trajetÓrias de bolivianas imigrantes: entre a … · universo da costura eles adquirem novos...

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X TRAJETÓRIAS DE BOLIVIANAS IMIGRANTES: ENTRE A AUTONOMIA E A VIOLÊNCIA Clara Lemme Ribeiro 1 Resumo: Desde os anos 1990, vem se consolidando um processo migratório de bolivianos para a Região Metropolitana de São Paulo para trabalho em pequenas oficinas de costura que abastecem o comércio formal e informal de roupas. Nesse cenário, as mulheres podem migrar sozinhas ou acompanhadas dos companheiros e/ou da família, para trabalhar como cozinheiras, faxineiras ou costureiras nas oficinas. Este artigo tem como objetivo caracterizar as trajetórias de bolivianas imigrantes, a partir das transformações ocorridas nas suas percepções subjetivas sobre independência e autonomia. Para isso, realizamos entrevistas com cinco migrantes residentes em São Paulo. A experiência dessas mulheres na sociedade paulistana define-se por marcadores sociais da diferença de gênero, etnicidade e nacionalidade, inclusive nas suas possibilidades de inserção laboral na indústria da confecção. Elas relatam um ganho de independência e autonomia em relação à família e/ou aos companheiros por obterem acesso ao trabalho e ao dinheiro. Por outro lado, os marcadores que carregam justificam as formas de violência a que estão expostas: a superexploração do trabalho, a violência sexual nas oficinas de costura, o xenorracismo vivido nas ruas. Assim, entendemos que, no caso das bolivianas migrantes em São Paulo, o ganho de autonomia e a exposição a formas renovadas de violência econômica, sexual e xenorracista são duas faces do mesmo processo migratório. Palavras-chave: migração boliviana, gênero, autonomia, violência. A partir dos anos 1990, torna-se notável na cidade de São Paulo a presença de um novo grupo migratório: os bolivianos. Apesar dessa migração ter iniciado ainda nos anos 1950, inclusive com acordos de imigração e intercâmbio entre os dois países (Freitas, 2010), é apenas em período mais recente que ela adquire importância numérica e passa a compor a paisagem urbana. A intensificação do processo migratório boliviano relaciona-se fundamentalmente à sua inserção na indústria de confecção paulistana em pequenas oficinas de costura espalhadas, atualmente, por diferentes municípios da região metropolitana, que alimentam o comércio formal e informal de roupas. O perfil das bolivianas que migram para e moram hoje em São Paulo é muito diverso em relação a idade, nível de educação, origem urbana ou rural e estado civil. Há mulheres que migram sozinhas, acompanhadas apenas dos filhos, com os seus companheiros ou ainda em contextos familiares, podendo ocupar diversas posições: mães, filhas, irmãs, sobrinhas, primas, cunhadas etc., dependendo de quem as acompanha ou as espera no Brasil. No caso da costura, homens e mulheres 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (PPGH- USP), São Paulo/SP, Brasil.

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Page 1: TRAJETÓRIAS DE BOLIVIANAS IMIGRANTES: ENTRE A … · universo da costura eles adquirem novos significados. Assim, elas se deparam nas oficinas com a violência sexual e doméstica,

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

TRAJETÓRIAS DE BOLIVIANAS IMIGRANTES: ENTRE A AUTONOMIA

E A VIOLÊNCIA

Clara Lemme Ribeiro1

Resumo: Desde os anos 1990, vem se consolidando um processo migratório de bolivianos para a

Região Metropolitana de São Paulo para trabalho em pequenas oficinas de costura que abastecem o

comércio formal e informal de roupas. Nesse cenário, as mulheres podem migrar sozinhas ou

acompanhadas dos companheiros e/ou da família, para trabalhar como cozinheiras, faxineiras ou

costureiras nas oficinas. Este artigo tem como objetivo caracterizar as trajetórias de bolivianas

imigrantes, a partir das transformações ocorridas nas suas percepções subjetivas sobre

independência e autonomia. Para isso, realizamos entrevistas com cinco migrantes residentes em

São Paulo. A experiência dessas mulheres na sociedade paulistana define-se por marcadores sociais

da diferença de gênero, etnicidade e nacionalidade, inclusive nas suas possibilidades de inserção

laboral na indústria da confecção. Elas relatam um ganho de independência e autonomia – em

relação à família e/ou aos companheiros – por obterem acesso ao trabalho e ao dinheiro. Por outro

lado, os marcadores que carregam justificam as formas de violência a que estão expostas: a

superexploração do trabalho, a violência sexual nas oficinas de costura, o xenorracismo vivido nas

ruas. Assim, entendemos que, no caso das bolivianas migrantes em São Paulo, o ganho de

autonomia e a exposição a formas renovadas de violência econômica, sexual e xenorracista são duas

faces do mesmo processo migratório.

