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1 TRANSFERÊNCIA ANTES DA TRANSFERÊNCIA. Percursos do trabalho do inconsciente* 1. PRIMEIRA CENA: INTERIOR – DE TARDE; DENTRO DA SALA DE ANÁLISE, UMA TERÇA-FEIRA DE MARÇO, POUCO DEPOIS DAS 18:30, ALGUNS ANOS ATRÁS. Paola chega como sempre pontual. É a primeira sessão da semana. Tem 38 anos, única filha (mulher), tem um irmão alguns anos mais velho, recentemente experimentando uma separação de um companheiro com o qual teve um filho, agora com um ano e meio, cuidado prevalentemente pelos pais, aposentados e bastante jovens. É professora das últimas séries do ensino fundamental. Começa a falar humildemente da “coisa mais importante” que lhe aconteceu e que a afligiu todo o final de semana. Luca também, o seu filho, com o qual podia finalmente estar um pouco de tempo (sente-se uma mãe inadequada, “imatura”) passou para segundo plano.... Era como se não existisse, agia como em transe, eu estava presente somente por alguns poucos instantes”. Conta que se sentiu bastante desconfortável em relação a Luigi, o seu colega de escola com o qual parece poder “construir uma história” sentimental: a diretora, surpreendentemente, escolheu-a como acompanhante do grupo de estudantes no acampamento que acontecerá no Norte da Itália por quase uma semana “A propósito – diz com pressa – a próxima semana eu não poderei vir aqui por pelo menos três sessões...”. Comunica a mim como se fosse uma coisa óbvia: “a menos que o senhor – diz – não seja assim gentil de trocar a minha sessão de sexta para sábado”. Ficou mal, diz, porque era óbvio que no acampamento iria Luigi, pois é homem e professor de Educação Física, tem sem dúvida mais simpatia da garotada. Mas a diretora, “com as suas manias” pensou que fosse melhor ela, uma mulher, para transcorrer os dias, “e sobretudo as noites no hotel”, com as garotas e os garotos: “ sabe como são os pais..... pode acontecer alguma coisa e nós vamos atrás... uma mulher é mais atenta a certas coisas ... e depois com essas histórias de moléstias.... ‘É melhor prevenir.... o...’ a diretora talvez tenha pensado” Mas não é isso que a atormentou: foi o olhar de Luigi que a fixava pasmado esperando que ela, Paola, dissesse alguma coisa, que dissesse à diretora que deveria ser ele, que sem dúvida ele era mais adequado. E, ao contrário, ela permaneceu em silêncio, tentava fugir do olhar de Luigi e anuía como uma menininha na escola, mas por dentro estava feliz: feliz de liberar-se dele por uma semana de Luigi, “um pouco chato”, dos pais e também de Luca .... Não suportava mais. O que poderia importar para ela, naquele momento, Luca, seu filho, ou Luigi se teria a ocasião de escapar por pelo menos uma semana, de respirar, de estar por conta própria? Tinha imaginado a alegria, o relax de poder fumar um cigarro em santa paz, sem o julgamento saudável de Luigi e dos pais, um cigarro fora, no terraço ou na ___________ *Trabalho apresentado no Congresso Nacional SPI, 2010, Taormina, Itália. calçada, na frente do hotel depois que a garotada fosse para o quarto. Mas depois se sentiu um verme, por te “tirado” o lugar de Luigi, por não ter proferido uma palavra, por ter se alegrado com as palavras da diretora. Sentiu-se culpada também em relação a mim, longe da análise, mas depois pensou que não era assim tão grave e que sem dúvida eu entenderia a sua necessidade.

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Page 1: TRANSFERÊNCIA ANTES DA TRANSFERÊNCIA · Ficou mal, diz, porque era óbvio ... “ ele leva o trabalho adiante ... impensável um minuto antes: “ Talvez seja alguém que o queira

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TRANSFERÊNCIA ANTES DA TRANSFERÊNCIA. Percursos do trabalho do inconsciente* 1. PRIMEIRA CENA: INTERIOR – DE TARDE; DENTRO DA SALA DE ANÁLISE, UMA TERÇA-FEIRA DE MARÇO, POUCO DEPOIS DAS 18:30, ALGUNS ANOS ATRÁS. Paola chega como sempre pontual. É a primeira sessão da semana. Tem 38 anos, única filha (mulher), tem um irmão alguns anos mais velho, recentemente experimentando uma separação de um companheiro com o qual teve um filho, agora com um ano e meio, cuidado prevalentemente pelos pais, aposentados e bastante jovens.

É professora das últimas séries do ensino fundamental. Começa a falar humildemente da “coisa mais importante” que lhe aconteceu e que a afligiu todo o final de semana. Luca também, o seu filho, com o qual podia finalmente estar um pouco de tempo (sente-se uma mãe inadequada, “imatura”) “ passou para segundo plano.... Era como se não existisse, agia como em transe, eu estava presente somente por alguns poucos instantes”.

Conta que se sentiu bastante desconfortável em relação a Luigi, o seu colega de escola com o qual parece poder “construir uma história” sentimental: a diretora, surpreendentemente, escolheu-a como acompanhante do grupo de estudantes no acampamento que acontecerá no Norte da Itália por quase uma semana “A propósito – diz com pressa – a próxima semana eu não poderei vir aqui por pelo menos três sessões...”. Comunica a mim como se fosse uma coisa óbvia: “a menos que o senhor – diz – não seja assim gentil de trocar a minha sessão de sexta para sábado”.

Ficou mal, diz, porque era óbvio que no acampamento iria Luigi, pois é homem e professor de Educação Física, tem sem dúvida mais simpatia da garotada. Mas a diretora, “com as suas manias” pensou que fosse melhor ela, uma mulher, para transcorrer os dias, “e sobretudo as noites no hotel”, com as garotas e os garotos: “ sabe como são os pais..... pode acontecer alguma coisa e nós vamos atrás... uma mulher é mais atenta a certas coisas ... e depois com essas histórias de moléstias.... ‘É melhor prevenir.... o...’ a diretora talvez tenha pensado”

Mas não é isso que a atormentou: foi o olhar de Luigi que a fixava pasmado esperando que ela, Paola, dissesse alguma coisa, que dissesse à diretora que deveria ser ele, que sem dúvida ele era mais adequado. E, ao contrário, ela permaneceu em silêncio, tentava fugir do olhar de Luigi e anuía como uma menininha na escola, mas por dentro estava feliz: feliz de liberar-se dele por uma semana de Luigi, “um pouco chato”, dos pais e também de Luca .... Não suportava mais. O que poderia importar para ela, naquele momento, Luca, seu filho, ou Luigi se teria a ocasião de escapar por pelo menos uma semana, de respirar, de estar por conta própria? Tinha imaginado a alegria, o relax de poder fumar um cigarro em santa paz, sem o julgamento saudável de Luigi e dos pais, um cigarro fora, no terraço ou na

___________

*Trabalho apresentado no Congresso Nacional SPI, 2010, Taormina, Itália.

calçada, na frente do hotel depois que a garotada fosse para o quarto. Mas depois se sentiu um verme, por te “tirado” o lugar de Luigi, por não ter proferido uma palavra, por ter se alegrado com as palavras da diretora. Sentiu-se culpada também em relação a mim, longe da análise, mas depois pensou que não era assim tão grave e que sem dúvida eu entenderia a sua necessidade.

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Muitos temas e muitos personagens dão as caras na minha mente e pedem hospitalidade: a “diretora”, “meninos” e “pais”, a “sexualidade na adolescência”, as “moléstias”, a “competitividade fálica”, “a necessidade de estar sozinha” (retiro na transferência?). Não posso ser inevitavelmente seletivo (“os fatos selecionados” dos quais Britton e Steiner, 1984, fazem referência), na base de uma força gestáltica de atração, nesta que sinto ser mais significativo para mim, também na base de temas precedentes dos quais não posso não levar em consideração, mas que aqui não posso citar.

Portanto, depois de ter escutado as suas palavras, começo a formular um primeiro comentário sobre o que acabou de me dizer, observando que “certamente o analista lhe serve para acalmar o seu sentimento de culpa para que pense que ele ‘compreende as suas necessidades’, mas isso naturalmente é o que ela gosta de pensar... para mantê-lo bonzinho, aliado”, quando sou interrompido, ao prosseguir o meu comentário, por um inesperado, quanto irritante, barulho de campainha lá embaixo no portão.

