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Revista Brasileira do Caribe ISSN: 1518-6784 [email protected] Universidade Federal de Goiás Brasil Bernardino-Costa, Joaze Colonialidade do Poder e Subalternidade: os sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil Revista Brasileira do Caribe, vol. VII, núm. 14, enero-junio, 2007, pp. 311-345 Universidade Federal de Goiás Goiânia, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=159114257002 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Page 1: os sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil

Revista Brasileira do Caribe

ISSN: 1518-6784

[email protected]

Universidade Federal de Goiás

Brasil

Bernardino-Costa, Joaze

Colonialidade do Poder e Subalternidade: os sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil

Revista Brasileira do Caribe, vol. VII, núm. 14, enero-junio, 2007, pp. 311-345

Universidade Federal de Goiás

Goiânia, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=159114257002

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Revista Brasileira do Caribe, Goiânia, vol. VII, nº 14, p. 311-345, 2007

* Artigo recebido em Junho de 2006 e aprovado para publicação em Dezembro de 2006

Colonialidade do Poder e Subalternidade: os sindicatosdas trabalhadoras domésticas no Brasil

Joaze Bernardino-Costa Universidade Federal de GoiásResumoPartindo do pressuposto de que o projeto de descolonização é ainda um projetoinacabado, este texto procura caracterizar a luta dos sindicatos das trabalhadorasdomésticas como uma luta pelo fim de hierarquias coloniais presentes na socie-dade brasileira. Para caracterizar a luta das trabalhadoras domésticas como umaluta descolonial, utilizamos os conceitos de colonialidade do poder (Quijano),diferença colonial e pensamento fronteiriço (Mignolo), assim como as contribui-ções da filosofia da libertação (Dussel). O texto demonstra que ao longo da histó-rica luta das trabalhadoras domésticas, iniciada em 1936, as hierarquias coloniais,baseadas em raça, classe e gênero, foram utilizadas, por estas mulheres, para expli-car a opressão, dominação e exploração às quais elas se encontram submetidas. Poroutro lado, estas categorias têm sido utilizadas pelas trabalhadoras domésticas naluta política contra a colonialidade do poder. O artigo baseia-se em entrevistasjunto a trabalhadoras domésticas sindicalizadas e em documentos de alguns sindi-catos da categoria.

Palavras- chave: Colonialidade do poder, trabalhadoras domésticas

ResumenEl artículo parte del presupuesto de que la descolonización es un proyectoinacabado, caracterizando la lucha de las trabajadoras domésticas como una lucha

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por el fin de las jerarquías coloniales presentes en la sociedad brasileña. Paradefinir esta lucha como descolonial, utilizamos los conceptos de colonialismo delpoder (Quijano) diferencia colonial y pensamiento fronterizo (Mignolo), así comolas contribuciones de la filosofía de la liberación (Dussel). El texto muestra que lalucha de las trabajadoras domésticas, iniciado en 1936, las jerarquías colonialesbasadas en la raza, la clase, y el género han sido utilizadas por estas mujeres paraexplicar la opresión, la dominación y la exploración a las cuales han sido sometidas.Por otro lado, estas categorías también han sido utilizadas por las trabajadorasdomésticas en la lucha política contra la colonialidad del poder. El artículo se apoyaen entrevistas y documentos de algunos sindicatos de la categoría.

Palabras claves: Colonialidad del poder, trabajadoras domésticas

AbstractAssuming that the project of decolonization is still unfinished, this paper attemptsto explore the female domestic worker’s trade union movements as a struggle toend with colonial hierarchies in Brazilian society. To define this battle asdecolonizing, I will use the concepts of colonialism of power (Quijano), Colonialdifference and border thinking (Mignolo), as well as the contribution of philosophyof liberation (Dussel). This paper shows that during female domestic worker’sstruggle, initiated in 1936, the colonial hierarchies (based on race, class andgender) were used to convey the oppression, domination and exploitation thatsubjugated them. On the other hand, the categories of race, class and gender havebeen used by female domestic workers to fight against colonial powers. Thearguments of this article are further supported by interviews with female unionizeddomestic workers and on documents from some trade unions.

