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Maria de Fátima Silva Gouvêa** Trajetórias administrativas e redes governativas no Império Português (1668-1698)- Resumo A temática das trajetórias e das redes apresenta hoje grande relevância para os estudos que analisam sociabilidade, governabilidade e produção de conhecimento no império português. Essas três temáticas têm sido articuladas entre si no estudo das redes governativas e das trajetórias administrativas que deram vida a governação portuguesa no Brasil, no período colonial. A proposta da presente comunicação é analisar essa questão através do estudo de três trajetórias administrativas que têm em comum dois importantes pontos de interseção. De um lado, o contexto final da guerra de restauração portuguesa na península ibérica. De outro, a governação portuguesa na Bahia e no Rio de Janeiro na década de 1690. Trajetórias administrativas que entrelaçadas revelam de modo muito particular a dinâmica de atuação de uma dada rede governativa no interior do império português em fins do século XVII. Interligando diferentes centros e periferias, essa rede foi pouco a pouco tecendo a governação portuguesa através desses espaços naquele momento. Trata-se de um contexto marcado por uma extraordinária movimentação de agentes capazes interligar interesses econômicos, sociais e políticos em diferentes escalas desse império. Palavras-Chave: trajetórias, redes, império português. Abstract Trajectories and networks are subjects that have been extensively considered in the studies that look into Portuguese sociability, governorship and knowledge production. These three themes have been articulated together in order to define what may be understood as being government networks and administrative trajectories which together gave life to Portuguese government in Brasil, during the colonial period. The aim of this paper is to consider three administrative trajectories which shared two important points of intersection. On one hand, the closing period of the Portuguese restoration war in the Iberian peninsula. On the other, the troubles faced by the Portuguese government in Bahia and Rio de Janeiro during the 1690's. Administrative trajectories and government networks played a vital role in the Portuguese empire at the end of the Seventeenth century. Connecting various centers and peripheries, they were able to build up the Portuguese government in different areas at that time. A context marked by the extraordinary movement of agents which were able to connect economic, social end political interests through different levels within the empire. Keywords: trajectories, networks, Portuguese empire. Pesquisadora do CNPq e Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense - UFF. Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla que conta com o apoio financeiro do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 400

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Maria de Fátima Silva Gouvêa**

Trajetórias administrativas e redes governativas no Império Português (1668-1698)-

Resumo A temática das trajetórias e das redes apresenta hoje grande relevância para os estudos que analisam sociabilidade, governabilidade e produção de conhecimento no império português. Essas três temáticas têm sido articuladas entre si no estudo das redes governativas e das trajetórias administrativas que deram vida a governação portuguesa no Brasil, no período colonial. A proposta da presente comunicação é analisar essa questão através do estudo de três trajetórias administrativas que têm em comum dois importantes pontos de interseção. De um lado, o contexto final da guerra de restauração portuguesa na península ibérica. De outro, a governação portuguesa na Bahia e no Rio de Janeiro na década de 1690. Trajetórias administrativas que entrelaçadas revelam de modo muito particular a dinâmica de atuação de uma dada rede governativa no interior do império português em fins do século XVII. Interligando diferentes centros e periferias, essa rede foi pouco a pouco tecendo a governação portuguesa através desses espaços naquele momento. Trata-se de um contexto marcado por uma extraordinária movimentação de agentes capazes interligar interesses econômicos, sociais e políticos em diferentes escalas desse império. Palavras-Chave: trajetórias, redes, império português.

Abstract Trajectories and networks are subjects that have been extensively considered in the studies that look into Portuguese sociability, governorship and knowledge production. These three themes have been articulated together in order to define what may be understood as being government networks and administrative trajectories which together gave life to Portuguese government in Brasil, during the colonial period. The aim of this paper is to consider three administrative trajectories which shared two important points of intersection. On one hand, the closing period of the Portuguese restoration war in the Iberian peninsula. On the other, the troubles faced by the Portuguese government in Bahia and Rio de Janeiro during the 1690's. Administrative trajectories and government networks played a vital role in the Portuguese empire at the end of the Seventeenth century. Connecting various centers and peripheries, they were able to build up the Portuguese government in different areas at that time. A context marked by the extraordinary movement of agents which were able to connect economic, social end political interests through different levels within the empire. Keywords: trajectories, networks, Portuguese empire.

Pesquisadora do CNPq e Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense - UFF.

Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla que conta com o apoio financeiro do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

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Trajetórias administrativas e redes governativas no Império Português (1668-1698) Maria de Fátima Silva Gouvêa

R^edes e trajetórias têm se constituído em temática muito freqüentado pela historiografia colonial nos últimos tempos, constituindo-se também em objeto destacado na área de história moderna. Vale destacar, entretanto, a existência já há bastante tempo de diversos trabalhos, como os de Frederique Mauro, Vitorino Magalhães Godinho e David Hancok, que há muito já vinham destacando essa problemática1. Recentemente, alguns trabalhos têm se dedicado de modo mais dedicado ao estudo da formação de redes imperiais no império português - principalmente as redes mercantis considerando-as enquanto mecanismos que acabaram por viabilizar determinadas dinâmicas sócio-econômicas que deram vida a materialidade portuguesa em seus domínios ultramarinos.

Os trabalhos mais recentes de João Fragoso têm demonstrado a forma como os grupos econômicos que promoveram a ocupação do recôncavo da Guanabara tiraram partido das posições ocupadas na administração portuguesa que ia se instalando na região, nos séculos XVI e XVII2. A economia do bem comum se constituiu em mecanismo através do qual a conquista articulou o sistema de mercês ao acesso as prerrogativas dos cargos ocupados na câmara concelhia, constituindo um no caminho privilegiado de montagem daplantation escravista e da própria primeira elite senhorial no Rio de Janeiro3.

A análise das redes governativas é outra possibilidade de estudos que contempla a análise de relações estabelecidas entre oficiais da coroa, governadores gerais e governadores de capitanias que juntos estiveram à frente da governação portuguesa no Brasil, em fins do século XVII. Por vezes, eles formaram grupos articulados na defesa de determinadas estratégias políticas e mercantis, constituindo-se em grupos que atuavam de modo mais direto no campo da governação, mas que através desta, agiam em defesa dos interesses mais gerais de redes mais amplas, redes imperiais.

Vale lembrar que a circulação de oficiais régios através dos altos postos da administração portuguesa no ultramar na virada do século XVII para o XVIII acabou por constituir redes governativas que estiveram à frente da governação portuguesa ultramarina naquele período. Observa-se assim uma curiosa combinação entre a natureza estruturada - forte - de relacionamentos que constituíram algumas dessas redes, com o caráter circunstancial - frouxo - desses circuitos de relações. Essa complexa combinação de diferentes tipos de relacionamento social caracterizou o modo singular de ser da governação no complexo imperial português naquele período. Formavam-se assim espirais de poder constituídas através dos processos de recrutamento e remuneração de indivíduos em face dos serviços prestados à coroa, elemento constitutivo de redes governativas. Estratégia essa que possibilitou a constituição de uma dinâmica sócio-econômica que pode ser entendida como uma dada economia política de privilégios4.

Três trajetórias individuais se destacam de modo significativo nesse contexto. Primeiramente, a de André Cusaco, irlandês de nascimento que, na condição de mercenário, lutou na guerra de restauração portuguesa, ocasião em que serviu de modo muito valoroso à coroa e estabeleceu importantes conexões sociais5. Terminada a guerra, prestou serviços nas frotas do Brasil. Nas décadas de 1680 e 1690, passou à Bahia, então capital do Estado do Brasil, onde serviu como ajudante e tenente de mestre de campo, sendo promovido posteriormente a mestre de campo na Bahia e, mais tarde, já em 1694, a governador interino da capitania do Rio de Janeiro6. Por fim, foi ele nomeado, em 1698, governador do castelo da Ilha Terceira, nos Açores7. Ao longo de sua trajetória administrativa, Cusaco esteve envolvido com uma dada rede constituída de oficiais régios que compartilhavam um conjunto significativo de interesses mercantis, políticos e sociais8.

