada infância de qualidade, ou seja, às crianças das classes mais abastadas. A chamada infância rude, pertencente às classes populares, não chegará a conquistar esse status de inocência e estará sempre rondada pela ideia de delinquência e de imoralidade (VARELA; ALVAREZ-URÍA, 1992).

Este novo sentimento de infância, que produz uma crian-ça que precisa de cuidados especiais, incentivará seu isola-mento em instituições específicas, longe do mundo adulto. A infância necessita de uma educação adequada para a boa formação de seu caráter, disso dependerá seu futuro. Come-nius (2002, p.76), em sua obra Didática magna, publicada em 1640, quando a noção de infância começava a se constituir, escreveu que “a todos aqueles que nasceram homens a edu-cação é necessária, para que sejam homens e não animais

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 9

ferozes”. A partir do século XVII surge uma série de especialis-tas que irão teorizar sobre a infância e sobre como educá-la. Apesar da grande variabilidade de instituições educacionais que surgem durante a modernidade na Europa, separando as crianças dos adultos, de modo geral, é possível distinguir dois grandes grupos. A infância de qualidade era enviada para os colégios, que se aliam à ação da família. Nesse momento em que se constitui o sentimento de infância, também se institui um determinado modelo familiar fortemente centrado na fi-gura da mãe, uma mulher amorosa, que abdica de ter uma vida pública, que é recatada e que se sacrifica pelo bem dos filhos. A mãe é a figura feminina que se opõe à bruxa, que mata as crianças, e à prostituta aborteira (VARELA; ALVAREZ--URÍA, 1992). Parte da educação é realizada no lar, por essa mãe amorosa, e parte nos colégios, que serão orientados por rígidos regulamentos.

Por outro lado, entre os séculos XVII e XVIII, a infância rude vai sendo percebida como oriunda de um meio incapaz de lhe dar uma educação moral adequada. Parte da infância rude também será recolhida em lugares que as segregam dos adul-tos, porém diferentes dos colégios. Órfãos e crianças aban-donadas serão encaminhadas para instituições cujo objetivo não será a transmissão de um saber, mas um enclausuramento moral repressivo. Nessas instituições, “a máxima repreensão e mínimo saber transmitido correspondem à menor nobreza, evidentemente a dos pobres” (VARELA; ALVAREZ-URÍA, 1992, p.77).

Embora com diferentes gradações, as instituições destina-das à educação das crianças, que passaremos a chamar com

10 Escola e Currículo

a denominação geral de escolas, serão organizadas de acor-do com o que Foucault (1999) denominou de disciplina.

4 A escola moderna e a disciplina

De acordo com o que foi tratado na seção anterior, conforme foi se constituindo a noção de infância, surgiram diversas ins-tituições para a educação das crianças que convergem para aquilo que hoje chamamos escola. As instituições voltadas para a infância de qualidade, ou seja, filhos3 de famílias bur-guesas e nobres, apresentavam regulamentos menos rígidos e proporcionavam uma melhor formação intelectual do que aquelas voltadas para a infância rude. Mas em todos os ca-sos, é possível afirmar que a organização estava orientada por uma ordem disciplinar.

De acordo com Foucault (1999), a ordem disciplinar orien-tou a organização de uma série de instituições na modernida-de. As escolas, as prisões, os quartéis, os hospitais e a fábri-cas, apesar da heterogeneidade de seus objetivos, eram todos tributários dessa forma de organização. A disciplina só pode ser concebida a partir dos modos de significar tempo e espaço que emergem na modernidade. Entre suas principais caracte-rísticas, destacam-se um rígido controle do tempo e a fixação dos corpos no espaço. O funcionamento da escola discipli-nar (que, hoje, muitas vezes é chamada de escola tradicional)

3 As escolas eram destinadas, sobretudo, aos meninos. Havia algumas instituições voltadas para as meninas, porém, se atinham aos níveis mais básicos e provinham, também, conhecimentos voltados para o cuidado do lar.

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 11

baseia-se nos quadros de horários e nas rotinas coletivas que aí se instituem. Na escola, existe uma hora para iniciar a aula e outra para acabar. O trabalho se estrutura na divisão desse tempo da aula em períodos, nos quais estão distribuídas as diversas Atividades o ditado para estudo da língua materna, os exercícios de matemática, as atividades físicas, a leitura de textos de história,... A cada momento, todos os alunos estão realizando, muito provavelmente, a mesma atividade. O uso do tempo é coletivo.

Além da necessidade dos quadros de horário para o fun-cionamento da escola, a concepção de um tempo linear e fracionável se faz presente na divisão em classes que abrigam crianças de diferentes idades. A estratificação etária traz como pressuposto que a cada tempo da vida os indivíduos estejam mais ou menos no mesmo patamar em relação a sua maturi-dade intelectual e capacidade de aprender. Portanto, sem uma concepção de tempo objetivo, linear, mensurável e fracionável tal como se constituiu na modernidade não seria possível a invenção da escola disciplinar. A organização da escola, tal como a concebemos, não seria possível na Idade Média.

Por outro lado, a escola se constitui em um recorte do es-paço, bem delimitado e bem localizado. Essa porção do es-paço é subdividida, por meio de barreiras físicas, em diversas salas. As salas de aula, por sua vez, são divididas por uma grade imaginária que permite dispor os corpos dos alunos fi-xando cada um em seu lugar no espaço, o que contribui para manter a ordem. Essa divisão dos espaços também só se torna possível a partir das concepções modernas de um espaço con-tínuo, fracionável e fronterizável.

12 Escola e Currículo

Essa escola baseada em horários coletivos e na fixação dos corpos tinha como pressupostos o cultivo da obediência aos regulamentos e o corte da comunicação entre os alunos. Utili-zava como instrumentos para seu funcionamento a vigilância, o exame e a sanção normalizadora (punições para aqueles que não apresentassem um comportamento normal, visando sua normalização).

Porém, não é apenas o espaço físico que é fracionado. De acordo com Veiga-Neto (2010), também o espaço do saber vai ser fracionado pelas disciplinas. De uma miríade de sabe-res fragmentados do medievo, a modernidade produz um sa-ber científico recortado pelas disciplinas. Ao contrário do que alguns afirmam, as disciplinas não são uma patologia do sa-ber que seria curada pela interdisciplinaridade, mas um modo historicamente constituído de compreender o conhecimento. A disciplinarização dos saberes também foi uma condição para a emergência da escola na modernidade.

Conforme já mencionei, a transformação dos modos de significar espaço e tempo na passagem do medievo para a modernidade também tornou possível a emergência de ou-tras instituições com organização disciplinar análoga à esco-lar, como a fábrica e a prisão (FOUCAULT, 1999). Além dis-so, nessa época surge a necessidade de reforçar os laços dos cidadãos com os Estados nacionais e com sua organização social, promovendo a aceitação de seu lugar no mundo e re-duzindo a chance de rebeliões. Estão postos os fundamentos para a instituição da escola pública.

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 13

5 A invenção da escola pública obrigatória e o controle das classes populares

Em finais do século XVIII, inicia-se na Europa o que ficou co-nhecido como revolução industrial, impulsionada pela inven-ção de máquinas capazes de realizarem alguns trabalhos com maior eficiência e rapidez do que permitiam os métodos arte-sanais que havia até então. A revolução industrial foi o pon-to de partida para a organização do capitalismo industrial, que transformou profundamente as relações de trabalho e, de modo mais amplo, os modos de vida da população, impulsio-nando os processos de urbanização.

O trabalho fabril era muito diferente do trabalho de campo-neses e, mesmo, de artesões. Esses profissionais tinham domí-nio de todo o processo produtivo e organizavam seu trabalho a partir de rotinas que eles próprios determinavam, ao contrário do que acontece nas indústrias. Os operários já não domina-vam o processo produtivo, executando tarefas pontuais.

Conforme consta na seção anterior, a fábrica também se orienta por princípios disciplinares tal como a escola. Ela fra-ciona o espaço da produção e fixa os corpos dos operários, de modo semelhante ao que ocorre nas salas de aula. O tem-po é utilizado de maneira coletiva, com horários fixos para a realização das atividades, assim como nos processos de esco-larização. Com a disseminação das indústrias a partir do final do século XVIII, começa a se formar na Europa o que seria chamado de classe operária.

14 Escola e Currículo

Entretanto, produzir um sujeito capaz de aceitar a rotina do trabalho industrial não foi tão fácil assim. A passagem de um sistema produtivo ao outro implica em uma mudança profun-da nos modos de vida, com a necessidade de abrir mão de parte de sua autonomia e de adaptar-se a rotinas impostas. Os operários, oriundos de classes populares fracamente disci-plinadas até então, encontravam dificuldades de adaptação. A obediência aos rígidos regulamentos elaborados pelos patrões e o cumprimento de horários pré-estabelecidos parecia não ter sentido. Muitos trabalhadores abandonavam o emprego ou agiam de forma considerada inadequada (não prezavam o cumprimento de horários, eram desobedientes, embriagavam--se, não valorizavam o trabalho e não tinham bons hábitos), causando problemas para as indústrias. A noção de imorali-dade imputada às classes populares há alguns séculos conso-lidava-se. Tornava-se necessário mudar o comportamento e o modo de viver do operariado para o sucesso do capitalismo.

Todos esses hábitos são difíceis de arraigar naqueles que viveram durante tempo na “promiscuidade”, no “desper-dício” e na “desordem” de todos os excessos, por isso o menino trabalhador constituirá um alvo privilegiado desta política de transformação dos sujeitos. (VARELA; ALVAREZ-URÍA, 1992, p.90)

A saída para produzir sujeitos capazes de se adaptarem ao trabalho fabril, cultivando os hábitos que a burguesia conside-rava adequados, foi investir na educação da infância oriunda das classes operárias.

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 15

A educação do menino trabalhador não tem, pois, como objetivo principal ensiná-lo a mandar, senão a obedecer, não pretende fazer dele um homem instruído e culto, se-não inculcar-lhe a virtude da obediência e a submissão à autoridade e à cultura legitima. (VARELA; ALVAREZ-URÍA, 1992, p.90)

Entenda-se como cultura legítima aquela oriunda da bur-guesia.

Nesse sentido, a escola pública funcionou como uma po-tente estratégia para inculcar nas classes populares os valores morais burgueses, inclusive o amor pelo trabalho. Além disso, o sistema disciplinar das escolas preparava os sujeitos para que se sujeitassem às rotinas do trabalho industrial. É possível afirmar que o corpo do operário foi forjado nos bancos esco-lares. Porém, ao inculcar os valores burgueses, não apenas foi produzido o trabalhador adaptado a um sistema de trabalho fabril, como também o cidadão que se reconhece como vincu-lado ao Estado por meio de uma identidade nacional. O culto à pátria também era parte importante do funcionamento da escola disciplinar, permitindo a afirmação dos Estados-nação (Ó, 2009).

Nesse sentido, pode-se compreender que a escola pública, surgida no século XIX, constituiu-se numa ação para docilizar a população, produzindo sujeitos com sentimentos de cida-dania e de vinculação a um projeto nacional e, ao mesmo tempo, acostumados a uma rotina que utiliza exaustivamente o tempo, impõe a fixação dos sujeitos no espaço, corta a co-municação e cultiva a obediência aos regulamentos como um valor (SARAIVA, 2014).

16 Escola e Currículo

Desse modo, a partir do que foi aqui exposto, é possível afirmar que a escola moderna não enfatizava uma emancipa-ção das classes populares, mas sim a sua domesticação a uma moral e a uma cultura burguesa e europeia. Contudo, essa ação de dominação e colonização exercida pela escola não se deu apenas sobre as classes populares da Europa, mas espa-lhou sua lógica colonizadora pelo mundo, contribuindo para consolidar a ideia de que a cultura, a moral e os valores da burguesia europeia seriam superiores, devendo ser adotados por todos. O documentário Escolarizando o mundo4 mostra isso muito claramente.

Por meio da escola, disseminou-se (e disseminam-se) deter-minados valores, determinados modos de conceber o mundo, determinadas formas culturais, que passam a ser aceitas como se fossem neutras, naturais e não problemáticas. Cabe res-saltar que, desde meados do século XX, diversos autores vêm elaborando propostas que possam romper com essa escola voltada para a domesticação dos alunos, sendo Paulo Freire o mais conhecido desses pensadores no Brasil. Entretanto, os avanços que tivemos nos últimos anos acham-se hoje amea-çados por iniciativas como o movimento chamado Escola Sem Partido. Ao pregar uma educação neutra e desideologizada, esse movimento propõe, de fato, uma escola que irá consoli-dar os valores daqueles que conseguem se impor culturalmen-te nos meios de comunicação e na produção de significados que irão circular na sociedade de modo privilegiado, naturali-

4 Recomendo aos leitores que assistam este documentário, disponível no endereço https://www.youtube.com/watch?v=6t_HN95-Urs.

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 17

zando desigualdades e submissões, revivendo os objetivos da escola pública do século XIX.

Frente a isso, cabe questionar o que deveria ser a escola para que se tornasse uma possibilidade de abertura de novos espaços de liberdade, de criação e de acolhimento às dife-renças. Ao longo desse semestre, desenvolveremos discussões nesse sentido, problematizando a escolarização e o currículo no mundo contemporâneo, buscando pensar de outro modo essa instituição ainda tão central na nossa sociedade.

Recapitulando

Neste capítulo, vimos que a escola com uma organização se-melhante à atual, chamada de escola moderna, começa a se configurar no século XVII, desenvolvendo-se lentamente até sua consolidação no século XIX. Uma condição importante para sua emergência foram as transformações nos significa-dos de espaço e tempo. Um acontecimento intrinsecamente ligado às transformações espaço-temporais foi o surgimento da noção de infância como uma idade especial, que necessita ser educada para que forme seu caráter e para que possa se tornar um sujeito moral. Essas transformações, que passam a conceber espaço e tempo como objetivos, mensuráveis, admi-nistráveis e fracionáveis, também tornaram possível os rígidos controles do tempo e fixação dos corpos no espaço de manei-ra ordenada, pressupostos básicos da escola disciplinar. Avan-çando para o final do século XVIII, observa-se o surgimento de sistemas de educação pública e da escolarização obrigatória

18 Escola e Currículo

na Europa. Essas escolas constituem-se em instrumentos de moralização das classes populares, forjando o operário para a fábrica e o cidadão para a nação.

Referências

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.

COMENIUS. Didática magna. São Paulo: Martins Fontes, 2002)

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1999.

Ó, Jorge Ramos do. A governamentalidade e a história da escola moderna: outras conexões investigativas. Educa-ção & Realidade, v. 3, n.2, p.97-117, maio/ago. 2009. Disponível em http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoere-alidade/article/view/8434/5542. Acesso em 10 jun. 2016.

SARAIVA, Karla. A aliança biopolítica educação-trabalho. Pro-Posições, v. 25, n. 2, p. 139-156, maio/ago. 2014) Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pp/v25n2/08.pdf. Acesso em 10 jun. 2016.

______. Outros tempos, outros espaços: internet e Educa-ção. Tese de doutorado. Porto Alegre: UFRGS, Faculda-de de Educação, 2006. Disponível em http://hdl.handle.net/10183/8597. Acesso em 10 jun. 2016.

Capítulo 1 Emergência da Escola Moderna 19

VARELA, Julia, ALVAREZ-URIA, Fernando. A maquinaria es-colar. Teoria & Educação, n. 6, p.68-96, 1992.

VEIGA-NETO, Alfredo. Tensões disciplinares e Ensino Mé-dio. Anais do I Seminário Nacional Currículo em Movimen-to. Belo Horizonte, 2010. Disponível em http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7178-4-3-tensoes--disciplinares-ensinomedio-alfredo-veiga/file. Acesso em 10 jun. 2016.

Atividades

1) De acordo com o que foi estudado neste capítulo, o que significa a emergência do sentimento de infância e qual a relação desse acontecimento com a emergência da escola moderna?

2) A escola moderna foi caracterizada como uma instituição disciplinar. Que relações são possíveis de estabelecer entre os modos de significar tempo e espaço que emergem na modernidade e a disciplina?

3) A invenção da infância está ligada com o aparecimento de uma série de instituições voltadas para a captura dos corpos infantis, organizadas de modo disciplinar. Porém, havia diferentes instituições para a chamada infância de qualidade e a chamada infância rude. Em que essas insti-tuições diferiam?

20 Escola e Currículo

4) Que relações é possível estabelecer entre o funcionamento das fábricas e das escolas no século XIX?

5) A escola pública obrigatória é uma invenção europeia do século XIX. Quais seriam os seus principais objetivos?

????????

Capítulo ?

Teorias do Currículo1

1 Graduada em Pedagogia (UFRGS), Especialista em Educação Ambiental (La Sal-le), Mestre em Educação (UFRGS), Professora do Curso de Pedagogia ULBRA nas modalidades presencial e EaD.

Lisiane Gazola Santos1

Capítulo 2

22 Escola e Currículo

Introdução

No presente capítulo, você conhecerá algumas das principais linhas teóricas sobre currículo e os autores dessas teorias. Ao longo das incursões sobre o tema, você compreenderá a im-portância dos estudos sobre currículo nos cursos de formação de professores.

Para iniciar essa incursão, consideramos importante trazer as contribuições de Moreira e Garcia (2012) ao ratificarem a importância de manter, como tema central do campo do cur-rículo, o conhecimento escolar. Ou seja, os autores destacam a importância de manter a nossa atenção voltada constan-temente às novas discussões, às diferentes visões e às novas perspectivas sobre o que precisamos ensinar, como ensinar e para quem ensinar na escola.

Os referidos autores ainda contextualizam que, nos últimos trinta anos, no Brasil, assim como em outros países, os teóricos que tratam, estudam e pesquisam sobre currículo têm recaído seguidamente em duas perspectivas denominadas “currículo stricto sensu” e “currículo lato sensu”.

Como currículo stricto sensu, entende-se uma visão restrita, limitada apenas à escola, à sala de aula, aos conhecimentos abordados na escola. O currículo lato sensu, de acordo com os autores, é compreendido em uma concepção mais ampla, saindo da escola para o entorno da escola, para a sociedade e para a cultura na qual a escola está inserida. Um ponto de equilíbrio entre essas duas posições seria o ideal, pois o co-nhecimento escolar estaria em diálogo constante com o cur-

Capítulo 2 Teorias do Currículo 23

rículo de diferentes espaços, como o currículo da televisão, o da mídia, entre outros.

Diante do exposto, é possível compreender que o tema cur-rículo não se limita à escolha dos conteúdos, e, tampouco, dos conhecimentos a ser trabalhados em sala de aula. O tema currículo envolve questões muito mais abrangentes. Por isso, é necessário conhecer as teorias do currículo e seus principais autores.

1 Currículo: algumas definições

Antes de abordarmos as teorias do currículo, é interessante observar a pluralidade de definições sobre o termo. Para Silva (2011, p.15), o currículo:

[...] é sempre o resultado de uma seleção: de um univer-so mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais conheci-mentos devem ser selecionados, buscam justificar por que “esses conhecimentos” e não “aqueles” devem ser selecionados.

O autor ainda nos apresenta a etimologia da palavra cur-rículo: “vem do latim curriculum, pista de corrida, podemos dizer que no curso dessa corrida que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos” (SILVA, 2011, p.15).

24 Escola e Currículo

No artigo intitulado: Currículo e História: uma conexão ra-dical, Veiga-Neto (2001) se propõe a desenvolver reflexões so-bre a História entendida enquanto área de conhecimento e o currículo ou Teoria do Currículo e também nos apresenta uma definição instigante:

[...] currículo, enquanto artefato da educação escolari-zada inventado na passagem do século XVI para o sé-culo XVII. Assim estarei aqui usando a expressão Teorias do Currículo para designar um hoje amplo campo de conhecimento que se vale ora da sociologia, ora da história, ora da pedagogia, ora da economia, ora da epistemologia, ora da linguística – e todas elas nas suas mais variadas escolas, tendências ou perspectivas – para descrever, analisar – e, às vezes, intervir sobre aquilo que é tomado como conteúdo e prática de uma cultura e é trazido, explícita ou implicitamente, para ser ensinado na escola e que vem sendo designado, nos últimos quatro-centos anos, de “currículo”. (VEIGA-NETO, 2001, p. 94)

Em seu artigo O campo do currículo no Brasil: os anos noventa, Moreira (2002) se propôs a realizar uma pesquisa, constituída basicamente por entrevistas realizadas com espe-cialistas, que atuam como professores e pesquisadores nas principais universidades do país. O autor tinha por objetivo verificar como os especialistas percebem os rumos contem-porâneos do campo que eles mesmos ajudaram a construir. As entrevistas abordavam as seguintes temáticas: a teorização em currículo, o ensino de currículo na universidade e a prática na escola. Das respostas às questões formuladas por Moreira (2002), algumas delineiam concepções sobre o currículo e so-

Capítulo 2 Teorias do Currículo 25

bre o ensino de currículo na universidade, que acrescentam ao nosso presente estudo, são elas:

[...] o currículo deve ser concebido como artefato cultu-ral, como um campo de produção de cultura, além de reprodução de cultura, como um campo de conflito em torno da definição de conhecimento.

[...] discutir e, principalmente, os nossos esforços estão no sentido discutir associadamente teoria e prática de currículo. [...] eu penso que vamos também, nessa linha de novas temáticas para o estudo do currículo, chegando à questão do entendimento do currículo como alguma coisa extraescolar também. [...] se a formação do cida-dão está para além da escola e se à cidade cabe tam-bém a responsabilidade de educação do cidadão, que currículo é esse? É um currículo que tem que se ampliar e ser definido para além da escola (MOREIRA, 2002, p.67).

O autor Posner (2005), apesar de nos alertar sobre a im-possibilidade de alcançar o “verdadeiro significado” do termo currículo, também traz contribuições importantes, afirman-do que sua concepção não pode ser entendida como algo fixo, estável ou definitivo: deve adaptar as práticas concretas às questões emergentes dos diferentes ambientes educativos. O autor ainda acrescenta que não teríamos apenas um, mas sim, cinco currículos que se relacionam entre si. São eles: o currículo oficial, o currículo operativo, o currículo oculto, o currículo nulo e o currículo adicional. O currículo oficial se-ria aquele descrito nos documentos formais; seu propósito é

26 Escola e Currículo

possibilitar o planejamento do trabalho pedagógico, a avalia-ção dos estudantes e estabelecer parâmetros para a avaliação do trabalho pedagógico desenvolvido. O currículo operativo está relacionado com o que realmente o professor ensina, ou seja, a ênfase e o espaço que cada conhecimento recebe nas práticas e na avaliação da aprendizagem. O currículo oculto opera por meio de práticas e valores institucionais não clara-mente reconhecidos, mas com impacto significativo nos alu-nos; coloca em circulação “normas” sobre as mais diversas questões, como gênero, sexualidade, raça, etnia, classe social e o conhecimento escolar, entre outras temáticas. O currículo nulo se refere a temas ou conhecimentos não abordados ade-quadamente pelos professores; esse processo se dá pela falta de motivação, desinteresse ou pela falta de preparação. E por fim, o currículo adicional que representa aquelas atividades ou práticas planejadas e que complementam o currículo oficial, figuram como saídas de campo, feiras de ciência, campeona-tos esportivos.

Você já deve ter percebido que definir o termo currículo não se configura uma tarefa simples. Se buscarmos no dicionário a definição, encontraremos referências a um documento com os dados pessoais, à formação acadêmica, à experiência profis-sional de quem pretende se candidatar a um emprego, ou ain-da, a um conjunto das disciplinas de um curso. Apresentamos aqui definições mais restritas e definições mais amplas que remetem à seleção de conhecimentos, ou ainda como aquilo que é considerado como conteúdo e prática dentro de uma cultura para ser traduzido em conhecimento escolar e para além dos muros da escola, ampliando o conceito de currículo

Capítulo 2 Teorias do Currículo 27

percebendo os elementos da cultura (escolar e extraescolar) como constituidores das identidades dos alunos.

2 Teorias do Currículo

O que ensinar? O que nossos alunos devem saber? Quais conhecimentos necessários para formar o tipo de pessoas que consideramos desejáveis? Todas essas questões nos remetem à complexidade do campo curricular e podem ser respondi-das pelas teorias do currículo. De acordo com Silva (2011), a questão “o quê?” é central e serve como pano de fundo para as diferentes teorias do currículo, que se diferenciam pela ên-fase dada às discussões sobre a natureza humana, a natureza da aprendizagem, a natureza do conhecimento, da cultura e da sociedade. Nas palavras do autor:

Afinal, um currículo busca precisamente modificar as pes-soas que vão “seguir” aquele currículo. [...] na medida em que as teorias do currículo deduzem o tipo de conhe-cimento considerado importante justamente a partir de descrições sobre o tipo de pessoas que elas consideram ideal. [...] No fundo das teorias do currículo está, pois, uma questão de identidade (SILVA, 2011, p.15)

No livro intitulado Documentos de Identidade: uma intro-dução às teorias do currículo, Tomaz Tadeu da Silva nos apre-senta uma preciosa contribuição aos estudos das teorias do currículo, destacando as distintas maneiras pelas quais o cur-

28 Escola e Currículo

rículo é compreendido, constituído e narrado a partir de suas articulações com o poder.

As teorias do currículo que se identificam com as teorias tradicionais pretendem ser neutras, científicas e objetivas e isentas de relações com o poder. As teorias que se identificam com as teorias críticas e pós-críticas enfatizam que nenhuma teoria é neutra, científica, mas implica sempre em relações de poder e demonstra a preocupação com as articulações entre o saber, identidade e poder.

Para Silva (2011), as teorias de currículo se caracterizam pelos conceitos que enfatizam. A seguir, apresentaremos um resumo com as principais ideias e autores das teorias tradicio-nais, críticas e pós-críticas:

2.1 Teorias Tradicionais

As teorias tradicionais enfatizam ensino, aprendizagem, ava-liação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos. As teorias tradicionais são entendidas como “neutras, científicas e desinteressadas”. Lopes e Macedo (2011) apresentam considerações sobre o currículo no con-texto dos movimentos do início da industrialização norte ame-ricana e no Brasil com o Movimento da Escola Nova (1920). Nesse contexto, o que ensinar passa a ter um papel de desta-que no currículo, que passa a ser concebido como um plano formal de atividades. Na década de 1910, o taylorismo se evidencia na sociedade estadunidense que passa pelo proces-so de industrialização, abrindo espaço para a valorização da

Capítulo 2 Teorias do Currículo 29

“eficiência” da escola que juntamente com o currículo passam a ser instrumentos de controle social.

Em 1918, Franklin John Bobbitt, no livro The Curriculum (escrito em um momento crucial da história da educação es-tadunidense, em que diferentes forças econômicas políticas e culturais procuravam moldar os objetivos e as formas da educação de massas de acordo com suas diferentes visões), propunha que a escola funcionasse como qualquer outra em-presa comercial, tal como uma indústria. Em suma, Bobbitt desejava que o sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente os resultados. A educação deveria funcionar de acordo com os princípios da administração científica de Fre-derick Taylor.

Esse modelo de currículo encontrou sua consolidação nas produções de Ralph Tyler, que primavam pela organização e desenvolvimento. O modelo elaborado por Tyler do currículo visava responder a quatro questões básicas, que correspondem a divisões tradicionais da atividade educacional: currículo, en-sino, instrução e avaliação. Para Tyler, os objetivos deveriam ser claramente definidos e estabelecidos. É apenas por meio dessa formulação precisa dos objetivos que se pode responder às outras perguntas que constituem o paradigma de Tyler.

Na concepção da teorização tradicional, a relação entre o conhecimento e o currículo se vincula à manutenção de uma estrutura na qual a escola é compreendida como uma institui-ção que objetiva formar os sujeitos que terão as habilidades e os conhecimentos necessários para a produtividade econômi-ca e social. Assim, a organização curricular deve seguir a lógi-

30 Escola e Currículo

ca da eficiência de Bobbitt e a vinculação do currículo com ob-jetivos bem definidos, conforme a proposta de Tyler. De acordo com Lopes e Macedo (2011), John Dewey não apoiava a ideia da “eficiência” e defendia a importância de aliar o interesse da criança ao que se ensinava na escola, valorizando o processo de aprendizagem em oposição à formação de habilidades e à normatização de comportamentos específicos. O pensamento de Dewey iria influenciar outros autores, inclusive no Brasil, na década de 1920.

2.2 Teorias Críticas

Se nas teorias tradicionais do currículo a dita neutralidade científica era considerada, nas teorias críticas do currículo es-sas concepções são refutadas. As teorias críticas ponderam que não existem teorias neutras e desinteressadas: todas elas se articulam em relações de poder. Na década de 60, junta-mente com outras agitações e transformações, surgiram livros, ensaios e teorizações que discutiam o pensamento e a estrutu-ra educacional tradicional, que formaram as teorias críticas do currículo e efetuaram uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais.

Silva (2011) descreve a concepção de currículo na teori-zação crítica a partir da apresentação de autores como Louis Althusser, que, em seus estudos, desenvolve a concepção de aparelhos ideológicos de Estado, na qual a escola transmite a ideologia, que é constituída pelas crenças que nos levam a aceitar as estruturas sociais como boas e desejáveis, sendo transmitida por meio do seu currículo.

Capítulo 2 Teorias do Currículo 31

Bowles e Gintis enfatizam a aprendizagem por meio da vi-vência das relações sociais da escola, das atitudes necessárias para se qualificar como um bom trabalhador capitalista. Os teóricos chamam a atenção para a função reprodutora da es-cola e para a materialidade da ideologia. Para eles, a escola não contribui para esse processo propriamente por meio do conteúdo explícito de seu currículo, mas sim, por meio do seu funcionamento. Nessa concepção, nas escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados, os estudantes aprendem a subor-dinação; nas escolas dirigidas para a elite, os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia.

Para Bourdieu e Passeron, o currículo da escola está base-ado na cultura dominante, que é expresso na linguagem domi-nante e é transmitido por meio do código cultural dominante. Essa dinâmica coloca crianças da classe dominante e crianças da classe dominada em situação de desigualdade no que se refere ao acesso e à compreensão do conhecimento, das nor-mas, dos valores e das condutas.

Em 1973, com a I Conferência sobre Currículo realizada em Nova York, o movimento de reconceptualização ganhou visibilidade com a liderança de William Pinar. O movimento de reconceptualização tinha uma nova compreensão de currículo pautada principalmente nas teorias sociais europeias como a fenomenologia e a hermenêutica. Defendia a construção de um currículo diferente do tradicional, com espaço para as ex-periências de vida de cada pessoa, ou seja, rompia com a concepção de currículo imposta de acordo com as necessida-des econômicas, políticas e social vigentes. A fenomenologia acredita que o currículo é um local onde educador e educan-

32 Escola e Currículo

dos têm a possibilidade de examinar e interrogar os significa-dos cotidianos; o currículo é visto como experiência e como local de questionar essas experiências, rompe com a ideia de conhecimento científico e conceitual.

Para Michael Apple, não é suficiente estabelecer um vín-culo entre educação e currículo e as estruturas econômicas e sociais mais amplas. O autor coloca o currículo no centro das teorias educacionais críticas, vendo o currículo em termos estruturais e relacionais; o currículo não é um corpo neutro, inocente e desinteressado de conhecimento. A seleção que constitui o currículo é o resultado de um processo que reflete os interesses particulares das classes e grupos dominantes.

A argumentação sobre o currículo como política cultural é desenvolvida por Henry Giroux. É na escola, e por meio do currículo, que o aluno deve desenvolver habilidades democrá-ticas, protagonizando discussões, participando ativamente do questionamento dos pressupostos do senso comum da vida social. Para Giroux, o currículo envolve a construção de signi-ficados e valores culturais. O currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de “fatos” e conhecimentos “ob-jetivos” (SILVA, 2011, p. 55).

Em 1971, Michael Young publica o livro Knowledge and control e juntamente com os ensaios de outros autores lança as bases da crítica ao currículo na Inglaterra, conhecida como “Nova Sociologia da Educação” (NSE). Os autores buscavam questionar a seleção e organização do conhecimento esco-lar. Uma perspectiva curricular inspirada pelo programa da NSE buscaria construir um currículo que refletisse as tradições

Capítulo 2 Teorias do Currículo 33

culturais e epistemológicas dos grupos subordinados e não apenas dos grupos dominantes. A NSE iria se dissolver numa variedade de perspectivas teóricas: feminismo; estudos sobre gênero, raça e etnia; estudos culturais; pós-modernismo; pós--estruturalismo. A ideia inicial da NSE, representada na noção de “construção social”, permanece atual e importante.

