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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DIREITOS HUMANOS MAÍRA COSTA ETZEL TRABALHADORAS EM MOVIMENTO: BOLIVIANAS NAS OFICINAS DE COSTURA EM SÃO PAULO RIO DE JANEIRO 2017

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Page 1: TRABALHADORAS EM MOVIMENTO: BOLIVIANAS NAS OFICINAS DE ... · imigrantes bolivianas inseridas nas oficinas de costura, base da cadeia têxtil. O estudo tem dois objetivos centrais

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DIREITOS HUMANOS

MAÍRA COSTA ETZEL

TRABALHADORAS EM MOVIMENTO:

BOLIVIANAS NAS OFICINAS DE COSTURA EM SÃO PAULO

RIO DE JANEIRO

2017

Page 2: TRABALHADORAS EM MOVIMENTO: BOLIVIANAS NAS OFICINAS DE ... · imigrantes bolivianas inseridas nas oficinas de costura, base da cadeia têxtil. O estudo tem dois objetivos centrais

MAÍRA COSTA ETZEL

Trabalhadoras em movimento:

bolivianas nas oficinas de costura em São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Políticas Públicas em Direitos

Humanos da Universidade Federal do Rio de

Janeiro para obtenção do título de Mestre em

Políticas Públicas em Direitos Humanos.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Rezende Figueira

Rio de Janeiro

2017

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E83 Etzel, Maíra Costa.

Trabalhadoras em movimento: bolivianas nas oficinas de costura em

São Paulo / Maíra Costa Etzel. 2017.

123f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Rezende Figueira.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos,

Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos

Humanos, 2017.

1. Trabalhadoras estrangeiras bolivianas – São Paulo (SP). 2.

Trabalhadoras imigrantes – São Paulo (SP). 3. Trabalhadoras têxteis –

Condições sociais – São Paulo (SP). I. Figueira, Ricardo Rezende. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Núcleo de Estudos e Políticas

Públicas em Direitos Humanos.

CDD: 331.4877

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MAÍRA COSTA ETZEL

Trabalhadoras em movimento: bolivianas nas oficinas de costura em São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Políticas Públicas em Direitos

Humanos da Universidade Federal do Rio de

Janeiro para obtenção do título de Mestre em

Políticas Públicas em Direitos Humanos.

Banca Examinadora:

__________________________________

Prof. Dr. Ricardo Rezende Figueira – NEPP-DH/UFRJ

_________________________________

Profa. Dra. Adonia Antunes Prado – NEPP-DH/UFRJ

_________________________________

Prof. Dr. José Ricardo Ramalho – IFCS/UFRJ

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Nas pessoas de Carmen, Lourdes, Luz, Sara e

Zelaide: a todas as mulheres bolivianas que

residem e resistem em São Paulo.

Às minhas avós, Hilda e Amelinha.

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AGRADECIMENTOS

Sou igualmente agradecida a todas as pessoas citadas abaixo e muitas outras que não cabem

neste espaço: familiares, amigas e amigos que são parte essencial da minha caminhada.

À Carmen, Lourdes, Luz, Sara e Zelaide, que de forma tão sincera e singela abriram

suas casas e me contaram suas histórias.

À Quilla, pela disponibilidade e disposição de me apresentar a suas conterrâneas.

Ao meu orientador, Ricardo Rezende Figueira pela referência, inspiração e incontáveis

histórias, leituras e sugestões.

Ao Grupo de Pesquisa de Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), pelo espaço de

encontros, de reflexões e de aprendizados e pelo apoio financeiro para a realização desta

pesquisa.

Às integrantes e amigas do GPTEC com quem tive o prazer de conviver diariamente:

Sonia, por me fazer caminhar mais devagar; Adonia, pelo cuidado, pelas palavras e sugestões;

Edna e Suli, que me acolheram de forma tão carinhosa.

À Jhene e Marinalva, pela companhia durante as pausas para o café.

À Luiza, funcionária do NEPP-DH, pela doçura cotidiana.

Ao Grupo Nzinga de Capoeira Angola do Rio de Janeiro, que renovou minha energia

quando a cabeça e o corpo sentados pediam descanso. Por fazerem me sentir em casa.

Ao Javi, meu companheiro sorridente desse período e dos períodos que estão por vir.

À Bruna, pela amizade que já ultrapassa 15 anos. Por compartilhar um lar, um gato e

todos os pensamentos.

Às minhas tias, Rô e Vanja, exemplos de mulheres fortes.

Mãe, Pai e irmã. Pelo amor e força que a presença de vocês me causa.

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“Vengo en busca de respuestas

Con el manojo lleno y las venas abiertas

Vengo como un libro abierto

Anciosa de aprender la historia no contada de

nuestros ansestros

Con el viento que dejaron los abuelos y que vive

en cada pensamiento

De esta amada tierra, tierra

Quien sabe cuidarlo es quien de verdad la quiere

Vengo para mirar de nuevo para deducirlo y

despertar el ojo ciego

Sin miedo, tu y yo

Descolonizemos lo que nos enseñaron

Con nuestro pelo negro, con pómulos marcados

Con el orgullo huido en el alma tatuado

Vengo con la mirada, vengo con la palabra

Esa palabra hablada, vengo sin temor a no

perder nada

Vengo como el niño que busca de su morada

La entrada al origen la vuelta de su cruzada

Vengo a buscar la historia silenciada

La historia de una tierra sequiada

Vengo con el mundo y vengo con los pájaros

Vengo con las flores y los árboles sus cantos

Vengo con el cielo y sus constelaciones

Vengo con el mundo y todas sus estaciones

(...)”

(Ana Tijoux)

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RESUMO

Esta pesquisa está ancorada na oralidade como fonte de interpretação de processos histórico-

sociais. Mais especificamente, o estudo se apoia na técnica da história de vida. São registrados

elementos da trajetória de cinco mulheres pertencentes ao segundo fluxo migratório de

bolivianos para a Região Metropolitana de São Paulo: Carmen, Lourdes, Luz, Sara e Zelaide.1

Não obstante a singularidade de cada narrativa, caminhos similares são percorridos pelas

imigrantes bolivianas inseridas nas oficinas de costura, base da cadeia têxtil. O estudo tem

dois objetivos centrais. O primeiro é compreender as dinâmicas de gênero nas oficinas. Para

tal, são abordadas as experiências laborais das mulheres com atenção à particularidade do

trabalho exercido por elas. O segundo objetivo repousa na discussão acerca do trabalho

análogo ao de escravo na costura, com ênfase à “agência individual” que as trabalhadoras

possuem para reverter ou minimizar as condições precárias que lhes são oferecidas. Através

da percepção apresentada pelas mulheres em suas falas, pode-se dimensionar a complexidade

das relações sociais estabelecidas com o trabalho, a família e o entorno.

Palavras-chave: Trabalho análogo ao de escravo; Imigração boliviana; Oficinas de

costura; Mulher; Gênero.

1Nomes fictícios.

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ABSTRACT

This research is supported by orality as a source of interpretation of historical and social

processes. More specifically, this investigation is based on life history approach. Elements

from the paths of five women who belong to the second migration flow of Bolivians to

Metropolitan Area of São Paulo were registered. They were named as: Carmen, Lourdes,

Luz, Sara and Zelaide2. In spite of the uniqueness of each narrative, similar routes were taken

by bolivian immigrants settled in garment workshops, bedrock of textile industry. This study

has two main goals. The first of them is throw light on gender dynamics on garment

workshops. For such, the women’s labor experiences are approached with emphasis on the

particularities of their work. The second rests on slave labor on garment industry debate,

highlighting individual agency that workers have to revert or minimize their precarious

conditions. Through their impressions is possible to capture the social relations’ complexity

established with their jobs, families and environment.

Keywords: Slave Labor, Bolivian immigration, Garment workshop;Woman; Gender.

2 Fictional names

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fluxograma 1 - Empresa Zara...................................................................................................47

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIT Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção

ABVTEX Associação Brasileira do Varejo Têxtil

CAMI Centro de Apoio e Pastoral do Migrante

CDHIC Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNIg Conselho Nacional de Imigração

CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica

COETRAE Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo

COMTRAE Comissão Municipal para a Erradicação do Trabalho Escravo

CONATRAE Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CPB Código Penal Brasileiro

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CPT Comissão Pastoral da Terra

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

DETRAE Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo

DPU Defensoria Pública da União

GEFM Grupo Especial de Fiscalização Móvel

GERTRAF Grupo Executivo de Combate ao Trabalho Forçado

GEVID Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica

GPTEC Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

INE Instituto Nacional de Estadísticas de Bolivia

MIRAD Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário

MP-SP Ministério Público do Estado de São Paulo

MPT Ministério Público do Trabalho

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

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OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PNUD Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento

RGP Rede Global de Produção

RGPs Redes Globais de Produção

RMSP Região Metropolitana de São Paulo

SIT Secretaria de Inspeção do Trabalho

SRTE Superintendência Regional do Trabalho e Emprego

TAC Termo de Ajuste de Conduta

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SUMÁRIO

Introdução................................................................................................................................11

Capítulo 1. Trabalho análogo ao de escravo.........................................................................26

1.1 Que modalidade de trabalho é essa?...................................................................................26

1.2 O trabalho no século XXI e a indústria têxtil......................................................................34

1.3 Artigo 149 nas oficinas de costura......................................................................................42

1.4 Mulher e trabalho análogo ao de escravo: um percurso acadêmico....................................49

Capítulo 2. Bolivianas e o trabalho nas oficinas de costura................................................57

2.1 Emigração de mulheres para o trabalho: por que sair?.......................................................57

2.1.1 A saída: Me agarré a mis hijos y mi he ido......................................................................62

2.2 Primeira parada: Argentina. Segunda parada: Brasil..........................................................65

2.3 Trabalho nas oficinas: Me canso, me duele, me aguanto, tengo que trabajar ¿Qué voy

hacer?........................................................................................................................................69

2.3.1 Trabalho de mulher na oficina: ¡Mujer que cose, mujer que cocina, mujer que

compra!.....................................................................................................................................76

Capítulo 3. Narrativas de resistência....................................................................................80

3.1 Eu, escravizada?..................................................................................................................80

3.2 Agência individual: ¡De esa forma no puede tratarme!.....................................................85

3.2.1 Donas da própria máquina...............................................................................................87

3.3 Notas sobre o silêncio e a violência: Con miedo estaba cerrada.......................................90

3.4 A fé e os filhos como forma de resistência..........................................................................96

Considerações Finais.............................................................................................................100

Referências.............................................................................................................................103

Apêndice.................................................................................................................................115

Anexo......................................................................................................................................117

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INTRODUÇÃO

Considerando o Estado como um ator capaz de incentivar ou inibir práticas de

exploração vigentes na relação capital/trabalho, o momento político da realização desta

pesquisa está envolto de retrocessos. Basta mencionar a Reforma Trabalhista aprovada no

Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 13 de julho de 2017

que reduz em diversos pontos a proteção e os direitos previstos aos trabalhadores pela

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) 3.

No que se refere ao combate ao trabalho análogo ao de escravo, não é diferente.

Conforme afirmou a pesquisadora Flavia Moura, “os sucessivos instrumentos que ora são

criados por pressão social e ora são retirados por pressão dos empresários fiscalizados

denotam o contexto atual de constituição do conceito de trabalho escravo contemporâneo no

Brasil” (2016, p.89). Além dos impactos negativos da Reforma supracitada, existem projetos

em tramitação tanto na Câmara quanto no Senado que visam restringir o conceito4 presente no

artigo 149 do Código Penal Brasileiro (CPB): “Reduzir alguém à condição análoga à de

escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a

condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em

razão de dívida contraída com o empregador ou preposto” (BRASIL, 2003).

Tais projetos têm em vista a retirada dos elementos “jornadas exaustivas” e “condições

degradantes” de trabalho da tipificação do crime, sendo estas as formas de escravidão mais

comumente encontradas. Outro retrocesso ocorreu com a suspensão da chamada “lista suja”,

cadastro de empregadores flagrados utilizando mão de obra análoga à de escravo. Desde

2003, a publicação da lista no site do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tornou-se um

instrumento de constrangimento àqueles que praticam o crime, com grande impacto na

imagem da empresa ou do empresário – imagem esta tão necessária para o sucesso nos

negócios. A referida lista serve também de referência aos bancos públicos para a concessão de

créditos e para que as empresas estabeleçam restrições comerciais aos nomes incluídos da

lista. No final de 2014, esse instrumento foi suspenso e só voltou a ser publicado em março de

2017, por meio de liminar da Justiça do Trabalho e depois de um vaivém de decisões judiciais

conflitantes e de mobilizações por parte da sociedade civil para seu retorno.

Porém, no cenário atual de instabilidade política, o futuro ainda é incerto.

3 Para mais informações sobre a reforma sugerimos:< http://reporterbrasil.org.br/2017/07/por-que-a-reforma-

trabalhista-e-inconstitucional/>. Acesso em 19 de jul. 2017. 4De acordo com o jornalista Leonardo Sakamoto, existem pelo menos três propostas tramitando do Congresso

Nacional. Ver em FIGUERIA, Ricardo; PRADO, Adonia, GALVÃO, Edna (Org.). Discussões Contemporâneas

sobre trabalho escravo: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016, p.16.

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Nesse sentido, abordar esta temática no âmbito acadêmico contribui para chamar

atenção para um fenômeno que, em tempos de crises institucionais e perdas de direitos, tende

a ser invisibilizado e a ter seu enfrentamento em termos de políticas públicas, enfraquecido.

Conforme veremos, o trabalho análogo ao de escravo não está restrito a locais distantes dos

centros econômicos e políticos do país. Tratamos aqui da Região Metropolitana de São Paulo

(RMSP), composta por 39 municípios e com 21,2 milhões de habitantes. A megacidade de

São Paulo é a mais populosa do Brasil, sede de empresas transnacionais e da segunda maior

bolsa de valores do mundo. Ao mesmo tempo, palco de resgates de trabalhadores em

condições análogas à de escravo na construção civil e na indústria têxtil. Este último setor

será objeto de nosso estudo, em que tem sido constatada a presença majoritária de imigrantes

latino-americanos. Pela irregularidade de sua situação no país, pela ausência de organização

sindical e pela falta de informação, homens e mulheres imigrantes se tornaram mais

vulneráveis às condições de trabalho análogo ao de escravo. Analisaremos questões referentes

às mulheres imigrantes, nomeadamente, as bolivianas.

Apesar de fazermos uso do conceito de “imigrante” referindo-nos àquele que sai de

um país e se estabelece em outro, não adotamos o enfoque de integração e de assimilação

cultural na sociedade de destino. Estamos cientes de que os fluxos migratórios

contemporâneos obedecem a uma lógica de mobilidade distinta daquela a qual o sociólogo

argelino Abdelmalek Sayad fazia alusão, visto que os avanços tecnológicos facilitaram a

manutenção de vínculo social no país de origem, bem como a própria circulação entre os

territórios.

De acordo com este autor, no livro Imigração ou os paradoxos da alteridade (1998),

há uma diferença entre ser “estrangeiro” e ser “imigrante”, a distinção entre os termos é

arbitrária. O primeiro refere-se ao sentido jurídico, à nacionalidade, enquanto o segundo a

uma condição social. Ser percebido enquanto imigrante refere-se a critérios de diferenciação e

discriminação. Aquelas e aqueles oriundos “dos países dominados, que são quase todos os

países de emigração, seja ele naturalizado ou não, sempre é remetido a sua condição de

origem” (1998, p. 267). É o caso dos filhos das bolivianas que, embora tenham nascido no

Brasil e falem português nativo, são vistos enquanto imigrantes, afinal, “todos os imigrantes

não são necessariamente estrangeiros, nacionalmente falando” (1998, p. 267). Desse modo, se

o termo “imigrante” carrega um viés pejorativo, podemos afirmar que as bolivianas em São

Paulo – provenientes de uma região pobre, consideradas não brancas e com ascendência

indígena – se encaixam nos “critérios de discriminação”, o que contribui para racializar esse

grupo dentro da sociedade receptora.

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A analogia estabelecida por Sayad entre o fenômeno das migrações e o paradoxo do

monte de areia é ilustrada da seguinte maneira:

Grãos de areia, minúsculas individualidades, destacam-se uns após os outros

da rocha erodida sem que ninguém os veja, e são levados pelo vento até que

de um acidente terreno, um obstáculo, sirva de pretexto para retê-los e fazê-

los se aglutinarem uns aos outros; só quando os rombos tiverem sido

escavados na rocha matriz e, mais do que isso, quando a duna se tiver

formado e começar a ser vista como enorme, incômoda, sem graça, é que se

construirá o problema da imigração (SAYAD, 1998, p. 280).

Quando a imigração se torna uma realidade coletiva e o “monte de areia” passa a

ganhar forma, o “problema social” está constituído. A população provinda da Bolívia está

espalhada pelos bairros da capital paulista, na Zona Central, Leste e Norte da cidade. Nos

últimos anos, tem se verificado sua presença também em cidades da Região Metropolitana e

no interior de São Paulo (SILVA, 2006). Esse grupo social ganhou evidência – na mídia e nas

pesquisas acadêmicas – em função, principalmente, do trabalho de fiscalização em oficinas de

costuras realizado pelas autoridades públicas de São Paulo.

O motivo da escolha da nacionalidade boliviana deve-se ao significativo contingente

de pessoas deste país residente na cidade de São Paulo: 340 mil, segundo estimativas (CAMI,

2013 apud VEIGA; GALHERA, 2016, p. 124). Disso decorre que a presença das bolivianas

nos espaços públicos e nas oficinas de costura ganhe destaque. Desde já, é importante frisar

que a nacionalidade não é um elemento explicativo dos fluxos migratórios para as oficinas de

costura. Além disso, não há uma “aptidão natural” dos bolivianos com a costura e, tampouco

uma relação direta desta nacionalidade às condições de trabalho análogas à de escravo. O

enfoque nas bolivianas não exclui as trabalhadoras de outros países, inclusive do Brasil, das

condições de trabalho que serão apresentadas no decorrer da dissertação.

Tratamos das mulheres pertencentes ao segundo fluxo migratório de bolivianos na

cidade. Conforme explicou o sociólogo Carlos Freira da Silva em sua pesquisa de mestrado

(2008), o primeiro fluxo data dos anos 1950, quando o perfil da imigração era de estudantes

de classe média, incentivados pelo estabelecimento de um convênio cultural entre Brasil e o

governo boliviano. Na época, a ausência de empregos qualificados na Bolívia fazia com que,

ao finalizarem os estudos, os estudantes permanecessem no território brasileiro atuando como

profissionais liberais. Já o segundo fluxo migratório, mais expressivo em termos

quantitativos, começou nos anos 1990 e ainda persiste.

A população que chega, em geral, tem pouca qualificação profissional e recurso

financeiro, sendo a maioria proveniente da parte ocidental do país, dos departamentos de La

Paz e Cochabamba. Em relação ao sexo desses imigrantes, o juiz federal Márcio Rached

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Milani escreveu que, de acordo com o Centro de Estudos Migratórios (CEM), havia, em 2008,

um equilíbrio entre o número de mulheres (44%) e de homens (55%). Segundo ele, “a

disparidade entre os sexos já foi maior. A população masculina chegou a responder por quase

64% do total há 15 anos” (MILANI, 2008, p. 134).

O pioneiro dos estudos acerca da recente migração boliviana na cidade de São Paulo

foi Sidney Antônio da Silva, com o livro Costurando sonhos. Trajetória de um grupo de

imigrantes bolivianos em São Paulo (1997). Desde então, pesquisadores de diversas áreas se

debruçam sobre o tema, tais como o já mencionado Freire da Silva (2008), Patrícia Tavares de

Freitas (2008), Siobhán McGrath (2010), Sylvain Souchaud (2012), Tiago Côrtes (2013),

Bruno Miranda (2016). Vale ressaltar ainda os estudos de Danielle Rezera (2012), Táli

Almeida (2013), Clara Ribeiro (2015) e João Veiga e Katiuscia Galhera (2016) que tratam

especificamente das mulheres bolivianas em São Paulo.

Apesar da grande quantidade de material já publicado sobre o tema, são poucas as

pesquisas que abordam o trabalho análogo ao de escravo na costura sob o ponto de vista das

mulheres imigrantes. E, partindo do fato de que violações de direitos humanos são

vivenciadas de forma distintas entre homens e mulheres, buscaremos compreender a

particularidade do trabalho exercido pelas mulheres e como elas vivenciam as desigualdades

de gênero nas oficinas de costura. Além disso, o “monte de areia” boliviano continua presente

na RMSP e, no que se refere ao mercado de trabalho, existem poucos espaços de atuação fora

das oficinas de costuras.

Não obstante a singularidade de cada uma, suas trajetórias fazem parte de processos

sociais mais amplos, em que caminhos similares são percorridos por diversas imigrantes

bolivianas inseridas na base da cadeia têxtil. Nesta dissertação, registramos elementos da

trajetória de Luz, Carmen, Lourdes, Zelaide e Sara,5 imigrantes bolivianas que, apesar de não

terem sido flagradas na condição de trabalho análogo ao de escravo, em determinados

momentos de suas experiências em São Paulo, poderiam estar entre as 50.701 pessoas

“resgatadas” pelas autoridades brasileiras desde 1995.

De acordo com suas descrições, todas passaram por situações em que suas atividades

poderiam ter sido enquadradas no artigo 149 do CPB. Sob o ponto de vista jurídico, estamos

diante da existência de instrumentos de identificação do trabalho análogo ao de escravo em

que o suposto consentimento dos trabalhadores não descaracteriza o crime. Contudo – e não

menos importante –, veremos que a percepção delas em relação ao tema é distinta daquela que

5Nomes fictícios.

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as autoridades e organizações sociais têm por referência. Segundo a socióloga Patrícia Tavares

de Freitas (2008), que pesquisa migração boliviana vinculada à indústria têxtil, trata-se de

uma questão complexa que envolve relação de exploração e gratidão, jogos ambíguos entre

subordinação e agência, uma vez que, na maioria das vezes, donos ou donas das oficinas são

compatriotas, quando não parentes, das trabalhadoras.

Utilizaremos a oralidade como fonte de interpretação de processos histórico-sociais.

Optamos pela reprodução das falas tal como foram registradas nos momentos de conversa,

que se estabeleceram a partir de uma mistura entre português e espanhol, como um meio de

aproximar os leitores das narradoras-entrevistadas. Iremos nos apoiar metodologicamente na

história de vida6 que, de acordo com a socióloga Maria Isaura de Queiroz, possibilita a

pesquisadores o alcance da coletividade em que seu informante está inserido, sem considerá-

lo como indivíduo isolado (1988, p. 24), objetivando as articulações entre a história individual

e a história coletiva.

A história de vida pode ser compreendida como uma técnica de entrevistas. É por meio

dela que se dá o momento de produção da narrativa, que não deixa de ser um momento de

encontro. Nesta forma de coleta de dados, a aplicação demanda tempo, pois os encontros não

possuem limites para acabar, visto que os narradores sempre terão novos elementos a

acrescentar em suas histórias. Segundo o norte-americano Howard Becker, “o sociólogo que

coleta a historia de vida tenta fazer com que a história contada acompanhe os assuntos dos

registros oficiais e os materiais fornecidos por outras pessoas familiarizadas com os

indivíduos, acontecimentos ou lugares descritos” (1993, p. 102). Além disso, importa dar

significado à “voz do entrevistado, suas entonações, suas pausas, seu vaivém no que contava”

(QUEIROZ, 1988, p.15). De acordo com Queiroz, que escreveu em meados dos anos 1980, o

advento do gravador possibilitou o uso desses “tantos dados preciosos para estudo” (1988, p.

15).

Nesta pesquisa nenhuma das entrevistadas demonstrou incômodo ou oposição ao uso

do gravador. As narrativas aqui apresentadas fizeram parte de um verdadeiro exercício de

escuta, em que mulheres colocaram para fora suas memórias e vivências. Outra técnica

utilizada foi o depoimento oral que, ainda segundo Queiroz, se diferencia da história de vida

6Haike Kleber da Silva afirma no artigo intitulado “Considerações e confusões em torno de história oral, história

de vida e biografia” que os três termos são interpretados diferentemente por sociólogos e historiadores

(KLEBER DA SILVA, 2012). Para a socióloga Maria Isaura de Queiroz, “a história oral é uma metodologia de

quadro amplo, na qual recolhem-se relatos de experiência de um indivíduo ou grupo. A história de vida estaria

inserida dentro desse quadro como uma variante da metodologia voltada à existência daquele que narra”

(QUEIROZ, 1988).

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em função das perguntas específicas dirigidas às entrevistadas. O uso de entrevistas

individuais com roteiro semiestruturado se deu por que, surpreendentemente, a temática do

trabalho – central nesta dissertação – não foi o assunto privilegiado pelas bolivianas. Apesar

de elas dedicarem seu dia à atividade de costura quase que integralmente, esta pouco aparecia

nos relatos espontâneos. Para além dos encontros agendados, foi possível conversar com elas

em momentos informais, sem gravador.

Como afirmou a socióloga Márcia Lima, “o uso da entrevista em histórias de vida

deve ser visto como parte do processo e não como seu único instrumento de construção de

dados” (LIMA, 2016, p.32). Desse modo, em complementaridade às fontes orais, foi realizada

consulta documental dos relatórios de fiscalização de trabalho análogo ao de escravo do

Ministério do Trabalho e Emprego e das matérias investigativas disponíveis no site da

Organização Não Governamental (ONG) Repórter Brasil7. Por fim, durante o período da

pesquisa, observamos os espaços públicos da cidade de São Paulo onde constam a presença

desses imigrantes, a saber: a Praça da Kantuta, localizada no Canindé, Zona Norte de São

Paulo e na Rua Coimbra, no bairro do Brás, no centro. Vale mencionar que a execução desta

pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências

Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH-UFRJ).

Conhecemos Luz, Lourdes e Carmen através de Quilla – nossa mediadora no campo –,

uma boliviana militante e voluntária de diversas iniciativas que envolvem os imigrantes em

São Paulo. Ela mora há seis anos na cidade, faz doutorado em Psicologia e, para se manter,

trabalha como babá. Apesar de suas falas aparecerem nesta dissertação, tanto a trajetória

quanto a inserção desta boliviana no Brasil não foram analisadas. Isto porque Quilla faz parte

de outro contexto econômico-social que a separa das outras cinco narradoras-entrevistadas:

ainda na Bolívia cursou o Ensino Superior, em São Paulo reside em bairro nobre da cidade e

não trabalha com costura.

A maioria das conversas com Luz foi em sua casa, que se resume a um quarto úmido,

com paredes de concreto, sem janelas. Nele, há um sofá de dois lugares, um colchão de casal

no chão, uma televisão, um armário, uma geladeira. A maior parte dos pertences foi dada à

Luz pela proprietária do imóvel, uma brasileira. Os filhos de Luz, uma menina de 13 anos e

um menino de 15, fazem tratamento para asma, por causa da umidade da casa-quarto. No

primeiro encontro com ela, Quilla nos acompanhou. A conversa durou duas horas e dez

minutos e Luz quase não olhava para mim. Seu rosto e olhar apontavam constantemente para

7 Fundada em 2001, a ONG tornou-se uma das mais importantes fontes de informação sobre trabalho análogo ao

de escravo no Brasil.

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baixo. Seu filho passou a entrevista toda dormindo, enquanto sua filha assistia à televisão. A

boliviana emocionava-se quando falava de seus primos, únicos parentes em São Paulo para os

quais havia trabalhado três anos sem receber salário. O segundo encontro teve duração de

duas horas e quarenta minutos, o terceiro, uma hora e cinquenta minutos, ambos aconteceram

em sua casa. A quarta conversa, de quarenta minutos, foi em uma lanchonete na Vila Maria

Alta, bairro onde ela mora, na Zona Norte de São Paulo.

O ponto de encontro com Lourdes foi no terreno de uma Igreja Católica em

Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo, localizada a 30 km de distância da capital.

Caminho realizado por ela de trem e metrô, todos os finais de semana, durante três meses. O

objetivo da jornada era participar do Programa Tecendo Sonhos8, que oferece curso gratuito

de empreendedorismo e gestão de negócios para oficinas de costura. Em um domingo, com

temperatura de 10ºC, Lourdes, que tinha um olhar úmido e distante, me contou sua história

durante uma hora e trinta minutos. Enquanto ela narrava, um grupo de aproximadamente dez

mulheres bolivianas rezava o terço na sala ao lado.

Com Carmen foram três encontros. O primeiro, em sua casa, contou com a presença

de Quilla e outra boliviana. Começou a contar sua história antes de nos apresentarmos e de

pedirmos permissão para gravar. Ela chorou diversas vezes ao relembrar as dificuldades que

passou. A conversa teve duração de duas horas e cinquenta e sete minutos. No segundo

encontro, para a nossa surpresa, seu marido esteve presente. No início, ele apenas ouviu como

quem supervisionava a conversa. A certa altura, passou a participar e contar a própria

experiência. “Homem é duro por fora, mas por dentro é só sofrimento”, confessou,

emocionado. A conversa teve duas horas de duração. O terceiro encontro foi realizado

enquanto caminhávamos durante vinte e cinco minutos nos arredores de Vila Maria Alta.

Carmen nos levou até a casa de Zelaide, no mesmo bairro. Conversamos por duas

horas e quinze minutos, com a participação de Carmen e ao som de música chicha9 e de três

máquinas de costura, pois seu marido e dois primos estavam trabalhando. Ficamos sentadas

no corredor, na parte de fora da casa. Em nossa frente, três pilhas de tecido esperavam que o

casal a costurasse. Zelaide, que caminha com muita dificuldade e dor devido a um problema

8De acordo com o site da instituição Aliança Empreendedora, o programa Tecendo Sonhos é uma iniciativa

“desenvolvida desde 2014 e tem o objetivo de por meio do empreendedorismo promover relações dignas de

trabalho na base da cadeia de moda em São Paulo-SP com imigrante latinos, em sua maioria bolivianos, que

trabalham em condições precárias em oficinas de costura”. Disponível em:

http://aliancaempreendedora.org.br/projeto-tecendo-sonhos-inicia-parceria-com-instituto-ca-e-brazilfoundation-

para-acoes-de-2017/. Acesso em: 27 jul. 2017. 9De acordo com dois interlocutores da Bolívia, a chicha é um gênero musical apreciado por uma classe social

mais baixa, moradora dos bairros periféricos. As letras das músicas tratam principalmente de mulheres e bebidas.

As duas pessoas ao descreverem a chicha a compararam com o funk no Brasil.

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no quadril, se emocionou diversas vezes durante a conversa. Ela falou somente em espanhol e

mencionou que seria bom aprender a língua portuguesa para ser compreendida pelas pessoas,

pois “por este motivo no nos dan mucha importancia10

”.

Por fim, o encontro com Sara se deu por meio de um pesquisador da área11

. O

agendamento da conversa foi realizado pelo telefone. Ela quis saber o que iríamos colocar na

pesquisa, pois “brasileiro pensa assim: que todo mundo que vem pra cá é costureiro. Não é

assim. Na Bolívia, tem médico, tem profissional bom. O que tem pra você trabalhar é só

costura, porque você chega sem falar português”. O registro de sua fala foi feito em uma

lanchonete ao lado da Praça da Kantuta12

, antes de uma reunião da Associação Gastronômica

Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento, responsável pela administração da praça. Há 13

anos no Brasil, ela falou em português durante uma hora e cinquenta minutos. Era a única que

estava maquiada e que tinha os cabelos e as unhas pintadas.

A qualidade da relação estabelecida com cada uma destas mulheres foi distinta e

variou de acordo com alguns fatores, como o número de encontros, o estado civil, a mediação

ou não de Quilla, entre outros. Apesar de a apresentação ter se dado enquanto “pesquisadora

interessada na trajetória de bolivianas que costuram”, ao longo das conversas, as narradoras-

entrevistadas lidaram com esta interação de várias formas. Algumas vezes como terapia,

outras como assistência social. O resultado da mistura destes papeis somado à tentativa de

controle das impressões tanto por parte da pesquisadora, quanto da entrevistada, estará nas

linhas que compõem este texto.

Com o objetivo de adentramos às categorias que nos ajudarão a pensar as

particularidades das bolivianas nas oficinas de costura, partiremos das seguintes premissas

compartilhadas por diversas perspectivas feministas. A primeira é que não existe "mulher"

enquanto uma categoria natural. Trata-se de uma construção histórico-social profundamente

arraigada em nosso modo de ser, pensar e agir que separa de forma binária e desigual homens

e mulheres. Como afirmou Pierre Bourdieu (2002) meninos e meninas são colocados em

oposição através de formas de socialização – realizadas por meio de instituições como

família, escola, Estado e igreja – que moldam predisposições, interesses e aptidões

diferenciadas.

Carmen nos contou que sempre gostou de estudar, mas sua mãe a incentivava a se

ocupar das tarefas domésticas. Isso provocou três anos de atraso na escola. Com seus irmãos,

10

“Por este motivo não nos dão muita importância” (Tradução da autora). 11

Para mais detalhes, ver o perfil das narradoras-entrevistadas no anexo A. 12

Na Praça da Kantuta, ocorre semanalmente aos domingos uma feira com diversas barracas que vendem

produtos e comidas tradicionais da Bolívia.

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o tratamento foi bem diferente, nunca lhes fora negada a possibilidade de frequentar a escola.

Ela tampouco queria ser como sua irmã que, aos 17 anos, já estava casada. Sara, ao relembrar

a época da escola, retomou as divisões feitas entre meninos e meninas. Eles aprendiam a fazer

conserto e manutenção de objetos, enquanto elas se dedicavam ao bordado e à cozinha. A

socióloga francesa Danièle Kergoat apontou que faz parte desta socialização, por exemplo,

que as mulheres acreditem que “suas qualificações e suas competências (destreza, habilidade,

competência em matéria de cuidar...) são fatos da natureza, e não da cultura” (KERGOAT,

2014, p. 15).

Trata-se de um constante processo de naturalização dos papéis sociais nem sempre

perceptível a olho nu, agindo também sobre as estruturas do inconsciente. As amarras do

gênero, entranhadas desde a primeira infância, são difíceis de quebrar, até mesmo para a mais

fervorosa das feministas. No caso das bolivianas entrevistadas, foi possível verificar relações

de gênero internalizadas por elas em falas sobre o marido, como: “você, como homem, tem

que manter a casa”; ou sobre os filhos: “ele parece ser mais mulher que homem, ele é mais

carinhoso, me abraça me beija. Minha filha é mais dura, não faz isso não”; ou sobre si

própria: “solo tengo dos tenis que uso, pero la mujer se ve más bonita con zapato13

”.

Além disso, ao debater a construção social da mulher não basta falarmos delas como

um ente universal. "A" mulher também não existe. Tratar das bolivianas não significa tratar da

mulher em abstrato. É importante localizá-las em seu contexto específico: cultural, econômico

e político, responsável por moldar a posição e o papel social nas relações de produção e

reprodução. Ser mulher no Brasil não é igual a ser mulher na Bolívia e as bolivianas

tampouco constituem um grupo homogêneo na medida em que são atravessadas por um

conjunto de relações sociais tais como classe e raça/etnia14

. Somos “separadas umas das

outras por diferenças econômicas, e culturais que afetam a maneira objetiva e subjetiva de

sentir e vivenciar a dominação masculina” (BOURDIEU, 2002 p.112).