Palavras-chave: migração boliviana, gênero, autonomia, violência.

A partir dos anos 1990, torna-se notável na cidade de São Paulo a presença de um novo

grupo migratório: os bolivianos. Apesar dessa migração ter iniciado ainda nos anos 1950, inclusive

com acordos de imigração e intercâmbio entre os dois países (Freitas, 2010), é apenas em período

mais recente que ela adquire importância numérica e passa a compor a paisagem urbana. A

intensificação do processo migratório boliviano relaciona-se fundamentalmente à sua inserção na

indústria de confecção paulistana em pequenas oficinas de costura espalhadas, atualmente, por

diferentes municípios da região metropolitana, que alimentam o comércio formal e informal de

roupas.

O perfil das bolivianas que migram para e moram hoje em São Paulo é muito diverso em

relação a idade, nível de educação, origem urbana ou rural e estado civil. Há mulheres que migram

sozinhas, acompanhadas apenas dos filhos, com os seus companheiros ou ainda em contextos

familiares, podendo ocupar diversas posições: mães, filhas, irmãs, sobrinhas, primas, cunhadas etc.,

dependendo de quem as acompanha ou as espera no Brasil. No caso da costura, homens e mulheres 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo (PPGH-

USP), São Paulo/SP, Brasil.

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desempenham, de maneira geral, as mesmas funções como costureiros; no entanto, elas podem

também ser cozinheiras, faxineiras ou babás, muitas vezes acumulando as tarefas de trabalho e de

reprodução. Isso porque os costureiros moram nas oficinas onde trabalham.

Um dos campos de transformação durante o processo migratório, conforme relatado por

essas mulheres, diz respeito à autonomia. É durante tal processo que muitas conseguem sair debaixo

do controle familiar dos pais, irmãos e (ex-)maridos. Ao mesmo tempo, ele envolve também a

exposição a formas renovadas de violência. Renovadas porque, em seus lugares de origem, as

bolivianas também estão sujeitas ao racismo e à violência de gênero, mas em São Paulo e no

universo da costura eles adquirem novos significados. Assim, elas se deparam nas oficinas com a

violência sexual e doméstica, com o xenorracismo2 – que aparecem também nas ruas da cidade – e

com condições degradantes de trabalho: longas jornadas e ambientes insalubres, que levam à

deterioração de seus corpos por lesões por esforço repetitivo e doenças respiratórias e, em certos

casos, à morte por doenças ou incêndios nas instalações elétricas precárias.

O objetivo deste artigo é caracterizar as trajetórias de migração de mulheres bolivianas, a

partir das suas percepções subjetivas sobre o ganho ou a perda de autonomia e sobre as formas de

violência vividas em São Paulo. Para isso, mobilizamos os relatos de cinco migrantes obtidos a

partir de entrevistas qualitativas.

Trajetórias

A seguir, apresentamos os relatos de cinco bolivianas residentes na cidade de São Paulo,

todas inseridas na indústria de confeccao como ajudantes, costureiras ou donas de oficina: Carmen,

Denise, Brenda, Jéssica e Jimena3, que representam a diversidade no perfil das mulheres deste

contexto.

Carmen nasceu na cidade de La Paz, Bolívia, e veio para São Paulo aos 32 anos, em 2012.

Em seu país, havia se separado do marido e cuidava sozinha da filha, que na época tinha 8 anos. Sua

maior dificuldade, porém, era justamente conseguir trabalhar e cuidar da criança, já que não tinha

2 Aceitamos a provocação de Verena Stolcke (1991) e dos movimentos sociais contemporâneos de migrantes

que insistem que a xenofobia não acontece contra quaisquer imigrantes, passando ao largo de estrangeiros europeus, por

exemplo; e que a escolha dos migrantes indesejados traz em si uma marca de racismo. O termo xenorracismo reuniria,

assim as duas dimensões: ser estrangeiro e não-branco.

3 Os nomes das entrevistadas foram alterados para preservar as suas identidades. Todas as entrevistas foram

realizadas pela autora deste artigo, entre os anos de 2015 e 2016, na cidade de São Paulo/SP.

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com quem deixá-la durante o dia. Foi para São Paulo primeiro sem a filha, para ver como eram as

condições de vida e de trabalho, enquanto esta ficou morando com a avó. Quando sentiu que era o

momento correto, trouxe a criança da Bolívia e mudou-se para uma oficina que fosse perto de uma

escola. À época da entrevista, morava e trabalhava nesse mesmo lugar; queixava-se de trabalhar

muito, estar sempre cansada e ter pouco tempo para estar com a filha, além de ganhar pouco

dinheiro. Por outro lado, preferia trabalhar como costureira que voltar à Bolívia, já que quando a

filha não estava na escola ficava em seu quarto na oficina, e Carmen podia fazer pequenos

intervalos para vê-la e estar um pouco com ela. Assim, conseguia de alguma maneira conciliar o

trabalho com o cuidado com a criança.