Em segundo lugar, João de Lencastre, que tendo servido na guerra de restauração, foi mais tarde nomeado comissário-geral de cavalaria, governador de Angola entre 1688 e 1691, e por fim, governador-geral do Estado do Brasil entre 1694 e 1702. Posteriormente, serviu na guerra de sucessão espanhola, sendo por fim nomeado governador do Algarve. João Lencastre foi um dos governadores mais populares dentre os moradores de Luanda9. Durante sua administração em Angola fortificou e construiu novos presídios.

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Estabeleceu também matrícula das tropas dos presídios, mandando organizar livros e ordenando que se passasse em revista as respectivas guarnições". Atuou contra os inquietos vizinhos [de] Quissamãa, que perturbando a navegação do rio Cuanza, abordavam e roubavam as embarcações que por ali circulavam, obtendo ainda ressarcimento pelas perdas. Firmou tratado com o conde do Soyo, no sul da foz do Congo - zona varejada por ingleses e holandeses - em 1690, ficando estabelecido o compromisso de que fossem vendidos escravos unicamente "a quem professasse a lei de N.S. Jesus Cristo para que os instruam"11. Sua gestão governativa no Brasil foi marcada pelo combate ao Quilombo de Palmares, pelo início do processo de implantação da nova figura do juiz de fora na presidência das principais câmaras no Brasil, bem como a descoberta das jazidas de ouro no sertão que logo iria se transformar nas Minas Gerais12.

Por fim, a trajetória de Francisco Távora, primeiro Conde de Alvor, que também serviu nos célebres campos de batalhas da guerra de restauração, tendo então sido tenente-general da cavalaria de Traz-dos-Montes e general de batalha. Entre 1668 e 1676, foi governador do Reino de Angola. Na década seguinte, ocupou o posto de vice-rei da índia (1681-1686). Esse período de cerca de treze anos de ocupação de cargos na governação ultramarina portuguesa foi certamente uma das razões que concorreu para que fosse nomeado presidente do Conselho Ultramarino era 1693, posição que ocupou até a sua morte em 1710.

O estudo que se segue está organizado através da consideração de duas questões principais. A primeira privilegia a formação de redes enquanto um poderoso mecanismo de govenação no complexo imperial português, bem como o contexto da governação portuguesa no ultramar em fins do século XVII e início do XVIII. A segunda considera as trajetórias administrativas e a constituição de redes governativas enquanto espaços privilegiados de exercício da própria governação portuguesa ultramarina.

Sociabilidades e governação ultramarina portuguesa em fins do século XVII e início do XVIII

Os estudiosos da época moderna em Portugal vem há muito destacando a importância da formação das redes clientelares e da dinâmica senhorial como elementos essenciais do Antigo Regime português13. A estruturação do campo econômico via o político - com ênfase no parentesco, nas alianças matrimoniais, na amizade, na confiança e no compadrio - tem sido amplamente destacada pela historiografia portuguesa14. O clientelismo surge assim nestas análises como um instrumento fundamental de luta política, instrumento capaz de desenhar e constituir hierarquias de poder naquele contexto.

No âmbito da administração portuguesa, essa dinâmica social acabou por criar cadeias de nomeações de diversos oficiais régios intermediadas pela coroa e interligadas pelo fato de que uma dada nomeação abria espaço para a ocorrência de outras nomeações influenciadas pela primeira. Desse modo, os oficiais régios devem ser entendidos como produtores e transmissores de poderes e saberes que deram forma e viabilizaram a governabilidade portuguesa através de seu complexo imperial - ou seja, os oficiais podem aqui ser entendidos enquanto "instrumentos de poder e conhecimento"l5.

Este foi o caso de um grupo de oficiais régios que ocuparam o cargo de governador geral do Estado do Brasil tendo antes ocupado cargos de governador no Reino de Angola e na capitania do Rio de Janeiro, em fins do século XVII e início do XVIII16. João de Lencastre, conforme mencionado acima, foi governador de Angola (1688 e 1691) e posteriormente do Estado do Brasil (1694-1702). Já Antônio Luis Gonçalves da Câmara Coutinho, primo - por casamento - de Lencastre, ocupou os postos de governador da capitania de Pernambuco (1689-1690), de governador geral do Estado do Brasil (1690-1694), e de vice-rei da índia (1698-1702). Enquanto isso, Luís César de Meneses, cunhado de Lencastre, ocupou o posto de governador da capitania do Rio de Janeiro (1690-1693), de Angola (1697-1701) e do Estado do Brasil (1705-1710). A correspondência emitida e recebida por esses indivíduos revela a importância das informações por eles produzida e compartilhada, bem como dos elos políticos, sociais e mercantis que os entrelaçavam através de suas ações governativas em diferentes espaços do império português17. Se por um lado o parentesco e o clientelismo foram capazes de criar fundações vigorosas em favor da constituição de redes governativas, tem sido demonstrado também o peso do caráter circunstancial que caracterizou boa parte das relações de interesses que deram forma a várias dessas redes.

Diversos foram os momentos em que indivíduos compartilharam a defesa de estratégias e interesses comuns a despeito de possuírem recursos muito distintos entre si18. Valia assim a defesa de determinados objetivos comuns, capazes de mobilizar tanto interesses mais solidamente instituídos, quanto interesses

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de natureza mais circunstancial. Diferentes recursos, diferentes funções e diferentes espaços geográficos, articulados entre si com vistas a alcançar determinados objetivos comuns. Nesse sentido, percebe-se o caráter relativizado da natureza clientelar que então regulava comportamentos naquela sociedade. A célebre tríade "dar, receber, retribuir" - clássica metáfora a caracterizar economia do dom'9 - certamente não foi a expressão que pode mais frequentemente explicar ou traduzir a dinâmica social que mais cotidianamente associará os indivíduos através dos diversos espaços no interior do império português.

Deve-se, portanto, destacar, os aspectos mais importantes da conjuntura na qual tal rede estava inserida, isto é, o império português em fins do século XVII e início do XVIII. Em 1640, com o fim da União Ibérica, tem-se início as chamadas guerras de restauração. Abre-se, assim, um período crucial para consolidação da dinastia dos Bragança. No âmbito dos oficiais régios, aqui privilegiados, destaca-se o fato de que foi ali que estes homens foram recrutados a prestar serviços militares e a assumir postos na administração ultramarina, alavancando assim trajetórias administrativas. Trajetórias essas, construídas via importantes relações de interesse que mais tarde viriam a formar verdadeiras redes de poder20. Coincidentemente, o período faz-se também importante pelo processo de expansão do tráfico ultramarino de escravos, pois, se na Europa, Portugal selava o fim da união dinástica das duas coroas, no ano de 1665, com a vitória na batalha de Montes Claros21; na África fazia valer também a sua força frente às tropas congolesas, vencendo também a batalha de Ambuíla22.

Na corte lisboeta, o ano de 1667 assistiu também a um processo de reacomodação política em face da deposição de D. Afonso VI e a instituição da regência de D. Pedro, bem como a assinatura do tratado de paz com Espanha no ano seguinte23. Com a queda de D. Afonso, o grupo liderado pelo Conde de Castelo Melhor acabou exilado do poder, abrindo assim espaço para emergência de um novo ambiente político na corte. D. Pedro II passou a atuar no sentido de melhor enraizar a administração portuguesa no Estado do Brasil24.

Ambos os contextos parecem evidenciar um maior entrosamento das políticas portuguesas em relação a seus territórios banhados pelo Atlântico. Quadro que se acentuou em face de um terceiro fator. Em fins da década de 1680, a coroa - através do próprio D. Pedro - passou a interferir mais diretamente no processo de seleção de governadores de certas áreas no ultramar. Situação essa, muita bem exemplificada pelo caso da administração da capitania de Pernambuco, em fins da década de 1680. Região essa, que era chave na América portuguesa. Por um lado, a importância da economia açucareira com base no uso da mão-de-obra escrava africana25; de outro, o fato de que a restauração portuguesa viveu ali, quando da restauração pernambucana, um dos mais importantes cenários das lutas que acabaram por consolidá-la. Não foi, pois, sem razão, que D. Pedro II resolveu nomear "sem consulta, nem decreto" o almotacé-mór do reino, Antônio Luís Gonçalves Câmara Coutinho, governador da capitania de Pernambuco em 168926. Seu estatuto social era o instrumento através do qual seria possível restaurar o "respeito desejável' e o "temor do súdito" na capitania, como bem destacou o seu ajudante de ordens, o oficial da guarda Gregório Varela de Berredo Pereira, natural de Pernambuco27. Câmara Coutinho buscou assim explicitar de modo enfático o fato de que era o representante direto da pessoa régia.