A segunda premissa é a de que as mulheres ocupam lugares sociais subordinados em

relação aos mundos masculinos nas diversas esferas da vida social. Esta subordinação é

histórica. Segundo o levantamento da assistente social Claudia Nogueira, na Antiguidade

ocidental, a mulher não era cidadã, e tanto a mulher livre quanto a escrava executavam tarefas

relacionadas à esfera doméstica. Na Idade Média havia divisões de tarefas entre as próprias

13

“Tenho apenas dois tênis, mas a mulher se vê mais bonita com sapato” (Tradução da autora). 14

A título de exemplo, entre mulheres de origem urbana e rural, por exemplo, verificam-se diferenças

representativas. As últimas falam pouco ou nada de espanhol, apenas quéchua ou aymara, o que gera uma

dificuldade maior com a língua portuguesa, e acabam transitando menos pela cidade, ficando mais fechadas nas

casas ou nas oficinas de costura, aumentando o grau de vulnerabilidade (RIBEIRO, 2015, p. 9).

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mulheres, de acordo com idade e status civil, sendo que as mulheres dos camponeses e servos

realizavam também atividades relacionadas à agricultura. Entre os séculos 15 e 18, já na Idade

Moderna, as mulheres das classes menos abastadas atuavam como vendedoras, amas de leite,

lavadeiras, deixando seus filhos aos cuidados de outras. No início da Revolução Industrial,

surgia o proletariado feminino. Nesse período havia fábricas que recusavam sua mão de obra

e, muitas acabavam trabalhando para famílias burguesas. Já no século 19 se consolidava a

mão de obra assalariada feminina e, devido às condições de trabalho naquele momento, não

havia possibilidades de conciliação de tarefas (NOGUEIRA, 2011, p.19-23). É possível

observar que o capitalismo não criou a inferioridade social da mulher, mas, conforme

veremos, aprofunda as desigualdades entre os sexos.

Segundo Nogueira, ainda hoje, o trabalho doméstico é responsabilidade da mulher,

independente de esta estar inserida na esfera produtiva. Conforme relembrou a socióloga

brasileira Heleieth Saffioti: “Nenhuma sociedade capitalista (e até socialista) conseguiu

satisfazer à demanda por creches, conditio sine qua non para uma eventual equalização de

todas as forças de trabalho” (1997, p.62). De acordo com os dados da Comissão Econômica

para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em todo o continente latinoamericano, o tempo de

trabalho não remunerado das mulheres é superior ao dos homens, o que implica na sobrecarga

de trabalho e em uma dificuldade maior para as mulheres se dedicarem à esfera profissional se

assim desejaram. As mulheres estão em maior proporção nas jornadas curtas ou parciais,

assim como na economia informal15

. Ou seja, em trabalhos que implicam muitas vezes em

salários menores e em poucos direitos trabalhistas. Elas são maioria entre as desempregadas –

e é o desemprego outra variável que denota a precarização social (NOGUEIRA, 2010, p.219).

Dentre as categorias utilizadas para pensar as particularidades do lugar ocupado pelas

mulheres e homens na estrutura social, estão “gênero” e “relação social de sexo”. De acordo

com a socióloga francesa Christine Delphy, em comum, os termos carregam “o fato de

pretenderem descrever não atitudes individuais ou de setores precisos da vida social, mas um

sistema total que impregna e comanda o conjunto das atividades humanas” (DELPHY, 2009,

p. 178). Em nenhum dos dois há definição estrita ou uma forma de apropriação unívoca.

“Gênero” e “relações sociais de sexo” podem ser tomados como opostos, sinônimos e

complementares, a depender do uso que se faz de cada um deles. Nesta pesquisa, apesar de

utilizarmos o termo “gênero” em alguns momentos, julgamos ser mais pertinente a utilização

15

Na Bolívia em 2010, 66% das mulheres realizam trabalhos informais, contra 52,8% dos homens (CEPAL apud

RIBEIRO, 2017).

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de “relação social de sexo” por assegurar a centralidade do trabalho. Tomaremos os dois,

portanto, como sinônimos.

O conceito de gênero surgiu nos Estados Unidos e passou a ser usado diante da

necessidade de enfrentar aqueles que justificavam as diferenças entre homens e mulheres com

base na biologia. Tal argumento, que presumia a rigidez da diferença, impossibilitava

reivindicações de direitos iguais. O propósito das estudiosas feministas (ou seriam feministas

estudiosas?) não passava pela criação de um termo substituto ao “sexo”, mas sim, pela

premissa de que muitos comportamentos atribuídos à mulher não estavam relacionados ao

sexo. Tratava-se de restringir a abrangência do sexo, e não negá-la (NILCHONSON, 2000).

De acordo com antropóloga Adriana Piscitelli, atribui-se a difusão do conceito ao

ensaio da também antropóloga Gayle Rubin O tráfico das mulheres: notas sobre a economia

política dos sexos (1975), que inaugurou o chamado sistema sexo/gênero, segundo o qual o

primeiro partiria da natureza e o segundo, da cultura. Sexo seria, assim, o provedor do lugar

do gênero, a base sobre a qual ele apareceria (PISCITELLI, 2002, p. 10). Se a distinção entre

sexo e gênero era necessária para denunciar a naturalização do social, essa distinção acabou

por promover uma forte separação entre as duas categorias e, por isso, passou a ser

questionada.

A historiadora norte-americana Joan Scott defendeu que a construção do gênero, a

distinção entre o masculino e o feminino, não estava restrita apenas à personalidade e ao

comportamento das pessoas, mas operava nos corpos e os e envolvia. O sexo também estaria

inserido na esfera da cultura, não podendo ser dissociado dela. Essa autora norte-americana

foi a responsável pela popularização do conceito no Brasil nos anos 1990. Sua definição

estava baseada em duas ideias centrais: 1) gênero é construído sobre a base da percepção da

diferença sexual – percepção, porque a própria natureza da diferença sexual é dotada de

sentido social; 2) gênero é uma forma primária de dar sentido às relações de poder (SCOTT,

1995), logo, trata-se de uma categoria política que posiciona homens e mulheres dentro de

relações hierárquicas. Embora a autora não negue a existência de diferenças entre os corpos

sexuados, sua definição suscita uma reflexão profunda acerca dos significados atribuídos aos

corpos.

Saffioti (2005), apesar de dialogar criticamente com as ideias de Scott, teceu também

méritos à autora ao chamar atenção para o gênero enquanto um termo que trata da relação

homem-mulher. Por sua vez, reforçou a necessidade de “considerar sexo e gênero uma

unidade, uma vez que não existe uma sexualidade biológica independente do contexto social

em que é exercida” (SAFFIOTI, 2005, p. 44).

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As práticas sociais de mulheres podem ser diferentes das de homens da

mesma maneira que, biologicamente, elas são diferentes deles. Isso não

significa que os dois tipos de diferenças pertençam à mesma instância. As

categorias de sexo não são apenas diferentes, mas desiguais (SAFFIOTI,

2005, p.49).

Assim como Safiotti, Kergoat apontou a importância dos estudos de gênero ao

reforçarem a crítica à ideologia naturalista, mas ressaltou que algumas correntes acabam por

ocultar a questão do trabalho e da exploração (KERGOAT, 2014, p. 17). É neste momento que

passamos para a segunda categoria que nos servirá de apoio para compreender a experiência

das bolivianas na costura: “relações sociais de sexo”.

Nos anos 1970, as feministas francesas cuja referência teórica era o marxismo

passaram a utilizar a categoria da divisão sexual do trabalho. Tal escolha se deu diante da

percepção da enorme quantidade de tarefas invisíveis realizadas pelas mulheres como parte de

uma atribuição natural em nome do amor ou de qualquer outra questão afetiva. O conceito

visava "abordar o trabalho doméstico como uma atividade de trabalho tanto quanto o trabalho

profissional" (HIRATA; KERGOAT, 2007, p.597). A adoção desta perspectiva abriu novos

campos de estudo na sociologia do trabalho: qualificação, cargos executivos, trabalhos de

cuidados pessoais, produtividade, entre outros. De acordo com Kergoat, a divisão sexual do

trabalho opera a partir de dois princípios organizadores: o da separação – existem trabalhos

de homens e trabalho de mulheres, – e o da hierarquização – trabalho de homem tem maior

valor social e relevância do que trabalho de mulher.

Apesar das modalidades de trabalho variarem conforme o tempo e a sociedade em

questão, a divisão é compreendida como um fenômeno histórico, permanecendo uma

distância insuperável entre homens e mulheres (KERGOAT, 2009, p. 67). Kergoat, no entanto,

constatou a necessidade de ir além da descrição das desigualdades e caminhar em direção às

razões, ao modus operandi desta divisão. As pesquisadoras deveriam ir para "segundo nível

de análise" a partir da relação social de sexo: “é, sobretudo a análise em termos de divisão

sexual do trabalho que permite demonstrar que existe uma relação social específica entre os

grupos de sexo” (1996, p.20).

O termo “relação” vem da tradução do francês rapport, palavra que carrega um

sentido de reciprocidade e antagonismo entre grupos sociais. Kergoat afirmou que a “relação

social de sexo” é uma categoria que envolve poder, é passível de ser apreendida

historicamente, tem caráter dinâmico e possui base ideológica e material (1986, p. 82). Do

ponto de vista dos empregadores, a presença de mulheres na esfera produtiva representa um

contingente maior da força de trabalho passível de exploração. E, na esfera reprodutiva, o

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trabalho realizado por elas também contribui para a valorização do capital, visto que a

inserção feminina no mercado de trabalho não foi acompanhada pela participação masculina

no trabalho doméstico e de cuidado. A assistente social Mirla Cisne, explicou que a ausência

deste trabalho não remunerado acarretaria em gasto para os empregadores ou para o próprio

Estado, devido à necessidade de investimento em lavanderias, restaurantes, escolas em tempo

integral ou no aumento do salário mínimo para que trabalhadores pudessem pagar por tais

serviços (CISNE, 2014).

Nesse sentido, é fundamental para as pensadoras francesas que a divisão entre os sexos

na esfera assalariada e doméstica seja analisada de forma conjunta, posto que há uma

indissociabilidade entre produção e reprodução da vida social. Como colocou Nogueira: “a

divisão sexual do trabalho está no âmago das relações de poder presentes tanto na opressão

que o sexo masculino exerce sobre o feminino, quanto na exploração que o capital exerce

sobre a força de trabalho” (NOGUEIRA, 2011b, p. 188). Por fim, mas não menos importante

para nossa análise, Kergoat ressaltou que não basta pensarmos apenas em termos de relações

sociais de sexo. Uma vez que homens e mulheres fazem parte de diversas redes de relações

sociais, “é o conjunto dessas relações que vai constituir a identidade individual e dar o

nascimento as práticas sociais” (1996, p. 22).

Sendo assim, “toda relação social é sexuada, enquanto que as relações sociais de sexo

são perpassadas por outras relações sociais” (KERGOAT, 1996, p.23). A exemplo desta

dissertação, não podemos esquecer que as bolivianas não são apenas mulheres, são

trabalhadoras, imigrantes e possuem ascendência indígena. Apesar de o recorte da pesquisa

ser a imigrante que trabalha nas oficinas de costura, outra possibilidade de inserção das

bolivianas em São Paulo seria por meio do trabalho reprodutivo pago. Isto é, o trabalho

doméstico assalariado – cuidado com a casa, alimentação, filhos etc. A entrada da imigrante

possibilita a “liberação” da mulher com maior poder aquisitivo para o trabalho fora de casa.

Ao mesmo tempo, sair do país deixando os filhos só é possível graças ao suporte de outras

mulheres no local de origem, como avós, irmãs, ou tias.

Há nisto uma diferença na delegação das tarefas domésticas entre a mulher imigrante e

a mulher que paga para uma imigrante trabalhar. A primeira se afasta de seus familiares por

tempo indeterminado e mantém a função de enviar dinheiro ao país de origem, enquanto a

segunda, apesar de se abster do cuidado dos filhos, por exemplo, continua vivendo sob o

mesmo teto que eles. De acordo com a filósofa Helena Hirata e a já citada Kergoat, essa

situação refere-se a novas configurações da divisão sexual do trabalho a partir de uma

conjuntura que provocou o aumento tanto do número de mulheres em profissões executivas

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quanto de mulheres em situações precárias de trabalho. Mulheres "do norte global" trabalham

cada vez mais e externalizam as tarefas domésticas para mulheres em situação precária, entre

elas as imigrantes (2007, p. 601). Para Hirata, esse fenômeno, diretamente ligado às

migrações internacionais, tem levado a uma reconfiguração das relações sociais de sexo nos

países receptores. Os efeitos dessa nova configuração é um apaziguamento entre casais

burgueses e acentuação das clivagens de classe e raça entre as mulheres (HIRATA, 2016,

p.11).

Feitas as observações acima, o trecho da filósofa e feminista norte-americana Angela

Davis nos servirá de inspiração para pensar o lugar da mulher no universo do trabalho na

costura:

Assim como as mulheres negras dificilmente eram 'mulheres' no sentido

corrente do termo, o sistema escravista desencorajava a supremacia

masculina dos homens negros (...). Além disso, uma vez que as mulheres

negras, enquanto trabalhadoras, não podiam ser tratadas como o 'sexo

frágil' ou 'donas de casa', os homens negros não podiam aspirar à função de

'chefes de família', muito menos a de provedores da família. Afinal, homens,

mulheres e crianças eram igualmente 'provedores' para classe proprietária de

mão de obra escrava (DAVIS, 2016, p. 20, grifo da autora).

Davis discorreu acerca do período da escravidão legalizada nos Estados Unidos. Com

as devidas ressalvas em relação aos diferentes contextos históricos, o excerto suscita um

paralelo: assim como a autora escreveu sobre os povos negros escravizados, as mulheres

bolivianas, enquanto trabalhadoras, não podem ser tratadas como o sexo frágil ou donas de

casa, tampouco os homens bolivianos podem aspirar à função de chefes de família, muito

menos a de provedores da família. Ambos estão submetidos a condições “duras” (usamos aqui

as palavras de Sara) de trabalho para sobreviver na economia de livre mercado capitalista.

Contudo, diferentemente desta situação relatada por Davis, no cotidiano das oficinas de

costura, as relações sociais de sexo permanecem desiguais.

A presente dissertação tem como eixo orientador o processo de trabalho de mulheres

imigrantes. Para escrevê-la apoiei-me em diversos pesquisadores e pesquisadoras que, no

presente momento, refletem sobre a presença boliviana na cidade de São Paulo. O caminho a

ser percorrido será o seguinte:

No capítulo 1, discutiremos a categoria “trabalho análogo ao de escravo” a partir de

uma perspectiva histórica. Dentre os autores que refletem sobre categoria, dialogaremos com

os antropólogos Neide Esterci e Ricardo Rezende Figueira. Para tratar do trabalho análogo ao

de escravo na indústria têxtil, relacionando-o com as relações de trabalho vigentes no modo

de produção capitalista, o sociólogo Ricardo Antunes será nosso interlocutor, além de outros

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autores que possuem como referência teórica o pensamento de Karl Marx. Também

utilizaremos a abordagem das Redes Globais de Produção (RGPs), uma ferramenta para

discutir a inserção das bolivianas nas oficinas de costura em São Paulo a partir de uma

economia globalizada.

No capítulo 2, o objetivo será trazer as questões teóricas discutidas no capítulo anterior

para o cotidiano das trabalhadoras, a partir dos elementos encontrados na pesquisa empírica.

Para tal, analisaremos as condições de saída e a desigualdade de gênero presente na trajetória

das narradoras-entrevistadas, além da divisão sexual do trabalho existente nas oficinas.

Dialogaremos com diversas autoras atentas aos efeitos da “condição de mulher” na migração

e no trabalho. Destacamos Danièle Kergoat e Helena Hirata, que nos instigarão a questionar o

lugar da mulher no mundo do trabalho, e o sociólogo Abdelmalek Sayad, que nos ajudará a

refletir, de maneira mais geral, sobre a questão migratória.

No capítulo 3, ainda debruçados sobre a pesquisa de campo, apresentaremos o que as

bolivianas pensam sobre a categoria de trabalho análogo ao de escravo aplicada à sua

atividade laboral diária e verificaremos as possibilidades de “agência individual”.

Apresentaremos também questões que perpassaram as narrativas das cinco mulheres, como a

violência, dedicação aos filhos e as perspectivas do futuro, com ênfase na dimensão da

resistência. Para tal, recorreremos, principalmente, à filósofa Siobhán McGrath e ao sociólogo

Bruno Miranda16

.

Finalmente, antes de iniciarmos nossa análise, cabe problematizar o que Sayad

chamou de posição de intérprete da realidade do “ser migrante”. Segundo o autor, a

associação do imigrante a um problema social é, em si, um discurso imposto. Trata-se de uma

percepção social, ligada à sociedade receptora, específica do objeto de pesquisa. Qual o

estatuto do estudo do imigrante para a ciência? Estando a imigração inscrita na relação entre

dominante-dominado, não se pode escrever inocentemente sobre este assunto visto que quem

escreve possui também uma visão de mundo social e nacional (1998, p. 21). Essa indagação

nos acompanhou desde o primeiro dia de pesquisa de campo, na interpelação da facilitadora –

também imigrante – em uma roda de conversa de mulheres bolivianas17

: “Você precisa saber

por que são elas o grupo a ser interpretado. O que essa interpretação vai significar?”. Ao final

da dissertação retornaremos a essas questões.

16

O sociólogo realizou um profundo trabalho de campo em razão de sua tese de doutoramento. Miranda

empreendeu uma etnografia em duas oficinas de costura e fez o trajeto de ônibus percorrido pelos migrantes

bolivianos até São Paulo diversas vezes. Suas reflexões serão importantes para esta pesquisa. 17 O projeto “Gênero e Migração em Rodas de Conversa” conduzido pelo Centro de Apoio e Pastoral ao

Migrante (CAMI) foi o ponto de partida para estabelecer contato com as trabalhadoras bolivianas. Agradecemos

ao CAMI pela abertura.

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Capítulo 1. Trabalho análogo ao de escravo

Neste capítulo, a fim de contextualizar nosso campo de estudo, apresentaremos as

relações de trabalho vigentes na sociedade capitalista, que não excluem a utilização de mão de

obra considerada análoga à de escravo. No primeiro item, explicitaremos o significado da

categoria a partir de sua construção e do desenvolvimento das políticas públicas brasileiras,

referenciadas internacionalmente. No tópico seguinte, traremos um panorama da indústria

têxtil e posteriormente apontaremos os casos de trabalho análogo ao de escravo que envolveu

migrantes na costura, base da cadeia deste setor. Por fim, realizaremos um percurso por

pesquisas que tenham abordado a questão da presença da mulher entre os trabalhadores

resgatados.

1.1 Que modalidade de trabalho é essa?

O trabalho é considerado uma atividade exclusiva da espécie humana, coletiva e

social. Sua finalidade é transformar a matéria bruta em coisas úteis tendo como premissa uma

intenção prévia para que se concretize. Por exemplo, nos primórdios o homem produzia

ferramentas, como facas e lanças (intenção prévia) com objetivo de obter a caça (coisa útil).

Com a complexificação da sociedade, amplia-se a inter-relação com a natureza e com os

outros seres sociais, por meio da cooperação (LUKÁCS, s/d apud NOGUEIRA, 2011, p. 123).

Neste processo, além do alargamento do horizonte de possibilidades transformação da

natureza, do uso de tecnologias e da criação de novas necessidades, “os seres humanos (...)

produzem suas próprias relações sociais” (IASI, 2010, p. 65).

Trata-se de um fenômeno central para a organização das relações sociais, que têm sua

natureza marcada pela contradição residida na dicotomia exploração-libertação. Como

afirmou o sociólogo Ricardo Antunes, “há uma dialética profunda do trabalho: o trabalho é

criação e perda; é emancipação, é ato poético, mas trabalho também é tripalium, é sofrimento,

e estas duas dimensões caminham com o trabalho ao longo da história da humanidade”

(ANTUNES, 2015 apud NOGUEIRA, 2015, p. 781). A qualidade assumida por esta atividade

em cada sociedade dependerá do modo de produção vigente.

O modo de produção fundado no continente latino americano, depois da chegada dos

europeus, foi escravista. Fomos colonizados sob a “égide do trabalho”, servindo de colônia de

exploração. No Brasil, o trabalho escravo indígena e o trabalho escravo africano precederam o

surgimento da mão de obra assalariada. Até aquele momento, a escravidão fora necessária na

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27

divisão internacional do trabalho para a acumulação primitiva18

dos países centrais e para o

enriquecimento das oligarquias locais (ANTUNES, 2009).

A exploração do trabalho assalariado, fundante do modo de produção capitalista,

tornou-se hegemônica e, embora tenha seu surgimento localizado no Ocidente, passou a

operar em escala global. Na metade do século 19, a classe trabalhadora latinoamericana

desenvolve-se, em grande parte para atender a demanda europeia por mercado consumidor.

De modo geral, a atividade laboral tornou-se meio de acumulação de capital, no qual os seres

humanos não passam de um elemento da produção, cuja finalidade é o “valor de troca”, e não

o “valor de uso” 19

. No século 21, sob a vigência do sistema capitalista, o chamado trabalho

análogo ao de escravo tem como objetivo geral a redução dos custos da produção, por meio da

superexploração dos trabalhadores e trabalhadoras.

Na relação capital/trabalho, os trabalhadores sempre desejarão aumentos salariais,

enquanto seus empregadores tentarão ao máximo a redução do montante pago a eles. Trata-se,

em última instância, de interesses antagônicos. Entretanto, conforme afirmou o sociólogo José

Ricardo Ramalho, ao mencionar o britânico Craige Littler, “paralelamente à resistência à

subordinação e à exploração, os trabalhadores têm interesse na manutenção das relações

econômicas existentes e na viabilidade das unidades de capital que os emprega” (LITTLER,

1990 apud RAMALHO,1991, p. 32). Veremos no capítulo 3, que a relação capital/trabalho é

complexa e que nem sempre se dá por meio de conflito. Muitas vezes, envolve ajustes de

interesses.

O atributo mais antigo da escravidão, que permanece até hoje, se refere ao tratamento

do ser humano como coisa, à instrumentalização do outro. Aqueles que fazem uso da

categoria para explicar um fenômeno do presente defendem não ser necessário suprimir a

liberdade do sujeito, visto que a retirada da dignidade também “coisifica” o ser humano. De

acordo com Sakamoto, a condição análoga à de escravo faz referência a “determinados

direitos que quando tolhidos (...) transformam essas pessoas em meros objetos descartáveis de

18

Processo histórico que se deu no final do século 15 até meados do 18, conhecido como “pré-história do modo

de produção capitalista e do surgimento da relação capital/ trabalho”. Tal processo separa o trabalhador da

propriedade dos meios de produção e possibilita o acúmulo de capital mercantil paralelamente à investida nas

Américas, Índia Orientais e África (NETTO; BRAZ, 2012, p. 98-101). De acordo com a socióloga Maria

Aparecida de Moraes Silva, a intelectual marxista Rosa Luxemburgo acreditava que esse processo de

acumulação primitiva não estava restrito ao início do capitalismo, mas se estende a outras fases de acumulação

do capital (2005, p.57). 19

Conceitos elaborados por Karl Marx. Ambos fazem parte da dupla dimensão do trabalho: o “trabalho

concreto”, responsável produção do valor de uso: de coisas socialmente úteis, condição necessária para a

existência de qualquer sociedade; e o “trabalho abstrato”, responsável produção do valor de troca. Consiste na

homogeneização de todas as formas de trabalho que possibilita a troca mercantil em larga escala. É determinado

pelo dispêndio de energia física e mental (NETTO; BRAZ, 2012, p. 124).

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trabalho” (SÃO PAULO, 2014, p. 13).

As nomenclaturas utilizadas para tratar desta modalidade de trabalho são diversas:

“trabalho análogo ao de escravo”, “trabalho escravo contemporâneo”, “semiescravidão”,

“trabalho escravo”, “nova escravidão”, entre outras. Para a historiadora Ângela de Castro

Gomes, apesar da inevitável conexão com o período em que a escravização dos povos

africanos era institucionalizada, quando os trabalhadores eram mercadorias passíveis de

compra e venda no mercado, ou mesmo com a escravidão do chamado Mundo Antigo, a

reutilização do termo envolve uma “forma de apropriação e releitura do passado, via

vocabulário, preenchido de outros significados e se transformando em um novo conceito”

(GOMES, 2008, p.19).

Apesar da validade deste argumento, nesta dissertação, optamos pelo uso do termo

jurídico “condição de trabalho análogo à de escravo”, conforme previsto no artigo 149 do

CPB. Concordando com o economista Vitor Filgueiras (2015), essa nomenclatura nos parece

mais adequada a fim de: 1) evitar que o fenômeno atual seja tratado como sinônimo do

passado, sem consideração às particularidades de cada período histórico; 2) não alimentar o

imaginário colonial de pessoas escravizadas acorrentadas e chicoteadas – que de fato ocorreu

– e 3) não fornecer argumentos para aqueles que afirmam que trabalho degradante não é

escravo.

À primeira vista, a existência de relações contratuais escravagistas no sistema

capitalista pode parecer um contrassenso, seja para a economia ortodoxa do livre mercado ou

para a teoria marxista. Contudo, a empiria nos mostra que a pretensa liberdade dos indivíduos

que vendem sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção não impede a

existência de tais práticas. Na ausência de regulação da relação capital/trabalho, a busca pelo

lucro traz a potencialidade de existência do trabalho análogo ao de escravo,

independentemente de sua proibição legal (FILGUEIRAS, 2015, p. 135).

Conforme afirmou o sociólogo José de Souza Martins:

O modelo econômico que resulta da chamada globalização tem levado, em

muitos países à intensificação da exploração do trabalho e à anulação de

conquistas trabalhistas da maior importância (...) nessa nova realidade

econômica que a superexploração tende, em circunstâncias específicas, a se

tornar trabalho escravo (MARTINS, 1999, p.131, grifo do autor).

Este autor escreveu sobre o tema quando o debate teórico era ainda incipiente. A

prática se dava no contexto da ocupação da região Norte do país, iniciada na Era Vargas

(1930-1945) e ampliada durante a Ditadura Militar (1964-1985). Entre os anos 1960 e 1970,

a iniciativa privada foi estimulada, por meio de incentivos fiscais, a instalar seus negócios

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agropecuários nas fronteiras amazônicas. Isso provocou um fluxo migratório de trabalhadores

para a região, principalmente para abertura das fazendas, o que exigia grande quantidade de

mão de obra para derrubada da mata e plantio do capim (FIGUEIRA, 2011, p. 6). De acordo

com Martins, o uso dessa mão de obra – majoritariamente composta por homens – para a

produção de fazendas se deu a partir da “variação extrema do trabalho assalariado”. Nesse

contexto, esta modalidade de trabalho representaria uma forma de acumulação primitiva

necessária para a acumulação capitalista (1994, p. 12).

Segundo a antropóloga Neide Esterci, a maior dificuldade de acesso ao local e a

censura vigentes no período da ditadura contribuíram para que as condições de trabalho

impostas – caracterizadas por intensa violência no campo, dívidas ilegais e alto índice de

assassinato – ficassem invisíveis aos olhos de grande parte da sociedade. Naquele período, a

Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras organizações sociais atuantes ao lado dos

trabalhadores, concluíram que a mão de obra empregada na região era escrava. O uso do

termo passou a ser

Reivindicado inicialmente por organizações de direitos humanos e, aos

poucos, foi ganhando espaço nas convenções internacionais, legislações e

imprensa. Por abarcar formas diversas de exploração e desigualdade entre as

pessoas, a categoria tornou-se detentora de um poder simbólico e de

denúncia (ESTERCI, 1994, p.44).

A autora também colocou que “a escravidão passou a denunciar a desigualdade no limite da

desumanização, espécie de metáfora do inaceitável, expressão de sentimento de indignação”

(ESTERCI, 1994, p. 31). Fazer uso desta nomenclatura representava estender o debate, antes

restrito ao campo do direito trabalhista, para o direito penal e para a questão dos direitos

humanos. Além disso, estabelecia um apelo moral, afinal, ninguém gostaria de ser apontado

como escravocrata.

A partir dos anos 1970, notícias sobre escravidão por dívida na Amazônia começaram

a circular na imprensa nacional e internacional (MOURA, 2016). Dentre as denúncias de

existência de trabalho escravo, está a carta pastoral Uma Igreja da Amazônia em conflito com

o latifúndio e a marginalização social escrita pelo bispo Pedro Casaldáliga em 1971, ainda no

período da Ditadura Militar. A carta é considerada um dos primeiros documentos oficiais de

ampla repercussão midiática20

. Nela, o líder católico expôs as condições nas quais peões e

índios eram submetidos. A maior parte do “elemento humano” presente na região era

20

Antes desta denúncia, a categoria “trabalho escravo” já havia aparecido na literatura, como em À margem da

história (1908), de Euclides da Cunha. Na obra, o autor descreveu a situação dos trabalhadores que migraram

para Amazônica com o ciclo da borracha (FIGUEIRA, 2011, p. 108).

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composta por trabalhadores braçais, migrantes, contratados para trabalhar nas fazendas e

recrutados através de falsas promessas de salários, transporte e assistência médica gratuita.

Apesar de os movimentos sociais fazerem uso da categoria, demorou mais tempo para

que o termo passasse a ser incorporado no discurso institucional do país. De acordo com

Figueira (2011, p. 46), através do extinto Ministério da Reforma e do Desenvolvimento

Agrário (MIRAD), em meados dos anos 1980, o Estado brasileiro já teria recorrido em seus

relatórios à categoria “escravidão”, dando legitimidade ao termo. Em 1992, continuou o autor,

Celso Amorim – então embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU) –,

diante de denúncias de “trabalho forçado” por parte da CPT e da Ordem dos Advogados do

Brasil (OAB), confirmou a existência do problema em sessão da ONU na Suíça.

Finalmente, em 1995, o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso

reconheceu formalmente a existência do trabalho escravo no Brasil. Na época, o fato de a

maior autoridade política do país ter se pronunciado a respeito do tema representou o ponto de

partida para a criação de políticas públicas para a prevenção e o combate da prática. A

primeira delas foi o estabelecimento do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado21

(GERTRAF). Neste mesmo ano, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), ligado ao

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foi criado. Este grupo tornou-se um dos principais

instrumentos de repressão ao trabalho análogo ao de escravo, e ficou responsável pela

fiscalização das denúncias em todo território nacional e pelo resgate dos trabalhadores,

sempre que houvesse flagrante do crime.

“O resgate tem um rito próprio, expresso na presença de autoridades federais e em seu

discurso que confirma ser crime as relações sociais e de trabalho (...) e que o crime tem nome,

enfatizam, trabalho escravo” (FIGUEIRA, apud MOURA, 2016, p. 13). A atuação conjunta de

diferentes profissionais – auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais

federais – a partir da investigação dos casos centralizados em Brasília, pela Divisão de

Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), aumentou a eficácia da ação

com cada agente público realizando encaminhamentos específicos para a questão.

Em 2003, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE),

foi concebida e elaborou o primeiro Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo –

atualmente em sua segunda versão, realizada em 2008. Essa é a principal instância que discute

o tema e que é responsável pela articulação de ações em esfera nacional. Neste mesmo ano, o

artigo 149 do CPB foi reformado. Com isso, o enfrentamento do trabalho análogo ao de

21

Conforme afirmou Ricardo Figueira em diálogo informal, é curioso notar que o trabalho tenha sido adjetivado

como “forçado”, nomenclatura utilizada pela OIT, e não como “escravo”.

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escravo no que se refere à atuação das autoridades, bem como às pesquisas acadêmicas e às

reflexões teóricas sobre o tema, foram alteradas ou, ao menos, repensadas.

Embora presente no CPB desde 1940, a redação do artigo 149 naquele momento

(“Reduzir alguém à condição análoga à de escravo”) pouco servia como instrumento de

reivindicação, por não explicitar o significado da condição análoga à de escravo. Após a

mudança da redação do artigo, este ganhou contornos mais precisos e passou a tipificar o

crime quando da presença de pelo menos um dos elementos a seguir: “trabalho forçado”,

“servidão por dívida”, “jornada exaustiva” e “condições degradantes”.

O trabalho forçado é caracterizado quando a pessoa é mantida obrigatoriamente no

local de trabalho. O cerceamento da liberdade do indivíduo pode acontecer por meio de

coação moral, psicológica ou física. “A coação é moral quando o trabalhador é induzido a

acreditar ser um dever a permanência no trabalho; é psicológica quando a coação decorre de

ameaças; e física, quando é consequência de violência física” (BRASIL, 2011a, p. 11). A

vigilância ostensiva e o isolamento geográfico são também elementos do trabalho forçado. A

servidão por dívida é definida pela situação em que o trabalhador contrai dívidas a partir de

cobranças indevidas e não consegue quitá-las. Este tipo de servidão é comum quando o

empregador “limita a disposição e o uso do salário” através da cobrança pela viagem dos

trabalhadores (que na maioria das vezes é migrante), pelo uso de equipamento de proteção

individual ou quando da limitação do acesso do trabalhador a apenas um local de compras,

cujos produtos são superfaturados. Tal sistema de endividamento é conhecido como barracão

ou truck sistem.

Outro elemento tipificador do crime é a jornada exaustiva. Refere-se à submissão das

pessoas a um ritmo de trabalho intenso, ou a um esforço excessivo, sem pausa ou descanso

semanal. A prática impede a recuperação da energia e coloca em risco a saúde física ou

psíquica dos trabalhadores. Não está restrita apenas ao número de horas trabalhadas, mas

também à sobrecarga de atividades. Exemplos de jornada exaustiva podem ser vistos

principalmente em trabalhos cuja remuneração depende de maior produção diária, como é o

caso do pagamento por peça nas oficinas de costura. Por fim, a condição degradante é

definida quando há violação de um conjunto dos seguintes direitos dos trabalhadores:

precariedade da higiene, segurança, saúde, moradia, alimentação, saneamento, falta de

fornecimento gratuito de equipamento de proteção individual, insalubridade, entre outros.

O trabalho degradante “é a conduta típica mais verificada na configuração da redução

de trabalhadores à condição análoga à de escravo” (BRASIL, 2011b, p. 12). De forma geral,

as duas últimas hipóteses de trabalho análogo ao de escravo constituíram a “novidade” da

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reforma do artigo, uma vez que a coerção individual deixou de ser necessária para a

configuração do crime. Enquanto nos anos 1970 o núcleo central desta relação de trabalho

estava na coerção física e moral, em 2017 tais elementos podem aparecer, mas não são

predominantes.

Vale ressaltar que o artigo 149, base legal para a realização dos resgates, é mais

abrangente do que o significado de “trabalho forçado” estabelecido pelas convenções nº 29 e

105 da OIT, que possuem ratificação quase universal. De acordo com esta agência,

subordinada à ONU, o trabalho forçado é aquele exigido sob a ameaça de sanção, sem que a

pessoa tenha se oferecido voluntariamente. A exploração pode partir do Estado, de agentes

privados ou de pessoas físicas e compreende um vasto leque de práticas coercitivas22

. Apesar

da diferença conceitual, a OIT reconhece e apoia a categoria utilizada no Brasil, considerada

uma das mais avançadas do mundo.