Denise nasceu na cidade de El Alto, vizinha a La Paz. Lá, trabalhava em uma fotocopiadora

e fazia faculdade de agronomia mas havia reprovado de ano, e lhe faltava dinheiro para seguir

estudando. Por isso, aos 22, decidiu migrar para São Paulo para trabalhar na oficina de costura dos

tios durante dois anos. Ao chegar, começou a trabalhar como ajudante e faxineira, porque não tinha

vaga para costureiros. Por isso, ela se mudou a uma outra oficina, onde começou a costurar; porém,

sofreu um inchaço nos rins que a impediu de seguir costurando e voltou para o lugar de seus tios.

Aí, além de ajudante, tornou-se também vendedora na pequena loja que mantinham no bairro do

Brás. Apesar de estar com seus parentes, sentia-se muito sozinha e pouco cuidada pelos tios, além

de considerar o trabalho extremamente cansativo.

Brenda é amiga de Denise da Igreja Evangélica que frequentam. Ela é filha de mineiro e

morava em um pequeno povoado a uma hora de distância da cidade de Oruro. O pai proibia que as

filhas trabalhassem; podiam apenas ajudar a mãe no pequeno negócio que ela tinha. Por isso,

Brenda não tinha dinheiro para pagar passagem e materiais para frequentar a universidade, e teve

que deixá-la. Seu irmão, que já morava em São Paulo, pediu ao pai que mandasse Brenda para a

cidade, porque precisava de mais pessoas para trabalhar em sua oficina, o que então foi permitido.

Jéssica nasceu na cidade de Cochabamba mas morava na cidade de La Paz, onde formou-se

dentista. Seu irmão mora em São Paulo há mais de vinte anos e é dono de oficina. Havia mais de

dez anos que tinha ido para o Brasil pela primeira vez; após sofrer um estupro na Bolívia, os irmãos

“a levaram” para protegê-la. Cinco anos depois, morou em São Paulo por dois anos, quando

conheceu o pai de seu filho. Depois disso, quando fazia faculdade, vinha a São Paulo nos meses de

férias, que coincidiam com a alta temporada da costura, e juntava dinheiro para seguir estudando

durante o resto do ano.

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Na época da entrevista, havia voltado a São Paulo porque queria apresentar seu filho ao pai,

que não o conhecia, e porque queria fazer na cidade uma especialização e trabalhar como dentista;

segundo ela, era melhor do que na Bolívia. Morava com o irmão, em sua oficina, e costurava uma

parte do dia para pagar sua parte do aluguel e das contas, ao mesmo tempo em que era ajudante de

um odontólogo boliviano. Em 2015, seu filho faleceu após uma doença não identificada pelos

médicos.

Jimena nasceu na cidade de El Alto e veio para São Paulo enquanto cursava faculdade de

enfermagem, para trabalhar na oficina do irmão. Lá, conheceu o seu marido, com quem montou a

própria oficina depois de algum tempo. Após a queda nos preços da costura e na quantidade de

trabalho, ficou sobrecarregada, sendo responsável por limpar a oficina e cozinhar para os

costureiros, além de também costurar. Queixava-se de trabalhar muito e ganhar pouco sobretudo

naquele momento.

O conceito de marcadores sociais da diferença (Moutinho, 2014) reconhece que não há um

ser humano universal: somos todos identificados perante nós mesmos e os outros através de

critérios como gênero, raça/etnicidade, classe, nacionalidade, entre outros. Tais critérios, os

chamados marcadores sociais da diferença, definem lugares sociais e as experiências possíveis para

os seus portadores.

No caso das bolivianas, isso define os lugares que elas ocupam na indústria da costura;

mesmo quando passam a outros ramos de trabalho, continuam sendo enquadradas sob tais critérios.

Isso porque eles criam estereótipos e articulam formas de violência: são camponesas, indígenas4,

portanto atrasadas, burras, sujas.

Porém, a palavra “diferença” sugere, contraditoriamente, que existe algum universal do qual

outros podem se “diferenciar”; no caso, um universal masculino, branco, ocidental que estabelece

critérios de “diferença” em relação a todos os seus outros. Ao deslizar-se por tal procedimento, a

análise sob o conceito de marcadores sociais da diferença acaba, por sua vez, ocultando uma

pergunta possível sobre a formação desse par universal/diferente, porque já o tem como

pressuposto.