“certamente não é para mim”, penso imediatamente, “talvez possa ser um engano, ou mesmo o paciente atrasado da colega com a qual divido o consultório. Mas não me parece – prossigo nos meus pensamentos – que ela tenha algum paciente nesta hora”: “ Por outro lado – digo para mim mesmo – fazemos os horários precisos justamente para evitar sobreposições!......... Será o porteiro – digo tranqüilizando-me – aquele verme do porteiro, que já que estamos na véspera de Páscoa... faz o bonzinho, entrega os livros que chegam agora ao invés de entregar na parte da manhã para a doméstica (como já lhe foi dito), vem entregar na parte tarde quando sabe que não deve, pois com certeza sabe que estou no consultório, mas faz isso de propósito ao invés, pois acredita ganhar uma gorjeta mais alta, acredita ser esperto... ele! Aquele – penso – faz como os prefeitos democratas cristãos que melhoram as ruas às vésperas das eleições, assim tinham mais votos e ele (o porteiro) acredita que fazendo mais do que o habitual para ganhar mais. Vai, vai sonhando... me incomoda até, imagina ... eu diminuo ao invés de aumentar.. desta forma entenderá. As pessoas como ele só entendem assim, com os fatos”.

Estes seriam os meus pensamentos internos, as minhas associações livres, aqueles que chamamos de pensamentos de contratransferência – aqueles que, ilusoriamente, gostaríamos de considerar sempre focalizados no paciente – que têm de qualquer maneira uma forte “ressonância evocativa para destrinchar o acúmulo de pensamentos do analista” (Fabozzi, 2002).

O “porteiro”, por exemplo, não é de certo somente o porteiro factual, aquele em “carne e osso”, mas o meu zelador pessoal que, porém, não é capaz de permitir uma passagem filtrada e que certamente tem relação com um personagem do roteiro inconsciente num processo de colocar em cena; isto é, o “porteiro que não faz o seu trabalho” representa um déficit ou uma falência nas minhas capacidades de “conter”.

Enquanto sou sugado por tais pensamentos, a famosa “atenção livremente flutuante”, a escuta, a tão exaltada rêverie do analista, aquela que nos tornaria assim diferentes dos outros “humanos” e que deveria tornar o analista capaz a cada momento de sonhar o sonho do próprio paciente, perdeu-se completamente.

A escuta, como diz claramente H. Smith (2000), é sempre, como qualquer outra formação psíquica, uma “formação de compromisso”, não foge, certamente sozinha, desta lógica inexorável do trabalho do inconsciente; e, às vezes, - poderia se dizer ironicamente – o compromisso é mais a favor do analista do que do paciente!.

Estou a mil milhas distante da minha paciente. Quase não sei mais a que ponto está o seu discurso. “Ah! Não!, que sorte .... perdi somente alguns detalhes ... Imagina... ela se não explica

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tudo nos mínimos detalhes não está contente. Estamos ainda no sentimento de culpa...”. E este é o valor evocativo do meu “vagar” para longe dela que depois me faz voltar.

Prossigo o meu comentário procurando re-sintonizar-me com a paciente: “certamente é difícil tolerar a sensação de ter tirado alguma coisa de Luigi.... de tê-lo feito mesmo sem intenção, mas talvez sente-se tão culpada porque dentro de si alegrou-se um pouco: a diretora preferiu ela a Luigi, Luigi está sempre no meio e acredita ser o ‘super-cara da situação’, como ele diz, atlético, saudável, ecológico, tem a simpatia da garotada... E depois a possibilidade de tirar férias do analista, bem protegida da desculpa das necessidades superiores do trabalho...”.

Enquanto estou concluindo o meu comentário – que não é outro senão um primeiro ‘engajamento’ com a paciente e também uma tentativa de recolocar-me nos trilhos da escuta (Schwaber, E., 1999), eis que chegam uma segunda e uma terceira campainha. Fico irritado. “ Quem diabos é? – penso – possível que não entenda? Se alguém não responde não tem ninguém, não? Não precisa ser um gênio pra entender isso....?”. Passa pela minha mente que possa ser o padre que quer abençoar a casa por causa das festividades da Páscoa: “ele leva o trabalho adiante ... e enche as pessoas que trabalham...” “deus nos livre e libere.... por caridade... toque o quanto quiser.... entenderá que aqui moram ateus... Pense o que quiser, eu não abro... Pode tocar o tempo todo... no final se cansará”.

Eu penso tudo, enquanto a minha irritação aumenta igualmente à minha atitude de distanciar-me de forma inevitável da escuta da narração de Paola; penso tudo menos que a campainha possa ser para mim. A campainha volta a tocar insistentemente, penetrante, ‘perfura o meu cérebro’, mesmo que naquele momento me dou conta que é uma reação exagerada em relação à factualidade do acontecimento: “vejo” um dedo apertando com força o botão do interfone do portão como se o estivesse afundando. Paola está muda: Passaram-se no total só alguns segundos, mas o clima da sessão mudou rapidamente, estamos em uma outra dimensão, impensável um minuto antes: “Talvez seja alguém que o queira – diz Paola – sei lá... um entregador, o porteiro..., talvez tenha acontecido alguma coisa de grave aos seus filhos, [quer me tranqüilizar e me dá mais angústia – penso] talvez tenha se enganado, talvez o senhor tenha marcado um compromisso e esqueceu. Vai responder, não se preocupe comigo...”

Em modo falsamente pacato, respondo que “não há necessidade, certamente é um engano, não há nada para se preocupar, vai desistir antes ou depois...”. Mas depois, só depois de alguns segundos, visto que o barulho da campainha continua, eu mesmo me desminto, desorganizo-me como se desorganizou progressivamente a narração de Paola e, levantando-me da poltrona, digo: “ Desculpe-me, talvez tenha razão. É melhor que eu responda senão arriscamos de ter os tímpanos perfurados, com certeza será um engano... É melhor ir ver...”. Nino Ferro (2002) descreve de forma eficaz em uma das suas múltiplas contribuições aquilo que ele chama de os “gradientes da rêverie do analista” “Bem, - aqui penso – estamos a gradiente zero!”

Levanto-me, vou até o interfone, tiro o fone do gancho, e digo um “si-i-im!”, claramente irritado apesar de tentar controlar o tom de voz de modo senhoril; e da outra ponta do fio uma voz masculina, profunda e potente diz, quase gritando: “ Sou XXXXXXX, Massimo XXXXXXX¹ ... Tenho uma consulta com o Doutor Bonaminio às 18:30. Desculpe, Doutor, não conseguia encontrar o portão certo: me abre? Subo? Que andar é?”.

A seqüência das suas palavras é cerrada, martelante quase como a campainha ensurdecedora: tenho quase terror de encontrá-lo atrás da porta do consultório, por um instante: “Não, não! – digo em modo descomposto – a consulta é sim às 18:30... sou o Doutor Boniaminio ... mas é às 18:30 de amanhã, quarta-feira. Quarta-feira às 18:30, eu havia dito... Lembra? Quarta-feira... às 18:30, quarta-feira”. Sinto-me como um velho professor pedante, ou um funcionário cadastral, faço legenda. Vejo-me silabando a palavra: quar-ta fe-i-ra.

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Não tenho nem mesmo o tempo de acabar a frase, que advirto que “XXXXXXX” – do qual nem mesmo conheço o rosto, mas certamente os modos intrusivos e peremptórios, se – como depois ficará claro por toda a sucessiva e atormentada análise – foi já embora, talvez com o rabo entre as pernas, talvez cheio de vergonha, ou mesmo furioso comigo, ferido no seu amor próprio mais íntimo por ser sido distanciado, rejeitado, não acolhido.

Quando volto a sentar-me e digo algumas palavras para retomar o discurso interrompido desculpando-me pelo ocorrido, Paola diz que entende que estou irritado, apesar de tentar não demonstrar. Tenta consolar-me. Diz: “Pode acontecer, o que fazer? ... uma pessoa pode errar .... de qualquer forma não me incomodou... não se preocupe” Fala em modo maníaco e repetitivo como se fosse ela a responsável pelo acontecimento. Quer consolar, acalmar a mãe furiosa: depois acrescenta – e então realmente me deixa enfurecido internamente – “Tadinho, sentiu-se excluído, talvez, quem sabe, como tenha ficado mal ... eu não tenho nada a ver ... Eu sei ... é a minha hora ... mas sinto-me culpada como se tivesse tomado o seu lugar... mas pensa um pouco ... esta é a minha hora e mesmo assim acredito tê-la tirada dele.... Sou estranha... verdade?”

_____________ ¹ O nome que utilizarei durante a leitura do texto é obviamente um nome fictício. Também os outros nomes, usados nesta narração clínica, assim como formas alteradas e alguns elementos biográficos para proteger a privacidade dos pacientes aos quais faço referência.

Fico internamente furioso porque penso: “mas olha só, se preocupa tanto com o coitadinho, quando me acaba de dizer que tratou... aquele coitado de Luigi feito um trapo... e nem se deu conta disso... ‘a tão sensível’...”.

O contato com a paciente, porém, por conta deste meu “ódio na contratransferência” (Winnicott, 1947) – que eu reconheço como um sentimento meu em relação à Paola e em direção ao “desconhecido”, o inefável “XXXXXXX”, e não como aquilo que um ou outro “me fez sentir” , como a projeção da raiva deles, ou agressividade, ou ‘condescendente bondade de alma..., o contato aparentemente perdido nos vários desvios da minha atenção livremente flutuante, da minha rêverie que havia alcançado “gradiente zero”, agora está restabelecido.