De acordo com McGraph, a legislação brasileira carrega o mérito de trazer uma

abordagem multidimensional para a definição de trabalho escravo, como forma de sair da

dicotomia entre trabalho livre e não livre. O artigo 149 vai ao encontro da ideia de “espectro

de exploração” 23, que permite a análise das relações trabalhistas a partir de dois polos

opostos: trabalho decente e trabalho forçado, estando a negação sistemática de direitos

localizada no espaço entre ambos. Segundo a autora, a utilização de critérios rígidos para

diferenciar o trabalho livre do não livre pode contribuir para naturalizar situações de “menos”

abuso e exploração (2013b, p.1009). Assim, percebe-se que não se trata de níveis

hierárquicos, mas de tipos diferentes de degradância e de restrição de liberdade

experimentados pelos trabalhadores e trabalhadoras. Desta forma, o trabalho análogo ao de

escravo não é considerado como uma categoria descolada das demais relações de trabalho

vigentes no sistema capitalista. E, apesar do recorte desta pesquisa ser as condições de

trabalho análogas à de escravo, não pretendemos negligenciar as tantas outras formas de

trabalho precarizadas24

, nem sempre enquadradas no artigo 149.

Por ser uma prática ilegal, não há estimativas seguras acerca da quantidade de pessoas

diariamente submetidas a tais condições. A mensuração do número de pessoas escravizadas é

22

Informação disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS_393058/lang--

pt/index.htm>. Acesso em 20 jul. 2017. 23

Destacamos alguns autores da Geografia do Trabalho tais como Ben Rogaly, professor da Universidade de

Sussex, na Inglaterra, Krenda Strauss, professora da Simon Fraser University, no Canadá e Siobhán McGrath,

professora da Durham University, na Inglaterra. 24

Um exemplo disso é o trabalho das teleoperadoras nas empresas de call center, um segmento composto

majoritariamente pela força de trabalho feminina em que a rotina de trabalho afeta a saúde física e mental das

trabalhadoras. Entre os fatores de adoecimento estão a ausência de pausa, insalubridade do ambiente de trabalho,

metas excessivas de produtividade, movimentos repetitivos, entre outros (NOGUEIRA, 2011, p. 40).

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complexa e varia em função da metodologia utilizada. O que se sabe é o número de

trabalhadores resgatados: 50.701 entre 1995 e março de 2017, segundo dados divulgados pela

Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), órgão subordinado ao MTE. Em 2013, pela

primeira vez o número de trabalhadores liberados pela fiscalização foi maior no meio urbano

do que no meio rural. Os setores da construção civil e, em menor quantidade, o da confecção,

foram os que mais contribuíram para esse aumento. Filgueiras chamou atenção para o fato de

que naquele ano tramitavam ações penais decorrentes de trabalhos análogos aos de escravo

em 25 Estados da federação brasileira nos mais diversos setores da economia (2015, p. 140).

Em 2016, de acordo com dados da CPT, as seguintes atividades contaram com a

presença de trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravo: pecuária; avicultura;

produção de cacau, café, cana-de-açúcar, soja, mandioca; benfeitorias; extração de madeira,

juquira (vegetação que cresce espontaneamente no campo), eucalipto; desmatamento;

extrativismo; montaria e roçagem. Juntas, resultaram no resgate de 544 pessoas. Somam-se a

estes os resgates realizados na área urbana, onde foram registrados 205 trabalhadores (CPT,

2016, p.141).

Não obstante, passados 14 anos desde a reforma do artigo 149, a disputa em torno do

que deve ou não ser considerado trabalho análogo ao de escravo permanece viva. Para além

da discussão histórico-filosófica ou jurídica que impulsiona o debate classificatório e que

resulta na “dança dos nomes”,25

existem motivações políticas e econômicas em jogo. O

conflito de interesses em torno dessa classificação reflete na formulação de políticas públicas,

frequentemente questionada por lideranças ruralistas e empresariais – que pretendem evitar

que seus métodos sejam enquadrados nessa categoria –, e, por outro lado, reforçada pelos

agentes políticos e organizações sociais preocupados em combater essa prática, tendo em vista

questões de direitos humanos.

Não temos intenção de reduzir o debate a maniqueísmos, uma vez que não há

consenso nem mesmo entre aqueles que “ocupam posições estruturais semelhantes”

(ESTERCI, 1994, p. 11) ou moralizar a questão. Como pontuaram os assistentes sociais José

Paulo Netto e Marcelo Braz, não se trata de julgar aquele que visa incessantemente ao lucro,

uma vez que não buscamos qualificar características pessoais de indivíduos, como egoísmo ou

maldade. Trata-se de explicitar funções sociais desempenhadas pelos sujeitos sociais (2012, p.

110). Afirmamos aqui que reduzir trabalhadores a condições análogas às de escravo,

suprimindo direitos básicos para cortar gastos, é um negócio lucrativo.

25

Expressão utilizada por Neide Esterci (1994) ao referir-se às variações de termos utilizados para classificar o

fenômeno.

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De acordo com relatório divulgado pela OIT (2014), o trabalho forçado na economia

privada gera lucros anuais ilegais de 150 bilhões de dólares. Deste valor, 34 bilhões referem-

se à exploração com fins econômicos na construção civil, indústria, mineração e serviços.

Importante destacar também que o relatório apontou como fatores de risco e vulnerabilidade o

gênero e as migrações. Desse modo, tratar do trabalho análogo ao de escravo, bem como de

seu enfrentamento, significa resistir frente ao “vale tudo” das leis do mercado. O conceito se

refere à “imposição de limite ao assalariamento, especificamente, à relação de emprego”

(FILGUEIRAS, 2015, p.134). Limite que será cada vez mais necessário em um período de

desmonte de direitos dos trabalhadores em voga na política interna do Brasil.

1.2 Trabalho no século XXI e a indústria têxtil

Desde 2012, a boliviana Carmen, 32 anos, reside em São Paulo com seu marido e seus

dois filhos. Ela relatou que apesar de passar o dia costurando peças de vestuário, tem

vergonha de sair na rua por não ter dinheiro para comprar suas próprias roupas e se arrumar.

Este exemplo é ilustrativo de uma sociedade produtora de mercadorias cuja centralidade está

no trabalho abstrato, produtor do valor de troca. Carmen não possui o que produz e,

tampouco, pode utilizar seu tempo para costurar para si.

Contudo, apenas o acesso ao trabalho permite a satisfação de suas necessidades. Aí

está criado o paradoxo segundo o qual algum trabalho é “melhor” do que nenhum trabalho.

No caso estudado nesta dissertação, a atividade disponível para as migrantes no Brasil é

“preferível” à ausência desta na Bolívia. “No pasa nada, trabajo es trabajo” 26

foi a forma

com a qual a boliviana Luz encontrou para consolar seu primo quando este foi à falência e

passou ao posto de “encarregado”, responsável por recrutar trabalhadores para a oficina.

Assim como Carmen, Luz, 35 anos, chegou em São Paulo em 2012 com seus dois filhos, e,

desde então, trabalha em oficinas. Em sua fala, o sentido atribuído ao trabalho, restrito a um

mero meio de vida, dialoga com o seguinte excerto de Marx:

A vida para ele [trabalhador], começa quando termina essa atividade, à mesa,

no bar, na cama. Às 12 horas de trabalho não têm, de modo algum, para ele o

sentido de tecer, de fiar, de perfurar etc., mas representam unicamente o

meio de ganhar o dinheiro que lhe permitirá sentar-se à mesa, ir ao bar,

deitar-se na cama (MARX, 2010, p. 36).

Desde seu advento, o capitalismo passa por episódios de crise, “interrupção do

processo de acumulação” (NETTO; BRAZ, 2012, p. 171). Para manter-se enquanto

26

“Não tem problema, trabalho é trabalho” (Tradução da autora).

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organização econômica vigente, ao fim de cada crise, novos formatos produtivos ou padrões

de acumulação devem ser instaurados. Foi este o caso da crise do taylorismo/fordismo27

nos

países centrais, nos anos 1970, que causou uma conjuntura de recessão econômica ao capital,

e, como consequência, tornou imperativa (sob o ponto de vista do capital) a reestruturação

produtiva. Nos países do sul, este fenômeno foi desencadeado em meados dos anos 1980.

De acordo com o termo cunhado pelo geógrafo britânico David Harvey, vivemos sob a

era da acumulação flexível, que pode ser compreendida pela “flexibilidade dos processos de

trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo (...) caracterizada

com taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”

(HARVEY, 1993 apud NETTO; BRAZ, 2012, p. 227).

Esse modo de acumulação assumiu expressão política e ideológica no neoliberalismo,

conjunto de ideias e práticas que estruturam a sociedade e ditam seu funcionamento por meio

de políticas circunscritas a regras institucionais opostas a um Estado intervencionista e de

bem-estar social. Este modelo trouxe consigo elementos como a valorização do indivíduo,

desorganização de ações coletivas, desregulamentação de acordos laborais, concentração de

recursos no topo da pirâmide, fluxo livre de capitais, além da intrínseca tendência à

privatização.

No plano econômico social, a acumulação flexível operou através da reestruturação

produtiva. De acordo com o sociólogo Marco Aurélio Santana e Ramalho, esta reestruturação

aumentou os índices de produtividades, alterou o relacionamento entre empresas e as formas

de organização da produção, “interferindo nas relações de trabalho e no processo de

negociação com as instituições de defesa dos trabalhadores” (2004, p. 8). Segundo Antunes,

tal fenômeno suscitou:

1) desproletarização28 do trabalho fabril: com a redução do número de trabalhadores;

2) subproletarização: com jornada de trabalho parcial, precarização, terceirização,

subcontratação e consequente aumento da economia informal como alternativa ao

desemprego;

3) flexibilização: que afeta não apenas a organização da produção, mas diversas outras

instâncias como o estabelecimento de acordos coletivos, alargando a assimetria entre

capital/trabalho e enfraquecendo os órgãos de representação dos trabalhadores (ANTUNES,

27

Modelo que tem como característica geral a produção em massa, controle dos tempos e movimentos dos

trabalhadores, fragmentação das tarefas, separação entre elaboração e execução, mecanização e concentração da

produção (ANTUNES, 2011). 28

No caso da indústria têxtil brasileira, Antunes (2011) apontou que de 1980 a 2000, 100 mil postos de trabalhos

foram extintos.

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2009, p. 248, grifo do autor).

O custo aos trabalhadores – do norte e sul global – foi o aumento do desemprego e da

desregulamentação do trabalho. Cabe notar também que tais processos tiveram efeitos

contraditórios e distintos em relação ao emprego masculino e feminino. Houve uma

estagnação do emprego da mão de obra masculina ao mesmo tempo em que se verificou um

aumento do emprego feminino remunerado (NOGUEIRA, 2010, p.59).

Na década de 1990, no contexto de consolidação do neoliberalismo e de reestruturação

produtiva do capital, o Brasil adotou a abertura comercial como um dos eixos de sua política

externa. Em decorrência da redução gradual das tarifas de importação e da entrada de

produtos externos, principalmente vindos da Ásia, a concorrência internacional se

intensificou. Tal política teve impacto direto no setor têxtil, que externalizou seus processos

de trabalho (CABREIRA; WOLFF, 2013). A ideia da grande fábrica com trabalhadores que

costuram para marcas de prestígio, típica do padrão produtivo taylorista/fordista, deu lugar a

um cenário com inúmeras oficinas de pequeno porte espalhadas pela cidade. De acordo com

Miranda, a flexibilização no ramo têxtil respondeu a três necessidades de acumulação do

capital: sobreviver ao fim do processo de substituição das importações, adequar-se à

sazonalidade da moda e competir com a importação de roupas da China (2016, p. 157).

Desse modo, a reorganização produtiva foi necessária para as empresas manterem a

taxa de lucro e permanecerem no mercado. Estas enxugaram suas unidades produtivas (a

chamada lean production) e passaram a se concentrar na gestão da marca e na

comercialização. Vale ressaltar que as sociólogas Isabella Jinkings e Elaine Amorim

argumentaram que, apesar da terceirização no setor ser anterior à crise advinda da abertura

comercial, o uso desta estratégia de gestão de mão de obra foi levado ao extremo. Segundo

elas, a terceirização radicalizou-se com o repasse quase completo da produção, antes realizado

no âmbito interno e, consequentemente, a redução do tamanho das plantas fabris (2006, p.

364). Ao analisar a reestruturação produtiva “à brasileira”, Santana e Ramalho afirmaram que

as “grandes empresas transformaram as casas de seus funcionários em minifábricas, em uma

cruel reapropriação do trabalho doméstico, corroendo, entre outras, a legislação trabalhista e a

representatividade sindical” (2004, p.39).

Segundo a procuradora do trabalho Carolina Mercante, ocorreu a “pulverização da

produção do ponto de vista espacial, mas não empresarial (...). A transferência que de fato

ocorre é da responsabilidade e dos riscos” (2015, p. 11). Nesse processo, o chamado dumping

social, em que os direitos trabalhistas são suprimidos e os custos da produção são reduzidos

para obtenção de vantagem sobre os concorrentes, tornou-se uma prática no setor.

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37

Passaremos a explicar, de forma simplificada29

, o processo produtivo têxtil. A primeira

etapa consiste na obtenção da fibra, matéria-prima básica desta indústria30

. Da fibra, produz-

se o fio, fase conhecida como beneficiamento ou fiação. Esta etapa requer um alto volume de

capital devido à complexidade do maquinário envolvido, e é, portanto, composta por

empresas de médio e grande porte. O passo seguinte é o da tecelagem, produção de tecidos

planos ou de malharia. Trata-se de um segmento heterogêneo composto por grandes indústrias

e outras menores que prestam serviços para as primeiras e demandam equipamentos

especializados e tecnologias de automação e softwares. Após a atividade de “acabamento” do

tecido, este é encaminhado ao setor de corte e, finalmente, para o setor de confecção, em que

são feitos os desenhos, moldes, e costura. Por não necessitar de grandes investimentos, visto

que o instrumento básico de trabalho é a máquina de costura, a etapa produtiva da confecção

conta majoritariamente com empresas de pequeno porte. Consiste na etapa menos

automatizada desta indústria e requer mão de obra intensiva (JINKINGS e AMORIM, 2006;

EMERY, 2007; CÔRTES, 2013).

Uma forma útil de analisar a dinâmica têxtil é por meio da abordagem das Redes

Globais de Produção (RGPs)31

que surgiu como meio de “proporcionar um enquadramento

teórico-metodológico apropriado à investigação de atividades econômicas organizadas em

escala global” (MILANEZ; SANTOS, 2013, p. 2). De acordo com o sociólogo Rodrigo

Santos (2011), o artigo Global production networks and the analysis of economic development

de Henderson et al.32

(2002), pode ser considerado o fundador dessa abordagem. Ela é

responsável por quebrar com a lógica de dualidade entre análise centrada no território

nacional e internacional, a partir de uma visão multiescalar da produção, distribuição e

circulação de bens e serviços. Por meio de interações complexas e difusas, “as redes

29

Ver anexo B – Fluxograma da estrutura da cadeia têxtil e de confecção. 30

“O setor têxtil tem sua base na pecuária (produção de lã) e na agricultura (produção de fibras naturais, como

algodão, linho, juta). Está interligado também à fabricação de fibras e produtos químicos (...) e metalúrgicos (...)

e, finalmente, com a indústria de bens de capital” (JINKINGS; AMORIM, 2006, p.338). 31

O modelo da RGP leva em conta três conceitos-chaves: valor, poder e enraizamento. O primeiro refere-se à

geração de valor que se dá por meio do processo de trabalho, aborda a questão da criação, da captura e da

ampliação do mesmo. O poder é pensado a partir de três formas distintas: corporativo, que consiste na

capacidade de influência de decisão e alocação de recurso da firma líder; institucional, representado pela

influência dos governos nacional e local; e coletivo, que são as ações exercidas por grupos para influenciar as

firmas em locais específicos. Por fim, o terceiro conceito-chave do modelo é o de enraizamento, categoria que

leva em consideração o contexto sócio cultural em que a produção está inserida, subdividida em duas dimensões:

enraizamento territorial e de rede, que trata resumida e respectivamente da forma de “ancoragem” da firma no

local e da estabilidade das relações entre agentes. 32

Jeffrey Henderson, professor de Desenvolvimento Internacional, University of Bristol, Reino Unido; Peter

Dicken, professor Emérito de Geografia University of Manchester, Reino Unido; Neil Coe, professor de

Geografia Econômica, University of Manchester; Martin Hess, professor de Geografia Humana, University of

Manchester e Henry Wai-Chung Yeung professor de Geografia Econômica da National University of Singapore.

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38

atravessam as fronteiras estatais de formas altamente diferenciadas, influenciadas, em parte,

por barreiras regulatórias e não regulatórias e por condições socioculturais locais”

(HENDERSON et al., 2002, apud SANTOS, 2011, p. 130).

As RGPs consistem em uma maneira de "reorientar a atenção para as circunstâncias

sociais sob as quais as mercadorias são produzidas e consumidas e, assim, evitar o perigo

constante de deslizar para uma percepção das mercadorias como blocos de construção

desumanizados" (HENDERSON et al., 2011, p. 152), evidenciando as relações que permeiam

a produção. Diferente das abordagens anteriores, como a Cadeia de Valor e a Cadeia Global

de Commodity, que davam ênfase às firmas, esse enfoque metodológico incorpora, além dos

agentes econômicos e políticos, atores sociais como sindicatos, organizações da sociedade

civil, igrejas e movimentos sociais. Neste modelo, não há monopólio de poder nas redes, este

estaria assimetricamente distribuído entres os agentes, cada qual com recursos e autonomias

variadas e desiguais que só podem ser apreendidas por meio de pesquisa empírica.

No caso da indústria têxtil brasileira, McGraph explicou que o “global” presente nesta

rede de produção não se comporta de acordo com as características da literatura, ou como

ocorre com a produção no Sudeste Asiático, voltada para a exportação. Aqui, grande parte das

empresas tem seu processo produtivo fixado no território brasileiro e vende sua produção para

o mercado interno. Dados apontados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT)

mostram que “o mercado nacional é responsável por 97,5% do consumo da produção e 2,5% é

destinado às exportações” (ABIT, 2013, p. 17). Segundo a autora, o “global” pode ser

compreendido pela replicação das estratégias utilizadas pelas empresas internacionais

(MCGRAPH, 2010, p. 181). Ou ainda pelo fato de a mão de obra nas oficinas brasileiras ser

composta por distintas populações migrantes.

Diante da complexidade das redes produtivas atuais, McGraph apontou que a

abordagem das RGPs aliada à perspectiva marxista contribui para a análise do modo em que o

valor é criado e capturado no capitalismo (2010, p. 181). Como tratamos de uma rede de

produção dirigida por compradores – ou seja, são as grandes distribuidoras de roupas que

definem o design, o preço e os prazos; pressionam os produtores e ditam o ritmo da produção

–, o poder corporativo da firma líder, apesar de não ser absoluto, tem papel central no que se

refere às atitudes e ao controle das condições de trabalho existentes em todas as etapas do

processo produtivo.

Nesse sentido, os fornecedores têm fraco poder de negociação com estas empresas,

apesar de terem forte poder de barganha com os costureiros. Isso implica no fato de o valor

excedente produzido pelos trabalhadores não ser completamente retido pelos empregadores

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39

diretos. Com isso, as grandes marcas, apesar de distantes dos trabalhadores em condições

análogas a de escravo, são capazes de capturar os valores criados por seus fornecedores que

por ventura utilizarem este tipo de mão de obra.

Além disso, as pequenas oficinas abrem e fecham suas portas com facilidade e sem

grandes impactos para o restante do processo produtivo, prova de um enraizamento de rede

frágil. A relação desses agentes – costureiros e costureiras de pequenas oficinas – com o

restante da rede é de baixa conectividade, sem durabilidade ou estabilidade. Sem vínculo

formal33

com a empresa, os costureiros ficam mais vulneráveis aos abusos dos donos das

oficinas que, por sua vez, estão a mercê do prazo de entrega e do preço estabelecido

indiretamente pelas tomadoras finais do serviço. E devem também arcar sozinhos com os

custos trabalhistas, o que na maioria das vezes não ocorre, pois “os trabalhadores informais

não gozam de direitos básicos que são garantidos por lei aos trabalhadores regulares – como

férias remuneradas, uma jornada de trabalho máxima de 44 horas semanais, seguro-

desemprego e acesso a benefícios da previdência social” (REPÓRTER BRASIL e SOMO,

2015, p. 10)

É importante destacar que o formato produtivo descrito acima não é de exclusividade

brasileira. Em artigo publicado pelos sociólogos Cibele Rizek, Isabel Georges e Carlos Freire

da Silva, estes afirmaram que “a proliferação de novos sweatshops34 ao redor do mundo (...)

segue a dinâmica global do capitalismo” (RIZEK et al., 2010, p. 119). Como explicou a

geógrafa Clara Ribeiro:

Existe uma relação entre precarização e concorrência, em que a tentativa é

pagar cada vez menos pela força de trabalho. Se não é possível fazer isso por

meio da mecanização, faz-se pela precarização do trabalho: extensão das

jornadas, uso de trabalho imigrante, informalidade. (...) Em um setor que não

consegue substituir o trabalhador pela máquina, a exigência é reduzir o custo

de mão de obra para alcançar os níveis globais da concorrência (RIBEIRO,

2015, p. 49).

Apesar de cada empresa diferir em relação a suas prioridades estratégicas nos negócios,

aquelas que estão inseridas no mesmo setor tendem a criar RGP com arquiteturas similares,

33

O processo produtivo do setor têxtil combina e conjuga formas de trabalho formal e informal. Uma das

modalidades de trabalho informal presente no setor é o trabalho realizado em casa, executado majoritariamente

por mulheres brasileiras que, no passado, estavam empregadas nas fábricas de costura (MCGRAPH, 2010, p.

190). Este tipo de trabalho, porém, não será objeto de nosso estudo. 34

De acordo com o auditor fiscal do trabalho Renato Bignami não há uma palavra em português que expresse o

significado de sweatshop, que representa situação de precariedade e violência no ambientes de trabalho. A

palavra, de origem inglesa, retoma a Revolução Industrial. Era utilizada como símbolo de uma “situação

específica de precariedade no ambiente de trabalho, frequentemente relacionada com as pseudo oficinas de

costura inseridas dentro da cadeia produtiva têxtil”. O termo sweating system [sistema do suor] é utilizado “para

designar o sistema de trabalho e produção relacionado com essa precariedade” (BIGNAMI, 2011, p. 2).

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40

devido à semelhança na tecnologia utilizada e à restrição ou abrangência do mercado em

relação aos produtos comercializados (HENDERSON et al., 2002, p. 161).

Miranda explicou que existem dois tipos de unidades produtivas na base da cadeia

têxtil. O primeiro refere-se àquelas que possuem estrutura de fábricas com regularização

laboral mínima e com emprego de centenas de trabalhadores nacionais, e estão normalmente

localizadas em regiões de facilidade tributária. O segundo tipo abarca as pequenas oficinas

sem registro jurídico, que ficam perto de grandes centros como ocorre em São Paulo, Buenos

Aires, na Argentina; Los Angeles e Nova York, nos Estados Unidos, normalmente ocupadas

por migrantes internacionais a partir do estabelecimento de contratos de trabalhos verbais

(2016, p. 222). De um jeito ou de outro, a arquitetura desta rede não se mostrou benéfica aos

trabalhadores.

De tempos em tempos, tragédias com costureiros ligados a empresas internacionais

que instalam seus negócios em países subdesenvolvidos, vêm à tona nos diversos cantos do

globo. Não se trata de um problema específico dos países onde elas ocorrem, mas está

conectada à economia global. A título de exemplo, em entrevista concedida ao Blog do

Sakamoto35

, o auditor fiscal do trabalho Renato Bignami relembrou que:

Em 2006, uma oficina de costura localizada em Buenos Aires queimou

completamente e matou seis integrantes de uma mesma família de

costureiros bolivianos. Destino semelhante tiveram duas crianças, filhas de

uma família boliviana que vivia e trabalhava no mesmo local – uma oficina

de costura no bairro do Brás, em São Paulo, incendiada no ano de 2010. A

mesma sina tiveram os 314 trabalhadores de uma fábrica têxtil do Paquistão,

ou os 124 trabalhadores de um complexo fabril do mesmo Bangladesh,

ambos os desastres ocorridos em 2012. Somados, já se vão alguns milhares

de trabalhadores mortos em virtude de péssimas condições de trabalho na

indústria do vestuário (Blog do Sakamoto, 7 de maio de 2013).

Em 2013, o caso noticiado na imprensa foi o do prédio Rana Plaza, em Bangladesh, onde

funcionavam fábricas de costura prestadoras de serviço para diversas marcar internacionais. O

edifício desabou e matou 1.158 pessoas, das quais 80% eram mulheres (HIRATA, 2016), e

deixou 2.500 feridos.

Conforme afirmamos anteriormente, as pequenas oficinas de costura podem ou não

fazer parte de redes globais. Isso por que nem toda produção é voltada para grandes marcas

internacionais, diversas peças são produzidas para os comércios populares das cidades. No

caso de São Paulo, Miranda (2016) apontou que existe uma segmentação do mercado de

roupas, em termos de desenho e qualidade. O autor descreveu a tipificação dos circuitos de

35

Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/05/07/tragedia-de-bangladesh-tambem-

poderia-acontecer-no-brasil/. Acesso em: 01/05/2017.

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41

produção de vestuário na capital paulista elaborada pela geógrafa Silvana da Silva em sua tese

de doutoramento36

.

O primeiro é o circuito superior, correspondente às grandes marcas que ditam a moda,

confeccionam de oficinas subcontratadas (de brasileiros, bolivianos, paraguaios, peruanos) ou

importam da China e do Sudeste Asiático, e vendem para as classes média e alta. O segundo,

identificado como circuito marginal superior, é composto por comerciantes dos bairros do

Bom Retiro e Brás, no Centro de São Paulo. Em geral, os proprietários coreanos ou brasileiros

de lojas contratam diretamente oficinas de bolivianos, paraguaios, peruanos e brasileiros, em

menor escala. A venda das peças nas lojas destina-se normalmente ao atacado. Por fim, o

circuito inferior, em que as peças são confeccionadas por pequenos gestores de oficinas de

costureiros bolivianos, paraguaios, peruanos, que vendem na Feirinha da Madrugada37

,

localizada no bairro do Brás. Estes produtos são destinados a comerciantes ambulantes de

todo o Brasil (DA SILVA, 2012 apud MIRANDA, 2016, p. 158-164).

No caso das cinco narradoras-entrevistadas, ao indagarmos sobre o destino das roupas

que produziam, poucas informações foram fornecidas. Quando trabalhavam nas oficinas de

outras pessoas, o destino das peças não pareceu relevante para as costureiras. O que elas

sabiam é que alguns brasileiros ou coreanos eram os responsáveis por entregar o tecido e

buscar as encomendas. Carmen, que no momento da escrita desta dissertação já tinha a sua

própria oficina, contou que costurava roupas vendidas no bairro do Bom Retiro, mas pretendia

passar a confeccionar para a Feirinha da Madrugada:

Es barato pero es facilito para hacer. Ahora de las más chiques son difíciles:

detalles, medida y más costura fina. Para Feirinha de Madrugada, no. Es

“zum, zum” [fazendo gesto de tecido sendo costurado na máquina]. Por eso

que saca por semana 800, 500 peças. De los chiques te mandan 150 peças y

demora dos o tres semanas 38

(Carmen, entrevista realizada em 26/07/2017).

Independentemente do local em que serão vendidas, determinadas condições de

trabalho são passíveis de ser caracterizadas como análoga à de escravo. Certos de que nem

todas as oficinas empregam esse tipo de mão de obra, importa saber o que as diferenciam.

36

DA SILVA, Silvana. Circuito espacial produtivo das confecções e exploração do trabalho na metrópole de

São Paulo. Os dois circuitos da economia urbana nos bairros do Brás e Bom Retiro (SP). 2012. 362f. Tese

(doutorado em Geografia na área de análise ambiental e dinâmica territorial) – Instituto de Geociências,

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012. 37

A feira funciona de segunda a sábado das 3h00 às 10h00. O local atrai todos os dias aproximadamente 25 mil

pessoas. Além do espaço cedido pela prefeitura há o comércio informal de rua. 38

É barato, mas é fácil de fazer. Agora, das mais chiques é difícil: detalhes, medidas e mais costura fina. Para a

feirinha de madrugada, não. É “zum, zum” [fazendo gesto de tecido sendo costurado na máquina]. Por isso que

se faz por semana 800, 500 peças. Das chiques te mandam 150 peças e demora duas ou três semanas (tradução,

nossa).

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42

Para isso, faremos uma discussão acerca das condições concretas que permitem o

enquadramento no artigo 149.

1.3 Artigo 149 nas oficinas de costura39

Desde 1990, autoridades públicas e organizações da sociedade civil recebem

denúncias de trabalho análogo ao de escravo em oficinas de costura na RMSP. Ao longo

desses anos, diversas organizações40

desenvolveram estratégias e propostas de trabalho

conjunto para responder a essa prática ilegal que se faz presente no cotidiano da cidade.

Os agentes da rede global de produção da indústria têxtil têm demonstrado fortes

poderes institucional e coletivo. O primeiro é representado pela influencia dos governos

nacional e local, com destaque para a atuação do MTE e MPT. O segundo é exercido por

organizações de direitos humanos, ONGs que fazem oposição às decisões do Estado, quando

estas beneficiam a firma líder e prejudicam os costureiros, por exemplo.

Dentre as ações podemos destacar o Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e

Trabalho Decentes em São Paulo – Cadeia Produtiva das Confecções, firmado em 200941

. O

documento foi fruto de um processo de diálogo social liderado pela inspeção do trabalho de

São Paulo, no qual 11 entidades se comprometeram a “dentro de suas respectivas áreas de

atuação, intensificar as ações no sentido de aumentar a proteção ao trabalhador migrante, com

respeito ao princípio da igualdade consubstanciado na Constituição Federal de 1988”

(BRASIL, 2011b, p.12).

Outra iniciativa é a entrada em vigor da Lei Estadual nº 14.946, de 28 de Janeiro de

2013, que dispõe sobre a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de qualquer empresa que faça uso direto ou

indireto de trabalho escravo ou em condições análogas. Sem o cadastro no ICMS, a empresa

fica impossibilitada de exercer qualquer atividade econômica no Estado. Além disso, duas

39

Os casos apresentados foram retirados da seção de notícias do aplicativo Moda Livre, elaborado pela ONG

Repórter Brasil. 40

Dentre as instituições que atuam neste enfrentamento, destacam-se Missão Paz, Centro de Apoio e Pastoral do

Migrante (CAMI), Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Instituto Nacional pela

Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) e Repórter Brasil. Além destes, diversos órgãos estatais como a

Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e

Emprego (MTE), além da Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE-SP) e da

Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Escravo (COMTRAE). As associações que representam o setor

empresarial e participam deste diálogo interinstitucional são a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX)

e a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT). 41

Para mais informações acerca do Pacto, acessar: http://reporterbrasil.org.br/2010/03/pacto-contra-a-

precarizacao-e-pelo-emprego-e-trabalho-decentes-em-sao-paulo-cadeia-produtiva-das-confeccoes/.

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Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) foram instaladas para Apurar a Exploração de

Trabalho Análogo ao de Escravo, uma na Câmara Municipal e outra na Assembleia

Legislativa do Estado de São Paulo, em 2004 e 2016, respectivamente.

De acordo com o relatório produzido pela primeira CPI:

Diversos fatores podem caracterizar todo esse processo como trabalho

análogo à escravidão. São eles: a forma como são recrutados na Bolívia, com

falsas promessas de salário e bem-estar; confinamento para que paguem as

dívidas com seu trabalho; impossibilidade de comunicação; retenção de

documentos e de dinheiro; ameaças de denúncia ao poder público sobre sua

situação de indocumentado; jornada de trabalho excessiva; alta rotatividade

do local de instalação das oficinas de costura; condições totalmente

insalubres de trabalho, sendo que o local de trabalho é também o de moradia.

(SÃO PAULO, 2006, p. 28).

Das diversas características encontradas nestes ambientes de trabalho e moradia,

Bruno Miranda identificou três componentes de trabalho não livre:

1) o vínculo laboral por dívida, saldada pelo trabalho gratuito do migrante. De acordo

com Zelaide, por exemplo, o dono da oficina “nos ha traído por 550 reales por persona y

hemos tenido que trabajar sin sueldo”42

;

2) o período de aprendizagem em que o trabalho não é pago. Luz, apesar de já saber

costurar, foi contratada como ajudante de costura, recebendo um valor menor do que se fosse

costureira. Depois de três meses, subiu para o posto de costureira, não sem antes passar outros

três meses em fase de teste, mesmo já sabendo costurar.

3) os “vales” fornecidos pelos donos das oficinas aos costureiros para estes saírem, ou

comprarem comidas e bebidas. Segundo o autor, trata-se de uma forma de atar o trabalhador

por meio de pagamentos parciais antecipados (MIRANDA, 2017, p. 201). Luz trabalhou três

anos com seu primo, dono de oficina, sem receber. Vivia com “vales de 20 e 50 reais” que ele

dava a ela para ir à feira. Quando pedia um valor mais alto para fazer documentos, por

exemplo, “ele achava ruim”.

Outros elementos que constam nos Relatórios de Fiscalização, acessados por meio da

DETRAE, envolviam, principalmente, condições degradantes de trabalho: habitação

multifamiliar; alojamentos precários, sem cama, com colchões improvisados, mofados, com

cortinas para a divisão dos cômodos; armazenamento de alimentos em locais impróprios e

sem refrigeração; chuveiros elétricos desligados; instalação sanitária precária e insuficiente

para a quantidade de trabalhadores; cadeiras improvisadas; máquinas de costura sem

aterramento elétrico; ausência de extintor de incêndio; espaços mal iluminados e pouco

42

“Nos trouxe por 550 reais por pessoa. Tivemos que trabalhar sem salário” (Tradução da autora).

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44

ventilados; ausência de refeitório. Tais fatores ilustram uma situação em que inexistem

condições mínimas de saúde43

e de segurança.

Importa observar que, após a assinatura do Pacto Contra a Precarização e pelo

Emprego e Trabalho Decentes e a ratificação do Protocolo de Palermo44

, passou a haver uma

seletividade das ações de fiscalização. De acordo com Côrtes, as operações deixaram de lado

as cadeias curtas e passaram a se pautar pelas cadeias médias e longas, em que eram

encontradas empresas capazes de se responsabilizarem pelas condições de trabalho

encontradas (CÔRTES, 2013, p. 243). Quando os trabalhadores resgatados estão ligados ao

circuito superior, isto é, à rede global a qual pertencem grandes empresas, há maior

repercussão midiática e apelo público. Isso contribui para chamar atenção da sociedade civil

para um problema estrutural e internacional e provoca pressão pública e comercial sobre a

empresa que se vê coagida a alterar sua conduta.

Nesses casos, o percurso para a utilização de mão de obra análoga à de escravo é

semelhante: as tomadoras finais do serviço contratam confecções para produzir suas peças.

Estes fornecedores diretos repassam as encomendas para oficinas menores, a fim de reduzir

seus custos. Ocorre que tais oficinas adotam a mesma artimanha e transferem a encomenda

para outras oficinas, muitas vezes irregulares ou clandestinas. Carmen descreveu esse

processo da seguinte forma:

Yo ahorita estoy haciendo eso, con servicio de un tercerizado de una marca.