4 A relação entre o que se denomina o camponês e o indígena na Bolívia é extremamente complexa e não

poderá ser abordada aqui. Gostaríamos apenas de ressaltar que o imaginário de uma origem rural que leva a concepções

sobre o “atraso” dessas mulheres. Para ver uma análise sobre o tema de um ponto de vista da questão de gênero, cf.

CUSICANQUI, Silvia. Ser mujer indigena, chola o birlocha en la Bolivia postcolonial de los anos 90. La Paz:

Ministerio del Desarrollo Humano, 1996.

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Autonomia

Atualmente, há em São Paulo uma grande quantidade de ONGs e grupos de ativismo que se

ocupam da questão das migrações e, especialmente, da migração boliviana, dada a sua importância

quantitativa. Dentre esses grupos, a migração feminina e as particularidades das experiências de

mulheres foi ganhando cada vez espaço, o que passou a conformar um novo campo de discurso

sobre a migração de bolivianas e o seu trabalho na costura. Nessas falas, passou-se a elogiar o

processo migratório como um momento de emancipação feminina, já que muitas delas vinham

sozinhas e não acompanhando o marido ou o núcleo familiar, conseguindo tornar-se independentes

e liberar-se do controle familiar sobretudo paterno. O que se chama de autonomia, nesses discursos,

é a independência financeira e da tutela da família. A migração feminina foi assumida então como

um sinônimo de ganho de autonomia a partir do acesso ao trabalho e ao dinheiro por mulheres que

antes não o tinham.

Como indica Magliano (2008), na teoria social que lida com a questão feminina na

migração, existe um largo debate – que não teremos condições de apresentar aqui – sobre as

condições em que processos migratórios internacionais podem transformar relações de gênero e

garantir às mulheres independência financeira, autonomia e mobilidade social ou reforçar e manter

os papeis tradicionais de gênero. A análise adiante busca contribuir para essa discussão no que

concerne o processo migratório de bolivianas para o trabalho na costura em São Paulo, partindo das

experiências das próprias mulheres.

No caso de Brenda, apenas com a migração o pai permitiu que ela e a irmã trabalhassem, e

porque elas iriam ajudar o irmão. Antes, na Bolívia, elas estavam proibidas:

A mi papa no le gusta que nosotras trabajemos. El lo veia feo. Yo quise trabajar. Por ser

mulher? Ou não? No por ser mujer, sino por la gente, no se, a mi papa no le gusta eso. Os

filhos dele? Todos? Las mujeres, solo mujeres. Os homens tudo bem trabalhar. Tudo bem.

Solo mujeres, a el no le gustaba. Entonces yo busque trabajo pero el no quiso. (Brenda)

Denise também afirma que os pais somente lhe permitiram migrar sozinha porque iria

trabalhar com os tios. Ambas contam que passaram a valorizar o trabalho e o sacrifício de seus pais,

e que aprenderam a lidar com o orçamento e as contas; assim, consideram que há um ganho de

independência em ter o próprio dinheiro e tomar decisões sobre os gastos:

Que diferença faz para voces ganhar o proprio salario, cuidar dos proprios gastos?

Brenda “Una es ser autonoma, independiente. Pero tambien, ver las preocupaciones,

porque, suponiendo, si no hay en casa leche, el dinero se esta acabando, y falta a que llegue

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el otro mes, el dia que cumples para que te paguen el pagamento, ver de donde sacar o cual

gasto minimizar y cual gasto sustituir. O suponiendo si tienes para el pasaje ver que cosa

vas a comer hoydia. Suponiendo si tomabamos un cafe con leche de R$1,50, ahora vamos a

tomar un cafe con leche de un real, para minimizar el gasto. Ver las cosas que te faltan

realmente y ver las cosas que puedes comprar despues. Yo lo veo asi”. Denise: “Tipo asi,

mas que todo, es lo ella dijo, ya nosotras comenzamos a hacernos nuestros propios gastos.

Por mi es, voy a gastar R$150, entonces voy a gastar en esto, esto y esto, y me va a quedar

esto. Comenzamos a guardar, no es como antes. En Bolivia, nos acostubramos y decimos

'papi, necesito para el otro', antes estiramos la mano y nada mas [Brenda concorda]. Claro,

y tu no sabias de donde venias, porque alla, cuando eres la menor, la hija, la ultima, tus

papas dicen 'Vas a trabajar? Pero tienes que tener cuidado', eso te van decir, que eres la

ultima hija, ya te dicen 'Te daremos', dicen. Yo ahora lo que gano lo divido, esto va a ser

para esto, esto va a ser para el otro, pero algunas veces...”. Brenda: “Se excede” [risos].