Deve passar, todavia, alguns minutos antes que eu sinta que as fortes emoções que se agitaram dentro de mim – sobretudo pelas últimas palavras da paciente – aquietaram-se progressivamente e eu possa dizê-las, em tom que me parece coerente e pacato. “Bem, um pouco como se aquela pessoa fosse Luigi do qual sentiu ter afanado o lugar, mesmo não querendo. Mas o fato de estar contente por poder aproveitar da ocasião em detrimento próprio, fez com que ela se sentisse culpada... um pouco como agora se sente culpada por aquela pessoa que imagina que circula furiosa, como um lobo ferido, aqui em volta. É a sua hora, certamente, ela não tem nada a ver, como disse antes, assim como não tem nada a ver com a decisão da diretora... porém é difícil para ela tolerar ser “a privilegiada”, “a escolhida”... E quem de nós não gostaria de ser “aquele escolhido” sem porém sentir o peso dessa responsabilidade, a culpa de ter tirado de um outro, talvez de um irmão, o lugar? Parece-me que esta seja uma motivação plausível para o seu, além de tudo, incompreensível sentimento de culpa. Mesmo que a sua solidariedade com Luigi, que ficou excluído, e com aquele “coitadinho”, que ela imagina que esteja vagando aqui em volta, podem ter esta motivação?”

Então coloco um objetivo na minha interpretação como “fato selecionado” sobre a competitividade fraterna pela mãe. Há uma explicação para isto? Pretendo dizer: há uma explicação para o fato que – sendo o problema crucial de Massimo o da competitividade com a irmã, o de ter ficado sem a atenção e o investimento narcisista da mãe, de ter sido rejeitado – um tema que se apresentará na transferência da análise com ele de modo inequivocável anos depois

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–, eu tenha então escolhido nas minhas interpretações para Paola justamente aquela que tinha a ver com a competitividade fraterna, nunca colocada até então na sua história e na sua relação comigo senão naquele episódio da campainha enlouquecida de Massimo? Uma competitividade com o irmão do qual eu não sabia de nada até aquele momento?

Há uma explicação para o fato de que eu tenha escolhido justamente aquela ligação complexa na narração de Paola em resposta às intrusões de Massimo XXXXXXX?

Que a contratransferência preceda a transferência, organize-a previamente, estruture-a, é uma noção que há muito tempo um extenso grupo de psicanalistas, apesar da lista não ser longa, afirma. Encontrei recentemente, e com muito prazer, o que Francesco Conrotto (2009), com a importância do seu rigor epistemológico freudiano, afirmou alguma coisa de muito semelhante no seu trabalho “Ricezione del transfert e processo della cura”.

Ainda mais extremo é dizer que a recepção da transferência de uma paciente seja guiada, mesmo que de forma casual pelos sentimentos de transferência do analista em relação a um outro paciente, uma transferência que não se apresentou ainda e, de forma ainda mais extremista, que esta vivência comum aos três protagonistas já modela antes do tempo – sem que o analista saiba disso – a transferência do segundo paciente, por sua vez modelado pela reação de contratransferência do analista incomodado na sua relação com a primeira paciente, no caso com Paola?

Vejamos como na primeira cena já se esboça, com uma certa precisão, posições e atitudes de todos os participantes da mesma cena, como em um tipo de jogo inconsciente dos quatro ângulos nos quais cada personagem tomará várias posições, irá em um certo ângulo em relação aos movimentos dos outros personagens, sem que nenhum saiba ainda que jogo está jogando.

2. REFLEXÕES NOS BASTIDORES, DEPOIS DO “FILMADO”

A expressão “recepção da transferência” é particularmente feliz porque desloca definitivamente o acento sobre a disposição do analistaem acolher o que, se não está disposto a acolher, não se vê, não existe². Que a contratransferência seja uma “resposta” à transferência do paciente digamos que é uma ficção útil para o trabalho psicanalítico. No plano epistemológico, porém, acredito que isso não signifique que a afirmação “contratransferência preceda sempre a transferência” seja, por assim dizer, “ontologicamente verdadeira”: pois, uma vez colocado em movimento o processo psicanalítico, efetivamente a receptividade da contratransferência é de qualquer maneira o acolhimento, a modelação daquilo que traz o paciente na transferência.

Aqui, porém, estamos falando da transferência das origens, do modo no qual ela se colocava presente no início do encontro entre analisando e analista e que em qualquer modo – por mais que seja difícil explicar e entendê-lo completamente – é estruturado pela contratransferência do analista.

Seria extenso, e talvez saia do tema, ir adiante neste sentido. Porém, sem dúvida deve-se sobretudo à tradição independente inglesa (Winnicott, 1957; P. Heimann, 1951; M. Little, 1950) (sobretudo, mas não somente – se pensamos em Racker, 1968) o ter individuado uma prioridade da contratransferência do analista, isto é, “uma anterior” que a precede. No meu ponto de vista, Winnicott é um incrível antecipador desta posição na qual talvez então, em 1945 – em um tempo que se discutia outro argumento (por exemplo, se a relação objetal estava presente desde o início na visão psíquica) - não era ainda totalmente consciente, mas que – examinando em detalhe o arco e a sucessão dos seus escritos com o olhar nachtraglich – isto é, da inicial dependência ambivalente _____________

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² Enquanto psicanalista infantil não posso não seguir a controvérsia entre Melaine Klein e Anna Freud. A estimulante afirmação de Melaine Klein (1927) de que “a Senhorita Freud diz que não há transferência na análise infantil simplesmente porque não sabe vê-la”; e a importante e pacata réplica de Anna Freud (1950) que – depois de ter colocado em guarda as armadilhas de uma interpretação selvagem da transferência das crianças se feita em termos simbólicos demais e distantes da experiência delas” – afirma, todavia, também com uma certa distância de anos (1965), quando ela também já aceitando a existência da transferência na análise infantil que “ainda não está totalmente convencida de (“I AM still unconvinced”) que seja idêntica àquela dos adultos”. (ver M. Di Renzo, 2008). Sobre o negar a existência daquilo que não se consegue ver poderia se pensar naquilo que afirmava Tom Main (1989), isto é, psicótico é aquele que não encontra ninguém disposto a acolher a sua loucura. do modelo kleiniano até a sua autonomia de pensamento, de técnica e de visão do processo psicanalítico no uso do objeto - “O uso do objeto” (Bonaminio, em preparação e impressão) – pode ser individuada como um do objeto” (Bonaminio, em preparação e impressão) – pode ser individuada como um tipo de premissa naquele masterplan, naquele “plano de obra” que é o seu artigo fundante de 1945 “Lo sviluppo emoziale primario” (Bonaminio, Di Renzo, 2008).

Esta “tradição independente” encontrou uma fértil escuta e uma fértil elaboração com características suas fundamentais e originais, também para nós, penso particularmente no grupo de colegas com os quais estes temas e esta posição foram “trabalhados” durante os anos³.

Pretendo colocar em evidência como esta interpretação sobre a rivalidade fraterna dirigida à minha paciente, talvez guiada por um atraente inconsciente (as “intensidades psíquicas” dos inconscientes do paciente e do analista dos quais fala Bollas que “probabilisticamente” encontram-se no incessante cracking up, no incessante despedaçamento do inconsciente [Bollas, 1995] antecipa, por assim dizer, no avant-coup um tema que estará presente mais tarde, bem depois na narração de Massimo XXXXXXX, tema que parece “olhar aquela cena originária através do olhar nachtraeglich de um segundo tempo que se dirige ao primeiro, dando-lhe significado e que nele encontra o seu.” (P. Marion, 2010)4. Estou falando aqui, como evidenciei já faz um tempo (Bonaminio, 2004) sobre aquele presentificar imprevisível, e enganador, do inconsciente na comunicação intersubjetiva, do emergir isso (Es) por dentro de nós, que Freud (1905) descreveu nas suas aparições multiformes desde o ensaio sobre “Os Chistes e a sua relação com o inconsciente”. De forma mais geral, refiro-me àquela comunicação inconsciente entre dois indivíduos, descrita várias vezes por Freud, e que está na base do trabalho psicanalítico: isto é, uma comunicação direta de inconsciente para inconsciente.

Sem dúvida que este tipo de comunicação inconsciente corresponde às concepções da identificação projetiva e introjetiva fundadas na teoria das relações objetais (C. Bollas, 1995). Todavia, foi repensada e re-descrita com entonações diferentes, substancialmente a sua descrição não é diferente da descrição dada pelo próprio Freud: é só pensar na metáfora do aparelho de rádio que recebe uma transmissão (1912) ou na sua afirmação (1915) segundo a qual “o inconsciente de uma pessoa pode reagir ao inconsciente de uma outra enganando a consciência”.

As concepções correntes da atividade sonhante do analista (a unending dreaming de Winnicott, a concepção de Khan do analista como ‘Eu que sonha’, a rêverie de Bion) não constituem outra coisa senão uma entonação e uma reavaliação deste tipo de comunicação, devolvendo, pode-se dizer, ao sonho e ao sonhar (A. Phillips, 1989) aquela centralidade que Freud lhe havia evidenciado.