2.3 Teorias Pós-Críticas

Como foi possível observar a partir da teorização crítica, o co-nhecimento e o poder não se opõem: eles estão relacionados. As teorias pós-críticas percebem essa relação de uma maneira diferenciada, considerando ainda produtivo refletir e proble-matizar as conexões existentes entre significado, identidade e poder. O currículo, nessa concepção, está intimamente rela-cionado com os processos de formação dos sujeitos, ou seja, o currículo passa a ser entendido como questão de identidade e poder. As discussões no campo dos estudos sobre currícu-lo passam a se ocupar com a cultura, entendida aqui como campo de luta em torno da significação social. A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes gru-pos sociais, situados em posições diferenciais do poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla. É um campo onde se define a forma como as pessoas e os grupos devem ser.

Situam-se nessa concepção o Multiculturalismo e os Estu-dos Culturais preocupados com questões na conexão entre cultura, significação, identidade e poder. De acordo com Silva (2011, p.85), o multiculturalismo “é um movimento legítimo de reinvindicação dos grupos culturais dominados [...] para

34 Escola e Currículo

terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional”.

O autor ainda acrescenta que, a partir dos Estudos Cultu-rais, podemos ver o conhecimento e o currículo como campos culturais, sujeitos à disputa de poder nos quais os diferentes grupos tentam estabelecer sua hegemonia.

Nas argumentações de Silva (2011) sobre as teorias pós-críticas, destacam-se ainda autores e estudiosos que con-sideram as manifestações da dita “pedagogia cultural”, ou seja, as instituições ou instâncias culturais que disseminam co-nhecimentos, normas e valores próprios.

Diversos autores se dedicaram a analisar essa forma de currículo e inauguraram a “crítica cultural do currículo”. É o caso de Henry Giroux, que analisou os trabalhos da Dis-ney destacando que a aparente imagem inofensiva dos per-sonagens está carregada de pressupostos etnocêntricos que moldam as identidades infantis e juvenis de uma forma bem particular. Outra análise interessante é apresentada por Joe Kincheloe sobre os enfoques publicitários do McDonald’s, que nos traz a imagem conservadora de uma família americana. Sobre o universo infantil e a indústria cultural, Shirley Steinberg pontua o currículo contido na imagem da boneca Barbie e o chama de “kindercultura”.

A teoria pós-crítica, de acordo com Silva (2011), traz ele-mentos e ferramentas para nos aproximarmos do entendimen-to do currículo, do conhecimento, das relações de poder e das identidades, além de nos inserir nas discussões presentes na cena social e cultural contemporânea. Essas discussões pro-

Capítulo 2 Teorias do Currículo 35

blematizam, por exemplo, a aproximação de instituições, an-tigamente consideradas distintas e separadas e hoje cada vez mais próximas da escola. Também abordam como a internet torna cada vez mais difícil distinguir o conhecimento escolar, o conhecimento cotidiano e o conhecimento da cultura de mas-sa. Assim, nós, professores ou futuros professores, passamos então a perceber a real necessidade de nos apropriarmos das discussões sobre a crítica curricular ou crítica cultural. Para desenvolver nosso trabalho como educadores engajados e comprometidos, precisamos considerar que indústria cultural e currículo escolar sejam artefatos culturais, que produzem iden-tidades com base na relação de poder.

As perspectivas críticas do currículo concentraram seu foco de análise nas desigualdades sociais, deixando de abordar outras dimensões, que a teorização pós-crítica passou a ques-tionar, tais como o papel da raça, do gênero e da sexualidade no processo de produção e reprodução dessa desigualdade.

3 Por que estudar sobre currículo na formação de professores

Para concluir esse capítulo e na expectativa de que tenhamos despertado a curiosidade para a continuidade dos estudos sobre o currículo, é importante destacar que a maneira de apresentar as teorias do currículo aqui registrada não se con-figura a única possibilidade de organização e análise sobre o tema. Nesse espaço, também se fez necessário dar visibilidade

36 Escola e Currículo

a alguns autores em detrimento de outros; enfim, realizar uma seleção e organização do conhecimento.

Moreira e Garcia (2012) acrescentam as seguintes afirma-ções:

Certamente o professor não precisa dominar apenas o conteúdo que ensina. Precisa de conhecimentos didá-ticos, de conhecimentos mais amplos sobre o processo educativo e o papel da escola no mundo de hoje, precisa entender as relações entre o processo educativo, a esco-la e cultura. Precisa pensar em como se deve responder à situação de desigualdade e à diversidade cultural que encontramos em nossa sociedade [...]. Precisa refletir so-bre as identidades sociais que a escola tem ajudado a construir e que outras identidades poderiam ser pensa-das (MOREIRA e GARCIA, 2012, p.13 e 14).

A partir dessas concepções, temos a possibilidade de enca-rar de modo diferenciado as possíveis relações entre a escola e as culturas, não mais aceitando passivamente os significados construídos na modernidade, nos quais a escola é vista como espaço de propagação e transmissão de uma determinada e privilegiada cultura. Nas palavras de Veiga-Neto (2003), as mudanças na percepção das relações entre cultura e edu-cação, e, no próprio entendimento dessas, levou-nos a um embate no qual se reconfiguram a pedagogia e a escola em “arenas privilegiadas, onde se dão violentos choques teóricos e práticos em torno de infinitas questões culturais” (p. 5). Nes-ses contextos, determinados significados são reproduzidos e recolocados, reelaborando práticas culturais, além das formas

Capítulo 2 Teorias do Currículo 37

pelas quais os sujeitos, continuamente, se identificam e consti-tuem as suas identidades.

Recapitulando

Durante o estudo do presente capítulo foi possível observar que as discussões sobre currículo vão além da definição dos conteúdos que devem ser estudados nas escolas, o currículo compreende um campo mais amplo de debate, segundo algu-mas concepções teóricas, o currículo compreende até mesmo a constituição de identidades. A partir das teorias críticas de currículo, o conhecimento e o poder não se opõem: eles es-tão relacionados. As teorias pós-críticas consideram a relação conhecimento/poder de uma maneira diferenciada, trazendo a reflexão sobre as conexões existentes entre significado, iden-tidade e poder. O currículo, nessa concepção, está intimamen-te relacionado com os processos de formação dos sujeitos e poder. As discussões no campo dos estudos sobre currículo passam a enfocar também a cultura, entendida aqui como campo de luta em torno dos significados sociais construídos e reconstruídos constantemente.

Referências

Dicio – Dicionário online de Português. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/curriculo/> Acesso em: 29 jul. 2016.

38 Escola e Currículo

LOPES, Alice C.; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011.

MOREIRA, Antônio Flavio. O campo do currículo no Brasil: os anos noventa. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Didática, Currículo e Saberes Escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

MOREIRA, Antônio Flavio; GARCIA, Regina Leite Começando uma conversa sobre currículo. In: ______. (Orgs.). Cur-rículo na Contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2012)

POSNER, George. Análisis de Currículo. 3. ed. Trad. Miguel Ángel Martínez Sarmiento. Bogotá: MacGraw-Hill, 2005)

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias de currículo. Belo Horizonte: Au-têntica, 2011.

VEIGA-NETO, Alfredo. Currículo e História: uma conexão radi-cal. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). O currículo nos li-miares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

______. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação. .23) Mai/jun/ago, 2003) p. 5-15.

Atividades

1) Diferencie as teorias tradicionais do currículo e as teorias críticas e pós-críticas em relação ao poder:

Capítulo 2 Teorias do Currículo 39

2) Sobre as teorias do currículo é possível afirmar:

I. As teorias do currículo que se identificam com as teo-rias críticas são neutras, científicas e objetivas.

II. As teorias pós-críticas atribuem um papel preponde-rante nas relações de poder, pois consideram que es-tas se relacionam diretamente com os processos de formação dos sujeitos.

III. As teorias tradicionais privilegiam a eficiência e os ob-jetivos bem definidos.

As afirmações corretas são:

a) Todas estão corretas.

b) Todas estão incorretas.

c) Apenas I e II

d) Apenas II e III

e) Apenas I e III

3) A partir da leitura do capítulo, elabore um texto com 10 linhas conceituando currículo:

4) Os autores Moreira e Garcia nos apresentam os conceitos de currículo stricto sensu e currículo lato sensu. Explique a diferença entre os dois conceitos:

5) Leia com atenção o seguinte excerto:

Certamente o professor não precisa dominar apenas o conteúdo que ensina. Precisa de conhecimentos didáticos, de

40 Escola e Currículo

conhecimentos mais amplos sobre o processo educativo e o papel da escola no mundo de hoje, precisa entender as re-lações entre o processo educativo, a escola e cultura. Precisa pensar em como se deve responder à situação de desigualdade e à diversidade cultural que encontramos em nossa sociedade [...]. Precisa refletir sobre as identidades sociais que a escola tem ajudado a construir e que outras identidades poderiam ser pensadas (MOREIRA e GARCIA, 2012, p.13 e 14).

O estudo sobre as teorias do currículo na Formação de professores justifica-se pois,

a) o professor necessita eleger sua listagem de conteúdos mínimos a ser transmitidos aos seus alunos.

b) o professor precisa ter uma visão crítica sobre a escola e as culturas e sua prática deve contemplar a diversi-dade presente em nossa sociedade.

c) o professor deve reproduzir o mesmos conteúdos que estão presentes nos livros didáticos.

d) o professor na sua prática deve enfatizar exclusiva-mente ensino, aprendizagem e eficiência.

e) o professor deve abordar na sua prática pedagógica os conteúdos clássicos garantindo acesso qualificado do conhecimento aos alunos.

????????

Capítulo ?

Novos Tópicos para o Currículo12

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Profes-sora do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil; Pesquisadora Produtividade do CNPq (PQ2).

2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Pro-fessora do curso de Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil.

Iara Tatiana Bonin1

Daniela Ripoll2

Capítulo 3

42 Escola e Currículo

Introdução

Temos acompanhado debates, com intensidade crescente, sobre o caráter monocultural, heretonormativo, falocêntrico, colonial que orienta os currículos escolares. O entendimen-to de que é necessário reconhecer e valorizar distintas etnias, culturas, crenças, identidades sexuais, etárias, de gênero, por exemplo, está amplamente respaldado em lutas de movimen-tos sociais, bem como em uma vasta produção acadêmica de pesquisadores que se dedicam à temática das diferenças. Ainda assim, é necessário reconhecer que são tímidos os pas-sos dados na direção de construir propostas curriculares que acolham as diferenças e apostem em sua produtividade. E, no plano das deliberações políticas e legislativas, vemos cres-cer uma tendência conservadora, fundamentalista e moralista que, entre outras iniciativas, propõe a fixação de um modelo único de família e sustenta que a discussão sobre gênero e sexualidade na escola seriam algum tipo de ideologia que co-locaria em risco a educação das crianças e jovens.

Observa-se que os processos de globalização, intensi-ficados no último século, têm alterado significativamente os espaços, as rotinas, as experiências individuais e coletivas, e colaboram para colocar em relação distintas formas de co-nhecimento, variadas crenças, diferentes maneiras de conce-ber e dar sentido à vida. Conforme Stuart Hall (2000), nossas experiências cotidianas são marcadas por acontecimentos lo-cais, mas, ao mesmo tempo, por reordenamentos globais, a exemplo de novas ordens políticas e econômicas interconecta-das, do capital transnacional, do fluxo intenso de mensagens

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 43

e de imagens que constituem o nosso dia a dia, mediado por sempre novas e mais ágeis tecnologias de comunicação e in-formação, da instantaneidade e da velocidade com que se produz e se consome (o que torna mercadorias rapidamente obsoletas), das lutas de movimentos sociais, com expressões múltiplas, que ultrapassam fronteiras geográficas tradicionais, entre outros.

Tal como argumenta Hall (1997, p. 5), o ritmo da mudança que ocorre atualmente é bastante diferente em diversas partes do globo, mas são raros os lugares que estão fora do alcance dessas forças culturais globais, que desorganizam e deslocam as identidades nacionais, as formas de exercício da cidadania, as expectativas e projetos das pessoas. Nossas experiências cotidianas, que se desenrolam num mundo interconectado e num amplo mosaico de identidades e de diferenças, confron-tam e abalam a ambição moderna de constituir estruturas só-lidas, inteiriças, unificadas, coesas.

Nesse contexto de rápidas transformações, acontecimentos de ordem mundial, tais como as migrações, os conflitos étni-cos, a pobreza e a marginalidade nos grandes centros urbanos mostram que já não é possível ignorar as desigualdades, e que a escola é, também, maquinaria implicada na produção de exclusões. Não é por acaso que as estatísticas mostram uma imensa disparidade entre brancos e negros, homens e mulheres, pessoas oriundas de classe alta, média e popular no acesso e permanência no sistema escolar e no alcance dos níveis mais elevados de ensino (MOREIRA, 2007).

44 Escola e Currículo

A consciência de que vivemos num mundo heterogêneo nunca esteve tão viva, e a ideia de que “somos todos diferen-tes” e que não deve haver primazia de uma identidade sobre outra vai sendo dinamizada por lutas políticas empreendidas por movimentos sociais – feministas, negros, indígenas, LGBT-TT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Trans-gêneros). Tais lutas colocam, para os currículos, novas ques-tões: a primeira diz respeito a um entendimento de que é a pluralidade e não a unidade que nos constitui, como seres humanos, e, portanto, é preciso escapar de abordagens eu-rocêntricas, monoculturais, heteronormativas, por exemplo; a segunda diz respeito ao caráter de luta (por reconhecimento, mas também por recursos culturais, materiais, territoriais, pro-dutivos) implicado com o reconhecimento das diferenças – e isso mostra que há uma dimensão política em jogo e que não se trata apenas de uma retórica de tolerância. A terceira ques-tão refere-se às relações de poder a partir das quais se defi-nem quais identidades têm lugar na escola, o que nos remete ao caráter histórico, contextual, construído das identidades e diferenças, bem como aos seus significados que se disputam e se definem apenas provisoriamente. Junto ao reconhecimen-to de que somos diferentes e de que vivemos em sociedades plurais, parece relevante pensarmos sobre as representações que construímos dos outros, e o lugar que eles ocupam nas estruturas curriculares que construímos.

As lutas de movimentos sociais e as políticas representa-cionais contemporâneas impulsionam também modificações nas bases normativas e nas políticas públicas de nosso país, constituindo, por um lado, a obrigatoriedade da abordagem de certos temas nos currículos escolares (história, arte, cultura

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 45

afro-brasileira e indígena, por exemplo) e, por outro lado, a suspeita ou a recusa da abordagem de outros temas (gênero e sexualidade, por exemplo), a partir de perspectivas conser-vadoras que advogam pela suposta “neutralidade” do saber escolar. É sobre a obrigatoriedade da abordagem de alguns temas, nos currículos da Educação Básica, que discorremos na continuidade desse capítulo.

1 A Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003

Esta lei, sancionada em 9 de janeiro de 2003, resultou de um intenso movimento de luta de diferentes segmentos sociais, em especial dos coletivos do movimento negro.

O teor da Lei 10.639/2003 alterou o disposto nos artigos 26 e 79 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A partir da Lei 10.639/2003, se estabelece que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”. Conforme o texto le-gal, o conteúdo programático para as escolas de Educação Bá-sica incluirá, obrigatoriamente, “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasi-leira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” (§ 1º).

Quanto ao modo como tal inserção se dará, a lei determi-na: “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasi-

46 Escola e Currículo

leira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras” (§ 2º). Por fim, acrescenta-se ao Artigo 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que versa sobre o apoio técnico e financeiro que deverá ser pres-tado pela União para assegurar uma educação intercultural às comunidades indígenas, a Lei 10.639/2003 estabelece a inclusão de um adendo – o artigo 79-B, com o seguinte teor: o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

A Lei 11.645/2008 também alterou o Artigo 26 da LDB, para incorporar a temática indígena, e a redação dada por essa lei foi a seguinte:

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere esse ar-tigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas so-cial, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro--brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão minis-trados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 47

nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.

Vale destacar que, em 1988, a Constituição Federal esta-beleceu um importante princípio para as relações do Estado Brasileiro com os indígenas, pois as Constituições Federais an-teriores, quando mencionavam os indígenas, o faziam desde uma perspectiva integracionista que previa a dissolução das diferenças como forma de produção de uma nação unifica-da e homogênea. Já na atual, são reconhecidas aos indíge-nas suas identidades étnicas, suas práticas culturais, sociais, educacionais, religiosas e também é resguardado o usufruto exclusivo sobre as terras tradicionais que eles habitam. Além disso, a Constituição abre a possibilidade para se pensar a temática indígena como parte dos assuntos que interessam à escola, uma vez que reconhece, por um lado, a relevância histórica dessas culturas na produção da nacionalidade e, por outro lado, a presença atual e os projetos societários distintos que esses povos vão produzindo.

Além das leis referidas até aqui, pode-se indicar um con-junto de outros documentos que ampliam ou detalham direitos dos indígenas e afro-brasileiros. Nesse sentido, em 2010 o Conselho Nacional de Educação editou a Resolução CNE/CEB n. 4/2010, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, indicando, por um lado, o in-cremento da inclusão escolar e, por outro lado, um adequado tratamento das diferenças sociais, culturais, raciais, sexuais e de gênero na abordagem curricular. E, para assegurar que os sistemas e instituições de ensino cumpram o estabelecido na Lei 11.645/2008, em 2011 o Ministério da Educação – atra-

48 Escola e Currículo

vés da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Di-versidade e Inclusão – editou o Plano Nacional de Implemen-tação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação para as Relações Étnico-raciais. Nesse Plano, constam indicativos para que as escolas reformulem seu Projeto Político Pedagó-gico, adequando o currículo ao ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena.

Já para as instituições de ensino superior, o mesmo docu-mento afirma, entre outras coisas, que é necessário:

a) incluir conteúdos e disciplinas curriculares relaciona-dos à Educação para as relações étnico-raciais nos cursos de graduação do Ensino Superior;

b) desenvolver atividades acadêmicas, encontros e jorna-das destinados à discussão das relações étnico-raciais;

c) dedicar especial atenção aos cursos de licenciatura e formação de professores, garantindo formação ade-quada sobre a história e a cultura afro-brasileira in-dígena, considerando os conteúdos propostos na Lei 11.645/2008;

d) desenvolver nos discentes do ensino superior atitudes que lhes permitam contribuir para a educação das re-lações étnico-raciais com destaque para sua capacita-ção na produção e análise crítica de livros, materiais didáticos e paradidáticos que estejam em consonância com as Diretrizes Curriculares para Educação das Re-lações Étnico-Raciais e com a Lei 1.1645/2008 (BRA-SIL, 2008).

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 49

É importante registrar que o atendimento educacional das populações indígenas tem um conjunto específico de norma-tivas que resguardam a esses povos o direito a construir pro-postas curriculares específicas que contemplem suas distintas culturas, respeitando a determinação contida na Constituição Federal de 1988. Admitindo que a educação é um processo que ocorre de modos distintos e por meio de pedagogias e ins-tituições próprias em cada cultura, a Constituição reconhece aos índios, no Artigo 231, “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” e, no Artigo 210, § 2º, “a utiliza-ção de suas línguas maternas e processos próprios de apren-dizagem”. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional menciona-se o desenvolvimento de “programas integrados de ensino e pesquisa” visando: fortalecer as práticas sociocultu-rais e a língua materna de cada comunidade indígena; manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas; desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conte-údos culturais correspondentes às respectivas comunidades; elaborar e publicar sistematicamente material didático especí-fico e diferenciado (Art. 79, § 2).

Ainda sobre a educação escolar destinada aos povos indí-genas, a edição do Decreto 6.861, de 27 de maio de 2009, altera o modelo de gestão para estas escolas, definindo sua organização em territórios etnoeducacionais. De acordo com esse documento,

cada território etnoeducacional compreenderá, indepen-dentemente da divisão político-administrativa do País, as terras indígenas, mesmo que descontínuas, ocupadas

50 Escola e Currículo

por povos indígenas que mantêm relações intersocietá-rias caracterizadas por raízes sociais e históricas, rela-ções políticas e econômicas, filiações linguísticas, valores e práticas culturais compartilhados. (Art. 6º, parágrafo único)

O conselho Nacional de Educação desdobrou esses direi-tos específicos para as escolas indígenas em diretrizes curricu-lares nacionais, através do Parecer CNE/CEB nº 13/2012 e da Resolução CNE/CEB nº 05/2012):

No que se refere à educação superior, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece que “o atendi-mento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universida-des públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais. (Art. 79, § 3º)

Considerando as determinações feitas no âmbito legislati-vo, resta entender como elas se traduzem, no âmbito político e no plano de ação concreta das escolas de Educação Básica existentes em todo o país. Cabe, então indagarmos: como os projetos político-pedagógicos têm incorporado as temáticas afro-brasileira e indígena? De que modo as redes de ensino têm proporcionado aos professores aportes para uma abor-dagem contextualizada, atual e abrangente dessas temáticas? Em que medida as notícias sobre lutas dos povos indígenas, dos negros e de outros coletivos que buscam assegurar direi-tos estabelecidos na Constituição Federal brasileira chegam às escolas?

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 51

2 A Educação Ambiental e o currículo

As preocupações de grupos ligados ao ambiente e à conserva-ção da natureza começam a surgir, em nível mundial, nas dé-cadas de 1950 e 1960, aprofundando-se entre os anos 1970 e 1990 no Brasil. Em 1952, o smog – uma névoa tóxica, de origem industrial e, também, proveniente da queima domici-liar de carvão – matou milhares de pessoas em Londres, “a capital do país que originou a Revolução Industrial, no século XVIII” (BRASIL, 1998, p. 25). É importante considerar que, no mundo Pós-Segunda Guerra Mundial, houve uma intensa in-dustrialização acompanhada da reconstrução de muitas cida-des europeias, o que gerou uma série de ameaças ambientais e, em contrapartida, inúmeras repercussões socioculturais: a aprovação de leis antipoluição (ver a “Lei do Ar Puro” – Cle-an Air Act de 1956 e 1968, na Inglaterra), a emergência dos movimentos ambientalistas (na Europa e nos Estados Unidos) a partir dos anos 1960 e, especialmente, a reforma no ensino de Ciências nos Estados Unidos, “com a introdução da te-mática ambiental, mesmo que de forma ainda ‘reducionista’” (BRASIL, 1998, p. 25) e a criação do Conselho para Educação Ambiental na Inglaterra, em 1968. Esse Conselho reuniu mais de cinquenta organizações voltadas para a discussão de temas envolvendo o ambiente e a educação, e seis países europeus – Dinamarca, Finlândia, França, Islândia, Noruega e Suécia – “emitiram deliberações oficiais a respeito da introdução da educação ambiental no currículo escolar” (BRASIL, 1998, p. 28). Além disso, nessa mesma época, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) realizou um estudo sobre o meio ambiente e a escola, junto

52 Escola e Currículo

aos seus países-membros, e ponderou que: “a Educação Am-biental não deveria constituir-se em uma disciplina específica no currículo das escolas, tendo em vista sua complexidade e a interdisciplinaridade”, e que “o ambiente não deveria ser apre-sentado só como entorno físico, mas compreendendo também os aspectos sociais, culturais, econômicos etc., que são inter--relacionados” (BRASIL, 1998, p. 28). Além disso, a referida pesquisa da UNESCO também mostrou que o estudo do meio ambiente deveria começar pelo entorno imediato – para que, progressivamente, os sujeitos pudessem descobrir os ambien-tes mais distantes. Essas diretrizes são globalmente seguidas, ainda hoje, pelos educadores ambientais.

No Brasil, os anos 1970 são notadamente marcados pela Ditadura Civil-Militar,1 por retrocessos sociais de toda a or-dem, por uma série de projetos supostamente desenvolvimen-tistas (com expansão de indústrias, implantação de grandes projetos de infraestrutura, etc.)2 e, justamente em função disso, por grande preocupação ambiental. O governo brasileiro não participou da Conferência Intergovernamental sobre Educa-ção Ambiental de Tbilisi,3 na antiga União Soviética, em 1977, mas produziu aquilo que seria o primeiro documento oficial

1 Leia mais sobre a Ditadura Civil-Militar no Brasil em https://pt.wikipedia.org/wiki/Ditadura_militar_no_Brasil_(1964%E2%80%931985), acesso em outubro de 2016.

2 Para saber mais sobre a relação entre a Ditadura Civil-Militar e o projeto de-senvolvimentista (o “Milagre Econômico” dos “anos de chumbo”), leia https://pt.wikipedia.org/wiki/Milagre_econ%C3%B4mico_brasileiro, acesso em outubro de 2016.

3 Leia a íntegra da Carta de Tbilisi no site: http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/decltbilisi.pdf, acesso em outubro de 2016.

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 53

sobre a Educação Ambiental no país. esse documento define que a Educação Ambiental é um processo cujo objetivo é

criar uma interação mais harmônica, positiva e perma-nente entre o homem e o meio criado por ele, dum lado, e o que ele não criou, de outro e que, para isso, se deve-ria considerar o ambiente ecológico em sua totalidade: o político, o econômico, o tecnológico, o social, o legisla-tivo, o cultural e o estético na educação formal. (BRASIL, 1998, p. 39)

Cerca de dez anos mais tarde, a Constituição Federal de 1988 dedicaria todo um capítulo ao Meio Ambiente e estabe-leceria que

todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)

De acordo com a Constituição Federal de 1988, ao Poder Público caberia, dentre muitos aspectos: a preservação, a res-tauração e o manejo dos processos ecológicos, das espécies e dos ecossistemas brasileiros; a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético da natureza no país; a definição de espaços territoriais a ser especialmente prote-gidos; a exigência da realização de estudos prévios de impac-to ambiental para toda a obra ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente; a proteção da fauna e da flora, proibindo práticas que as coloquem em risco ou, ainda, práticas que provoquem a extinção de espécies ou

54 Escola e Currículo

submetam os animais a crueldade; e, finalmente, a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio am-biente (BRASIL, 1988).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) estabelece, no que diz respeito à Educação Ambiental, que os currículos do ensino fundamental e médio devem incluí-la de forma integrada aos conteúdos obrigató-rios. Tal forma integrada de abordagem desembocou, de certa forma, na instituição do Meio Ambiente como um dos Temas Transversais4 (juntamente com a Ética, a Saúde, a Orientação Sexual e a Pluralidade Cultural). Os referidos documentos (BRASIL, 1997a; 1997b) incentivavam professores e pro-fessoras a investigar informações, valores e procedimentos aprendidos em casa (para propor, na escola, novos compor-tamentos e atitudes referentes ao ambiente e à natureza), bem como eram instruídos a prestar atenção aos meios de comuni-cação, por exemplo, já que

o rádio, a TV e a imprensa constituem uma fonte de in-formações sobre o Meio Ambiente para a maioria das pessoas, sendo, portanto, inegável sua importância no desencadeamento dos debates que podem gerar trans-formações e soluções efetivas dos problemas locais. No

4 Os Temas Transversais apresentam, como finalidade, o desenvolvimento, no alu-nado, da “capacidade de posicionar-se diante das questões que interferem na vida coletiva, superar a indiferença, intervir de forma responsável. Assim, os temas elei-tos, em seu conjunto, devem possibilitar uma visão ampla e consistente da realida-de brasileira e sua inserção no mundo, além de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participação social dos alunos” (BRASIL, 1997b).

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 55

entanto, muitas vezes, as questões ambientais são abor-dadas de forma superficial ou equivocada pelos diferen-tes meios de comunicação. (BRASIL, 1997a, p. 187)

Assim, além de propor a utilização dos meios de comunica-ção como uma forma de iniciar as discussões em sala de aula, a apresentação do Tema Transversal “Meio Ambiente” também apresentava, como proposta de trabalho, a leitura crítica dos meios de comunicação:

Desenvolver essa postura crítica é muito importante para os alunos, pois isso lhes permite reavaliar essas mesmas informações, percebendo os vários determinantes da lei-tura, os valores a elas associados e aqueles trazidos de casa. Isso os ajuda a agir com visão mais ampla e, por-tanto, mais segura ante a realidade que vivem. Para tan-to, os professores precisam conhecer o assunto e buscar com os alunos mais informações, enquanto desenvolvem suas Atividades pesquisando em livros e levantando da-dos, conversando com os colegas das outras disciplinas, ou convidando pessoas da comunidade (professores especializados, técnicos de governo, lideranças, médi-cos, agrônomos, moradores tradicionais que conhecem a história do lugar etc.) para fornecer informações, dar pequenas entrevistas ou participar das aulas na escola. Ou melhor, deve-se recorrer às mais diversas fontes: dos livros, tradicionalmente utilizados, até a história oral dos habitantes da região. Essa heterogeneidade de fontes é importante até como medida de checagem da precisão das informações, mostrando ainda a diversidade de in-terpretações dos fatos (BRASIL, 1997a, p. 188).

56 Escola e Currículo

Mas as questões mais especificamente relacionadas ao ambiente e à Educação Ambiental só foram efetivamente con-solidadas com a aprovação da Lei 9.795/1999, que dispõe sobre a Educação Ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental. A Lei 9.795/19995 estabelece a Educa-ção Ambiental como um componente essencial e permanen-te da Educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades educativas, em caráter formal e não formal. Mas, quase vinte anos desde a implantação da referida Lei, verifica-se que a abordagem da Educação Ambiental na escola básica continua sendo epi-sódica, reducionista, simplista, meramente pragmática e assustadoramente descontextualizada da vida cotidiana. Constata-se, na prática, que há uma verdadeira “febre” na escola básica no que diz respeito à reutilização de garrafas PET para a construção de brinquedos, jogos, modelos, etc. (como se tal prática resolvesse – ou minimizasse – a questão da geração de lixo). Outra “febre” tem a ver com a mera insta-lação de lixeiras coloridas específicas para ensinar às crianças que (supostamente) há um local exato para cada coisa a ser descartada. Ainda, guias, cartilhas e diversos sites de internet costumam fornecer dicas de reciclagem que são, então, repas-sadas às crianças – além de mostrar quais práticas cotidianas desperdiçam recursos naturais e, portanto, devem ser evita-das (escovar os dentes com a torneira aberta, por exemplo). Em várias instâncias culturais – e, inclusive, nos livros didáti-cos – percebe-se a problemática prevalência de um discurso

5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9795.htm, acesso em setembro de 2016.

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 57

pessimista de responsabilização individual dos sujeitos (pelas mudanças climáticas, pela escassez de água, etc.) articulado a um (ainda mais forte) apelo à retórica do “cada um faz a sua parte”. Tal simplificação das questões ambientais na escola (e, também, fora dela) é explicada por Layrargues (2002) tendo como mote o lixo. Segundo ele (op. Cit.),

apesar da complexidade do tema, muitos programas de educação ambiental na escola são implementados de modo reducionista, já que, em função da reciclagem, desenvolvem apenas a Coleta Seletiva de Lixo, em de-trimento de uma reflexão crítica e abrangente a respeito dos valores culturais da sociedade de consumo, do con-sumismo, do industrialismo, do modo de produção capi-talista e dos aspectos políticos e econômicos da questão do lixo. (p. 1).

O autor refere ainda que

pouco esforço tem sido dedicado à análise do significa-do ideológico da reciclagem, em particular da lata de alumínio (material que mais se destaca entre os reciclá-veis), e suas implicações para a educação ambiental re-ducionista, mais preocupada com a promoção de uma mudança comportamental sobre a técnica da disposição domiciliar do lixo (coleta convencional x coleta seletiva) do que com a reflexão sobre a mudança dos valores cul-turais que sustentam o estilo de produção e consumo da sociedade moderna. (LAYRARGUES, 2002, p. 1)

58 Escola e Currículo

Leia mais sobre a Educação Ambiental no Brasil no Portal do MEC:http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/194-secretarias-112877938/

secad-educacao-continuada-223369541/13639-educacao-ambiental-publicacoes

Recapitulando

Neste capítulo, apresentamos argumentos sobre o currícu-lo como um tecido vivo e dinâmico, que vai sendo constitu-ído a partir de variáveis interesses, intencionalidades, lutas e demandas sociais. Novas temáticas são incorporadas, como componentes obrigatórios, e isso se deve a intensos movimen-tos de luta social e de constantes jogos de força que vão se desenrolando. Nada está, portanto, estabilizado e definitiva-mente instituído nos currículos. Um tópico que mereceu aten-ção, quando se trata das novas temáticas incorporadas aos currículos, é o das diferenças. O currículo constitui e reforça certas identidades, a partir das quais se define e se estabelece o que conta, o que deve ser estudado nas escolas brasileiras. “Outros temas” quase sempre têm relação com os “outros” do currículo – ou seja, aqueles que não compõem a identidade referencial, a partir da qual se tramam os “fios” com os quais o “tecido curricular” se organiza. E como temos entendido esses “outros”?

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 59

Constituicao/Constituicao.htm, acesso em setembro de 2016.

______. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que esta-belece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm, acesso em outubro de 2016.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Am-biente, Saúde. Secretaria de Educação Fundamental. Bra-sília, DF: 1997a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/meioambiente.pdf, acesso em agosto de 2016.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais, ética. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro081.pdf, acesso em agosto de 2016.