Keywords: coloniality of power, female domestic workers

As teorias da descolonização têm se apresentado no cenáriointernacional dos estudos étnico-raciais como um novo paradigmade estudos que critica os chamados estudos pós-coloniais. Um dospressupostos dos autores que têm se identificado com os estudosda descolonização é o de que ainda estamos “colhendo os frutos”do colonialismo e por isso poderia ser enganoso falarmos em pós-colonialismo, como se já tivéssemos, de acordo com uma perspec-

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tiva linear do tempo, numa fase pós-colonial, que teve como fasesprecursoras as fases pré-colonial e colonial (MCCLINTOCK, 1992). Acaracterização desse período em que ainda estamos “colhendo osfrutos” do colonialismo, mesmo com o fim das administrações polí-tico-jurídicas coloniais, se nutre das contribuições do sociólogo pe-ruano Aníbal Quijano, que cunhou o termo colonialidad delpoder para se referir à sobrevivência dos legados do colonialismoem Estados-nação independentes. Neste sentido, alguns autoresinspirados em Enrique Dussel, defendem, parafraseando Habermas,que a nossa tarefa não consiste em finalizar o projeto inacabado damodernidade, mas sim em concluir o projeto inacabado dadescolonização.

Assim o projeto de descolonização, ou a segundadescolonização, como preferem alguns, envolve a descolonizaçãoem termos de raça-etnia, gênero, trabalho, conhecimento, sexo, re-ligião-espiritualidade e linguagem tanto em escala planetária (oworld-system do qual fala Wallerstein) quanto em escala nacional.Entende-se, devemos realçar este fato, como movimento descolonialuma série de “ativismos” práticos, intelectuais e espirituais.

Os movimentos descoloniais envolvem desde ativistas quetêm se encontrado no Fórum Social Mundial, o Zapatismo, o movi-mento pelos direitos civis nos Estados Unidos na década de 60, anegritude, o movimento indígena na América Latina, na Austrália,Nova Zelândia, os quilombolas e o projeto de pesquisadores negrosno Brasil até projetos intelectuais como a Filosofia da Liberação e oprojeto da transmodernidade (Dussel), Estudos da Subalternidadedo sul asiático (Guha, Spivak, Chateerjee), a nova consciênciaMestiza (Anzáldua), a Dupla Consciência (Du Bois), etc.

Embora muitas vezes seja mais fácil encontrardessemelhanças entre os supracitados movimentos intelectual-teó-ricos e político/ativista¹, proponho a exemplo do que sugere ChelaSandoval (2000), pensar em termos de complementação/unidade dosdiversos projetos políticos e intelectuais do que em termos deApartheid entre eles, ainda que não tenha havido uma mútua-iden-tificação entre os movimentos intelectuais e ativistas aos quais nos

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referimos acima. Em outras palavras, prefiro insistir na estratégiade uma convergência entre os diferentes movimentos em torno doobjetivo de concluir o projeto inacabado da descolonização.

Acredito que as nomeadas teorias da descolonização têmmuito a contribuir para o estudo das relações raciais no Brasil eespecificamente para entender e reconhecer a luta das trabalhado-ras domésticas no Brasil, por meio das suas organizações políticas,como uma luta descolonial. Apesar dos sindicatos das trabalhado-ras domésticas terem uma existência e resultados demasiadamentediscretos, especialmente se considerarmos a representatividade nu-mérica das trabalhadoras domésticas na sociedade brasileira, o quequeremos assinalar é a existência de uma “mentalidade” descolonial,que se não conduz para uma transformação das relações sociaismais amplas, minimamente contribui para a transformação da per-cepção do mundo das próprias trabalhadoras domésticas sindicali-zadas.

Colonialidad del Poder, Diferença Colonial eSubalternidade

Um dos conceitos chaves para a teoria da descolonização éo conceito de colonialidade do poder, de Aníbal Quijano. Acolonialidade do poder é o padrão de poder que se constitui junta-mente com o capitalismo moderno/colonial eurocentrado, que teveinício com a conquista da América em 1492. O world-system mo-derno/colonial, que se constituiu a partir daquela data, deu origem aum novo padrão de poder mundial fundamentado na idéia de raça,que passou a classificar a população mundial, produzindo identida-des raciais historicamente novas que passariam, por sua vez, a fi-car associadas a hierarquias, lugares e papéis sociais correspon-dentes aos padrões de dominação (QUIJANO, 2005).