_____________ 3 Refiro-me a A. Giannakoulas, T. Carratelli, M. Di Renzo, B. Carau, P. Fabozzi, P. Marion, A. M. Nicolo’, D. Norsa. (para citar somente aqueles da primeira geração). 4 Um livro recente organizado por Balsamo (2009) ofereceu uma ampla gama de pontos de vista sobre este conceito com valor agregado de conter contribuições quase que na totalidade por italianos. Mais recentemente, Bollas (1995) descreve este complexo movimento psíquico como um tipo de countertrasference dreaming. Na Itália, Nino Ferro (desde 1999) aprofundou, em um original e

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pessoal desenvolvimento do pensamento de Bion, a concepção da atividade onírica do estado de vigília do analisando e do analista “na sala de análise”.

Bollas coloca em palavras extremamente sugestivas este processo: “o receptor inconsciente de Freud, isto é, o equipamento onírico da contratransferência, elabora as comunicações inconscientes do paciente segundo as suas modalidades: de um sonhador ao outro. Sonhando o analisando durante a sessão, levando-o a outro lugar transformado em pessoas, eventos e lugares diferentes. O analista faz uma operação inconsciente de desconstrução, isto é, desloca, condensa substitui o paciente (1995, p.7).

Prosseguindo neste contexto com a argumentação de Bollas, que me parece particularmente iluminadora, podemos dizer que o “paciente sabe que contribui às fantasias inconscientes do analista e de influenciar o seu inconsciente, mas não de alcançar a sua consciência enquanto tal: a privacidade está assegurada” (Bollas, 1995, p.9). Como escreve Freud em 1915, “o inconsciente está vivo, capaz de desenvolver-se” e “deixa-se condicionar pelos acontecimentos da existência” (1915, p.74).

Sobre a “visibilidade do inconsciente” da sua concretude e das metaforizações em descrevê-la, Bion expressou assim, em um seminário em Paris de 1978, segundo o que foi reportado por S. Resnik “O inconsciente é uma noção freqüentemente mistificada, considerada como irreal e imaterial; para mim, ao contrário, o inconsciente existe e é real, real e vivo como uma árvore. A globalidade da árvore não é constituída somente por aquilo que aparece ao observador, mas a sua globalidade inclui o que está soterrado, as raízes” (Resnik, S., 2006, p. 134).

Na situação analítica “ambos” os protagonistas – mas aqui poderíamos dizer todos os personagens implicados, aqueles presentes e aqueles que virão, aqueles que introduzem e aqueles que são evocados – “desenvolvem o inconsciente, criam um teatro para a sua representação, fornecendo-lhe um lugar adequado para a sua colocação em cena e aumentando assim a eficácia do processo terapêutico” (Bollas, 1995, p.10).

Perguntar-se-ia porque eu afirmo, com Bollas, que isso aumenta a eficácia do processo terapêutico. Tem a ver, pois a comunicação que se realiza entre dois (ou mais) inconscientes “descola”, pode-se dizer, o inconsciente do indivíduo das suas fixações, mobilizando em um e no outro a tendência a “apresentar-se” e a “conhecer-se”. Poderia ser dito que naquele lugar “seguro” que a ecologia analítica (Khan, M., 1970a, 1970b) representa tanto para o paciente quanto para o analista, as duas “feras” – parafraseando Bion (1973) – saem dos seus refúgios nos quais estão aninhados, acreditando estarem protegidas, e movendo-se com prudência uma em direção a outra, estudam-se, investigam-se, conhecem-se, mas por isso mesmo mudam a posição em que estavam, vêem-se no outro, espelham-se, e espelhando-se conhecem-se e também conhecem aspectos de si.

A centralidade da “função do espelho” – descrita por Winnicott (1967), essencialmente, mas antes ainda por Lacan (1949) e depois por Kohut, (1971) e mais recentemente colocada em modo conceitual da própria natureza da psicoterapia por Wright (1991) - não pode mais ser desvalorizada enquanto forma de comunicação do inconsciente5. Como observa Salomon Resnik (2006, p. 28), o espelho de Winnicott é um “espelho que fala como nas fábulas. De um certo modo, a idéia de Bion sobre a rêverie já está presente em Winnicott”.

A “especulação” é então um caminho através do qual o inconsciente trabalha e coloca-se em contato com o outro, antes, poderia ser dito, de se colocar-se em relação com o outro; uma transferência, portanto, no sentido de uma transferência do inconsciente, que ‘acontece” antes da transferência no desenvolvimento de uma relação objetal. Sobre este tema voltarei mais

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adiante reivindicando, posso dizer, a prioridade, o primado, da identificação primária em relação à identificação projetiva.

3. SEGUNDA CENA: UM OLHAR CONJUNTO SOBRE ALGUNS ASPECTOS CENTRAIS DA ANÁLISE DE MASSIMO XXXXXXX

Pretendo mostrar, mesmo que brevemente, o peso que tem, que preanuncio como uma quase Anunciação do Arcângelo Gabriel à Madona sobre a vinda de Cristo na terra, este episódio que é “apresentado” diante do analista é um tipo de apresentação do inconsciente que depois se representará no decorrer da análise com Massimo XXXXXXX, nas múltiplas declinações que seguirá a sua transferência e que todavia está contido in nuce neste mesmo episódio.

O meu dizer lobo ferido, ao invés da frase mais comum cão ferido, é uma clara irrupção do inconsciente na cena, ao tecer o meu discurso. Sigamos este lobo ferido que comparece improvisamente para chegar até Massimo. Na verdade na análise Massimo é um lobo ferido, muitas vezes sua narração áspera, ressentida, irritada, conflituosa contra o analista, usou esta expressão: “não suporto mais levar tapas na cara de todos, levar pauladas”. Não é impressionante que um adjetivo e um nome abordados de modo insólito, desarticulando a ‘lógica da seqüência’ (Bollas, 2008), pré-vejam alguma coisa sobre a qual ainda não se sabe nada e que é por vezes dirigida à vivência de Paola e certamente não a de Massimo, que naquele momento é somente aquele que, requerente e insistente, toca a campainha e senti ser excluído, expulso, renegado, antecipando em modo traumatofílico – mas isso saberemos somente depois – o seu problema de base, repetindo-o fora ou antes da transferência? (Pontes, A.R.N. e Torrano, L.N., 2010)

Sem dúvida o analista, submetido à forte turbulência emocional que lhe foi solicitada, identificou-se com Massimo antes de conhecê-lo, mas Paola foi de algum modo a rádioponte, de trasponder entre estes dois inconscientes, se admitimos a imagem freudiana de 1915, e já citada, da comunicação inconsciente que exclui o pré-consciente como um rádio receptor. Um inconsciente que se presentifica sem que eu saiba nada disso e que me fez representar “XXXXXXX” como um lobo, _____________ 5 O livro organizado por Cupelloni La ferita dello sguardo (Milão: Angeli) recupera a importância do espelhar-se na situação analítica. No recentíssimo livro Immaginando (Milão: Angeli, 2010), Chianese e Fontana reavaliam a dimensão do visual em Freud juntamente com a acústica, da palavra e da escuta. uma representação que chega para mim na transferência por via direta, na “colocação em cena improvisada”, como um saltimbanco de rua, da qual todos participamos, mas que não sabíamos da nossa participação.

Na verdade, no aprés coup a transferência de XXXXXXX em relação a mim se tinge freqüentemente de aspectos cruéis, que repropõem no “aqui-e-agora” de cada sessão, mas também em certas fases da relação psicanalítica, uma raiva antiga em relação ao objeto e ao ambiente primário.

A análise com Massimo poderia ser visualizada da seguinte forma: numa praia chega em terra firme um náufrago perdido, enfraquecido, sacudido pelas ondas do mar , - uma praia que constitui por um tempo tanto o lugar onde deposita a sua vivência originária traumática não representável, como a única possibilidade de transformar aqueles elementos primitivos e rústicos de rejeição e de expulsão para elaborá-los e torná-los humanos. Mas não é uma tarefa fácil, nem para ele e nem para o analista, pois cada “ato” que acontece nesta margem contém tanto um como outro aspecto, isto é, o conhecido não pensado, sobre o qual Bollas fala (1986), e o sintoma de esperança, sobre o qual fala Winnicott (1956).