Pero no me mandan con etiqueta, solo hago. Yo dije: ‘¡No!Voy a parar

porque si ellos siguen y me pezcan, a mí me sacan multa’. Mi sobrina no

tiene documento. Los brasileros tienen aquí oficinas grandes, llevan a Bom

Retiro, tienen una loja y de ahí tercerizan para los bolivianos. Porque los

brasileros no hacen como nosotros de 3 reales, 4 reales. A ellos les pagan 18

reales un vestido y para nosotros nos dan 5 reales y nosotros pensamos: “5

reales, está bueno, vamos hacer”. Pero no coloca etiqueta, nada45

(Carmen,

entrevista realizada em 29/06/2017).

Ao fim e ao cabo, as peças produzidas pelas diversas oficinas chegam às lojas como se

tivessem sido feitas exclusivamente pelos fornecedores diretos. Logo, os casos de trabalho em

condições análogas à de escravo ocorrem mais frequentemente nas oficinas distantes da

43

Tais condições contribuem para a alta incidência de doenças pulmonares entre os costureiros, especialmente a

tuberculose (MARTINEZ, 2010). 44

Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à

Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, ratificado pelo Brasil

em 2004. 45

“Eu, agora, estou fazendo isso com serviço de um terceirizado de uma marca. Mas não me mandam com

etiqueta, só faço. Eu disse: ‘Não! Vou parar porque se eles seguem e me pegam, me dão multa’. Minha sobrinha

não tem documento. Os brasileiros têm aqui oficinas grandes, levam [as peças prontas] ao Bom Retiro. Eles têm

loja e de lá terceirizam para os bolivianos. Porque os brasileiros não fazem como nós, de 3 reais, 4 reais. A eles

pagam 18 reais um vestido e para nós, dão cinco reais. E nós pensamos: ‘5 reais está bom, vamos fazer’. Mas

não colocamos etiqueta , nada” (tradução da autora).

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45

tomadora final do serviço (REPÓRTER BRASIL, 2016b, p.4).

A ONG Repórter Brasil46

contribui para a divulgação dos casos que envolvem grandes

marcas de roupas. Conforme observamos no item 1.2, empresas do mesmo setor geralmente

possuem arquiteturas similares, de tal modo que diversas marcas já foram denunciadas por

terem utilizado, em algum momento, mão de obra análoga à de escravo. Acreditamos ser

importante nomeá-las (em ordem alfabética): 755, Billabong, Bo.Bô, Brooksfielfd Donna,

C&A, Cobra D’Água, Collins, Cori, Emme, GAP, Gangster Surf, Gregory, Handbook,

Hippychick, John John, Le Lis Blanc, Lojas Americanas, Lojas Pernambucanas, Lojas

Renner, Luigi Bertolli, Marisa, M.Officer, Riachuelo, Seiki, Skate Wear, Talita Kume, Tyrol,

Zara,47

. Para nos aproximarmos desta realidade, exemplificamos com números:

Em 2010, a rede Marisa foi autuada pelas condições de trabalho de 16 bolivianos e um

peruano (FILGUEIRAS, 2015, p. 141). Neste mesmo ano, 15 costureiros bolivianos foram

resgatados em uma oficina “quarteirizada” que confeccionava coletes para os recenseadores

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em dois flagrantes ocorridos em

2010 e 2011, a Pernambucanas foi condenada por submeter 31 pessoas – provenientes da

Bolívia, do Paraguai e do Peru – a condições análogas a de escravo. A Zara (do Grupo

Inditex), em 2011, foi responsabilizada por três oficinas de costura de fornecedores onde

foram resgatados 67 bolivianos e peruanos (REPÓRTER BRASIL, 2016a). Em 2013, o grupo

varejista Restoque, da marca John John, foi condenado por 28 bolivianos em condições de

trabalho análogas a de escravo. Em ações fiscais realizadas entre 2013 e 2014, a M5 Indústria

e Comércio, proprietária da marca M.Officer, foi condenada após oito trabalhadores

bolivianos serem encontrados em condições análogas a de escravo. Em 2014, foi a vez da

Renner. A varejista foi responsabilizada por 37 costureiros bolivianos. Entre os resgatados,

havia 21 homens, 15 mulheres e uma adolescente. No mesmo ano, a Seiki foi condenada pelo

trabalho de 17 bolivianos resgatados. Dentre os trabalhadores, havia uma adolescente de 15

anos grávida de sete meses. Em 2016, a Brooksfield Donna, marca do grupo Via Veneto, foi

culpabilizada pela condição de trabalho de cinco bolivianos, sendo um deles uma adolescente

de 14 anos, filha do dono da oficina. Também tinha 14 anos a filha que Lourdes, 40, trouxera

de La Paz, na Bolívia, para o Brasil, em 2013. O objetivo da mãe, que havia chegado a São

Paulo poucos meses antes, era estar mais perto da única mulher entre seus quatro filhos. A

46

Diversos pesquisadores utilizam as matérias investigativas da organização para analisar dados e coletar

informações sobre os casos. 47

Vale dizer que em alguns casos a decisão foi proferida em primeira instância, cabendo recurso por parte das

empresas.

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46

intenção era que, na capital paulista, a adolescente desse prosseguimento aos seus estudos.

Não foi o que aconteceu. Hoje, aos 18 anos, sua filha acumula quatro anos de trabalho diante

da máquina de costura.

Os casos de trabalho análogo ao de escravo na costura não se esgotam nestes expostos

acima. De 2003 a 2014, foram realizadas 34 operações de fiscalização, das quais “foram

libertados 452 costureiros de oficinas fornecedoras de marcas populares e de ‘grife’, cuja

maioria se encontrava no Estado de São Paulo” (MTE apud REPÓRTER BRASIL, 2016b).

Tais ações podem ser realizadas de forma independente e regionalizada pelos diversos órgãos

responsáveis ou podem ser efetivadas de forma conjunta, possibilitando aos trabalhadores

atendimento oferecido por múltiplas frentes. As medidas cabíveis aos auditores fiscais do

trabalho são: a emissão e assinatura da carteira de trabalho, cálculo da rescisão contratual por

justa causa, emissão das guias do Seguro Desemprego para Trabalhador Resgatado. Se

desejarem, podem ser reencaminhados aos seus locais de origem (BIGNAMI, 2011).

O Ministério Público do Trabalho (MPT) atua na responsabilização do empregador e

possui mecanismos como o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), acordo assinado pelo

empregador que prevê o pagamento de multas e o estabelecimento de metas para que o crime

não volte a ocorrer. Quando os procuradores do trabalho e a empresa não conseguem firmar

um acordo via TAC, os primeiros ajuízam uma Ação Civil Pública pedindo indenização

relativa a danos morais coletivos causados e direitos trabalhistas não respeitados na Justiça do

Trabalho. A acusação que visa responsabilizar o tomador final de serviços (as grifes) –

beneficiada pelo trabalho desvalorizado do trabalhador – pode ser fundamentada sob diversas

teorias jurídicas do ponto de vista civil, trabalhista e criminal48

. Tais medidas são estratégicas

para induzir mudanças de postura por parte da classe empresarial, que, a fim de evitar

represálias, passa a cumprir com obrigações antes negligenciadas e a criar novos mecanismos

de controle.

A argumentação a respeito da responsabilização gira em torno das evidências de que

tais empresas podem controlar a capacidade produtiva de seus fornecedores e possuem

capacidade e responsabilidade de verificar se estes vão transferir suas encomendas. Afinal,

são elas as detentoras do poder econômico que dirige a cadeia, e as responsáveis por fornecer

a peça piloto, impor correções, prazos, valores e procedimentos de pagamento (MERCANTE,

2015, p. 6). Apesar de apresentarem sofisticados códigos de conduta aos seus fornecedores, os

48

Para mais informações ver: SEGATTI, Ana Eliza et al.. Trabalho escravo: reflexões sobre a responsabilidade

na cadeia produtiva. In: FIGUERIA, Ricardo; PRADO, Adonia; GALVÃO,Edna (Org.). Discussões

Contemporâneas sobre Trabalho Escravo. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016, p. 99-116.

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47

mecanismos de controle das condições de trabalho em todos os elos da cadeia produtiva

mostram-se frágeis. Ironicamente a mesma fragilidade não ocorre no que se refere ao controle

da qualidade das peças.

O “problema de fundo é sempre o mesmo: terceirizações e quarteirizações que ajudam

a reduzir custos trabalhistas e tributários, porém elevam os riscos laborais” (REPÓRTER

BRASIL, 2016a, p. 5). Segue abaixo o fluxograma da empresa Zara realizado pela SRTE/SP:

Fluxograma 1 – Empresa-rede Zara

Fonte:<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/arquivos-de-

audio-e-video/luis-alexandre-de-faria>.

Estimativas apontam que a empresa que faz uso da mão de obra análoga à de escravo

deixa de gastar por trabalhador 2,3 mil reais por mês (SÃO PAULO, 2014). Filgueiras, ao

realizar um levantamento das operações de fiscalização, constatou que, entre 2010 e 2014, o

MTE apurou 4.183 casos de trabalhos submetidos à exploração. Deste total, “3.382 eram

terceirizados, o que equivale a 81% do total de trabalhadores vitimados” 49

.

Em relação ao posicionamento das empresas, a primeira reação frente às denúncias de

49

Informação disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/542001-terceirizacao-e-trabalho-escravo-

niveis-pandemicos-de-precarizacao-entrevista-especial-com-vitor-filgueiras>. Acesso em: 20 jul. 2016.

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48

irregularidades trabalhistas e violações de direitos humanos obedece a um padrão: passar a

responsabilidade adiante, tal qual fazem com as roupas a serem confeccionadas, e afirmar o

desconhecimento de tais condições, sob a argumentação de que não são culpadas. As notas de

esclarecimento público das empresas acusadas chegam a ser repetitivas: não são responsáveis

pelos trabalhadores. Outras são mais criativas. Em reportagem da ONG Repórter Brasil, um

diretor de marca acusada de trabalho escravo alegou traição de seu fornecedor: “A empresa

que contratamos nos traiu e não cumpriu aquilo que exigimos. Tenho certeza que jamais

compactuamos com qualquer violação dos direitos humanos ou exploração indevida”

(ZOCCHIO, 2013).

Passar a responsabilidade adiante ou negar o conhecimento da situação não é

exclusividade dos empregadores na cidade. Em Pisando Fora da Própria Sombra, Figueira

apresentou a postura dos fazendeiros acusados do crime: alegam desinformação. A presença

de intermediários, recrutadores de mão de obra, era também um álibi para o desconhecimento

das violações ocorridas na própria fazenda, uma forma de se afastarem das questões legais e

morais (2004, p. 312). Outra forma mencionada de reagir às acusações é pela justificativa de

geração de emprego, de produtividade. Querem dizer que, sem eles (os fazendeiros), os

trabalhadores estariam em situação pior.

De acordo com o frei Xavier Plassat50

, a argumentação utilizada pelos empregadores

consiste em uma armadilha, uma explicação para a manutenção da miséria pela miséria

preexistente, contribuindo com a perpetuação da pobreza. A mesma lógica se aplica ao caso

boliviano. Segundo o coordenador do CAMI ao ser entrevistado por Miranda: “o fato da

situação do país ser pior não justifica as jornadas de trabalho realizadas pelos jovens no

Brasil” (2016, p. 217, tradução da autora).

Neste sentido, Phillips et al.51

argumentaram que a inclusão na economia global não

representa necessariamente a possibilidade de redução da pobreza ou acesso a melhores

oportunidades de trabalho. Em determinadas situações, pelo contrário, reforça a inserção em

condições de trabalho precárias, com alto nível de exploração e, em alguns casos, até de

trabalho não livre (2014, p. 429). A incorporação adversa de determinados grupos sociais

segue uma dinâmica circular que contribui para a perpetuação da pobreza em vez de sua

redução. Ficam vulneráveis a aceitar propostas de trabalhos nas quais serão explorados e

50

Coordenador da Comissão Pastoral da Terra. 51

Nicola Phillips, professora de Economia Política, University of Sheffield, Reino Unido; Resmi Bhaskaran

professor do Centro de Estudos Históricos, Jawaharlal Nehru University , Índia; Dev Nathan, professor do

Instituto de Desenvolvimento Humano, Índia e Upendranadh Choragudi, coordenador da organização ActionAid,

Myanmar.

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49

servirão como meio de acumulação de mais-valia52

de outrem. Com as possibilidades de bem

estar e de acumulação a longo prazo reduzidas e sem oportunidades de empregos dignos, os

trabalhadores tendem a perder o poder de barganha e de negociação relativo às suas condições

laborais (PHILLIPS; SAKAMOTO, 2012, p.297).

Dado este cenário macro sobre o setor têxtil, antes de passarmos às histórias das

mulheres bolivianas em São Paulo, realizaremos um percurso panorâmico das pesquisas

acadêmicas que abordaram a presença das mulheres na temática do trabalho análogo ao de

escravo.

1.4 Mulher e trabalho análogo ao de escravo: um percurso acadêmico

As pesquisas acadêmicas sobre o trabalho análogo ao de escravo no Brasil, na maioria

das vezes, se referiram ao homem trabalhador rural. Tal representação pode ser justificada, em

parte, pelo fato de as primeiras denúncias e fiscalizações estarem concentradas na área rural,

onde o trabalho braçal era realizado majoritariamente por pessoas do sexo masculino.

Em diversos empreendimentos, a presença de mulheres era proibida, assim como a da

cachaça. De acordo com Ricardo Figueira, Gelba Cerqueira e Maria Amália de Oliveira53

, “a

mulher e a bebida, em locais onde há muitos homens reunidos são compreendidos como

sinais de ‘confusão’, ‘perigo’ e ‘bagunça’. Mudam a ordem desejada” (FIGUEIRA;

CERQUEIRA; OLIVEIRA, 2008, p. 295). Colocá-las no mesmo patamar da cachaça significa

associá-las a “sinais negativos”, e considerá-las enquanto objetos. Elas não poderiam estar na

mesma posição dos trabalhadores escravizados por dois motivos: 1) pelas condições do

trabalho que exigiam extremo esforço físico, atributo negado às mulheres (conforme

mencionamos na Introdução, o social contribui também para moldar os corpos); 2) mesmo

que fizessem parte do grupo de trabalhadores, essas mulheres provavelmente seriam

disputadas por eles. Estupradas? Talvez.

O que poderia evitar tal situação é se fossem casadas com algum trabalhador. Nesse

caso, o fato de estarem acompanhadas, as tornaria dignas de uma espécie de respeito

destinado ao marido e não a elas. Segundo os autores, havia exceções em relação à proibição

das mulheres nas fazendas:

52

Conceito empregado por Karl Marx para designar o valor excedente apropriado pelo capitalista, a parte do

trabalho executado que não é remunerada. De acordo com este autor, existem duas formas de extrair a mais-valia

dos trabalhadores: 1) pela extensão da jornada de trabalho sem alteração no salário, mais-valia absoluta; 2) pela

intensificação do ritmo de trabalho, mais-valia relativa. 53

Gelba Cerqueira foi coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC) e Maria

Amália de Oliveira foi pesquisadora do mesmo grupo.

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50

A esposa pode acompanhar o marido se não houver impedimentos, tais como

a proibição do empreiteiro, a existência de filhos pequenos, alguém doente

na família e a distancia entre o local de origem e a fazenda. Mulheres que

possuem relação de parentesco com o peão, em alguns casos, acompanham-

no para fazerem a comida dos trabalhadores e lavarem suas roupas

(FIGUEIRA; CERQUEIRA; OLIVEIRA, 2008, p. 295).

Vale notar que quando as mulheres iam para as fazendas, apesar de estarem na mesma

situação que seus maridos, elas não eram identificadas pelo Estado enquanto trabalhadoras,

mas sim enquanto acompanhantes dos trabalhadores. O que contribui para a baixa presença do

sexo feminino entre os “resgatados”.

Desse modo, nos anos iniciais de pesquisa sobre o tema, o espaço da mulher nos

estudos foi relegado, em geral, ao papel de mãe à procura do filho, esposa à espera do marido

e donas de bordéis ou profissionais do sexo. Esterci, por exemplo, discutiu o papel da mãe na

saída dos trabalhadores para a fazenda, como aquela que preparava a marmita para o filho e

estabelecia a conciliação entre este e o pai dentro da casa (1994, p. 107). A autora também

analisou a relação entre trabalhadores rurais escravizados e mulheres – também exploradas –

nas zonas de prostituições. Chamou atenção para a realidade de meninas que tinham a

virgindade como mercadoria, que passavam por situações de ruptura e estavam envolvidas em

relações ambíguas de redes de parentesco, de exploração e de proteção, assim como os peões

54.

Ainda no contexto do trabalho escravo rural, marcado pela pobreza e pela ausência de

emprego que faziam com que os homens viajassem ao Pará com o objetivo de trabalhar na

derrubada das matas, Figueira e a socióloga Adonia Prado analisaram depoimentos de

mulheres que tinham em comum “além do gênero, e da mesma cidade de residência, os filhos,

a origem camponesa e o parente aliciado” (FIGUEIRA; PRADO, 2011, p.182). Enquanto os

homens eram aliciados para o trabalho nas fazendas, elas ficavam sozinhas e, sobre elas,

recaía a responsabilidade do trabalho para o sustento da família. Quebravam coco, cuidavam

da roça e das tarefas domésticas, enquanto seus maridos, às vezes, mandavam dinheiro ou

notícias e nem sempre retornavam.

Outra hipótese para o número reduzido de mulheres nos resgates é a dificuldade de

investigação e de verificação da existência de trabalho análogo ao de escravo na esfera

54

Cabe aqui uma observação sobre o tratamento dos trabalhadores às mulheres que se prostituem. Moraes Silva

mencionou uma pesquisa que tratava de trabalhadores migrantes da Paraíba no corte de cana na região da Zona

da Mata, em Pernambuco. Devido à presença de migrantes dedicadas à prostituição, constatava-se uma

representação generalizada dessas mulheres como prostitutas, e, enquanto tais, não cumpriam os padrões

patriarcais que exigiam a fidelidade feminina, a obediência, e o respeito ao marido, requisitos básicos para o

casamento, além da virgindade. Essas mulheres eram vistas pelos migrantes como objetos sexuais (MENEZES,

2002 apud MORAES SILVA, 2005, p. 74).

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51

doméstica, uma vez que a inviolabilidade do domicílio está assegurada pela Constituição

Federal55

. O costume de trazer meninas do interior para serem “criadas” nas cidades e para

realizarem trabalho doméstico dentro da casa de famílias sem direitos trabalhistas é uma

prática que não acabou no país. Não podemos deixar de mencionar que este trabalho é

ocupado majoritariamente pelas mulheres negras.

Para termos uma ideia quantitativa, de acordo com dados da CPT divulgados em 2012

e reunidos a partir do registro do seguro desemprego dos trabalhadores resgatados, de 2003 a

2012, 95,1% dos resgatados eram homens e 4,9% mulheres. De acordo com pesquisadora

Flávia Moura, “o gênero masculino lidera todos os levantamentos consultados” (MOURA,

2016, p. 123). Este dado tem impacto sobre as pesquisas produzidas em relação ao tema.

Uma forma de identificar a presença das mulheres foi através do conjunto de textos

publicados pelo Seminário Internacional sobre Trabalho Escravo por Dívida e Direitos

Humanos, realizado em 2005 e embrião do que depois iriam se tornar os encontros da

Reunião Científica Trabalho Escravo Contemporâneo e Questões Correlatas56

. Esta reunião é

realizada anualmente desde 2007 e promovida pelo Grupo de Pesquisa de Trabalho Escravo

Contemporâneo (GPTEC). Conta com a participação de pesquisadores provenientes de

diversas instituições e áreas de conhecimento.

O livro Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil: contribuições críticas para sua

análise e denúncia (2008) é resultado do Seminário supracitado. Dele, destacamos alguns

artigos. Em Mapeamento das redes de resistência e conivência em polos irradiadores de

trabalho escravo contemporâneo no estado do Mato Grosso, o historiador Vitale Joanoni

Neto traz depoimentos de mulheres migrantes que, para sair da miséria, se prostituem, “vivem

do prazer, sem tê-lo” (2008, p. 246).

Em Representações sociais de mulheres de ambiente, donas de pensão e parentes dos

trabalhadores submetidos à escravidão, Figueira et al., escolheram três grupos de mulheres

para investigar suas percepções acerca dos peões, trabalhadores escravizados: 1) o das que

possuem parentesco com trabalhadores escravizados, sendo suas esposas, mães ou avós; 2) o

das que participam, ainda que indiretamente, do processo de aliciamento de trabalhadores: as

donas de pensão e 3) o grupo composto por prostitutas (FIGUEIRA; CERQUEIRA;

55

Apesar das ações de resgate GEFM, nesta esfera serem limitadas, elas já alcançaram o espaço doméstico,

como ocorreu em 2017 na região Vale do Jequitinhonha. Ver notícia em: < http://prt1.mpt.mp.br/informe-

se/noticias-do-mpt-rj/669-mpt-rj-domestica-e-resgata-em-situacao-de-trabalho-escravo >. Acesso em: 25 jul.

2017. 56

É importante ressaltar que tais textos não esgotam as publicações sobre o assunto.

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52

OLIVEIRA, 2008, p. 292). As mulheres parentes dos trabalhadores não viam com bons olhos

a ida dos homens para as fazendas, cientes dos riscos que eles corriam. Ao mesmo tempo,

sabiam que a situação econômica os empurrava para lá. O segundo grupo analisado foi o das

proprietárias dos hotéis de beira de estrada, frequentados pelos peões à espera de aliciamento.

Tais hospedarias voltadas para trabalhadores eram gerenciadas, em grande parte, por mulheres

que viviam da rede do trabalho escravo. Os “gatos” (aliciadores) acertavam as contas com

elas e o peão, por sua vez, antes de chegar à fazenda, já estava endividado. O último grupo de

entrevistadas foi o das “mulheres de ambiente”. De acordo com os autores, são “meninas” que

possuem a mesma origem social dos peões, oriundas de famílias pobres e numerosas (2008, p.

304).

No artigo Entre lembranças e perdas: a memória que não se cala, Adonia Prado teve

como objetivo “conhecer as versões femininas do fenômeno do trabalho escravo

contemporâneo, como ele se apresenta no cotidiano de mulheres – mães, filhas, irmãs,

cunhadas” (2008, p. 311). A autora se utiliza da expressão “diáspora masculina” para referir-

se à migração temporária de homens que, sem expectativa de serviço em seus municípios de

origem, vão para as fazendas no Pará. As entrevistadas de Prado relataram que, na região, as

mulheres se dedicam às atividades ligadas ao babaçu57

– cuja remuneração é irrisória –,

enquanto os homens ganham um pouco mais, devido ao potencial de força física que podem

dedicar ao trabalho (2008, p. 319). Apesar da ausência do homem:

É preciso levar a vida adiante prover a subsistência dos que ficam e

administrar o mundo material e o mundo afetivo, à espera de que ao fim do

contrato de trabalho, o homem volte com algum dinheiro e, o que é mais

importante, vivo e com saúde. É preciso resistir e elas resistem (PRADO,

2008, p. 312).

Por fim, destacamos nesse livro, o depoimento de Antônia Maria da C.S., viúva de

Francisco Clemente da S.. Após ter lutado para receber o atestado de óbito de seu marido

morto em uma fazenda no Pará, afirmou que vive “no trem da vida com esses três filhos para

criar, mas tenho fé que um dia hei de vencer! Vivo trabalhando, lutando, mas quem sabe um

dia eu não seja feliz, né?” (2008, p. 116).

De forma geral, a mulher não foi analisada enquanto “trabalhadora escravizada”.

Foram investigadas suas opiniões em relação ao trabalho do homem, à ausência do homem. E,

quando as mulheres analisadas aparecem no papel de trabalhadoras do sexo, fala-se em

exploração, mas não em escravização.

57

A autora mencionou o Encontro de Quebradeiras de Coco de Babaçu realizado no município Miguel Alves/PI,

como processo de resistência das mulheres (2008, p.329).

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53

Olhares sobre a escravidão contemporânea: novas contribuições críticas (2011) é

fruto do debate realizado na primeira e segunda Reunião Científica. Neste livro, o trabalho

análogo ao de escravo urbano, apesar de mencionado na construção civil e na tecelagem, não

foi analisado em nenhum artigo, sendo o meio rural a temática predominante. Os sujeitos

submetidos ao trabalho análogo ao de escravo estavam sempre no masculino, enquanto a

mulher permanecia no posto de “esposa de trabalhador da usina”.

No segundo livro publicado a partir da Reunião Científica, Trabalho escravo

contemporâneo: um debate transdisciplinar (2011), meninas e mulheres aparecem enquanto

vítimas do trabalho forçado para exploração sexual. A pesquisadora internacionalista

Waldimeiry Corrêa da Silva fez uma análise das condições de trabalho que as brasileiras,

vítimas do tráfico para exploração sexual, eram submetidas na Espanha. Seguindo adiante,

chegamos ao terceiro livro: Privação de liberdade ou atentado à dignidade: escravidão

contemporânea (2013). Elas apareceram novamente ligadas à temática do tráfico, mais

especificamente, ao trabalho forçado para fins de exploração sexual.

A cientista política Sophia Lakhdar escreveu sobre o tráfico humano na França e as

denúncias recebidas pelo Comitê Contra a Escravidão Moderna58

, relativas a meninas

menores de idade recrutadas em países da África com a falsa promessa de escolarização. Ao

chegarem à Europa, as meninas descobriam que a verdadeira motivação de terem sido levadas

era a realização do trabalho doméstico. De acordo com Lakhdar, “o fato de que tal serviço

faça parte – da mesma maneira que o trabalho sexual – das atividades reservadas

‘tradicionalmente’ a mulheres e que supostamente não precise de profissionalização, ainda

não produzindo riqueza econômica, é certamente importante na sua persistência” (2013, p.

446).

Na mesma publicação, foram transcritos depoimentos de duas mulheres que atuavam

no enfrentamento da prática. Aparecida Barbosa da Silva – presidente do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Confresa, município do Estado do Mato Grosso – contou sobre a

realidade de sua região, onde os trabalhadores fugiam das fazendas e iam ao sindicato pedir o

resgate daqueles que permaneceram. A segunda, Maria José Moraes, advogada da Prelazia

(equipe de agentes pastorais) de São Félix do Araguaia, também município de Mato Grosso.

Ela relatou como o trabalho escravo passou a ser difundido e conhecido, deixando de ser uma

realidade restrita ao norte do país.

58

Criado em 1994, este Comitê surgiu para apoiar as vitimas de escravidão doméstica e tráfico de pessoas no

país. Mais informações em: < http://www.esclavagemoderne.org/ >. Acesso em: 10 ago. 2016.

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54

Em 2015, foi lançado o quarto livro: A universidade discute a escravidão

contemporânea: práticas e reflexões. Destacamos o artigo dos pesquisadores David Rubio, da

Universidade de Sevilla, e Pilar Zúñiga, da Universidade Pablo de Olavide, ambas na

Espanha. Os autores abordaram o tráfico de pessoas, o trabalho escravo e a exploração sexual

como violações de direitos humanos. A questão de gênero foi apresentada enquanto expressão

de um contexto de sociabilidade desigual e assimétrico que faz parte da lógica de

discriminação intrínseca do capitalismo.

Discussões contemporâneas sobre trabalho escravo: teoria e pesquisa (2016) é o título

da quinta publicação. Novamente, Rubio e Zúñiga agregaram a temática de gênero ao debate.

Desta vez, a partir da análise do trabalho doméstico, iminentemente feminino com baixa

presença de homens. Trata-se de uma ocupação com maior déficit de trabalho decente

(CEPAL et al. 2013, apud ZÚÑIGA e RÚBIO, 2016, p. 405) que, em algumas circunstâncias,

pode ser caracterizado como forçado ou análogo ao de escravo.

Neste livro, destacamos também o artigo dos cientistas políticos João Veiga e

Katiuscia Galhera que se aproxima da temática desta dissertação: o trabalho análogo ao de

escravo no setor têxtil a partir da desigualdade de gênero nas oficinas de costura. Segundo os

autores, “a Bolívia é culturalmente arraigada em costumes e tradições que fomentam a

inequidade de gênero. No Brasil tal inequidade não é rompida. Ao contrário, é reforçada pela

forma como as mulheres bolivianas estão vinculadas à cadeia da costura” (2016, p. 121). Os

dados encontrados por Veiga e Galhera na pesquisa de campo com mulheres bolivianas serão

discutidos ao longo desta dissertação. Finalmente, na publicação mais recente da série,

Trabalho Escravo Contemporâneo: estudos sobre ações e atores (2017), não encontramos

textos que dão ênfase à questão de gênero. Apesar de o tema central do artigo de Rubio e

Zúñiga ser o trabalho doméstico, os autores realizaram um debate teórico mais abrangente.

Esse breve panorama é um meio de vislumbrarmos como e quando a mulher tem sido

retratada nos estudos sobre trabalho análogo ao de escravo. No total, foram analisados sete

livros referentes a um Seminário e oito Reuniões Científicas (em alguns livros foram

compiladas duas Reuniões Científicas). Dos 142 artigos publicados, 10 inseriram a mulher na

análise. Somado a isso, dos sete depoimentos trazidos pela coletânea, três eram de mulheres59

.

Ao longo desta dissertação, desejamos olhar para as bolivianas enquanto agentes cuja

posição na estrutura organizativa do setor têxtil reflete o modo em que diferentes grupos

sociais se inserem na economia global. Conforme Hirata e Kergoat ressaltaram, não basta

59

Ver Apêndice B

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55

descrever as diferenças na distribuição de trabalho entre homens e mulheres e a desigualdade

no exercício do trabalho doméstico. É necessário pensar em termos de divisão sexual do

trabalho para mostrar que tais desigualdades são sistemáticas. Além disso, refletir acerca do

uso que a sociedade faz da hierarquização das atividades entre homens e mulheres (HIRATA;

KERGOAT, 2007, 596). Para além da constatação de que as mulheres aparecem como

cozinheiras ou como trabalhadoras do sexo, por exemplo, é importante compreender como

esses papéis são fixados e desqualificados.

Vale sublinhar também a pesquisa de Siobhán McGraph que abordou a questão de

gênero e refletiu sobre os processos de diferenciação e hierarquização entre os sexos ao

analisar as condições de trabalho análogo ao de escravo na cana-de-açúcar e na costura. De

acordo com ela, as noções construídas em torno do gênero podem ter papel importante na

dinâmica desta modalidade de trabalho. No corte da cana-de-açúcar, por exemplo, a autora

chamou atenção para o fato de a “questão de gênero” ter excluído a mulher desta atividade, ao

mesmo tempo em que intensificou o trabalho do homem, partindo da ideia de que a mulher

não teria habilidade para exercê-lo. Consolidou-se, assim, uma representação coletiva, tanto

para empregados quanto para empregadores, de que o corte da cana é um trabalho de homem.

Seguindo a autora, o esforço físico exigido na produção de cana passou a ser

relacionado com a coragem, qualidade que, ao representar força e bravura, torna-se

profundamente ideológica. O sentido atribuído a este trabalho serve à exploração do homem,

uma vez que sua intensificação poderia ser elemento central para a construção da

masculinidade dos lavradores (MCGRATH, 2010, p. 164). Nesse caso, a questão do gênero

operaria de forma negativa para os dois lados: excluindo progressivamente as mulheres de

certos empregos, e aumentando a pressão sobre os homens migrantes para um incremento

produtivo (MCGRATH, 2010, p. 177).

Para McGrath, o poder de barganha sobre a própria condição de trabalho varia de

acordo com a raça, o gênero, entre outras construções de identidades: “tipos particulares de

trabalhadores terão menor sucesso em negociar o valor do seu trabalho” (MCGRATH, 2013a,

p. 38, tradução da autora). No caso do trabalho análogo ao de escravo não poderia ser

diferente, pois este também se apoia no processo de desvalorização do trabalho enraizado pela

ideologia de raça e gênero. Neste sentido, a autora questionou a visão do ativista e professor

de Escravidão Contemporânea Kevin Bales60

.

60

Autor do livro Gente Descartável A nova escravatura na economia global (2001), cofundador da ONG Free the

slaves e professor da University of Nottingham, Reino Unido.

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Ao estabelecer uma matriz comparativa entre escravidão antiga e nova, Bales apontou

a raça/etnia enquanto um dos elementos diferenciadores entre os períodos históricos. O

argumento do autor é de que em oposição à antiga escravidão, no fenômeno contemporâneo, a

raça é consequência e não a causa da vulnerabilidade: “O denominador comum é a pobreza,

não a cor. Por trás de cada afirmação de diferença étnica, está a disparidade econômica”

(2001, p. 22). Em contraposição, McGrath afirmou que apesar da submissão de pessoas à

condição análoga à de escravo não estar restrita a um grupo, é preciso reconhecer que a sobre-

representação de grupos específicos nos resgates não está associada apenas à pobreza no país

de origem. Para a autora, não se pode ignorar a construção social da raça/etnia e tratá-la como

reflexo da vulnerabilidade, mas sim como atributo que contribui para o seu aumento (2010, p.

173).

Com isso, e retornando ao nosso recorte empírico, não estamos dizendo que a indústria

tem preferência por bolivianos. A subcontratação impacta os trabalhadores

independentemente da nacionalidade, conforme afirmou o geógrafo Sylvain Souchaud.

Segundo o autor, não há especificidade étnica baseada em particularidades bolivianas ou

andinas (SOUCHAUD, 2012, p. 90). Mas, de acordo com Miranda, quando a dimensão da

análise passa da indústria para as oficinas, não se pode negar o caráter étnico, “dada às

dinâmicas que implicam viver e trabalhar junto, os donos de oficinas priorizam pessoas de sua

nacionalidade que tendem a compartilhar dos mesmos hábitos alimentares e códigos de

conduta. Tal preferência opera como uma forma de recurso organizativo” (2016, p.169-170,

tradução da autora). Segundo o autor, as redes sociais dos migrantes da costura acabam por

reservar posições determinadas aos grupos étnico-nacionais no circuito da indústria da moda

(2016, p. 168, tradução da autora).

Realizado esse percurso, passamos às histórias das mulheres, a partir da saída do país

de origem e da inserção nas oficinas em São Paulo. Para isso, nos debruçamos sobre o

cotidiano e a rotina de trabalho, sem esquecermos que suas vidas estão interligadas a

processos mais amplos de desigualdade.

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Capítulo 2. Bolivianas e o trabalho nas oficinas de costura

Neste capítulo, dividido em três seções, apresentamos as trajetórias de vida e de

trabalho das narradoras-entrevistadas. No primeiro item, descreveremos as motivações de

saída das bolivianas. No seguinte, apresentaremos os caminhos percorridos até a chegada ao

Brasil. Para fechar o capítulo, abordaremos a experiência laboral dentro das oficinas, bem

como a especificidade do trabalho da mulher nestes ambientes.

2.1 Emigração de mulheres para o trabalho: por que sair?

O fenômeno migratório é um fato social completo referente a duas ordens nacionais –

distintas e desiguais – relacionadas entre si. Engloba aspectos políticos, econômicos, sociais e

culturais dos locais de origem e destino. Além de ser, ao mesmo tempo mesmo, fato coletivo e

trajetória individual (SAYAD, 1998).

Iniciamos com a contextualização do local de origem de quem emigrou, neste caso, a

Bolívia. Situada na zona central da América do Sul, o país conquistou sua independência em

1825. Segundo a historiadora Maria José Magliano, a libertação do jugo espanhol, vigente no

Período Colonial, não alterou as bases do padrão de dominação responsável por marginalizar

os povos indígenas. No período pós-independência, apesar das mudanças advindas dos

diversos ciclos políticos do país: liberal (século 19-1952), popular (1952-1985) e neoliberal

(1985-2005), a contemporaneidade boliviana não superou completamente a exclusão dos

indígenas (CUSICANQUI61, 1993 apud MAGLIANO, 2008, p. 83).