______. Coordenação de Educação Ambiental do Ministério da Educação e do Desporto. A implantação da Educa-ção Ambiental no Brasil. Brasília, DF: 1998. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001647.pdf, acesso em agosto de 2016.

______. Lei 9.795 de 27 de abril de 1999, que dispõe so-bre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9795.htm, acesso em se-tembro de 2016.

60 Escola e Currículo

LAYRARGUES, Philippe Pomier. O cinismo da reciclagem: o significado ideológico da reciclagem da lata de alu-mínio e suas implicações para a educação ambiental. https://www.researchgate.net/profile/Philippe_Layrar-gues/publ icat ion/237655129_O_CINISMO_DA_RECICLAGEM_o_significado_ideolgico_da_reciclagem_da_lata_de_alumnio_e_suas_implicaes_para_a_educao_ambiental_1/links/55e0b7ac08aecb1a7cc5350c.pdf, acesso em outubro de 2016.

MOREIRA, Antônio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Currículo, Conhecimento e Cultura. In: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007, p. 17-48.

HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

TRAJBER, Rachel; MENDONÇA, Patrícia Ramos. Educação na diversidade: o que fazem as escolas que dizem que fa-zem educação ambiental. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007.

Atividades

1) Assista ao filme “Vista a Minha Pele”, dirigido pelo cineas-ta Joel Zito Araújo (disponível em https://youtu.be/LWBo-dKwuHCM), uma paródia da realidade brasileira sobre

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 61

a discriminação racial. Planeje uma aula para alunos do Ensino Médio que tenha como base a exibição desse fil-me, seguido de um debate sobre relações étnico-raciais. Organize um plano, contendo:

 objetivos;

 recursos necessários;

 sequência de atividades;

 esboço de questões que você utilizaria para promover o debate.

2) Acesse o blog “Temática Indígena na Escola” (disponível em http://tematicaindigena.blogspot.com.br). Na aba Mi-diateca você encontrará pequenos vídeos de autoria indí-gena. Escolha um deles, assista e elabore um comentário, inserindo nele as seguintes informações:

 Quem é o autor do vídeo?

 A qual povo indígena ele pertence?

 Onde vive o povo indígena retratado nesse vídeo e qual sua população?

 Quais os aspectos do vídeo chamaram a sua atenção? Por quê?

3) A legislação brasileira reconhece aos povos indígenas suas culturas, línguas, crenças, tradições, e o direito de educar as crianças de acordo com suas próprias pedagogias e processos de aprendizagem. De um modo geral, os estu-dantes brasileiros desconhecem essas especificidades dos

62 Escola e Currículo

povos indígenas – até mesmo daqueles que vivem no mes-mo município ou estado. Para ampliar seus conhecimen-tos, visite o blog “Povos Indígenas no Brasil” (disponível em https://pib.socioambiental.org/pt), clique no nome de uma das etnias que vivem em sua região, faça um resumo das informações principais, destacando: localização, nome, língua, história, cosmologia, organização social. Organize um texto para apresentar aos colegas, sintetizando o que aprendeu com essa atividade. Procure na internet algumas fotografias desse mesmo povo indígena para tornar mais interessante a sua apresentação.

4) No Portal do Ministério da Educação foram disponibili-zadas algumas publicações sobre a temática ambiental. Acesse a publicação intitulada “O que fazem as escolas que dizem que fazem Educação Ambiental?” (disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/publicacao5.pdf). O texto está organizado de modo a contemplar as diferentes regiões brasileiras, destacando dados quanti-tativos, qualitativos e relatos de experiência. Leia o texto que corresponde à região em que você vive, sintetize os argumentos qualitativos que considerar mais relevantes e leia o relato de experiência. Pense em uma forma de abor-dar esse assunto na escola – prepare, por exemplo, uma exposição que poderia ser feita a uma turma de ensino fundamental ou ensino médio. Planeje bem a atividade e proponha sua implementação em alguma das escolas de sua localidade.

5) Você consegue estabelecer relações entre as temáticas afro-brasileira, indígena e ambiental? Imagine um projeto

Capítulo 3 Novos Tópicos para o Currículo 63

interdisciplinar, que poderia ser desenvolvido com estu-dantes dos anos finais do ensino fundamental ou com tur-mas do ensino médio. Escreva uma justificativa para a dis-cussão dessas temáticas de forma articulada, defina quais seriam os objetivos a ser alcançados e indique materiais que os alunos poderiam utilizar para realizarem pesqui-sas. Para isso, você pode recorrer aos sites, textos e outros subsídios indicados nesse capítulo, e realizar buscas na in-ternet, selecionado os que considerar relevantes. Organize tudo em um plano consistente, que pode ser postado na NetAula.

??????????

Capítulo ?

Gênero e Sexualidade1

1 Licenciada em Ciências Biológicas (UFRGS, 1998), Mestre (UFRGS, 2001) e Doutora em Educação (UFRGS, 2005). É Professora do Curso de Ciências Biológi-cas e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Daniela Ripoll1

Capítulo 4

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 65

Introdução

“Menina não senta com as pernas abertas: menina deve sem-pre se dar o respeito”; “aquele menino é afeminado”; “en-gole o choro, menino, pois macho que é macho não chora”; “aquele garoto é muito sensível...”; “aquela menina é estra-nha, pois gosta de futebol e briga com os meninos”. Quantas vezes, na escola e fora dela, nos deparamos com tais expres-sões preconceituosas? E quantas vezes – insisto, dentro e fora da escola, ainda nos dias atuais – já fomos alvo dessas inter-venções/interpelações visando ora a modificação de determi-nados comportamentos tidos como impróprios para meninos e meninas, ora a interdição relacionada aos corpos, aos desejos e/ou às sexualidades?

É importante que se considere, inicialmente, que

práticas culturais diversas (escolares e não escolares) par-ticipam da constituição de nós mesmos e dos outros, bem como das formas como entendemos/atribuímos sentidos às diferenças étnico-raciais, religiosas, geracionais, de gê-nero, de sexualidade, de conformação corporal, de clas-se, entre outras. (BONIN; RIPOLL, GUIZZO, 2016, p. 30).

Tal perspectiva, dita culturalis,1 pressupõe um entendimen-to não essencialista no que diz respeito aos sujeitos e às di-ferenças sexuais e de gênero (e formulações tais como “toda menina deve...”, “toda mulher é...”, “todo menino deve...” e “todo homem é...” são, de fato, modos simplistas, essencia-

1 Inspirada nos Estudos Culturais e nos Estudos de Gênero e Sexualidade.

66 Escola e Currículo

listas e estereotipados2 de entender os seres humanos). Pres-supõe, ainda, a noção de que as identidades e as diferenças são ativamente produzidas pela linguagem e pelas práticas culturais, e que os sentidos que damos às identidades e às diferenças “estão em constante negociação, deslocamento, tensionamento” (BONIN; RIPOLL; GUIZZO, 2016, p. 28).

Mas, cabe perguntar: o que é gênero (ou, ainda, identida-de de gênero)? Qual a diferença entre gênero e sexualidade? Qual a importância da abordagem de questões de gênero e sexualidade na escola básica? Por que as discussões sobre currículo deveriam levar em consideração questões de gênero e de sexualidade? Essas são algumas das perguntas que nor-tearão o presente capítulo.

1 Gênero e sexualidade: para começo de conversa

Uma pesquisadora que, desde os anos 1990, vem se trans-formando em referência no tema “gênero e sexualidade na

2 Convém, aqui, explicar qual é a definição de “estereótipo” que está sendo conside-rada neste capítulo. Estereotipagem é, de acordo com Hall (2016), um conjunto de práticas representacionais que reduzem “as pessoas a algumas poucas características simples e essenciais, que são representadas como fixas por natureza” (p. 190). Os estereótipos “se apossam das poucas características simples, vividas, memoráveis, facilmente compreendidas e amplamente reconhecidas sobre uma pessoa; tudo so-bre ela é reduzido a esses traços que são, depois, exagerados e simplificados. [...] A estereotipagem reduz, essencializa, naturaliza e fixa a diferença” (p. 191). A estereo-tipagem, para Hall, também funciona como uma prática de manutenção da ordem social e simbólica, já que divide o normal e o aceitável do anormal e inaceitável para, em seguida (e ao fim e ao cabo), excluir tudo aquilo que é diferente.

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 67

escola” é Guacira Lopes Louro.3 Em seus muitos trabalhos, Louro situa a emergência do conceito de “gênero” no interior dos movimentos feministas – movimentos esses que, desde o final do século XIX, possuíam uma série de pautas sociais, mas que, de uma forma mais ampla, lutavam pelos direitos das mulheres nas sociedades ocidentais. No Brasil, o movimento feminista aglutinou-se em torno do movimento sufragista (que buscava o direito ao voto por parte das mulheres, impedidas até então de votar e de exercer cargos políticos) entre a Pro-clamação da República, em 1890, e a Constituição de 1934 (que assegurou o direito ao voto a todos os cidadãos, sem distinção). Muitas outras reivindicações também estavam nas pautas das lutas feministas (e permanecem em pauta, ainda hoje, em alguns países e, também, no Brasil): o direito à edu-cação de qualidade; o direito a condições dignas de trabalho; o direito ao acesso ao ensino superior; o direito a salários paritários entre homens e mulheres; o direito à participação política; o direito de decidir sobre a própria vida, o próprio corpo e a própria sexualidade etc.

Mas o conceito de “gênero” emerge com força “no con-texto de intensos debates e questionamentos desencadeados pelos movimentos de contestação europeus que culminaram,

3 Há uma série de entrevistas com a autora Guacira Lopes Louro na internet (algu-mas, em vídeo). Recomenda-se, fortemente, a entrevista concedida à pesquisadora Vilma Nonato de Brício para a revista Artifícios (UFPA), disponível em http://www.artificios.ufpa.br/Artigos/Entrevista%20Louro.pdf. Além disso, recomenda-se que você assista à série de conversas “Nós da Educação” com a autora em vídeo (di-vidido em três partes): https://www.youtube.com/watch?v=CLICgvnu72I (parte 1); https://www.youtube.com/watch?v=BC99yElvUqs (parte 2); https://www.youtube.com/watch?v=xWAydbeRpQc (parte 3). Acesso em 19 mar. 2017.

68 Escola e Currículo

na França, com as manifestações de maio de 1968” (MEYER, 2003, p. 12),4 bem como no interior dos movimentos femi-nistas norte-americanos do final dos anos 1970. A utilização do termo “gênero” tinha (e tem, ainda hoje), pelo menos, três objetivos: enfatizar o caráter sociocultural das distinções ba-seadas no sexo; rejeitar o determinismo biológico implícito no uso de termos como ‘sexo’ ou ‘diferença sexual’; e, finalmente, enfatizar o aspecto relacional das definições normativas da fe-minilidade (SCOTT, 1995, p. 72). Dizendo de outro modo: uti-lizar o termo “gênero” significa assumir o caráter sociocultural das diferenças entre homens e mulheres e rejeitar as interpre-tações biológicas para as distinções sociais; significa entender que as diferenças entre homens e mulheres podem ser conti-nuamente construídas, tensionadas, negociadas (e, portanto, podem ser subvertidas) na/pela linguagem e nas interações sociais; e, finalmente,

uma compreensão mais ampla de gênero exige que pen-semos não somente que os sujeitos se fazem homem e mulher num processo continuado, dinâmico (portanto, não dado e acabado no momento do nascimento, mas sim construído através de práticas sociais masculinizan-tes e feminizantes, em consonância com as diversas con-cepções de cada sociedade); como também nos leva a

4 No Brasil, naquele mesmo período (dos anos 1960 aos anos 1980), os movi-mentos feministas se associam aos movimentos de oposição à ditadura militar e de redemocratização, remetendo “ao reconhecimento da necessidade de um investi-mento mais consistente em produção de conhecimento, com o desenvolvimento sistemático de estudos e de pesquisas que tivessem como objetivo não só denunciar, mas, sobretudo, compreender e explicar a subordinação social e a invisibilidade política a que as mulheres tinham sido historicamente submetidas” (MEYER, 2003, p. 12).

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 69

pensar que gênero é mais do que uma identidade apren-dida, é uma categoria imersa nas instituições sociais (o que implica admitir que a justiça, a escola, a igreja, etc. são “generificadas”, ou seja, expressam as relações so-ciais de gênero). Em todas essas afirmações está pre-sente, sem dúvida, a ideia de formação, socialização ou educação dos sujeitos. (LOURO, 1995, p. 103)

Também é possível afirmar que se ampliou, a partir dos movimentos sociais feministas, gays,5 lésbicos e trans o enten-dimento de que há uma pluralidade de formas de ser homem e de ser mulher, bem como “várias possibilidades de viver pra-zeres e desejos corporais” (LOURO, 2001, p. 9-10).

5 De acordo com Bristow (2002), a política emancipatória dos gays foi outro impor-tante movimento que emergiu nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e na Europa no final dos anos 1960 – inspirado sobremaneira nos Movimentos Feminis-tas e nos Movimentos de Orgulho Negro (Black is Beautiful) e de Consciência Negra do mesmo período. De fato, até os anos 1970-1980, era comum a utilização do termo “homossexualismo” para designar as práticas sexuais entre pessoas do mes-mo sexo (e o sufixo “ismo” indicava tratar-se de uma doença!). Só depois de 1980 é que o “homossexualismo” deixou de ser classificado como doença mental (e o homossexual deixou de ser considerado doente mental) e, desde então, foi subs-tituído pelo termo “homossexualidade”. O termo “gay” foi adotado “como forma positiva de autodefinição, em substituição ao termo ‘homossexual’, palavra carre-gada de conotações negativas, em especial, em seu contexto clínico” (BRISTOW, 2002, p. 524). As relações homossexuais não são mais vistas pela Medicina e pela Psiquiatria como “desviantes” e “doentias”, mas é importante notar que, no âmbito jurídico-legal, nos dias atuais, elas são codificadas como “crime” em 73 países do mundo (passíveis, inclusive, de pena de morte – ver http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/06/relacao-homossexual-e-crime-em-73-paises-13-preveem-pena--de-morte.html, acesso em 22 mar. 2017).

70 Escola e Currículo

Para conhecer mais sobre

a história dos movimentos

gays e feministas

She’s beautiful when she’s angry (DORE, 2014) é um documentário que mostra os movimentos feministas nos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970 do século XX.

Milk, a voz da igualdade (GUS VAN SANT, 2008) conta a história do primeiro político norte-americano gay eleito por defender os interesses das comunidades gays, lésbicas, transexuais e transgêneros no final dos anos 1970.

Guacira Louro (2006) afirma que, em especial nas últimas décadas, os debates nas arenas socioculturais sobre as identi-dades de gênero e as práticas sexuais vêm se tornando muito mais franco e aberto – e, também, muito mais acalorados em função de pessoas e grupos sociais que se sentem ameaçados ou provocados por tais debates. Segundo ela,

as relações entre homens e mulheres certamente vêm se transformando – é indispensável admitir que todas as re-lações sociais são históricas e passíveis de transformação – mas as interpretações para as mudanças estão longe de ser convergentes. As manifestações feministas, a pílu-la anticoncepcional, as novas formas de união, a maior visibilidade de homens e mulheres homossexuais, as dis-cussões, em espaços públicos sobre sexualidade podem ser percebidas de modos absolutamente distintos. (LOU-RO, 2006, p. 86)

Não há, portanto, consensos em torno desses temas – e muito ainda precisa ser feito no que diz respeito à visibilidade e à discussão acerca de gênero e sexualidade nas sociedades

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 71

brasileiras. Em 2016, nas redes sociais, circulou a campanha “Não à cultura do estupro”6 em resposta ao estupro de uma adolescente praticado por um grupo de homens no Rio de Janeiro e, também, em função do número crescente de casos em todo o país (a cada três horas, uma mulher é estuprada no Brasil);7 segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2016), o Brasil possui a quinta maior taxa de feminicídios no mundo;8 os crimes de ódio contra a população lésbica, gay, bissexual, transexual e transgênera (LGBTT) também aumen-tam a cada ano (dados do Relatório de Violência Homofóbica no Brasil 20139 mostram que, naquele ano, foram registradas pelo Disque Direitos Humanos 1.695 denúncias de 3.398 vio-lações relacionadas à população LGBTT, envolvendo 1.906 vítimas e 2.461 suspeitos) – e, mesmo assim, ainda existe um imenso contingente de pessoas que responsabiliza as vítimas (mulheres, gays, lésbicas, travestis, transexuais) pelos abusos sexuais e pela violência! Uma pesquisa publicada na Folha de São Paulo, em 21 de setembro de 2016, mostra que 37 % das pessoas pesquisadas (dentro de um universo de 3.772 pessoas consultadas em 211 municípios de todo o país) concordam

6 Leia uma análise feita pela revista Carta Capital sobre a chamada “Cultura do Estupro”: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-cultura-do-estupro, acesso em 23 mar. 2017.

7 http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/01/uma-mulher-e-estuprada--cada-tres-horas-no-brasil.html; http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/05/apenas-35-dos-casos-de-estupro-no-brasil-sao-notificados.html, acesso em 25 mar. 2017.

8 https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mundo-diretrizes--nacionais-buscam-solucao/, acesso em 25 mar. 2017.

9 http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/dados-estatisticos/Relatorio2013.pdf, aces-so em 25 mar. 2017.

72 Escola e Currículo

com a frase “Mulheres que se dão ao respeito não são estu-pradas” e que 30 % concordam com a frase “Mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”.10 Cabe, aqui, nos questionarmos: o que seria uma “mulher que se dá ao respeito”? Por que, para um homem com muito calor em um dia de verão, é “natural” andar sem camisa na rua? Por que uma mulher com a saia curta estaria “pedindo” para ser estuprada? Um homem andando na rua sem camisa também estaria “pedindo” para sofrer algum tipo de violência? Quan-do, como, onde e por que emerge, historicamente, a ideia de que a mulher é quem seduz e corrompe os homens – e a ideia (simplista) de que a existência de todas as mulheres está con-dicionada às vontades e desejos masculinos?

Mas é preciso dizer que não há consensos sobre a aborda-gem das questões de gênero e sexualidade na escola. Segun-do Louro (2006),

para algumas pessoas, escola e sexualidade devem se constituir em duas instâncias distintas e absolutamente separadas. Compreendendo a sexualidade como uma questão pessoal e privada, e a escola como um espa-ço social de formação, voltado para a vida coletiva, en-tendem que cabe exclusivamente à família se ocupar da educação sexual das crianças e jovens. A sexualidade seria um campo fortemente atravessado por decisões morais e religiosas, e a escola deveria se afastar, na me-

10 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/09/1815301-um-terco-dos--brasileiros-culpa-mulheres-por-estupros-sofridos.shtml, acesso em 25 mar. 2017.

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 73

dida do possível, das polêmicas e dos conflitos. (LOURO, 2006, p. 87-88)

De fato, nos últimos anos, o Projeto Escola Sem Partido (PLS 193/2016, PL 1411/2015 e PL 867/2015)11; a polêmica em torno da retirada de menções à discriminação racial, à orien-tação sexual e/ou à identidade de gênero do Plano Nacional de Educação e dos Planos Estaduais de Educação de, pelo menos, oito Estados da Federação em 2015 (ver Figura 1) e uma série de outros retrocessos no que diz respeito aos Direitos Humanos e à diversidade têm demonstrado que as abordagens políticas (aqui incluídas as abordagens de gênero, sexualidade, raça/etnia, etc.) na escola não são amplamente aceitas – mas, de fato, são cada vez mais necessárias para a criação de um mundo mais justo e menos violento.

11 Em julho de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) apontou a inconstitucio-nalidade do Projeto de Lei 867/2015, que inclui o Programa “Escola sem Partido” entre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diz a Nota Técnica do MPF: “O art. 205 da Constituição traz como objetivo primeiro da educação o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania. A seguir, enuncia também o propósito de qualificá-las para o trabalho. Essa or-dem de ideias não é fortuita. Ela se insere na virada paradigmática produzida pela Constituição de 1988, de que a atuação do Estado se pauta por uma concepção plural da sociedade nacional. Apenas uma relação de igualdade permite a auto-nomia individual, e esta só é possível se se assegura a cada qual sustentar as suas muitas e diferentes concepções do sentido e da finalidade da vida. Daí por que o espaço público, o espaço da cidadania, onde se colocam e se defendem os pro-jetos coletivos, tem que, normativamente, assegurar o livre mercado de ideias. E a escola, ao possibilitar a cada qual o pleno desenvolvimento de suas capacidades e ao preparar para o exercício da cidadania, tem que estar necessariamente com-prometida com todo o tipo de pluralismo”. Disponível na íntegra em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/temas-de-atuacao/educacao/saiba-mais/proposicoes-legislativas/nota-tecnica-01-2016-pfdc-mpf, acesso em 20 out. 2016.

74 Escola e Currículo

Figura 1 O Plano Nacional de Educação e as referências a “gênero”.Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/06/1647528-por-pressao--planos-de-educacao-de-8-estados-excluem-ideologia-de-genero.shtml, acesso em 25 mar. 2017.

É importante destacar que os debates em torno do gênero e da sexualidade devem ser empreendidos na escola porque, de fato, ela não se encontra em um mundo à parte: não existe uma coisa chamada “escola” separada do âmbito sociocultu-ral (a escola é produzida na/pela cultura). Além disso, como afirma Louro (2006),

a sexualidade integra, inapelavelmente, os indivíduos e a sociedade. Nessa perspectiva, a sexualidade se constitui em um aspecto importante da formação os sujeitos e dos grupos, exigindo atenção no contexto das políticas e dos programas educacionais. De muitos modos e apoiados em diferentes perspectivas ideológicas ou teóricas, argu-mentos a favor e contra a utilização da escola como uma instância privilegiada para a “educação” ou a “orienta-ção sexual” confrontam-se. Antes de assumir uma posi-

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 75

ção nesse confronto, é indispensável admitir que a esco-la, como qualquer outra instância social, é, queiramos ou não, um espaço sexualizado e generificado. (LOURO, 2006, p. 87-88)

Se a escola é um espaço sexualizado e generificado como qualquer outro espaço social, gênero e sexualidade são, antes de mais nada, questões sociais e políticas que ultrapassam o âmbito pessoal ou privado. Nesse sentido,

a sexualidade é mais do que uma questão pessoal e privada, ela se constitui num campo político, discutido e disputado. Na atribuição do que é certo ou errado, normal ou patológico, aceitável ou inadmissível está im-plícito um amplo exercício de poder que, socialmente, discrimina, separa e classifica. (LOURO, 2006, p. 86)

Aliás, é importante destacar que as questões envolvendo gênero e sexualidade também ultrapassam o âmbito da Bio-logia e da “natureza”: de acordo com Guizzo, Beck e Feli-pe (2013), tais conceitos devem ser pensados para além dos essencialismos (típicos das Ciências Biológicas, da Medicina e das vertentes Psicológicas) e das ideias de que se trata de algo “naturalmente dado”, enfatizando-se, ao invés disso, “a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas de homens e mulheres” (p. 22-23). Louro (2004) mostra que, para os seres humanos, a declaração “É uma me-nina!” ou “É um menino!” dá início a uma espécie de “viagem” – a chamada sequência sexo-gênero-sexualidade – pautada nos essencialismos oriundos da Biologia. Ao dizermos “É uma menina!”, significa que o corpo em questão apresenta um sis-tema genital feminino e, portanto, sobre esse corpo, desenca-

76 Escola e Currículo

deia-se todo um processo de fazer desse um corpo feminino e heterossexual (um corpo que sentirá prazer pelo sexo/gênero oposto). “Apesar de tudo isso, a sequência sexo-gênero-sexua-lidade é desobedecida e subvertida. Como não está garantida e resolvida de uma vez por todas, como não pode ser decidida e determinada num só golpe, a ordem precisará ser reiterada constantemente, com sutileza e com energia, de modo explí-cito ou dissimulado” (LOURO, 2004, p. 16) – e, absurdamen-te, para aqueles que rompem a dita “sequência”, ainda hoje, a sociedade reserva piadas, chacotas, penalidades, sanções, tentativas de “curas” e de “reformas”, exclusões, violência, opressão, preconceito e, eventualmente, morte.

É importante frisarmos, aqui, que tanto o gênero quanto a sexualidade são construídos ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos (LOURO, 2001, p. 11). Não há nada, portanto, de “natural” ou “inerente aos seres humanos” (em sua totalidade) no que diz respeito à gênero e sexualidade: os seres humanos, conforme nos diz Louro (op. Cit.), não vivem os seus corpos e os seus prazeres de uma mesma forma:

a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, re-presentações, símbolos, convenções... Processos pro-fundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente ‘natural’ nesse terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo de nature-za. Através de processos culturais, definimos o que é – ou não – natural; produzimos e transformamos a natureza e a biologia e, consequentemente, as tornamos históricas. Os corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 77

gêneros – feminino ou masculino – nos corpos é feita, sempre, no contexto de uma determinada cultura e, por-tanto, com as marcas dessa cultura. As possibilidades da sexualidade – das formas de expressar os desejos e pra-zeres – também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, por-tanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade. (LOURO, 2001, p. 11)

2 Gênero, sexualidade e legislação

Guizzo e Ripoll (2015) destacam que, especialmente a par-tir da década de 1990 no Brasil, alguns documentos oficiais passaram a ser produzidos a fim de dar visibilidade a ques-tões que – até então – eram consideradas “impróprias” para ser abordadas com crianças e jovens na escola: notadamente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNs), que orientam o planejamento curricular das instituições de ensino e pautam as ações pedagógicas nas escolas.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) configuram-se em uma novidade importante no final dos anos 1990, já que atribuem à “orientação sexual” o caráter de tema transversal – isso é, como um tema que “permeia a concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada área, no decorrer de toda a escolaridade obrigatória” (BRASIL, 1997). Apesar de os PCNs terem contribuído para uma maior

78 Escola e Currículo

visibilidade das questões de gênero e sexualidade na escola, o caráter transversal dado à orientação sexual, contraditoria-mente, fez com que essa temática acabasse sendo pouco (ou nada) explorada pelos professores nas escolas. Além disso, é importante ressaltar que os PCNs foram também, à época, muito criticados pelos especialistas na área da Educação por serem prescritivos, por relacionarem o gênero e a sexualidade eminentemente às questões de saúde (transmissão sexual de doenças, gravidez) e por conterem referências por vezes biolo-gicistas e psicologizantes.

Mais tarde, o Plano Nacional de Educação sancionado em 2001 (PNE, Lei 10.172)12 estabeleceu como meta para o Ensi-no Fundamental – a ser concretizada via Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – “a adequada abordagem das questões de gênero e etnia e a eliminação de textos discriminatórios ou que reproduzam estereótipos acerca do papel da mulher, do negro ou do índio” (BRASIL, PNE, 2001). Outras metas elabo-radas pelo referido documento também mostravam, naquela ocasião, uma grande abertura no que diz respeito às questões de gênero e sexualidade na área da Educação:

12) Incluir nas diretrizes curriculares dos cursos de for-mação de docentes temas relacionados às problemáticas tratadas nos temas transversais, especialmente no que se refere à abordagem tais como: gênero, educação sexual, ética (justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e

12 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm, acesso em 15 set. 2016.

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 79

tolerância), pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e temas locais.

[...]

31) Incluir, nas informações coletadas anualmente atra-vés do questionário anexo ao Exame Nacional de Cur-sos, questões relevantes para a formulação de políticas de gênero, tais como trancamento de matrícula ou aban-dono temporário dos cursos superiores motivados por gravidez e/ou exercício de funções domésticas relaciona-das à guarda e educação dos filhos. (BRASIL, PNE, 2001)

Além disso, o PNE determinava que os cursos de forma-ção (em quaisquer de seus níveis e modalidades) deveriam prever a “análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia” bem como a inclusão curricular de “questões relativas à educação dos alunos com necessidades especiais e das questões de gênero e de etnia” (BRASIL, PNE, 2001). Mas, de acordo com Bonin, Ripoll e Guizzo (2016), o Plano Nacio-nal de Educação de 2001 foi concluído 10 anos depois, em 2011, sem que todas as metas fossem alcançadas e, pior: o novo Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) foi ela-borado de modo a excluir as questões de gênero e sexualidade (embora haja uma preocupação com o combate a quaisquer formas de discriminação). Com a exclusão das questões de gênero e sexualidade do Plano Nacional de Educação, “suge-riu-se que tais questões deveriam integrar os planos estaduais e municipais de educação, cujas apresentações e homologa-ções deveriam ocorrer em junho de 2015” – mas, como vi-mos anteriormente, em muitos Estados, as metas relacionadas a gênero e sexualidade acabaram sendo vetadas por serem

80 Escola e Currículo

consideradas “impróprias” para uma abordagem no âmbito escolar (BONIN; RIPOLL; GUIZZO, 2016).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Bási-ca publicadas em 2013 (BRASIL, 2013) preconizam a discus-são das diferenças (sejam elas religiosas, sociais, culturais, ra-ciais, sexuais e de gênero) nos currículos de toda a Educação Básica. O referido documento afirma que é preciso “problema-tizar o desenho organizacional da instituição escolar que não tem conseguido responder às singularidades dos sujeitos que a compõem”, trazendo para o debate “os princípios e as práti-cas de um processo de inclusão social que garanta o acesso e considere a diversidade humana, social, cultural e econômica dos grupos historicamente excluídos” (BRASIL, 2013, p. 152). As Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam, ainda, que

para que se conquiste a inclusão social, a educação escolar deve fundamentar-se na ética e nos valores da liberdade, justiça social, pluralidade, solidariedade e sus-tentabilidade, cuja finalidade é o pleno desenvolvimento de seus sujeitos, nas dimensões individual e social de ci-dadãos conscientes de seus direitos e deveres, compro-missados com a transformação social. (BRASIL, 2013, p. 152)

E, de fato, ainda temos um longo caminho à frente no que diz respeito à construção de uma sociedade baseada na jus-tiça social e na pluralidade (de ideias, de modos de ser, de sentir e de amar).

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 81

Recapitulando

Neste capítulo, você teve acesso a uma revisão acerca dos conceitos de gênero e sexualidade, bem como pode perceber a importância da abordagem de questões de gênero e sexu-alidade no currículo e na escola básica. Você viu que as insti-tuições sociais são generificadas e sexualizadas (incluindo-se, aqui, a escola), e que gênero e sexualidade não são apenas questões privadas ou de cunho pessoal – mas, sim, campos políticos intensamente disputados.

Você também verificou que a violência e o preconceito dire-cionados às mulheres e às comunidades LGBTT são problemas sérios e que podem (e devem) ser discutidos no contexto edu-cacional. Você também viu quais as normativas e os documen-tos oficiais que, a partir dos anos 1990, no Brasil, passaram a ser produzidos a fim de dar visibilidade a essas questões.

Referências

BONIN, Iara Tatiana; RIPOLL, Daniela; GUIZZO, Bianca. Para pensar a educação e as diferenças sob um enfoque cultu-ral. Em Aberto, Brasília, v. 29, n. 95, jan./abr. , 2016, p. 25-37.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arqui-vos/pdf/livro102.pdf, acesso em 19 set. 2016.

82 Escola e Currículo

______. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educa-ção Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013) Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448-diretrizes-curicu-lares-nacionais-2013-pdf&Itemid=30192, acesso em 20 out. 2016.

______. Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Plano Na-cional de Educação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm, acesso em 19 set. 2016.

BRISTOW, Joseph. Verbete “Política Gay”. In: PAYNE, Michael. Diccionario de Teoría Crítica y Estudios Culturales. 1. ed. Buenos Aires: Paidós, 2002.

GUIZZO, Bianca Salazar; In: FELIPE, Jane; GUIZZO, Bianca Salazar; BECK, Dinah Quesada (Orgs.). Infâncias, gêne-ro e sexualidade nas tramas da cultura e da educação. Canoas: ULBRA, 2013.

GUIZZO, Bianca Salazar; RIPOLL, Daniela. Gênero e sexua-lidade na Educação Básica e na formação de professores: limites e possibilidades. Holos, Ano 31, vol. 6, 2015, p. 472-483.

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: PUC--Rio: Apicuri, 2016.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, História e Educação: cons-trução e desconstrução. Educação & Realidade, vol. 20, n. 2, jul./dez. 1995, 101-132.

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 83

______. Sexualidade: lições da escola. In: MEYER, Dagmar Es-termann (Org.). Saúde e sexualidade na escola. Porto Alegre: Mediação, 2006.

______ .(Org.). O corpo educado. Pedagogias da sexualida-de. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

______. Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e Te-oria Queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e educação: teoria e polí-tica. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana (Orgs.). Corpo, gênero e sexualidade. Um deba-te contemporâneo na educação. Petrópolis: Vozes, 2003.

______.; SOARES, Rosângela (Orgs.). Corpo, gênero e sexu-alidade. Porto Alegre: Mediação, 2004.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise históri-ca. Educação & Realidade, vol. 20, n. 2, 71-99, jul./dez. 1995.