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Tomado entre Cila e Caríbdis, isto é, entre a sua incessante pesquisa de um vivência fusional (que implica também o seu sentir-se influenciado e, portanto, expropriado pelo analista como pela mãe que tinha sido idolatrante e idolatrada [M. Khan, 1979; C. Bollas, 1987, 1989]) e a sua vivência de ser violentamente expulso, a minha contratransferência está exposta nesta fase a uma intensa “corrente” emocional: Massimo é sem dúvida o paciente mais difícil e que mais me empenha neste período em análise. É particularmente complexo emocionalmente para ser destrinchado, na hit et nunc da sessão, o sincício mental que Massimo XXXXXXX propõe quase em modo delirante – e que eu sinto também sob o risco daquela regressão maligna da qual fala Balint – dos aspectos fusionais bons, narcisisticamente nutrientes, generativos de crescimento para o Self. É em meio destas águas que me encontro a um certo ponto exposto quase a arriscar a integridade física, quando no curso de uma minha interpretação o paciente se sentiu “desmentido” naquela ilusão “quase-delirante” de sincício fusional. O acontecimento é literalmente um “nada”, e da minha parte não havia nenhuma intenção de “desmentir”, mas foi sentido de facto pelo paciente como uma intolerável manobra separadora: uma minha violenta evacuação dele mesmo que repetia a expulsão do “ paraíso terrestre” , regressivamente idealizado, da mente e do corpo da mãe pela gravidez e o nascimento da irmã que o substituiu, uma desilusão incineradora e dissolvente para o Self, da qual somente podia defender-se depositando naquela energia potencial seqüestrada dentro dele, e justamente por ser seqüestrada era potencialmente destrutiva.

O sentido de medo somático que sinto – durante a sua imprevista explosão de violência na sessão, que consigo todavia conter e limitar – quando ele ergue, feito um energúmeno, um móvel pesado para pegar, antes de ir embora na metade da sessão, chaves e carteira que tinha jogado ali atrás para não me atingir diretamente (o lançamento da carteira era também o sinal do desprezo pela minha “venalidade”), torna-se a base da vivência comum que eu pude interpretar para ele na sessão sucessiva, na qual Massimo volta com uma cara ameaçadora feito um touro (um touro desta vez) ferido e que eu me preparo para iniciar a sessão com um sentimento de profunda inquietude. Digo-lhe que “ontem experimentamos um grande medo juntos por aquilo que aconteceu e que não podia ser expresso de outro modo senão assim”. Depois desta comunicação de um estado de ânimo compartilhado, é possível para Massimo acolher a interpretação do acontecido e o seu significado, tornando esse o tema dominante por um período sucessivo da análise. Porém, o que me parece importante evidenciar, deixando de lado os conteúdos interpretados do trabalho que se ativa, é a transformação de uma quase “fantasia sincicial” – delirante em uma “vivência comum” a partir do compartilhamento de um sentimento de base como o medo. Acredito nunca ter experimentado na análise com um paciente um sentimento tão vívido dos efeitos mutativos da interpretação e da sua elaboração, na acepção que atribuo a este termo, isto é, de “experiência compartilhada mutativa” (Giannakoulas, 1996).

O ponto de quase ruptura, justamente porque foi contido emocionalmente e tornado pensável, sendo capaz de transformar progressivamente uma “simbiose regressiva” que corria o risco de tornar-se “maligna” em uma “experiência fusional boa” e que mantém a ligação, e durante o “acudir”, acode também os processos separativos.

A transferência, como escreve Winnicott no trabalho de 1956 – um texto que, no meu ponto de vista, é revolucionário porque através da transferência dá uma visão inovadora também em termos de implicações técnicas –, repropõe in toto os movimentos e as posições inconscientes do indivíduo em direção ao objeto e ao ambiente, mas também as posições inconscientes do objeto e do ambiente em direção ao indivíduo. A transferência então é uma colocação em cena na totalidade da cena originária e “contém” talvez mais do que as “posições inconscientes” do indivíduo em direção ao objeto (Klein), as suas reações inconscientes, as suas “adaptações” aos impingment e às falências do objeto; isso revela conter de qualquer modo fragmentos também do inconsciente do objeto (Winnicott).

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Há, portanto, nesta visão, um modo de comunicação do inconsciente do outro pelo trâmite do inconsciente do indivíduo, que, pode-se dizer, o contém.

No plano da técnica psicanalítica isso tem a ver com aquela pergunta fundamental que já tinha sido colocada no início dos anos 50, quando Paula Heimann (1950, 1956, 1960) perguntou-se: “Quem está falando?” e “Com quem está falando?” “ Sobre o que está falando o paciente agora e por que?”6 Tendo contemplado a primeira e segunda cenas, contemplado no aprés coup naturalmente – é possível indagar se: é a sua transferência (o que se presentifica diante de mim com aquela irrupção7) que depois representar-se-á na transferência da relação psicanalítica desdobrando-se? Ou mesmo, o desenvolvimento da transferência é já pré-organizado pela minha resposta à transferência impulsiva do paciente? Uma espécie de pré-concepção bioniana que encontra sucessivamente a sua realização na transferência condicionando-a desde ab-initio? _____________ 6 Sobre este tema contribui nos últimos dez anos em alguns trabalhos escritos em colaboração com Mariassunta Di Renzo nos quais afrontamos sob o registro da “tarefa que nunca pode ser realizada: e, isto é, fazer frente ao humor da mãe”, o tema do “trabalho psíquico desenvolvido para outro” (Bonamonio, V – Di Renzo, M., 2000, 2008). 7 Ver a propósito o que escreveu recentemente e de forma pertinente Luchetti (2010) sobre o conceito de irrupção, como equivalente, mais primitivo e traumático, do “retorno do recalcado”.

O inconsciente apresenta-se assim por irrupção, e representa-se na transferência por deslocamento e condensação. Mas ambas são formas de transferência, de travessia. Uma escolhe o percurso breve, impulsivo, altamente irracional, com efeitos desorganizados e traumatogênicos; a outra escolhe o percurso da relação objetal, do esconderijo, dos significados ocultos, do deslocamento e da condensação. Mas há uma transferência “antes” da transferência, que a precede e que verossimilmente lhe dá forma mesmo que ela, a primeira, esteja deformada, unformulated, que não se formula. (ver o recente trabalho de Riolo sobre “Lo statuto dell’inconscio” (2009).

Interesso-me há muito anos (desde 1981 até hoje) pelos mistérios deste trabalho sobre o inconsciente que deposita na criança alguma coisa de elaborado que pertence aos pais ou à geração precedente. Certamente, o desafio do transgeracional é complexo, não tanto pelo fato de nos deixar perplexos que conteúdos psíquicos que sejam transmitidos de uma geração à outra, mas porque ainda sabemos pouco sobre como isto acontece, sobre como se realiza e por quais caminhos: muitos pensam na identificação projetiva – onipresente atualmente – e eu mesmo, no meu trabalho sobre esse tema (1981), não sabendo recorrer a outro, utilizei amplamente esse conceito. Agora penso, e sempre com mais convicção, que é a identificação primária – que extravasa conteúdos por contigüidade, “pressão osmótica” (Rosenfeld, 1978), transbordamento (flowing over at oneness, Tustin, 1981) – o mecanismo principal do trabalho do inconsciente da apresentação que explica estes fenômenos: e é para ela que devemos recorrer como referência principal no trabalho do inconsciente.

Introduzi intencionalmente o tema do trans-geracional, pois o salto temporal de elementos psíquicos não elaborados, implícito nele, é análogo, de alguma maneira, ao “salto” de conteúdos emocionais que ricocheteiam no triângulo horizontal constituído por Paola, Massimo XXXXXXX e eu.

Nenhum dos atores na primeira cena descrita acima “sabe disso”. Ou melhor, como a fala de Massimo XXXXXXX no botão do interfone que dá cotoveladas para comunicar qualquer coisa ao analista, para pegar um espaço e um tempo que não são seus, ou talvez para “retomar” aquele espaço e aquele tempo que foram tirados dele “um tempo”, mas também “agora” pela lógica do inconsciente e que o jogaram fora como um cachorro vira-lata, eles são “perturbações”, pode-se dizer, do inconsciente que aperta para apresentar-se, hóspede indesejado ou então não mais desejado.

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Esse elemento “não mais desejado e desejável” é a pena, o tema central de Massimo, um tema que, como mostrei mesmo que por indícios, desdobrar-se-á devagar na transferência como um novelo antes emaranhado.

Agora voltamos de novo para Massimo XXXXXXX da segunda cena, para dar ulteriormente à história um sentido compartilhável e compreensível: catapultamo-nos, novamente, para alguns anos depois, dois ou três acho, quando a sua análise estava em pleno desenvolvimento e as tensões não faltavam como já disse e eram pungentes com traços intoleráveis: depois reentravam graças a algum coup de foudre bonificante, seu ou meu, mas quando eram verificados parecia desmoronar, que não existia esperança.

Diria que Massimo, mais do que um belo rapaz – alto atlético, ombros largos tipo nadador, mãos de jogador de rúgbi – todos esportes praticados com sucesso mas não tanto ao ponto de fazê-lo ir para a equipe nacional – motivo esse de raiva e depressão –, é um armário. Incute quase um temor quando se levanta para ir embora no final da sessão depois da discussão comigo, o ataque verbal a mim ficou violento, e desprezante; quando se sentiu não compreendido, não amado, não querido, tratado como um trapo, mesmo que nada no meu comportamento e nas minhas palavras em relação a ele fizesse pensar isso. Mas depois havia sempre alguma coisa que ele ‘cavoucava e cavoucava’ dentro até “tirar isso de mim”, tirando para fora com impertinência, quase que para me mostrar: “vê isso, o que tinha te falado? Você não me suporta, não somos a mesma coisa, é um engano, você quer me mandar embora!”