Ao longo de sua história, este país perdeu mais da metade de seu território em guerras

contra os vizinhos: Brasil, Peru, Chile e Paraguai. E, a despeito de ter realizado a primeira

revolução operária da América Latina, conhecida como Revolução Nacional de 195262

, esta

mostrou “ser apenas uma versão mais radical da política favorável à redistribuição do poder

político e, até certo ponto, do bem-estar no interior de uma estrutura que fundamentalmente

permanecia a mesma” (DONGHI, 1989 apud PERICÁS, 1997, p. 120).

Mais recentemente, o país passou conflitos internos conhecidos como “ciclo rebelde

Boliviano”, como “guerra da água”, “guerra da coca” e “guerra do gás”. Em São Paulo desde

2004, a boliviana Sara, 35 anos, veio ao Brasil acompanhada de seu marido, deixando sua

61

Silvia Rivera Cusicanqui é uma intelectual e ativista boliviana. Fundadora do Taller de Historia Oral Andina

(THOA). Em sua obra desenvolve a ideia de colonialismo interno. 62

Entre as medidas estabelecidas por esta revolução estão a adoção do sufrágio universal, nacionalização das

minas de estanho e a reforma agrária.

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filha na Bolívia, aos cuidados dos avós. Em nossa conversa, ela fez menção à crise que viveu

em seu país:

A empresa [onde ela trabalhava] faliu por causa do Evo Morales. Na época,

ele era só sindicalista, aí teve uma greve geral, parou tudo. Tiraram o

presidente da Bolívia, ele fugiu para os Estados Unidos, os sindicatos tiraram

ele. Na época não tinha para comer, não tinha gás, não tinha carne, não tinha

pão, não tinha nada pra você comprar (Sara, entrevista realizada em

05/07/2017).

No extrato acima, a boliviana refere-se ao presidente Gonzalo Sánchez de Lozada que

já havia governado o país entre 1993-1997 e foi eleito novamente em 2002. Após uma onda

protestos articulada em torno da exportação do gás – que deixou 64 mortos em um mês –, o

então presidente renunciou e escapou de sua residência de helicóptero rumo aos Estados

Unidos. Em 2005, a eleição de Evo Morales marcou a entrada da primeira pessoa de origem

indígena na presidência63

.

Apesar da melhora nos indicadores macroeconômicos e sociais, como a ampliação da

rede de serviços básicos para a população e a redução do analfabetismo64

, a Bolívia continua

sendo um dos mais pobres do continente, segundo dados do Programa das Nações Unidas

Para o Desenvolvimento (PNUD) 65

. Isso explica por que as migrações ligadas ao aspecto

econômico ainda façam parte de estratégias individuais e familiares dos bolivianos. Para ter

uma dimensão, em 2009, a estimativa girava em torno de “20% da população boliviana

vivendo fora de seu país” (VEIGA; GALHERA, 2016, p.124).

De acordo com último censo de 2012, a Bolívia, país dividido em nove departamentos,

possui 10.027.254 habitantes (INE, 2012), distribuídos em duas grandes regiões: o Altiplano,

– com maioria de descendentes indígenas – que abriga Potosí, La Paz e Oruro; e a Media

Luna, que compreende a planície oriental onde se encontram as reservas de gás e petróleo e

onde ficam os departamentos de Pando, Beni, Santa Cruz; e o departamento de Tarija, que faz

parte da região subandina. Entre as duas grandes regiões, há uma polarização ideológica

responsável por separar e reforçar a identidade da população proveniente das terras altas, com

tradição comunitária, conhecidos informalmente como kollas, daqueles provindos das terras

planas, os cambas, tidos como progressistas e pró-globalização (ZUCCO JR., 2008, p.3). Tais

denominações carregam um tom pejorativo quando usados por um dos lados para referir-se ao

outro (MIRANDA, 2016, p.153).

63

Com a entrada do presidente deflagrou-se um movimento separatista/autonomista, o Movimiento Nación

Camba de Liberación, na região da Media Luna, especialmente no Departamento de Santa Cruz. 64

O último censo mostrou que 94,98% da população sabe ler e escrever, entre as mulheres a taxa de alfabetismo é

de 92,54%, e 97,49% entre os homens. 65

Informações retiradas do site: < www.bo.undp.org>. Acesso em: 10 jul. 2017.

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Tais divisões refletem também as desigualdades de acesso a serviços básicos entre as

áreas rurais e urbanas, entre a população indígena e não-indígena, entre homens e mulheres.

Não por coincidência, as cinco imigrantes que acompanhamos nesta pesquisa são da região do

Altiplano, especificamente do Departamento de La Paz.

Nas trajetórias analisadas, o trabalho esteve presente desde muito cedo. De acordo

com os relatos das narradoras-entrevistadas, foi possível observar que as atividades realizadas

por elas são “tipicamente femininas”, ligadas ao cuidado de crianças e idosos, à limpeza, à

cozinha e ao comércio. Luz nasceu em Caranavi, pueblo66

rural situado a 150 km ao nordeste

da cidade de La Paz. Segundo ela, fez de tudo para conseguir finalizar os estudos. Com nove

anos de idade, já cuidava de uma idosa. Foi morar na casa de uma “vovó” com a condição de

frequentar a escola. Contudo, o combinado não foi cumprido. Tornou-se a empregada

doméstica da família da “vovó” e ficou dois anos sem estudar e sem ver sua própria família.

Passado esse período, foi garçonete e trabalhou em lojas de sapato. Aos 14, como ajudante de

cozinheira, trabalhava de “lunes a lunes” 67

sem descanso. Dormia na cozinha com um

colchão improvisado em cima de caixas de cerveja. “Talvez por eso que sin trabajo no

consigo ficar bem. Siempre he trabajado. Cuando estoy sin trabalho fico incómoda” 68

.

Sara nasceu na cidade de La Paz, sede do governo e terceira cidade mais populosa do

país. Por ser a mais velha de dez irmãos, aos 12 anos, trabalhava como ajudante de cozinha.

“Sempre faltava dinheiro em casa... Então fazia de tudo: vendi xampú, cosméticos, coisas de

escola, montava carpete de chão, fiz envelope de papel decorado, o que eu conseguia de

trabalho, eu entrava”. A pacenha69

Lourdes foi ajudante de pedreiro, função que, de acordo

com ela, não é incomum entre as mulheres na Bolívia. Além disso, antes de vir ao Brasil,

“vendía las tripitas na rua, cozinhava, fritava com batata e com picante de maní” 70

. Carmen

nasceu em Santiago de Huata, área rural próxima da cidade de Copacabana. Cansada das

desavenças com sua mãe, e movida pelo desejo de terminar seus estudos, foi viver com sua tia

em Santa Cruz de la Sierra – cidade mais populosa do país, de maioria descendente de

espanhóis e mestiços. Viu-se obrigada a comer terra durante o trajeto, porque sua mãe se

66

Povoado (Tradução da autora). 67

“Segunda a segunda” (Tradução da autora). 68

“Talvez por isso que sem trabalho não consigo ficar bem. Sempre trabalhei. Quando estou sem trabalho fico

incomodada” (Tradução da autora). 69

Aquela que é natural de La Paz. 70

“Vendia intestino de vaca na rua. Cozinhava, fritava com batata e com molho de amendoim” (tradução da

autora). De acordo com a explicação de Quilla trata-se de um molho de amendoim. Para fazer o molho, o

amendoim cru e sem casca é moído e levado à frigideira para cozinhar. Depois, mistura com uma pimenta

também moída. Para moer é mais comum o uso de uma pedra chamada bacán, no lugar do liquidificador.

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recusara a dar chuño71 para ela levar na viagem. Em Santa Cruz, trabalhava pela manhã,

limpando casas até o meio-dia. Às 13h, entrava na escola.

Moradora de São Paulo desde 2012, Zelaide, 30 anos, é casada e mãe de dois filhos.

Das cinco narradoras-entrevistadas, é a única que não trabalhou durante a infância.

Proveniente de Nor Yungas, na área rural do Departamento de La Paz, migrou com os pais aos

sete anos, quando foi picada por formigas que espalharam veneno pelo seu corpo. Ficou

semanas no hospital de La Paz e, como o veneno provocou sequelas em seu coração,

permaneceu na capital até terminar os estudos. Depois, regressou a seu pueblo.

Outro elemento presente na trajetória das cinco bolivianas, também desde muito cedo,

é a convivência com situações de violência de gênero. Este não é um fenômeno particular da

Bolívia, mas sim, um problema estrutural que atinge as mulheres independentemente da

nacionalidade. Segundo a pesquisadora Suely Souza de Almeida, “a violência de gênero é

fruto da assimetria de poder que só se sustenta em um quadro de desigualdades de gênero”

(2007, p. 27), ou seja, em um contexto de concepções hegemônicas de masculinidades e

feminilidades, de naturalização das hierarquias, de acessos desiguais a fontes de poder, à

escolarização, ao mercado de trabalhos, entre outros. Nos casos de violência física, esta vem

conjugada à violência simbólica, conceito utilizado por Bourdieu (2002), que trata do efeito

duradouro que o poder masculino exerce sobre os corpos, assume uma forma imperceptível,

por meio das “sutilezas da cultura” e da forma que ela opera para perpetuar as crenças

vigentes. Consiste também na sistemática desvalorização da mulher, através de humilhações,

de agressões verbais e de chantagens emocionais.

Ainda crianças, as narradoras-entrevistadas viram suas mães e tias apanharem de

“punho fechado” de alguma figura masculina, sejam pais, padrastos ou tios...

Na minha família o que eu veía era meu pai trabalhando, minha mãe

chorando de olho vermelho. Minha mãe descontava na gente (...) Quando

tinha 11 anos meu pai chegava bêbado batia na minha mãe(...) com uns 15

anos soube que meu pai gostava de ter relação com minha mãe, ela não

queria. Mas ele se imponía, ela só chorava, por isso que meu pai teve tantos

filhos (Sara, entrevista realizada em 05/07/2017).

Cuando eu dormia eles brigavam, minha mãe e meu padrasto (...). Ele

golpeaba e ela ficava quietinha, a veces cuando estaba bêbado, peor, todavía

(...). Una vez, tenía 13 años...Meu padrasto em cima dela, batendo, eu não

sabia o que fazer. Minha mãe já não resistia, a cada golpe que le daba,

sangre salía. No sé si de la boca o de la nariz. Iba a matar (...) Agarré seu

pescoço. Ele me empurrou e eu bati na mesa y rebento para mí, tengo esa

71

Tipo de batata desidratada consumida pelos povos aymara e quéchua. É conhecida como uma batata milenar

consumida pelas comunidades indígenas dos Andes cuja origem remonta à Era Pré-Colombiana.

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marca [mostrando a cicatriz] 72

(Luz, entrevista realizada em 12/02/2017).

Neste episódio, Luz explicou que sua mãe não quis se separar porque temia ser alvo de

críticas. “Ficou calada por medo que llegue mais problema” 73

. Ao questionar Quilla acerca da

sua percepção sobre a violência contra a mulher em seu país, a boliviana de Cochabamba

afirmou que:

A sociedade culpabiliza as mulheres quando elas deixam o marido ou

denunciam, porque aí as crianças ficam sem o pai, né? Dizem: ‘você poderia

ter aguentado, agora seus filhos vão ficar sem seu pai’, isso principalmente

vem da família do homem, a sogra, cunhada... Quando elas assumem alguma

atitude para romper o silêncio (Quilla, entrevista realizada em 05/09/2017).

Para ela, se as mulheres denunciam correm o risco de apanharem mais:

Agora as ONGs trabalham com isso lá, levando as leis que existem para

proteger, incentivando as mulheres a falar. (...) Vemos casais que saem das

festas bêbados e já começam brigar nas ruas e ninguém faz nada e muitas

vezes as crianças presenciam essa conduta dos pais se batendo na rua

(Quilla, entrevista realizada em 05/09/2017).

De acordo com os relatos, na maioria dos casos, a agressão vinha junto do consumo de

bebidas alcoólicas. Além disso, Quilla afirmou que: “alguns homens que querem participar

das tarefas domésticas e do cuidado com a casa, às vezes, eles também sofrem preconceito.

São chamados de ‘mandarinas’, ‘pocholos’ que são algumas denominações, apelidos a

homens que se prestam a fazer serviços domésticos”.

Os dados estatísticos corroboram os depoimentos das narradoras-entrevistadas. Apesar

da aprovação da Lei Integral para Garantir às Mulheres uma Vida Livre de Violência (Lei nº

348/2013) 74

– que envolve diversos aspectos de prevenção, proteção e sanção de qualquer

forma de violência contra as mulheres: seja ela física, psicológica, sexual e patrimonial e

econômica –, ao considerar todos os tipos de violência contra mulher, de cada dez bolivianas,

sete são violentadas (VARA-HORNA, 2015). De acordo com os dados publicados pelo

Instituto Nacional de Estatística (INE, 2017), 44,4% das mulheres casadas viveram situações

de violência com seu cônjuge nos últimos 12 meses. Esta situação é ainda mais grave na área

rural e o departamento com índice de violência mais alto, com 66%, foi La Paz, local de saída

das cinco narradoras-entrevistadas.

72

“Quando eu dormia, eles brigavam. Minha mãe e meu padrasto. Ele batia nela e ela ficava quietinha. Às vezes,

quando estava bêbado, pior ainda. Uma vez, tinha 13 anos... Meu padrasto em cima dela, batendo, eu não sabia o

que fazer. Minha mãe já não resistia, a cada soco que lhe dava, sangue saía. Não sei se da boca ou do nariz. Ia

matar... Agarrei sei pescoço, ele me empurrou e eu bati na mesa. E me arrebentou. Tenho essa marca” (Tradução

da autora). 73

“Ficou calada por medo que cheguem mais problemas” (Tradução da autora). 74

Nesta lei, o delito de feminicídio foi sancionado com pena de 30 anos de prisão.

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2.1.1 A saída: Me agarré a mis hijos y mi he ido

A migração é o meio encontrado para melhorar a condição de vida, juntar dinheiro

para comprar casa, ter o que oferecer aos filhos, entre outras razões. Mas é também “um álibi

para o movimento inicial que encobre uma série de outras motivações subjetivas para o desejo

de ampliação de fronteiras” (ZANFORLIN, 2014, p.87). “Os fatores socioeconômicos

definem em primeira instância o caráter de uma migração, mas estes não definem

completamente sua lógica interna, (...) configurado em boa parte pelas mediações culturais e

escolhas individuais” (SOUZA, 2006 apud OLIVEIRA, 2014, p. 173).

O movimento migratório tem como motivação principal a possibilidade de encontrar

trabalho, mas o entendimento do que move os indivíduos vai além disso. A migração é

também como alternativa para escapar de conflitos familiares e situações de opressão e

violência doméstica no país de origem (ALMEIDA, 2013). Apesar de os homens migrarem

por motivos não econômicos, como os citados acima, as mulheres tendem a ter mais

experiências neste aspecto, em parte devido à sua posição subordinada (NAWYN, 2010, p.

754).

Vejamos a saída de Luz: em um curto período de tempo, o marido, a sogra e a mãe

morreram. “Después ya no quis ficar allá, tinha que sair, porque no tinha más ali a nadie” 75

.

Pegou um empréstimo com sua tia e foi para La Paz. Lá, como garçonete, ganhava 700

bolivianos por mês, enquanto em seu pueblo o valor mensal recebido era de 60 bolivianos76

.

Apesar de pouco, era o suficiente para seu sustento, uma vez que a empregadora fornecia

cama e comida. “Na ciudad vi que no tenía casa” 77

. Depois de um ano como garçonete,

chegou à conclusão sua jornada prejudicava seus dois filhos, de dois e quatro anos. Ela

entrava às 6h no serviço e saía às 17h, enquanto eles passavam dia todo trancados no quarto.

Além disso, não sobrava nenhum dinheiro no fim do mês. Decidiu partir. “Me voy a ir de

aqui. Sin conocer me he ido a Argentina, me agarré a mis hijos y me he ido” 78

. Nas palavras

de Luz, foi puro desespero, ela não pensava em ir para o exterior. “Sentí raiva porque meus

filhos estava haciendo sofrer, yo me voy” 79

.

Conforme Luz ficava mais à vontade com as nossas conversas ao longo da pesquisa,

outras motivações foram reveladas. Resumiu uma série de histórias de traição e violência

75

“Depois já não quis ficar lá. Tinha que sair, porque não tinha mais ninguém ali” (Tradução da autora). 76

Em 2017, um real corresponde a 2,2 bolivianos. De acordo com o website preciosmundi.com, o preço do

transporte na Bolívia é de 2 bolivianos e uma refeição em um restaurante barato sairia no valor de 24 bolivianos. 77

“Na cidade vi que não teria casa” (Tradução da autora). 78

“Vou ir embora daqui. Sem conhecer, fui à Argentina, peguei meus filhos e me fui” (Tradução da autora). 79

“Senti raiva, porque estava fazendo meus filhos sofrerem. Eu me vou” (Tradução da autora).

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envolvendo parentes próximos em Caranavi da seguinte forma: Pueblo pequeno, infierno

grande (...). No quiero que mismo ambiente mis filhos crezcan, por eso prefiero ir longe. Me

dicem mis hermanos: vos es la única que está lejos. ¿Por que?’. Yo les digo: ‘voy a volver...’.

Pero no tengo volundad. Talvez a outro pais, pero cerca de ellos, no” 80

.

Quando vivia em La Paz, dividiu a moradia com sua irmã, com quem teve desavenças

em razão do mal tratamento dirigido por ela a seus filhos. Assim como Luz, Carmen também

migrou internamente antes de sair do país. Queria terminar os estudos e entrar na universidade

e, por isso, foi morar com a tia em Santa Cruz. Depois de um ano, sua tia expulsou-a da casa,

deixando sua mala e seus materiais escolares do lado de fora. Neste dia, chorou e, sem

possibilidades de ganhar dinheiro em seu país, decidiu migrar.

Por que me he salido....He pensado que en Argentina ganavan bien, porque

llegavan de allá y se compravan casa. Voy a trabajar un año y me voy a

comprar una casa. No importa donde sea, pero me voy a comprar. Pero

hasta hoy no. (...)Por eso también he venido, me dijeran: ‘en Brasil vas estar

mejor’ 81

(Carmen, entrevista realizada em 12/02/2017).

Da Argentina ao Brasil, além da expectativa de ganhar mais dinheiro, outra motivação

apareceu em sua fala:

Mis hermanos también ha comenzado a rechaçar mi hijo diciendo que era

mudo, zonzo, todo eso. (...) Yo me vine por mi volundad, ya no quería que

rechazaran a mi hijo en Argentina. Y en Bolivia también, le he llevado y él

no hablaba, todos decían que yo tenía un hijo zonzo. Yo me sentía mal,

quiero irme lejos de aqui 82

(Carmen, entrevista realizada em 29/06/2017).

Durante muito tempo, as mulheres foram excluídas dos estudos migratórios que

envolvem questões como mobilidade humana, trabalho e autonomia. Segundo a socióloga

Ana Inés Barral, as mulheres dificilmente eram reportadas enquanto "verdadeiras imigrantes",

uma vez que ao "ser migrante" sempre foi vinculada a ideia de vontade e de inserção no

mundo produtivo, características historicamente desvinculadas das mulheres (2011, p. 756). A

explicação para a mobilidade da mulher esteve relacionada à reunificação familiar e restrita à

esfera privada, ao passo que o homem era visto como aquele que migra com o objetivo de

trabalhar. A elas, caberia o papel de "família do imigrante", esposa, mãe e responsável pela

80

“Povoado pequeno, inferno grande. (...) Não quero que meus filhos cresçam no mesmo ambiente, por isso

prefiro ir logo. Dizem-me meus irmãos: ‘você é a única que está longe. Por que?’Eu lhes digo: ‘vou voltar’...

Mas não tenho vontade. Talvez em outro país, mas perto deles não” (Tradução da autora). 81

“Por que sai... Pensei que na Argentina ganhava bem, porque chegavam de lá e compravam casa. Vou trabalhar

um ano e vou comprar uma casa. Não importa onde seja, mas vou comprar. Mas, até agora não... Por isso

também vim, me disseram: ‘no Brasil vai estar melhor’” (Tradução da autora). 82“Meus irmãos também começaram a rechaçar meu filho, dizendo que era mudo, sonso, tudo isso. (...) Eu vim

por minha vontade, já não queria que rechaçassem meu filho na Argentina. E na Bolívia também, o levei e ele

não falava, todos diziam que eu tinha um filho sonso. Eu me sentia mal, queria ir longe daqui” (Tradução da

autora).

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“manutenção das práticas culturais do país de origem dentro do espaço doméstico, por meio

do uso da língua nativa, da culinária, do uso das vestimentas” (PIZARRO, 2003 apud

ALMEIDA, 2014, p. 125).

De acordo com Stephanie Nawyn (2010), a incorporação e o amadurecimento do

gênero nas análises migratórias ocorreram de forma gradual. Inicialmente, foi pensado

enquanto uma estratégia individual: tratava-se de uma variável binária que marcava a

diferença entre homens e mulheres, “mais um elemento”, como a idade e o status civil. Essa

fase das pesquisas foi apelidada de add and stir, “adicionar e mexer” a variável mulher. No

segundo momento, em meados dos anos 1980, ao invés da comparação entre os sexos, as

teorias passaram a pensar a diferença entre homens e mulheres nas migrações relacionadas ao

status subordinado da mulher nas diversas instâncias da vida social. Desse modo, as

experiências das migrantes foram inseridas dentro de um sistema mais amplo de relações

sociais de sexo que perpassava a casa, o trabalho, e as culturas de forma geral. Destaque para

o artigo Birds of Passage are also Women83

(1984), de Mirjana Morokvasic.

Mais recentemente, os estudos passaram a pensar o gênero enquanto um elemento

constitutivo da migração, focando não apenas na mulher, mas na experiência das pessoas

enquanto portadores de gênero. Essa reflexão leva em conta a maneira pela qual o gênero

permeia as práticas, identidades e instituições relacionadas ao fenômeno migratório

(NAWYN, 2010, p.750). Esta dimensão passou a constituir um “conjunto de relações sociais

que organizam os padrões migratórios” (HONDAGNEU-SOTELO, 1994 apud MAGLIANO,

2008, p. 9, tradução da autora) e trouxe novos ângulos de observação para as motivações, o

planejamento migratório, a condição de saída, a inserção laboral, entre outros aspectos.

No que se refere à propensão à saída do país de origem, as sociólogas Monica Boyd e

Elizabeth Grieco (2003) demonstraram que as relações, papéis e hierarquias de gênero

influenciam mulheres e homens produzindo diferentes resultados nas migrações. Segundo

elas, informação e dinheiro para realização da empreitada são elementos que contribuem para

uma tomada de decisão autônoma. Mas, conforme veremos no item a seguir, apesar da

ausência de renda ser maior entre as mulheres84

, o fato de ter ou não recursos financeiros

próprios não pareceu ser um elemento primordial para as trabalhadoras, visto que muitas

obtêm empréstimos com o próprio dono da oficina para realizar a viagem.

83

Pássaros migratórios também são mulheres (Tradução da autora). 84

Os dados do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe apontam que, em 2013, 30%

das mulheres bolivianas na área urbana não possuíam renda própria e entre os homens esse percentual caia para

8,1%. No mesmo ano, na área rural a porcentagem aumenta para 46,8% entre as mulheres e 11,6% entre os

homens. Disponível em: < http://oig.cepal.org/pt/paises/6/profile>. Acesso em: 12/09/2017.

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A economista Irene Moltó (2011) apontou que, ao viajarem sozinhas, é provável que

as mulheres sejam estigmatizadas por abandono materno ou culpabilizadas por

desestruturação familiar, por exemplo85

. Barral (2011) percebeu também uma diferença

intransferível entre os sexos quando homens e mulheres se deslocavam: enquanto eles

elaboravam sua trajetória como uma viagem, sinônimo de liberdade e aventura, "nenhuma

mulher, independentemente de seu estado civil ou idade, ao migrar se permite enunciar sua

migração de modo aventureiro” (2011, p. 768, tradução da autora).

Na pesquisa em questão, não entrevistamos homens86

e nenhuma das cinco mulheres

demonstrou sentimentos positivos ou elementos de aventura ao migrar. Conforme

observamos, Luz e Carmen migraram sozinhas, por sua conta e risco, contrariando a antiga

perspectiva migratória da mulher dependente. Zelaide e Sara migraram com seus maridos.

Para Sara, “aquela época foi muito ruim, como mãe, como mulher. Deixei minha filha, meus

pais (...). Aquela transição foi muito ruim. Pensei: ‘o que tenho que fazer para cuidar da minha

filha e dos meus pais? ’. Aí deixei lá tudo”. Levou apenas uma mala com roupa e cobertor e

deixou a filha de um ano e meio com seus pais.

Lourdes foi a única que migrou com o objetivo de reunificação familiar e a decisão de

ir partiu dela. Seu marido foi antes, suas idas à Argentina dependiam da demanda por serviços

neste país. A boliviana, no entanto, ouviu histórias de pessoas que migravam e formavam

outra família. Desconfiada, ela resolveu ir ao encontro de seu marido. Apesar disso, “no

estaba tan animada porque tinha medo de meus filhos, porque estavam sendo jovens, né? E

cuando uno está jovem às vezes va al lado errado” 87

.

Nos próximos itens, veremos como foi o processo migratório vivido pelas cinco

narradoras-entrevistadas e como o gênero condicionou suas experiências de trabalho.

2.2 Primeira parada: Argentina. Segunda parada: Brasil

De acordo com o último censo do país, os principais destinos migratórios dos

bolivianos são Argentina, Brasil, Chile, Espanha e Estados Unidos. A Argentina é a líder entre

85

Outra diferença reside no retorno das mulheres. Na pesquisa de camponesas do Vale do Jequitinhonha que

migram para São Paulo, Moraes Silva afirmou que seu retorno é marcado por discriminação “Ao questionarem a

submissão vivenciada pelas demais mulheres do vale do Jequitinhonha, colocam em xeque a organização social

de gênero existente” (MORAES SILVA, 2005, p.68). E, em oposição, o retorno dos homens é marcado por festa

e reencontro. 86

O único homem ouvido pela pesquisa foi o marido de Carmen. No entanto, ele não foi o foco de uma entrevista

específica. 87

“Não estava tão animada porque tinha medo de meus filhos, porque estavam jovens, né? E quando se está

jovem, às vezes vai ao caminho errado” (Tradução da autora).

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66

os destinos, concentrando quase a metade dos bolivianos, seguida da Espanha e do Brasil

(INE, 2012, apud MIRANDA, 2016, p.132-142).

No que se refere às recentes migrações bolivianas aos países do Cone Sul da América

Latina, é possível observar um padrão em que a mobilidade tem início ainda na Bolívia, da

área rural para a urbana, e, posteriormente, a migração vai em direção às metrópoles e grandes

centros urbanos como Buenos Aires e São Paulo (RIZEK et al., 2010, p.114). O perfil da

população imigrante que chega nestas cidades é parecido: origem andina, jovem, com pouca

qualificação profissional. O padrão migratório foi confirmado durante as entrevistas. Luz,

Carmen e Zelaide vieram de áreas rurais da Bolívia – Caranavi, Santiago de Huata e Nor

Yungas, respectivamente – e migraram para a área urbana antes de sair do país. Além de

migrarem internamente, três delas – Luz, Carmen e Lourdes – foram para Argentina antes de

se “fixarem” no Brasil.

A migração dos bolivianos para a Argentina é mais antiga se comparada àquela para o

Brasil. Naquele país, Rizek et al. observaram a existência de uma dimensão organizativa e de

uma presença nos espaços públicos maior. Além disso, existem outras possibilidades de

inserção no mercado de trabalho para além da costura, como no trabalho doméstico, na

produção de hortifrutigranjeiros e na construção civil (2010, p. 124). Segundo Sayad (1998,

p.54), sob o ponto de vista da sociedade de destino, a justificativa para o estabelecimento dos

migrantes encontra-se no trabalho, como se a necessidade de migrar tenha unicamente esta

razão de ser. E mais: não se trata de qualquer trabalho. Há um ‘mercado de trabalho’ para essa

população, que, no caso de São Paulo, é a costura.

Lourdes contou que aprendeu a costurar na Argentina, porém, no país, trabalhava não

com roupas, mas na produção de pelúcia. Sua jornada tinha início às 7h e durava até às 22h,

“igual à costura”, acrescentou. Quando o peso argentino desvalorizou, pensaram em ir ao

Chile ou ao Brasil, migrações limítrofes, cujo custo de deslocamento é menor. A iniciativa foi

do marido: “Primeiro ele foi para o Brasil olhar. Depois ele voltou e falou: ‘ali é melhor,

vamos lá?’”.

Carmen chegou a Buenos Aires com a promessa de ganhar cem dólares por mês, para

trabalhar com um boliviano em uma barraca de frutas. Dormia duas horas por noite, ia buscar

as frutas de madrugada, carregava sacos, entregava frutas para os clientes e fechava a barraca

à noite. Ficou sem receber por dois meses para arcar com os custos da viagem. Depois de ser

humilhada pelo seu patrão, decidiu sair. Foi trabalhar em oficinas de costura, onde conheceu

seu marido, também boliviano, e teve o primeiro filho. Depois de quatros anos “sem juntar

capital forte para comprar um imóvel”, decidiram migrar para o Brasil.

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Cem dólares foi também o valor prometido à Luz. Ainda na Bolívia, ela foi à procura

de alguém para levá-la à Argentina. Conheceu um dono de oficina que prometeu pagar sua

passagem e de seus filhos e empregá-la. “Bonito me han hablado” 88

. Mesmo sem saber

costurar, receberia salário, casa e comida e, inicialmente, ficaria na função de cozinheira e de

ajudante de costura. Ao chegar lá, não foi como esperava. Passou seis meses sem receber

salário e o patrão a fazia trabalhar até de madrugada. Depois de um ano, conheceu bolivianos

que indicaram outras formas de ganhar dinheiro, prestando serviço como garçonete em festas,

matrimônios e batizados. Só dessa forma, juntou recursos para retornar à Bolívia, onde

recebeu uma proposta de emprego do seu primo para trabalhar na oficina dele no Brasil. Mais

uma vez, a promessa era a de ganhar um salário maior.

A migração para a costura esteve ligada a redes familiares nos anos 1990 e, na década

seguinte, adquiriria uma dinâmica migratória distinta a partir das chamadas redes de

contratação. Com o agravamento da crise social na Bolívia e com a maior demanda de mão de

obra no setor têxtil, tais redes “se profissionalizaram”. Passaram, por exemplo, a anunciar as

vagas de emprego em áreas rurais da Bolívia em estações de rádio. Foi desse modo que as

narradoras-entrevistadas ficaram sabendo da possibilidade de migrar. Quatro das cinco

bolivianas que acompanhamos chegaram a Buenos Aires e São Paulo através das redes de

contratação.

As redes são uma forma específica de sociabilidade em que o migrante recebe auxílio

financeiro para realizar a viagem e para trabalhar. Em troca, oferecem o “derecho de piso”,

que de acordo com a socióloga Patrícia Freitas pode ser compreendido como:

Uma espécie de relação de reciprocidade diferida, em que: o dono da oficina

de costura, de mesma nacionalidade, auxilia primeiro (com o oferecimento

do trabalho, migração, alimentação e moradia), o costureiro ou aprendiz

retribui depois, ao chegar à cidade de destino, com sua fidelidade e com seu

trabalho na oficina de costura daquele que o auxiliou (FREITAS, 2014, p.

240).

De acordo com relatório da CPI do trabalho escravo:

Por terem laços familiares ou pela própria condição de conterrâneos de seus

empregadores, os novatos sentem-se constrangidos em protestar quanto à sua

condição. Mais do que isso, sentem-se gratos àquele que lhes ofereceu

trabalho e moradia, e têm a ideia de que lhes devem, mais do que dinheiro,

fidelidade (SÃO PAULO, 2006, p.25).

Segundo Miranda (2016), esta é uma prática boliviana surgida antes da

industrialização, quando as pessoas, normalmente jovens, saíam do campo para a cidade com

o objetivo de aprender um ofício com algum parente. Tratava-se de um rito de passagem 88

“Me falaram bonito” (Tradução da autora).

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próprio da dinâmica mestre-aprendiz, um período de aprendizagem caracterizado, entre outros

fatores, pela falta remuneração. Para a socióloga boliviana Cusicanqui esta prática, mesmo

quando aplicada às migrações internacionais, é uma instituição de dominação legítima, que

exige um nível de sacrifício, mesmo quando transposta ao universo da costura.

O Colectivo Situaciones, grupo de bolivianos costureiros na Argentina questionou esta

posição. De acordo com eles, corre-se o risco de construir uma “justificativa culturalista” à

exploração vigente nas oficinas (COLECTIVO SINBIOSIS CULTURAL; COLECTIVO

SITUACIONES, 2010, p.12). Miranda apontou ainda que o “derecho de piso” neste contexto

pode ser ativado independente da experiência prévia, sempre que o migrante desejar retornar

ao trabalho na costura e necessitar de apoio financeiro para o traslado (2016, p.263-264).

Em relação ao trajeto para chegar a São Paulo, a viagem de ônibus de La Paz a Santa

Cruz de La Sierra é geralmente realizada em transportes irregulares com o preço menor e dura

aproximadamente 15 horas. De lá, o percurso mais adotado pelos bolivianos é via Corumbá,

no Mato Grosso do Sul. Assim o fizeram, Lourdes, Sara e Luz. A última levou sete dias para

realizar o trajeto devido a imprevistos. Parte do grupo trazido por seu primo teve problemas

ao passar pela Polícia Federal em Corumbá e foram obrigados a esperar na cidade-fronteira

até que um advogado resolvesse o caso. Além de Corumbá, outras portas de entradas em

terras brasileiras são as cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim, ambas em Rondônia. Outra

opção é, a partir de Santa Cruz, atravessar o Paraguai e ingressar por Foz do Iguaçu, onde o

controle migratório é menos rígido (MIRANDA, 2016, p.144). Assim o fez Zelaide: “Él

dueño nos ha mandando pasaje hasta la frontera. En La Paz había una flota, transcadena,

por Paraguay hemos entrado” 89

.

Ao chegarem a São Paulo, os imigrantes circulam pouco pela cidade, seja por medo de

se perder na metrópole, da violência, ou de serem detidos pela polícia, principalmente quando

se encontram em situação irregular. Na maioria dos casos, esse medo é reforçado pelo dono da

oficina, figura que não tem condições muito distintas das de seus funcionários. Na primeira

oficina em que trabalhou, Zelaide lavava, cozinhava e “poco a poco iba aprendiendo a

costurar. Al salário nos daba 300 reales y tampoco nos dejaba salir a la calle” 90

. No caso de

Carmen, “llegando de Argentina, un año sin salir. Ni siquiera he subido en ônibus. No

sabíamos hablar tampoco queríamos aprender. Era solo por un año venir y irmos a Bolivia”

89

“O dono nos mandou passagem até a fronteira. Em La Paz havia uma frota [da empresa] Transcadena.Entramos

pelo Paraguai” (Tradução da autora). 90

“Pouco a pouco fui aprendendo a costurar. De salário, nos dava 300 reais e tampouco deixava a gente sair à

rua” (Tradução da autora).