Para a constituição do world-system moderno/colonial, aAmérica passou a desempenhar um papel fundamental, uma vezque foi o primeiro local em que a colonialidade do poder materiali-zou-se. Dois processos históricos convergiram na formação da Amé-

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rica e se estabeleceram como eixos fundamentais do novo padrãode poder: raça e trabalho.

a codificação das diferenças entre conquistadores e conquista-dos na idéia de raça e a articulação de todas as formas históri-cas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produ-tos, em torno do capital e do mercado mundial (QUIJANO 2005:106).

Raça e divisão do trabalho foram associados, constituindo emantendo uma divisão racial do trabalho durante todo o períodocolonial. Espanhóis e portugueses recebiam salários, enquanto ocolonizado, partícipe da divisão do trabalho como escravo ou servo,não era digno de salário. Obviamente, algumas concessões foramfeitas a mestiços/as e mulheres indígenas que podiam exercer, viade regra, somente ofícios que não eram exclusividade do europeunobre. Raça e trabalho articularam-se de maneira que se apresen-taram como naturalmente associadas, o que, até o momento, temsido excepcionalmente bem sucedido (QUIJANO, 2005: 106).

Uma outra dimensão da colonialidade do poder, que tem aEuropa como centro do capitalismo/colonialismo mundial, foi a in-corporação de todas as regiões e povos do mundo ao sistema-mun-do de uma maneira inferiorizada. Assim, o conhecimento e a produ-ção do conhecimento ficaram associados à Europa, tornando-seesta o lócus privilegiado de produção e avaliação do conhecimento.Assim, cosmologias e conhecimentos milenares foram reduzidos asuperstições, conhecimento popular, folclore etc. Trata-se aqui doprocesso de colonização da memória, do qual fala Walter Mignolo(2006).

Portanto, o conceito de colonialidade do poder, como um novopadrão de poder, dá conta da dominação eurocêntrica tanto no âmbitointerestatal (world-system) quanto no âmbito nacional, como vere-mos mais à frente. E cada âmbito da existência social passou aestar sob a influência deste padrão de poder: trabalho (a empresacapitalista e a divisão racial do trabalho); o sexo (por meio da cons-

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tituição da família burguesa masculinizada); a autoridade (o Esta-do-nação) e o conhecimento eurocêntrico (QUIJANO, 2005: 111).

O conceito de colonialidade do poder passa a se referir, por-tanto, a um padrão de poder que orienta hierarquias numa perspec-tiva global (GROSFOGUEL, 2003) e também nacional. Uma outra ca-racterística da colonialidade do poder é a sua associação a múlti-plas, complexas e heterogêneas hierarquias ou “heterarquias”, comosugere Ramón Grosfoguel, a partir das contribuições do filósofogrego Kyriakos Kontopoulos (GROSFOGUEL, 2003: 1-40). Neste sen-tido, ela não está somente articulada a uma hierarquia que envolveraça/etnia e trabalho, mas a hierarquias sexuais, de gênero, de co-nhecimento, de linguagem, religiosas etc. Esse heterogêneo e com-plexo sistema de hierarquia não pode ser explicado e transformadopelo paradigma infra-estrutura/superestrutura, uma vez que envol-ve um múltiplo, heterogêneo e complexo processo de entendimentoe também de transformação.

A colonialidade de poder, desse modo, é constitutiva damodernidade. Em outras palavras, colonialidade e modernidade sãocara e coroa da mesma moeda. Portanto, como argumenta Dussel,se a modernidade tem um sentido emancipador para a Europa, elanão tem a mesma positividade para o outro não-europeu, para esteela significou a origem de uma violência sacrificial, travestida nosprojetos de cristianização, civilização, desenvolvimento e democra-tização (DUSSEL, 1994).

Por los últimos 513 años de sistema-mundo Europeu/Euro-americano moderno/colonial capitalista patriarcal fuimos del‘cristianizate o te mato’ en el siglo 16, al ‘civilízate o te mato’en el siglo 18 y 19, al ‘desarróllate o te mato’ en el siglo 20, y,más recientemente, al ‘democratízate o te mato’ a principiodel siglo 20 (GROSFOGUEL, s/d: 12).