Em um sonho me representa como um crápula em um restaurante à beira-mar sendo alimentado por uma mulher bastante agradável mas um pouco gorda (nas associações a minha paciente antes dele nas sessões – e que não é Paola – e que ele imagina muito sedutora comigo; sem dúvida eu “deixo passar tudo para ela” enquanto que com ele sou inflexível. Esta é a sua fantasia. Sou tão crápula no sonho que me levanto da mesa e a mudança de posição me faz arrotar tão violentamente que todos não só se viraram mas que as estruturas do restaurante à beira-mar vibram até o terreno descolar.

Na sessão precedente senti-me realmente exausto por causa dos seus ataques a mim, ataques que me pareciam sair de uma injustificada ação de demolição minha por algum excesso por alguma coisa errada que eu tinha feito a ele, e no banheiro, quase para liberar-me, inadvertidamente saiu um leve arroto e que fez, porém, voltar à normalidade. Nas sessões sucessivas efetivamente não fazia outra coisa senão me fazer notar, revelando todas as entonações do meu falar que deixavam infiltrar uma certa, mesmo levemente, irritação e da qual eu só me dei conta graças a ele, pois não tinha a mínima consciência disso; não podia negar isso, porém pensava: realmente aquela certa coisa eu disse em um tom com uma certa arrogância, ou mesmo fiquei em silêncio diante de uma comunicação importante.

Na transferência sentia-se tratado de forma brusca por mim, mesmo que aparentemente não havia nenhum traço disso a primeira vista. Tinha começado a aproximar-se da mãe, a chamar-me de “sem graça” como ele e a irmã chamavam a mãe de nome XXXXX, pois era sempre brusca nos modos: se ele machucava um joelho, “uma enérgica esfregada com álcool e pronto”, “nunca um gesto afetuoso”. Com Giulia, a irmã, naturalmente era diferente. Sempre seca, sem dengos, mas se via de longe que a admirava muito mais do que ele, mesmo quando dizia que ele “era um grande”, “que iria longe na vida”, enquanto que na verdade tinha vindo para análise porque estava travado nos estudos, tinha violentas e contínuas discussões com a família, terminava e voltava com a namorada que não podia “manter”, pois não se sentia amado, mas que não podia nem de longe pensar em ir pelo seu caminho, pois se sentia “grudado como cola” a ela.

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Os irmãos foram tratados como gêmeos, mas não eram. No terceiro mês de vida de Massimo, a mãe ficou grávida de Giulia. Não somente na narração daquilo que lhe foi contado e que fazia parte da “cultura familiar”, mas nas sensações corpóreas, naquelas que Melaine Klein chama de memories in feelings, Massimo reportava na transferência o insulto de ter passado de uma condição de investimento narcisista total por parte da mãe para uma brusca interrupção desta “atenção especial”. O descobrir dentro de mim uma variação, mesmo que mínima de atenção, um tom de voz diferente do habitual, repropunha in toto na transferência a condição de imediata e imotivada destituição. A fase idílica da idade do ouro era então duplamente traumática, não somente, isto é, em termos de nostalgia, mas também de engano: na verdade não foi assim, fizeram com que ele acreditasse que foi assim.

Naquela violenta intrusão na minha sessão com Paola, naquele engano sobre o dia, Massimo tinha reproduzido, sem sabê-lo, o sentimento de ser preterido: o seu inconsciente tinha escolhido, com cuidado poderia dizer, os outros atores para atuarem na cena: a analisanda Paola – irmã Giulia, a mãe-analista fechados numa relação íntima que o excluía. As suas vãs tentativas de expulsar aquela horrível fusão em que a mãe, jogando-o fora, havia instalado no seu lugar a irmã-analisanda Paola. “Sou eu, Massimo XXXXXXX”, “eu estava primeiro” – parecia que Massimo gritava pelo interfone, porque aquele lugar tinha sido o seu. O “medo do desmoronamento”, perturbado por afrontar alguma coisa que na verdade já aconteceu, é fundamental para compreender esta ordem de fenômenos já descritos por Winnicott (1963). Por isso Massimo tinha vindo adiantado, no dia errado: para apresentar-me “em um prato de prata” o seu problema central, o drama da sua vida, a rachadura da sua existência. Naquele “cenário de mais entradas”, parafraseando Laplanche e Pontalis (1968) que é a primeira cena, as combinações entre os personagens são múltiplas: eu e Paola somos Giulia e a mãe que se divertem entre si e que o excluem; Paola é a usurpadora do seu lugar, é Giulia que veio distrair a mãe do investimento narcisista total, do qual, também com uma fantasia fusional regressiva, ele se compraz; mas Paola e eu, na sala íntima (Civitarese, 2007) somos ele mesmo também e a mãe fusos todos em um só e ele joga no prato daquela cena também a presentificação do agente traumático pelo qual foi investido e do qual não se recuperou mais. Massimo tornou-se, ele mesmo, o agente traumático ‘para controlá-lo”.

Também a “gemelaridade” – proposta narrativamente pela mãe (“eu sempre tratei vocês de forma igual, como dois gêmeos”) tanto reparadoramente quanto em pane com duas crianças para levar adiante, ambas requerentes e idealizadas – havia na vivência de Massimo uma “ilusão”, um engano: tinha sentido como um fingir , um transmitir a ele que existisse uma justiça distribuidora. Mas alguma coisa não só não era verdadeira, já que a realidade da preferência materna por Giulia era irritante, mas era um engano pois não deveria ter ali nenhuma igualdade, nenhuma ‘justiça distribuidora” presente porque tiraram dele aquilo que possuía: quem o ressarciria por isso? Não era nem mesmo reconhecido, imagina se ele poderia esperar por um ressarcimento.

Estou colocando na forma de fábula narrativa aquilo que, na realidade, no decorrer da análise lhe foi interpretado cada vez mais na transferência e, melhor ainda, poderia dizer que a interpretação era a descoberta desta realidade! Não entro neste terreno da interpretação como descoberta, como criação junto ao paciente, de uma realidade psíquica que faz aflorar os traços perdidos daquelas memories in feelings (Klein, 1956), sepultadas embaixo do chão do existir.

Giulia e Massimo foram crianças, e depois adolescentes, lindíssimas, na opinião de todos, cheios de saúde e esportistas, mas Giulia, Giulia que praticava os mesmos esportes que ele, natação, esqui, tênis, segundo a mãe, que não economizava em dar julgamentos severos, tinha sem fingimentos, tinha aquele toque, aquela classe a mais que para ele faltavam mesmo sendo muito bom, mas que deixavam a dança de Giulia uma harmonia fluida, as suas descidas de esqui um bordado, as suas braçadas na piscina “leves como aquelas de uma sereia”, as suas partidas de

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tênis uma coreografia graciosa e precisa. Ambos eram esportistas de grande classe, a mãe, “feixe de músculos mesmo com sessenta anos, foi campeã de estilo livre e chegou na equipe nacional; o pai tinha jogado por algum tempo na série “B”, e na realidade tinha vivido como um da série “B”. Ele, Massimo, não tinha sido capaz de firmar-se de verdade em nenhum esporte nos quais era bom, mas as expectativas eram altas demais e inalcançáveis também pelo fato de serem minadas continuamente no confronto com a usurpadora. Massimo sentia-se realmente aquele falido, aquele rejeitado, aquele hóspede não convidado para o jantar de gala, condição que o fazia sentir realmente um “falido na vida”. Mas tudo isso – certamente com o olhar do aprés coup não tinha sido já apresentado imediatamente com aquela campainha enlouquecida fora do tempo que depois o tinha feito distanciar como um cão ferido? Não era uma transferência antes da transferência?

3. ULTERIORES REFLEXÕES DOS BASTIDORES E CONCLUSÕES

Sustento o que segue. Que o analista pode ser visto como uma espécie de “portador são” – caso consiga manter-se assim e a não adoecer demais – de uma transferência que, no decorrer do dia, mas também da semana, do mês e assim por diante, atravessa-o como se fosse um rio sinuoso com ondas, pelo qual ele - o analista – oferece apoio, se faz de margem, e que encontra em cada um dos seus pacientes uma específica declinação que tem a ver com o seu mundo interno e com a capacidade do analista, maior ou menor, em responder-lhes, os “gradientes” dos quais fala Ferro (2002, 2010), as “passagens secretas” entre o inconsciente do analisando e o do analista sobre o qual, com traços poéticos, escreveu Bolognini (2008), e também aquele “não pensado representado” do qual sempre Bolognini trata no seu trabalho “Note dal profondo” (2009).