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91. Luz, após cinco anos na cidade, afirmou: “no consigo andar de metrô. La línea yo no sé

donde tem que descer, puedo perderme...” 92

. No item seguinte, entraremos nas oficinas.

2.3 Trabalho nas oficinas: Me canso, me duele, me aguanto, tengo que trabajar ¿Qué voy

hacer?

Em São Paulo, a presença de imigrantes na costura não é um fenômeno atual.

Libaneses, sírios, judeus e coreanos antecederam os bolivianos no ramo têxtil. Inicialmente, o

desenvolvimento desta indústria na RMSP se deu por meio das migrantes brasileiras vindas da

região Nordeste. De acordo com o geógrafo Sylvain Souchaud, o “aumento e consolidação da

presença dos migrantes internacionais na confecção (...) é consequência de uma chamada de

mão de obra e da reestruturação produtiva” (SOUCHAUD, 2012, p. 82). As brasileiras

passaram a procurar melhores salários no setor de serviços e, paralelamente, ampliou-se o

número de oficinas de pequeno porte com a fragmentação e externalização da produção,

apresentadas no Capítulo 1 desta dissertação.

Segundo o sociólogo Tiago Côrtes, nos anos 1970 e 1980, os coreanos eram os

principais responsáveis pela confecção de roupas em empreendimentos familiares. Com

jornadas intensas, em locais que combinavam moradia e trabalho, tiveram uma ascensão

coletiva em pouco tempo. Passaram a contratar coreanos recém-chegados e compraram as

lojas de judeus, seus antigos patrões, dedicando-se à comercialização e ao design de roupas

(CÔRTES, 2013, p. 108). Miranda afirmou que a mobilidade social do ramo têxtil segue uma

dinâmica em que grupos étnicos passam o bastão a outros (2016, p. 63). O grupo de

bolivianos chegou posteriormente e reproduziu a lógica vigente entre os coreanos. No início,

eram contratados pelos coreanos. Hoje, são donos de diversas oficinas da cidade. Isso se deu

não somente com bolivianos, mas também com outros imigrantes latino-americanos, como

peruanos e paraguaios.

Diferentemente do perfil associativo dos coreanos, “a sociabilidade intragrupo entre

bolivianos-andinos não conformou cooperativas capazes de fortalecer o negócio” (2016, p.

64). O risco de uma oficina oferecer o mesmo trabalho a preços menores aumenta a

competição entre as oficinas bolivianas. Lourdes afirmou que os bolivianos no Brasil não são

unidos: “Eu perguntava como faz para formalizar a oficina, e não explicam bem (...) tentam

91

“Chegando da Argentina, um ano sem sair. Nem sequer subi no ônibus. Não sabíamos falar e tampouco

queríamos aprender. Era parar vir só por um ano e irmos a Bolívia” (Tradução da autora). 92

“Não consigo andar de metrô. A linha, eu não sei onde tem que descer, posso me perder” (Tradução da autora).

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que você tenha medo”.

É interessante notar que a entrada e a ascensão de coreanos e bolivianos no setor têxtil

não ocorreram apenas no Brasil. Na Argentina, as oficinas também eram dirigidas por

coreanos passaram de donos de oficina a fabricantes e, em alguns casos, ajudaram os

bolivianos a montar suas próprias oficinas (COLECTIVO SIMBIOSIS CULTURAL;

COLECTIVO SITUACIONES, 2010, p. 27). As narradoras-entrevistadas afirmaram que as

oficinas dos bolivianos seguem o mesmo “modelo” nos dois países: “El trabajo en Argentina

y el trabajo en Brasil es la misma cosa. Pagamento sí é diferente. Aqui no Brasil ganha mais.

Pero trabajo todo misma cosa. Cuando trabajas con boliviano te dan comida, te dan casa y tu

solo costuras” 93

.

Nestas oficinas a vigência do sistema de “cama adentro” (ou “cama caliente” como é

conhecido na Argentina), em que local de moradia e trabalho se misturam, é a regra. Para os

empregadores é uma forma de baratear o custo e controlar a força de trabalho. “Todos os

aspectos de suas vidas privadas eram controlados”, conforme foi constatado em relatório de

operação de fiscalização94

. De acordo com Luz:

Necesitamos trabajar. Pero algunos bolivianos donos de oficinas exageram.

Sua oficina no está bien apta para trabajar, así mismo enchem de gente.

Traem aquellos de Bolivia. Aquel que vem de Bolivia no reclaman de nada,

solo quieren trabajar. A veces, incluso, le fazem dormir en el suelo

(Entrevista realizada em 25/06/2017).

Apesar disso, o sistema é bem vindo aos trabalhadores recém-chegados, pois nem sempre

estão regularizados e não é simples formalizar um contrato de aluguel. E o valor cobrado para

morar na oficina é menor do que o de um espaço alugado de forma independente. Outra

característica do sistema “cama adentro” é o fornecimento de comida pelo dono da oficina,

com exceção do jantar do sábado e das refeições do domingo, responsabilidade dos

trabalhadores. Isso representa um gasto considerável, especialmente àqueles que têm filhos.

Luz, ao referir-se à sua amiga que mora e trabalha no mesmo local, diz que convém para

quem está sozinho e não tem filhos, pois não é necessário pagar aluguel nem cozinhar.

Se uma prenda de la loja cobra, digamos, sete reais. Ai ele paga la mitad.

Porque la mitad saca para el aluguel, otro tanto saca para água, luz y otro

tanto para la comida. Entonces al funcionário que ha costurado la prenda

toda completa, ele dá três reales (...). Se você trabajas desde 7h hasta 1h

saca mais. Todo para vos, porque no saca para comida, nada... Eu que estoy

ganando del brasilero 1.300 reales tiene que salir para comida, aluguel...yá

93

“O trabalho na Argentina e o trabalho no Brasil é a mesma coisa. Pagamento, sim, é diferente. Aqui no Brasil

ganha mais. Mas, trabalho tudo a mesma coisa. Quando trabalha para boliviano, te dão comida, te dão casa e

você só costura” (Tradução da autora). 94

Informação disponível na reportagem: < http://reporterbrasil.org.br/2014/08/fiscalizacao-resgata-haitianos-

escravizados-em-oficina-de-costura-em-sao-paulo/ >. Acesso em 21 ago. 2017.

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no quedo con nada 95

(Luz, entrevista realizada em 05/09/2017).

Antes de adentrarmos à experiência das narradoras-entrevistadas, passamos a uma

breve explicação da organização interna das oficinas de costura: em termos hierárquicos, o

posto mais baixo é o de cozinheira96

, seguido do de ajudante de costura – recém-chegados que

estão na condição de aprendiz. São responsáveis por cortar fios, colocar linhas nas máquinas,

arrumar defeitos e dobrar roupas – de costureiros – nas diferentes máquinas de costura –, de

encarregado97

– que se ocupa de trazer costureiros para oficina e de repartir o serviço e valor

entre eles – e, por último, o de dono da oficina – que também costura, é o proprietário das

máquinas, cuida para que não faltem alimentos para a preparação da comida de seus

“funcionários” e da compra dos fios e equipamentos necessários para a costura. Além disso, é

quem cuida da contabilidade da oficina.

Em relação às máquinas98

, destacamos os quatro tipos comumente presentes nas

oficinas: reta, overloque, interloque e galoneira, sendo que as duas primeiras são mais baratas.

Cada qual possui uma funcionalidade distinta. A máquina reta industrial é usada para a

produção de grande quantidade de peças de tecido plano99

. É resistente à costura de materiais

pesados como jeans, couro e lona e a ela são acoplados diversos assessórios, como colocador

de elástico, zíperes etc. A reta junta tecidos, faz a união, golas, barras, mangas. Como só faz o

ponto reto, necessita de outras máquinas para o acabamento, como overloque e galoneira. A

galoneira só faz barras. “São como duas costuras”, explicou Quilla. A overloque industrial

serve para acabamentos em tecidos planos e fechamentos de tecido de malha. Quando os

costureiros trabalham nesta máquina, “precisam agilizar e por isso sentem dor nas costas”,

relatou Luz. A máquina interloque faz um tipo costura de overloque e de reta. Como diminui a

necessidade do uso da overloque, acelera o processo de produção100

.

Segundo Quilla, geralmente, as roupas de malha costuradas com uma interloque

precisariam passar por outra máquina, mas como os bolivianos vendem as peças a um preço

baixo, não compensa fazer outra costura. A malha é um tecido barato e bastante vendido na

95

“Se uma peça da loja cobra, digamos, sete reais. Ai ele paga a metade. Porque metade tira para o aluguel, outro

tanto tira para água, luz e outro tanto para a comida. Então ao funcionário que costurou toda a peça completa, ele

dá três reais (...). Se você trabalha das 7h até 1h, tira mais. Tudo para você, porque não tira para comida, nada...

Eu que estou ganhando do brasileiro 1.300 reais tenho que tirar para comida, aluguel...Já não fico com nada”

(Tradução da autora). 96

Existente somente nas oficinas maiores. 97

Existente somente nas oficinas maiores. 98

Ver anexo C. 99

De acordo com o blog Audaces: “Tecidos Planos são resultantes do entrelaçamento de dois conjuntos de fios

que se cruzam em ângulo reto”. Disponível em:< http://www.audaces.com/tipos-de-tecido-plano-x-tecido-malha/

>. Acesso em: 12 mar. 2016. Ver anexo C. 100

Parágrafo produzido de acordo com a informação das entrevistadas e do blog

<https://blogsigbolfashion.com/2014/05/28/tipos-de-maquinas-e-suas-funcoes/>. Acesso em: 05 set. 2017.

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Feirinha da Madrugada. O valor pago por peça depende da máquina a ser “pilotada”. Na

máquina reta, o valor é mais alto do que o da overloque, pois aquela é mais difícil que esta

para fazer a montagem da roupa.

A rotina de trabalho das costureiras obedece a um padrão: há três intervalos na jornada

diária: café, na parte da manhã; almoço e chá na parte da tarde. O intervalo para o café e o chá

varia de oito a 15 minutos e, para o almoço, uma hora. No restante do tempo, todos

permanecem sentados. As narradoras-entrevistadas relataram que há pouca conversa no

ambiente de trabalho. Esse fato dialoga com o que Miranda apontou em sua etnografia nas

oficinas de costura: “a quantidade de tempo compartilhando o mesmo espaço não refletia na

criação de laços pessoais entre os costureiros” (2016, p.94, tradução da autora). Outro

elemento da jornada de trabalho é a presença do rádio101

sintonizado, pelo qual se escuta

música boliviana em alto volume.

O pagamento por peça é mais comum nas oficinas. Seja quando a produção é em

cadeia – geralmente com casais responsáveis por costurar toda a peça –, ou quando uma

mesma peça é feita por diversos costureiros – mais comum entre os solteiros (MIRANDA,

2017, p. 209, tradução da autora). Como o valor recebido por peça é irrisório, há uma

motivação para o trabalho vinculada à oportunidade de juntar o máximo de recursos possível.

Por isso, além de intensivas as jornadas são extensivas. Apenas Luz afirmou receber salário

fixo mensal. Segundo ela, que é viúva e mãe de dois filhos, isso lhe garante mais segurança.

Se o pagamento é por peça, há sempre o risco de se receber menos quando a confecção de

determinada roupa é mais complexa. Vive-se na esfera da incerteza, pois há dias que rendem

mais, e outros, menos.

Até o presente momento, Luz passou por três oficinas de costura em São Paulo. Na

primeira, o dono da oficina onde trabalhava e morava era seu primo, relação de parentesco

que lhe causou prejuízo. Segundo seu relato, nesta oficina havia, além dela e dos filhos, dois

casais e três solteiros. Apesar da experiência prévia adquirida na Argentina, seu primo

ofereceu-lhe trabalho na limpeza e na cozinha. A princípio, não achou ruim, pois poderia

atender melhor aos seus filhos, ganhava um salário fixo e só trabalhava aos sábados até meio

dia. Ela nos contou que, além de preparar a comida e deixar tudo limpo, era a responsável

pelas compras. O excesso de atividades fazia com que se sentisse sobrecarregada. Somado a

isso, quando seu primo estava com prazo apertado para a entrega das encomendas, ela ficava

com ele até amanhecer, ajudando a costurar, dobrar, cortar fios e contar peças. Apesar do

101

Existem diversas rádios-web produzidas por bolivianos.

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trabalho extra, no dia seguinte, era obrigada a acordar no mesmo horário. Nunca foi tratada

como parte da família, confessou. Tampouco recebeu o salário prometido. Trabalhou por três

anos com ele sem receber, vivia com “vales de 20 e 50 reais” que ele dava para ela ir à feira.

“Yo le decía tengo mis hijos y tengo derecho porque estoy trabajando también (...) mi

pensamiento era salirme siempre, pero salirme con el dinero que él me debe a mí” 102

.

Quando seu primo faliu103

, foram para a oficina de uma coreana, onde Luz cozinhava

sozinha para 30 pessoas. Passados alguns meses, subiu para o posto de costureira. No início,

era registrada, mas depois, a coreana manteve somente os funcionários que trabalhavam por

peça. Certa vez, indagou à dona sobre o aumento do piso salarial104 das costureiras. Recebeu

como resposta que, caso não estivesse satisfeita, poderia procurar outro trabalho. Por fim, foi

para a terceira oficina, onde está neste momento. A mudança foi motivada pela promessa de

ter carteira de trabalho assinada, de receber por hora extra trabalhada e de ganhar cesta básica

com a condição de que chegasse pontualmente. Já se passaram dois meses e a única promessa

cumprida foi a da hora extra. Os donos são um casal, um brasileiro e uma paraguaia, que,

segundo Luz, trabalham tanto quanto os outros seis costureiros. Junto a ela, seis bolivianos

costuram das 7h às 19h, em uma garagem com porta trancada. O sistema é mais rígido que o

da oficina anterior. Não podem usar o celular nem demorar no banheiro, “não oferecem

comida e não tem comedor” 105

. Os costureiros precisam levar marmita, que o dono esquenta

em sua casa, localizada no andar de cima. Eles afastam as máquinas e comem. “É diferente da

coreana, mas não falta trabalho”.

Cabe notar que, das cinco narradoras-entrevistadas, apenas Luz já teve carteira de

trabalho assinada. Mesmo quando os migrantes já estão regularizados, há pouco interesse em

inserirem-se em empregos regulares com benefícios previstos em lei (CÔRTES, apud

MIRANDA, 2016, p. 210). Nas palavras da boliviana Sara: “Se eu quiser trabalhar registrada,

não é igual, tiro 1.500 reais. Com costura ganho 4 mil. Qual compensa? Trabalhar mais ou

ganhar férias e benefícios?” (Sara, entrevista realizada em 05/07/2017).

Enquanto a maioria dos imigrantes que chegam ao Brasil ou à Argentina não sabe

costurar, Sara fez curso técnico de modelagem e já trabalhava com costura na Bolívia. Ela foi

102

“Eu dizia a ele: ‘tenho meus filhos e tenho direito, porque estou trabalhando também’. Meu pensamento era

sair sempre, mas sair com o dinheiro que ele me devia” (Tradução da autora). 103

A falência é comum nestas pequenas oficinas, que abrem e fecham com facilidade sem impactos para as

grandes lojas, ou os agentes que dirigem a Rede Global de Produção (RGP). Ver mais detalhes no Capítulo 1

desta dissertação. 104

O piso salarial informado pelo Sindicato das Costureiras em maio de 2017 era de 1.085,20 reais por mês para

trabalhadores não qualificados. 105

Refeitório (Tradução da autora).

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a única que financiou a própria viagem. Segundo ela, no seu primeiro local de trabalho no

Brasil, passou os piores quatro meses de sua vida. Ao chegar à oficina, localizada na Vila

Maria, bairro da Zona Norte de São Paulo, “a dona disse: aqui eu pago por peça, 25 centavos

por calça... Eu pensei, nossa, quanto que eu ganho no mês? Preciso fazer muito”. Trabalhava

das 7h até meia-noite, de segunda a sábado. Domingo era opcional, mas como “eu vim pra

trabalhar, não vim pra descansar nem de férias, trabalhava de domingo a domingo”. Dormia

em um quartinho ao lado da cozinha e suas saídas eram controladas.

Sara ficou um mês inteiro sem sair da oficina e sem conseguir dar notícias aos

parentes na Bolívia. Dividia o espaço com outros quatro bolivianos, todos parentes da

proprietária e nascidos no interior do Departamento de La Paz. Contou-nos que a filha da

dona perdera o dedo na oficina, mas não chegou a ser levada ao hospital na ocasião. Em outro

momento, Sara costurou seu dedo: “Passei mal [ao costurar o dedo] e ela não me levou para o

médico, nada (...) a sua oficina é mais valiosa que minha vida...”, relembrou Sara, para

acrescentar em seguida:

Eu soube que os primos da dona também não recebiam. Ela tinha trazido os

primos de lá para trabalhar com a condição de que eles trabalhassem por um

ano e depois ela acertava um ano com os pais. Durante esse tempo, ela só

correria gasto de higiene pessoal, e a outra menina estava grávida (...). Lá eu

fui explorada, né? A comida era muito ruim... O primeiro mês que trabalhei

com meu marido a gente tirou 120 reais só, por um mês de trabalho, quantas

horas por dia, pensa! (...) Ela intimidava a gente, falava que a gente não

podia sair, ela não me deixava, fechava a porta com cadeado, dizia que a

polícia me pega e me leva para fronteira (Sara, entrevista realizada em

05/07/2017).

No segundo local de trabalho, na favela Parque Novo Mundo, também na Zona Norte,

ficou por oito meses. “Era a mesma coisa o trabalho, só que não era até meia-noite, era até

22h e o valor da peça era um real, já melhorou”. Neste local, trabalhavam quatro pessoas em

cadeia, ou seja, cada um ficava responsável por uma parte de uma mesma peça. Mas o casal

dono das máquinas brigava e, a cada nova discussão, a mulher parava de cozinhar e trabalhar.

“Se querem brigar, tudo bem, mas eu vim aqui para trabalhar, tenho uma filha para manter,

tenho que mandar dinheiro para Bolívia”. Depois de um tempo, recebeu proposta de uma

amiga da Bolívia e foi para o Bom Retiro, centro da cidade. Não havia um quarto só para Sara

e o marido, então, eles dividiam o espaço com outras oito pessoas, dois casais e quatro

solteiros. Lá pegou rinite, mas ganhou bem, cada peça lhe rendia dois reais e 20 centavos.

Produzia as peças em cadeia com seu marido. “Ele fazia bolsos, gola e eu as costas, forro...”.

Na Kantuta, conheceu um brasileiro que ofereceu dois reais e 50 centavos por peça, em Santo

André, na região do ABC paulista. “Alguém falou para ele [o brasileiro] que ia ganhar bem,

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ele colocou as máquinas, não sabia nada de costura, falou para mãe cozinhar e disse: ‘aqui é o

serviço, se vira’”.

A experiência de Lourdes foi diferente quando comparada à das outras mulheres, pois

ao chegar ao Brasil, não ficou na cidade de São Paulo. Ela veio em 2013, com dois de seus

quatro filhos, e foi direto para Cajamar, município da RMSP, localizado a 40 km da capital.

Na primeira oficina em que trabalhou, tinham 12 pessoas, todas bolivianas. A dona cedeu um

quarto para ela, o marido e os dois filhos. O mais velho, de 18 anos, também costurava. Todo

o primeiro mês de trabalho da família foi somente para arcar com os custos da viagem. “Eu

acho que não era certo, né! (...) De três pessoas que estávamos trabalhando lá, era muita

coisa”. Conheceram os donos da segunda oficina em uma feira de frutas. Ali, contaram que

não estavam recebendo e que procuravam outro lugar para trabalhar.

A segunda oficina, também em Cajamar, era maior, com 30 costureiros (maioria

casais) provenientes de vários lugares da Bolívia. A casa “era muito longe, donde 106

ninguém

podia olhar que estavam trabalhando aí pessoas”. As condições eram “do mesmo jeito

também, primeiro momento eles te convencem com tudo... Hay que fazer así 107

... disse que ia

me ajudar com documentos”. Enquanto estava lá, buscou os outros dois filhos que tinham

permanecido na Bolívia. No mês “nós três fizemos 700 reais e no final de semana você tem

que gastar do seu dinero 108

, como eu tinha meus filhos, não alcançava109

”. A terceira tentativa

da família foi em Carapicuíba, a 30 km da capital. O contato para este trabalho foi feito no

primeiro dia em que pisaram em São Paulo, quando chegaram ao Terminal Rodoviário da

Barra Funda, Zona Oeste da cidade. “Um boliviano se acercou a meu marido e falou: ‘se você

não se der bem na oficina que vai trabalhar, me liga’”. Mudaram-se, até que viram a dona da

oficina brigar com os filhos pequenos do casal. Foram para a quarta oficina, que não pagou à

família pelo trabalho realizado. Além disso, “no podía salir 110

, só domingo”.

Assim como as outras, Carmen também foi surpreendida no primeiro local de

trabalho: “La oficinista sabía que nosostros no conocíamos Brasil y que ha hecho: ella nos ha

dado el precio más barato que habíamos ganado, menos que Argentina”111

. Ela e o marido

foram para um segundo local de trabalho e moradia, onde podiam descansar aos domingos.

106

“Onde” (Tradução da autora). 107

“Tem que fazer assim” (Tradução da autora). 108

“Dinheiro” (Tradução da autora). 109

“Não era suficiente” (Tradução da autora). 110

“Não podia sair” (Tradução da autora). 111

“A oficinista [dona de oficina] sabia que a gente não conhecia o Brasil. O que fez: Ela nos deu o preço mais

barato que já havíamos ganhado, menor do que na Argentina (Tradução da autora)”.

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Nenhuma das narradoras-entrevistadas recebeu o valor combinado oralmente no início

de suas empreitadas, nem foram cumpridas as promessas de ajuda com a regularização no

Brasil. Mas todas elas ao mudarem de oficina conseguiram aumentar seus rendimentos apesar

do mesmo não ocorrer com as condições e o ambiente de trabalho. Do que pudemos

apreender do relato delas, as condições de trabalho ou moradia não eram priorizadas. O que é

mais levado em consideração são a quantidade de serviço e o valor recebido por peça

costurada.

2.3.1 Trabalho de mulher nas oficinas: ¡Mujer que cose, mujer que cocina, mujer

que compra!

Ribeiro (2015) verificou em sua pesquisa de campo dois tipos de oficinas: as de

grupos familiares, em que o trabalho doméstico não é remunerado e é realizado pelas

mulheres que interrompem o trabalho na costura para limpar e cozinhar; e as oficinas maiores

e mais estruturadas, onde esta função, apesar de ser a mais baixa na hierarquia da oficina, é

remunerada. Nos dois casos, tratam-se de “espaços privilegiados” para a análise da relação

entre trabalho produtivo e reprodutivo que, conforme ressaltaram as feministas francesas, são

esferas inseparáveis. Nas palavras de Nogueira: “Os dois aspectos da vida feminina,

reprodutiva e produtiva, se imbricam constantemente. Sempre que existir uma ação qualquer

em um desses polos, haverá repercussão de um sobre o outro, dada a articulação viva

existente entre as esferas do trabalho e da reprodução” (2011a, p. 50).

Inicialmente, ao indagar sobre a diferença entre o trabalho de homem e de mulher na

oficina ouvimos que era “tudo igual”. Mas, ao longo da conversa, algumas diferenças

tornaram-se visíveis. Zelaide, ao afirmar que o trabalho é o mesmo independente do sexo,

demorou alguns segundos para acrescentar:

Pero trabajo yo más que mi esposo. Tengo que cocinar, trabajar, lavar las

ropas, a veces tengo que salir al super a comprar, te llamam de la escuela,

reunión... No sé a veces que hacer, tengo que ir al hospital también (...) hago

inter [interloque], ayudo en recta. No hay descanso. Mi marido espera que

yo haga todo, es lo que no me gusta 112

(Entrevista realizada em 29/06/2017).

Carmen, que também participava da mesma conversa, acrescentou: “Todos os dias

diferenciamos a comida, ficamos pensando o que cozinhar... mulher faz tudo (...) El trabajo

112

“Mas eu trabalho mais que meu esposo. Tenho que cozinhar, trabalhar, lavar as roupas, às vezes tenho que sair

ao supermercado, te chamam da escola, reunião... Não sei às vezes o que fazer. Tenho que ir ao hospital também

(...) faço inter [interloque], ajudo na reta. Não tem descanso. Meu marido espera que eu faça tudo, isso é o que eu

não gosto” (Tradução da autora).

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del hombre es solo costurar, buscar firma y comprar las líneas. Mas, mayoria va comprar [as

linhas] las mujeres. ¡Mujer que cose, mujer que cocina, mujer que compra!”113

.

A obrigatoriedade do trabalho doméstico se torna um elemento de desigualdade

quando os migrantes chegam sem experiência e ocupam a função de ajudantes até adquirirem

as habilidades necessárias para assumir a máquina de costura. Como as mulheres acabam por

dividir seu tempo de aprendizagem com as tarefas domésticas, demoram mais que os homens

para dominar o ofício e aumentar suas possibilidades de ganho (RIBEIRO, 2015, p. 60).

Como indicou Ribeiro, referindo-se aos princípios organizadores da divisão sexual do

trabalho de Kergoat:

A inserção inferiorizada que as mulheres têm nas oficinas de costura pode

ser lida através dos princípios de separação e hierarquia; o primeiro indica a

obrigatoriedade com relação ao trabalho doméstico e, o segundo, a limitação

que elas têm em comparação com os homens no acesso ao salário e ao

dinheiro (RIBEIRO, 2015, p. 5).

Independentemente de estarem inseridas no espaço produtivo, são elas que mantêm a

responsabilidade do trabalho reprodutivo, como pressuposto do papel da mulher, mãe e

esposa. Além disso, em levantamento realizado com bolivianas que trabalham nas oficinas,

Veiga e Galhera verificaram que as “mulheres casadas ou em união estável se dedicam

substancialmente mais às atividades da esfera reprodutiva, com trabalho não remunerado”

quando comparadas às solteiras ou divorciadas (VEIGA; GALHERA, 2016, p. 133).

Conforme discorremos na introdução,

É ilusório (...) imaginar que a mera emancipação econômica da mulher fosse

suficiente para libertá-la de todos os preconceitos que a discrimina

socialmente (...). A projeção de que a igualdade na exploração da força de

trabalho é o primeiro dos direitos do capital não se realizou em nenhuma

sociedade. A força de trabalho é diferenciada em termos de sexo e raça/etnia.

(SAFFIOTI apud GONÇALVES, 2011, p. 126).

A divisão sexual do trabalho se faz presente não apenas na inter-relação entre espaço

produtivo e reprodutivo. Também a encontramos nas atividades que giram em torno da

costura (espaço produtivo). Veiga e Galhera verificaram a separação entre atividades

consideradas “masculinas”, tais como transporte e pagamento, não realizadas por mulheres; e

outras tipicamente femininas, como o posto de trabalho doméstico remunerado (2016, p. 136).

Além do gênero, os autores apontaram que família e idade são variáveis parecem impactar na

remuneração das mulheres bolivianas. Apesar das solteiras terem mais tempo para a dedicação

113

“O trabalho do homem é só costurar, buscar empresa [para pegar serviço] e comprar as linhas. Mas a maioria,

quem vai comprar são as mulheres. Mulher que costura, mulher que cozinha, mulher que compra!” (Tradução da

autora).

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no espaço produtivo, as casadas estão nos postos mais bem pagos e, por serem mais velhas

possuem mais experiência (VEIGA;GALHERA, 2016, p. 135). No que se refere à costura

propriamente dita, é comum encontrarmos na literatura sobre o tema informações de que os

homens são, geralmente, operadores da máquina reta, enquanto as mulheres “pilotam” a

overloque (COLECTIVO SINBIOSIS CULTURAL e COLECTIVO SITUACIONES, 2010,

MIRANDA, 2016; VEIGA E GALHERA, 2016).

Curiosamente, essa divisão em relação às diferentes máquinas não apareceu na

pesquisa de campo. As mulheres entrevistadas disseram não haver distinção do tipo de

máquina por sexo. Lourdes, por exemplo, só costura na reta. Luz, Carmen, Sara e Zelaide

utilizam as duas. Esta última afirmou que quando ela e o marido estão na mesma máquina, é

ela quem ganha mais e mesmo quando está na overloque 114

e seu marido na reta, ela recebe

mais, pois ele é lento e tem pouca agilidade:

Entre varios ‘rectistas’ yo era la única ‘interloquista’ donde armaba solita

para ellos. Hay siempre parejas que son más ágiles. Mi esposo era ‘rectista’

y yo ‘interloquista’, siempre sacaba 200 reales más que él. De mí siempre

había un poquito más que de él. Decía: ¿quién gana más? Tú tendrás fuerza

y yo también puedo 115

(Zelaide, entrevista realizada em 29/06/2017).

No local em que Miranda trabalhou durante sua etnografia, ele foi aconselhado pelo

dono da oficina de que “os homens devem moldar suas mulheres, dizer como devem se portar

em público e se vestir”. O pesquisador já havia notado que a esposa do dono não contestava

as ordens de seu marido e esperava sua aprovação para agir (2016, p. 96). De acordo com ele,

independente de sua habilidade, as mulheres são desvalorizadas e vistas como auxiliares dos

maridos, com participação secundarizada na produção (2016, p.275). O exemplo de Carmen é

ilustrativo. Ela não tinha dimensão de sua capacidade produtiva, pois sempre recebera junto

ao marido. Certa vez, cansada dos insultos e gritos que ouvia dele, de que era frouxa, não

sabia costurar, resolveu separar o serviço: “¡Basta, yo quiero ver mi sueldo! Vamos a partir

igual” 116

.

Outra distinção importante entre homens e mulheres refere-se ao tempo dedicado ao

lazer. A população boliviana possui espaços de sociabilidade já consolidados em São Paulo,

frequentam feiras culturais, jogam futebol aos finais de semana117

, fazem parte da composição

114

Ela recebia em média 30 centavos por peça na overloque e um real e 50 centavos na reta. 115

“Entre vários ‘retistas’ eu era a única ‘interloquista’, que armava sozinha para eles. Sempre tem casais que são

mais rápidos. Meu esposo era ‘retista’ e eu ‘interloquista’, sempre tirava 200 reais a mais que ele. De mim,

sempre havia um pouco mais do que ele. Eu dizia: ‘quem ganha mais? Você tem força, mas eu também posso’”

(Tradução da autora). 116

“Basta, eu quero ver meu salário! Vamos dividir igual” (Tradução da autora). 117

Segundo a Pastoral do Migrante, há mais de 800 times de futebol de bolivianos em São Paulo.

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dos conselhos municipais, entre outros. No entanto, é comum ouvirmos que os homens

deixam suas mulheres em casa com os filhos e saem com seus conterrâneos. Enquanto a

maioria dos homens descansa aos sábados depois do almoço, vão a “la kancha” 118

e jogam

futebol, a mulher lava roupa, limpa a casa e cuida das crianças.

De acordo com depoimento da boliviana Veronica Yujra, no livro Histórias que se

Cruzam na Kantuta, o aguayo é uma manta utilizada pelas mulheres para carregar compras e

crianças, “como se fosse uma bolsa das mulheres andinas (...) o aguayo remete a mulher (...)

elas estão sempre com um aguayo bem grandão atrás e o homem sem nada” (2016, p. 58).

Possivelmente, este é um dos motivos que as narradoras-entrevistadas referem-se aos homens

de seu país como machistas, principalmente àqueles que vêm do interior. Em contrapartida, –

apesar de não saberem o que se passa dentro da casa das brasileiras – veem os homens do

Brasil como “menos machistas”, porque estes fazem compras na feira e passeiam com seus

filhos. Atividades que, segundo elas, não são comuns entre os homens na Bolívia119

.

Zelaide: Veo las brasileiras, tienen tiempo para arreglarse. No sé como

sacarán sus tiempos, como será su modo de vivir...120

Carmen: Trabajan por cartera, das ocho hasta las cinco, limpian su casa y

tienen tiempo para arreglarse. Nosotras nunca paramos Por eso pienso, yo

voy a fazer roda de conversa de hombres, para cambiaren las ideas 121

[risos].

Passaremos, no capítulo seguinte, a tratar das formas de resistência frente às condições de

trabalho impostas, além de outros elementos como: violência, fé, filhos e desejos.

Demonstraremos que tais aspectos perpassam a vida das mulheres e não estão descolados da

temática transversal desta dissertação, o trabalho.

118

Como se referem à Praça da Kantuta. 119

Ver foto 3, anexo C. 120

“Vejo as brasileiras, têm tempo para se arrumar. Não sei como tiram tempo, como será seu modo de viver”

(Tradução da autora). 121

“Trabalham com carteira assinada, das 8h até as17h, limpam suas casas e têm tempo para se arrumar. Nós

nunca paramos. Por isso penso, vou fazer uma roda de conversa de homens, para eles mudarem as ideias”

(Tradução da autora).

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Capítulo 3 Narrativas de resistência

No primeiro item deste capítulo, examinaremos o que as narradoras-entrevistadas

pensam sobre sua atividade estar vinculada ao trabalho análogo ao de escravo.

Posteriormente, discutiremos sobre a margem de poder que elas possuem para reverter ou

minimizar as condições precárias de trabalho que lhe são oferecidas. No tópico seguinte,

abordaremos as diferentes formas de violência nas quais as mulheres migrantes estão expostas

em São Paulo. Para fechar o capítulo, discorreremos sobre a fé e os filhos, dois elementos que

se mostraram cruciais na vida delas.

3.1 Eu, escravizada?

Como foi dito anteriormente, as cinco narradoras-entrevistadas não estão entre as

bolivianas resgatadas da condição análoga à de escravo. Apesar disso, as descrições feitas por

elas, em alguns momentos, poderiam ser caracterizadas como tal, de acordo com o artigo 149

do CPB. Contudo, nos interessa saber o ponto de vista das trabalhadoras: o que seria trabalho

escravo para elas? O que elas pensam sobre a sua experiência laboral no Brasil ser

considerada análoga à de escravo?

Ao fazer tais perguntas aos trabalhadores rurais do Maranhão, Moura afirmou que a

primeira reação era a negação da categoria, em função do imaginário colonial dos povos

negros escravizados em solo brasileiro. Porém, ao longo da conversa com eles, palavras como

“escravo moderno” e “escravo atual” foram associadas a suas próprias experiências. De modo

geral, a autora mencionou que os trabalhadores “apontam a precisão, termo regional que

identifica períodos de maior necessidade econômica no contexto da economia familiar como a

principal causa de ocorrência de regime de trabalho escravo” (2016, p. 142). E concluiu que,

por serem autônomos, os trabalhadores rurais se reconheceram em momentos de escravidão,

quando precisavam trabalhar nas terras de outrem. Eles sabiam as condições de trabalho que

iriam encontrar, mas, por falta de opções reincidiam nestas atividades (MOURA, 2016, p.

141-143).

No caso das bolivianas, é interessante notar que nenhuma delas relacionou o trabalho

escravo com a escravidão vigente no período colonial nas Américas. Possivelmente, essa

identificação está mais arraigada entre os brasileiros, pela dimensão e duração – de mais de

três séculos – que o sistema escravista teve na formação do país. Para Luz, “trabalho escravo

seria a condição dos soldados, que precisam comer em pé, não tomam banho e não têm água

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para beber”. Em relação à atividade dos costureiros bolivianos, afirmou:

Escravo, no. Aquellos que são inocentes, que não falam e não sabem se

expressar, sobretudo os que vêm do campo, los dueños se aprovechan más

que todo, pues no les importa nada, solo que tengan comida y trabajo. En

cambio aquel que ha vivido na cidade, ya sabe un poco de comodidad y vai

reclamar 122

(Luz, entrevista realizada em 25/06/2017).