Na Bahia, a instabilidade administrativa aumentava em face do desastroso governo de Antônio de Sousa (1682-1684), gerando uma situação política tensa na região, quadro acentuado ainda mais pela epidemia que assolou a região no final da década e a instauração de uma junta governativa em face da morte do governador geral Matias da Cunha em 1688. Adicione-se ainda o motim das tropas portuguesas estacionadas no Recôncavo. Em razão de tal instabilidade política, Câmara Coutinho acabou sendo nomeado para o cargo de governador geral do Estado do Brasil.

Como indicado anteriormente, foram ainda nesse ínterim também nomeados para os governos do Reino de Angola João de Lencastre (1688-1691) e da capitania do Rio de Janeiro, Luís César de Meneses (1690-1693), ambos tendo ocupado ainda posteriormente o governo geral do Brasil. Uma espécie de tríade governativa, formada por esses três oficiais régios que ocuparam quase que consecutivamente os principais cargos administrativos no Atlântico sul português. Três oficiais intimamente associados, não apenas pelas relações de parentesco, como acima apontado, mas principalmente pelos interesses econômicos e políticos que os entrelaçavam de modo muito particular. Não apenas isso, mas eram também eles homens relacionados com figuras de grande destaque e eminência social no cenário político da corte de Lisboa. Homens como o Conde de Val de Reis, presidente do Conselho Ultramarino, Mendo de Foyos Pereira, secretário de estado em Lisboa; Roque Monteiro Paim, valido de D. Pedro II e secretário de estado das mercês; e o desembargador e membro do Conselho Ultramarino, José de Freitas Serrão.

Bahia, Rio de Janeiro e Angola eram pontos nevrálgicos tanto das rotas mercantis, quanto dos caminhos pelos quais a governação portuguesa então se movimentava. A presença desses oficiais marcou um momento

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particular na história do Atlântico sul português, na medida em que juntos procuraram estabelecer melhores condições para expansão do tráfico de escravos africanos vindo de Angola para o Brasil. Isso também favoreceu a ação da coroa frente à atuação de grupos mercantis situados no Rio de Janeiro que há tempos vinham contrabandeando alimentos com a região do rio da Prata. Conexão mercantil essa, que escapava às tentativas de controle da coroa, a despeito do recente estabelecimento da colônia de Sacramento.

Trajetórias e redes governativas em ação

A indicação feita acima das nomeações de Câmara Coutinho e João de Lencastre para os governos de Pernambuco, de Angola e do Brasil traduzem o fato de que os oficiais régios em sua maioria se esforçavam em seguir determinados interesses e padrões de carreira administrativa. Apesar de ser tema mal estudado, já se dispõe hoje de algumas estudos dos procedimentos de seleção e nomeação de oficiais régios para os mais altos cargos de governo capitanial no Brasil e demais principais unidades administrativas do complexo imperial português como um todo. Destacam-se, em particular, os trabalhos de Ross Bardwell, de Nuno Monteiro e Mafalda Soares da Cunha28. Sabe-se que o prévio treinamento militar e a experiência na administração ultramarina eram fatores essenciais no processo de escolha desses oficiais. Outro elemento importante foi a estratégia de recrutamento que procurou contemplar positivamente os oficiais régios com credenciais profissionais para ocupar diferentes cargos governativos, ao mesmo tempo, que se articulava a isso uma estratégia de remuneração de serviços prestados anteriormente através da nomeação para cargos almejados, coletiva ou individualmente.

Entretanto, sabe-se muito pouco acerca da freqüente situação em que um governador geral do Brasil tinha que forçosamente nomear governadores de capitanias - em particular Pernambuco e Rio de Janeiro - em face de contingências circunstanciais, tais como morte ou doença do governador em exercício. A prática mais corrente nesses casos era a nomeação dos mestres de campo da Bahia para ocupar tais postos interinamente. Situação já observada nas décadas de 1670 e 1690, durante a administração dos governadores gerais Roque da Costa Barreto e Câmara Coutinho29.

Chega-se assim, finalmente, a consideração do caso do irlandês André Cusaco, nomeado pelo governador geral do Brasil João de Lencastre, governador interino da capitania do Rio de Janeiro, entre novembro de 1694 e abril de 1695. Vários são os aspectos que chamam atenção em relação a essa nomeação.

Diante da expectativa de que governador do Rio de Janeiro, Antônio Paes Sande fosse se ausentar para inspecionar a região das Minas, e estando ele doente desde 1693 e vindo a falecer no ano seguinte, a Câmara do Rio pediu ao Rei a nomeação de um substituto. Diante de tal situação, Lencastre, então governador geral, decidiu nomear interinamente para o cargo seu mestre de campo André Cusaco30.

Logo de início, surpreende o fato de que se observou uma grande resistência por parte do Conselho Ultramarino à decisão de Lencastre, principalmente por parte do presidente do Conselho Francisco Távora, Io. Conde de Alvor31. Estando já Cusaco no exercício do governo fluminense, escreveu Távora carta se opondo a tal decisão sob a alegação de que Cusaco não era pessoa adequada para o cargo por ter ele um "gênio intempestivo"32. A despeito de tal reação, Lencastre não alterou o curso de sua decisão e manteve a nomeação de seu mestre de campo para ocupar interinamente o governo da capitania do Rio de Janeiro.

Tem-se assim o curioso entrecruzamento de três trajetórias administrativas nesse momento em particular, valendo observá-las com maior atenção, a saber: Francisco Távora, João de Lencastre e André Cusaco. Os três participaram da já citada batalha de Montes de Claros em 1665, por ocasião do término da guerra de restauração. Lencastre - na posição de capitão das armas do Marquês de Marialva, então à frente do comando das forças portuguesas - e Cusaco - alferes de cavalos nas tropas do Conde Leonberga - se feriram nessa batalha, bem como na batalha do Ameixal33. Na batalha de Montes Claros mais de seis mil soldados espanhóis foram feitos prisioneiros, sendo que mais de quatro mil espanhóis ali pereceram. Na batalha do Ameixal, Cusaco certamente teria ainda convivido com vários outros homens que, posteriormente, vieram a ocupar cargos na administração portuguesa no ultramar, alguns dos quais com grande peso econômico e social no centro-sul da América portuguesa34.

Há fortes indícios que corroboram a hipótese que André Cusaco, João de Lencastre e Francisco Távora já haviam assim estabelecido contato e compartilhavam uma forte memória acerca dessa experiência militar extraordinária. Os ferimentos tanto de Lencastre, quanto de Cusaco, foram fartamente descritos e alardeados nas cartas patentes com as quais a coroa posteriormente os nomeou para cargos no Brasil.

Em 1683, Cusaco foi nomeado ajudante de tenente de mestre de campo general na Corte de Lisboa. 404

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Pouco tempo depois, em 1689 ascendeu ao posto de tenente de mestre de campo da Bahia, alçando a posição de mestre de campo geral da Bahia em 169135. Nessa ocasião governava o Brasil o aqui já citado almotacé-mór do Reino, Câmara Coutinho, primo e fiel amigo do futuro governador geral do Brasil João de Lencastre.

Se antes Távora, Lencastre e Cusaco haviam compartilhado a forte experiência das sangrentas batalhas do período final da guerra de restauração portuguesa, as trajetórias desses três personagens voltavam a se entrecruzar nos anos de 1694 e 1695, no contexto da governação portuguesa no Brasil. A capitania do Rio de Janeiro surgia assim como uma área crítica dessa empresa governativa naquele momento.