Atividades

1) No Facebook, destacam-se uma série de perfis e páginas relacionadas aos temas do gênero e da sexualidade (den-tro e fora da sala de aula): uma das páginas, “É Pra Falar

84 Escola e Currículo

de Gênero SIM’13, tem mais de 22 mil curtidas14 e se apre-senta com o objetivo de

empoderar educadores e educadoras que querem traba-lhar gênero e orientação sexual na escola. Podem tirar a palavra gênero do PNE. Pode vetar kit anti homofobia. Podem cortar todas as políticas educacionais em sexua-lidade. Enquanto o Brasil for uma democracia, ninguém pode impedir professora ou professor de dar a sua aula. De falar de desigualdade, discriminação, preconceito. De fazer pensar, questionar, pra que cada criança, ado-lescente e pessoa adulta tenha autonomia para construir sua própria ideia e lugar no mundo. (FACEBOOK, site).

Trata-se de uma página escrita por uma professora que di-vulga vídeos, textos, eventos e todo o tipo de material relacio-nado à gênero e sexualidade. Procure por outras páginas, na internet, que também divulgam a temática do gênero e da se-xualidade na escola. Escolha uma delas. Quais possibilidades de atuação em sala de aula são discutidas? Quais atividades, junto a turmas de Educação Infantil você poderia desenvolver?

2) Faça um resumo sobre os entendimentos de gênero e se-xualidade expressos nesse capítulo. O que eles têm em comum? E no que diferem?

13 A referida página do Facebook (https://www.facebook.com/eprafalardegenero-sim/) também é um blog: http://eprafalardegenerosim.blogspot.com.br/. Data de acesso: 26 ago. 2016.

14 Dados de 26 ago. 2016.

Capítulo 4 Gênero e Sexualidade 85

3) Pesquise sobre os Movimentos Feministas no Brasil e no mundo. Elabore uma linha de tempo estabelecendo mar-cos temporais, conquistas e retrocessos tanto sociocultu-rais quanto legais.

4) Assista a um dos filmes indicados nesse capítulo e planeje uma aula que tenha como base a exibição desse filme seguida de um debate sobre relações de gênero e sexua-lidade. O plano de aula precisa conter: a) Objetivo(s); b) Procedimentos; c) Recursos; d) Questões para o debate; d) Avaliação.

5) Assista aos vídeos indicados e faça anotações em seu ca-derno relacionadas a gênero, diversidade sexual e edu-cação. Depois, estruture um projeto interdisciplinar para combater a violência de gênero e a homofobia na escola, contando com a participação de diversos setores da co-munidade escolar.

??????????

Capítulo ?

Relações Étnico-raciais e Temática Indígena1

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Profes-sora do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil; Pesquisadora Produtividade do CNPq (PQ2).

Iara Tatiana Bonin1

Capítulo 5

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 87

Introdução

Segunda década do século XXI. Vivemos em um tempo no qual as vinculações e experiências cotidianas são, ao mesmo tem-po, locais e globais, resultante de um fenômeno mundial de migrações, do surgimento de novas ordens políticas e econô-micas interconectadas, do fluxo intenso de mensagens e de imagens mundiais. No Brasil, como muitos outros países do Ocidente, a perspectiva de fixação de uma identidade nacio-nal unificada cede lugar ao enaltecimento da diversidade e ao reconhecimento da pluralidade (étnica, linguística, cultural) que constitui a nação. Porém, nem sempre a valorização do múltiplo se reverte em medidas, ações e práticas com impacto sobre as desigualdades sociais, etárias, étnico-raciais, de gê-nero.

Na atualidade, emergem intensos questionamentos sobre o que deve ou não ser ensinado na escola, e sobre o que deveria integrar o rol de conhecimentos mobilizados, dinamizados e estabelecidos nos currículos escolares. Por um lado, crescem as demandas por currículos universalistas, pautados por pa-râmetros comuns, e investe-se em avaliações nacionais para aferir índices de desempenho. Por outro lado, espera-se que as propostas curriculares sejam baseadas no contexto sociocultu-ral histórico e político de cada localidade e que contemplem, desse modo, as especificidades de cada comunidade esco-lar. Além desse aspecto, também são travadas outras dispu-tas, relativas ao tipo de formação que se requer e aos temas e conteúdos que a educação escolar deveria contemplar. Há os que defendem uma educação voltada para uma formação

88 Escola e Currículo

humana e cidadã, há quem entenda a escola como espaço de preparação dos estudantes para o mercado de trabalho (que hoje requer sujeitos inventivos, flexíveis, capazes de aprender a aprender, etc.), e há também aqueles que apostam na esco-larização (e, em especial, na que se oferece no ensino médio) como passaporte para o ingresso no ensino superior, ou seja, como espaço de produção de conhecimentos necessários para enfrentar o “rito de passagem” do vestibular.

Como estudantes e como professores, reconhecemos, so-bretudo, que há uma multiplicidade de culturas que “integram” e constituem as salas de aula e que nos impõem maneiras plurais de proceder, de organizar o trabalho pedagógico e de avaliar, por exemplo. Não se trata, portanto, de uma única cultura escolar ou de um perfil genérico e unificado de aluno e sim de culturas múltiplas, constituídas por sujeitos singulares. Já não é possível vislumbrarmos uma instituição escolar ou um currículo sob o viés monocultural e, portanto, também se contesta o caráter monolítico de nossas formas de ensinar, de conceber a vida, de fazer ciência e de organizar a experiência escolar. Neste capítulo, o objetivo é apresentar e discutir algu-mas das culturas que vêm sendo historicamente desconsidera-das, subjugadas e banalizadas nos currículos. Nesse sentido, afirma Santomé (1995, p. 163)

Quando se analisam de maneira atenta os conteúdos que são desenvolvidos de forma explícita na maioria das instituições escolares e aquilo que é enfatizado nas pro-postas curriculares, chama fortemente a atenção à arra-sadora presença das culturas que podemos chamar de hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais mi-

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 89

noritários e/ou marginalizados que não dispõem de es-truturas importantes de poder continuam ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reação.

1 Educação escolar e relações étnico-raciais

O ensino da cultura africana e dos afrodescendentes é uma demanda contemporânea apresentada aos currículos esco-lares. E a questão racial, na sociedade brasileira, tem sido problematizada e redimensionada sob um viés político por diferentes segmentos do Movimento Negro. Tal como avalia Gomes (2005, p. 39), “os movimentos sociais cumprem uma importante tarefa não só de denúncia e reinterpretação da rea-lidade social e racial brasileira como, também, de reeducação da população, dos meios políticos e acadêmicos”. A autora afirma ainda que a discussão sobre relações étnico-raciais, em nosso país, é permeada por um amplo conjunto de termos e conceitos, apresentados a partir de distintas perspectivas te-óricas. Na sequência desse texto, destacam-se as noções de identidade, raça e racismo, relevantes para situar teoricamente o debate em torno das relações étnico-raciais.

O ponto de partida para pensarmos as identidades, neste texto, é o dos Estudos Culturais. Conforme explica Silva (2014, p. 96), “a identidade não está inserida naquilo que se entende por essência, dado ou fato, natural ou cultural. A identidade não é fixa, estável, permanente, unificada”. Nossas identidades

90 Escola e Currículo

são, isso sim, construções dinâmicas, instáveis, multifacetadas, fragmentadas e nem sempre coerentes, elas são produzidas no conjunto de circunstâncias, experiências, sentimentos e histó-rias que vivemos, são abertas à temporalidade e à contingên-cia, se estabelecem sempre em um jogo, em uma relação com a diferença.

Assim, no processo de constituição de identidades negras, Gomes (2005, p. 40) afirma estarem implicadas, simultanea-mente, dimensões pessoais e sociais.

Essas múltiplas e distintas identidades constituem os su-jeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes situações, instituições ou agrupamentos so-ciais. Reconhecer-se numa identidade supõe, portanto, responder afirmativamente a uma interpelação e estabe-lecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência.

É na cultura, portanto, que se configuram as identidades e que se negociam seus sentidos, e esse processo envolve tanto aqueles que se identificam como negros/negras, quanto aque-les que não reconhecem, para si, tal pertencimento. É preciso afirmar, ainda, que as identidades se produzem em contex-tos de poder que envolvem, entre outras coisas, o poder de representar, de definir quais identidades realmente importam, quais traços contam e quais aspectos são valorizados numa dada cultura. Por isso, é um desafio afirmar positivamente a identidade negra quando, no contexto cultural em que se vive, os negros são estigmatizados, a ancestralidade africana é ba-

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 91

nalizada, e a branquidade é reiterada como o referente de humanidade.

Além do conceito de identidade, também o termo raça é central quando estão em questão as relações étnico-raciais, mas não por sua dimensão substantiva (como se existisse uma referente natural para raça) e sim por sua qualidade de atribui-ção social e, portanto, como processo. Nesse sentido, é pre-ciso perguntar: quem é racializado em nossa cultura? Como opera esse marcador cultural e com quais efeitos? No campo das Ciências Sociais, o conceito de raça já foi, há tempos, problematizado porque os pressupostos biológicos que o sus-tentavam não gozam mais da mesma força científica e credibi-lidade de outrora. Mas, não podemos ignorar que:

O fato de que o termo raça não tenha nenhum referente físico, biológico, real, não o torna menos real em ter-mos culturais e sociais. Por outro lado, na teoria social contemporânea, sobretudo naquela inspirada pelo pós--estruturalismo, raça e etnia tampouco podem ser consi-derados como construtos culturais fixos, dados, definiti-vamente estabelecidos. Precisamente por dependerem de um processo histórico e discursivo de construção da dife-rença, raça e etnia estão sujeitas a um constante proces-so de mudança e transformação. (SILVA, 1999, p. 101)

Como sustenta Hall (2003), as identidades raciais, longe de serem dados naturais, estão sujeitas ao contínuo jogo da história, da cultura e do poder. Identidades raciais não têm em si um significado fixo e imutável, e seus sentidos são perma-nentemente negociados, deslocados, recriados nos múltiplos

92 Escola e Currículo

processos vividos no interior de determinados grupos sociais. Ainda que ao conceito de raça não corresponda nenhuma re-alidade natural, ele sustentou historicamente e sustenta formas de classificação social. Ainda hoje, é necessário reconhecer que o conceito de raça opera concretamente no âmbito social, classificando, hierarquizando, estabelecendo (ainda que não de maneira definitiva) lugares sociais e possibilidades diferen-ciais de ação para grupos e indivíduos.

O termo raça geralmente é utilizado para fazer referência aos negros (o que mostra que somente alguns são racializa-dos, ou seja, somente para alguns o conceito tem funciona-lidade, não para todos os seres humanos). Fonseca (2000) afirma que, comumente, a atribuição da diferença se dá, em relação aos negros, com atributos biológicos como a cor da pele, o tipo de cabelo e outras marcas corporais. Contudo, a esses traços supostamente naturais colam-se significados cul-turais – carência de civilidade, de moralidade, de caráter, ina-dequação a padrões estéticos e sociais, por exemplo.

A atribuição de valores negativos a detalhes do corpo negro e mestiços induz à formação de uma baixa autoes-tima responsável pela disseminação sutil da ideologia do branqueamento difundida no país. Porque o cabelo cres-po foi sempre considerado difícil, selvagem, mal agrade-cido a cremes e óleos, passou a ser denominado ruim, alargando a rede de sentidos depreciativos relacionados com partes do corpo negro. (FONSECA, 2000, p. 102)

Numa direção semelhante, Kaercher (2010) afirma que, no Brasil, fundem-se os conceitos de raça e cor num processo

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 93

que pode ser denominado “racialização” e, a partir do qual se estabelecem hierarquias e desigualdades.

A racialização, portanto, não é neutra: é sistemática – opera metódica e regularmente, é intencional – tem ob-jetivos e fins definidos, é polissêmica – se implementa através de múltiplos sentidos discursivos, e multidirecio-nal – se dirige aos mais diversificados sujeitos, não inte-ressando seu gênero, nacionalidade, classe, religiosida-de, sexualidade etc. A racialização, portanto, pode ser pensada como uma Pedagogia. Através da pedagogia da racialização, em funcionamento no Brasil, a consti-tuição da branquidade e da negritude, ou dos modos como se é branco ou negro, parece operar no sentido de se constituir como um processo “natural”, demarcado por traços “indiscutíveis” e visíveis, que não deixariam dúvidas ou espaço para questionamentos: a cor da pele, o cabelo e os traços fenotípicos (tais como largura do na-riz, espessura dos lábios etc.) parecem, aqui, demarcar o que constitui “ser branco” ou “ser negro”.

Por fim, é preciso mencionar as variadas práticas de racis-mo que têm lugar em nossa sociedade. Conforme Franz Fanon (2008), o racismo diz respeito a um processo de produção de hierarquias que têm por base o humano e a partir do qual são estabelecidas categorias de superioridade e inferioridade. O racismo foi política e estrategicamente fabricado nas estrutu-ras de dominação europeia ao longo de séculos, e adquiriu formas variáveis em distintos tempos históricos. Aqueles que são classificados acima da linha do humano desfrutam de cer-tos direitos, de certas garantias, de certa posição social, já

94 Escola e Currículo

os posicionados abaixo dessa linha teriam sua humanidade colocada em questão, em uma zona de “não ser”. O racismo assume contornos biológicos e sociais e se funda na ideia de que os grupos sociais podem ser vertical e hierarquicamente ordenados, sendo o extremo superior dessa hierarquia expres-são daquilo que seria desejável (obviamente representado por quem detém o poder de ordenar).

Apesar de estar estabelecido, na Constituição Federal de 1988, que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (Art. 5º XLII), um pensamento racista persiste, marcando ma-neiras de falar, opiniões sobre quem seriam e como seriam “os negros”, reiterando estereótipos e preconceitos. Exemplos de racismo contemporâneo são abundantes – há uma variedade de acontecimentos envolvendo, por exemplo, jogadores de fu-tebol, que ganham os noticiários e tornam momentaneamente visíveis as formas veladas de discriminação e de racismo que se expressam em nosso cotidiano. E o racismo, em nossa so-ciedade, se fortalece através de dois mecanismos principais: a negação (alega-se não existir racismo) e a banalização (o ou-tro é hostilizado de forma sistemática e cotidiana). Conforme explica Gomes (2005, p. 46),

Lamentavelmente, o racismo em nossa sociedade se dá de um modo muito especial: ele se afirma através da sua própria negação. Por isso dizemos que vivemos no Brasil um racismo ambíguo, o qual se apresenta, muito diferente de outros contextos onde esse fenômeno tam-bém acontece. O racismo no Brasil é alicerçado em uma constante contradição. A sociedade brasileira sempre

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 95

negou insistentemente a existência do racismo e do pre-conceito racial, mas no entanto, as pesquisas atestam que, no cotidiano, nas relações de gênero, no mercado de trabalho, na educação básica e na universidade os negros ainda são discriminados e vivem uma situação de profunda desigualdade racial quando comparados com outros segmentos étnico-raciais do país.

A mesma autora defende que a demanda curricular de in-trodução obrigatória do ensino de História da África e das culturas afro-brasileiras nas escolas da educação básica justi-fica-se pela necessidade de romper o silêncio, discutir sistema-ticamente a temática e reconhecer que nossa sociedade repro-duz, ainda fortemente, relações racistas. A abordagem dessa temática exige que sejam repensadas, também, as representa-ções constituídas – a começar pelo necessário questionamento das formas como os africanos são inseridos em nossa histo-riografia, com menções genéricas a “escravos africanos” que nega a esses suas histórias, sua ancestralidade, sua pertença étnica, sua humanidade. Não se trata de escravos, e sim de pessoas pertencentes a distintas etnias que foram, por razões históricas, escravizadas.

2 Educação escolar e temática indígena

O Censo Demográfico realizado em 2010 pelo IBGE indica que a população indígena total, no país, é de 817.963 pes-soas, e eles estão presentes em todos os estados brasileiros. Desse total, 502.783 vivem em áreas rurais e 315.180 habi-

96 Escola e Currículo

tam áreas urbanas. O Censo mostrou ainda que existem mais de 340 etnias distintas, e que elas vivem em condições sociais e históricas e em contextos bastante variáveis – em um estremo estão os povos que vivem em contextos de aparente “isola-mento” em relação à cultura ocidental; em outro, os que se encontram inseridos no cotidiano de grandes metrópoles. A pluralidade linguística é também registrada nesse levantamen-to, que indicou existirem pelo menos 274 línguas indígenas em uso na atualidade brasileira.

Do ponto de vista social, é notório o reconhecimento da multiplicidade de culturas e línguas, assim como suas inesti-máveis contribuições à identidade e à cultura nacional, apesar de que, via de regra, se trata da celebração da diversidade (como categoria naturalizada) e não a dimensão política da luta dos povos indígenas que adquire notoriedade – há um alentado conjunto de estudos que discutem as representações estereotipadas da vida indígena em variados artefatos culturais contemporâneos (obras literárias, filmes, revistas, livros didáti-cos, publicidade, programas de humor, etc.).

Na atualidade, a presença dos povos indígenas no cená-rio político, com suas reivindicações específicas, seus embates pela posse e garantia de terras tradicionais, sua (perturbadora e nem sempre bem acolhida) permanência em centros urba-nos, tornou-se notória. Particularmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, na qual se reconhece aos índios seus costumes, línguas, crenças e tradições (Art. 231), ocorre uma avalanche de ações específicas, que incluem a proteção e a divulgação das culturas indígenas como parte do patrimônio imaterial da nação. Alteraram-se, inclusive, as

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 97

formas de registro e classificação de dados populacionais, no-tadamente a inclusão da categoria indígena na variável cor ou raça dos recenseamentos nacionais de 1991 e 2000, do Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tal classifica-ção se estabelece, desde então, por meio da autodeclaração, e diz respeito àqueles sujeitos que assim se identificam, inde-pendentemente de estarem ou não vivendo em aldeamentos (FRANCHETTO, 2000).

O texto constitucional incorporou uma importante mudança de ênfase nas relações do Estado Brasileiro com os indígenas – as Constituições Federais anteriores, quando mencionavam os indígenas, o faziam desde uma perspectiva integracionista que previa a dissolução das diferenças como forma de pro-dução de uma nação unificada e homogênea. Já na atual, são reconhecidas aos indígenas suas identidades étnicas, suas práticas culturais, sociais, educacionais, religiosas e também é resguardado o usufruto exclusivo sobre as terras tradicionais que esses habitam. A ruptura proporcionada pela Constituição impulsionou o desenvolvimento de pesquisas interessadas em conhecer e divulgar a temática indígena e torná-la parte dos assuntos que interessam à escola e ao currículo.

Em pesquisa realizada em 2013, 68 estudantes do ensi-no superior foram entrevistados para relatar como a temática indígena vem sendo incorporada aos currículos escolares. A maioria dos entrevistados afirmou que a temática é apresen-tada de uma maneira fragmentada e pontual, vinculando-se particularmente a certos episódios históricos que constituem os discursos oficiais. Em livros didáticos de História, os estudantes recordaram as referências feitas aos povos indígenas em capí-

98 Escola e Currículo

tulos dedicados à América pré-colombiana; ao descobrimento do Brasil; às Missões Jesuíticas, às Entradas e Bandeiras. Vale ressaltar que, em tais episódios históricos, os indígenas não são apresentados como protagonistas e, sim, como os outros, aqueles que integram uma paisagem tida como selvagem e inóspita e que desafiam os colonizadores nas sagas empreen-didas em nome do progresso da nação, como argumenta Oli-veira (2003). Os estudantes entrevistados também afirmaram que a escola incentiva a leitura de obras de literatura nas quais os índios são representados.

Subsiste, de modo pontual, nas falas de estudantes entre-vistados, uma visão que situa os povos indígenas num tempo passado, feita, por exemplo, a partir de referências a esses uni-camente vinculadas a passagens históricas, da alusão a ruínas de uma cultura material imponente ou, ainda, da formulação de assertivas nas quais o verbo é conjugado no pretérito (os ín-dios viviam, pescavam, caçavam, guerreavam, etc.). Entretan-to, 46 estudantes entrevistados (de um total de 68) fez referên-cia à presença atual dos indígenas, tanto nos espaços rurais, quanto nos urbanos, assim como as suas atuais lutas pela ga-rantia da terra, ou pelo acesso aos níveis mais elevados de en-sino, através de cotas em universidades públicas. Esses dados mostram que, de certo modo, há uma sutil modificação nas formas como se percebe a presença indígena na atualidade brasileira, mas essa mudança não se relaciona propriamente ao modo como a escola tem abordado a temática indígena.

Pode-se dizer que, lentamente, se promove uma revisão nas formas de falar sobre povos indígenas na escola e nos diferentes âmbitos e instâncias culturais, realizando uma crítica

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 99

do olhar eurocêntrico e rompendo a naturalidade de certos enunciados que posicionam hierarquicamente as culturas e reafirmam os modos de vida indígenas como primitivos, obso-letos, pouco complexos, etc. A perspectiva eurocêntrica é dis-cutida, também, por Lander (2005),que afirma que essa tem efeitos na produção de uma geopolítica do conhecimento que se alicerça em um conjunto de elementos como a naturaliza-ção das múltiplas separações procedidas pela sociedade mo-derna ocidental (uma articulação dual entre centro/periferia, sujeito europeu/não europeu, civilizado/primitivo); uma visão universal da história associada à ideia de progresso (a partir da qual se estabelecem desigualdades entre povos, continentes e experiências históricas); uma noção de superioridade associa-da aos conhecimentos que essa sociedade produz, quando comparados a todos os outros conhecimentos (o que acentua a tendência a pensar que tudo o que não é europeu seria simples, primitivo, tradicional, popular, desprovido de cientifi-cidade). O mais importante disso tudo é que, conforme o olhar eurocêntrico se transpõe para o cotidiano, estabelecendo for-mas de observação e de compreensão do mundo e matizando nossas maneiras de julgar as culturas dos outros – nesse caso, as dos povos indígenas.

A partir da implementação da Lei 11.645/2008, e da obri-gatoriedade do ensino da cultura indígena, interessa indagar: como os professores e professoras têm enfrentado o desafio de abordar a temática indígena? Numa pesquisa desenvolvida em 2014, 15 professores e professoras da rede pública de en-sino (da região metropolitana de Porto Alegre/RS) foram entre-vistados. Destacam-se, a seguir, algumas estratégias utilizadas por esses docentes. Do conjunto de entrevistados, 13 profes-

100 Escola e Currículo

sores declaram utilizar a pesquisa como estratégia pedagógica em diferentes níveis de ensino, sendo referidas, como fontes de informação indicadas aos alunos, especialmente livros didáti-cos, vídeos, documentários, livros e sites especializados. Além desses materiais, dois docentes mencionaram publicações ofi-ciais do Ministério da Educação que teriam servido como fon-tes de consulta para alunos do Ensino Médio.

Foram destacados, no contexto da Educação Infantil e das séries iniciais, atividades como produções de cartazes, dese-nhos, pinturas, recorte e colagem com uso de jornais e revistas, contação de histórias, leitura de obras de autoria indígena, e, ainda, visitas a comunidades indígenas e atividades previa-mente planejadas com os líderes dessas comunidades. Nas séries iniciais do ensino fundamental, os professores relataram atividades de pesquisa, projetos de trabalho com abrangência e duração variáveis, uso de livros didáticos como suporte de informações, pesquisas na internet, teatro, exibição de filmes ou de desenhos animados com protagonistas indígenas, leitu-ra de obras para crianças e de histórias em quadrinhos. Cer-to enlace da temática com o contexto comemorativo do “Dia do Índio” e com Mostras Culturais organizadas nesta data foi também relatado, e, nesses casos, se observa que a temática indígena permanece cativa de uma abordagem celebrativa, na qual são salientadas contribuições dos indígenas à cultura na-cional e não há, contudo, espaço para falar da situação atual, das lutas indígenas, das violências que se praticaram e que se praticam contra suas comunidades, por exemplo.

No Ensino Médio, a pesquisa foi também destacada, res-saltando-se ainda os debates, as problematizações a partir de

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 101

imagens clássicas, a leitura e discussão de notícias atuais re-lativas aos povos indígenas e a conflitos em terras indígenas. Pareceu relevante a prática participativa a partir da qual os do-centes solicitam que seus alunos selecionem notícias, fotogra-fias e imagens atuais dos povos indígenas, contextualizando assim e atualizando a temática. A leitura de documentos his-tóricos (relatos de viajantes quinhentistas) e de obras literárias clássicas ainda tem lugar em práticas docentes, mas parece despertar menos interesse do que os debates sobre atualidade da temática e suas implicações com as decisões políticas e jurídicas da atualidade.

Dois recortes das entrevistas com professores são apresen-tados a seguir, porque as práticas neles descritas dão conta de um esforço para contextualizar a temática indígena e inseri-la de modo significativo do cotidiano escolar.

Nas aulas de Artes desse ano propus aos alunos uma pesquisa sobre as pinturas corporais indígenas. Mas o risco era que eles olhassem para aquelas pinturas como meros rabiscos sobre o corpo [...]. Li, me informei, fui atrás de obras do campo da Antropologia, e me senti bem mais segura. Então comecei com os alunos, come-cei com um vídeo, depois também usei fotografias que encontrei na internet. E isso foi levando a outros aspectos artísticos que eu não esperava, me surpreendi, por exem-plo, com as relações que eles fizeram entre pinturas cor-porais indígenas e tatuagens, e isso me deixou muito feliz mesmo!. (Entrevista/Professora de Artes dos anos finais do Ensino Fundamental)

102 Escola e Currículo

Nesta escola os alunos que cursam o 7º e 8º ano do ensino fundamental têm, na disciplina de História e Geo-grafia, uma parte da matéria relacionada aos povos indí-genas. [...] É por dentro dos assuntos das duas disciplinas que exploramos a temática indígena. Passamos um bom tempo orientando os alunos, em grupos, a fazer boas pesquisas usando a internet, que abre para os alunos um mundo de opções. Ajudamos os alunos a entrarem em certos sites e a buscarem uma informação, pedimos que tomassem nota de detalhes da cultura, da história, da vida atual de um grupo indígena, situando geografica-mente esse grupo. As pesquisas geraram apresentações muito interessantes e os alunos tiveram uma noção da presença indígena no Brasil, cada grupo abordando um estado brasileiro. Foi importante, nesse projeto, mostrar primeiro que os povos indígenas são diferentes entre si e, depois, que eles estão presentes em todos os estados do país. (Entrevista/Professora de Geografia)

No primeiro excerto, a professora de Artes propõe como foco de estudo, as pinturas corporais indígenas, mas teme in-correr em generalizações ou em simplificações. Ao aprofundar seus estudos e ao selecionar vídeos e fotografias que toma como expressões de um tipo particular de grafismo e de pintu-ra impressa sobre o corpo, a professora permite que os alunos explorem não somente aspectos plásticos, mas também simbó-licos das artes corporais indígenas. No segundo excerto, des-taca-se a conveniência de uma abordagem contextualizada – e não genérica – das histórias, culturas e territorialidades in-dígenas. No relato, a professora de Geografia salienta que as

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 103

pesquisas apresentadas pelos alunos, no seu conjunto, deram visibilidade à presença indígena no Brasil, em sua pluralidade.

Por fim, algumas dificuldades foram indicadas pelos profes-sores para a abordagem da temática indígena nas escolas. Al-guns docentes afirmaram ter encontrado resistências ao tema por parte dos alunos, especialmente porque a temática era considerada “pouco relevante”, ou “distante da realidade”. A pesquisa de contextos indígenas mais próximos permitiu, con-tudo, contornar em parte essa recusa inicial. Outros docentes indicaram a escassez de materiais sobre a temática indíge-na ou a falta de conhecimento de boas fontes bibliográficas como sendo o principal fator que dificulta a abordagem nas escolas. A falta de livros e materiais sobre os povos indígenas adequados para alunos de séries iniciais foi o que mais se des-tacou. Outros docentes reconheceram que, em sua formação acadêmica (Licenciatura), essa temática sequer era referida, sendo agora obrigatória, o que colabora para responsabili-zar os professores pela busca de informações e conhecimentos necessários para uma abordagem fundamentada e atual. Al-guns docentes destacaram, inclusive, a surpresa em saber que existem tantos povos, línguas e culturas indígenas diferentes no Brasil contemporâneo. Para os docentes que já conhecem os povos indígenas, as dificuldades referidas dizem respeito à burocracia escolar e as impossibilidades de promover um con-tato direto e frequente com os indígenas, o que oportunizaria aos alunos um conhecimento concreto e sensível da realidade atual dos povos indígenas. As dificuldades referidas pelos pro-fessores e professoras entrevistados exprimem as condições a partir das quais se dá a obrigatoriedade da abordagem de um tema, atém bem pouco tempo, silenciado nos currículos. Mas

104 Escola e Currículo

expressam também, em certa medida, um anseio dos docentes em oportunizar aos alunos uma visão mais abrangente dos povos indígenas na atualidade.

Recapitulando

No início deste capítulo, argumentou-se que a noção de ho-mogeneidade cultural vai gradativamente cedendo lugar a de sociedade multicultural e que, assim, somos convocados a incorporar atitudes de respeito à diversidade cultural. Os currículos também vão se alterando e, nesse novo contexto, incorporam temas antes silenciados. Entre esses temas es-tão as relações étnico-raciais e a abordagem das culturas indígenas. Na segunda parte desse capítulo, os conceitos de identidade cultural, bem como de raça e de racismo foram colocados em discussão. Já na terceira e última parte, o foco recaiu sobre a temática indígena. Foram apresentados dados atuais sobre população, etnias e línguas indígenas no Brasil contemporâneo, além de alguns dos principais direitos a eles assegurados na Constituição Federal brasileira. Através de entrevistas com estudantes, evidenciou-se uma variedade de significados que se constituem, no âmbito escolar, ao falar dos povos indígenas.

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 105

Referências

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: junho, 2005.

______. Plano Nacional de Implementação das Diretri-zes Curriculares Nacionais para Educação das Rela-ções Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=1852&Itemid= acesso em 10 de setembro de 2011.

______. Presidência da República. Lei n. 10.639. Altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília/DF: 9 de jan. 2003.

______. Presidência da República. Lei 11.645. Altera a Altera Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Diário Ofi-cial República Federativa do Brasil. Brasília/DF: 10 de mar. 2008.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

106 Escola e Currículo

FONSECA, Maria Nazareth Soares. Visibilidade e ocultação da diferença: imagens de negro na cultura brasileira. In: FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.) Brasil afro-bra-sileiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 87-115.

FRANCHETTO, Bruna. O monolinguismo é uma doença. Texto acessado de www.wcaanet.org/events/webinar como parte do seminário virtual EASA/ABA/AAA/CASCA de 2013.

GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discus-são. In: SECADI/MEC. Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei 10.639/03) Brasília. Secretaria de Edu-cação Continuada, Alfabetização e Diversidade. MEC, 2005, p. 39-62.

GOMES, Nilma Lino. Relações étnico-raciais, educação e des-colonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, v.12, n.1, Jan/Abr. 2012, pp. 98-109.

HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos Es-tudos Culturais. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.103-112.

KAERCHER, Gladis Elise. Pedagogias da racialização ou dos modos como se aprende a ‘ter’ raça e/ou cor. In: Maria Isabel Edelweiss Bujes; Iara Tatiana Bonin. (Org.). Peda-gogias sem fronteiras. Canoas (RS): ULBRA, 2010, v. , p. 85-91.

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 107

LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eu-rocêntricos. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas ______. (Org.) Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: 2005, pp. 21-53.

OLIVEIRA, Terezinha. Olhares que fazem a “Diferença”: o ín-dio em livros didáticos e outros artefatos culturais. Revista Brasileira de Educação, n. 22. Jan/fev./mar/abr., 2003. p. 25-34. Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe22/anped-22-art03.pdf

SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 159-177.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: ______. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 73 -103.

______. Documentos de identidade: uma introdução às teo-rias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

Atividades

1) Tal como avalia Gomes (2005, p. 39), “os movimentos sociais cumprem uma importante tarefa não só de denún-cia e reinterpretação da realidade social e racial brasileira como, também, de reeducação da população, dos meios

108 Escola e Currículo

políticos e acadêmicos”. Há, no Brasil, importantes lutas protagonizadas por movimentos negros e indígenas. Faça uma pesquisa na internet, utilizando as palavras-chave “movimento negro” e/ou “movimento indígena”. Selecio-ne uma reportagem ou notícia, ou texto acadêmico em que se apresente uma questão atual levantada por um coletivo negro ou indígena. Identifique qual a principal reivindicação, rastreie as condições históricas que podem ajudar a explicar e contextualizar essa atual reivindicação. Escreva um texto, com aproximadamente 15 linhas, com os resultados de sua pesquisa.