Como o objetivo inicial é juntar o máximo de dinheiro em tempo recorde para retornar ao

país, o trabalho é encarado como uma atividade transitória, “por un tiempito, no más”. O

“tiempito”, contudo, vai se alargando conforme se deparam com a necessidade de pagar a

viagem, custear a sobrevivência e enviar remessas à Bolívia.

Na opinião de Sara:

Trabalho escravo são aquelas crianças que estão quebrando castanha ou

estão nas minas de carvão. São crianças! A gente já é adulta, a gente sabe o

que quer. O que a gente faz é ganhar a vida, o que a gente faz é conseguir as

nossas metas, os nossos objetivos, comprar as nossas coisas, sabe? O nosso é

trabalho duro... (Entrevista realizada em 05/07/2017).

A despeito de afirmar que viveu a escravidão na primeira oficina, ela reforçou que o

trabalho na costura realizado pelos bolivianos não é escravo. E acrescentou: “as coisas que

agora têm na mídia falando de trabalho escravo, falando de oito horas de trabalho, tanta coisa

você ouve que agora está mais nutrido, antigamente não tinha tanto. Agora a pessoa que vem

da Bolívia já sabe, né?”. De acordo com a definição elaborada por Lourdes, “trabalho escravo

seria aquele que não está pago, porque não está recebendo o que está trabalhando”.

Curiosamente, apesar de pouco antes ter contado que ficara sem receber em duas oficinas, não

relacionou o trabalho escravo com a própria experiência.

Ribeiro (2015) mencionou que, em geral, os bolivianos fazem uma distinção entre os

que foram enganados a respeito do pagamento e da jornada de trabalho e os que “escolheram”

o referido posto e que “desejam” se manter na informalidade, visto que, nesta situação, há a

oportunidade de ganhar mais. Tais discursos, porém, se deparam com um beco sem saída. Se,

por um lado, há a afirmação da vontade individual, por outro, reconhecem seu baixo poder de

negociação frente às condições impostas. Segundo McGrath (2013b), o debate entre escolha

voluntária versus oportunidade restrita por constrangimentos estruturais mais obscurece do

que contribui com a discussão. Afinal, trata-se de um paradoxo do nosso moderno sistema

econômico, que, como apontou Filgueiras, “a cruel impessoalidade do mercado sugere que o

122

“Escravo, não. Aqueles que são inocentes, que não falam e não sabem se expressar, sobretudo os que vêm do

campo, os donos se aproveitam mais que tudo, pois não importa nada para eles, só que tenham comida e

trabalho. Por outro lado, aquele que viveu na cidade já sabe um pouco de comodidade e vai reclamar” (Tradução

da autora).

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trabalhador aceita a degradância por opção, por ser pretensamente livre” (2015, p.147).

Diversas razões podem sugerir a negação ou a discordância da própria condição de

trabalho enquanto análoga à de escravo. Uma delas, bastante mencionada nas pesquisas

acadêmicas, é o fato de o termo carregar um tom pejorativo. Cria-se, assim, um estigma em

relação à comunidade boliviana de São Paulo, como se houvesse uma relação direta entre ser

boliviano e estar escravizado. A resposta que Freire da Silva recebeu de seu entrevistado é

ilustrativa: “você quer fazer um trabalho sobre a Bolívia, sobre a cultura boliviana ou sobre

nossa comunidade? Se você quer falar sobre escravidão não tenho nada a dizer. Nós não

temos bolas de ferro amarradas em nossos pés” (2008, p.103).

Outro fator que contribui para a rejeição da categoria é a constatação de que no país de

origem a situação é mais difícil. Ouvimos das cinco narradoras-entrevistadas que é

complicado encontrar trabalho para quem não estudou na Bolívia. Segundo elas, quando isso

ocorre, as mulheres, usualmente, lavam roupas, são comerciantes ou limpam casas. Ainda

assim, o dinheiro é pouco. Em contraposição ao Brasil: “aqui, si trabajas, hay dinero, pero

allá no”123

, disse Sara, acrescentando:

Lá é muito complicado! Não é fácil ter férias e se impor como trabalhador

(...). Lá, trabalhar 12, 15 horas por dia não é escravidão, é necessário, senão

você é demitida (...). Lá é assim, por isso, quando a gente vem pra cá, esse

trabalho que falam “escravo de indústria” para nós não é nada. A gente tá

acostumado a trabalhar assim (Sara, entrevista realizada em 05/07/2017).

Veiga e Galhera chamaram atenção para o fato de que apenas 19,44% das mulheres

entrevistadas por eles reclamaram das condições físicas do ambiente de trabalho das oficinas,

como ventilação e iluminação. Enquanto que, nos relatórios das operações de fiscalização, as

condições degradantes de trabalho são apresentadas de forma categórica (2016, p.138).

Referindo-se à área rural, Figueira afirmou que “se as condições de habitação e

alimentação do trabalhador na escravidão por dívida não são muito inferiores à vivida antes

do aliciamento, as atuais podem não ser razão suficiente de ira” (2004, p.343). Esterci (1994)

escreveu sobre trabalhadores que se recusaram a sair da fazenda na qual eram explorados e

alegou que tal postura demonstrava uma forma de coerção extra econômica, um padrão

paternalista presente na relação de emprego (1994, p. 56). De acordo com ela, a suposta

legitimidade dos trabalhadores pode estar relacionada a motivos visíveis e urgentes, como

falta de recursos ou de alternativas de vida. Mas também é preciso levar em consideração

aspectos morais e culturais particulares dos grupos sociais aos quais os trabalhadores

pertencem.

123

“Aqui se trabalha tem dinheiro, mas lá não” (Tradução da autora).

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Nas operações de resgate no meio urbano, também foi constatada a resistência e a

desconfiança dos trabalhadores. Nas conversas, identificamos a ausência de informação

acerca das possíveis consequências da entrada da fiscalização na oficina. A imagem geral das

cinco mulheres é a de que atuação das autoridades públicas não as beneficia nem as protege.

Segundo Carmen, “si pierdes su dinero con la fiscalización, nunca más vuelves a levantar y

quedas en Brasil” 124

. Apesar de nenhuma das bolivianas ter presenciado uma operação de

resgate, todas já “tinham ouvido falar”:

Yo escuché sobre la fiscalización. Ellos siguen a la firma. Si yo trabajo con

una firma que no paga sus impuestos, van hasta su oficina y pegam todo el

servício que está ahí, y colocan multa que la empresa tem que pagar. Con

costureiros nos prejudican también, porque ellos ensucian el documento 125

(Carmen, entrevista realizada em 29/06/2017).

Luz explicou que se o dono não tem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), os

fiscais confiscam as máquinas, fecham as oficinas e, se tem boliviano sem documento, eles

são deportados. Ela não conheceu ninguém que fora deportado, mas viu isso acontecer pelo

noticiário da televisão. Em seu caso, que está regular no país, “si la fiscalización va cerrar la

oficina, normal! Puedo ir a trabalhar a otra oficina” 126

. O marido de Carmen qualificou a

fiscalização brasileira como “mais suave” quando comparada à argentina. De acordo com ele,

a primeira bate à porta, enquanto a segunda entra com o “pé na porta”, confiscando as

máquinas de costura ou pedindo propina aos donos das oficinas127

.

Para Sara, “a fiscalização deveria bater na porta das lojas. Tanto as lojas grandes

quanto pequenas têm mão de obra nossa. Elas registram seus funcionários, mas não registram

os bolivianos”. Quando entramos neste assunto com Zelaide, ela desconhecia o que ocorria

com os costureiros e, por ter as próprias máquinas, se preocupou: “¿Y cuándo son así

familias? En mi caso... Eu trabajo para sobrevivir, para mis hijos también y ¿Qué tal si me

entra una fiscalización?” 128

.

O receio mencionado acima em relação à atuação dos fiscais pode ser justificado pelo

fato de que, até meados dos anos 2000, a atuação dos agentes de estado visava à

124

“Se perde o dinheiro com a fiscalização nunca mais consegue levantar e fica no Brasil” (Tradução da autora). 125

“Eu escutei sobre a fiscalização. Eles seguem a empresa. Se eu trabalho com uma empresa que não paga seus

impostos, vão até sua oficina e pegam todo o serviço que está lá e colocam multa que a empresa tem que pagar.

Com os costureiros também nos prejudicam, porque eles deixam o documento sujo” (Tradução da autora). 126

“Se a fiscalização vai fechar a oficina, normal. Posso trabalhar em outra oficina” (Tradução da autora). 127

Ele morava em Buenos Aires quando ocorreu o incêndio de uma oficina clandestina (incêndio de Luis Viale)

em 2006 que matou cinco crianças e uma jovem grávida. Este evento despertou a população argentina para a

questão e acarretou no aumento das fiscalizações. Depois do incêndio ele, juntamente com os outros costureiros,

foi levado pelo dono da oficina para o interior do país onde ficaram dois meses sem costurar e fazendo dívidas.

Segundo ele, com o aumento das fiscalizações o dono estava com medo de ser pego pelas autoridades. 128

“E quando são famílias? No meu caso... Eu trabalho para sobreviver, para meus filhos também e se entra uma

fiscalização aqui?” (Tradução da autora).

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responsabilização dos próprios migrantes (CÔRTES, 2013, p. 243). Logo, a orientação

jurídica para resolver a questão caminhava ao lado da criminalização das migrações, tendo

como consequência a deportação (MIRANDA, 2016, p. 206). O medo de serem obrigados a

sair do país dificultava ou impedia a denúncia de exploração ou tráfico, por parte dos

trabalhadores que desejavam fazê-la. Diante desta situação, o Conselho Nacional de

Imigração (CNIg), criou uma norma129

em 2010 que protege os imigrantes considerados

vulneráveis e determina que estes sejam amparados pelas autoridades nacionais.

Durante a realização desta pesquisa, a coreana, ex-patroa de Luz, foi denunciada por

um casal de bolivianos que recebia por peça e pediu que Luz testemunhasse em seu favor. A

denúncia se deu pela ausência de registro na carteira de trabalho e exigia os benefícios

referentes aos dois anos trabalhados. Apesar de saber que a dona da oficina não seguia a

legislação, “ela sí, ha hecho trampa 130

, havia um sentimento de gratidão, pois quando esteve

desempregada, foi graças ao trabalho oferecido pela coreana que conseguira colocar comida

na sua casa. Em conclusão, o motivo pelo qual Luz decidiu não testemunhar a favor da dona

da oficina foi o receio de uma possível retaliação do casal boliviano, e não pelas condições de

trabalho às quais ela e os responsáveis pela denúncia, eram submetidos.

Nas falas das narradoras-entrevistadas, foi possível verificar uma dubiedade entre o

desejo de produzir mais e a pressão realizada pelo dono da oficina. “Cuando no terminamos el

jefe se enoja. Entonces, para no chamar la atención, seguimos haciendo, trabajamos hasta

tarde. Pero también para nosotros el dinero que él paga es más alto”131

, disse Zelaide. Para

Carmen, “nosotros mismos nos prestamos a esclavizar” 132

. Antes de ter as próprias máquinas,

“me decía mi jefe: ‘vamos a trabajar de 7h hasta las 21h. No podía pasar de eso si no el

vecino se molesta [do barulho das máquinas]” 133

. No entanto, como desejava seguir até mais

tarde, levava a máquina para os fundos da casa e costurava até meia-noite “por ganar dinero

para volvernos rápido a Bolivia” 134

. Zelaide afirmou também que ao chegar as encomendas,

olhava prontamente para a pilha de tecidos para calcular quanto receberia pelo trabalho.

“Levantaba temprano por la consciência de ganar un poquito más” 135

. Quando acabava sua

129

Resolução Normativa 93 - Dispõe sobre a concessão de visto permanente ou permanência no Brasil a

estrangeiro considerado vítima do tráfico de pessoas. Mais informações:

<http://reporterbrasil.org.br/documentos/RN93-2010.pdf>. Acesso em 06 set. 2017. 130

“Ela sim, fez trapaça” (Tradução da autora). 131

“Quando não terminamos, o chefe fica bravo. Então para não chamar atenção, continuamos fazendo,

trabalhamos até tarde. Mas também para nós o dinheiro que ele paga é mais alto” (Tradução da autora). 132

“Nós mesmos nos prestamos a nos escravizar” (Tradução da autora). 133

“Meu chefe me dizia: ‘vamos trabalhar das 7h até às 21h’. Não podia passar disso, senão o vizinho reclama

[do barulho das máquinas]” (Tradução da autora). 134

“Para ganhar dinheiro e voltarmos rápido para Bolívia” (Tradução da autora). 135

“Levantava cedo pela consciência de ganhar um pouco mais” (Tradução da autora).

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tarefa, oferecia-se para executar outras atividades, como, por exemplo, passar a roupa.

De acordo com as falas reproduzidas acima, o que observamos enquanto dubiedade foi

explicado por Miranda como uma “interação entre dominador e dominado, entre estratégias

dos de cima e papéis assumidos pelos debaixo que consolidam posicionamentos desiguais”

(2017, p.203). Segundo este autor, existem normas e regras, direitos e deveres, que foram

incorporados ao longo do tempo fazendo com que o dono não precise utilizar seu “poder”

sobre os costureiros de forma arbitrária.

Se, por um lado, o empregador exige permanência na oficina, por outro, isso convém

ao costureiro que recebe por peça produzida. “Em geral, não é necessário que o dono da

oficina pressione o costureiro, porque estes já estão disciplinados a sentar em frente à

máquina das 7h às 22h” (MIRANDA, 2016, p.261, tradução da autora). Miranda afirmou que

os costureiros teriam a possibilidade de sair da oficina durante a semana. No entanto, isso não

ocorre por dois motivos: não faz parte da dinâmica laboral e o trabalhador sabe que o patrão

não veria a atitude com bons olhos (MIRANDA, 2016, p. 254, tradução da autora). Luz, por

exemplo, não era impedida de utilizar o banheiro, mas evitava fazê-lo durante sua jornada

para não correr o risco de a coreana descontar de seu pagamento.

Apesar da vigência de elementos de trabalho não livre – consentidos pelos costureiros

– citados no Capítulo 1 desta dissertação, há um “padrão de trabalho” que ao ser quebrado

causa estranhamento e rupturas entre o grupo de trabalhadores. Ou seja, os costureiros podem

definir o que é aceito e o que não é aceito dentro das condições de trabalho não livre e quando

as condições ultrapassam o considerado justo. Podemos concluir que, apesar das barreiras

existentes em relação à atuação da fiscalização, ao autorreconhecimento da escravização isso

não significa que as trabalhadoras não se sintam exploradas. A despeito de estarem em uma

posição estrutural que fornece um fraco poder de negociação sobre suas condições, os

trabalhadores – homens e mulheres – não são passivos, nem meros fatores de produção

(MCGRAPH, 2010, p. 221). Junto à percepção de exploração, vem a resistência – nem

sempre expressa sob forma de conflito – que desenvolveremos no item a seguir.

3.2 Agência individual: ¡De esa forma no puede tratarme!

Qual é a margem de poder que os trabalhadores possuem para reverter ou minimizar

situações precárias de trabalho, superexploração e falta de oportunidade em seus locais de

origem? Para responder tal questão, adotaremos a premissa de que, “os dominados e

explorados têm sempre alguma possibilidade de aumentar sua margem de poder” (ESTERCI,

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86

1994, p.8).

Dentre as formas de reação frente às condições de trabalho e de tratamento presentes

no âmbito rural, Figueira apontou a lentidão na execução das tarefas, a má execução dos

serviços, o abandono do imóvel, a procura por um local de trabalho com maior remuneração e

as cautelas ou as denúncias expressadas pela palavra (FIGUEIRA, 2004, p.352). De acordo

com o autor:

(...) migrantes temporários reagem de alguma forma, mesmo limitados pela

precariedade, pela palavra amordaçada, pela ausência do poder econômico e

das armas, pelo abandono em que se veem, pelo desconhecimento do local

em que se encontram, pela surpresa e pelo estranhamento e por tantas outras

razões (2004, p. 351).

Assim como no contexto rural, é possível observar reações por parte dos costureiros

nas oficinas. Tais reações serão analisadas à luz da “agência individual”, conceito proposto

pela geógrafa Cindy Katz, que representa uma maneira alargada de interpretar as diversas

práticas sociais (diárias e informais). Permite-se reconsiderar formas de agência que, apesar

de sutis, produzem impactos. Atos que elaboram significados para os trabalhadores do ponto

de vista material e subjetivo de suas relações e experiências de emprego. Ao valorizar e abrir

espaço para a “potência dos passos cotidianos”, não se pretende superestimar a agência

individual, mas sim, dar visibilidade às ações que, apesar de desorganizadas e

individualizadas, podem cumprir um papel relevante no mundo dominado pelo capital

(ROGALY, 2009, p. 1984) e pelos homens.

De acordo com Katz (2004), existem três formas de agência humana frente ao

trabalho: resiliência, retrabalho e resistência. Cada uma das formas estaria relacionada a

diferentes níveis de consciência dos trabalhadores. A primeira seria o simples ato de “ir

levando” e adaptando-se às condições impostas, como um modo de sobrevivência que não

muda a estrutura das relações sociais. A segunda forma é uma categoria intermediária, em que

os trabalhadores se esforçam para melhorar suas condições materiais, sem necessariamente

alterar as relações de poder. Ou seja, desafiam o sistema com as ferramentas do próprio

sistema. Por fim, a última categoria de agência é a da resistência. Refere-se às ações diretas de

enfrentamento contra as relações sociais estabelecidas no sistema capitalista.

De acordo com Miranda, o espaço de ação dos imigrantes é anterior ao espaço

produtivo. O ato de migrar, sair de alguma obrigação ou relação no país de origem já é, em si,

um exercício de agência, que tem início na escolha dos riscos que estes querem assumir na

entrada do Brasil, através da rota via Paraguai ou via Corumbá, ou ainda pela adesão ou não

da oferta de emprego (MIRANDA, 2017, p. 202). Uma vez inseridos no espaço produtivo, em

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condições de trabalho análogas às de escravo, os trabalhadores tem possibilidades de ação:

saem da oficina e retornam para cobrar o antigo patrão, demandam formas específicas de

pagamento, se movimentam no território pelas diferentes oficinas de costura, procuram a

opção mais vantajosa – ainda que escapar de um tipo de trabalho degradante implique em

correr o risco de cair em um novo trabalho degradante (MCGRATH, 2013b, p. 1020, tradução

da autora).

Estas são formas de agência frente ao trabalho. Carmen, ao contar de sua experiência

na Argentina afirmou que “una noche decidí que no va dar eso más. Él me comienza a gritar,

pero yo no soy su hija. Sí, soy su empleada, pero de esa forma no puede tratarme así” 136

.

Lourdes mudou quatro vezes de oficina, à procura de um lugar “donde estemos bem tratados”

137. Em uma das ocasiões, antes de mudar, seu marido e filho fizeram uma visita ao que seria

o novo local de trabalho e moradia da família. E recusaram a oferta.

A expressão de agência individual que merece destaque é a decisão de abrir o próprio

negócio. Para Quilla, “quando as pessoas vêm para costurar, elas percebem que são enganadas

e que poderiam ganhar melhor. Então, o sonho delas é comprar las máquinas e se

independizar”. Sobre isso, Lourdes afirmou:

A veces boliviano mismo, a exploração é muito (...). Hoje tenho só uma

pessoa trabalhando comigo, mas eu tento de no fazer a misma coisa que

fizeram comigo, né! Isso que me motivou para fazer nossa oficina, eu falei:

‘eles não me pagam, vou a outro lado e vão fazer a mesma coisa’ (Entrevista

realizada em 02/07/2017).

3.2.1 Donas da própria máquina

Durante a escrita desta dissertação, apenas Luz (que é viúva) trabalhava na oficina de

alguém. As outras possuíam suas próprias máquinas e trabalhavam em casa, em unidades

produtivas constituídas por marido, filho e, às vezes, algum parente que chegava da Bolívia.

De acordo com Quilla:

Eles [os costureiros] veem que quando você trabalha para grandes empresas

você é explorado por essas grandes indústrias. Então, se tem muitos

imigrantes na Feirinha da Madrugada, é por isso. Porque eles estão

começando a costurar sua própria roupa (Quilla, entrevista realizada em

04/09/2017).

Sara não havia pensado em abrir a própria oficina. Já estava há dois anos no Brasil

quando “irmãos” da Igreja Mórmon que frequenta lhe perguntaram: “Se você já foi explorada,

136

“Uma noite decidi que não vai mais dar isso. Ele começa a gritar, mas não sou sua filha. Sim, sou sua

empregada, mas desta forma não pode me tratar” (Tradução da autora). 137

“Onde seremos bem tratados” (Tradução da autora).

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por que não abre a própria empresa?”. A ideia lhe pareceu distante: “Eu não tinha documento,

isto já me trava. Segunda coisa, onde consigo casa, não é fácil...”. Mas, recebeu ajuda da

própria Igreja:

Eles cederam um espaço nos fundos, emprestaram fogão, panelas, tudo...

Alugaram máquinas industriais e a coreana levava o corte (...). No início a

gente se enchia de energético, virava a noite. O primeiro serviço ralamos

para entregar em duas pessoas. Depois de três meses, trouxe minha irmã

(Sara, entrevista realizada em 05/07/2017).

Aos poucos, ela e o marido se estabilizaram e conseguiram sair do espaço cedido. “Aqui é

uma bola de neve, você vê que está dando certo manda chamar mãe, primo, irmão... Foi o que

eu fiz”.

No caso de Lourdes, esta fora incentivada a abrir sua oficina pela brasileira que levava

encomendas para o local onde trabalhava: “Una brasilera que entrega aos bolivianos que não

têm oficina formalizada disse: ‘vocês são uma família grande, podem fazer a própria oficina,

a dona daqui paga menos para vocês’”. As máquinas foram adquiridas de diferentes maneiras:

doação, aluguel, compra de máquinas usadas. Além da posse do instrumento de trabalho, o

passo necessário à formalização se dá por meio do registro no CNPJ. Mas a ausência deste

não impede a produção e diversas oficinas familiares não possuem tal registro. Carmen nos

contou que tem CNPJ, mas não consegue pagar:

Mi vecino que es contador me dijo que debía parcelar el pagamento y

trabajar con eso. Pero ellos me van a pedir un salón y no puedo alquilar

salón. El me dijo que no es necesario desde que yo tenga una buena

instalación puedo trabajar 138

(Entrevista realizada em 29/06/2017).

Na opinião de Sara: O CNPJ sirve para as lojas te darem trabalho. Mas não garante nada. (...)

Não é porque eu tenho CNPJ que a empresa me paga mais. Ela só se garante

que a oficina está legalmente. Pra mim não compensa ter CNPJ eu só vou

tirar do meu bolso para pagar pro governo. Eu não tenho vantagem nenhuma

(Entrevista realizada em 05/07/2017).

Ao serem indagadas sobre a diferença entre trabalhar na oficina de outrem e ter a

própria oficina, foi possível perceber que a necessidade de produzirem para o mercado não

altera por completo sua condição de trabalho.

O coreano, que traz serviço pra mim, me explora, certeza. Só que assim, ele

não me deixa na mão, eu sempre tenho trabalho. Não posso ficar sem

trabalhar, não tem como, porque eu pago contas, pago aluguel (...). Não

posso me dar ao luxo e falar: ‘não vou fazer’... Não tem opção (Sara,

entrevista realizada em 05/07/2017).

138

“Temos CNPJ só que não pagamos, não dá para pagar. Meu vizinho que é contador me disse que eu devia

parcelar o pagamento e trabalhar com isso. Mas eles vão me pedir um espaço e não posso alugar um espaço. Ele

me disse que não é necessário, desde que eu tenha uma boa instalação posso trabalhar” (Tradução da autora).

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Lourdes tem consciência de que os intermediários ganham em cima dela: “uma peça de 12

reais ele me pagava 8, ganhava 4 sem fazer nada, quem trabalhava era eu, quem fazia o

esforço era eu. (...) Toda pessoa que te dá o serviço paga menor, quando é bastante prenda

[peça], aí quanto que ficam?” (Lourdes, entrevista realizada em 02/07/2017).

O relato das bolivianas dialoga com a crítica realizada por Côrtes (2013 p.246) a

respeito de um suposto incentivo por parte das organizações de apoio ao migrante ao

“empresariamento dos trabalhadores” e do fomento ao empreendedorismo. Segundo ele,

parte-se do diagnóstico de que as condições de trabalho análogas às de escravo estão

vinculadas à ausência de formalização. Sem, contudo, questionar o modo pelo qual a

produção do setor está estruturada. Ter a própria oficina, não exime as bolivianas de serem

exploradas.

Em relação à rotina de trabalho, “a mesma coisa, a gente começava às 8h e acabava às

22h. Minha mãe ajudava na cozinha, meu pai passava ferro”, afirmou Sara. Segundo Lourdes,

“o trabalho em si também não mudou nada, é o mesmo horário, porque tem que ter ganho

para pagar aluguel, comida, luz água, internet... Para pagar tudo tem que ser assim mesmo...

Se trabalha até às 17h, não consegue”. Na visão de Zelaide:

Aquí el trabajo es bien, solo que te desespera. Te llaman de la firma

[empresa que fornece o tecido para elas costurarem], tienes que entregar

(...). Duele mi espalda, dentro de los pulmones, ya no consigo trabajar

continuo. Cuando tienes fuerza haces, pero al tiempo te vas cansando... 139

Para elas, o tempo dedicado aos filhos permaneceu curto. Carmen afirmou que “este

año he pensado irme a trabajar afuera porque si estoy em la costura, a veces no ayudo a mis

hijos porque tengo que entregar (...) la costura te mantiene a la casa, no da para ir detrás de tu

hija”140

.

Por outro lado, se a solução do problema não está na formalização da oficina, ser dono

de uma (formalizada ou não), também tem suas vantagens. Zelaide relatou que “cuando tienes

criança nadie te dice nada. Es tranquilo, están caminhando, le doy de comer, yo que

cozinho”141

. Sara afirmou que prefere “trabalhar em casa, eu estipulo meu tempo (...) é minha

casa, meu serviço, meu tempo”. Como a conversa também girava em torno das desigualdades

entre os sexos, ela acrescentou: “Eu fico na cozinha, sim. Porque gosto do meu marido, gosto 139

“Aqui o trabalho é bom, mas te desespera. Te chamam da empresa, tem que entregar. Dói minhas costas,

dentro dos pulmões, já não consigo trabalhar contínuo. Quando tem força, faz. Mas ao tempo vai se cansando”

(Tradução da autora). 140

“Este ano pensei em trabalhar fora, porque se estou na costura às vezes não ajudo meus filhos, porque tenho

que entregar (...) a costura te mantém em casa, não da para ir atrás de sua filha” (Tradução da autora). 141

“Quando tem criança ninguém te fala nada. É tranquilo, estão caminhando, dou comida, eu que cozinho”

(Tradução da autora).

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dos meus filhos, não por isso você vai dizer que eu mereço estar na cozinha”.

Lourdes e Zelaide, que também possuem as próprias máquinas, contaram ter ajuda dos

maridos apenas quando pediam. Caso contrário, eles esperavam que o serviço fosse feito por

elas: “Eu faço as tarefas domésticas. Às vezes brigo com ele [seu marido]. Tem que ajudar,

não é só eu que vou comer... não é sozinha que sujo as roupas. Na Bolívia, eu trabalhava ele

fazia as tarefas, só quando ele bebia não fazia nada”, relatou Lourdes. Miranda também

observou a divisão sexual do trabalho na dinâmica do casal dono de oficina. Além de costurar,

a esposa cozinhava, acompanhava a tarefa dos filhos, cuidava dos trâmites da escola e da

regularização migratória. Enquanto isso, seu marido se encarregava das tarefas mais

valorizadas: das contas da oficina e do pagamento aos outros costureiros. “Ele era o dono da

oficina em primeira instância” (2016, p. 275, tradução da autora).

Em nossa pesquisa de campo, Carmen foi a única que relatou dividir as tarefas

domésticas. Nem sempre foi assim, explicou. Mas um dia resolveu trocar os papéis com o

marido:

Yo voy hacer lo que tú haces (...) y no hemos sacado [não tiraram dinheiro

da costura]. Y ahí yo he me dado cuenta...Tantos gritos que hacía él. No

podía, no tenía derecho. Para mí ha sido un desastre, tantas palabras feas

que me ha dicho... Sola puedo vivir, ya no puedo soportar sus gritos, sus

celos. Yo puedo sola, porque yo trabajo más que él. Y él ha comenzado a

valorar, me deja salir...142

(Carmen, entrevista realizada em 12/02/2017).

Trocar de papéis foi a forma de se perceber autossuficiente no que se referia às tarefas

laborais, o que lhe deu confiança para não aceitar mais as agressões do marido.

3.3 Notas sobre o silêncio e a violência: Con miedo estaba cerrada

Entre os imigrantes, a omissão das dificuldades enfrentadas no país de destino não é

incomum. Seja para evitar preocupação ou pela necessidade de mostrar o êxito da viagem e

dos esforços empreendidos. Tal modo de agir foi descrito pela literatura sobre o tema em

diferentes contextos. No livro de Sayad (1998), um argelino relatou que em seu país havia

uma crença coletiva de que a solução dos problemas era migrar para França. Isso porque

todos retornavam do país europeu para visitar familiares com dinheiro, parecendo felizes e

realizados, sem, contudo, dizer qual era o custo daquela suposta boa vida.

No contexto rural brasileiro, Figueira descreveu casos de trabalhadores que foram

142

“Eu vou fazer o que você faz (...). E não tiramos nada, aí me dei conta... Tantos gritos que ele dava, não podia,

não tinha direito. Para mim foi um desastre, tantas palavras feias que ele me disse. Sozinha posso viver, já não

posso suportar seus gritos, seus ciúmes. Sozinha eu posso, porque eu trabalho mais que ele. E ele começou a me

valorizar, me deixa sair...”(Tradução da autora).

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levados do Mato Grosso ao Pará com a promessa de trabalho remunerado nas fazendas e, ao

perceberem que haviam sido enganados, alguns optavam por romper o vínculo com a família

a retornar aos seus locais de origem e assumir o fracasso da empreitada (FIGUEIRA, 2004, p.

294). No caso das bolivianas, também foi dito que pouco se comenta sobre as dificuldades

vividas àqueles que permaneceram no país de origem. Sempre estão “bem” e “felizes”... De

acordo com Lourdes, a razão para isso é evitar preocupação, principalmente quando a

receptora das notícias é a mãe já idosa: “Porque se eu falo: ‘mãe estou mal’, ela vai ficar

preocupada, vai chorar, vai pensar: ‘minha filha está sofrendo lá’. Então sempre falo que

estou bem”.

Nas relações estabelecidas no Brasil, as narradoras-entrevistadas tampouco contam

sobre seus problemas. Para Luz, as bolivianas ficam mais fechadas no Brasil do que na

Bolívia: “Não falam com ninguém, nem cumprimentam”. Carmen acredita que a

introspecção, principalmente no ambiente de trabalho, ocorre para evitar desavenças com os

maridos, “las mujeres se calam por medo”. Ela se tornou uma espécie de referência para as

outras mulheres, rompendo com a desconfiança delas. “Yo digo a ellas: ‘no tengas miedo’. Yo

antes con miedo tanto que me he encerrado (...). Con miedo estaba cerrada, no sabía ni

hablar, ni entender lo que decían. Cuando he comenzado a salir, ya he tenido amigas, me he

sentido acompañada” 143

. Segundo Carmen, “cuando una mujer pasa por problemas necesita

de muchas personas que te abracen, escuchen, que te hablen. Pero hay pocas, no sabes con

quien contar” 144

.

A temática da violência doméstica não estava prevista no início desta pesquisa, mas

apareceu espontaneamente em todas as falas. Das cinco narradoras-entrevistadas, apenas uma

nunca apanhou de seu marido e, conforme apresentamos na seção 2.1, a violência fez parte da

infância de todas. Em alguns casos, esta situação foi reproduzida com elas antes mesmo de

migrarem.

Em geral, ninguém interfere nas situações de violência entre os casais dentro das

oficinas, por considerá-las “assunto privado”. Luz escutava sua conterrânea apanhar durante a

noite, mas “ela ficava quieta, a veces estaba verde, machucada, cobria con su cabelo para que

a gente não perceba” 145

. Histórias de maridos que chegam bêbados e batem em suas esposas,

143

“Eu digo a elas: ‘não tenham medo’. Eu antes com tanto medo me fechei (...). Com medo estava fechada, não

sabia nem falar, nem entender o que diziam. Quando comecei a sair, fiz amigas, me senti acompanhada”

(Tradução da autora). 144

“Quando uma mulher passa por problemas necessita de muitas pessoas que te abracem, escutem, falem. Mas

tem poucas pessoas, não sabe com quem contar” (Tradução da autora). 145

“Ela ficava quieta, às vezes estava verde, machucada, ela cobria com seu cabelo para que a gente não perceba”

(Tradução da autora).

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outras que são proibidas de sair de casa sob a argumentação de que precisam trabalhar e

cozinhar, além de estupro e abuso sexual dentro das oficinas foram alguns dos exemplos que

escutamos durante a pesquisa de campo:

En esta oficina me fue mal. Ahí me abusaran sexualmente. Pasado eso me

fui al alcohol, a las bebidas. Salí decepcionada de mi vida. Ese día se ha

acabado todo para mí. Yo dije: ‘no, yo no sirvo para nada’. ¿Qué va decir

mi mamá?. Siempre ella me orientaba: ‘nunca aceptes de un hombre un

copo de agua, lo que sea’. Pero yo he aceptado ese día. No quise volver a

Bolivia. Sé que mi mamá va decir: ‘tú no vales la pena’ 146

(Carmen,

entrevista realizada em 29/06/2017).

Y sus tías [de seu marido] también decían: ‘y con esta mujer fea está, que es

baja, debía buscar una estatura bonita, alta, flaca...’. Yo estaba

embarazada, talvez por eso mi hijo ha nacido así,[com autismo] porque

lloraba. Él me pegaba. Yo decía: ‘estoy embarazada, no puedes hacer eso’.

‘Qué me importa’, decía él. Cuanto que sufri, talvez mi hijo ha nacido con

algún trauma 147

(Carmen, entrevista realizada em 29/06/2017).

O custo foi esse para nós: de que minha filha foi estuprada [essa palavra saiu

baixo, e com muita dificuldade]. Eu vine aquí [à igreja], minha filha ficou na

la plaza...Seu pai não estava aqui, tava na Bolívia. Aí um conhecido deu para

ela de beber, ai que aconteceu... Quando eu voltei na casa, nem foi nem

muitas horas, em duas horas ela ficou muito bêbada. Ai que aconteceu... Fui

na polícia, médico... Foi estupro mesmo. O homem sumiu. Ela tinha 15 anos

cuando pasó isso. Tengo medo de falar essas coisas, pra que no fique minha

filha olhada com outros olhos, outros pensamentos... Prefiro nem falar

(Lourdes, entrevista realizada em 25/06/2017).