Outro aspecto do conceito de colonialidade é que ele permitetranscender o fim das administrações coloniais e a formação dosestados-nação independentes, que nos levam a pensar que estamos

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vivendo num mundo pós-colonial. A “heterarquia” formada por anosde colonialismo formal não esvaneceu com o fim das administra-ções coloniais. Ao contrário, ainda estamos vivendo sobhierarquizações coloniais, especialmente a racial. Neste sentido,podemos dizer que o colonialismo e o período colonial se referem aum estágio histórico específico da colonialidade.

Os diversos processos de independência, especialmente, dospaíses da América Latina durante o final do século XVIII e iníciodo século XIX, não superaram o padrão de poder constituído du-rante o período colonial formal. Índios e negros, e com menor inten-sidade os mestiços, continuaram presos às hierarquizações coloni-ais. Nesse sentido, podemos dizer que no caso da América Latinativemos a paradoxal situação: estados independentes e sociedadescoloniais (QUIJANO, 2005).

A minoria branca no controle do Estado, da economia e dasociedade não tinha nenhum interesse em comum com índios, ne-gros e mestiços. Ao contrário, seus interesses eram completamen-te antagônicos, não havendo uma base de solidariedade entre eles.Sobretudo porque o imaginário da minoria branca latino-americanaera formado pelas idéias raciais geradas na Europa, quedesumanizavam e/ou “barbarizavam” índios e negros. Assim, índi-os e negros não eram vistos como passíveis de assalariamento. Aocontrário, as teorias raciais constituíam-se na justificativa para aexploração, a opressão e a dominação. A colonialidade do poderlevava os membros da elite branca a se identificarem com os bran-cos dominantes da Europa e Estados Unidos. Em outras palavras, anacionalização das sociedades latino-americanas se deu de manei-ra dual.

A construção do Estado brasileiro, assim como os demais naAmérica Latina, foi um processo sem a participação da populaçãoindígena e negra. As nações latino-americanas entraram num pro-cesso de civilização e posteriormente de modernização, voltando àscostas aos negros e indígenas. No caso brasileiro, construiu-se umimaginário estruturado posteriormente em torno do mito da demo-cracia racial, principalmente após a igualdade jurídica de todos, que

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não concebia a colonialidade do poder. Ou seja, os esforços depensar uma nacionalidade no país ignoraram os outros, silenciando-os e destituindo-os de legitimidade enunciativa. Entretanto, os es-forços para uma outra narrativa sempre estiveram presentes emsituações coloniais, pois se constitui numa resposta natural à dife-rença colonial, como revela, por exemplo, a resposta de GuamaPoma de Ayala, a Revolta dos Malês, a Independência do Haití,Tupac Amaru etc.

Aqui chegamos a outro conceito importante para as nossasreflexões, a diferença colonial:

A diferença colonial é o espaço onde as histórias locais queestão inventando e implementando projetos globais encontramaquelas histórias locais que os recebem... A diferença colonialé, finalmente, o local ao mesmo tempo físico e imaginário ondeatua a colonialidade do poder, no confronto de duas espéciesde histórias locais visíveis em diferentes espaços e tempos doplaneta (MIGNOLO, 2003: 10).

A diferença colonial começou a ser percebida, no mundomoderno, pelos movimentos de descolonização política e intelectu-al. A construção do mundo moderno ao lado da colonialidade dopoder convive com as respostas da diferença colonial à coerção,opressão, desumanização etc. A diferença colonial é uma conseqü-ência natural do sistema mundo moderno/colonial. Ela é o produtodo embate entre as histórias locais européias que se apresentamcomo projetos globais e as respostas das diversas histórias locais.Em outros termos, o projeto de colonização do mundo não signifi-cou a eliminação por completo de outras memórias, linguagem, con-cepções de espaço e tempo. No embate entre os projetos globaiseuropeus e as histórias locais produziram-se diferentes loci deenunciação de acordo com a diferença colonial. A diferença coloni-al não se reduz e não é entendida como diferença cultural, quecompreende as diferenças sem levar em conta os aspectos de po-der e dominação. A diferença colonial é um produto do “eu con-

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quisto” (DUSSEL, 1994) que permitiu que as diferenças fossemvaloradas e hierarquizadas, justificando e legitimando a exploração,a escravização, a dominação e o discurso colonial. O racismo é umproduto da diferença colonial, assim como o sexismo, opatriarcalismo, a geopolítica do saber. A idéia de diferença culturalconduz ao relativismo, enquanto a idéia de diferença colonial re-quer liberação de todas as formas de poder forjada pela colonialidade.Estes loci de enunciação, na descrição de Mignolo, podem ser umanarrativa eurocentrada hegemônica que embora não sejauniversalista, neutra e objetiva, se pensa como tal. E podem sertambém, o que ele chama de pensamento fronteiriço (borderthinking).