Mas esta transferência da qual o analista serve de parapeito para cada indivíduo – graças ao sistema de escuta no qual para a análise é fundamental – está também impregnado e de forma a pré-condicionar a transferência “sucessiva” que se representa na relação com o paciente da sessão seguinte.

Como é possível – perguntou-se substancialmente Freud (1925) naquele ensaio revolucionário que é “Inibição, sintoma e angústia” (1925) e que muda a teoria e a técnica da psicanálise muito mais radicalmente de quanto nós nos damos conta, - como é possível que o Eu, não formado ainda registre experiências que não poderia registrar já que ainda não estão formados os aparatos atos para registrá-las; e mesmo aquelas experiências deformam o Eu que se deve ainda formar e lhe dão, todavia, um imprinting, uma modelagem inequivocável. Winnicott, no seu ensaio de 1960 “A distorção do Eu em termos de verdadeiro e falso Self”, deu uma resposta própria a este enigma, a este paradoxo.

No fundo, estamos aqui no mesmo âmbito de fenômenos que Freud descreve em termos intrapsíquicos, em termos de relações entre as instâncias psíquicas que se influenciam alternadamente antes de poder formar e que se “deformam” conseqüentemente. E nós falamos dos mesmos fenômenos, paradoxais, digo em termos intersubjetivos, interpessoais: para “nós” me refiro àquela geração contemporânea de psicanalistas que se reconecta essencialmente a Firencze, a Bion, a Winnicott sobretudo, a Balint, a Loewald, e toda a tradição psicanalítica que constituiu no tempo aquela “revolução silenciosa” da psicanálise atual e do modo no qual o analista cuida do paciente considerando-o de forma párea, mesmo que não simetricamente, a um sujeito de análise, o sujeito da análise, parafraseando Odgem (1994).

A irrupção da transferência que se presentifica no “aqui e agora” daquela terça-feira a tardizinha, mas que não se representa, que não encontra figuração se não na “colocação em cena” perturbada, caótica, aquela transferência antes da transferência está “concatenada”, em qualquer modo, com a transferência de Paola, disso é o pendant, ou, melhor, o segundo é o pendant do primeiro?

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“Apresentação” e “representação” enfrentam-se e encontram-se em lugares e tempos diferentes unidos, alinhados, dir-se-ia, pela presença do analista, que faz de atravessador inconsciente e que tem necessidade de um tempo diacrônico para que aquilo que se “apresenta” sem que saiba, - mesmo que lhe é comunicado – represente-se no desdobramento da transferência, na construção da relação psicanalítica para ser notado, compreendido e talvez, em partes, interpretado (Winnicott, 1969).

Não se pode liberar – e não seremos certamente nós analistas a fazê-lo – deste paradoxo de duas diferentes formas de comunicação do inconsciente, de dois diferentes modos do trabalho do inconsciente, falando por exemplo, neste caso de mera co-incidência, porque o que impressiona é justamente “incidir” simultâneo do mesmo núcleo, mas em diferentes formas e em áreas diferentes, de espaço e de tempo.

“A psique é extensa, disso não sabe nada” – uma das últimas afirmações de Freud (1938) é talvez o enigma que contribui a manter junto esse paradoxo sem se pensar em resolvê-lo.

O conceito de inconsciente, as leis do seu operar dentro do indivíduo e na relação com o outro sobrevive vivo e animado e continua a ser, de forma saudável, o eixo que leva e contra distingue a psicanálise de qualquer outra teoria do comportamento humano. É para o inconsciente que nós psicanalistas olhamos ou deveríamos continuar olhando, nos seus modos de operar, às leis que o governam, condensação e deslocamento e às suas duas estradas de acesso principais através das quais o inconsciente chega comunicativamente até nós, o sonho e a transferência: duas estradas “reais” (Royal roads) porque se cruzam continuamente e são de fato indistinguíveis. O sonho é também, por definição, transferência, uma transferência contínua de representações e significados de um estado a outro da mente do sonhador e do analista que o escuta narrar e faz associações sobre isso, uma transferência contínua à pesquisa de expressão e de manifestação. A transferência é um sonho, uma colocação em cena onírica, que toma e trata os seus personagens, as suas figuras da mesma maneira em que o sonhar “decora” o sonho, como o “jogar” personifica o jogo.

Sonhar e jogar como experiências psíquicas são tão interconectadas como formas de manifestação do inconsciente que às vezes quase perdemos a noção disso, como se fossem atividades diferentes; do mesmo modo no qual a transferência não é mais que um sonho jogado no espaço da sala analítica ou – o que é a mesma coisa – um jogo das partes sonhado diante do analista. A atividade inconsciente incessante é sempre a matriz disso, o cracking up contínuo do trabalho do inconsciente, a sua disseminação (Bollas) é a fonte originária.

Tendo presente a ocultação do inconsciente que os próprios analistas operaram, pode-se perguntar porque a psicanálise tentou, com vários recursos, amputar, como sustenta Bollas (2008), aquela parte de si que a contradistingue como um dos pontos de aquisição entre os mais recentes da evolução do gênero humano, aquilo que ele chama “o momento freudiano”.

O que a cento e cinqüenta anos do nascimento da psicanálise nos oprime na relação com o nosso paciente porque se infiltra entre nós e ele, e então mina a possibilidade de podê-lo escutar, entendê-lo, e obscura então a comunicação no inconsciente do paciente, é o que ao mesmo tempo nos enriquece pois nos torna mais capazes de podê-lo “reconhecer”, e no fim das contas de poder cuidar do paciente que, na minha opinião, é a verdadeira tarefa da psicanálise.

O que eu pretendi falar é muito banal – ou pelo menos para alguns foi. Espero que não para todos. É de qualquer forma muito pessoal pois diz respeito a algo crucial, uma interrogação, uma questão que na prática psicanalítica coloco-me praticamente desde sempre: e ao qual pude dar respostas parciais incompletas, fragmentadas.

Uma primeira definição, uma primeira exposição deste ponto crucial, desta interrogação, eu ofereci-a com o precedente – ainda incompleto – exemplo no modo mais simples: o que acontece

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nos intervalos entre uma e outra sessão, quando um paciente vai embora e nós, ainda impregnados por aquilo que aconteceu com ele, cansados, ou confusos, ou insatisfeitos, ou mesmo ainda, satisfeitos do envolvimento com ele, damo-nos um instante de trégua, geralmente dez minutos, prevalentemente para funções corporais, para dar uma arrumada na sala, para arejá-la, para mandar embora a eletricidade estática da relação com o paciente precedente e para expelir as escórias acumuladas dentro de nós?

O que acontece no decorrer de uma jornada analítica, do ponto de vista do analista e como isto influencia (consome, mas também amplifica) a sua capacidade de escuta? Este aspecto é pouco tratado. Talvez somente Meltzer no seu O processo psicanalítico fez um tratado completo, mas do ponto de vista das estabilidades fractais* das recorrências de certos fenômenos.

O que ao invés eu quero evidenciar tem a ver com as poluições, as contaminações, as falências que concatenam uma sessão e outra assim como o humor do analista, ____________

* N.T.: A ciência dos fractais apresenta estruturas geométricas de grande complexidade e beleza infinita, ligadas às formas da natureza, ao desenvolvimento da vida e à própria compreensão do universo. São imagens de objetos abstratos que possuem o caráter de onipresença por terem as características do todo infinitamente multiplicadas dentro de cada parte, escapando assim, da compreensão em sua totalidade pela mente humana.

as suas preocupações de saúde, familiares, pessoais, necessariamente influenciam a sua conduta (a pessoa do analista foi um dos temas de um recente trabalho meu) e como predispõem o florescer de uma transferência antes da transferência. E mesmo assim o analista é capaz de escutar cada paciente, de responder à sua transferência, é capaz disso, mas deve ser também capaz de discernir, destrinchar o que pertence a ele e o que pertence ao paciente, o que ressoa no paciente daquela sessão por parte do paciente da sessão anterior, e do seu modo de ter-lhe respondido ou de tê-lo compreendido imediatamente depois.

O analista no decorrer da jornada encontra-se no meio de um fluxo de inconscientes, incluído o seu que, como diz Bollas (1995) estão em contínua fragmentação, cracking up, e que não podem não vagar na sala e que às vezes oferecem a nós também uma chave para entender aquele paciente que está falando naquele momento, mas outras vezes o impede terrivelmente até que não seja capaz de discerni-lo.

Além da rêverie, além da suspensão de memória e desejo: uma posição para a qual tender, mas que é difícil de alcançar.

Não acredito que se possa dar como certo, como às vezes se ouve e se lê, que o analista alcançou, naquele determinado momento, utilizou do recurso da suspensão da memória, da lembrança do material que o paciente trouxe para a sessão anterior ou quinze minutos antes. Porque, inversamente e realmente, devemos fazer um trabalho muito mais grosseiro e cansativo, isto é, conseguir discernir ou tentar discernir o material da sessão do paciente também aquilo que recolhe da sessão anterior e que certamente deixa uma marca, um traço em nós. Uma coisa é dizer que o analista deve liberar a mente da sessão anterior, que deveria tender a isso, outra coisa é acreditar, descrever que isso realisticamente aconteça e realize-se plenamente!