Vale, rapidamente, lembrar a enorme importância da praça mercantil do Rio de Janeiro nesse momento. Tanto Távora (1669-1676), quanto Lencastre (1688-192) haviam ocupado anteriormente o governo do Reino de Angola e estavam ambos muito cientes da enorme importância do Rio de Janeiro no interior da conjuntura que se delineava no império português no último quartel do século XVII. De um lado, a criação da Nova Colônia em 1680, traduzindo a preocupação da coroa frente Espanha em termos da fronteira sul do Estado do Brasil, com especial destaque para a defesa dos interesses mercantis - recentemente transformados em contrabando - na região do rio da Prata. De outro, o início da propagação de rumores e de ruídos nas regiões de São Paulo e Paranaguá acerca da descoberta de novos depósitos de ouro no interior, nos sertões que iam pouco a pouco se transformando nas Minas Gerais36. Um terceiro front observado no interior dessa conjuntura era constituído pela gradativa montagem e ampliação do tráfico de escravos no reino de Angola, formando um lento e progressivo processo de enfraquecimento das rotas mercantis até então consolidadas na Costa da Mina. Processo esse que alcançaria contornos mais definidos na primeira metade do século XVIII37.

Ao mesmo tempo, se pode observar o acúmulo de tensões políticas e econômicas nessa mesma região do Rio de Janeiro, traduzindo assim o peso das dinâmicas expansionistas que elegiam a capitania como o epicentro mais importante do processo de alargamento das fronteiras até então efetivamente consolidas pelo Estado do Brasil. De um lado, a restauração portuguesa resultou na progressiva transformação do comércio até então travado na região sul com grupos da América espanhola em atividades de contrabando. De outro, as revoltas verificadas na cidade na década de 1660 traduziram também a existência de grupos que disputavam ferrenhamente os espaços políticos e o acesso às oportunidades econômicas existentes na região38. A questão da carestia e das disputas pelo controle das rotas mercantis surgia nesse contexto como uma forte conseqüência da política de defesa militar na região sul e de expansão do comércio de abastecimento em direção a região do rio da Prata39.

A reação de Lencastre em manter a nomeação de Cusaco para o governo do Rio de Janeiro, a despeito da oposição de Francisco Távora, então Conde de Alvor, ninguém menos do q o próprio presidente do Conselho Ultramarino, pode parecer algo de somenos importância ao observador menos atento. Entretanto, é preciso constatar que sua nomeação representou um passo significativo no sentido da reorganização da governação portuguesa no centro sul do Brasil, e mais especialmente em termos da defesa de determinadas rotas comerciais no tráfico de escravos africanos e no abastecimento no centro sul do Brasil de então, explicando assim a determinação de João de Lencastre em enfrentar a oposição da coroa através da ação do presidente do Conselho Ultramarino.

Para melhor analisar esse contexto, cabe considerar quatro aspectos em particular. Em primeiro lugar, o tortuoso processo de nomeação e ocupação do cargo de governador da capitania por André Cusaco. Em seguida, o papel dos oficiais da coroa em levar a cabo uma política de efetiva instalação da Colônia de Sacramento. A partir disso, a crescente tensão social observada no Rio de Janeiro em face das novas imposições fiscais resultantes da política de fortificação na capitania fluminense e na fronteira sul da América portuguesa, em face da instituição da Nova Colônia. Por fim, a redefinição das imposições fiscais visando melhor contemplar os interesses da população em geral, bem como de certos grupos vinculados ao tráfico de escravos africanos em particular.

A carta régia de 12 de março de 1694 recomendou ao governador geral do Estado do Brasil João de Lencastre "que com o almotacé-mór" [o ex-governador do Brasil já citado, Câmara Coutinho] escolhesse "a pessoa mais capaz para governar a capitania do Rio de Janeiro durante a ausência do governador Antônio de Paes Sande"40. Não apenas a possível ausência do governador da capitania afligia as autoridades, mas também sua precária saúde, fortemente debilitada por uma "paralisia" e por sua "idade avançada", situação que o impossibilitou de "continuar na direção dos negócios do governo"4I. Tanto foi assim, que o próprio Senado da Câmara do Rio julgou pertinente escrever ao governador geral do Brasil, pedindo que fosse providenciada a rápida indicação de um substituto para o cargo.

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João de Lencastre levou alguns meses para finalmente nomear um substituto. Foi apenas em nove de setembro daquele mesmo ano*2, que o governador-geral finalmente determinou que seu mestre de campo André Cusaco se deslocasse para a capitania do Rio de Janeiro, tendo para isso municiado seu oficial com três documentos43. Primeiramente, um conjunto de instruções acerca de como deveria ele proceder ao chegar na capitania fluminense. Além disso, duas cartas patentes: uma patente para que Cusaco tomasse posse do governo na ausência de Paes Sande, que gozando de boa saúde, passaria a região das minas, conforme instrução anterior. Uma segunda patente que deveria ser utilizada por Cusaco apenas para tomar posse do governo da capitania, caso Paes Sande tivesse falecido ou houvesse sido declarado mentalmente incapaz de se manter no cargo. O conjunto dessas instruções definia de modo detalhado a forma como Cusaco deveria proceder em ambas as situações44.

Uma vez de posse do cargo de governador da capitania do Rio de Janeiro, Cusaco foi instruído a antes de mais nada proceder a recolha de todas as "ordens secretas de Sua Majestade" que o antigo governador estivesse de posse, enviando-as para ele na Bahia, imediatamente45. A seguir, deveria Cusaco observar integralmente o regimento em vigor de seu novo cargo. Lencastre recomendou ainda toda atenção do novo governador para com o maior cuidado com a melhoria das condições de defesa e fortificação da capitania e da região sul da América portuguesa, bem como "ter conta de tudo que isso envolve" e a forma como a câmara do Rio de Janeiro a isso vinha socorrendo46.

Apesar da presteza de João de Lencastre em dar contas de sua decisão à coroa quanto a sua decisão em nomear seu mestre de campo para o governo da capitania fluminense, vários foram os comunicados que lhe foram enviados por diferentes autoridades em Lisboa, bem como ao governo da capitania do Rio de Janeiro, informando o desacordo quanto a decisão do governador geral, bem como a determinação de que Cusaco retornasse imediatamente a Bahia47.

Boa parte da gestão governativa de Cusaco na capitania do Rio de Janeiro pode ser aferida através do conjunto de medidas por ele determinadas entre outubro de 1694 e meados de 1695, haja vista que já em finais desse período entrava em cena o novo governador nomeado para a capitania, Sebastião de Castro e Caldas48. Ao que tudo indica, Cusaco cumpriu a risca as instruções de João de Lencastre. Quase a totalidade de suas ordens se encontrava relacionada diretamente a administração de recursos humanos, materiais e financeiros destinados à Nova Colônia de Sacramento49. Todas as medidas por ele acionadas envolveram o envio de socorro através da remessa de soldados, munição, gêneros alimentícios e recursos financeiros - donativos. Mas não se esqueceu Cusaco de também solicitar ao ouvidor geral a organização de uma lista dos oficiais a ele subordinados com os seus provimentos50. Para além dessas medidas, cuidou também para que todas as serventias fossem devidamente providas51. Cumpriu assim a primeira parte das instruções dadas por seu superior, o governador geral do Estado do Brasil.

Outra questão relacionada a essa que também recebeu atenção de André Cusaco, foi a tensão social resultante do aumento da carga tributária editada no Rio de Janeiro. Isso por que o maior envio de socorros - humanos, materiais e financeiros - à Nova Colônia do Sacramento resultava necessariamente no aumento da sobrecarga de imposições já então a cargo da população do Rio de Janeiro, em particular. Já vinha de antes as tensões relacionadas ao peso fiscal gerado pelo donativo arrecadado em razão da paz com a Holanda e da contribuição do azeite destinado ao soldo dos governadores52. Em face desse contexto, cabe lembrar a ponderação do juiz de fora do Rio de Janeiro Balthazar da Silva Lisboa, em fins do século XVIII, acerca de como se deveria então proceder "ccw? a assistência dos socorros à Nova Colônia e pagamento dos soldos dos governadores"53?

Os moradores e autoridades no Rio de Janeiro enfrentavam assim dificuldades no sentido de encontrar um novo ponto de equilíbrio que pudesse melhor adequar os efetivos recursos materiais existentes à lealdade de todos os súditos para com o bom andamento da política da coroa na capitania. O período de meados de 1694 parece ter sido profundamente marcado por um significativo aumento das tensões sociais naquele ambiente. A carta régia de 08 de novembro de 1694 enviada à câmara do Rio de Janeiro, censurou-a "por ter desobedecido à ordem do governador Antônio Paes de Sande para comparecer à sua presença para conferir sobre impostos para o sustento da Colônia do Sacramento e obras das fortalezas".54

Além disso, chamou - a carta régia - à presença do governador do Rio de Janeiro os oficiais da câmara e determinou a suspensão de seu síndico, demonstrando assim publicamente o "real desagrado"55.