2) O censo demográfico brasileiro (IBGE, 2010) demonstrou que existem em nosso país mais de 340 povos indígenas diferentes. Em geral, aprendemos sobre os “índios” a partir de generalidades, na escola se aborda essa imensa plu-ralidade cultural de um modo genérico e descontextuali-zado. Há, contudo, um amplo conjunto de informações sobre a vida indígena, na atualidade, de que podemos nos valer para abordar essa temática na escola. Acesse o blog “Povos Indígenas no Brasil” (https://pib.socioam-biental.org/pt), do Instituto Socioambiental, clique sobre o nome de um dos povos listados na página principal. Leia as informações constantes nas abas “Nome e língua”, “localização”, “População”, “Cosmologia”, “Organização social”, por exemplo, e escreva um texto-síntese, que po-deria ser apresentado a uma turma de alunos dos anos finais do ensino fundamental.

3) No capítulo são apresentados os resultados de uma pesqui-sa realizada com docentes de diferentes áreas do conheci-

Capítulo 5 Relações étnico-raciais e Temática Indígena 109

mento, a respeito da implementação da Lei 11.645/2008. Realize, também, uma breve pesquisa sobre a abordagem da temática afro-brasileira e/ou indígena: entreviste um professor, uma professora, um gestor de escola e pergunte sobre as formas como essas temáticas estão sendo abor-dadas, sobre as experiências bem-sucedidas e, ainda, sobre os problemas enfrentados pelos docentes. Depois, faça um resumo dos resultados e compartilhe-os com seus colegas em fóruns desta disciplina.

4) No campo das Ciências Sociais, o conceito de raça já foi, há tempos, problematizado porque os pressupostos bioló-gicos que o sustentavam não gozam mais da mesma for-ça científica e credibilidade de outrora. Raça é tomada, então, como um processo a partir do qual se identificam e se classificam os sujeitos. Considerando as afirmações constantes no capítulo, assinale com V as assertivas verda-deiras e com F as falsas.

( ) Conforme Silva (1999), citado no capítulo, raça e etnia são noções sujeitas a um constante processo de mu-dança e transformação.

( ) Conforme Hall (2003), citado no capítulo, as identida-des raciais estão sujeitas ao contínuo jogo da história, da cultura e do poder.

( ) Fonseca (2000), citada no capítulo, afirma que os va-lores atribuídos a brancos e negros forma sempre cor-respondentes, e o cabelo crespo sempre foi apreciado, a ponto de se tornar ícone de beleza universal.

110 Escola e Currículo

( ) Kaercher (2010), referida no capítulo, afirma que a racialização é um processo sistemático, tem objetivos e fins definidos, é polissêmica e pode ser pensada como uma pedagogia.

A sequência correta é:

a) V, V, V, V

b) F, F, F, F

c) F, V, F, V

d) F, V, V, V

e) V, V, F, V

5) A abordagem das relações étnico-raciais exige que sejam discutidas e problematizadas algumas representações so-bre negros e negras no Brasil. Entre essas representações, fundadas em estereótipos, está a dos africanos vítimas do tráfico de pessoas, na colonização brasileira, como:

a) povos com distintas culturas e línguas.

b) escravos africanos.

c) pessoas de distintas etnias africanas.

d) pessoas que foram escravizadas.

e) pessoas forçadas a uma migração que não desejavam.

????????

Capítulo ?

Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e Projeto Político

Pedagógico1

Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação...

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educa-ção da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Bianca Salazar Guizzo1

Capítulo 6

112 Escola e Currículo

Introdução

Neste capítulo, serão trabalhadas questões pertinentes a dois documentos importantes para a organização educacional e escolar na atualidade. Um deles é as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013), que são nor-mas obrigatórias, fixadas pelo Conselho Nacional de Educa-ção (CNE), que devem orientar o planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino. O outro é o Projeto Político Pe-dagógico que é organizado a partir da especificidade de cada escola e que se constitui como uma obrigação legal que deve traduzir a visão, a missão, os objetivos, as metas e as ações que determinam o caminho a ser trilhado por uma determina-da instituição com o intuito de formar sujeitos ativos, críticos e criativos.

1 Considerações sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica

Atualmente, um dos documentos que deve pautar a organiza-ção curricular é as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013), que são normas obrigatórias, fixa-das pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que devem orientar o planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino. De acordo com o Artigo 1 da Resolução que define as DCN, elas devem contribuir para o

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 113

[...] conjunto orgânico, sequencial e articulado das eta-pas e modalidades da Educação Básica, baseando-se no direito de toda pessoa ao seu pleno desenvolvimento, à preparação para o exercício da cidadania e à qualifica-ção para o trabalho, na vivência e convivência em am-biente educativo, e tendo como fundamento a responsa-bilidade que o Estado brasileiro, a família e a sociedade têm de garantir a democratização do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão com sucesso das crianças, dos jovens e adultos na instituição educacional, a apren-dizagem para a continuidade dos estudos e a extensão da obrigatoriedade e da gratuidade da Educação Básica. (BRASIL, 2013)

Tal documento apresenta metas e objetivos a ser buscados em cada uma das etapas da Educação Básica, que são: Edu-cação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Apresenta também metas e objetivos a ser alcançadas nas diferentes mo-dalidades que se vinculam a essas etapas. Dentre essas moda-lidades, podem ser destacadas: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, Educação do Cam-po, Educação Quilombola, Educação Profissional e Tecnológi-ca e Educação a Distância.

Um dos principais propósitos dessas Diretrizes é auxiliar as instituições de ensino na construção de alguns documentos que viabilizem a organização curricular. Dentre esses documentos destaca-se o Projeto Político-Pedagógico (PPP), cuja finalidade vincula-se à possibilidade de acesso, permanência e sucesso dos alunos nos seus percursos escolares. Isso é colocado expli-citamente nas DCN quando menciona que objetiva “estimular

114 Escola e Currículo

a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formula-ção, execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de Educação Básica” (BRASIL, 2013, p. 10).

Em vários trechos desse documento é explicitado o concei-to de currículo que deve amparar a elaboração do PPP. Em um trecho do Artigo 13, é afirmado que “O currículo [...] configu-ra-se como o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção, a socialização de significados no espaço social e contribuem intensamente para a construção de identidades socioculturais dos educandos” (BRASIL. 2013, p. 68). Os pa-rágrafos 1º e 2º desse artigo também trazem importantes con-siderações sobre o entendimento de currículo:

§ 1º O currículo deve difundir os valores fundamentais do interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem comum e à ordem democrática, con-siderando as condições de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento, a orientação para o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não for-mais.

§ 2º Na organização da proposta curricular, deve-se as-segurar o entendimento de currículo como experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos histo-ricamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos educandos.

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 115

O inciso III desse mesmo artigo reitera a importância da gestão democrática que deve priorizar a participação de todos os membros da comunidade na elaboração do PPP:

III – escolha da abordagem didático-pedagógica disci-plinar, pluridisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar pela escola, que oriente o projeto político-pedagógico e resulte de pacto estabelecido entre os profissionais da escola, conselhos escolares e comunidade, subsidiando a organização da matriz curricular, a definição de eixos temáticos e a constituição de redes de aprendizagem.

Dito de outro modo, o PPP é um documento que deve ser construído não só por aqueles que fazem parte das equipes diretivas, mas por professores, alunos e responsáveis que inte-gram a comunidade de determinada escola. O Projeto Político Pedagógico deve constituir-se em um documento produzido como resultado do diálogo entre os diversos segmentos da co-munidade educacional a fim de organizar e planejar o traba-lho administrativo e pedagógico de uma instituição de ensino. Nessa construção, os docentes são fundamentais para sugerir, opinar e discutir aspectos que digam respeito a aspectos pe-dagógicos e estruturais.

Pensando na relevância da participação dos docentes nes-se processo de construção do PPP é que na próxima seção serão apresentados alguns aspectos referentes ao modo como esse documento vem sendo pensado, elaborado e proposto na atualidade.

116 Escola e Currículo

2 Projeto Político Pedagógico: algumas considerações

O Projeto Político Pedagógico (PPP), além de ser uma obri-gação legal, deve traduzir a visão, a missão, os objetivos, as metas e as ações que determinam o caminho a ser trilhado por uma determinada instituição com o intuito de formar sujeitos ativos, críticos e criativos. Geralmente, ele trabalha a organi-zação pedagógica em dois diferentes níveis: organização da instituição e organização da prática pedagógica em relação ao contexto social. É esse documento, portanto, que define a identidade de uma instituição, bem como aponta característi-cas, habilidades, conhecimentos e competências que deseja desenvolver no sujeito que vai formar.

Levando em consideração os princípios de uma gestão de-mocrática (que é a que vem sendo defendida na contempora-neidade, inclusive nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica), o PPP deve ser elaborado coletivamente por todos e todas que fazem parte da comunidade escolar. Nesse processo de construção, conforme Nogueira (2005, p. 37), algumas questões podem ser tomadas como orientado-ras, como estas: “Como vamos atingir os objetivos que preten-demos alcançar? Quais são as estratégias que utilizaremos? O que e como cada disciplina pode colaborar para que esse PPP seja praticável? Onde e como responsáveis e comunidade podem colaborar?”.

As respostas a essas perguntas estão presentes, geralmen-te, ao longo das seguintes seções que compõem o PPP:

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 117

 Apresentação

 Papel da Instituição

 Proposta Curricular

 Dimensão Administrativa

 Dimensão Financeira

 Dimensão Física

 Metas, Ações e Responsáveis

Na elaboração de quase todas elas, a participação do docente é fundamental, pois é ele quem – cotidianamente – convive com aqueles que são os principais atores do campo educacional: os alunos.

Na Apresentação, é importante que sejam colocadas as características da instituição, bem como as características dos alunos que atende. Na seção Papel da Instituição deverão ser expressos os posicionamentos político-pedagógicos dos do-centes e dos profissionais que, permeados pela fundamen-tação teórica, poderão definir a intencionalidade educativa. Ainda nessa seção, é possível inserir os objetivos gerais e os específicos, como também as ações a ser desenvolvidas e os profissionais e os segmentos que possivelmente irão desenvol-vê-las.

Em Proposta Curricular, recomenda-se que sejam colo-cados os objetivos com relação aos processos de ensino e aprendizagem (levando em conta o que consta nas Diretrizes Curriculares Nacionais). Aqui, também podem ser elencadas

118 Escola e Currículo

possibilidades de processos metodológicos a ser adotados e os sistemas de avaliação a ser utilizados.

Na seção Dimensão Administrativa, podem ser desenvol-vidos os seguintes tópicos: organização escolar, formação acadêmica e profissional do corpo docente e administrativo, condições de trabalho (incluindo o plano de valorização dos profissionais da educação), forma de atendimento ao aluno e proposta de avaliação institucional. Na Dimensão Financeira, recomenda-se que sejam descritas as alternativas de captação e aplicação de recursos financeiros para melhorar e/ou possi-bilitar a permanência do aluno na instituição.

Na Dimensão Física, devem ser descritos alguns aspectos referentes à infraestrutura da instituição. Algumas informações sobre a quantidade e as condições de distintos espaços físicos como, por exemplo: salas de aula, laboratórios, biblioteca, quadras de esporte, pracinhas, etc. Podem constar também informações sobre os materiais e os equipamentos existentes nesses ambientes. Outro dado relevante que deve constar nes-te tópico refere-se às condições de acessibilidade àqueles que apresentam algum tipo de deficiência.

Na última seção, Metas, Ações e Responsáveis, devem ser descritas as metas a ser alcançadas, as ações a ser desenvol-vidas para atingi-las, e os responsáveis por essas ações. Além disso, é relevante que aqui sejam colocadas tanto uma previ-são do tempo que será necessário para desenvolvê-las, quanto apontar possíveis resultados esperados.

Metas e ações devem estar estreitamente relacionadas ao perfil do sujeito que se pretende formar na instituição de en-

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 119

sino, pois – como já salientado anteriormente – o principal foco dessas instituições deve ser formar pessoas capacitadas para lidar com as demandas da sociedade contemporânea. Ou seja, as escolas precisam criar condições que favoreçam o desenvolvimento do aluno não somente no que diz respeito ao aspecto intelectual, mas também político. Isso será possível na medida em que as escolas reconheçam que sua função não é somente formar técnicos especializados, mas também pessoas capazes de lidar com distintos tipos de sujeitos, com as novas tecnologias e que, acima de tudo, saibam lidar com a realida-de em que vivem.

Levando em consideração o que até aqui foi exposto sobre as seções que podem compor um PPP, é possível afirmar, com embasamento nos estudos de Veiga (2004), que ele apresenta algumas funções que podem ser destacadas:

a) Função politizadora: no que diz respeito ao compro-metimento e intencionalidade dos sujeitos e da institui-ção envolvida;

b) Função identitária: em função da construção de uma definição da identidade da instituição e dos grupos en-volvidos nela;

c) Função epistemológica: pelo fato de buscar e oportu-nizar o conhecimento, compreensão e explicação da realidade educacional e social em que a instituição está inserida.

Cabe salientar que, apesar de o PPP, como no próprio nome diz, constituir-se em um “projeto”, ele não pode signifi-

120 Escola e Currículo

car engessamento e rigorosidade ser seguida pelos docentes. Ao professor cabe transitar por ele e construir propostas con-forme as necessidades que forem surgindo durante o processo pedagógico. O PPP deve ser flexível, ou seja, é sempre possí-vel parar, avaliar, modificar e/ou continuar levando a cabo os objetivos traçados inicialmente. Nas palavras de Veiga (2004, p. 81):

Construir um projeto político-pedagógico é um processo dinâmico de ação e reflexão que ultrapassa a simples confecção de um documento. Como processo não é pronto e acabado, porque é um movimento, a ideia do projeto é, então de unidade e considera o coletivo em suas dimensões de totalidade – política e participativa. A construção do projeto é uma prática social coletiva, fruto da reflexão e da consistência de propósitos e intenciona-lidades.

Para finalizar, convém afirmar que ser professor, na contem-poraneidade, implica não só dar conta das demandas oriun-das da prática docente, da atuação em sala de aula e das necessidades dos seus alunos. Mais do que isso, ele necessita ser um sujeito participativo inclusive nos processos de eleição e de construção de documentos que visam orientar o trabalho e o funcionamento das instituições de ensino em que atuam, tal como o Projeto Político-Pedagógico.

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 121

3 Projeto Político-Pedagógico: articulações com o planejamento docente

Neste último tópico, serão feitas algumas considerações sobre a forma como o Projeto Político Pedagógico contribui para que a prática docente se torne significativa no processo pedagó-gico. É possível afirmar que o princípio desse processo se dá em função da participação do docente na construção do PPP já que ele pode ser visto como deflagrador dos planejamentos docentes que, mesmo com caráter flexível, orientará as práti-cas pedagógicas a ser desenvolvidas com os discentes.

A respeito da participação dos docentes no processo de construção do PPP, Vasconcelos (1991, p. 26) ressalta que:

Mais importante do que ter um texto bem elaborado é construirmos um envolvimento e o crescimento das pes-soas, principalmente dos educadores, no processo de elaboração do projeto, através de uma participação efe-tiva naquilo que é essencial na instituição: planejar com e não planejar para. [grifos do autor]

Mas o que é planejar? O ato de planejar, como recur-so para a organização do processo pedagógico, pode ser considerado como uma estratégia política de lutas culturais voltadas para a prática pedagógica alternativa e criticamente afirmativa. As instituições de ensino são consideradas campos de luta e contestação, por isso não podem ficar à mercê de espontaneísmos e improvisos, daí a relevância de se planejar o que se quer desenvolver com os discentes, não deixando de

122 Escola e Currículo

levar em consideração aquilo que consta no Projeto Político Pedagógico.

É preciso mencionar também que planejar não se resume a tentar encontrar soluções para superar possíveis problemas recorrentes no âmbito acadêmico. Cabe aos profissionais que nele atuam planejar atividades que resultem de fato na construção de um espaço democrático e na participação ativa dos discentes que atende (VASCONCELOS, 1995; COELHO, 2009).

Como supracitado, os planejamentos de ensino (que são os mais próximos às práticas do professor desenvolvidas junto aos seus alunos) que desencadearão a prática docente e – consequentemente – o processo pedagógico precisam levar em conta o PPP, já que esse não deve se constituir de um sim-ples documento burocrático a ser engavetado. Ao contrário, ele precisa ser útil, ele precisa servir de âncora a todas as ações pedagógicas que se pretende desenvolver, em razão de que sua principal finalidade é fazer algo vir à tona, fazer acon-tecer e concretizar aquilo que se quer propor.

Como já colocado, qualquer tipo de planejamento (seja ele mais amplo – como o PPP –, seja ele mais específico – como os planejamentos de ensino) precisa ter um caráter fle-xível. Sendo assim, o docente precisa estar preparado para os momentos em que seu planejamento necessite ser modificado, adaptado ou, até, deixado de lado.

O relevante é que o planejamento de ensino sirva para o professor e para os alunos através de uma ação crítica, cons-ciente, responsável e dinâmica. Santomé (1998) salienta a

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 123

importância de – a partir do que é planejado e proposto nas instituições de ensino – alunos e alunas poderem refletir sobre suas experiências cotidianas e não somente se preocuparem em memorizar uma série de informações para passar nos exa-mes ou provas aos quais são submetidos e, posteriormente, obter um diploma. Por isso o referido autor defende os currícu-los integrados em que a prioridade é atender às necessidades e aos interesses de alunos e alunas e dos meios sociais e cul-turais em que vivem.

Cabe destacar ainda que a ideia de planejamento não deve ser tomada como uma receita pronta, pois sabemos que cada sala de aula tem suas necessidades e peculiaridades, ca-bendo ao professor – juntamente com os demais profissionais que atuam na instituição – adaptar e readaptar aquilo que pla-nejou, daí a importância do caráter flexível dos planejamentos.

Importante considerar que os planejamentos não podem ser vistos como meros mecanismos didáticos formados por modelos prontos e etapas a ser cumpridas pelos docentes no processo pedagógico. Independentemente do nível de ensino, eles precisam ser considerados como processos fundamentais que buscam uma educação de qualidade, evitando ações de improviso e buscando, através deles, desenvolver um processo de ensino-aprendizagem que, antes de mais nada, faça sen-tido e tenha importância para aqueles que são os principais atores do ato de educar: os estudantes (sejam crianças, jovens ou adultos).

Para concluir, é necessário afirmar que o PPP é político e pedagógico e que deve ser um documento produzido e execu-

124 Escola e Currículo

tado por todos, num movimento dinâmico e participativo, de constituição coletiva e comprometida. De acordo com Veiga (2004, p. 71), ele é um documento que deve expressar “dese-jos, aspirações, orientações teórico-metodológicas e avaliati-vas, e não deve ficar restrito ao cumprimento de solicitações prescritivas ou de formulários para credenciamento e recre-denciamento de cursos e instituições”.

Recapitulando

Atualmente, um dos documentos que deve pautar a organi-zação curricular é as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (2013), que são normas obrigatórias fi-xadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que de-vem orientar o planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino. Tal documento apresenta metas e objetivos a ser buscados em cada uma das etapas da Educação Básica, que são: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Apresenta também metas e objetivos a ser alcançadas nas di-ferentes modalidades que se vinculam a essas etapas. Dentre essas modalidades podem ser destacadas: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, Educação do Campo, Educação Quilombola, Educação Profissional e Tecnológica e Educação a Distância. Um dos principais pro-pósitos dessas Diretrizes é auxiliar as instituições de ensino na construção de alguns documentos que viabilizem a organiza-ção curricular. Dentre esses documentos, destaca-se o Projeto Político-Pedagógico (PPP), cuja finalidade vincula-se à possibi-

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 125

lidade de acesso, permanência e sucesso dos alunos nos seus percursos escolares.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Bá-sica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Conselho Nacional da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica: MEC, SEB, DICEI, 2013, 542p.

COELHO, Andreza Araújo. O planejamento educacional no desenvolvimento das atividades pedagógicas. Dis-ponível em: http://www.uftm.edu.br/upload/ensino/AVI-posgraduacao090625121746.pdf. Acesso 23 jul. 2016.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos Projetos: etapas, papéis e atores. São Paulo: Érica, 2005.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e Interdisciplinari-dade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

VASCONCELLOS, Celso. Planejamento: Plano de Ensino--Aprendizagem e Projeto Educativo. São Paulo: Libertad, 1995.

_____. Projeto Educativo: elementos metodológicos para a elaboração do projeto educativo. São Paulo: Libertad, 1991.

126 Escola e Currículo

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Educação Superior: projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus, 2004.

Atividades

1) Explique com suas palavras de que modo o conceito de currículo é entendido nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica.

2) Que etapas e que modalidades são oferecidas na Educa-ção Básica?

3) Assinale (V) para as assertivas Verdadeiras e (F) para as Falsas, levando em consideração o processo de elabora-ção do PPP:

( ) Cada professor deve elaborar o seu plano de ensi-no individualmente e a junção de todos os planos vai compor o Projeto Pedagógico da instituição.

( ) É necessário o estudo das diferentes Pedagogias, pois elas serão definidoras dos eixos básicos do trabalho pedagógico da escola.

( ) É importante que se faça uma articulação coerente en-tre perspectivas filosóficas, pedagógicas e psicológicas a ser adotadas pela escola.

( ) É importante garantir que o projeto tenha objetivos pontuais e estabeleça metas rigorosas a ser cumpridas em longo prazos.

Capítulo 6 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação... 127

4) O PPP pode ser considerado um tipo de planejamento. Sobre os planejamentos no âmbito da educação NÃO é possível afirmar:

a) podem ser vistos como meros mecanismos didáticos formados por modelos prontos e etapas a ser cumpri-das pelos docentes no processo pedagógico.

b) precisam ser considerados como processos fundamen-tais que buscam uma educação de qualidade.

c) devem evitar ações de improviso .

d) devem procurar desenvolver um processo de ensino--aprendizagem que, antes de mais nada, faça sentido e tenha importância para os estudantes.

e) Nenhuma das alternativas.

5) Com embasamento nos estudos de Veiga (2004), o PPP apresenta algumas funções. Qual das alternativas abaixo apresenta a relação correta entre as funções e sua respec-tiva descrição:

a) Função politizadora: em função da construção de uma definição da identidade da instituição e dos grupos en-volvidos nela.

b) Função identitária: no que diz respeito ao comprome-timento e intencionalidade dos sujeitos e da instituição envolvida

c) Função epistemológica: pelo fato de buscar e oportu-nizar o conhecimento, compreensão e explicação da

128 Escola e Currículo

realidade educacional e social em que a instituição está inserida.

d) Todas as alternativas estão corretas.

e) Nenhuma das alternativas está correta.

????????

Capítulo ?

Organização Curricular na Educação Infantil1

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educa-ção da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Bianca Salazar Guizzo1

Capítulo 7

130 Escola e Currículo

Introdução

No Brasil, o atendimento às crianças de zero a cinco anos ligado ao campo educacional é relativamente recente. Du-rante muito tempo, esse atendimento esteve bastante atrela-do a cuidados, especialmente no que se referia à higiene e à alimentação, o que acabava distanciando-o de um caráter educacional e vinculando-o com um caráter mais assistencial. Foi a partir do final do século XX, com a Constituição Federal de 1988, que o atendimento às crianças compreendidas na referida faixa etária passou a ser direito de todos e dever do Estado.

Em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/1996), a Educação Infantil passou a ser definida como primeira etapa da Educação Básica, subdi-vidindo-se em dois níveis: creche (que atende crianças de 0 a 3 anos) e pré-escola (que atende crianças de quatro e cinco anos). Com essa definição, a Educação Infantil começou a caracterizar-se não só pela preocupação com a questão dos cuidados unicamente, mas também pela preocupação com a questão educacional a ser desenvolvidas com os sujeitos que ela atendia.

Convém mencionar que embora a Constituição Federal de 1988 afirme que a Educação Infantil é um direito de todos, tal direito ainda está muito aquém de atingir todas as crianças de zero a cinco anos, principalmente no nível creche. A partir de 2016, em função da Emenda Constitucional 59/2009, que obriga a inserção das crianças de quatro e cinco anos na pré-

Capítulo 7 Organização Curricular na Educação Infantil 131

-escola, haverá ampliação significativa de atendimento nesse nível da Educação Infantil.

1 Organização curricular e suas implicações no cotidiano da Educação Infantil

Feita essa retomada de alguns aspectos legais que, de certo modo, ressignificaram o entendimento de Educação Infantil e que, ao mesmo tempo, consolidaram-na como parte da Edu-cação Básica, desde o final dos anos 1990 até os dias atuais, referenciais, diretrizes, relatórios têm sido elaborados e pro-postos para a Educação Infantil. Grande parte desses docu-mentos fundamenta-se numa ideia de criança enquanto sujeito sócio-histórico-cultural e de direitos. Defende ainda que em razão das interações entre aspectos da natureza e da cultura, as crianças apresentam especificidades em seus processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Mais do que isso,

a criança cria cultura, brinca; a criança dá sentido ao mundo, produz história; a criança recria a ordem das coisas, estabelecendo uma relação crítica com a tradi-ção; a criança tem uma condição social e econômica. (KRAMER et al., 2009)

Partindo disso, um entendimento interessante de currículo na Educação Infantil é o desenvolvido por Kishimoto (1994) que afirma que o currículo nessa etapa da Educação Básica pode ser compreendido como a organização de intenções que dirige o funcionamento da escola, buscando colocar em prá-

132 Escola e Currículo

tica experiências relevantes para o desenvolvimento das crian-ças.

As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-ção Infantil, atualizadas em 2013, mais especificamente em seu artigo 7º, consideram que as funções sociopolítica e peda-gógica a ser trabalhadas nas instituições de Educação Infantil devem primar pelos seguintes aspectos:

 Oferecer condições e recursos para que as crianças usu-fruam seus direitos civis, humanos e sociais;

 Assumir a responsabilidade de compartilhar e comple-mentar a educação e cuidado das crianças com as fa-mílias;

 Possibilitar tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto à ampliação de saberes e co-nhecimentos de diferentes naturezas;

 Promover a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância;

 Construir novas formas de sociabilidade e de subjetivi-dade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico--racial, de gênero, regional, linguística e religiosa.

O planejamento curricular dessa etapa da Educação Bási-ca deve levar em consideração tais aspectos visando propor-

Capítulo 7 Organização Curricular na Educação Infantil 133

cionar condições adequadas de desenvolvimento físico, emo-cional, cognitivo e social da criança, com vistas a promover e ampliar suas experiências e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo de transformação da natureza e pela convivência em sociedade. Ademais, o currículo da Educação Infantil deve considerar, na sua concepção e administração, o grau de desenvolvimento da criança, a diversidade social, étni-ca e cultural das populações infantis, a inserção das novas tec-nologias e os conhecimentos que se pretendem universalizar.

Dito de outro modo, os currículos pensados para a Edu-cação Infantil devem priorizar perspectivas que oportunizem a criação de situações, vivências e experiências que incorporem as dimensões intelectual, estética, ética, criativa, comunicativa, social e afetiva, vinculadas às realidades social e cultural das crianças.

Importante lembrar que o currículo é a forma como as ins-tituições de ensino organizam-se para produzir e possibilitar os processos de produção de sentido e de criação de significados (BUJES, 2001) para, a partir disso, promover mudanças e au-xiliar os sujeitos a constituírem-se como cidadãos. Para tanto, o currículo deve, primordialmente, levar em conta o grupo de alunos/as (quem são, o que desejam saber, o que precisam saber, do que gostam, do que falam, o que ouvem etc.), os conhecimentos dos/as professores/as sobre eles/as, a propos-ta da escola, bem como o contexto e o momento histórico em que vivem (XAVIER, 2002).

Até bem pouco tempo, os currículos eram organizados em blocos sem, muitas vezes, haver articulação entre as diferentes

134 Escola e Currículo

áreas do conhecimento. Hoje, uma visão política de currículo tem sido bastante discutida e tomada como mais adequada às necessidades educacionais contemporâneas, já que é mais comprometida com a ideia de que a educação é o processo pelo qual nos tornamos sujeitos cidadãos, ou seja, nessa visão o currículo não se limita a um documento orientador e pres-critivo, mas é entendido como a totalidade das experiências de aprendizagem planejadas e patrocinadas pela escola, por meio das quais alunos e alunas aprendem e tornam-se sujeitos ativos e críticos dentro da sociedade em que estão imersos.

Em razão disso, o currículo deve, sobretudo, visar a ser funcional, promovendo não só a aprendizagem de conteúdos, mas também promovendo o desenvolvimento das dimensões estética, ética, criativa, comunicativa, social e afetiva. Os cur-rículos pensados para a Educação Infantil devem, antes de mais nada, vincular-se às especificidades e às singularidades das crianças, com ênfase em práticas de educação, dentre as quais precisam estar incluídas as questões que se vinculam aos cuidados, ao desenvolvimento físico, emocional, cognitivo, lin-guístico e sociocultural.

Em se tratando de Educação Infantil é preciso ter claro que a docência e as práticas pedagógicas devem desviar seu foco da criança como ser do futuro. Porém, o que – via de regra – se observa são ações propostas com uma função de pre-paração. Nas creches isso ocorre através de uma pedagogia que favorece a conformação para viver conforme a condição da criança, transformando o tempo da criança num tempo de espera.

Capítulo 7 Organização Curricular na Educação Infantil 135

A organização curricular da Educação Infantil deve procu-rar garantir desafios necessários a aprendizagens significativas, bem como garantir espaço para viver o tempo da infância. As brincadeiras apresentam-se como uma excelente oportunida-de para se oportunizar esse tempo para viver a infância, pois é através delas que as crianças têm a possibilidade de se expres-sar por meio de múltiplas linguagens.

Ademais, o ato de brincar favorece que as crianças reali-zem suas próprias produções ao invés de reproduzir modelos prontos, e permite que elas desenvolvam a imaginação e a criação (BARBOSA et al, 2009). Maria Luisa Xavier e Maria Bernadete Rodrigues (2002) salientam a riqueza das ativida-des na Educação Infantil, pois aí são priorizados “o lúdico, os extramuros, os momentos de lazer, [...] o cotidiano como espaços pedagógicos” (p. 35).

Baseando-se nas Diretrizes Curriculares específicas da Edu-cação Infantil, Zilma de Moraes Ramos de Oliveira (2010, p. 4) salienta que o entendimento de currículo presente nesse do-cumento foca

[...] na ação mediadora da instituição de Educação in-fantil como articuladora das experiências e saberes das crianças e os conhecimentos que circulam na cultura mais ampla e que despertam o interesse das crianças. Tal definição inaugura então um importante período na área, que pode de modo inovador avaliar e aperfeiçoar as práticas vividas pelas crianças nas unidades de Edu-cação Infantil.

136 Escola e Currículo

Sendo assim, é preciso atentar-se para um dos aspectos que se destaca na elaboração de um currículo voltado para a Educação Infantil, que é a organização do espaço e do tempo. É preciso especial atenção para a estruturação dos espaços internos e externos, já que é recomendável que eles favoreçam as interações infantis. A sala em que as crianças permane-cem a maior parte do tempo precisa oferecer espaços para a exploração, para a imaginação, para a interação e para a mobilidade.

Nesse sentido, a organização em cantos tem sido uma ten-dência bastante comum, pois neles as crianças interagem e desenvolvem a imaginação e a criatividade. Outros espaços, como o refeitório, os banheiros, a sala de descanso também precisam ser adequadas às necessidades e às especificidades das crianças. Os espaços externos, como as pracinhas e as quadras poliesportivas, também precisam ser organizados de modo a favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem da-queles e daquelas que os frequentam e exploram.

Maria Carmem Barbosa e Maria da Graça Horn (2001) salientam que a organização do espaço ajuda a criança a estruturar as funções motoras, sensitivas, simbólicas, lúdicas e relacionais. As mesmas autoras argumentam ainda que, ao pensarmos nos espaços, devemos levar em consideração que o ambiente é composto por gosto, toque, sons e palavras, re-gras de uso dos espaços, luzes e cores, odores, mobílias, equi-pamentos e ritmos de vida.

Os tempos para a exploração dos espaços e para a rea-lização de atividades também precisa ser bem planejado: em

Capítulo 7 Organização Curricular na Educação Infantil 137

que ocasiões ocorrerão, qual será a sua frequência, quanto tempo vai durar, etc. O esquema abaixo ilustra os pontos que devem ser levados em conta quando se planeja a organização do tempo:

Figura 1 Esquema dos pontos a ser levados em consideração na organização do tempo na educação infantil.

Tanto na organização do espaço como na organização do tempo o/a professor/a tem papel fundamental, pois é ele/a quem organizará o ambiente, sempre levando em considera-ção a opinião das crianças, oferecendo-lhes “materiais, su-gestões, apoio emocional, ou promovendo condições para a ocorrência de valiosas interações e brincadeiras criadas pelas crianças [...]” ou propostas para elas (OLIVEIRA, 2010, p. XX).