Isso que compreendemos, notamos e, às vezes, – deseja-se – também é interpretado verbalmente ao paciente, torna-se um tipo de tijolo da análise, certamente um tijolo de argila – pronto para ser remodelado ou, às vezes, substituído, mas de qualquer forma, pelo momento, for the time being, está arranjado: o paciente leva embora consigo aquilo que lhe dizemos e nós nos iludimos que possa levá-lo embora como um conforto. Naturalmente nós esperamos – acredito que todos

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nós analistas deveríamos esperar – que o que fazemos não é outra coisa senão um trabalho em curso e que não existem certezas solidificadas [Kohon, 1999; Manfredi Turillazzi, 1904]).

Dizemos, brevemente, que quando isso acontece, e geralmente acontece, podemos oferecer ao sucessivo analisando o melhor ambiente possível: sala arejada, lencinho de papel novo e cândido colocado com cuidado sobre o braço do divã, mente liberada, corpo eficiente e privado de estímulos perturbadores. A “preparação” física, corpórea por parte do analista para o paciente que está para entrar e que trará em sessão um acúmulo de pensamentos e sentimentos geralmente à espera de serem acolhidos e escutados, destrinchados, significados, nos serve também como distinção, ponto de referência daqueles fenômenos corpóreos, geralmente leves e transitórios, mas não sempre tais, que se verificam em sessão e que freqüentemente são expressões de alguma coisa que está acontecendo entre nós e o paciente.

Mas não necessariamente de um campo comum. Penso que a privacidade, a individualidade do analista e do analisando deve ser mantida sempre bem presente. Somente pela individualidade da separação pode nascer o encontro, o compartilhamento, o campo, a área compartilhada. Winnicott (1960) dá o exemplo da dor de estomago que surge em sessão, mas que geralmente não é capaz de perturbar a sua habitual contratransferência em relação ao paciente. Reconhece-a, isto é, como uma verdadeira dor de estomago e não como o resultado de uma projeção inconsciente do paciente dentro dele, como havia dito claramente naquele trabalho revolucionário, já citado, que é “O ódio na contratransferência” de 1947, cujas implicações técnicas são, para mim, ainda amplamente desvalorizadas.

Onde vai então todo este material não elaborado, residual (L. Risso, 1998) que não obstante os nossos esforços continua abrigado na sala de análise? Em partes é expulso, como disse, evaporado com a apertura das janelas mesmo quando fora a temperatura é rígida: “Brrr”, dirá o paciente quando entra: “faz tanto frio quanto fora”. Depois, em geral reconhecerá, que se está esquentando não somente porque o aquecedor emana o seu calor, mas porque a temperatura da relação sobe rapidamente entre ele e o analista. A sensação de bem estar se adquire rapidamente também no verão naturalmente, da passagem do tórrido da rua à sala fresca do ar condicionado do analista estabiliza-se juntamente com a auto-regulação afetiva da dupla no trabalho.

É inacreditável pensar em “quanto inconsciente” passou entre os corpos do analista e do analisando, quanta estagnação e quanto transbordamento de um para o outro se verifica, e quanto pouco somos capazes de dizer desta parte assim consistente da comunicação inconsciente. (M. Little, 1968: A. Giannaloulas. M Hernandez, (1997),

Em um recente trabalho, sobre o qual porém não pretendo me ater, tenho em partes examinado este aspecto sob o registro daquilo que Winnicott chama a instalação (indwelling) da psique no soma. Através dos três exemplos clínicos (uma criança autista que supervisionei com Tustin mais ou menos há trinta anos, ficou pálido, desmaiado, ausente em uma determinada sessão pela separação traumática temporária da mãe e, acidentalmente mas simultamente, também de mim; um adolescente que tem uma violenta e angustiante vivência dismorfo-fóbica persecutória pela qualidade despersonalizante, e uma garotinha, diagnosticada, que “sente” só um lado do corpo, o direito, ligeiramente mas muito fastidiosamente, diferente do outro)8 Todavia onde vai este material? Alguém sem dúvida fará objeção que se for assim, se, isto é, eu mesmo estou insatisfeito com as respostas que me deram a estas perguntas, isso depende do fato que a minha teoria é falsa, incompleta e unilateral. Por exemplo, Ferrari (CRF. Lombardi, 2002) inclui de fato e de direito o corpo no horizonte do campo psicanalítico. Os Laufer (1971), antes ainda, fizeram disso um leit-motiv da teoria deles do breakdown evolutivo – que vê na fratura da continuidade do sentido do corpo que se verifica inevitavelmente na adolescência, desfazendo o nó decisivo da saúde ou da patologia psicótica.

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______________ 8 “A instalação da Psique no Soma", de Vincenzo Bonaminio, trabalho premiado pelo Francis Tustin Memorial Foundation em 2009 e que é um capítulo deste livro. Ou mesmo, dir-se-á que a teoria que eu utilizo tem algumas escotomias que não me permitem ver justamente “aquela coisa lá”. Utilizo esta expressão, “aquela coisa lá” do meu analista, porque foi por ele usada em sessão que permaneceu muito impressa em mim, isso no segundo/terceiro ano de análise para indicar-me um acúmulo de “coisas inconscientes”, que caso ele tivesse começado a enumerá-las, teria colocado em uma lógica da consciência, talvez um pouco obsessiva – e eu tenho que reconhecer que eu era um pouquinho – das coisas que ao invés eram deixadas na lógica delas do inconsciente. Se ele as tivesse enumerado, citado uma por uma, teria “despertado o cachorro que dorme” que talvez tivesse despertado por um instante, dando a idéia de mudar de território, de passar à consciência ou pelo menos ao pré-consciente, mas que ao invés, talvez, tivesse só preguiçosamente se mexido e re-aninhado em um outro lugar, somente um pouco mais pra lá.

Devo dizer que aquela expressão “aquela coisa ali!” – que naturalmente nem mesmo de longe eu sonho em dizer a vocês não somente pela privacidade mas também porque não sei mais o que era “como é justo e óbvio que seja, senão que inconsciente seria!) – deu-me em análise uma forte “sensação” não somente do meu inconsciente, mas também de como o meu analista o percebia e de como me convidava a vê-lo, queria dizer – com uma péssima expressão italiana – convidava-me a “ver-me o meu inconsciente” do seu ponto de vista, isto é, estando ao meu lado ou convidando-me a estar ao lado dele: relação psicanalítica, presentificação do inconsciente no “aqui e agora” da sessão, unconscious in action e sua interpretação em ação (como diria respectivamente Britton, 2000 e H Smith, 2006) e aliança terapêutica (isto é, uma função do Eu compartilhada) eram um só naquele momento, narrados, costurados juntos com aquela frase que fazia alusão a alguma coisa que estava ali e que tínhamos encontrado dias, semanas, meses, talvez anos antes – um tema do meu mundo interno, mas não ainda reconhecido com aquela imediata gestáltica.

Quando anos depois, talvez a segunda análise terminada com ele, encontrei-me por acaso com uma frase de Winnicott, pareceu-me que a área dos fenômenos experenciais em sessão fosse a mesma e que Winnicott fizesse referência a alguma coisa de similar quando dizia ter encontrado “junto à paciente uma definição satisfatória do seu verdadeiro Self”, uma definição satisfatória para ambos. Aqui está: naquela expressão “aquela coisa ali” que o meu analista me sugeriu e que ambos entendemos no ar, pois ambos entendíamos a quantas coisas “indizíveis” referia-se – indizíveis porque se tivesse sido ditas teriam necessariamente limitado ou delimitado a comunicação do inconsciente – parecia-me que se podia reencontrar naquela comunhão de comunicação inconsciente que eu tinha experimentado e que talvez também Winnicott queria colher e que Bion queria descrever quando usou o termo e conceito de consensualidade, convivialidade e ao qual muitos outros analistas aludiram com tantas outras riquezas de significados (o pensamento não pode não ir às “origens”, isto é, à discussão do “sentimento oceânico” do qual falava Freud para Roman Roland).

Tenho certeza, obviamente, que se propusesse ao Doutor Soavi, o meu analista, uma aproximação do gênero, isto é, entre o seu modo de expressar-se e o pensamento de Winnicott, ele não estaria absolutamente de acordo. Mas isto faz parte da “dissidente consensualidade” que acompanhou tantos aspectos da nossa análise: eu queria ser como ele, mas sem ser, nem mesmo em sonho, ele; ele não queria absolutamente que eu fosse ele, mas me convidava freqüentemente, e suavemente por assim dizer, a ver as minhas coisas como ele as via, e como ele as podia ver da sua posição.

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Talvez eu tenha dado toda esta volta, este percurso que espero que não tenha sido tedioso, para fazer, depois de tantos anos e sem saber, uma homenagem, uma modesta homenagem ao meu analista.

Tradução Beatris Biella

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