O tumulto na praça do Rio de Janeiro certamente não foi pequeno. Tanto foi assim que o governador do Rio de Janeiro - certamente na pessoa de André Cusaco, apesar de não citado na documentação - editou um bando poucos meses depois "sobre o uso de armas e mascaras dentro da cidade, especialmente pelos escravos negros, mulatos ou carijós"56. Tamanha era a densidade do conflito que apenas dois anos mais tarde

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se pode observar com maior clareza a franca constituição das facções então em oposição, tendo o sucessor de Cusaco no governo fluminense, Sebastião de Castro Caldas se aliado aos moradores da capitania em oposição ao ouvidor geral, Manoel de Sousa Lobo em aliança com os oficiais da Câmara do Rio, conforme as devassas tiradas posteriormente puderam demonstrar.57

Por fim, resta ainda analisar a última questão suscitada pelo entrecruzamento das trajetórias administrativas aqui consideradas à luz da gestão governativa de André Cusaco no Rio de Janeiro. Como fartamente analisado pela historiografia do período, a decisão da coroa em suspender outrora o comércio da aguardente - a jeribita - nas rotas do tráfico de escravos africanos há muito vinha seriamente prejudicando os interesses dos grandes traficantes que até então tiravam partido desse item para baratear o custo dos escravos comercializados no Brasil58. A crescente expansão econômica resultante da abertura da fronteira sul da América portuguesa e a progressiva mobilização dos grupos ligados àquele trafico acabaram por pressionar a coroa no sentido da liberalização do comércio da jeribita. A rede articulada pelos governadores aqui considerados tinha grande interesse na liberação desse comércio, tendo em vista os conhecimentos adquiridos por esses homens acerca da dinâmica comercial e governativa que então mobilizava o Atlântico sul. Escravos e aguardentes compunham desse modo um binômio poderoso, capaz de contemplar o conjunto dos grupos de interesse que então circulavam pelo império português naquele momento.

Não foi à toa, portanto, que André Cusaco envidou todos os esforços no sentido de pressionar a Coroa para que o comércio das aguardentes fosse novamente liberado no Atlântico sul. A consulta do Conselho Ultramarino enviada ao Rei D. Pedro II com cartas do governador do Rio de Janeiro em 29 de outubro de 1695 trazia o nome de Sebastião de Castro e Caldas - na condição de governador da capitania fluminense - e dos oficiais da Câmara daquela praça, solicitando a revisão da lei que proibira a compra de escravos com aguardentes no Reino de Angola59. Entretanto, tudo leva a especular se teria sido mesmo Castro e Caldas o governador que de fato havia engendrado os esforços iniciais no sentido do encaminhamento de tal solicitação ao Rei, via o seu Conselho Ultramarino. E verdade que já em fins de abril de 1695 ele, na qualidade de governador da capitania do Rio de Janeiro, já havia assumido a responsabilidade de assinar a documentação que tramitava pela administração. E fato também que havia uma poderosa rede governativa interessada na rápida tramitação de uma solicitação dessa natureza.

Entretanto, havia sido Cusaco quem havia harmonizado as relações entre a coroa e os oficiais da câmara do Rio de Janeiro poucos meses antes - coisa que Castro e Caldas iria rapidamente deixar desequilibrar, como apontado acima. Era ele quem havia servido de elo conector entre a antiga gestão governativa de Luís César de Meneses na capitania fluminense - estando ele prestes a ocupar o governo de Angola - e a gestão do então governador geral do Brasil João de Lencastre - outrora governador de Angola ambos solidamente interessados na reabertura do comércio das aguardentes no Atlântico. Havia sido também Cusaco quem havia se dedicado na maior articulação da administração da Nova Colônia, investindo na melhor organização do envio de socorros e fornecimento de gêneros alimentícios para aquela região pela praça do Rio de Janeiro.

Entretanto, cabe aqui reconhecer que a verdadeira autoria de tal solicitação é questão de somenos importância em face da complexa teia de interesses e relações aqui apontadas. O fato é que, como descreveu Balthazar da Silva Lisboa, o Soberano "pela Justiça das representações repetidas da câmara sobre a navegação da aguardente, permitiu pela carta régia de 02 de novembro de 1695 a sua importação para Angola, pagando por saída no Brasil o subsídio 1$600, igual subsídio por entrada naquele Reino Africano, que se deviam remeter para o Reino para aproveitarem das munições necessárias que se careciam no Brasil".60

Reformulava-se assim radicalmente as bases sobre as quais os comércios vinculados ao tráfico de escravos africanos no Atlântico vinham sendo operados na década de 1690. Os governadores até aqui considerados alcançaram seus objetivos em relação à defesa de seus interesses comerciais - particulares, como se dizia à época - em plena conjugação com os interesses gerais da coroa e do império português, que através de sua ação governativa procuravam defender61. Foram eles agentes privilegiados nesse contexto por justamente se constituírem no elo mais fundamental a entrelaçar uma enorme multiplicidade de interesses e agentes mais ou menos instituídos nos cenários político e econômico da época. Seus regimentos os revestiam de uma considerável força institucional, ao mesmo tempo em que lhe forneciam atributos que os municiavam com enorme fluidez de ação governativa. Dominação e negociação assim se articulavam através do equilíbrio instável gerado pela imbricação entre os interesses gerais e particulares.

Já a população do Rio Janeiro tinha parte de sua carga tributária aliviada. Entretanto, permanecia ela encarregada de arcar com a parte mais pesada dos encargos fiscais, na medida em que o comércio das aguardentes incidia tanto sobre a entrada dos escravos africanos do Rio de Janeiro - contribuindo assim

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para o aumento da carestia em geral na capitania - , quanto na saída dos mesmos do Reino de Angola. Além disso, a carta régia de 24 de novembro de 1695 determinou que os governadores da praça do Rio de Janeiro cobrassem as imposições que julgassem ser "mais conveniente"com vistas a garantir as melhorias nas condições de defesa do Rio de Janeiro e de Sacramento62. Enfim, nada muito diferente daquilo que João Fragoso apontou em relação á virada do século XVI e XVII63.

Já André Cusaco, antes um mercenário irlandês, alferes de cavalos, de gênio intempestivo, acabou por se achar, temporariamente, profundamente vinculado a um contexto político muito mais complexo de redefinição de políticas imperiais em termos da rearticulação do comércio ultramarino como um todo - ou seja, de reordenação de interesses e de rotas mercantis em longa e média escala.

A guisa de conclusão

A trajetória administrativa de André Cusaco evidencia a existência de um número de espirais de poder, de redes - mercantis e/ ou governativas - espalhadas pelo ultramar português que possibilitaram a configuração de importantíssimos "espaços de representação e refúgio" para gama tão ampla de agentes44. Redes essas capazes de constituir hierarquias sociais, econômicas e políticas, interligando diversas regiões e grupos sociais. Cada um dos agentes e grupos inseridos nessas redes possuía recursos e obrigações próprios, distintos uns dos outros. Nesses espaços relacionais, puderam juntar diferentes tipos de recursos em prol de determinados objetivos comuns.

Não espanta, assim, perceber a permanente necessidade de contínuas negociações entre todos os agentes inter-relacionados, concorrendo para ocorrência de determinadas dinâmicas e mudanças no império, ao longo do tempo e do espaço. Um contexto marcado pela interdependência e pela extraordinária tensão que aproximava e afastava todos esses indivíduos em termos da conquista e da manutenção das posições sociais, políticas e econômicas almejadas e alcançadas.

O entrecruzamento das trajetórias de Cusaco, Lencastre e Távora elucida em grande medida o modo pelo qual a governação portuguesa ia se constituindo. Ele revela a natureza circunstancial do envolvimento desses personagens no interior de uma dada rede governativa, mas nem por isso menos fundamental. O perfil de seu envolvimento com esse dado grupo revela a força de determinados interesses a mover a trama dos relacionamentos que ia mobilizando pouco a pouco o conjunto mais amplo de agentes entrelaçados no interior de uma dada rede. Era aquela uma de várias redes entrelaçadas.