138 Escola e Currículo

2 Princípios éticos, políticos e estéticos na organização curricular na Educação Infantil

Na atualidade, as Diretrizes Curriculares Nacionais consti-tuem-se num dos documentos mais importante no que diz res-peito à organização curricular das instituições de ensino. Elas têm caráter mandatório, por isso devem servir de base para a elaboração de distintos documentos que se vinculam ao fun-cionamento da escola.

No que tange à organização curricular da Educação Infan-til, salienta-se nas Diretrizes a necessidade para se atentar aos seguintes princípios: éticos, políticos e estéticos. A partir dos princípios éticos é preciso organizar propostas curriculares e pedagógicas que primem pela valorização da autonomia, pelo incentivo ao cumprimento de responsabilidade, pelo de-senvolvimento do espírito de solidariedade e de respeito ao bem comum, pelo respeito ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. A adoção de princípios políticos visa a promover e a incentivar a garantia dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Aos princípios estéticos vinculam-se propostas que tenham como objetivo a valorização da sensibilidade, o incentivo da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

Partindo desses princípios, as próprias Diretrizes Curricu-lares sistematizam uma série de possibilidades que podem ser desenvolvidas a fim de, efetivamente, desenvolver tais princí-

Capítulo 7 Organização Curricular na Educação Infantil 139

pios junto às crianças frequentadoras das instituições de Edu-cação Infantil.

As atividades que primam pelo desenvolvimento dos prin-cípios éticos precisam: assegurar às crianças a manifestação de seus interesses, desejos e curiosidades; valorizar suas pro-duções (sejam individuais ou coletivas); apoiar a conquista da autonomia incentivando as crianças a escolherem suas brin-cadeiras, bem como deixando-as realizarem os cuidados pes-soais diários; ampliar as possibilidades de aprendizado envol-vendo nas atividades propostas conhecimentos sobre diferentes culturas; proporcionar a construção de atitudes de respeito e solidariedade, combatendo discriminações e preconceitos; aprender sobre o valor de cada pessoa e dos diferentes grupos culturais; oportunizar o respeito a todas as formas de vida e o cuidado com o meio ambiente.

Já as atividades relacionadas ao desenvolvimento dos prin-cípios políticos (que visam educar para a cidadania) devem procurar: proporcionar a participação das crianças; criar opor-tunidade de as crianças expressarem seus sentimentos, coloca-rem suas ideias, questionarem, criticarem, com vistas a formar crianças críticas e preocupadas não só consigo mesmas, mas com os outros; criar possibilidades de opinarem e solucionarem conflitos; desenvolver experiências significativas de aprendiza-gem a todas as crianças, oportunizando-lhes o desenvolvimen-to de conhecimentos importantes para suas vidas e realidades.

Em relação aos princípios estéticos, o trabalho pedagógico deve voltar-se para: apropriação de diferentes linguagens e sabe-res presentes na cultura em que vivem; valorização do ato criador

140 Escola e Currículo

e da construção pelas crianças em diversificadas experiências; organização de um cotidiano e de um ambiente desafiadores; ampliação de possibilidades para a criança cuidar e ser cuidada; criação de oportunidades para a expressão, comunicação, cria-ção e organização de opiniões e ideias; organização de espaços de convivência que possibilitem o trabalho em grupo e incentivem a tomada de iniciativa para soluções de problemas e conflitos.

Cabe referir que esses três princípios devem ser a base de sustentação da organização pedagógica e curricular da Educação Infantil. De acordo com o artigo 8º das Diretrizes Curriculares (2013), as propostas curriculares e pedagógicas das instituições que atendem a primeira etapa da Educação básica, tendo como foco a integração dos princípios éticos, políticos e estéticos, devem

como objetivo principal promover o desenvolvimento in-tegral das crianças de zero a cinco anos de idade garan-tindo a cada uma delas o acesso processos de constru-ção de conhecimentos e a aprendizagem de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e interação com outras crianças.

Por fim, cabe considerar que o currículo não pode ser visto como um mero mecanismo formado por modelos prontos e etapas a ser cumpridas. Mesmo na Educação Infantil, em que há maior flexibilidade na organização curricular, o currículo precisa ser considerado como um processo fundamental que busca uma educação de qualidade, evitando ações de impro-viso e buscando, através dele, desenvolver um processo de

Capítulo 7 Organização Curricular na Educação Infantil 141

ensino-aprendizagem que, antes de mais nada, faça sentido e tenha importância para aqueles e aquelas que são os princi-pais atores do ato de educar: os sujeitos infantis.

Recapitulando

No Brasil, o atendimento às crianças de zero a cinco anos li-gado ao campo educacional é relativamente recente. Durante muito tempo, esse atendimento esteve bastante atrelado a cui-dados, especialmente no que se referia à higiene e à alimenta-ção, o que acabava distanciando-o de um caráter educacional e vinculando-o com um caráter mais assistencial. Contempo-raneamente, um entendimento interessante de currículo na Educação Infantil é o desenvolvido por Kishimoto (1994), que afirma que o currículo nessa etapa da Educação Básica pode ser compreendido como a organização de intenções que diri-ge o funcionamento da escola, buscando colocar em prática experiências relevantes para o desenvolvimento das crianças. Os currículos pensados para a Educação Infantil devem, an-tes de mais nada, vincular-se às especificidades e às singula-ridades das crianças, com ênfase em práticas de educação, dentre as quais precisam estar incluídas as questões que se vinculam aos cuidados, ao desenvolvimento físico, emocional, cognitivo, linguístico e sociocultural. A organização curricular da Educação Infantil deve procurar garantir desafios necessá-rios a aprendizagens significativas, bem como garantir espaço para viver o tempo da infância.

142 Escola e Currículo

Referências

BARBOSA, M. C. et al. Contribuições dos pesquisadores à discussão sobre as ações cotidianas na educação das crianças de 0 a 3 anos. Relatório de Pesquisa. Brasília/DF: MEC/UFRGS, 2009.

______. ; HORN, Maria da Graça. Organização do espaço e do tempo na escola infantil. In: CRAIDY, Carmem; KAER-CHER, Gládis. Educação Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 67-79.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Edu-cação. Diretrizes curriculares nacionais para a educa-ção infantil. Brasília, DF, 2013.

______. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposi-ções Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvincula-ção das Receitas da União incidente sobre os recursos des-tinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obriga-toriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção nesse dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da União, Brasília, 12 nov. 2009.

Capítulo 7 Organização Curricular na Educação Infantil 143

______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.

BUJES, Maria Isabel. Escola Infantil pra que te quero? In: CRAI-DY, Carmen e KAERCHER, Gládis. Educação Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: ARTMED, 2001, p. 13-22.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infan-til. São Paulo: Pioneira, 1994.

KRAMER, S. et al. Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica/Diretrizes Curricu-lares Nacionais Específicas para a Educação Infantil. Brasília/DF: MEC, 2009.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. O currículo na Educa-ção Infantil: o que propõem as novas Diretrizes Nacionais? Anais do I Seminário Nacional Currículo em Movi-mento: perspectivas atuais. Belo Horizonte: 2010.

XAVIER, Maria Luiza e RODRIGUES, Maria Bernadete. Orga-nização escolar, planejamento pedagógico e disciplina In: XAVIER, Maria Luiza. Disciplina na Escola: enfrentamentos e reflexões. Porto Alegre: Mediação, 2002.

Atividades

1) Quais são as funções pedagógicas e sociopolíticas a ser trabalhadas na Educação Infantil?

144 Escola e Currículo

2) A partir do que foi discutido no texto, conceitue o entendi-mento de currículo na Educação Infantil.

3) Que aspectos devem ser considerados na concepção de um currículo vinculado a Educação Infantil?

4) De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, a or-ganização curricular da Educação Infantil deve atentar para o desenvolvimento de princípios éticos, políticos e estéticos. Descreva brevemente ao que se refere cada um deles.

5) Qual a importância da organização do espaço e do tempo na rotina da Educação Infantil?

????????

Capítulo ?

Organização Curricular – Ensino Fundamental1

1 Graduada em Pedagogia (UFRGS) e Educação Física (UNISINOS). Mestre e dou-tora em Educação (UFRGS). Professora do PPG em Educação da Universidade Luterana do Brasil.

Juliana Ribeiro de Vargas1

Capítulo 8

146 Escola e Currículo

Introdução

Neste capítulo, pretende-se contextualizar a organização cur-ricular do Ensino Fundamental nos tempos atuais, refletindo sobre diálogos possíveis com campo da Pedagogia. Para tan-to, ao longo do capítulo, são retomados brevemente aspectos históricos acerca da implementação do Ensino Fundamental no Brasil; disposições legais sobre a organização curricular da referida etapa do ensino apresentadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e pelo Plano Nacional de Educação. Por fim, são problematizados dois dos principais desafios que tangem a or-ganização curricular do Ensino Fundamental na atualidade: a Educação Integral e as Tecnologias de Informação e Comuni-cação.

1 O Ensino Fundamental no Brasil

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a obrigatoriedade do ensino primário ou fundamental iniciou posterior à proclamação da República, com a Constituição de 1934. A referida legislação estabeleceu a educação como um direito de todos os brasileiros (independentemente de classe social, raça ou gênero), devendo ser organizada ao longo de quatro anos. Vale ainda destacar que a Constituição de 1934 também “estabeleceu, pela primeira vez no país, a vinculação de mínimos percentuais orçamentários para a educação” (MI-LITÃO, MIRALHA, 2012, p.841).

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 147

A partir da década de 1940, as reformas promovidas pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema, denominadas Leis Orgânicas do Ensino, delinearam diretrizes para a organiza-ção dos Ensinos Primário e Secundário. O Ensino Primário, que antes era organizado pelos Estados e Municípios, pas-sa a ser delineado pelo Governo Central e devendo atender crianças entre 7 e 12 anos (em quatro anos de curso primário elementar e em mais um ano de primário complementar) e jovens/adultos (em dois anos de curso primário supletivo).1

A segunda Lei de Diretrizes e Bases brasileira, a Lei 5.692/71 modificou a estrutura do ensino, unificando os cursos primá-rio e ginasial. Assim, estabeleceu-se o chamado 1º grau com extensão de 8 (oito) anos. Tal organização foi mantida pela atual LDB, 9.394/96 até a promulgação da Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que implementou a obrigatoriedade de nove anos de curso para o Ensino Fundamental, com ingresso no primeiro ano aos seis anos completos. A LDB atual também destaca, no Art.11, que é dever dos municípios a oferta do Ensino Fundamental.

Atualmente, o Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) pontua, na Meta 2, a universalização do Ensi-no Fundamental e destaca, ainda, que pelo menos 95% (no-venta e cinco por cento) dos alunos devem concluir essa etapa na idade recomendada (14 anos) até o último ano de vigência do atual Plano Nacional de Educação (2024). Também a Meta

1 Ver Lei Orgânica do Ensino Primário. Lei n.8.529 – de 2 de janeiro de 1946.Dispo-nível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/6_Nacio-nal_Desenvolvimento/lei%20org%C2nica%20do%20ensino%20prim%C1rio%201946.htm. Acesso em 31 ago. 2016

148 Escola e Currículo

5 relaciona o Ensino Fundamental, visando à alfabetização de todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano da etapa.2

2 Objetivos e organização do Ensino Fundamental

De acordo com o Art. 32 da LDB 9.394/96, o objetivo do Ensino Fundamental é a formação básica do cidadão a partir dos seguintes parâmetros:

I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II – a compreensão do ambiente natural e social, do siste-ma político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

2 Ver: http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf Acesso em 01 set. 2016.

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 149

A mesma legislação destaca que a oferta dessa etapa de ensino deve ser, obrigatoriamente, presencial e em língua por-tuguesa, resguardado o direito às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Já as práticas de ensino a distância deverão, no Ensino Fundamental, restringir-se às situações emergenciais ou, ainda, à complementação de atividades.

De modo semelhante à organização do Ensino Médio, a carga horária do Ensino Fundamental deve contemplar oito-centas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exa-mes finais, quando houver (Art. 24, LDB 9.394/96).

2.1 Ensino Fundamental de nove anos

Conforme pontuado anteriormente, a Lei 11.274 organiza o Ensino Fundamental em nove anos, com a matrícula obrigató-ria para as crianças com seis anos de idade completos. Mais de uma década após a promulgação da legislação, todas as redes de ensino já oferecem o E.F. com a organização em nove anos.

O acesso obrigatório aos seis anos nessa etapa de ensino visa garantir a todas as crianças os benefícios “de um ambien-te educativo mais voltado à alfabetização e ao letramento, à aquisição de conhecimentos de outras áreas e ao desenvolvi-mento de diversas formas de expressão”, aumentando assim a probabilidade de sucesso ao longo da escolarização. Para tanto, os sistemas de ensino e as escolas deverão desenvolver novos currículos e novos projetos políticos pedagógicos para

150 Escola e Currículo

o atendimento desse novo público, atentando para a “gran-de diversidade social, cultural e individual dos alunos, o que demanda espaços e tempos diversos de aprendizagem (DCN, 2013, p. 121).

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (2013, p.122) a organização de um único ciclo de trabalho para os três primeiros anos do Ensino Fundamental “questiona a con-cepção linear de aprendizagem que tem levado à fragmenta-ção do currículo e ao estabelecimento de sequências rígidas de conhecimentos”, uma vez que é dado um tempo maior ao aluno para que desenvolva as aprendizagens condizentes com a referida etapa de ensino. Caberá aos professores que a ela-boração de estratégias pedagógicas para recuperar os alunos que apresentarem dificuldades no seu processo de construção do conhecimento.

Os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem asse-gurar, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais:

a) a alfabetização e o letramento;

b) o desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o aprendizado da Língua Portuguesa, a Li-teratura, a Música e demais artes, a Educação Física, assim como o aprendizado da Matemática, de Ciên-cias, de História e de Geografia;

c) a continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os pre-juízos que a repetência pode causar no Ensino Funda-mental como um todo, e, particularmente, na passa-

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 151

gem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e desse para o terceiro.

Vale referir ainda que a organização do Ensino Fundamen-tal prevê a garantia de escolarização aos que não tiveram acesso na idade própria. No entanto, a Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade que pode abranger os Ensinos Fundamental e Médio, pode ser organizada de modo diferen-ciado, a exemplo das “Totalidades de Ensino”. Nessa forma de organização, as etapas de ensino da EJA correspondem a um ou mais anos de escolarização.

3 O currículo

De acordo com Antônio Flávio Moreira e Vera Candau (2007, p. 17), o currículo é constituído por distintas dimensões, as quais são organizadas a partir “dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente”. Dessa forma, as ações docentes, os planos pedagógicos, os conteúdos a ser ensina-dos, assim como os processos avaliativos (elaborados pelas instituições e pelos sistemas de ensino), constituem o currícu-lo; são operacionalizados em consonância com as distintas teorizações. Em resumo, os referidos autores pontuam que o currículo compreende:

as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contri-buem para a construção das identidades de nossos/as estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de

152 Escola e Currículo

esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções edu-cativas. (MOREIRA, CANDAU, 2007, p.18)

Em consonância com a afirmativa, torna-se necessário “considerar a relevância dos conteúdos selecionados para a vida dos alunos e para a continuidade de sua trajetória es-colar”. Dessa forma, pretende-se que conhecimentos aborda-dos sejam “mais significativos para os educandos” favorecen-do sua participação efetiva nos processos de aprendizagem (DCN, 2013, p. 118).

Assim como no Ensino Médio, o currículo do Ensino Fun-damental deve ser organizado a partir de uma base nacional comum e de uma parte diversificada, a qual deve ser comple-mentada por cada sistema de ensino e organizada a partir “das características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos” (LDB 9.394/96). Ambas, base nacional comum e a parte diversificada, constituem um todo integrado e não podem ser compreendidas como dois blocos distintos, tampouco organizadas em turnos diferenciados de funcionamento. Já os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim organizados em relação às áreas de conhecimento (DCN, 2013, p. 114):

I – Linguagens: a) Língua Portuguesa b) Língua materna, para populações indígenas c) Língua Estrangeira mo-derna d) Arte e) Educação Física

II – Matemática

III – Ciências da Natureza

IV – Ciências Humanas: a) História b) Geografia

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 153

V – Ensino Religioso

Modificações na legislação realizadas posteriormente à implementação da LDB 9.394/96 alteram a organização de conteúdos em determinados componentes curriculares obriga-tórios. Exemplo do que falo está na organização do ensino so-bre a “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, temática que deve estar presente, de modo obrigatório, nos conteúdos desenvolvidos no âmbito de todo o currículo escolar, em es-pecial dos componentes curriculares Arte, Literatura e História do Brasil. Também a música constitui conteúdo obrigatório no Ensino Fundamental, porém, seu ensino não é de domínio ex-clusivo do componente curricular Arte, área que deve compre-ender as artes visuais, o teatro, a dança e também a música.

A Educação Física, componente obrigatório do currículo do Ensino Fundamental, é facultativa ao aluno apenas nas circunstâncias previstas na LDB e deve estar em consonância com a proposta político-pedagógica da escola. Já o Ensino Religioso, de acordo com o Art. 33 da LDB 9.394/96 “é par-te integrante da formação básica do cidadão e constitui dis-ciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Dessa forma, sua oferta é obrigatória na grade curricular das instituições públicas de ensino, porém, a matrí-cula é facultativa ao aluno, uma vez que é assegurado o res-peito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, e são vedadas quaisquer formas de doutrina em prol de qualquer religião ou crença. Ainda sobre a organização dos componentes curri-culares dessa etapa de ensino, destaca-se que a partir do 6º ano deve ser incluído, de modo obrigatório, o ensino de uma

154 Escola e Currículo

Língua Estrangeira moderna, cuja escolha deve ser realizada pela comunidade escolar.

Por fim, no que tange a organização do currículo do Ensino Fundamental, a LDB 9.394/96 destaca que é facultado aos sistemas de ensino desdobrá-lo em ciclos de aprendizagem ou adotar a progressão seriada. As instituições de ensino que organizam seus currículos através da progressão regular po-dem, de acordo com a referida legislação, adotar o regime de progressão continuada, desde que não ocorra prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem.

3.1 A avaliação

De acordo com Regina Leite Garcia (1999), a avaliação esco-lar sempre foi uma atividade de controle e seleção. No entan-to, em consonância com a LDB 9.394/96, a avaliação deve superar tais dimensões ao ser organizada de forma contínua e cumulativa, com a prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre aqueles de eventuais provas finais. Logo, os processos avaliativos devem assumir um caráter processual, formativo e participativo, fomentando, também, a reorganização do fazer pedagógico, como esclarece José Carlos Libâneo (1994, p. 195) “a mensuração apenas proporciona dados que devem ser submetidos a uma apreciação qualitativa. A avaliação, assim, cumpre funções pedagógico-didáticas, de diagnósti-co e de controle [...]”. A referida legislação ainda apresenta (Art.24):

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 155

a. Possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;

b. Possibilidade de avanço nos cursos e nas séries me-diante verificação do aprendizado;

c. Aproveitamento de estudos concluídos com êxito;

d. Obrigatoriedade de estudos de recuperação, de pre-ferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a ser disciplinados pelas ins-tituições de ensino em seus regimentos [...]

As avaliações realizadas na escola deverão ser articuladas às avaliações nacionais, promovidas pelo Sistema de Avalia-ção da Educação Básica (Saeb) e também àquelas organiza-das pelos diferentes Estados e Municípios. Tais avaliações têm como objetivo, através da análise do desempenho dos alunos, avaliar e contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica. Ao longo do Ensino Fundamental ocorrem as seguintes avaliações externas:

 Avaliação Nacional da Educação Básica – Aneb: abrange, por amostra, alunos das redes públicas e privadas do país, em áreas urbanas e rurais, matri-culados nos 5º e 9º anos Ensino Fundamental, tendo como principal objetivo avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação brasileira.

 Avaliação Nacional do Rendimento Escolar – An-resc (“Prova Brasil”): avaliação censitária envolvendo os alunos dos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e fe-

156 Escola e Currículo

deral, com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas. Participam dessa ava-liação as escolas que possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nos anos avaliados, sendo os resultados disponibilizados por escola e por ente federativo.

 Avaliação Nacional da Alfabetização – ANA: ava-liação censitária envolvendo os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas, com o ob-jetivo principal de avaliar os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa, alfabetização Mate-mática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização das redes públicas.

 Avaliação da Alfabetização Infantil – Provinha Bra-sil: avaliação diagnóstica que visa investigar o desen-volvimento das habilidades relativas à alfabetização e ao letramento em Língua Portuguesa e Matemática, nos alunos de turmas do 2º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas brasileiras. É aplicada duas vezes ao ano (no início e no final do ano letivo).

4 Desafios do Ensino Fundamental no século XXI

Como afirma Paula Sibilia (2012), o modus operandi das ins-tituições de ensino, organizado sobre as necessidades sociais do final do século XIX e início do século XX, tornou-se incompa-tível aos imperativos da sociedade contemporânea. Outrora, o

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 157

objetivo de parte da instrução escolarizada era a preparação de operários para o trabalho fabril, os quais deveriam ser dis-ciplinados e servis. Na atualidade, objetiva-se a formação de pessoas empreendedoras, ousadas, proativas e flexíveis. Logo, a escola precisa modificar-se para corresponder à formação dos cidadãos dos novos tempos.

Inúmeros são os desafios das diferentes etapas da escolari-zação no século XXI. No que tange o Ensino Fundamental, as Diretrizes Curriculares Nacionais destacam como problemáti-ca a integração entre a referida etapa com a Educação Infantil e com o Ensino Médio, o que permitiria aos discentes uma melhor adaptação entre uma etapa e outra e, por conseguin-te, desenvolvimento contínuo de suas aprendizagens. Como uma das possibilidades de superação, destaca-se a incorpo-ração de práticas lúdicas comumente dispostas na Educação Infantil, a exemplo das brincadeiras livres, principalmente nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Da mesma forma, a sis-tematização de conhecimentos, a formação de conceitos e a preocupação com o desenvolvimento do raciocínio abstrato são práticas que poderiam permear o Ensino Fundamental, uma vez que são aprofundadas no Ensino Médio (DCN, 2013, p. 120).

Visto o restrito espaço para contemplar inúmeros desafios, problematizo nesse texto a educação integral e o uso das tec-nologias de informação e comunicação, uma vez que são di-mensões contempladas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e que afetam a organização curricular e as ações docentes no Ensino Fundamental.

158 Escola e Currículo

4.1 A Educação Integral

De acordo com o Art. 34 da LDB, a jornada escolar no ensino fundamental deve ser realizada por um período mínimo de quatro horas, “sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola”. O currículo de tempo integral deve prever uma jornada escolar de, no mínimo, sete horas diárias, com atividades a ser desenvolvidas no ambiente escolar ou em outros espaços da cidade, mediante “parceria com órgãos ou entidades locais, sempre de acordo com o projeto político--pedagógico de cada escola” (DCN, 2013, p. 125).

De modo semelhante, a Meta 6 do Plano Nacional de Edu-cação também destaca a implementação da Educação Inte-gral, visando oferecê-la “em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica.” Dessa forma, espaços esportivos e culturais, como clubes esportivos, associações de bairro, centro culturais, en-tre outros espaços, poderão ser utilizados como espaços para ações da Educação Integral. No entanto, tais atividades devem privilegiar:

[...] atividades como as de acompanhamento e apoio pe-dagógico, reforço e aprofundamento da aprendizagem, experimentação e pesquisa científica, cultura e artes, es-porte e lazer, tecnologias da comunicação e informação, afirmação da cultura dos direitos humanos, preservação do meio ambiente, promoção da saúde, entre outras, articuladas aos componentes curriculares e áreas de co-nhecimento, bem como as vivências e práticas sociocul-turais. (DCN, p. 125)

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 159

Projetos como o Mais Educação, que visam à ampliação da jornada escolar, são operacionalizados pelas redes de en-sino como práticas para a efetivação da Educação Integral. No entanto, tais projetos são realizados, em sua maioria, por monitores e colaboradores, fato que não garante a continui-dade de muitas ações, tampouco a integração das mesmas com os demais componentes curriculares. Essa é uma das grandes problemáticas para as escolas na implementação da Educação Integral: garantir a continuidade das atividades e a integração das mesmas com as demais instâncias curriculares. Pode-se pensar que a organização das ações do turno integral no Projeto Político Pedagógico das escolas poderá, ao me-nos, garantir que tais problemáticas sejam minimizadas. Essa dimensão também é destacada pelo Plano Nacional de Edu-cação, ao referir que a Educação Integral em cada estabeleci-mento de ensino será compromisso de um projeto pedagógico diferenciado. Assim, a educação integral será:

o resultado daquilo que for criado e construído em cada escola, em cada rede de ensino, com a participação dos educadores, educandos e das comunidades, que podem e devem contribuir para ampliar os tempos, as oportu-nidades e os espaços de formação das crianças, ado-lescentes e jovens [...]. (Plano Nacional de Educação, 2014, p. 28)

4.2 As tecnologias de informação e comunicação

As tecnologias de informação e comunicação estão, cada dia mais, presentes no ambiente escolar, muitas vezes nas mãos

160 Escola e Currículo

de alunos e alunas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Ao observar crianças e jovens na atualidade é possível per-ceber, dentre tantas características, a habilidade dos mesmos para a realização de múltiplas ações em um mesmo espaço de tempo. Desse modo, atos como trocar mensagens, conversar com colegas, realizar os exercícios de determinada disciplina e ainda ouvir música no celular pelo fone de ouvido (burlando muitas vezes o olhar do professor) tornam-se atividades ca-racterísticas e comumente realizáveis para os estudantes dos tempos atuais. Sobre o tema, pontua Garbin (2009, p.33):

Chama-nos a atenção o fato de que há uma juventude que convive, desde a infância, com a televisão, e que não consegue imaginar o mundo sem TV, sem compu-tador, sem internet, sem chats, sem sites, sem celulares, etc. É uma camada juvenil que tecla ao mesmo tempo em que troca e-mails, navega em sites, posta fotos em outros, assiste televisão [com o controle remoto à mão], ouve música num walkman, num discman, num iPod, num MP3/4/5/6/... player, num celular, num Palm top, ou num aparelho de som convencional e comenta o que assiste e ouve, o que tecla, troca de canais a todo instan-te em busca de novas imagens, de novos sons, dos mais diferentes lugares e com os mais diferentes personagens, com uma velocidade ímpar [...].

Na atualidade, as condições socioeconômicas não são mais um empecilho para o exercício de determinadas práticas de consumo, dentre as quais se pode referir o uso e a aqui-sição das tecnologias de informática e das ferramentas para navegação pela web que apresentam, em relação ao início

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 161

dos anos 2000, um custo menor. Hoje computadores, tablets e celulares com disponibilidade de acesso à web podem ser adquiridos por valores acessíveis, fato que fomenta sua ampla circulação nos espaços sociais, inclusive no espaço escolar.

Hoje, o espaço virtual pode ser acessado através de fer-ramentas móveis como celulares, tablets e notebooks. Sem a dependência da telefonia fixa, a cobrança pelo referido serviço passou a incidir apenas sobre a quantidade de dados transfe-ridos ou sobre os minutos de navegação. Também não ocorre mais a necessidade de comprovação de residência para a ins-talação de um aparelho telefônico, o que permite que habitan-tes de áreas irregulares possam adquirir tal tecnologia. Assim, estamos todos (ou quase todos) conectados!

Como aponta Sibilia (2012), os alunos contemporâneos que nasceram ou cresceram com as distintas tecnologias de informação e comunicação “devem se submeter diariamente ao [...] instrumental analógico do giz e do quadro-negro, dos regulamentos e dos boletins, dos horários fixos e das carteiras enfileiradas, da prova escrita e da lição oral”. E, ao circular pelas salas de aula, pode-se verificar que as referidas tecno-logias têm conquistado a atenção do alunado do século XXI, muitas vezes com maior força do que nossas ações como pro-fessores. (SIBILIA, 2012). Dessa forma, a inclusão digital e o uso adequado das tecnologias de informação e comunicação colocam-se como desafios para a escola contemporânea.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (2013, p. 111), “é preciso que se ofereça aos professores formação ade-quada para o uso das tecnologias da informação e comunica-

162 Escola e Currículo

ção e que seja assegurada a provisão de recursos midiáticos atualizados e em número suficiente para os alunos” para a superação de tal desafio. Isso implica que docentes assumam a posição de “aprendizes”, construindo com seus alunos res-postas para as problemáticas dos novos tempos. Assim, “seu papel de orientador da pesquisa e da aprendizagem sobrele-va, assim, o de mero transmissor de conteúdos” (DCN, 2013, p. 111).

Recapitulando

Neste capítulo, foram apresentados, brevemente, aspectos his-tóricos acerca da implementação do Ensino Fundamental no Brasil e das principais transformações ocorridas nessa etapa de Ensino em razão de distintas legislações, em especial pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96; pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e pelo Plano Nacional de Educação. Dentre as mudanças, destaca-se a implementação do Ensi-no Fundamental de nove anos, a necessidade de contemplar conteúdos relacionados à História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena e o ensino de música. No que tange a avaliação, destacou-se àquelas que ocorrem sob a organização discente, as quais devem ocorrer de forma contínua e cumulativa, com a prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. Também foram apresentadas as principais avaliações externas que mensuram o desempenho dos alunos no Ensino Funda-mental, seus objetivos e anos de escolarização atendidos. Por fim, foram discutidos alguns dos principais desafios do Ensino Fundamental, na atualidade: a integração entre a referida eta-

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 163

pa com as demais da Educação Básica (garantindo o pleno desenvolvimento dos educandos), a implementação da Educa-ção Integral e o uso das Tecnologias de Informação e Comu-nicação, por alunos e professores, são os desafios destacados.

Referências

BRASIL. Lei Orgânica do Ensino Primário. Lei 8.529 – de 2 de janeiro de 1946.

Disponível em:

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escri-tas/6_Nacional_Desenvolvimento/lei%20org%C2nica%20do%20ensino%20prim%C1rio%201946.htm. Acesso em 31 ago. 2016.

______. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-publicacaooriginal-1--pl.html. Acesso 01 set. 2016.

______. Plano Nacional de Educação. Lei. nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001) Disponível em: http://pne.mec.gov.br/. Acesso em 01 set. 2016.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino. Planejando a próxima dé-cada. Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação. http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhe-cendo_20_metas.pdf. Acesso em 11 set. 2016.

164 Escola e Currículo

______. Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Dispo-nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11274.htm. Acesso em 01 set. 2016.

______. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394/96.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação. Bá-sica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Conselho Nacional da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, DICEI, 2013.

GARBIN, Elisabete M. Culturas Juvenis, Identidades e Internet: questões atuais. Cultura, Culturas e Educação. Revista Brasileira de Educação. Campinas. n 23. maio/jun/jul./ago. 2003, p. 119-135.

GARCIA, Regina Leite. A avaliação e suas implicações no fra-casso/sucesso. In: ESTEBAN, Maria Teresa (Org.). Avalia-ção: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. p. 29-49.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez. 2. ed., 1994.

MILITÃO, Silvio Cesar Nunes; MIRALHA, Mayara Faria. Ensino Fundamental: trajetória histórica e panorama atual. Anais: XIV Semana da Educação. Pedagogia 50 anos: da Facul-dade de Filosofia, Ciências e Letras à Universidade Esta-dual de Londrina. 9 a 11 de maio de 2012, p. 836-849. Disponível em:

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 165

ttp://www.uel.br/eventos/semanadaeducacao/pages/arqui-vos/anais/2012/anais/ensinofunda

mental/ensinofundamental.pdf. Acesso em 20 ago. 2016.

MOREIRA, Antônio Flávio. CANDAU, Vera. Indagações so-bre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

SIBILIA, Paula. A escola no mundo hiperconectado: Redes em vez de muros? Matrizes, Revista do Programa de Pós-Gra-duação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (USP), vol. 5, no. 2 (2012); p. 195-211.

Atividades

Marque a alternativa correta em cada uma das questões abaixo

1) Sobre a organização do Ensino Fundamental é correto afirmar:

a) O objetivo do Ensino Fundamental é a formação bási-ca do cidadão e sua oferta deve ser; obrigatoriamen-te, presencial e em língua portuguesa, resguardado o direito às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas.

b) A carga horária do Ensino Fundamental deve contem-plar setecentas horas, distribuídas por um mínimo de

166 Escola e Currículo

duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.

c) O objetivo do Ensino Fundamental é a formação in-tegral do cidadão e sua oferta deve ser; preferencial-mente, presencial e em língua portuguesa, resguarda-do o direito às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas.

d) A carga horária do Ensino Fundamental deve contem-plar oitocentas horas, distribuídas, no máximo, em duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.

e) Nenhuma das alternativas.