Denise: “Si, se excede, porque es asi, aqui en Bras mas que todo, porque yo soy viciada en

las compras, tipo hay un pantalon de oferta, agarro! Y tipo, 'Ay, no, esto es R$150', entonces

para el proximo mes compro. Es tipo asi... Compramos en atacado, tres shampoos, papel

higienico con tres pacotes. Entonces en un mes, para mi, se me va todo mi salario... Casi.

La mitad, porque yo, a mi me gusta comprar, en lo que gasto R$150 en um mes, y lo resto

asi, para mis gastos”.

A narrativa de Brenda e de Denise é de ganho de autonomia a partir do dinheiro; sua

independência é decidir como usá-lo e aprender as consequências de fazê-lo. Há casos, por outro

lado, de mulheres que, sem acesso ao dinheiro necessário para garantir sua autonomia, submetem-se

ao controle familiar mesmo após a migração. Jimena gostaria de retornar a Bolívia para terminar a

faculdade de enfermagem que havia começado, e assim ter a oportunidade de trabalhar menos e

ganhar mais, porém é proibida pelo marido que tem medo de que assim ela conheça outro homem.

Como depende do marido para garantir seu trabalho como costureira e cuidar de seu filho, não pode

contrária-lo. Jéssica, por outro lado, depende do seu irmão pelo mesmo motivo, e mora como ele

por não ter como pagar um aluguel sozinha em São Paulo. E sente que isso tolhe a sua

independência:

Você se sente mais independente em São Paulo? Não. Você era mais independente na

Bolívia? Allá que acá. Acá eu estou morando com mi irmão. Se eu morasse sozinha, aí ia

ser muito diferente. Se eu tivesse que pagar conta sozinha, se eu tivesse que pagar a minha

comida sozinha, tudo eu teria que fazer, pagar. Mas do jeito que eu vivo hoje, meu irmão

está atrás de mim. Tudo que eu faço ele vê: “que Jéssica não está comendo direito, que

Jéssica não está indo dormir”. Eu sou menina de casa e não gosto! De novo eu gané um pai,

eu não gosto. Eu fazia tudo sozinha allá no meu país, vivia tudo sozinha. Mas eu vine pra

casa dele, eu vine pra ganar um pai, eu não gosto. Você tem vontade de se mudar? É, eu vou

mudar. Al año eu vou viajar para a Bolívia. Eu tengo una percepción de vida: hoje não dá

pra pagar aluguel. Eu tenho casa lá, eu quero ir a hipotecar essa casa e comprar una casa pra

cá. (Jéssica)

Em Brenda e Denise esse ganho de autonomia também é condicional em função do acesso

ao dinheiro que elas tem trabalhando na costura, como não tinham antes. Cabe a pergunta: qual o

limite de uma autonomia a partir desse acesso ao trabalho e ao dinheiro? Qual o limite de uma

autonomia que apenas pode acontecer pela submissão à exploração e à violência do trabalho?

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Carmen também identifica em sua trajetória um ganho de autonomia a partir do processo

migratório, já que consegue por fim cuidar sozinha da filha e mantê-las com seu próprio trabalho,

sem depender de um apoio que, na Bolívia, ela sequer tinha. Porém, isso também significa que ela

é, ao mesmo tempo, a única responsável pelo trabalho e pela reprodução dentro do seu núcleo

familiar. A migração de mulheres que precisam, sozinhas, cuidar de si e seus filhos, expressa o

acirramento contemporâneo da condição feminina “duplamente socializada”, ou seja, responsável

ao mesmo tempo pelo âmbito do trabalho e da reproducao familiar, com ou sem “apoio” masculino.

O que está por trás desse “protagonismo feminino” das migrações, nova tendência do século XX, é

um ganho de autonomia real ou o acirramento da condição feminina contemporânea?

Violência

Os relatos das migrantes bolivianas incluem dois tipos distintos de violência: em primeiro

lugar, aquela vivida através do trabalho; em segundo lugar, aquela que se dá a partir do que se

chamou de “marcadores sociais da diferença” (violência de gênero – doméstica e sexual –,

xenorracismo, entre outras). Esse segundo tipo tem inúmeras formas e conteúdos particulares,

podendo acontecer nas ruas de São Paulo ou dentro das próprias oficinas.