Redes que como "torres entrelaçadas" davam forma e sustentação ao império. Redes que tornaram possível a melhor articulação de um complexo e diferenciado leque de interesses econômicos, políticos e sociais mobilizados em prol da boa governação portuguesa no ultramar. Redes que, em grande medida, foram capazes de constituir-se em canais de expressão e comunicação destes interesses ao mesmo tempo em que viabilizaram uma administração e uma economia em condições de atender a objetivos comuns, mas também díspares e conflitantes. Redes fortes e frouxas o suficiente para dar sustentação e movimento à economia e à governação portuguesa através de seus domínios ultramarinos na virada do século XVII para o XVIII.

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1668 1665 1663 1662 1646 Ano

Recebeu uma bala e estocadas na batalha de Montes Claros, "resultando andar em moletas quatro meses"

Recebeu 13 feridas e foi dado como morto na batalha do Ameixal (7 meses para seu restabelecimento físico)

Alferes de Cavalos nas tropas do Conde de Leonberga

Irlandês mercenário servindo nas tropas de portuguesas desde 1662. Cavaleiro da Ordem de Cristo. Contava em 1689 um somatório de 24 anos e 6 meses de serviços prestados a El-Rey de Portugal.

André Cusaco

Capitão de Cavalaria na batalha de Montes Claros, ocasião em que foi novamente ferido.

Mestre-de-Campo na batalha do Ameixal, ocasião em que foi ferido

Nascimento. Recebeu várias comendas, inclusive da Ordem de Cristo. Cresceu na corte compartilhando brincadeiras de infância com D. Pedro. Serviu como capitão de armas do Marques de Marialva na guerra de restauração

João de Lencastre

Governador e Capitão General do Reino de Angola (1668-1676)

Tenente-General da Cavalaria de Traz-os-Montes e General de Batalha

Nascimento. 1°. Conde de Alvor, com várias comendas da Ordem de Cristo, membro do Conselho de Estado e Guerra, Regedor das Justiças, Presidente do Conselho Ultramarino

Francisco Távora

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1691 1689 1688 1683 1681 anos de 1670

Mestre-de-Campo Geral da Bahia. Promoveu a construção da Igreja do Rosário por ser a predileta dos soldados.

Tenente do Mestre-de-Campo Geral da Bahia

Ajudante de Tenente de Mestre-de-Campo Geral da Corte de Lisboa

Ajudante do Duque Mestre-de-Campo Geral da Corte de Lisboa

Serviu em quatro Frotas do Brasil, tendo sido a última em 1677. Teve uma filha recolhida em um convento de Lisboa.

Governador e Capitão General do reino de Angola (1688-1692)

Casamento (1674) com Maria Teresa Almeida de Portugal, filha de Pedro de Almeida, governador de Pernambuco (1674-1678). Após a fim da guerra de restauração, serviu como mestre-de-campo em duas armadas da costa nas Frotas do Brasil

Vice-rei da índia (1681-1686) Casamento (1677) com Ignez Catarina de Távora, sua sobrinha, filha de seu irmão, o Marquês de Távora, dama da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia

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1704 1698 1696 1694 1693 1692

Governador do Castelo da Ilha Terceira, deixando de ser Mestre-de-Campo na condição de um "soldado pobre".

Obtém licença de dois anos para ir ao Reino

Governador Interino da Capitania do Rio de Janeiro (agosto 1694-abri l 1695)

Governador das Armas da Província do Algarve (guerra de sucessão) e Membro do Conselho de Guerra

Governador-Geral do Estado do Brasil (1694-1702)

Na viagem de volta a Lisboa, regressando de seu governo em Angola, passou o primeiro semestre na Bahia em companhia de seu primo, o Governador-Geral do Brasil Câmara Coutinho. Ocasião em que foram enviadas várias cartas da Bahia em apoio a sua nomeação para o Governo-Geral do Estado do Brasil.

Governador das Armas da Província de Traz-os-Montes (guerra de sucessão)

Presidente do Conselho Ultramarino (até 1710)

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Notas 1 MAURO, Frédéric, Nova história e Novo Mundo, São, Paulo, Perspectiva; GODINHO, Vitorino Magalhães, Os Descobrimentos e a

Economia Mundial, Lisboa, Presença, 1987, e Ensaios II. Sobre História de Portugal. 2a. ed. Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1978; HANCOK, David, Citizens of the World - London merchants and the integration of the British Atlantic community, 1735-1785, Cambridge Univertsity Press, 1996.

2 Ver especialmente: FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). in: FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. S.; BICALHO, M. F. B. (orgs.), O Antigo Regime nos Trópicos. A dinâmica imperial portuguesa, séculos XV1-XVIII, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, pp. 29-71. Ver também: SAMPAIO, Antônio Carlos de Jucá, Na Encruzilhada do Império - Hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c. 1650-1750c.), Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2003.

3 FRAGOSO, João, op cit, 2001, p. 50 e FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. S.; BICALHO, M. F. B., op cit, 2000. 4 FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. S.; BICALHO, M. F. B., op cit, 2000. 5 Registro da carta patente do posto de tenente do mestre de campo geral da Bahia de Todos os Santos que vagou por falecimento de Luis

Carneiro Lobo que Sua Majestade foi servido prover na pessoa de André Cusaco, Lisboa, 23 de fevereiro de 1989, Documentos Históricos, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1935, vol. 30, pp. 50-54.

6 Catalogo de capitães mores governadores, capitães generais e vice-reis, que tem governado a capitania do Rio de Janeiro desde sua primeira Fundação em 1565 até o presente ano de 1811. REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, Rio de Janeiro, 1858 (Tomo 2): 49-99, p. 73; COARACY, Vivaldo. Memórias da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, José Olympio, 1965, vol. 3, p. 496.

7 Registro de provisão por que Sua Majestade que Deus guarde faz mercê a André Cusaco mestre de campo da praça da Bahia de lhe conceder licença por tempo de dois anos para poder ir ao reino a tratar da cura de seus achaques e que neste tempo se lhe pague o seu soldo na Bahia aos seus procuradores, Lisboa, em Lisboa, em 05 de janeiro de 1696, e Registro da carta patente porque Sua Majestade fez mercê a Jerônimo Sodré Pereira do posto de mestre de campo do terço que vagou pela promoção de André Cusaco, Lisboa, 26 de fevereiro de 1698, ambos os dois documentos, in: Documentos Históricos, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1942, vols. 57 e 58, pp. 48-50 e 85-87 respectivamente.

8 Carta enviada a João de Lencastre, governador geral do Estado do Brasil, informando consulta do Conselho Ultramarino com parecer do Conde de Alvor, determinando que André Cusaco retornasse a Bahia e encerrasse seu governo na capitania do Rio de Janeiro, Lisboa, 23 de novembro de 1694, Documentos Históricos, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1950, vol. 89, pp. 260-262. Ver também GOUVÊA, Maria de Fátima S., André Cusaco: o Irlandês "Intempestivo", Fiel Súdito de S. M. - Trajetórias Administrativas e Redes Governativas no Império Português, ca. 1660-1700, comunicação apresentado no Colóquio Internacional Biografias e Micro-Biografias no Império Colonial Português, Companhia das índias - Universidade Federal Fluminense - UFF, março 2005 (1).

9 BOXER, Charles R. Portuguese Society in the Tropics. The municipal councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda, 1510-1800. The University of Wisconsin Press, 1965, p. 117.

10 CORREA, Elias Alexandre S. História de Angola (1782). Lisboa, 1937, 2 vol.s; v. 1, pp. 310-312. 11 Documento 93 (04/04/1689), caixa 15, Angola - Ia. Seção, Arquivo Histórico Ultramarino. Ver também ALENCASTRO, Luiz F., O trato

dos viventes : formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p. 54; e DELGADO, Ralph. História de Angola. Luanda: Edição Banco de Angola, 4". Vol., s/d, pp. 121 e 123.

12 GOUVÊA, Maria de Fátima S. Conexões imperiais: oficiais régios no Brasil e Angola (c. 1680-1730). in: BICALHO, Maria Fernanda B.; FERLINI, Vera L. A. (orgs.). Modos de Governar : idéias e práticas políticas no império português, séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005 (2), pp. 179-197.