O pensamento fronteiriço é uma conseqüência lógica da dife-rença colonial, é uma reação a ela:A diferença colonial cria condições para situações dialógicasnas quais se encena, do ponto de vista subalterno, umaenunciação fraturada, como reação ao discurso e à perspectivahegemônica (MIGNOLO, 2003: 11).

Portanto, o pensamento fronteiriço emerge do confronto en-tre o conhecimento moderno/europeu e os conhecimentos produzi-dos da perspectivas das modernidades coloniais (Ásia, África,Américas e Caribe). Como deixaremos mais evidente adiante, opensamento fronteiriço é a razão subalterna lutando para colocarem primeiro plano o potencial dos saberes subalternizados, rom-pendo a “sacralização” dos projetos globais europeus: “O pensa-mento liminar, na perspectiva da subalternidade, é uma máquinapara a descolonização colonial, e, portanto, para a descolonizaçãopolítica e econômica” (MIGNOLO, 2003: 76).

Ao se falar de pensamento fronteiriço não se está pensandoem termos de um fundamentalismo teórico e prático, que rejeitatudo e qualquer coisa que seja européia. Ao contrário, o pensamen-to fronteiriço leva em conta a duplicidade de consciência que osistema mundo colonial/moderno gera. O pensamento fronteiriço é

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duplo porque é a conseqüência do embate de no mínimo duas histó-rias locais, sendo que uma delas se pensa como global. Além disso,as experiências coloniais são as mais diversas possíveis, ocorrendonas margens externas dos projetos globais (nas Américas, Ásia,Norte da África) e no interior dos países centrais (latinos e negrosnos EUA; paquistaneses, indianos e negros no Reino Unido; arge-linos na França etc.) (GROSFOGUEL, 2003 e 2005).

Uma vez que o pensamento fronteiriço é uma conseqüênciadireta da diferença colonial e considerando que as diferenças colo-niais são as mais diversas possíveis, não podemos falar somente deum pensamento fronteiriço, unívoco, que se apresentaria diante detoda e qualquer situação colonial. Aliás, este é um dos pontos criti-cados dos chamados estudos pós-coloniais, que uniformizam as ex-periências “pós-coloniais” tomando como parâmetro as experiênci-as de descolonização do sul asiático e da África. Para WalterMignolo, a double consciousness de Du Bois, la Conciencia dela nueva Mestiza, a consciência de Rigoberta Menchú são algunsdos exemplos do pensamento fronteiriço.

Há um potencial epistemológico e ético no pensamento fron-teiriço. Epistemológico porque é construído sobre uma crítica àslimitações do imaginário ocidental e ético porque é uma maneira depensar que não é inspirada “nas suas próprias limitações e não pre-tende humilhar; uma maneira de pensar que é universalmente mar-ginal, fragmentária e aberta”. Enfim, “o pensamento liminar podeser implementado não para dizer a verdade em oposição às menti-ras, mas para pensar de outra maneira, caminhar para uma outralógica” (MIGNOLO, 2003: 104 e 106).

Fica evidente que a “dupla consciência” da razão subalter-na ou pensamento fronteiriço é diferente da consciência branca².Esta era e é a consciência herdada dos colonizadores que, mesmoque se oponha geopoliticamente à Europa no intuito de construiruma nação independente, não nega o eurocentrismo e, portanto,reproduz o padrão de poder moderno/colonial, hierarquizando ra-ças, trabalho, gênero, sexo, língua, religiosidade/espiritualidade etc.Esta consciência forja-se internamente na diferença com a popula-

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ção indígena e negra. Assim, a diferença colonial converte-se, daperspectiva da consciência branca, num colonialismo interno. Dife-rentemente, a noção de dupla consciência subalterna é herdeirados legados africanos e indígenas. É a duplicidade do branco e donegro/indígena, “duas almas, dois pensamentos, dois irreconciliá-veis esforços, dois ideais num corpo escuro” (DU BOIS, 1999: 11).