É muito marcada a violência do trabalho que sofrem. As jornadas de trabalho costumam ser

de 7h a 22h, de segunda a sexta, e até 12h ou 13h no sábado, com folga aos domingos. As longas

horas de trabalho são motivadas pelo ganho por produtividade, que determina o salário a partir de

um preço por peça, extremamente variável em função da máquina, do tipo de serviço e do tipo de

roupa a ser costurada. Na média, o pagamento mensal fica na faixa de R$1000 a 12005. Além disso,

as oficinas são obrigadas a lidar com prazos apertados que exigem dos costureiros um cumprimento

rápido dos pedidos. Vale lembrar que, mesmo com gravidez avançada e no pós-parto, inclusive

amamentando, as mulheres não deixam de trabalhar. As condições insalubres das oficinas de costura

deterioram o corpo dos costureiros, na forma de lesões por esforço repetitivo ou doenças

respiratórias. Tais doenças, como a tuberculose, e incêndios provocados por instalações elétricas

precárias levam à morte dos trabalhadores e seus filhos.

5 Salvo raras exceções, faz parte do acordo das oficinas de costura oferecer aos trabalhadores moradia (na

própria oficina) e alimentação, para os períodos de trabalho. Os gastos médios dos costureiros incluem a alimentação

fora do horário de trabalho, passagens de transporte coletivo para feiras e eventos, roupas, cuidados com filhos,

documentação etc. Além disso, muitos enviam remessas de dinheiro à Bolívia. O plano da maioria dos imigrantes é

juntar dinheiro e retornar para abrir um negócio próprio ou terminar os estudos universitários.

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Quando perguntamos às migrantes se elas haviam sofrido alguma forma de violência após a

chegada a São Paulo, muitas responderam que não, mas que haviam visto ou ouvido falar. Brenda

comentou que ouvia a irma falar de brigas entre casais nas oficinas, em que o homem batia na

mulher. A violência doméstica, segundo agentes de saúde que fazem atendimento nas oficinas, é

bastante comum, embora nenhuma das migrantes tenha comentado o tema. Mas a violência sexual

sofrida pelas mulheres nas oficinas foi relatada em diversas entrevistas.

Eu tenho certeza que muitas mulheres que vao trabalhar nas oficinas de costura sempre por

los donos sao violadas. Eso sempre escute, sempre. Por meninas que falam pra mim... (...)

eu conheci muito boliviano que en lugar delas, en casa que elas viviam, el dueno de oficina

violava elas. Isso eu vi muito... Meninas, hasta filha deles violavam, costureiros, pais, tios,

eu vi muito de eso. Eu falei: “Poxa, eu estou num lugar muito triste”. (Jessica)

Denise conta, por sua vez, duas histórias que presenciou e que são muito interessantes para

pensar a percepcao dela sobre o que caracteriza violência:

Tipo, en la oficina donde yo trabajo tenía que hacer la limpieza todo el mundo, pero como...

Es así, hubo una violencia en donde que, era la esposa del cortador, tenía que... Ella era de

pollera6, era humilde y, por ser nueva, le han hecho limpiar toda la oficina, toda vez, toda

vez, toda vez. Le dijeron así: “ay, Emilia, porque vos no limpias”, tipo, los otros le han

reclamado, “ah, eres muy lenta”, así tipo que le han querido, así, contra ella. No ha sido

somente ella, tipo, en otra oficina, de mis tíos, han traído allá de Bolivia una de

Cochabamba, casi de veinte años. Allá era costurera, era overloquista y rendía bien. Mi tío

trabajaba com cuatro casales y un hombre, soltero no, era divorciado, tenía su mujer en

Bolivia. Quien había comenzado la pelea era él. Tipo, que él le hablaba a la chica, pero la

chica no le hablaba. Entonces él comenzaba a decir a la oficina: “ah, ella es así, es así” y

toda la oficina, hasta las mujeres, no le han hablado, porque el hombre há hecho mala

reputación, ha dicho que ella era una cualquiera, que “ella me ha querido molestar, ha

querido entrar a mi cuarto”. Tipo así, los otros como eran casales no sabían, como vivían en

un cuarto a parte, no lo veían. La chica sola, el chico solo, otros se podrían juntar, entonces

a la chica le han querido... La misma boliviana le hecho a un lado, le ha dicho: “ah, tú

quieres estar con mi marido”, tipo así. Es feo cuando el boliviano le hace al boliviano. Mi

tío la había contratado porque ya era costurera mismo en Bolivia, entonces rendía más en

over, y el hombre había dicho: “ah, ella nos va a quitar el trabajo, mira, es así, es así”. Ella

limpiaba y daba todo su trabajo, pero ella lo hacía de horario en horario, no pasaba su

horario. Tipo, si ella tenía que trabajar de siete, entraba siete, tenía que salir once, salía

once. Mientras los otros trabajaban [até] doce. Ella no les convenía, pero ella botaba

[produzia], pero a ellos no les ha gustado. Ahí es donde yo he escuchado y también la

señora de pollera, que por ser de pollera le han dicho “nos vas a limpiar” y por ser mujer, y