13 CUNHA, Mafalda S. da. A Casa de Bragança - ¡560-1640. Práticas senhoriais e redes clientelares. Lisboa: Estampa, 2000; FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. S.; BICALHO, M. F. B. (orgs.), op cit, 2001; HESPANHA, A. M.; XAVIER, Ângela B. As Redes Clientelares. in: HESPANHA, A. M. (org.), História de Portugal, Lisboa, Estampa, 1993, vol. 4, pp. 381-410; MONTEIRO, Nuno G. O Crepúsculo dos Grandes. A casa e o patrimônio da aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1998.

14 CUNHA, op cit, e MONTEIRO, Nuno G„ op cit.

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15 GOUVÊA, Maria de Fátima S. Instruments de Connaissance et Pratiques Administratives dans l 'Atlantique sud portugais XVIIe-XVllle Siècle, itl CASTELNEAU-L'ESTOILE, C. de; REGOURD, F. (org.s). Connaisance et Pouvoir. Les espaces impériaux (XVIe-XVIIIe siècles) France, Espagne, Portugal. Bordeaux: Presses Universitaires de Bordeaux, 2005 (3), pp. 147-166; e GOUVÊA, M.F.S.; FRAZÃO, G. A.; SANTOS, M. N. Redes de poder e conhecimento na governação do império português, 1688-1735. TOPOl - REVISTA DE HISTÓRIA, Rio de Janeiro, 2004, volume 5, no. 8 (jan.-jun. 2004): 96-137.

16 G O U V Ê A (2005), (2). 17 Registro de Cartas Comerciais enviadas por Luís César de Meneses de Luanda nos anos de 1697-1701, Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, Lata 72, pasta 8. Agradeço a João Fragoso e a Roquinaldo Ferreira o acesso a essa documentação já transcrita. Ver também a coleção de ordens régias existente no Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB, bem como as correspondências dos governadores gerais do Estado do Brasil transladas e publicadas na coleção dos Documentos Históricos, editada pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX. A propósito do estudo das correspondências governativas em fins do século XVII, ver; SANTOS, Marília Nogueira dos. Deste seu servidor leal e dedicado : a correspondência de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho no governo geral do Estado do Brasil, 1690-1694. Trabalho de conclusão de curso, Departamento de História da UFF, 2004.

18 BARTH. Process and Forni in Social Life, vol I, London: Routledge & Kegan Paul, especialmente capítulos 1-6, 1981; . O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2000; ROSENTHAL, Paul-André. Construir o 'macro pelo micro ' : Fredrik Barth e a microstoria. In: REVEL, Jacques (org.). Jogos de escala. Rio de Janeiro: FGV, 1998, pp. 151-172.

19 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas, in: Sociaologia e Antropologia. São Paulo: EPU, 1974.

2 0 MONTEIRO, op cit. 2 1 COSTA, Fernando Dores. Formação da força militar durante a guerra da restauração. PENÉLOPE. REVISTA DE HISTÓRIA E CIÊNCIAS

SOCIAIS, 24, Lisboa - ICS (2001): 87-119. 2 2 ALENCASTRO, op cif, SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 2 3 MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O rei no Espelho : a monarquia portuguesa e a colonização da América, 1640-1720. São Paulo: Hucitec,

2002. 2 4 GOUVÊA, (2005), (2). 2 5 Segundo Luiz Felipe Alencastro, o uso do trabalho escravo africano no Brasil se tornou algo "irreversiveP ' na década de 1670. Op. cit.,

p. 40. 2 6 MELLO, José A. G. Pernambuco ao tempo do governo de Câmara Coutinho ( 1689-1690). REVISTA DO INSTITUTO ARQUIOLÓGICO,

HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PERNAMBUCANO, Recife, s/d. 27 Idem. e MELLO, Evaldo C. A Fronda dos Mazombos : nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Cia. das Letras,

1995, p. 56-58. 2 8 BARDWELL, Ross L. The Governors of Portugal 's South Atlantic Empire in the Seventeenth Century: social background, qualifications,

selection and reward, Ph. D. Dissertation, University of Califórnia - Santa Barbara, 1974; CUNHA, M.S.; MONTEIRO, N. G. Vice-reis, governadores e conselheiros de governo do Estado da índia (1505-1834). Recrutamento e caracterização social. PENÉLOPE. FAZER E DESFAZER A HISTÓRIA. Lisboa, ICS, 15 (1995): 91-120; MONTEIRO, Nuno G. Trajetórias sociais e governo das conquistas. Notas preliminares sobre os vice-reis e governadores gerais do Brasil e da índia nos séculos XVII e XVIII. In: FRAGOSO, J.; GOUVÊA, M. F. S.; BICALHO, M. F. B. (orgs.), op cit, pp. 249-283. Além desses, ver também: CUNHA, Mafalda Soares da. Governo e governantes do império português do Atlântico (século XVII) e MONTEIRO, Nuno G. Governadores e capitães-mores do império Atlântico português no século XVIII, ambos in: BICALHO, Maria Fernanda B.; FERLINI, Vera L. A. (orgs.). op cit, 2005, pp. 69-93 e 93-115, respectivamente.

2 9 Ver, por exemplo, a resolução régia de 14 de janeiro de 1693 enviada ao governador geral do Estado do Brasil, Câmara Coutinho, instruindo-o para que assim agisse caso o governador da capitania do Rio de Janeiro, Antônio Paes Sande tivesse que se ausentar da capitania, II - 30, 29, 007 n°. 008, Seção de Manuscritos, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

3 8 Carta patente de governador da capitania do Rio de Janeiro de que o governador e capitão general deste Estado fez mercê ao mestre de campo André Cusaco para o exercer enquanto o governador Antônio Pais de Sande se ocupar nas averiguações das capitanias do sul, Documentos Históricos, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1942, vol. 56, pp. 170-173; e Carta do Governador Sebastião de Castro e Caldas, na qual informa sobre a duvida que se tinha levantado de pertencerem as propinas do contrato dos dízimos ao Mestre de Campo André Cuzaco ou aos herdeiros do Governador Antonio Paes de Sande, Rio de Janeiro, 05 de junho de 1696, doe. 2027, cx. 11, Projeto Resgate - Avulsos - Rio de Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

31 Ver carta citada na nota 11 deste artigo. Ver também quatro cartas régias: uma enviada ao governador da capitania do Rio de Janeiro Sebastião de Castro Caldas em 02 de janeiro, duas enviadas ao governador interino André Cusaco em 03 de janeiro e 04 de fevereiro de 1695, e uma enviada ao governador Arthur de Sá de Menezes em 10 de novembro de 1696, Livro V - Códice 77, respectivamente folhas 70, 58, 60 e 93v, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.

3 2 Ver carta citada na nota 11 deste artigo. 3 3 Ver carta patente de André Cusaco citada na nota 8 deste artigo, p. 51-52. Ver também Registro da carta patente por que Sua Majestade

que Deus guarde fez mercê a D. João de Lencastre do cargo de governador e capitão general do Estado do Brasil por tempo de três anos e o mais enquanto não mandar sucessor, Lisboa, 22 de fevereiro de 1694, Documentos Históricos, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1935, vol. 30, pp. 62-66.

3 4 Bom exemplo disto foi o caso de Martin Corrêa de Sá, pai do terceiro Visconde de Asseca, Diogo Correa de Sá, neto do célebre Salvador Correa de Sá e Benevides. Rio dc Janeiro e Angola então se aproximavam economicamente de modo mais particular.

3 5 GOUVÊA (2005), (1). 3 6 BOXER, Charles R. A Idade do Ouro no Brasil : dores de crescimento de uma sociedade colonial. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

2000, capitulo 2. 3 7 VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo. Do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX.

São Paulo: Corrupio, 1987. 3 8 BOXER, Charles R. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1973, capítulo VII. 3 9 Bom exemplo disso é a carta régia, de 08 de novembro de 1694, enviada ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro censurando-a por ter

comparecido frente ao governador do Rio de Janeiro Antônio Paes Sande para conferir o pagamento dos impostos relativos ao sustento da Colônia do Sacramento e as obras de fortificação do rio de Janeiro, Livro V - Códice 77, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. Ver também: LISBOA, Balthazar da Silva. Annaes do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1835, vol. 5, pp. 98-103, 128-129 e 135-137.