Ao falarmos em consciência branca não supomos umessencialismo ou naturalismo, que acredita que da pele branca de-rivará obrigatoriamente uma consciência branca; nem tampoucosupomos que de uma pele escura (negra e indígena) emergirá umconsciência subalterna. Ao se falar em consciência branca referimo-nos, para utilizarmos os personagens de A Tempestade deShakespeare, à mentalidade de Próspero, ao homem branco hete-rossexual/patriarcal/homofóbico. E, por outro lado, pensamos narazão de Caliban como metáfora para falarmos da razão subalter-na, ou seja, o escravo que transcende a identidade imposta sobreele, uma identidade que o reduz a uma besta, apto somente a xingarPróspero, e produz conhecimento, racionalidade, princípios éticosrenovados a partir de sua perspectiva. Neste sentido, podemos terCaliban(s) de pele clara, assim como podemos ter Próspero(s) depele escura.

Se do ponto de vista moderno/europeu há uma negação dovalor do conhecimento e contribuições das populações colonizadasou que estão numa posição subalterna em relação ao centro dopoder político e epistêmica, do ponto de vista das modernidadescoloniais, revelados pela noção de colonialidade do poder, partimosdo pressuposto de que há loci de enunciações para além de umaperspectiva estritamente moderna, embora estes loci estejam rela-cionados à própria modernidade, como uma reação a ela sem, en-tretanto, significar um fundamentalismo político e teórico.

A subalternidade não será somente uma questão de classesocial, mas estará vinculada à colonialidade do poder e à formaçãodo mundo colonial/moderno. Portanto, há outros aspectos que im-plicam subalternidade: raça, gênero, sexo, língua etc. Outra dimen-são da subalternidade nos termos de uma da colonialidade do poder

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e do sistema-mundo colonial moderno é a subordinação de históriase organizações sociais dentro da estrutura interestatal de poder,como pode ser visto nas divisões do mundo entre centro-periferia,mundo desenvolvido e em desenvolvimento (um eufemismo parasubdesenvolvido), primeiro e terceiro mundos. Estas divisões noplano internacional servem como justificativas para a violência po-lítica, econômica, simbólica e discursiva (MIGNOLO, 2001).

Portanto, o projeto de descolonização será o de liberar aque-les sujeitos que se encontram dominados, oprimidos e exploradospelo padrão de poder moderno/colonial e pela diferença colonial.Este projeto de descolonização consiste em ações internas a cadaEstado-nação quanto em ações que envolvem o sistema interestatalde poder.

Uma das primeiras tarefas de um projeto de descolonizaçãoou de liberação é a revelação do lado sombrio da modernidade,escondido pelo mito da modernidade.

Uma das elaborações mais consistentes e que tem servidode referência para as teorias da descolonização é a filosofia daliberação, proposta por Enrique Dussel.

Filosofia de la Liberación

Se a modernidade, por meio da racionalidade consiste numasaída da humanidade do seu estado de imaturidade e atraso, tal qualanuncia o projeto de conversão cristã, a missão civilizadora, odesenvolvimentismo, a democracia de mercado, ela possui um ladosombrio revelado pela colonialidade. A colonialidade, como disse-mos acima, tem sido um padrão de poder que classifica e hierarquizaa população e justifica a dominação. Num plano global, a colonialidadetem justificado o “eu conquisto”, enquanto em planos nacionais temjustificado os processos de exclusão, desigualdade e desumanização.A filosofia da liberação propõe transcender a razão emancipadora(não como uma negação da razão enquanto tal e sim da razãoeurocêntrica) e alcançar a razão libertadora, reconhecendo etica-

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mente a existência do outro que estava encoberto (o mundo coloni-al periférico, o índio sacrificado, o negro escravizado, a mulher, acriança e a cultura popular oprimida).

Trata-se de uma trans-modernidade como projeto mundial delibertação em que a alteridade, que era co-essencial àmodernidade, igualmente se realize. A realização não se efetuana passagem da potência da modernidade à atualidade dessamodernidade européia. A realização seria agora a passagemtranscendente, na qual a modernidade e sua alteridade negada(as vítimas) se co-realizem por mútua fecundidade criadora. Oprojeto trans-moderno é uma co-realização do impossível; ouseja, é co-realização de solidariedade, que chamamos deanalética, de centro/periferia, mulher/homem, diversas raças,diversas classes, humanidade/terra, cultura ocidental/culturado mundo periférico ex-colonial etc., não por pura negação,mas por incorporação partindo da alteridade (DUSSEL, 2005:29).