“porque además te pagan eso, no haces nada en la oficina, solo estás ahí abotonando, o solo

te estás despiquetando [cortando os fios que ficam soltos na costura], no haces nada y tienes

que limpiar”, tipo que ellos no eran el patrón, eran otros funcionarios. Ahí he visto que el

boliviano ha vuelto a discriminar al mismo boliviano. (Denise)

As duas histórias mostram o forte clima de concorrência que impera dentro das oficinas. Aí,

são percebidas como violência formas de humilhação particulares contra indígenas e mulheres: a

acusação de burrice e incapacidade, a obrigação sobre as atividades de reprodução e o uso do

6 Ou seja, vestia-se com os trajes indígenas tradicionais, também associados à zona rural, podendo ser chamada

também de chola; para uma análise, cf. CUSICANQUI, 1996.

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julgamento moral sobre a sexualidade feminina. Nos espaços públicos de São Paulo, existem outras

formas de xenorracismo contra bolivianos. Jimena relatou como violência o atendimento que teve

na Unidade Básica de Saúde do bairro da Móoca:

[No Belém, ela conta que o posto era bom, que era muito bem atendida] Cuando me mudé

para Moóca, o [cartão do] SUS saqué aqui en Belém, pero en Belém me decían “como ya

estás en Moóca, tienes que ir a Moóca, al posto da Moóca”. Pero allá son racistas, no me

querían atender. A los bolivianos, como son racistas, les gritan no más, porque tienen

miedo. Cuando están por morir o están bien graves, les dicen para ir al hospital de

emergencias. Sólo vienen cuando ya está bien grave, cuando ya no hay solución. (Jimena)

Os chamados “marcadores sociais da diferença”, portanto, “justificariam” tais formas de

violência, no sentido de que acontecem contra mulheres, bolivianas, indígenas, pobres. Assim,

vivem a exploração do trabalho nas oficinas de costura e as suas condições insalubres, os estupros e

formas variadas de xenorracismo. É o outro lado do processo migratório: pode haver um ganho de

autonomia no acesso ao dinheiro e ao trabalho que a migração lhes permite, mas dele fazem parte

também tais formas de violência. Retomamos a pergunta: qual o nexo por trás dessas “diferenças” e

da agressão contra o “diferente”?

Os limites da autonomia como forma de violência

Nas trajetórias das migrantes bolivianas que residem em São Paulo e trabalham na indústria

da confeccao, como vimos, a autonomia e a violência são dois momentos do mesmo processo

migratório. Resta ver como se entrelaçam tais momentos que podem parecer, à primeira vista,

contraditórios. Heidemann (2004), ao pensar sobre as migrações internacionais do século XXI,

chama de “humilhação secundária” o sofrimento de migrantes e refugiados. E no que consiste a

“humilhação primeira” a que estiveram submetidos?

Segundo Marx (1985), o processo chamado por ele de “acumulação primitiva” marca a

imposição do trabalho à população europeia que antes se reproduzia a partir de outras formas de

mediação social. É por meio do cercamento das terras e da legislação contra a vagabundagem que

se forma historicamente o trabalho abstrato como mediação social necessária, a força de trabalho

como única propriedade dos expropriados do campo e a mobilidade do trabalho (Gaudemar, 1977)

como sua característica fundamental. Tornam-se os homens duplamente e contraditoriamente livres:

livres dos meios de produção, livres para vender sua força de trabalho onde e a quem quiserem,

porém obrigados a vendê-la como única forma possível de garantir a sua reprodução. É também

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nesse momento de formação do trabalho abstrato que este se cinde das outras esferas da vida e,

especialmente, da reprodução doméstica (o cuidado com o lar e a família). Nesse processo, o

homem e a mulher personificam as esferas cindidas do trabalho e da reprodução doméstica,

respectivamente.

Por outro lado, a imposição do trabalho sobre os outros povos se deu pela violência da

colonização nos continentes “além-mar”, submetendo o que hoje chamamos de populações negras e

indígenas em contextos diversos. Assim, forma-se um homem universal que personifica o trabalho,

um Macho Branco Ocidental (MBO) (Scholz, 2004), que dissocia de si mesmo todos aqueles que

dele se diferenciam, considerando-os inaptos ao trabalho: seja pela preguiça, pela burrice ou pela

emotividade. Daí surgirem formas de violência contra o conjunto dos dissociados que aparecem

como “de gênero”, “raciais” etc. e que tem o seu fundamento na imposição violenta do trabalho.