2 São componentes curriculares obrigatórios do currículo do Ensino Fundamental:

I. Ciências Naturais, Educação Física, Língua Estrangei-ra e Ensino Religioso.

II. Ciências Humanas, Educação Física, Espanhol e Ensi-no Religioso.

III. Português, Matemática, Artes e Filosofia.

IV. Ciências Humanas, Música, Matemática e Português.

Consideram-se VERDADEIRAS

a) I e II.

b) II, III e IV.

c) III.

Capítulo 8 Organização Curricular – Ensino Fundamental 167

d) I e III.

e) I e IV.

3) Marque a alternativa que NÃO apresenta as aprendiza-gens garantidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino dos três anos iniciais do Ensino Fundamen-tal:

a) A alfabetização e o letramento.

b) O aprendizado da Matemática, de Ciências, de Histó-ria e de Geografia.

c) A continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os pre-juízos que a repetência pode causar no Ensino Funda-mental.

d) O aprendizado de uma Língua estrangeira moderna.

e) O aprendizado da Língua Portuguesa, da Literatura, da Música e demais artes e da Educação Física.

4) As avaliações externas têm sido amplamente empregadas para a análise da qualidade do ensino. No caso da Prova Brasil, o segmento no qual ela é aplicada, constitui-se dos alunos:

a) Do 2º ano e do 5º ano do Ensino Fundamental.

b) Do 5º ano e do 9º ano do Ensino Fundamental.

c) Do 2º ano e do 9º ano do Ensino Fundamental.

d) Do 4º ano e do 8º ano do Ensino Fundamental.

168 Escola e Currículo

e) Do 5º ano e do 8º ano do Ensino Fundamental.

5) Como aponta Sibilia (2012), os alunos contemporâneos que nasceram ou cresceram com as distintas tecnologias de informação e comunicação “devem se submeter diaria-mente ao [...] instrumental analógico do giz e do quadro--negro, dos regulamentos e dos boletins, dos horários fixos e das carteiras enfileiradas, da prova escrita e da lição oral”. Como trabalhar com as tecnologias de informação e comunicação, no Ensino Fundamental, com os alunos dos dias atuais? Apresentando situações reais, produza um texto de 15 linhas sobre a problemática.

????????

Capítulo ?

Organização Curricular – Ensino Médio12

1 Graduada em Pedagogia (UFRGS) e Educação Física (UNISINOS). Mestre e dou-tora em Educação (UFRGS). Professora do PPG em Educação da Universidade Luterana do Brasil.

2 Graduada e mestre em Engenharia Civil (UFRGS) e doutora em Educação (UFR-GS). Professora do PPG em Educação da Universidade Luterana do Brasil.

Juliana Ribeiro de Vargas1

Karla Saraiva2

Capítulo 9

170 Escola e Currículo

1 Ensino Médio: diálogos com a Pedagogia

O objetivo deste capítulo está em contextualizar a organiza-ção curricular do Ensino Médio atual, no sistema educacional nacional, traçando diálogos possíveis sobre tal organização com o campo da Pedagogia. Para tanto, ao longo do capítulo, retomamos brevemente aspectos históricos acerca da imple-mentação do Ensino Médio no Brasil; disposições legais da referida etapa do ensino apresentadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96; pelas Diretrizes Curricula-res Nacionais e pelo Plano Nacional de Educação e o modo como as mesmas operam sobre a organização curricular atual do Ensino Médio. Posteriormente, apresentamos a abordagem curricular por competências, adotada por muitas escolas nessa etapa de ensino. Encerramos este capítulo discutindo alguns dos desafios para a organização curricular do Ensino Médio, na atualidade, tanto para pedagogos e pedagogas como, também, para a organização de políticas educacionais. Acre-ditamos que tais desafios estão no cerne da própria compre-ensão do currículo como um território de disputas, tal como pontua Miguel Arroyo (2014, p. 54): “Se o conhecimento é um campo dinâmico, o currículo não pode ser reverenciado como um campo estático, mas como um território de disputa no que diz respeito à forma como o próprio conhecimento é disputado na sociedade”. Vale destacar que, nos últimos 20 anos, houve uma ampliação do acesso dos adolescentes e jovens ao Ensino Médio, a qual trouxe para as escolas públicas um novo contingente de estudantes, muitos desses filhos das classes trabalhadoras e da população do campo. Embora já

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 171

ocorram inúmeras ações promovidas pelos governos estaduais e pelo Ministério da Educação, os sistemas de ensino ainda não alcançaram as mudanças necessárias para alterar a per-cepção de conhecimento do seu contexto educativo; tampou-co estabeleceram um projeto organizativo efetivo que atenda às novas demandas daqueles que buscam o Ensino Médio (Di-retrizes Curriculares Nacionais, 2013, p. 146).

1 Retomada histórica

Em termos históricos, o Ensino Médio no Brasil se caracterizou pela dualidade estrutural, ou seja, eram organizados, através das políticas educacionais, currículos diferenciados definidos pela divisão social do trabalho (NASCIMENTO, 2007). Dessa forma, teremos, até a implementação da LDB atual, currículos que visavam distintamente: a) a formação de mão de obra qualificada; b) a formação de elites políticas e profissionais, com uma finalidade propedêutica e socialmente distintiva (KRAWCZYK, 2014, p. 78).

Posterior à implementação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930, sob a responsabilidade do Ministro Francisco Campos, foi regulamentado e organizado o ensino secundário (Decreto 18.890/31). Foi assim estabelecido um currículo seriado, dividido em duas etapas: o ciclo fundamen-tal oferecia a formação básica geral e no ciclo complementar eram organizados cursos propedêuticos articulados ao curso superior (NASCIMENTO, 2007).

172 Escola e Currículo

Já entre 1942 e 1946, o Ministro da Educação, Gustavo Capanema, instituiu as Leis Orgânicas do Ensino, “que estru-turaram o ensino propedêutico em: primário e secundário e o ensino técnico-profissional: industrial, comercial, normal e agrícola” (NASCIMENTO, 2007, p. 81). É importante destacar que os cursos do ensino técnico-profissional não habilitavam o ingresso no Ensino Superior, o que evidencia a dualidade entre o ensino propedêutico e o ensino técnico.1 No entanto, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961) promoveu a equivalên-cia entre os cursos de Ensino Médio, permitindo o acesso ao Ensino Superior pela formação também pelo Ensino Técnico- Profissional (DCN, 2013).

Dez anos depois, com a promulgação da Lei 5.692/71, ocorreu instituição dos 1º e de 2º graus em substituição às etapas de ensino anteriores (primário, ginásio e ensino secun-dário). Dessa forma, o curso ginasial, considerado a etapa inicial do ensino secundário, acabou incorporado como fase final do ensino de 1º grau. Para o 2º grau (correspondente ao atual Ensino Médio), a profissionalização, primeiramente, tornou-se obrigatória. Contudo, passada uma década, foi edi-tada a Lei 7.044/82, tornando facultativa a profissionalização no 2º grau. O mais novo momento veio com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei Federal 9.394/96, que define o Ensino Médio como a etapa final da Educação Básica, constituída primeiramente pela Educação

1 Ver: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decreto-lei%204.244-1942%20reforma%20capanema-ensino%20secund%E1rio.htm . Acesso em 01 set 2016

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 173

Infantil e pelo Ensino Fundamental (Diretrizes Curriculares Na-cionais, 2013).

1.2 Legislações e Ensino Médio

1.2.1 – A LDB – 9.394/96

De acordo com a LDB 9.394/96, é dever do Estado garantir a obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio à população, inclusive para aqueles que não obtiveram acesso na idade própria. A LDB define como finalidades do Ensino Médio a preparação para a continuidade dos estudos, a preparação básica para o trabalho e o exercício da cidadania, a forma-ção ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico do educando e, ainda, a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada dis-ciplina (Art. 35 LDB 9.394/96). Para tanto, o currículo deverá observar as seguintes diretrizes (Art. 36):

I – destacará a educação tecnológica básica, a compre-ensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;

III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade es-

174 Escola e Currículo

colar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição;

IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como discipli-nas obrigatórias em todas as séries do ensino médio.

Os conteúdos, as metodologias e a avaliação devem ser organizados para que o aluno demonstre, ao final do Ensino Médio, domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna e conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.

1.2.2 As Diretrizes Curriculares Nacionais

As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Bá-sica, especificamente quanto ao Ensino Médio, foram defini-das pelo parecer CNE/CEB 7/2010 e pela a Resolução CNE/ CEB 4/2010.2 Tais Diretrizes reiteram a etapa como o final do processo formativo da Educação Básica e indicam que o mes-mo “deve ter uma base unitária sobre a qual podem se assen-tar possibilidades diversas” (DCN, 2013, p. 154). Para tanto:

os sistemas educativos devem prever currículos flexíveis, com diferentes alternativas, para que os jovens tenham a oportunidade de escolher o percurso formativo que aten-da seus interesses, necessidades e aspirações, para que se assegure a permanência dos jovens na escola, com proveito, até a conclusão da Educação Básica.

2 A partir daqui, utilizaremos a abreviatura DCN para Diretrizes Curriculares Na-cionais.

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 175

A organização dessa etapa de ensino pode ocorrer em sé-ries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendi-zagem assim o recomendar (DCN, 2013, p. 181). No entanto, sua duração mínima deve ser de três anos, com carga horá-ria mínima total de 2.400 horas, respeitando a carga horária anual de 800 horas, distribuídas em pelo menos 200 dias de efetivo trabalho escolar, de modo semelhante ao Ensino Fun-damental.

O Ensino Médio regular diurno pode se organizar em re-gime de tempo integral, com no mínimo 7 horas diárias, e o Ensino Médio regular noturno deve ser organizado de forma a atender às condições de trabalhadores e respeitados os mí-nimos de duração e carga horária, especificando uma orga-nização curricular e metodológica diferenciada. De modo a garantir a permanência e o sucesso dos estudantes do Ensino Médio noturno, pode-se: a) ampliar a duração para mais de 3 anos, com menor carga horária diária e anual, garantido o mínimo total de 2.400 horas para o curso; b) incluir ativi-dades não presenciais, até 20% da carga horária diária e de cada tempo de organização escolar, desde que haja suporte tecnológico e seja garantido o atendimento por professores e monitores (DCN, 2013, p. 189).

O Ensino Médio poderá preparar o educando para o exer-cício de profissões técnicas em cursos específicos, os quais te-rão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento dos estudos. Quando integrado à Educação Profissional e Tecno-

176 Escola e Currículo

lógica devem ser observadas diretrizes específicas, como as cargas horárias mínimas de: a) 3.200 horas, no Ensino Médio regular integrado com a Educação Profissional Técnica de Ní-vel Médio; b) 2.400 horas, na Educação de Jovens e Adultos integrada com a Educação Profissional Técnica de Nível Mé-dio, respeitado o mínimo de 1.200 horas de educação geral; c) 1.400 horas, na Educação de Jovens e Adultos integrada com a formação inicial e continuada ou qualificação profissio-nal, respeitado o mínimo de 1.200 horas de educação geral; (DCN, 2013, p. 189).

1.2.3 O Plano Nacional de Educação

O Plano Nacional de Educação constitui-se, na atualidade, em uma exigência constitucional com periodicidade decenal, articulador do Sistema Nacional de Educação. Em relação ao EM, encontramos a Meta 3, que visa universalizar o atendi-mento escolar para os jovens entre 15 (quinze) a 17 (dezesse-te) anos e aumentar, até 2024, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento). Para tanto, busca-se, entre outras estratégias, a organização do progra-ma nacional de renovação do ensino médio, a fim de incen-tivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares e, ainda, o redimensionamento da oferta de ensino médio nos turnos diurno e noturno e a distribuição territorial das escolas de modo a atender a demanda, de acordo com as necessida-des específicas dos (as) alunos (as); (Lei 13.005/ 2014).

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 177

1.3 Currículo do Ensino Médio – princípios e pressupostos

Os princípios pedagógicos identidade, diversidade, auto-nomia, interdisciplinaridade e contextualização devem ser os estruturadores dos currículos dessa etapa de ensino, no in-tuito de promover a formação integral discente. Como pres-supostos e fundamentos para um Ensino Médio de qualidade social, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mé-dio destacam:

 Trabalho, ciência, tecnologia e cultura: dimensões da formação humana

 Trabalho como princípio educativo

 Pesquisa como princípio pedagógico

 Direitos humanos como princípio norteador

 Sustentabilidade ambiental como meta universal

De modo semelhante ao Ensino Fundamental, o currí-culo do Ensino Médio é constituído por uma base comum e uma parte diversificada, as quais deverão oferecer tempos e espaços próprios para estudos e atividades que contemplem os interesses e aspirações dos estudantes, bem como as es-pecificidades etárias, sociais e culturais (DCN, 2013). Ambas constituem um todo integrado e não podem ser consideradas como dois blocos distintos. Os conteúdos sistematizados que fazem parte do currículo, denominados componentes curricu-lares, se articulam com as seguintes áreas de conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Hu-

178 Escola e Currículo

manas. Em termos operacionais, os componentes curriculares obrigatórios são os referentes a:

I – Linguagens: a) Língua Portuguesa, b) Língua Materna, para populações indígenas, c) Língua Estrangeira mo-derna, d) Arte, em suas diferentes linguagens: cênicas, plásticas e, obrigatoriamente, a musical, e e) Educação Física.

II – Matemática.

III – Ciências da Natureza: a) Biologia; b) Física; c) Química.

III – Ciências Humanas: a) História; b) Geografia; c) Filoso-fia; d) Sociologia.

Em decorrência de legislação específica, são obrigatórios:

I – Língua Espanhola, de oferta obrigatória pelas unida-des escolares, embora facultativa para o estudante (Lei 11.161/2005).

II – Os seguintes temas transversais: a) a educação alimen-tar e nutricional; b) o processo de envelhecimento, o respeito e a valorização do idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a ma-téria; c) a Educação Ambiental; d) a educação para o trânsito; e) a educação em direitos humanos.

Vale destacar que outros componentes complementares podem ser incluídos no currículo como disciplinas ou com ou-tro formato, a critério dos sistemas de ensino e das unidades escolares e definidos em seus projetos político-pedagógicos. Cada escola/rede de ensino pode buscar o diferencial que

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 179

atenda as necessidades e características sociais, culturais, eco-nômicas e a diversidade e os variados interesses e expectativas dos estudantes, possibilitando formatos diversos na organiza-ção curricular do Ensino Médio, garantindo sempre a simulta-neidade das dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura.

Os componentes curriculares que integram as áreas de co-nhecimento podem ser tratados como “disciplinas, unidades de estudos, módulos, atividades, práticas e projetos contextu-alizados e interdisciplinares ou diversamente articuladores de saberes, desenvolvimento transversal de temas ou outras for-mas de organização” (DCN, 2013, p. 189).

De um modo geral, as propostas voltadas para o Ensino Médio, estão baseadas em metodologias mistas (SANTOMÉ, 1998), as quais são desenvolvidas em, pelo menos, dois espa-ços e tempos. Um, destinado ao aprofundamento conceitual no interior das disciplinas, e, outro, voltado para as denomina-das atividades integradoras. Outro exemplo de proposta curri-cular para o EM é a sua organização por competências, como veremos a seguir.

1.3.1 Currículo por competências

A organização do currículo do EM por competências é reco-mendada pelos Parâmetros curriculares nacionais para o En-sino Médio. Além disso, o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) está baseado em uma matriz de competências. Frente a isso, esse conceito ganha destaque quando se discute as orientações curriculares para essa etapa da Educação Básica.

180 Escola e Currículo

Apesar de largamente utilizado, tanto em políticas públicas quanto em textos acadêmicos, o conceito de competência não está muito claramente definido, sendo utilizado de formas di-ferentes em cada publicação. Por esse motivo, iniciamos essa discussão delineando um significado para o termo. Assumimos que esse significado não será o mais correto ou verdadeiro, mas o que consideramos mais útil para nossos fins. Isso não se deve a uma suposta limitação técnica, mas à impossibilida-de de chegar a uma definição mais verdadeira que qualquer outra, tendo em vista que os sentidos das palavras são trama-dos dentro da linguagem, sendo intrinsecamente cambiantes e instáveis.

Dito isso, tomaremos competência como sendo “a capaci-dade de mobilizar recursos visando realizar algo de modo sa-tisfatório” (SARAIVA, 2010, p.6). Destacamos que entendemos realizar algo de modo amplo, que engloba desde tarefas mais utilitárias, como operar uma máquina ou escrever um relató-rio, até operações complexas, como analisar um contexto po-lítico. Os recursos consistem em conhecimentos, habilidades e atitudes. Ou seja, para desenvolver uma determinada compe-tência, os indivíduos precisam de conhecimentos, o que envol-ve tanto conhecimentos científicos quanto saberes advindos de suas experiências. Porém, isso não basta. Também precisam desenvolver habilidades, isso é, um saber-fazer que não se res-tringe a operações mecânicas do corpo, mas inclui operações mentais como, por exemplo, o raciocínio abstrato. E, além de conhecimentos e habilidades, precisam ter determinadas ati-tudes que contribuam para alcançar os fins desejados. Essas atitudes incluem posicionamentos éticos, articulando valores e visão de mundo.

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 181

Portanto, ao contrário do que se ouve muitas vezes, um currículo organizado por competências não prescinde de co-nhecimentos, porém, não se restringe a eles. O aluno necessita desenvolver outros recursos. E é por essa razão que o trabalho pedagógico deve ser redimensionado. A temporalidade envol-vida em um currículo que pretenda desenvolver competências será distinta daquela de um currículo que só se preocupe com a aquisição de conhecimentos. No primeiro caso, é necessá-rio envolver os alunos na execução de tarefas complexas que permitirão o desenvolvimento e a mobilização dos recursos. Além de complexas, essas atividades devem fazer sentido para os alunos e estarem conectadas com seus interesses (PERRE-NOUD, 1999).

Aqui, é importante salientar que para o desenvolvimento de uma competência não existem, necessariamente, recursos previamente desenvolvidos. Em muitos casos, a mobilização de um recurso confunde-se com seu desenvolvimento (RUÉ, 2009). Por exemplo, para implantar uma horta comunitária, os alunos precisam conhecimentos de botânica, de ecologia e alguns rudimentos de horticultura. Porém, também precisam ter habilidade para cultivar e cuidar das plantas, bem como atitudes voltadas para a organização das equipes de traba-lho e das discussões para decidir que tipos de vegetais serão cultivados. Esses são apenas alguns dos recursos a ser utiliza-dos para desenvolver a competência relativa à implantação de uma horta comunitária. A necessidade de mobilizá-los fará com que o aluno desenvolva aqueles que ainda não tenha desenvolvido, e que aprimore e modifique aqueles que ele já tenha desenvolvido anteriormente.

182 Escola e Currículo

Portanto, para trabalhar com um currículo organizado por competências deve-se, necessariamente, reduzir os conteúdos, abrindo espaço para o desenvolvimento de outros recursos e para sua mobilização. O trabalho pedagógico modifica-se profundamente. O professor precisa reconfigurar sua ação de modo bastante profundo para poder integrar-se a essa pro-posta. Por sua vez, ao organizar o currículo por competências, a escola não apenas deve reduzir os conteúdos, como também inovar no desenho curricular. Tendo em vista que o desenvolvi-mento de competências requer que os alunos sejam envolvidos em situações complexas, o currículo deve prever atividades in-tegradoras que permitam esse tipo de experiência. Em geral, essas atividades serão interdisciplinares: as competências, na sua forma mais ampla, não podem ser enquadradas dentro de disciplinas.

Frente a isso, é possível afirmar que desenvolver e implan-tar um currículo por competência constitui-se em um desafio para as escolas e seu corpo docente. Um desafio entre os tan-tos que se impõem para o Ensino Médio na atualidade.

1.4 Desafios para o Ensino Médio

Inúmeros são os desafios para a organização do Ensino Médio em nosso sistema educacional, a iniciar pela própria universa-lização dessa etapa de ensino, garantindo o acesso e a per-manência discente, principalmente para os jovens entre 15 e 17 anos. Entre esses, mais de 1,7 milhão estão fora da escola, segundo dados da PNAD 2011, e cerca de 2,6 milhões dos alunos que cursam o ensino médio encontram-se em situação

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 183

de atraso escolar, de acordo com o Censo Escolar de 2012 (VOLPI, SILVA e RIBEIRO, 2014, p. 6).

Outro desafio a ser enfrentado se refere à identidade do ensino médio, dicotômica em seus primórdios. Conforme des-tacam Leão, Dayrell e Reis (2011) encontramos, ainda nos dias atuais, tensionamentos entre formação geral e/ou profissional, ensino propedêutico e/ou técnico e sua relação com o mer-cado de trabalho, com o ensino superior e com a formação pensada em termos mais amplos, pautada pelas noções de autonomia e cidadania.

Entre os desafios, também podemos pontuar a formação/preparação docente para a atuação com os jovens e com o manejo das novas tecnologias informação e comunicação, tão caras ao público discente do Ensino Médio. Acrescentemos, ainda, a necessidade de compreender “os sentidos atribuídos pelos jovens à escola”, uma vez que, por vezes, os projetos e necessidades de vida dos estudantes distanciam-se de suas experiências escolares. Assim, histórias de dificuldades de aprendizagem, de múltiplos insucessos ou ainda, a necessida-de de conciliar horários de trabalho e estudo, transformam-se em razões para a evasão nas turmas de Ensino Médio (LEÃO, DAYRELL E REIS, 2011, p.256).

Para a superação de tais desafios, a escola precisa mudar, como destaca Nora Krawczyk (2014, p. 97):

Uma mudança que não seja uma simples adaptação passi-va, mas que busque encontrar um lugar próprio de construção de algo novo, que permita a expansão das potencialidades humanas e a emancipação do coletivo: construir a capacidade

184 Escola e Currículo

de reflexão. Assim, seguramente, a escola estará no caminho de recuperar seu caráter cultural, e o docente, o reconheci-mento da sociedade, particularmente, o reconhecimento dos jovens.

Recapitulando

Neste capítulo, apresentamos as principais transformações ocorridas na organização curricular do Ensino Médio no Brasil em razão das legislações que pautaram essa etapa de ensino. De um viés dicotômico, o qual diferenciava a formação entre saberes técnicos e propedêuticos, o Ensino Médio, na atuali-dade, visa à preparação para a continuidade dos estudos e para o ingresso no mundo do trabalho. Para tanto, a referida etapa de ensino tem como objetivos o exercício da cidadania, a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico do educando e, ainda, a compre-ensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. Destacamos, também, a organização do currículo do EM por competências, a qual é recomendada pelos Pa-râmetros curriculares nacionais para o Ensino Médio. Enten-demos por competência “a capacidade de mobilizar recursos visando realizar algo de modo satisfatório” (SARAIVA, 2010, p.6) e, para o desenvolvimento de uma competência torna--se necessário também o desenvolvimento de um repertório de conhecimentos, habilidades e atitudes. Por fim, apresentamos alguns dos principais desafios do Ensino Médio na atualidade, os quais vão desde a constituição de uma identidade para a

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 185

referida etapa, como também a compreensão de quem é o aluno/a do Ensino Médio na contemporaneidade.

Referências

ARROYO, Miguel. Repensar o Ensino Médio. Por quê? In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo e MAIA, Carla Linhares (Org.. Juventude e ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: UFMG. 2014, p. 53-74.

BRASIL. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961.

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaoorigi-nal-1-pl.html Acesso 01 set. 2016.

______. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. http://www2.ca-mara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agos-to-1971-357752-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso 01 set. 2016.

______. Lei 7044, de 18 de outubro de 1982. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cd005483.pdf. Acesso 01 set. 2016.

______. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf Acesso 01 set. 2016.

______. Lei 13.005, de 25 de junho de 2014. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-13005-25-ju-

186 Escola e Currículo

nho-2014-778970-publicacaooriginal-144468-pl.html. Acesso 01 set. 2016.

______. Ministério da Educação. Resolução CNE/CNB n 4, de 13 de julho de 2010. Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica, 2010. Disponível em:

h t tp ://por ta l .mec.gov.br/ index .php?opt ion=com_docman&task=doc_download&gid=6704&Itemid. Acesso em 01 set. 2016.

KRAWCZY, Nora. Uma roda de conversa sobre os desafios do Ensino Médio. In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo e MAIA, Carla Linhares (Org.) Juventude e ensino médio: sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: UFMG. 2014, p. 75-98.

LEÃO, Geraldo; DAYRELL, Juarez e REIS, Juliana Batista. Jo-vens olhares sobre a escola do Ensino Médio. Cad. Cedes, Campinas, vol. 31, n. 84, maio-ago. 2011, p. 253-273.

NASCIMENTO, Manoel Nelito. Ensino Médio no Brasil: deter-minações históricas. Publicação UEPG. Ciências Huma-nas, Ciências Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes, v. 15, 2007, p. 77-87.

PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.

RUÉ, Joan. A formação por meio de competências: possibili-dades, limites e recurso. In: ARANTES, Valéria. Educação

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 187

e competências: pontos e contrapontos. São Paulo: Sum-mus, 2009, p.15-75.

SARAIVA, Karla. Desenvolver competências no ensino médio. I Seminário Nacional Currículo em Movimento. In: Anais... Belo Horizonte, 2010.Disponível em http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2010-pdf/7180-4-5-desenvolver--competencias-karla-saraiva/file. Acesso em 08 set. 2016.

VOLPI, Mário; SILVA, Maria de Salete e RIBEIRO, Julia. 10 de-safios do Ensino Médio no Brasil: para garantir o direito de aprender de adolescentes de 15 a 17 anos. 1. ed. Bra-sília, DF: UNICEF, 2014.

Atividades

Marca a alternativa correta em cada uma das questões abaixo

1) A legislação que o marcou fim dos currículos diferencia-dos, definidos pela divisão social do trabalho, na orga-nização do Ensino Médio a transformação da dicotomia entre educação foi:

a) A primeira LDB, de 1961.

b) A reforma Capanema.

c) A LDB 9.394/96.

d) A LDB 5.692/71.

e) Nenhuma das alternativas.

188 Escola e Currículo

2) Acerca das finalidades do Ensino Médio, podemos afir-mar:

a) Visam à preparação para a continuidade dos estudos, a preparação básica para o trabalho, o exercício da cidadania, a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico do edu-cando e a compreensão dos fundamentos científico--tecnológicos dos processos produtivos.

b) Objetivam a preparação para o trabalho e o exercício da cidadania, a formação estética e o desenvolvimen-to da autonomia intelectual e do pensamento crítico do educando e, ainda, a compreensão dos fundamen-tos científico-tecnológicos dos processos produtivos.

c) Visam ao exercício da cidadania, a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pen-samento crítico do educando e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos.

d) Objetivam a preparação para o trabalho, a formação integral, o desenvolvimento do pensamento crítico do educando e, ainda, a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos.

e) Nenhuma das alternativas.

3) Qual das alternativas abaixo NÃO corresponde às diretri-zes curriculares do Ensino Médio, de acordo com o Art. 36 da LDB 9.394/96?

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 189

a) A educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes.

b) A língua portuguesa como instrumento de comunica-ção, acesso ao conhecimento e exercício da cidada-nia.

c) O processo histórico de transformação da sociedade e da cultura.

d) O ensino de duas línguas estrangeiras modernas, como disciplinas obrigatórias, uma delas escolhida pela comunidade escolar.

e) O ensino da filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio.

4) É necessário envolver os alunos na execução de tarefas complexas que permitirão o desenvolvimento e a mobili-zação dos recursos. Além de complexas, essas atividades devem fazer sentido para os alunos e estarem conectadas com seus interesses (PERRENOUD, 1999).

A afirmação acima se refere à organização de um currículo por competências. Sobre tal organização curricular, pode-se afirmar que:

a) Ela demanda um aumento de conteúdos que devem ser trabalhados pelo professor em sala de aula.

b) Ao trabalhar com essa perspectiva, o professor torna--se o centro do processo de ensino-aprendizagem.

190 Escola e Currículo

c) Ela demanda apenas a mudança nas metodologias utilizadas pelos professores.

d) Há uma diminuição nos conteúdos trabalhados, uma vez que os alunos estão envolvidos em situações com-plexas, em geral, interdisciplinares.

e) Nenhuma das alternativas.

5) Sobre a oferta e a organização do Ensino Médio, no con-texto das Diretrizes Curriculares Nacionais:

I. O Ensino Médio regular tem a duração mínima de 3 anos, com carga horária mínima total de 2.400 horas, tendo como referência uma carga horária anual de 800 horas, distribuídas em pelo menos 200 dias de efetivo trabalho escolar.

II. O Ensino Médio regular diurno, quando adequado aos seus estudantes, pode se organizar em regime de tempo integral, com, no mínimo, 5 horas diárias.

III. No Ensino Médio regular noturno não é possível ampliar a duração para mais de 3 anos, com menor carga ho-rária diária e anual.

IV. O Ensino Médio pode ser organizado em tempos esco-lares no formato de séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, gru-pos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organiza-ção, sempre que o interesse do processo de aprendiza-gem assim o recomendar.

Capítulo 9 Organização Curricular – Ensino Médio 191

Consideram-se VERDADEIRAS:

a) Todas as afirmativas.

b) I, II.

c) II, III, IV.

d) I, II, III

e) I, IV.

6) Quais os principais desafios do Ensino Médio, na atualida-de? Como tais desafios poderiam ser superados? Escreva sua argumentação, entre 10 e 15 linhas:

??????????

Capítulo ?

Escola na Contemporaneidade1

1 Doutora em Educação pela UFRGS. Professora do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação da ULBRA. Desenvolve pesquisas relacionadas ao campo do currículo, tendo publicado diversos artigos na área.

Karla Saraiva1

Capítulo 10

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 193

Introdução

Ao longo dos dez capítulos que compõem este livro, procura-mos mostrar como se deu a emergência da escola e discutir algumas temáticas relevantes para o currículo na contempora-neidade.1 Agora, vamos retomar as discussões sobre a escola, buscando problematizar suas práticas no cenário atual. Dizer que o mundo está mudando já se tornou um lugar comum. Tendo em vista que a emergência da escola foi possível por um conjunto de condições e para atender demandas que se estabeleceram em um determinado momento, conforme mos-trei no Capítulo 1, na medida em que essas condições e de-mandas mudam, a escola tem seu papel e seu funcionamento questionados. Neste capítulo, irei apontar algumas transfor-mações importantes em relação à modernidade e alguns pos-síveis efeitos sobre a organização escolar.

Em um primeiro momento, trarei algumas discussões sobre os novos modos de ser sujeito, em especial, sobre os novos modos de ser criança e de ser jovem, em conexão com a emer-gência das tecnologias digitais. A seguir, tratarei das transfor-mações do sistema produtivo e da racionalidade política, acon-tecimentos estreitamente ligados com os novos modos de ser sujeito. Em ambos os casos, mostrarei como essas transforma-ções se conectam com uma discursividade que hoje atravessa a sociedade sobre a necessidade de renovação da escola.

1 Assim como a modernidade foi definida como um modo de compreender o mun-do e de viver ligado a um período histórico que teria se finalizado em meados do século XX, a contemporaneidade seria os novos modos de compreender o mundo e de viver que vêm se consolidando desde então.

194 Escola e Currículo

1 Novas infâncias e juventudes

De acordo com o que vimos no Capítulo 1, a escola funciona-va a partir de uma organização disciplinar. Esse tipo de orga-nização era altamente tributário de uma noção de ordem, que transparecia na rigidez dos seus quadros de horários, de sua hierarquia e da fixação dos corpos no espaço. A obediência aos regulamentos era um valor importante, visando produzir uma multiplicidade de sujeitos que pautavam suas condutas por uma moralidade burguesa laica. A escola visava tornar seus alunos normais, ou seja, ajustados às normas dessa mo-ralidade que enfatizava o amor pelo trabalho e pela pátria, a procrastinação dos desejos em prol de objetivos maiores e um comportamento balizado pela modéstia e pela introspecção. A disciplina orientava diversas instituições, não apenas a escola. Ela estava presente já na família ou, pelo menos, já na família nos moldes burgueses e se estendia para a fábrica, o quartel, o hospital, a prisão (FOUCAULT, 1999).

Entre finais do século XIX e meados do XX, a escola atinge um razoável grau de consolidação. A partir de então, é possí-vel afirmar que a educação das crianças passa a ser realizada por um número restrito de instituições, com destaque para a família e para a escola, com a contribuição, frequentemente, da igreja. E mais do que poucas instituições, todas elas apon-tavam na mesma direção e reforçavam-se mutuamente. Esse cenário que permitiu a emergência e consolidação da escola moderna e disciplinar está muito diferente nos dias de hoje. Multiplicou-se o número de instituições que interferem, mesmo de modo não intencional, na educação de crianças e jovens. A

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 195

escola e a família integram uma densa rede de instituições que inclui a mídia, os jogos, as redes sociais, o imenso cabedal de conteúdos disponíveis na internet, as músicas, os filmes, as sé-ries e tantos outros artefatos. Vivemos na chamada sociedade da aprendizagem (SIMONS; MASSCHELEIN, 2011), na qual proliferam os espaços de aprendizagem (ANDRADE, 2015). Aprender tornou-se um imperativo que ressoa em expressões que funcionam como slogans educacionais, tais como “apren-der a aprender” e “aprendizagem ao longo da vida”.