Segundo McGraph não é surpresa de que tais locais ofereçam risco para as mulheres,

uma vez que a violência sexual ocorre, na maioria das vezes, dentro de ambientes privados e o

agressor é próximo à vítima (2010, p. 168). Ao discorrer sobre a violência doméstica, Saffioti

retomou a forma de socialização diferencial entre homens e mulheres:

As mulheres são socializadas para conviver com a impotência; os homens –

sempre vinculados à força – são preparados para o exercício do poder.

Convivem mal com a impotência. Acredita-se ser no momento da vivência

da impotência que os homens praticam atos violentos, estabelecendo

relações deste tipo (SAFFIOTI e ALMEIDA, 1995 apud SAFFIOTI, 2004,

p. 84).

O marido de Carmen conversou conosco e justificou ter batido na esposa pelo estresse

146

“Nesta oficina fui mal. Lá me abusaram sexualmente. Passado isso, me fui ao álcool, às bebidas. Saí

decepcionada da minha vida. Esse dia tudo se acabou para mim. Eu disse: ‘eu não sirvo para nada’. O que minha

mãe vai dizer de mim? Ela sempre me orientava: ‘ nunca aceite de um homem um copo de água, ou o que seja’.

Mas, nesse dia, eu aceitei. Não quis voltar à Bolívia, sei que minha mãe vai dizer: ‘você não vale a pena’”

(Tradução da autora). 147

“E suas tias [de seu marido] também diziam: ‘está com esta mulher feia, que é baixa. Devia procurar uma

estatura boa, alta, magra’. Eu estava grávida talvez por isso meu filho nasceu assim. Porque chorava. Ele me

batia e eu dizia: ‘estou grávida, não pode fazer isso’. ‘Não me importa’, dizia ele. Quanto que sofri, talvez meu

filho tenha nascido com algum trauma (Tradução da autora).

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93

(causado pela impotência diante da situação em que se encontrava). Segundo ele, as contas do

aluguel, água e luz estavam atrasadas, ele estava sob pressão da firma que encomendara

serviço, o trabalho estava acumulado... Descontou em sua esposa.

As narrativas das mulheres estavam permeadas por histórias de violência. Para Sara,

que nunca apanhou do marido, a mulher é omissa porque está em outro país, não sabe o que

pode acontecer com ela. “Minha amiga apanhava e dizia: ‘estou sozinha aqui, o que vou fazer

sem ele? ’”. Com outra amiga que também se calava diante da agressão, Sara se intrometeu:

Eu intimidei ele, (...) ‘Quer bater? Não está na Bolívia. Querendo ou não tem

que se reger as leis daqui’ (...) lá tem muito isso, tem lei pra mulher, tem...

Mas mulher apanha. Eu falei para ele: ‘Se acontecer de novo você pode ir

para cadeia, você vai perder seus filhos. Você tem sorte de não ser meu

marido’ (Entrevista realizada em 05/07/2017).

Dentre as atividades realizadas pelo CAMI, está a assessoria jurídica gratuita aos

imigrantes148

. De acordo com seu balanço realizado em 2016, de 560 casos atendidos, 99

foram sobre violência doméstica contra mulheres imigrantes149

. Os episódios de violência

doméstica contra as imigrantes latino-americanas chamaram atenção do Ministério Público do

Estado de São Paulo (MP-SP), que desenvolveu, em parceria com o CAMI, uma cartilha em

espanhol intitulada Mujer da vuelta la Página150

para informar as migrantes a respeito das leis

brasileiras, especialmente a Lei Maria da Penha151

. Segundo Silvia Chakian, coordenadora do

Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID) do MP-SP, se a denúncia na

sociedade de origem é complexa, os obstáculos para a realização da acusação no local de

destino aumentam visto que as mulheres precisam lidar “o idioma distinto da terra natal, o

estranhamento de outra cultura e outras relações sociais e até o olhar de indiferença por parte

da própria sociedade” 152

.

Apesar de serem detentoras de parcelas menores de poder, isso não significa que elas

não revidem a agressão. No ambiente privado, encontram formas de se vingar. Uma delas

relatou estragar as roupas do marido antes de pendurá-las. Esgarçava as golas das camisetas e

o elástico das cuecas. Miranda também observou momentos de ruptura entre o casal de sua

etnografia e de resistência expressada pela esposa. Dentre as formas encontradas por ela para

fugir da dominação de seu marido estava sua maior habilidade na costura. Quando precisava

148

Além de cursos de português, informática, serviços de regularização, entre outros. 149

Disponível em: < http://camimigrantes.com.br/site/?p=1434>. Acesso em: 28 jul 2017. 150

“Mulher, vire a página”. 151

Lei número 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e

familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 05 fev. 2016. 152

Informação disponível em:

<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/noticia?id_noticia=11257747&id_grupo=118>.

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costurar algum detalhe nas peças que o marido não conseguia, era ele quem se encarregava de

cozinhar. Outro momento de ruptura, citado pelo autor, ocorria quando o casal fazia a locução

de um programa de rádio em que eles dialogavam entre si e com os ouvintes. Ali, havia uma

espécie de permissão implícita para fazer piadas com o marido (2016, p. 98).

A violência doméstica não é o único tipo de violência ao qual as imigrantes estão

expostas. Além das opressões de gênero vivenciadas por elas, outras formas de violência são

experimentadas pelos casais e pelos filhos de imigrantes. Ao mesmo tempo em que

observamos uma assimetria de poder entre homens e mulheres, no convívio com as

bolivianas, também foi possível observar alguns momentos de companheirismo e de ajuda

mútua, seja na preocupação com os filhos ou no enfrentamento das “dificuldades rotineiras”

marcadas pelo lugar social ocupado pelos imigrantes em São Paulo.

O preconceito existente em relação ao povo boliviano é reflexo também da imagem

construída em torno da própria Bolívia. Nesse sentido, é importante relembrarmos o episódio

ocorrido em 2013, quando uma professora da Universidade de São Paulo, ao comentar um

impasse diplomático entre Brasil e Bolívia no Jornal da Cultura153

, afirmou, em rede nacional,

que a Bolívia “era insignificante em todas as perspectivas para o Brasil (...) os imigrantes

bolivianos em São Paulo não contribuem para o desenvolvimento tecnológico, cultural e

social do país”.

Desse modo, a discriminação, compreendida aqui como um ato de violência, é

recorrente. Esta ocorre nas ruas, no comércio, nas escolas, nas imobiliárias no momento de

alugar um imóvel, entre outros locais. Em torno da comunidade boliviana em São Paulo foi

construída uma imagem de “povo sem cultura, clandestinos, traficantes, indocumentados,

agenciadores de mão de obra escrava”, que persiste décadas após chegada massiva dessa

população (SILVA, 2006 apud MIRANDA, 2016, p. 153). Na conversa entre Zelaide e

Carmen, a primeira contou que, ao levar seu filho no posto de saúde de seu bairro, escutou a

seguinte pergunta da dentista: “¿De qué raza son ustedes? ¿Son indios?” 154

. Ao escutar isso,

seu filho, então com 11 anos, respondeu: “No, no somos indios. Indio es aquel que viene de

India. En mi país de toda raza hay” 155

. Segue abaixo o trecho da conversa delas:

Zelaide: No pueden nos tratar así. Nosotros tendremos nuestra origen, pero

153

Mais informações e link para o vídeo disponível em: < http://diplomatique.org.br/intimidacao-racismo-e-

violencia-contra-imigrantes-e-refugiados-no-brasil/>. Acesso em> 22 jun. 2017. 154

“De que raça são vocês? São índios?” (Tradução da autora). 155

“Não, não somos índios. Índio é aquele que vem da Índia. No meu país tem de todas as raças” (Tradução da

autora).

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no así... Que nos discriminen156

.

Carmen: Mucha discriminación se escucha en este posto. [Posto Municipal

de Saúde]. La ginecóloga no quiere atender a las mujeres bolivianas. En el

hospital [Hospital Municipal da região] cuando he tenido mi hija, no me

daban comida, morria de hambre. Decían: ‘levantate y va a bañar a tu hija’,

pero me dolía157

.

Zelaide: Yo de ese miedo no he ido a ese hospital. He tenido en casa mi hija.

Muchas personas me decían:“te tratan mal en el hospital” (...) Mi esposo

me ayudó y solo después que ha nacido el bebe, he llamado la

ambulancia158

.

Carmen: Y cuando necesitamos hacer exames, llegamos temprano en el

hospital y las brasileiras dicen: “boliviano no tiene derecho. Ellos son

extranjeros. Pueden ser atendidos atrás, no adelante de nosotras159

.

Esse tipo de discriminação não é expresso somente pelos brasileiros. Ao perguntarmos

se Luz já havia convivido com pessoas de outras nacionalidades, a boliviana contou sua

experiência com peruanos e paraguaios. Quando morou com peruanos, disse que eles

reclamavam da comida boliviana e muitas vezes não comiam. Além disso, de modo geral:

“porque boliviano é mais pequeno, é sempre mais quietinho, sempre temem... Paraguaio é

mais parecido com brasileiro e peruano é mais aberto na forma de falar, falam mais”. Por esse

motivo, ela acha que querem “estar por cima (...). Por exemplo, agora estou trabalhando com

um paraguaio. Ele falou mal de boliviano, falou: ‘indio, es día de vocês hoy160

...’. Eu fiquei

brava”.

Por fim, cabe lembrar que os imigrantes, homens e mulheres, também sofrem os

efeitos da violência urbana. De acordo com Sara, “na época em que cheguei [2004], ouvia

muita rádio boliviana e todos os dias tinha notícia de assalto com arma em oficina. Um dia

ouvi que os assaltantes levaram até as fraldas do bebê e jogaram óleo nos tecidos”. Carmen

relatou um episódio em que escapou por pouco de um assalto:

Tenía el último 50 [reais] para hacer mi Navidad. Tenía que comprar frutitas

y papas... Y este año con mi marido, la calle estaba vacía y tres ladrones

vinieron. Me he recordado que Dios te abriga en este momento y esta calle

estaba tan vacía, no había nadie que respira. Yo dije: ‘Señor abrazame

porque no queiro asustarme nuevamente. Señor en este momento te

156

“Não podem nos tratar assim. Nós temos nossa origem, mas não assim... Que nos discriminem” (Tradução da

autora). 157

“Muita discriminação se escuta neste posto [Posto Municipal de Saúde]. A ginecologista não quer atender as

mulheres bolivianas. No hospital, [Hospital Municipal da região] quando tive minha filha não me davam comida,

morria de fome. Diziam: ‘levanta, vai dar banho na sua filha’. Mas me doía” (Tradução da autora). 158

“Desse medo eu não fui ao hospital. Tive minha filha em casa. Muitas pessoas me diziam: ‘te tratam mal no

hospital’ (...) Meu esposo me ajudou e só depois que nasceu o bebê, chamei a ambulância” (Tradução da autora). 159

“E quando necessitamos fazer exame, chegamos cedo ao hospital e as brasileiras dizem: ‘boliviano não tem

direito. Eles são estrangeiros. Podem ser atendidos depois, não primeiro que nós” (Tradução da autora). 160

“índio, é dia de vocês hoje” (Tradução da autora).

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necessito, no permitas este momento’. Y ellos nos han mirado y se han dado

la vuelta 161

(Carmen, entrevista realizada em 12/02/2017).

Esta fala nos remete a outro elemento muito presente entre as narradoras-entrevistadas: a

relação com a fé, que discutiremos no item a seguir.

3.4 A fé e os filhos como forma de resistência

Cuantas veces he intentado suicidarme, dije: ‘ya no quiero ver este mundo

tan mal que es’ (...). Si no fuera a la psicóloga ahorita no estaría sentada

aquí, talvez estaría debajo de la tierra (...) Cuando he comenzado a volver a

leer la Biblia, volver a creer en las mujeres psicólogas, me he levantado 162

(Carmen, Entrevista realizada em 12/02/2017).

A leitura da Bíblia, a confiança no Espírito Santo e as orações ajudaram Carmen a sair da

depressão e lhe deu forças para superar a traição do marido. A boliviana afirmou que sempre

se lembrava das palavras que agora reproduz às suas conterrâneas: “Ponha-te forte, são coisas

que se passam aqui na Terra”. A crença em uma espécie de justiça divina também apareceu

nas conversas. Lourdes contou-nos que: “Cuando no me pagaron163

tentei ir ao CAMI pedir

ajuda de um advogado, mas não deu resultado...A vontade de Deus é mais grande que a nossa,

Deus é mais justo que nós”.

Em geral, para além do conforto espiritual, as igrejas são instituições que acolhem os

imigrantes. As cinco narradoras-entrevistadas possuem o hábito de frequentar a igreja,

evangélica ou católica. Algumas, como Zelaide, gostam do espaço, porque ganham cesta

básica, “ellos saben ayudar” 164

. Outras encontraram no local uma forma sociabilidade, visto

que sempre há uma igreja por perto e, às vezes, é difícil pegar ônibus para ir à Praça da

Kantuta, por exemplo. Carmen mencionou também a importância da igreja para melhorar sua

relação com o marido, segundo ela: “o encontro de casais ajudou bastante”. Para além de

Deus, os filhos são constantemente lembrados nas falas das narradoras-entrevistadas. Ambos

são motivadores de uma postura de resistência perante à vida.

É comum que os filhos do mesmo casal de imigrantes bolivianos nasçam em países

distintos, entre a Bolívia, o Brasil e a Argentina devido à dinâmica migratória. Em geral, eles

161

“Tinha os últimos 50 reais para fazer meu Natal. Tinha que comprar frutas e batatas... E esse ano com meu

marido, a rua estava vazia e três ladrões vieram. Me recordei que Deus te abriga neste momento. A casa estava

vazia, não havia ninguém que respirava. Eu disse: ‘Senhor, me abraça, porque não quero me assustar novamente.

Senhor, neste momento te necessito, não permita esse momento’. E eles nos olharam e deram a volta” (Tradução

da autora). 162

“Quantas vezes tentei me suicidar, disse: ‘já não quero ver este mundo tão mal que é’ (...). Se não fosse a

psicóloga, agora não estaria sentada aqui, talvez estaria debaixo da terra. Quando comecei a voltar a ler a Bíblia

e voltei a crer nas mulheres psicólogas, me levantei” (Tradução da autora). 163

“Quando não me pagaram” (Tradução da autora). 164

“Eles sabem ajudar” (Tradução da autora).

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são parte da motivação para migrar, não apenas pelo desejo dos pais de lhes oferecer melhores

oportunidades, mas também para afastá-los daquilo que suas mães consideram como ruim na

terra natal. Um exemplo disso são as intrigas familiares. As estratégias adotadas em relação

aos filhos variam. Algumas os trazem imediatamente, outras esperam que sua situação se

estabilize para, então, ir buscá-los. Deixá-los ou trazê-los tem seus custos.

A maternidade à distancia é um dilema na vida das mulheres imigrantes. Sara deixou

sua filha na Bolívia com um ano de idade e só a encontrou novamente três anos depois:

“Desconhecia minha filha. A única coisa que perdi foi o crescimento da minha filha, não

acompanhei nada dela. Quando ela chegou, não me enxergava como mãe, eu chorei muito,

perdi muito tempo para trazê-la aqui”. Dez anos depois, ela teve o segundo filho no Brasil e

afirmou que “aquilo que não curti com minha filha, tô curtindo com meu filho”. No presente

momento, afirmou ter conquistado um conforto material com a costura: “Tenho um sofá bom

para deitar, uma TV gigante para assistir e curtir com meu filho”.

Lourdes tem quatro filhos de 21, 18, 10 e 6 anos. Todos nasceram na Bolívia com

exceção do caçula, nascido na Argentina. Quando migrou para Argentina, deixou seus dois

filhos na Bolívia, um com sua mãe e outro com a sogra. Em 2013, na vinda para o Brasil,

trouxe o mais velho e o mais novo. Seu primogênito também costura:

Ele acabou a escola na Bolívia, não gosta da costura, mas tem que fazer,

senão do que vai trabalhar? (...) Eu disse para ele: ‘Eu queria que você

estude para que não acontecesse a mesma coisa que estou passando’. (...)

Aqui tem muitas formas para estudar, mas ele não foi atrás (Entrevista

realizada em 02/07/2017).

Depois de cinco meses, retornou à Bolívia para buscar os outros. Sua única filha mulher que

havia ficado lá passou a desobedecer aos tios. “Achei que melhor que ela esteja com seus

pais”. E, como contamos no Capítulo 1, ela também passou a costurar aos 14 anos de idade.

Se deixar os filhos no país de origem é difícil, migrar junto deles não é diferente. Foi

comum ouvirmos das narradoras-entrevistadas que seus filhos não eram bem tratados nas

oficinas. As mulheres com filhos, independente do estado civil, encontram dificuldade para

arranjar trabalho. Isso porque os donos de oficinas não querem crianças circulando e

atrapalhando a produção. Além de estarem expostas aos mesmos riscos de saúde e segurança

que os demais trabalhadores, elas passam grande parte de seus dias fechadas nos quartos e

dentro do mesmo ambiente insalubre que seus pais. Em casos extremos, foram encontradas

crianças amarradas ao pé das máquinas de costuras (TELES, 2007 apud ILLES; TIMÓTEO;

FIORUCCI, 2008).

Os costureiros, pais e mães das crianças, costumam ouvir reclamações de que seus

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filhos atrapalham e gastam água. A comida é regulada, às vezes oferecem alimentação

suficiente apenas para um filho. Os que têm mais filhos precisam dividir essa porção com os

demais. E, como não recebem refeições aos domingos, aqueles com mais crianças têm mais

gastos. Outra dificuldade relatada refere-se às brigas entre os filhos dos costureiros.

Cansada de não expor seus filhos, de 12 e 15 anos, às situações descritas acima Luz

decidiu procurar um lugar para morar fora da oficina. No primeiro local, o dono reclamava:

“Yo no soy portero. Aquí tiene horas para llegar, voy a cambiar el candado”. Segundo ela:

“mis hijos se entraban a duchar, le bajaba la palanca y este tiempo estaba frío.(...) No, mis

hijos no pueden estar así, se van a traumar. En el trabajo no estaba tranquila” 165

. Buscou

outro quarto. Uma semana depois da mudança, a dona, também boliviana, disse que precisava

do espaço para colocar máquinas de costura. Antes mesmo de saírem do local, instalaram as

máquinas e costuravam até 2h, “no podía dormir...” 166

.

Apesar das dificuldades enfrentadas, todos os sacrifícios são justificados pelos filhos.

“Já passei muitas coisas, mas penso: ‘não tenho que deprimir, porque quem vai sofrer vai ser

meus filhos’”. Foi por eles que Luz decidiu aumentar a extensão de sua jornada de trabalho e

alugar um quarto fora da oficina. Carmen aprendeu português para conseguir levar seu filho

ao médico. Teve que “se virar” pela cidade até descobrir que ele tinha autismo e para

conseguir tratamento para ele. A apropriação de seus direitos, em termos de políticas públicas

oferecidas na saúde, educação, assistência social, transporte, se deu por causa dele. “Você tem

que ser forte para os seus filhos. Se você é fraca vai passar isso para seus filhos”. De acordo

com Zelaide: “Me canso, me duele, me aguanto, tengo que trabajar Qué voy

hacer?(...)Trabajo para mi hijos me da más ánimo ver a mis hijos crecer” 167

.

Assim como foram uma das razões para a saída, os filhos são também uma das razões

para a permanência no Brasil. As narradoras-entrevistadas sabem que eles já se acostumaram

com o novo país (alguns nasceram aqui) e não querem voltar. Elas nos contaram acerca do

estranhamento de seus filhos ao visitarem a Bolívia, principalmente entre as que são

provenientes de áreas rurais do país. Luiz, filho de Carmen, teve nojo de pisar na terra. Ele

não gostou da comida, “eca, decía él” 168

quando deram chuño. Carla, filha de Zelaide,

abraçou as ovelhas, gritou com as galinhas, queria ir a todo lado. Não estava habituada com

165

“Eu não sou porteiro. Aqui tem hora para chegar, vou trocar o cadeado”. Segunda ela: “meus filhos entravam

para tomar banho e ele puxava a alavanca [chave geral elétrica]. Nessa época estava frio. Não, meus filhos não

podem estar assim, vão se traumatizar. No trabalho não estava tranquila” (Tradução da autora). 166

“Não podia dormir” (Tradução da autora). 167

“Me canso, me dói, me aguento, tenho que trabalhar o que vou fazer (...). Trabalho para meus filhos, me dá

animo ver meus filhos crescerem” (Tradução da autora). 168

“Eca, dizia ele” (Tradução da autora).

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tanto espaço livre.

A oportunidade de estudo também influencia na decisão de permanecer no Brasil. “Eu

não vou poder chegar no meu objetivo [de ser professora] mas meus filhos têm muito pela

frente (...) quero que sejam melhores do que eu, quero que sejam profissionais, o que eu

sonhava para mim, e não consegui, quero que seja para meus filhos”, afirmou Lourdes. “No

quiero que trabalhem lo mismo jeito que estou trabalhando agora” 169

.

É interessante notar que apesar das falas reproduzidas acima, os desejos pessoais

também apareceram nas conversas. De uma forma ou de outra, estar no Brasil abriu uma

janela de possibilidades ainda não concretizadas, mas já idealizadas:

Tô querendo ir na Bolívia estou pensando...Vou ir lá, fazer minha

documentação pra poder trazer aqui e estudar alguma coisa (Lourdes,

entrevista realizada em 02/07/2017).

No queiro costurar, quiero me dedicar a estudiar, a cuidar de las mujeres 170

(...) Admiro a carreira de psicóloga que elas estudam para saber escutar.

Elas se sentam frente a frente para te escutar, porque marido não senta, nem

amiga que não tem tempo, nem a mãe... Por isso quero ser psicóloga.

Sempre digo a elas [às outras bolivianas]: ‘minha casa esta aberta para

vocês, tenho tempo para vocês!’ (Carmen entrevista realizada em

29/06/2017).

Em fevereiro estou entrando no Instituto Paulista para fazer enfermagem.

Porque acho assim o estudo que vai te dar algo, a costura não vai me dar

nada, só vai manter pagar minhas contas... Eu já não me vejo mais na

costura, mas o que deu início pra mim foi a costura, deu tudo pra mim (Sara,

entrevista realizada em 05/07/2017).

169

“Não quero que trabalhe o mesmo jeito que estou trabalhando agora” (Tradução da autora). 170

“Não quero costurar, quero me dedicar a estudar, a cuidar das mulheres” (Tradução da autora).

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Considerações Finais

Ao longo desta pesquisa, discorremos acerca da dinâmica das relações sociais de sexo

nas oficinas de costura, identificando aspectos da divisão sexual do trabalho bem como o do

chamado trabalho análogo ao de escravo. Como fio condutor da dissertação, utilizamos a

percepção das narradoras-entrevistadas acerca destes temas, buscamos investigar como elas

reconhecem e vivenciam as desigualdades de gênero no ambiente da oficina e como enxergam

suas próprias condições de trabalho em São Paulo. A técnica principal utilizada foi a da

história de vida e, conforme explicamos na Introdução, esta se define pelo relato livre das

narradoras sobre sua existência através do tempo. No caso das cinco narradoras-entrevistadas,

tais relatos nos levaram a abordar a questão da violência contra a mulher e da dedicação aos

filhos.

Vimos que o papel de gênero afeta de forma diferenciada a experiência de homens e de

mulheres que migram. E, apesar das hierarquias de gênero migrarem juntas às pessoas, o ato

de deixar o país de origem pode representar um rompimento com ordenamentos tradicionais,

uma maneira de construção de autonomia e de possibilidade de reconfiguração das estruturas

familiares. Tais mudanças, no entanto, não possuem regras ou direções lineares. Ao chegarem

em São Paulo, apesar de ocuparem o mesmo posto de trabalho, as condições laborais incidem

de forma desigual sobre homens e mulheres.

Durante a análise, nos esforçamos para olhar as trabalhadoras enquanto grupo social

inserido em uma estrutura e, ao mesmo tempo, percebê-las enquanto sujeit(a)s – cada qual

com sua particularidade e subjetividade – que (re)agem apesar das condições impostas pela

organização social. Neste sentido, tanto a migração quanto o trabalho – processos sociais

centrais na trajetória das cinco narradoras-entrevistadas – foram abordados a partir da escala

macro e micro, da dupla dimensão “do fato coletivo e do itinerário individual” (SAYAD,

1998, p.3).

A fim de pensar o trabalho destas imigrantes na costura tendo em vista as condições

precárias, abordamos a reorganização produtiva do setor têxtil e utilizamos o modelo das

RGPs, que nos ajudou a localizar e inserir as trabalhadoras no contexto de uma economia

globalizada, ao mesmo tempo em que foi uma forma de olhar para o fenômeno do trabalho

análogo ao de escravo como parte do modo de produção capitalista, no qual grupos sociais

estão inseridos de forma adversa. No caso da abordagem micro, nos empenhamos em

compreender os aspectos que permeiam a rotina diária de cada uma delas.

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Se, por um lado, a categoria “trabalho análogo ao de escravo” é uma construção

política e jurídica, que visa punir quem lucra com a precarização do trabalho e fere os direitos

humanos e que possibilita reparos aos trabalhadores, por outro, resgatar os trabalhadores não

altera o modo de organização e competição da indústria têxtil, mas sim, evita a chamada

concorrência desleal. Como apontou Figueira, “sem tocar profundamente na distribuição de

renda, sem gerar empregos e superar os bolsões de miséria e desemprego, sem oferecer uma

educação pública de boa qualidade para todas as pessoas, a solução continuará distante”

(FIGUEIRA, 2011, p. 11).

Após quase 30 anos do início do fluxo migratório boliviano, a capital paulista continua

atraindo imigrantes que estão em busca de oportunidades de trabalho. E as oficinas de costura

continuam sendo o espaço de inserção econômica reservados a elas e a eles. Em termos da

relação dos imigrantes com a sociedade receptora desta mão de obra, conforme observou

Sayad:

Os imigrantes começaram a tomar hábito de reivindicar, de forma

extremada, poderíamos dizer, seu direito a uma existência plena e não mais

apenas seus direitos parciais de trabalhadores imigrantes. Ao se afastarem

dos limites que lhes haviam sido outorgados, ao ultrapassarem seu papel de

imigrantes, eles deixaram, em certa medida, de se parecer com a definição

que deles se dava (SAYAD, 1998, p. 48).

Através do conceito de agência individual buscamos destacar os “acordos implícitos

entre os membros das oficinas no marco de uma relação desigual” (MIRANDA, 2016) e o

papel ativo das imigrantes que produz movimento apesar de estarem em posições

desprivilegiadas na organização social. No caso dos bolivianos, novos espaços vêm sendo

cavados. Como podemos perceber pela fala de Carmen: “No CRAS [Centro de Referência de

Assistência Social], as brasileiras gritam, elas dizem: ‘tenho direito, tenho duas bocas para

alimentar’. Nós, bolivianos não gritamos, dizemos ‘por favor’... Dá medo como somos

imigrantes... Mas um dia, comecei a gritar, igual as brasileiras” (grifo da autora).

Além disso, sob o ponto de vista dos indivíduos considerados escravizados, a atividade

da costura é complexa em todos seus sentidos: reforça a posição na base da cadeia produtiva

ao mesmo tempo em que permite uma mobilidade; o casal de costureiros depende um do

outro na produção, ao mesmo tempo em que o homem exerce sua dominação masculina; é

degradante, mas ao mesmo tempo, oferece uma compensação econômica; as jornadas são

exaustivas, mas também são passíveis de uma escolha restrita por parte dos próprios

costureiros – quanto mais avançam, mais recebem; reconhecem a exploração, mas querem

estar na posição de donos de oficina; costuram roupas, mas não conseguem comprá-las;

passam por situações análogas a de escravo (definidas pelo artigo 149), mas não se veem

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enquanto trabalhadores escravizados; ganham mais do que se estivessem na Bolívia, mas não

desejam o mesmo trabalho a seus filhos; vieram por um período provisório, mas vão

permanecer...

Antes de finalizar esta dissertação, cabe retomar a pergunta que apresentamos na

Introdução desta pesquisa: “O que essa interpretação vai significar?”.

Na escrita, procuramos esclarecer que poderiam ser as brasileiras, as paraguaias, as

peruanas, as haitianas o grupo social de mulheres a ser estudado, ou que não há uma aptidão

natural das bolivianas em relação à costura. Mas fizemos uma opção pelas bolivianas. Por

serem imigrantes, estão invariavelmente mais suscetíveis aos abusos do sistema e das pessoas

do que as trabalhadoras nascidas no Brasil. E, dentre o grupo de imigrantes presentes em São

Paulo e que tem se ocupado do ofício da costura, optamos pelas bolivianas por ser o grupo

quantitativamente mais relevante e por carregar um estigma na sociedade receptora, pela

necessidade de desnaturalizar a tríade “bolivianos-costura-trabalho escravo”.

Por outro lado, não há como negar que este grupo está ligado, sim, a um problema

social que foi central na discussão desta pesquisa, o trabalho análogo ao de escravo. Contudo,

a utilização da técnica da história de vida foi uma forma de escutá-las, de saber o que pensam

sobre as características que lhes são atribuídas pelos moradores de São Paulo, pelas

autoridades públicas e pelos pesquisadores.

O que essa interpretação vai significar? Fizemos o esforço do registro da fala e da

opinião delas. Como uma forma de não tratá-las como vítimas, mas sim compreender como é

feita a negociação para um melhor viver dentro das oportunidades restritas. Enquanto

escrevemos ou lemos este material, são muitas as mulheres (e homens também) que estão nas

oficinas costurando em São Paulo. Todas com caminhos semelhantes, mas cada uma com

histórias de vidas singulares. Essa interpretação significa também trazer as particularidades de

Carmen, Lourdes, Luz, Sara e Zelaide a partir do estabelecimento do que as aproxima e do

que as diferencia.

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trabalho escravo. In: Repórter Brasil. São Paulo, 14 de abril de 2013. Disponível em: <

http://reporterbrasil.org.br/2013/04/diretor-do-grupo-gep-alega-traicao-de-fornecedores-por-

caso-de-trabalho-escravo/ >. Acesso em: 10 ago. 2016.

Sites consultados

Capítulo boliviano de derechos humanos, democracia y desarrollo

www.derechoshumanosbolivia.org

Centro de Apoio e Pastoral do Migrante

http://camimigrantes.com.br

Instituto Humanitas Unhisinos

www.ihu.unisinos.br

Instituto Nacional de Estatística de Bolívia

www.ine.gob.bo/

Ministério Público do Trabalho – São Paulo

www.prt2.mpt.mp.br/

Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe

www.oig.cepal.org/pt

ONG Repórter Brasil

www.reporterbrasil.org.br

Organização Internacional do Trabalho

www.ilo.org

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD Bolivia

www.bo.undp.org

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APÊNDICE A – PERFIL DAS ENTREVISTADAS

Nome Luz Carmen Zelaide Lourdes Sara Quilla

Idade 35 30 30 40 35 36

Escolaridade

Ensino

Médio

Completo

Ensino

Médio

Completo

Ensino

Médio

Completo

Ensino

Médio

Completo

Ensino Médio

Completo

Ensino

Superior

Completo

Cidade de

origem Caranavi

Santiago

de Huata

Nor

Yungas La Paz La Paz Cochabamba

Migração

interna Sim Sim Sim Não Não Não

Migração

para outro

país

Argentina

(1 ano e 4

meses)

Argentina

(4 anos) Não Argentina Não Não

Ano de

chegada ao

Brasil

2010 2012 2012 2013 2004 2011

Porta de

entrada

Corumbá-

MT

Via

Argentina

Via

Paraguai

Corumbá-

MT Corumbá-MT

Corumbá-

MT

Local de

moradia

São Paulo-

Vila Maria

Alta

São

Paulo-

Vila

Maria

Alta

São

Paulo-

Vila

Maria

Alta

Carapicuíba São Caetano

São Paulo-

Vila

Mariana

Estado Civil Viúva Casada Casada Casada Casada Casada

Filhos 2 2 2 4 2 2

Costurava

na Bolívia? Não Não Não Não Sim Não

Nº de

oficinas em

que

trabalhou no

Brasil

3 3 2 4 4 0

Tem própria

máquina Não Sim Sim Sim Sim Não

Atividades

remuneradas

na Bolívia

Ajudante

de

cozinha;

garçonete;

cuidadora

de idosa e

cuidadora

de criança.

Faxina. Vendia

frutas.

Cuidadora

de criança;

Ajudante de

cozinha;vendedora

de cosméticos, de

xampú, de

material escolar;

costureira em

empresa.

Psicóloga.

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APÊNDICE B– LEVANTAMENTO DE ARTIGOS DAS REUNIÕES CIENTÍFICAS

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO E QUESTÕES CORRELATAS

Livros - Grupo de Trabalho Escravo Contemporâneo Artigos Depoimentos Total

Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil: contribuições críticas

para sua análise e denúncia (2008) 21 3 24

Presença de mulheres na análise 3 1 4

Olhares sobre a escravidão contemporânea: novas contribuições críticas

(2011) 19 1 20

Presença de mulheres na análise 0 0 0

Trabalho escravo contemporâneo: um debate transdisciplinar (2011) 15 0 15

Presença de mulheres na análise 1 0 1

Privação de liberdade ou atentado à dignidade: escravidão

contemporânea (2013) 22 3 25

Presença de mulheres na análise 2 2 4

A universidade discute a escravidão contemporânea: práticas e reflexões

(2015) 21 0 21

Presença de mulheres na análise 1 0 1

Discussões contemporâneas sobre trabalho escravo: teoria e pesquisa

(2016) 22 0 22

Presença de mulheres na análise 2 0 2

Trabalho Escravo Contemporâneo: estudos sobre ações e atores (2017) 22 0 22

Presença de mulheres na análise 1 0 1

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ANEXO A – MAPAS

Mapa 1. Locais de origem das narradoras-entrevistadas

Fonte: Wikimaps.

Adaptação: Pedro Uchôa.

Mapa ilustrativo, sem escala cartográfica.

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Mapa 2. Locais de circulação na RMSP das narradoras-entrevistadas

Fonte: https://www.emplasa.sp.gov.br/RMSP

Adaptação: Pedro Uchôa.

A Cajamar - Município de chegada de Lourdes

B Carapicuiba - Município de residência de Lourdes

C Santo André - Município onde Sara trabalhou

D São Caetano - Município de residência de Sara

E São Paulo - Município de residência de Carmen, Luz e Zelaide

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ANEXO B – ESTRUTURA DA CADEIA TÊXTIL E DE CONFECÇÕES

Fonte: Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT).

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ANEXO C – FOTOS

Foto 1. Tipos de tecido

Exemplo de tecido plano

“São resultantes do entrelaçamento de dois conjuntos de fios que se cruzam em ângulo reto”.

Exemplo de tecido de malha

“A laçada é o elemento fundamental deste tipo de tecido, constitui-se de uma ‘cabeça’, duas ‘pernas’ e dois

‘pés’”.

Fonte: http://www.audaces.com/tipos-de-tecido-plano-x-tecido-malha/

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Foto 2. Máquinas de costura

Exemplo de máquina galoneira Exemplo de máquina reta

Modelo do ponto – galoneira Modelo do ponto - reta

Fonte: http://www.audaces.com/maquinas-de-costura-conheca-as-funcoes-da-maquina-reta-industrial/

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Exemplo de máquina overloque Exemplo de máquina interloque

Modelo do ponto – overloque Modelo do ponto – interloque

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Foto 3. Presença das mulheres na feira, com o aguayo.

Fonte: Enciclopédia LatinoAmericana. Disponível em: <http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/b/bolivia>.

Acesso em: 27 jul. 2017.