Agora, o trabalho alcança o seu limite histórico: o desenvolvimento das forças produtivas,

impulsionado nas últimas décadas pelo advento da micro-eletrônica, torna obsoleto o trabalho

humano e supérfluos os trabalhadores, que disputam entre si os poucos e precários empregos

sobrantes. Assiste-se a um acirramento da concorrência que se manifesta concretamente, entre

outras formas, como violência contra os dissociados, contra os outros, como mostram as histórias

narradas por Denise. Para as mulheres esse acirramento aparece como a sua socialização nas esferas

do trabalho e da reproducao: entrada no mercado de trabalho, dissolução da família tradicional,

protagonismo nas migrações. São momentos também considerados como ganho de autonomia que a

expressam como a liberdade contraditória feminina.

As migrantes bolivianas sofrem com formas diversas de humilhação secundária. O seu

ganho de autonomia possível apenas pelo acesso ao dinheiro pode ser negativamente lido como

imposição da socialização pelo trabalho abstrato como forma necessária. O limite da autonomia

como acesso ao dinheiro é portanto a forma de ser da humilhação primária, dessa violência

primeira. A sua autonomia pode ser entendida contraditoriamente nos termos da dupla liberdade:

liberadas do controle familiar pelo trabalho, obrigadas a relacionar-se através dele.

Ainda nesses termos, entende-se que há um duplo, nas trajetórias de mulheres migrantes

como as aqui analisadas, de libertação do controle familiar e acirramento da sua condição feminina

duplamente socializada, ou seja, duplamente responsável pelo trabalho abstrato e pela reproducao.

Condição essa que é independente de uma presença masculina ou de filhos; atravessa, hoje, a

experiência de todas as mulheres que necessariamente assumem responsabilidade sobre a

reproducao doméstica ou a delegam a outras mulheres como trabalho doméstico.

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Assim, consideramos que autonomia e violência são dois momentos do mesmo processo,

presentes como experiências subjetivas na vida de mulheres com trajetórias de migração, porém

entrelaçadas no mesmo caminho histórico de formação de trabalhadores e trabalhadoras

contraditoriamente livres. Os processos migratórios contemporâneos, que hoje manifestam um

aumento do “protagonismo feminino”, estão no centro do acirramento.

Referências

FREITAS, Patrícia Tavares de. Imigração e trabalho: determinantes históricas da formação de um

circuito de subcontratação de imigrantes bolivianos para o trabalho em oficinas de costura na cidade

de São Paulo. XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Caxambú – MG, 2010.

GAUDEMAR, Jean-Paul de. A mobilidade do trabalho e acumulação do capital. Lisboa: Estampa,

1977.

HEIDEMANN, Dieter. Os migrantes e a crise da sociedade do trabalho: humilhação secundária,

resistência e emancipação. In: Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM). Migrações: discriminações e

alternativas. São Paulo: Paulinas, 2004.

MAGLIANO, María José. El rol de la mujer boliviana en el proceso migratório hacia Córdoba

(1947-2001). 423 p. Tese (Doutorado em História) – Universidad Nacional de Córdoba, 2008.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Volume 1, tomo 2. São Paulo: Abril Cultural,

1985.

MOUTINHO, Laura. Diferencas e desigualdades negociadas: raca, sexualidade e genero em

producoes academicas recentes. Cadernos Pagu (42), 201-248, janeiro-junho/2014.

SCHOLZ, Roswitha. A nova critica social e o problema das diferencas. 2004. Disponivel em:

<http://obeco.planetaclix.pt/roswitha-scholz3.htm>. Acesso em 23/06/2017.

STOLCKE, Verena. Sexo esta para genero assim como raca para etnicidade? Estudos Afro-

asiaticos, (20): 101-119, junho de 1991.

Trajectories of Bolivian immigrant women: between autonomy and violence

Astract: Since the 1990s, a migratory process of Bolivians to the Metropolitan Area of São Paulo

for work in sweatshops that supply formal and informal clothing markets has consolidated itself. In

such a scenery, women might migrate alone or accompanied by their partners and/or family, mainly

to work as cooks, cleaners or seamstresses in the sweatshops. This paper aims to characterize the

trajectories of immigrant Bolivian women, regarding changes that may occur in their subjective

perceptions about independence and autonomy. Five Bolivian women living in São Paulo have been

interviewed. These women's experiences regarding the society of São Paulo is defined by the social

markers of difference such as gender, ethnicity and nationality, including their possibility of labor

insertion in the clothing industry. They report a gain of autonomy and independence – regarding

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family and/or partners – because they access money and work. On the other hand, the markers they

carry justify the types of violence to which they are exposed: overexploitation of labor, sexual

violence in the sweatshops, xenoracism in the streets. Therefore, considering immigrant Bolivian

women in São Paulo, autonomy gain and exposure to renewed types of violence are considered to

be two sides of the same migratory process.

Keywords: Bolivian migration, gender, autonomy, violence.