Para entender a trans-modernidade como projeto de libera-ção ou descolonização são necessários alguns comentários sobre afilosofia da liberação elaborada pelo filósofo argentino, radicado noMéxico, Enrique Dussel, na década de 70.

A filosofia da liberação, nas palavras do seu formulador, é afilosofia dos condenados da terra. Duas noções são fundamentaispara entendê-la, a noção de exterioridade e o método analético.

Para Dussel, a filosofia moderna européia situa todos os ho-mens, culturas, mulheres e filhos dentro das suas fronteiras. Assim,tanto a consideração filosófica quanto as considerações práticas sedarão levando em conta os entes que estão dentro da totalidade dosistema.Na totalidade do sistema surgem as noções de identidade e diferen-ça. A noção de identidade é o ponto de partida e fundamento domundo cotidiano, em outras palavras, é o fundamento, isto é, aquilosobre o qual nada se pode dizer, pois é a origem de todo dizer. Aorigem da diferença indica dependência em relação a outros seres

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e negatividade: um não é outro, eles são diferentes (DUSSEL, 1996).Tanto o discurso do igual quanto do diferente são interpretáveis,conhecidos; uma vez que supõem o mesmo sistema simbólico, fa-zem parte da totalidade. Identidade e diferenças serão noções im-portantes para a explicação do processo dialético (passagem de umhorizonte a outro). A dialética, inquestionavelmente um processocrítico, tem como referência o mundo cotidiano, a totalidade, nãosupõe a sua transcendência.

O aspecto novo da filosofia da liberação é a consideração daexterioridade, que não é nem idêntica nem diferente, mas distinta.A categoria de distinção refere-se àquilo que está além do sistema,da totalidade. “O outro se revela realmente como outro, em toda aacuidade de sua exterioridade, quando irrompe como o mais extre-mamente distinto, como o extraordinário... como o fora do sistema”(DUSSEL, 1996: 59). A partir do outro-distinto, fora do sistema, é pos-sível ver uma realidade histórica nova, que projeta uma nova filoso-fia. Nesse sentido, a filosofia da liberação e, conseqüentemente, oprojeto de descolonização suporá a negação da negação e a afir-mação da exterioridade.

Num plano global, além da totalidade se encontram as na-ções periféricas. O outro-distinto não será a nação periférica comoum todo, senão as classes oprimidas, aqueles que não fazem parteda nação, excluídos da cidadania.

Nas nações periféricas há uma estratificação que envolvedesde os sócios menores das nações centrais e das multinacionais,que possuem um imaginário eurocentrado, até o povo propriamentedito: camponeses, proletários, grupos marginais (trabalhadores sa-zonais, etnias, tribos, empregadas domésticas, mendigos etc.)(DUSSEL, 1996: 91). O povo, na linguagem de Dussel, constitui-se nacompleta alteridade e externalidade ao sistema.

Obviamente, é mais evidente perceber o outro distinto emnações periféricas pertencentes à América Latina, Ásia e África,como afirma Dussel. Porém, podemos também perceber estes ou-tros nas próprias nações centrais. Estes outros centrais,hierarquizados pela colonialidade do poder, são os sujeitos coloniais

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e os imigrantes coloniais, dos quais fala Grosfoguel (2003). Em ou-tras palavras, a noção de exterioridade não necessariamente supõeum fator geográfico. Assim como as elites político-econômico-inte-lectuais das nações periféricas são sócias menores das elites dasnações centrais; podemos identificar também no “seio do império”populações que têm sido ignoradas, silenciadas, excluídas. As rea-lidades de dominação são as mais diversas, assim como as lutas porliberação ocorrem de acordo com as posições de cada sujeito histó-rico. Embora possamos identificar uma externalidade comum a di-versas populações, não podemos perder de vista as singularidadesde cada uma delas.

O processo de descolonização é um processo dedestotalização, de anti-fetichismo. A fetichização é quando a tota-lidade se absolutiza, se fecha, se diviniza e se reconhece como aencarnação da perfeição. Negar a divindade do sistema é o autên-tico ateísmo:

O centro (Europa, EUA etc. uns como idéia, outros como maté-ria) se auto-afirmou como divino: negou a exterioridade antro-pológica (do índio, do africano, do asiático) e a exterioridadeabsoluta. O anti-fetichismo é a negação da negação daexterioridade (DUSSEL, 1996: 122).