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Page 15: Trajetórias administrativas e redes governativas no Império ......Trajetórias administrativas e redes governativas no Império Português (1668-1698) Maria de Fátima Silv Gouvêa

4 0 Ordens Régias, 1694, Livro 3, fl. 24, Arquivo Público do Estado da Bahia - APEB. Ver também a resolução régia enviada à Câmara Coutinho em 14 de janeiro de 1693, citada na nota 33, que menciona especificamente que Câmara Coutinho deveria nomear "para governar na ausência do dito Antônio Paes de Sande, o mestre de campo que vos parecer mais capaz ".

41 LISBOA, op cit, vol. 5, p. 141. Segundo este autor, Paes Sande teria falecido no Rio de Janeiro poucos dias após André Cusaco ter tomado posse o governo da capitania.

4 2 Há, entretanto, uma carta patente nomeando Cusaco para o governo do Rio de Janeiro, emitida pelo governador geral, datada de 26 de agosto de 1694, bem como uma nota sobre a posse do governador mestre de campo André Cusaco de outubro de 1694, Livro 4, fl. 70 e Livro 5, fl. 44v, Códice 77, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

4 3 Instrução que levou o mestre de campo André Cusaco indo governar a capitania do Rio de Janeiro, 9, 2, 20 no. 21, Seção de Manuscritos, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ver também o documento 58 no códice 77, vol. 5, doe. 58, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro; a carta do governador geral do Estado do Brasil, D. João de Lencastro ao rei [D. Pedro II], sobre ter nomeado o mestre de campo André Colaço para o lugar do atual governador, Antônio Paes de Sande, em virtude da incapacidade física deste, em 22 de setembro de 1694, cx. 3, doe. 12, Projeto Resgate - Avulsos - Rio de Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.; e a consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre carta do governador geral do Estado do Brasil, D. João de Lencastre, informando o debilitado estado de saúde do governador do Rio de Janeiro, Antônio Paes de Sande, e a necessidade da sua substituição, Lisboa, de 04 de junho de 1695, cx. 6, doe. 44, Projeto Resgate - Avulsos - Rio de Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

44 Caso Paes Sande estive em seu juízo perfeito, mas sem condições físicas para passar a região das minas, Cusaco deveria voltar "na primeira monção para o seu terço" na Bahia, in Instrução ... op cit.

4 5 Para isso, recomendava Lencastre que Cusaco encomendasse essas ordens secretas ao Reverendo Padre Reitor da Companhia de Jesus, que as enviaria a Bahia por intermédio de "indios seguros de aldeia a aldeia", Idem,

4 6 Lencastre pedia ainda uma lista de todos os gêneros que eram regularmente enviados para a Nova Colônia, bem como que Cusaco buscasse saber junto ao ouvidor geral do civil acerca dos ofícios providos por Sua Majestade desde a capitania do Espírito do Santo até as últimas do sul, para com isso melhor aferir os recursos que poderiam ser auferidos pela coroa em prol do governo de Sacramento e da política de fortificação da região. Nesse sentido, Cusaco deveria também cuidar do provimento de novas serventias que viessem a vagar durante o seu governo, bem como dos "novos direitos de chancelaria" que deveriam ser pagos.

4 7 Ver para além dos documentos já citados acima, as ordens régias enviadas ao governador geral de 02 de janeiro de 1695 e ao governador da capitania do Rio de Janeiro de 03 e de 04 de janeiro de 1695, Livro 4, Ordens Régias, 1695, folhas 58, 60v e 70, Arquivo Público do Estado da B a h i a - A P E B .

4 8 Segundo Balthazar da Silva Lisboa, André Cusaco teria governado a capitania do Rio de Janeiro até 10 de abril de 1695, ocasião em que tomou posse Castro e Caldas, originalmente enviada de Lisboa para governar a capitania da Paraíba mas deslocado em meio a viagem para o Brasil para o govemo do Rio. Ver: LISBOA, op cit, vol. 5, p. 142. Ver também

4 9 Ver o Registro das Ordens do Governador da Capitania do Rio de Janeiro Mestre de Campo André Cusaco, Códice 77, Livro 5, folhas, 16-21v, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

50 Ordem expedida em 22 de outubro de 1694, Idem, fl. 16v. 51 Ver lista de patentes expedidas pelo Governador do Rio de Janeiro André Cusaco, Livro 4, Códice 77, folhas 70v-75v, 77v, 78v, 81-87v,

89, 90v-102v, 104v, 107v. 52 Ver a carta régia de 04 de junho de 1692 enviada ao governador do Rio de Janeiro Luís César de Meneses, Livro 3, fl. 54 v, Idem. Ver

também LISBOA, op cit, vol. 5, pp. 95-100. 53 Tudo isso sem mencionar o peso gerado pela determinação régia de 23 de março de 1694 de que fossem levantados mais recursos em favor

da abertura de uma casa de fundição na Bahia, LISBOA, op cit, vol. 5, p. 127. 54 Carta régia de 08 de novembro de 1694, Livro 5, Códice 77, fl. 61, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Ver também os pareceres do

Conselho Ultramarino sobre a versão do governador Antônio de Paes Sande acerca do acontecido de 06 de outubro de 1694, e sobre a carta dos oficiais da câmara do Rio de Janeiro acerca da preferência dos naturais daquela capitania para os postos, ofícios e dignidades vagos do dia 07 do mesmo mês e ano, doc.s 34 e 591 respectivamente, cx. 6, Projeto Resgate - Avulsos - Rio dê Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

5 5 Foram citados como oficiais suspensos José Barreto, João Manoel de Melo e João dos Reis Aarão, carta régia de 08 de novembro de 1694, Livro 5, Códice 77, fl. 61 v, Projeto Resgate - Avulsos - Rio de Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. Ver também LISBOA, op cit, vol. 5, p. 127-129.

5 6 Bando de 20 de julho de 1695, Livro 6, Códice 77, fl. 31, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Medida que repetia dois outros bandos do governador Paes de Sande sobre a mesma matéria editados em julho de 1693, in: Livro 6, Códice 77, folhas 02 e 06v, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

5 7 Ver a ordem do ouvidor geral do Rio de Janeiro e da comarca da Repartição do Sul, Manoel de Sousa Lobo, aos capitães de mar e guerra, mestres e pilotos, para que não entreguem cartas do serviço real ao antigo governador do Rio de Janeiro, Sebastião de Castro e Caldas, em virtude do seu mau procedimento e do processo que foi instaurado em 21 de março de 1697, bem como a carta dos oficiais da câmara do Rio de Janeiro ao rei D. Pedro II, informando que o procedimento do antigo governador Sebastião de Castro e Caldas foi satisfatório para o povo da cidade, e que as notícias de que os papéis escritos pelos oficiais da câmara teriam sido feitos à custa de ameaças e violência, são falsas e foram colocadas em circulação pelos seus inimigos, em 20 de junho de 1697, respectivamente does. 57 e 59, cx. 6, Projeto Resgate - Avulsos - Rio de Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. Dentre várias cartas que trataram da matéria, ver especialmente a consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II sobre o assunto em 27 dc dezembro de 1697, doe. 72, cx. 6, Projeto Resgate-Avulsos - Rio de Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

5 8 Carta régia de 1690 proibindo a exportação de aguardentes para Angola, Livro 3, il. 31, Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Ver também ALENCASTRO, op cit, pp. 317-322.

59 Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. Pedro II de 29 de outubro de 1695, does. 35 & 49, cx. 6, Projeto Resgate - Avulsos - Rio de Janeiro, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

60 LISBOA, op cit. vol. 5, p, 138.

Para definição coeva dos termos particular e geral, ver: SANTOS, op cit, cap. 2. 62 As novas imposições incidiram sobre o comércio do vinho e do sal vindos de Portugal. Idem, vol. 5, pp. 102-103. 63 Ou seja, uma "economia formada por bens e serviços públicos sob a jurisdição do senado e do rei, administrados por poucos eleitos, porém

custeados por todos os colonos ", FRAGOSO, op cit, 2001, p. 70. 64 Expressão utilizada por Charles Boxer ao qualificar o papel das Câmaras e das Santas Casas de Misericórdia espalhadas por todo império

português. BOXER, Charles R. O império colonial português (1415-1825). 2.ed. Lisboa: Edições 70, 1981.

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