Essa densa rede de espaços de aprendizagem difere das condições modernas não apenas por haver multiplicado o nú-mero de instituições que funcionam como instâncias educati-vas, como também pelo fato de que essas instituições já não apontam todas no mesmo sentido, mas tensionam entre si. Se a escola orienta para a introspecção, para uma concepção de mundo que privilegia o longo prazo e para a obediência homogeneizante das normas, os artefatos da cultura contem-porânea, em especial os artefatos digitais, clamam por um comportamento que Sibilia (2012) chama de alterdirigido, di-rigido para o exterior, para o outro. A lógica que rege esses outros espaços de aprendizagem é voltada para a mudança veloz e permanente, tornando o longo prazo insustentável para a interação contínua e para a exibição espetacularizada de si, que inviabiliza a modéstia e a introspecção, e, também, para a volatilidade das normas que, ao perderem sua rigidez, rela-tivizam a obediência e fazem surgir a necessidade de um tipo de autogestão infinitamente flexível.

Essas transformações, tal como ocorreu na passagem do medievo para a modernidade, estão intrinsecamente ligadas

196 Escola e Currículo

com transformações no modo de significar tempo e espaço. Se o entendimento moderno de espaço e tempo objetivos, men-suráveis, fracionáveis e administráveis foi uma das condições principais para a emergência da escola moderna (SARAIVA, 2006), as modificações que hoje vivenciamos no modo de sig-nificar esses elementos também estão imbricadas com algu-mas mudanças que caracterizam a passagem da modernidade à contemporaneidade. Desde meados do século XIX, com a invenção de tecnologias como o trem e o telégrafo, está se for-mando progressivamente uma percepção de que as distâncias diminuíram e de que o tempo está mais acelerado. A isso, se-gundo Saraiva (2006), David Harvey chamou de compressão espaço-temporal. Com o passar do tempo, novas invenções vão surgindo, como o avião, o telefone, o rádio e a TV, acen-tuando cada vez mais essa percepção. Contudo, é por meio das tecnologias digitais que a compressão espaço-temporal atinge sua máxima magnitude. E dentre as tecnologias digi-tais, os equipamentos móveis com acesso à rede mundial de computadores representam o que há de mais avançado nesse sentido.

A posse de um telefone celular conectado na internet traz uma percepção de que podemos acessar qualquer lugar do mundo instantaneamente e que o tempo se torna irrelevante para esses deslocamentos. Uma aceleração temporal inaudita nos compele a um processo acelerado de mudanças: de há-bitos, de gostos, de valores. A simultaneidade torna-se uma experiência de central importância quando a tela nos mostra uma sucessão infindável de dados, de informações, de intera-ções, sendo difícil decidir a qual dar atenção a cada instan-te. E essa atenção não pode, mesmo, durar mais do que um

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 197

instante fugidio, pois, caso contrário, seremos deixados para trás nessa corrida frenética. Novos acontecimentos, que eram exceções na modernidade, tornam-se rotina na contempora-neidade. Nesse cenário, o longo prazo parece não ter sentido, pois a seta do tempo moderna foi fragmentada em um tempo pontilhista formado por uma constelação de momentos quase desconectados (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009), dificultando a percepção dos rumos que a vida irá tomar.

Na contemporaneidade, a mobilidade torna-se um valor. Mover-se é uma forma de empoderamento, o que faz com que a imobilidade seja entendida como um modo de submissão ao lugar. Para esses seres em perpétuo movimento, a conexão torna-se um imperativo. Eles estão imersos em redes que são, ao mesmo tempo, instrumentos para a interação e tecnolo-gias que os deixam ao alcance do controle. Se os corpos imó-veis da modernidade necessitavam estar incomunicáveis para manter a ordem e potencializar a vigilância, os corpos moven-tes contemporâneos, cuja localização é incerta e variável, só poderão ser controlados por meio dos fluxos comunicacionais incessantes. Além disso, os novos modos de significar espaço e tempo borram fronteiras tradicionais, como a divisão de es-paços públicos e privados, de tempo de trabalho e tempo de lazer e das idades da vida. As hierarquias etárias ficam enfra-quecidas: a autoridade dos mais velhos sobre os mais novos é crescentemente contestada, a infância gradativamente perde as características que lhes foram atribuídas na modernidade e volta a se aproximar do mundo dos adultos.

Portanto, é possível perceber que muitas das condições que sustentaram a emergência da escola moderna já não são vá-

198 Escola e Currículo

lidas para a configuração do mundo atual. Ou seja, a maqui-naria escolar estaria se tornando incompatível com o modo de vida contemporâneo, em especial com o modo de vida de crianças e jovens. Essa incompatibilidade seria, muito prova-velmente, uma das condições que geram a sensação de crise na educação. De acordo com Sibilia (2012, p.197),

Embora não se trate de uma novidade absoluta, essa inadequação se tornou mais incontestável nos anos mais recentes, justamente quando foi se gerando um encaixe quase perfeito entre esses mesmos corpos e subjetivida-des, por um lado, e, por outro, os aparelhos móveis de comunicação e informação, tais como os telefones celu-lares e os computadores portáteis com acesso à internet.

Evidentemente, não é possível tomar as tecnologias digi-tais como origem dessa incompatibilidade, que começa a ser gestada nos anos 1960-1970, quando uma série de aconteci-mentos passa a contestar a ordem disciplinar, entre eles o mo-vimento hippie, a contracultura norte-americana e as grandes contestações de estudantes na Europa, que culminam com o maio de 1968 na França. No Brasil, podemos citar o tropica-lismo como um movimento que vai no mesmo sentido. Essa contestação da ordem disciplinar não a extingue, mas con-segue reduzir sua importância e deixa surgir outras formas de organização social, caracterizadas por uma maior mobilidade e flexibilidade de horários, com controles que utilizam estraté-gias mais sutis do que a vigilância disciplinar. Nesse sentido, as tecnologias digitais guardam uma relação de circularidade em relação a essas novas configurações espaço-temporais: tanto são as novas concepções de espaço e tempo que permitem

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 199

aos cientistas conceberem as primeiras redes digitais na déca-da de 1960, quanto é a disseminação dessas tecnologias que aprofundam e aceleram essas transformações.

Mas, para fins desse estudo, o que me parece importante reter é o fato de que ocorreram nos últimos anos transforma-ções nas condições sociais que produzem um desencaixe entre uma escola nos moldes disciplinares, frequentemente chama-da de tradicional, e os novos modos de ser e estar no mundo. Os alunos que estão nas escolas hoje muitas vezes não conse-guem nem mesmo compreender o sentido das normas discipli-nares, tendo dificuldade de apreender o comportamento que a escola espera deles (TEIXEIRA, 2010). Mesmo que a escola não tenha sido a atividade preferida das crianças por muitas gerações, ela era aceita pela maioria com relativa resignação. Na atualidade, cada vez mais crianças apresentam problemas de adaptação a suas rotinas.

Em face às fortes transformações ocorridas nas últimas décadas, não surpreende que a escola tenha se conver-tido em algo terrivelmente chato, e que a obrigação de frequentá-la signifique uma espécie de calvário cotidiano para as dinâmicas e interativas crianças contemporâne-as. (SIBILIA, 2012, p.206)

Para esses que estão hoje entre os muros da escola,2 esse confinamento não faz mais sentido. Eles vivem em um mundo

2 Aqui, faço uma referência ao filme Entre os muros da escola, com direção de Laurent Cantet e roteiro de François Bégaudeau. Esse filme, ao retratar o cotidiano de um professor em uma escola de Ensino Médio, traz importantes elementos para reflexão. Assim, sugiro para os interessados que o assistam. Ele se encontra na íntegra no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=zhGedJyLgec.

200 Escola e Currículo

em que a conectividade é uma necessidade imperiosa e as pa-redes são porosas, permeadas por acontecimentos próximos e distantes, sem distinção.

Contudo, as transformações espaço-temporais não rever-beram apenas nos modos de vida dos alunos, mas também estão imbricadas com transformações sociais mais amplas, sendo especialmente interessantes para pensarmos a escolari-zação as transformações que ocorrem no mundo da produção e do trabalho. Se, como vimos no Capítulo 1, a escolarização em massa foi uma condição para a consolidação do capita-lismo industrial, é razoável supor que quando existe uma re-orientação do sistema produtivo isso produza efeitos sobre o sistema educacional.

2 Novo capitalismo e suas demandas

Conforme já apontei anteriormente, estamos vivenciando, desde as últimas décadas do século XX, transformações nos modos de significar e utilizar o tempo e o espaço, que se entre-laçam com uma série de outros elementos da vida social. Um importante deslocamento que vem sendo apontado por alguns autores é a passagem do chamado capitalismo industrial, cujo sistema produtivo era fortemente baseado na produção em massa, para o que alguns chamam de capitalismo cogniti-vo3 (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009), que tem como principal

3 O termo cognitivo refere-se a conhecimento. O capitalismo cognitivo tem como base a produção de conhecimentos.

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 201

produção bens imateriais. Os bens imateriais são gerados em processos de inovação, em desenvolvimento de pesquisas, em ações de marketing, na prestação de serviços, na produção de produtos imateriais, como software, música, cinema... No ca-pitalismo cognitivo, a produção industrial evidentemente ainda existe, porém, encontra-se subordinada à produção dos bens imateriais. Além disso, os próprios processos industriais são modificados, exigindo cada vez menos das capacidades me-cânicas do corpo, uma vez que as forças humanas são substi-tuídas por máquinas digitais. Desse modo, o próprio trabalho industrial passa a exigir mais as destrezas do cérebro do que as do corpo.

As transformações da produção levam a uma reorgani-zação do trabalho. Gradativamente, são menos necessários operários capazes de executar mecanicamente as repetitivas rotinas da indústria. A ênfase do trabalho se desloca na dire-ção de outro tipo de trabalhador, cuja capacidade reside mais no uso do cérebro do que da força física. Esse trabalhador ne-cessita não apenas uma melhor formação, com conhecimen-tos mais aprimorados, como também (e, talvez, principalmen-te) outra atitude. Os corpos dóceis, capazes de obedecerem voluntariamente às normas, são chamados a se tornarem pro-ativos, flexíveis, criativos, empreendedores. Os trabalhadores já não devem esperar receber ordens, mas são conclamados a agirem com autonomia no cumprimento de suas funções. Também não devem esperar permanecer muito tempo em seus lugares, sendo que isso vale tanto para a permanência em um posto fixo no local de trabalho, quanto para a permanên-cia prolongada em uma instituição e, indo mais longe, vale

202 Escola e Currículo

também para a permanência no desempenho de uma única profissão/atividade.

Essa nova organização do trabalho tem sido chamada de trabalho imaterial, pois sua produção não prioriza bens ma-teriais, mas os chamados imateriais que formam justamente a base da economia no capitalismo cognitivo: produção de conhecimentos, de produtos culturais, de ações de marketing, de projetos. O trabalho imaterial tende a romper as rígidas amarras do trabalho realizado nas indústrias na modernidade. Tendo em vista que esse trabalho prioriza capacidades do cé-rebro e é instrumentalizado por máquinas digitais, em muitos casos não necessita de um local fixo para ser executado, sen-do possível produzir independentemente da localização, bem como de horários, pois o trabalhador pode (e deve) gerir o seu tempo de modo a alcançar as metas impostas, usualmente muito duras. Frente a essa independência espaço-temporal, cabe ao trabalhador gerenciar suas atividades, não devendo esperar que algum chefe o faça.

Portanto, é possível perceber quão longe está esse novo tipo de trabalhador daquele empregado vinculado às institui-ções fortemente disciplinares modernas. Desse último, espera-va-se obediência sem questionamento aos regulamentos e aos superiores. A pontualidade era uma de suas maiores virtudes, bem como a concentração absoluta em suas atividades, sem desviar-se em processos comunicacionais que eram não ape-nas inúteis, mas contraprodutivos naquele contexto. Já o tra-balhador contemporâneo é conclamado a não esperar pelas determinações de outros e a deliberar sobre suas atividades com autonomia e independência. Cumprimento de horários e

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 203

presença na empresa tornam-se questões de pouca relevância para muitos trabalhadores e a comunicação torna-se abso-lutamente necessária, pois é por meio dela que será possível controlá-los. Frente a esse cenário, creio ser possível afirmar que o mercado de trabalho se reconfigura, trocando o empre-gado disciplinado por um sujeito que age como um empresá-rio de si (SARAIVA, 2014), gerenciando sua vida como se fosse uma empresa. Esse novo perfil de trabalhador deve assumir uma lógica economicista para todas suas ações, ponderando--as em termo de investimento e retorno. Investimento de recur-sos financeiros, de tempo, de esforços, de afetos. Ele deve agir visando seu próprio benefício, no intuito de maximizar seus ganhos.

A partir da discussão anterior, é possível problematizar o papel da escola na constituição e consolidação dessa nova modalidade de capitalismo, fortemente vinculada a uma lógi-ca neoliberal. Se a escola moderna forjou o corpo do operário que atuaria na fábrica, é possível pensar que a escola con-temporânea está sendo chamada a colaborar na produção dos cérebros que atuarão nas empresas. Porém, se o operário necessitava, antes de tudo, adquirir hábitos e valores que o tornassem ajustado à fábrica, os empresários de si necessitam que a educação vá além desse processo de adaptação à em-presa, devendo também desenvolver competências úteis para a realização do trabalho, o que constitui o que autores como Schultz (apud SARAIVA, 2014) chamam de capital humano. Para esse autor, essas competências são o que permitem ao trabalhador a venda de seu trabalho, sendo sua renda tanto maior quanto o seu capital humano.

204 Escola e Currículo

Essa forma de capital teria uma componente inata e outra que se desenvolve com a educação, sendo a segunda a mais importante. Portanto, a partir da disseminação da lógica ne-oliberal associada à teoria do capital humano, acontece uma crescente preocupação com o nível educacional das popula-ções que aporta não apenas em órgãos ligados a essa área, como a Unesco, como também em instituições relacionadas à economia, como a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que é a responsável pela organização do Programa Internacional para Avaliação de Es-tudantes (PISA), o principal instrumento de avaliação em larga escala mundial. Além disso, empresários também reivindicam melhores condições educacionais, pois reconhecem a necessi-dade de uma mão de obra capaz de atuar no cenário do ca-pitalismo cognitivo. Evidentemente, a educação a ser ofertada seria aquela capaz de configurar sujeitos ajustados a essas novas condições produtivas (SARAIVA, 2014).

3 Papel da escola na contemporaneidade

A partir dessas discussões, é importante destacar dois pon-tos. Em primeiro lugar, que a escola pública não surgiu volta-da para a emancipação das classes populares, mas para seu ajuste a valores burgueses e ao trabalho orientado por um sistema disciplinar.4 Em segundo lugar, as transformações do

4 Cabe destacar que, apesar dessa orientação, não nego as possibilidades emanci-patórias da escola, tendo em vista ser impossível o controle absoluto de seus efeitos sobre os sujeitos. Cada aluno será atravessado pelos processos de escolarização

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 205

modo de viver e dos modos de produção que estamos expe-rimentando desde finais do século XX estão provocando uma crise que provoca uma sensação de desencaixe entre a escola e a sociedade contemporânea. Para que a escola possa con-tinuar cumprindo seu papel de ajuste dos alunos aos valores burgueses e às formas de trabalho que se consolidam hoje, é necessário que se transforme. Paradoxalmente, é possível afir-mar que a escola necessita mudar para continuar a cumprir o mesmo papel que tinha na modernidade.

Nesse cenário, surge uma exortação para que a escola deixe de ser “tradicional”, ou seja, disciplinar, e se reconfi-gure. Essa demanda vem de setores diversos: da mídia e de pesquisadores, da direita e da esquerda. Evidentemente, que as transformações exigidas por esses diversos setores não são exatamente as mesmas, mas chama a atenção que existam muitos elementos em comum. Identifico como principal pon-to de confluência desses discursos a necessidade de tornar o aluno ativo, colocando-o como protagonista do processo edu-cacional.

Como decorrência desse pressuposto central, a identidade docente se reconfigura, sendo reduzida, em muitos casos, a de um “facilitador da aprendizagem” ou “animador da inteli-gência coletiva”. Esses enunciados destituem o docente de sua condição de detentor de um saber que o capacita a ensinar seus alunos. Afinal, ao considerá-lo um facilitador da apren-dizagem, sinaliza-se a possibilidade de uma formação sem a

de modo distinto, sendo que alguns se tornam capazes de compreender os sistemas de dominação em que estão inseridos de modo mais nítido justamente por causa da escola.

206 Escola e Currículo

presença de professores, que seriam apenas uma espécie de aceleradores de um processo que poderia acontecer sem sua participação. Esses discursos desvalorizam a docência ao não reconhecer que o ensinar não se resume a realizar longas ex-posições, estando também articulado com o planejamento de atividades múltiplas que proporcionem aos alunos as experi-ências necessárias para sua formação. Nesse sentido, acredito que seja importante reconfigurar essa identidade para alguém que ensina por meio da construção de experiências de apren-dizagem diversificadas.

Além disso, para tornar os alunos ativos, as propostas pe-dagógicas destacam a importância de metodologias que fu-jam da exposição de conteúdos. Nos últimos anos, os projetos de aprendizagem ganham especial destaque. Nesse caso, os alunos devem trabalhar em equipe, comunicando-se continu-amente e exercitando sua capacidade de organização, sua proatividade, sua criatividade. Os projetos de aprendizagem fundam-se na noção de interesse das crianças. A noção de interesse é central na lógica neoliberal, que tem como um dos fundamentos que a economia funciona melhor quando cada um coloca os interesses pessoais acima dos interesses comuns (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009). Os projetos de aprendizagem não precisam estar restritos à sala de aula, podendo (e muitas vezes necessitando) ter seu desenvolvimento estendido para além dos limites espaço-temporais da escola. Como é possível perceber, esse tipo de metodologia encontra-se mais alinhada com os modos de vida das crianças contemporâneas, bem como com as necessidades de um mercado de trabalho que enfatiza o trabalho imaterial.

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 207

O protagonismo do aluno também se articula como uma desvalorização do conhecimento e com a emergência do apren-der a aprender. Em um mundo marcado pela impermanência, a capacidade de transformar a si mesmo seria mais importante do que deter determinados conhecimentos ou ter determinadas competências. “A segurança da rotina da fábrica moderna foi substituída pela impermanência e pelos acontecimentos. O co-nhecimento torna-se ultrapassado quase no mesmo momento em que é produzido” (SARAIVA; VEIGA-NETO, 2009).

Esses são apenas alguns elementos das transformações preconizadas para as escolas atuais, vistas como formas de salvar uma instituição vetusta, surgida na modernidade. Se es-sas transformações serão capazes de revitalizar a escola, só o tempo dirá. Entretanto, considero importante problematizar os discursos que estão se naturalizando em nosso presente. Ainda que eles sejam capazes de romper os rígidos moldes da escola moderna, é necessário tomarmos cuidado para não conside-rá-los simplesmente como possibilidades emancipatórias.

A partir deste texto, gostaria de deixar claro que as trans-formações que são propostas hoje para a escola, ao mesmo tempo em que proporcionam algumas liberdades, nos colo-cam em outras redes de dominação. Como já afirmava o fi-lósofo Gilles Deleuze (1992, p.220), em 1990, “não se deve perguntar qual o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujei-ções”. Portanto, longe de uma condenação ou de uma ode às novas propostas que se desenham para a escola, esse capítulo pretende encerrar o livro deixando questionamentos que rever-berem na alma dos novos professores.

208 Escola e Currículo

Recapitulando

Estamos passando por profundas transformações sociais, as-sociadas com alterações no modo de perceber e utilizar o tem-po e o espaço e com a disseminação das tecnologias digitais. A disciplina perde espaço para outras formas de controle mais sutis, que utilizam dispositivos eletrônicos para atingir cérebros a distância. Nesse contexto, cresce a dificuldade de adaptação dos alunos, gerando uma crise percebida como um desencaixe entre a escola e a sociedade. Por outro lado, o sistema produ-tivo também se reconfigurando. O capitalismo industrial cede lugar para o capitalismo cognitivo, cuja ênfase está na produ-ção de conhecimentos e ideias. Esse novo capitalismo exige um trabalho que demanda mais as capacidades do cérebro do que as habilidades do corpo, necessitando um trabalhador cujas condutas não estejam pautadas predominantemente pe-las rotinas disciplinares, mas pela ação autônoma de alguém que se comporta como um empresário de si. As transforma-ções propostas, ao mesmo tempo em que proporcionam algu-mas liberdades, nos colocam em outras redes de dominação.

Referências

ANDRADE, Paula Deporte. Pedagogias culturais: as condições teóricas que possibilitaram a emergência do conceito. In: SBECE/SIECE, 6/3, 2015, Canoas. Anais... Canoas: UL-BRA, 2015) p.1-12. Disponível em http://www.sbece.com.

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 209

br/resources/anais/3/1430005814_ARQUIVO_sbece-2015completo.pdf.

DELEUZE, GilIes. Conversações. Rio de Janeiro: 34, 1992.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

SARAIVA, Karla. A aliança biopolítica educação-trabalho. Pro--Posições, v. 25, n. 2, p. 139-156, dez. 2014. Disponível em http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/pro-posic/article/view/8642458.

______.; VEIGA-NETO, Alfredo. Modernidade líquida, capi-talismo cognitivo e educação contemporânea. Educação & Realidade, v. 34, n. 2, maio/ago. 2009, p. 187-201. Disponível em http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoere-alidade/article/view/8300/5538.

______. Outros tempos, outros espaços: internet e educa-ção. 2006. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/8597/000582097.pdf?sequenc.

SIBILIA, Paula. A escola em um mundo hiperconectado. Ma-trizes, v. 5, n. 2, jan./jun. 2012, p. 195-211. Disponível em http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/view/269/pdf.

SIMONS, Maarten; MASSCHELEIN, Jan. Sociedade da apren-dizagem e governamentalidade: uma introdução. Currícu-

210 Escola e Currículo

lo sem fronteiras, v.11, n.1, jan./jun. 2011, p.121-136. Disponível em http://www.curriculosemfronteiras.org/vo-l11iss1articles/simons-masschelein.pdf.

TEIXEIRA, Alcionéia. Cenas de uma escola contemporâ-nea: uma geração indisciplinada ou uma geração de novos sujeitos? Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2010. Disponível em https://servicos.ulbra.br/BIBLIO/PPGEDUM123.pdf.

Atividades

1) De acordo com esse capítulo, teriam acontecido profun-das transformações sociais entre o final do século XIX e a atualidade que produzem efeitos sobre as formas de edu-car. Quais as principais transformações apresentadas e quais os seus efeitos?

2) De acordo com Sibilia (2012), as gerações atuais já não primam pela introspecção, tal como acontecia em tempos passados, mas estão se tornando alterdirigidas. O que a autora pretende expressar com essa afirmação e que rela-ção isso teria com o campo educacional?

3) Atualmente, existe uma percepção de desencaixe da esco-la disciplinar. O que quer dizer essa afirmação?

4) Atualmente, vivemos uma profunda transformação do sis-tema produtivo. O capitalismo industrial vem se transfor-

Capítulo 10 Escola na Contemporaneidade 211

mando em capitalismo cognitivo e o trabalho fabril vem cedendo espaço para o trabalho imaterial. O que significa isso e como isso se atravessa e modifica as concepções educacionais?

5) Por que estaria acontecendo, na atualidade, um gran-de movimento que conclama a escola a deixar para trás sua organização disciplinar? Qual seria, possivelmente, o ponto de confluência entre as diversas propostas de mu-danças?

212 Gabaritos

Gabaritos

Capítulo 1

1) A partir do século XVII, começa a se constituir na Europa um sentimento que percebe a infância como uma época especial da vida, caracterizada por uma dependência em relação aos adultos e pela necessidade de formação mo-ral. A partir desta percepção, passou-se a considerar que a infância necessitava ser educada apartada dos adultos, dando ensejo para a invenção da escola.

2) Na modernidade, tempo e espaço passam a ser consi-derados grandezas objetivas, mensuráveis e fracionáveis. isso permitiu a invenção de uma organização disciplinar, baseada em horários rígidos e na fixação de corpos no espaço.

3) Havia diferentes instituições voltadas para a captura de diferentes infâncias. A infância de qualidade, ou seja, os filhos de famílias burguesas e nobres, era dirigida a colé-gios em que a disciplina era branda e tinham por objetivo a transmissão de saberes. As instituições voltadas para a infância rude, ou seja, para os filhos das classes populares, eram baseados em uma disciplina rígida, privilegiando a submissão e transmitindo um mínimo de saberes. A infân-cia de qualidade deveria aprender a governar; a infância rude, a obedecer.

4) Ambas eram instituições disciplinares, baseadas no princí-pio da obediência aos regulamentos, utilizando o tempo de forma exaustiva e coletiva e fixando os corpos no espa-

Gabaritos 213

ço. O disciplinamento dos corpos nas escolas públicas era útil para a formação de operários ajustados aos processos fabris.

5) A transmissão de saberes seria algo secundário nas esco-las públicas. Seus principais objetivos seriam inculcar valo-res e a cultura burguesa nas classes operárias, produzindo sujeitos afeitos ao trabalho e com sentimentos de cidada-nia que o vinculassem ao Estado-nação.

Capítulo 2

1) Para refletir sobre as teorias de currículo e como elas se relacionam com as concepções de poder é necessário compreender que as teorias do currículo que se identifi-cam com as teorias tradicionais pretendem ser neutras, científicas e objetivas e isentas de relações com o poder. As teorias que se identificam com as teorias críticas e pós--críticas enfatizam que nenhuma teoria é neutra, científica, mas implica sempre em relações de poder e demonstra a preocupação com as articulações entre o saber, identida-de e poder.

2) letra “d”.

3) O texto deverá abordar as definições mais restritas e as de-finições mais amplas que remetem à seleção de conheci-mentos, ou, ainda, como aquilo que é considerado como conteúdo e prática dentro de uma cultura para ser tradu-zido em conhecimento escolar e para além dos muros da escola, ampliando o conceito de currículo percebendo os

214 Gabaritos

elementos da cultura (escolar e extraescolar) como consti-tuidores das identidades.

4) A diferenciação entre currículo stricto sensu e currículo lato sensu é explicada no seguinte excerto do texto: “Como currículo stricto sensu, entende-se uma visão restrita, limi-tada apenas à escola, à sala de aula, aos conhecimentos abordados na escola. O currículo lato sensu, de acordo com os autores, é compreendido em uma concepção mais ampla, saindo da escola para o entorno da escola, para a sociedade e para a cultura na qual a escola está inserida. Um ponto de equilíbrio entre essas duas posições seria o ideal, pois o conhecimento escolar estaria em diálogo constante com o currículo de diferentes espaços, como o currículo da televisão, o da mídia, entre outros.”

5) letra “b”

Capítulo 5

4) e

5) b

Capítulo 6

1) O aluno deverá formular sua resposta a partir da seguinte citação:

§ 1º O currículo deve difundir os valores fundamentais do interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do res-peito ao bem comum e à ordem democrática, considerando as

Gabaritos 215

condições de escolaridade dos estudantes em cada estabele-cimento, a orientação para o trabalho, além da promoção de práticas educativas formais e não formais.

§ 2º Na organização da proposta curricular, deve-se asse-gurar o entendimento de currículo como experiências escola-res que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos es-tudantes com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos educandos.

2) As etapas da Educação Básica são: Educação Infantil, En-sino Fundamental e Ensino Médio. Já as modalidades são as seguintes: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena, Educação do Campo, Edu-cação Quilombola, Educação Profissional e Tecnológica e Educação a Distância.

3) F, V, V, F

4) a

5) c

Capítulo 7

1) A resposta deve basear-se nos seguintes aspectos:

 Oferecer condições e recursos para que as crianças usu-fruam seus direitos civis, humanos e sociais;

216 Gabaritos

 Assumir a responsabilidade de compartilhar e comple-mentar a educação e cuidado das crianças com as fa-mílias;

 Possibilitar tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e co-nhecimentos de diferentes naturezas;

 Promover a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância;

 Construir novas formas de sociabilidade e de subjetivi-dade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico--racial, de gênero, regional, linguística e religiosa.

2) A resposta deve tomar como referência as seguintes passa-gens:

[...] um entendimento interessante de currículo na Educa-ção Infantil é o desenvolvido por Kishimoto (1994) que afir-ma que o currículo nessa etapa da Educação Básica pode ser compreendido como a organização de intenções que dirigem o funcionamento da escola, buscando colocar em prática ex-periências relevantes para o desenvolvimento das crianças.

Os currículos pensados para a Educação Infantil devem, antes de mais nada, vincular-se às especificidades e às singu-laridades das crianças, com ênfase em práticas de educação, dentre as quais precisam estar incluídas as questões que se

Gabaritos 217

vinculam aos cuidados, ao desenvolvimento físico, emocional, cognitivo, linguístico e sociocultural.

A organização curricular da Educação Infantil deve procu-rar garantir desafios necessários a aprendizagens significativas, bem como garantir espaço para viver o tempo da infância.

3) Alguns aspectos a ser considerados na concepção de cur-rículo para a educação infantil são: ludicidade, democra-cia, sustentabilidade do planeta e rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa.

4) Princípios éticos: visam pela valorização da autonomia, pelo incentivo ao cumprimento de responsabilidade, pelo desenvolvimento do espírito de solidariedade e de respeito ao bem comum, pelo respeito ao meio ambiente e às dife-rentes culturas, identidades e singularidades.

Princípios políticos: objetivam promover e a incentivar a garantia dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática.

Princípios estéticos: vinculam-se a propostas que tenham como objetivo a valorização da sensibilidade, o incentivo da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

5) Maria Carmem Barbosa e Maria da Graça Horn (2001) salientam que a organização do espaço ajuda a criança a estruturar as funções motoras, sensitivas, simbólicas, lúdi-cas e relacionais. As mesmas autoras argumentam ainda que, ao pensarmos nos espaços, devemos levar em con-

218 Gabaritos

sideração que o ambiente é composto por gosto, toque, sons e palavras, regras de uso dos espaços, luzes e cores, odores, mobílias, equipamentos e ritmos de vida. Os tem-pos para a exploração dos espaços e para a realização de atividades também precisam ser bem planejados: em que ocasiões ocorrerão, qual será a sua frequência, quanto tempo vai durar, etc.

Capítulo 8

1) a

2) e

3) d

4) b

5) Podem-se apresentar exemplos de práticas pedagógicas organizadas sobre a temática em escolas e em redes de ensino.

Capítulo 9

1) c

2) a

3) d

4) e

Gabaritos 219

5) Pode falar da evasão escolar, das dificuldades com os jo-vens contemporâneos, sobre o uso das novas tecnologias em sala de aula, sobre a falta de preparo docente, etc.

Capítulo 10

1) O capítulo foca nas transformações dos modos de vida, em decorrência, principalmente, das alterações nos sig-nificados e usos do espaço e do tempo, bem como da expansão das tecnologias digitais. Os efeitos aqui aponta-dos referem-se a novos tipos de sujeitos, com dificuldades de adaptação à escola disciplinar, e a novas formas de produção e de organização do trabalho.

2) A disciplina característica da modernidade cortava a co-municação, orientando-se para uma produção de sujeitos introspectivos. Na medida em que, na contemporaneida-de, existe uma exortação crescente para uma comunica-ção permanente e para uma exibição de si, os alunos da atualidade apresentam dificuldade em lidar com uma es-cola que silencia e isola.

3) A sensação de desencaixe refere-se ao fato de que as es-colas ainda estão bastante orientadas por princípios disci-plinares em uma sociedade em que a disciplina é cada vez menos valorizada.

4) O trabalho imaterial utiliza mais as capacidades do cére-bro do que a força do corpo, exigindo trabalhadores que se pautem mais pela proatividade, iniciativa e autonomia do que pela obediência aos regulamentos disciplinares. Nesse sentido, a escola dita tradicional já não seria capaz

220 Gabaritos

de produzir o perfil de sujeito adequado para as novas condições de trabalho, necessitando ser modificada para atender esses novos requisitos.

5) A escola vem sendo convocada a deixar para trás a dis-ciplina por diversos motivos, dentre os quais se destacam a dificuldade de adaptação dos alunos a essas normas, tendo em vista sua experiência em um mundo organizado de modo bastante distinto, e as demandas das novas for-mas de trabalho. Embora existam diversas propostas nesse sentido, o ponto de convergência seria um consenso sobre a necessidade de tornar os alunos ativos.