O método analético proposto pela filosofia da liberação éesta negação da negação e a afirmação da exterioridade. Se adialética fica restrita aos termos da identidade e diferença internosao sistema, o método analético é a afirmação do que está externo àtotalidade, além do horizonte da totalidade. Portanto, sua tarefa épensar a partir do pauperismo, da dignidade do expulso do sistema.Nestes termos, a totalidade é posta em questão pela interpretaçãoprovocativa do outro. “Saber escutar sua palavra é ter consciênciaética” (DUSSEL 1996: 187). Trata-se, portanto, de ouvir e criar teoriaspara tal exterioridade. Como bem sabemos, Dussel faz companhiaa diversos outros autores que clamam pelo direito do outro, do su-balterno de falar e produzir conhecimento.

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A crítica é intrínseca à filosofia da liberação, não uma críticaque parte da totalidade, mas da exterioridade, que tem condiçõesde pôr em questão a totalidade e abre a possibilidade de transcen-der os limites da razão e da política moderna, mudando os termos enão somente o contexto da conversa. Esse é o projeto trans-mo-derno, um projeto voltado a concluir o inacabado processo dedescolonização.

Muito similar ao potencial ético, político e epistemológico dopensamento fronteiriço, o projeto trans-moderno não consiste numprojeto em busca de um nativismo, um passado idílico, nem consistenum projeto anti-moderno de grupos conservadores de direita.

O projeto trans-moderno objetiva a superação da modernidadepela negação do mito da modernidade e da afirmação da razão dooutro.

O mito da modernidade, a ser superado, consiste na crençade que a dominação que se exerce sobre o outro é emancipaçãopara o bem do próprio bárbaro que se civiliza, que se desenvolve ese moderniza. Esse mito tem justificado a conquista do outro, comodemonstra a conquista da América, a colonização da África e daÁsia, e a recente invasão do Iraque. Por outro lado, ele tem justifi-cado a opressão, o servilismo, a escravização, o não-assalariamentoou sub-assalariamento das populações de origem indígena e africa-na em países da América Latina, como o Brasil. A título de exem-plo, ainda hoje no Brasil, há a prática de famílias pobres entregaremcrianças, principalmente do sexo feminino, para serem educadaspor famílias abastadas das médias e grandes cidades do Brasil eestas crianças se tornarem “trabalhadoras domésticas” ou “escra-vas domésticas”. Nestes termos, principalmente em nações per-tencentes ao Terceiro Mundo a modernidade está evidentementevinculada à colonialidade, que é o seu lado sombrio.

Como estratégia política e intelectual de liberação dacolonialidade ou superação do mito da modernidade, o projeto trans-moderno propõe-se a afirmar a razão do outro, que tem sido simul-taneamente incorporado à totalidade dominadora como coisa, comoinstrumento e negado como distinto. Este processo de negação do

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outro como distinto é nomeado por Dussel como el encubrimientodel outro. Assim, a afirmação do outro consiste na afirmação daalteridade do outro, descobrindo pela primeira vez a outra cara,que, embora seja essencial, tem estado oculta na modernidade: omundo periférico, o índio sacrificado, o negro escravizado, a mulheroprimida, a cultura popular alienada (DUSSEL, 1994).

Da mesma forma que a colonização das Américas, da Áfri-ca e da Ásia constitui-se no elemento indispensável à modernidadeeuropéia, a negação do outro que assumiu a forma de colonialismointerno nas nações periféricas, em especial, mas também nas na-ções centrais, tem sido a condição indispensável para o brilho dassociedades desenvolvidas ou para os setores desenvolvidos das so-ciedades latino-americanas, africanas e asiáticas.A afirmação da exterioridade como supõe a filosofia da liberaçãorequer uma consciência ética que se traduz no dia-a-dia em saberescutar o oprimido, ouvir suas necessidades e suas contribuiçõespara o mundo atual.

Metodologia dos Oprimidos

O objetivo do projeto de descolonização ou liberação é reins-crever na história da humanidade o que foi reprimido pela razãomoderna. E uma das maneiras de reinscrever essa história é pormeio do pensamento fronteiriço (border thinking) e da perspecti-va da subalternidade.

Embora possamos visualizar o surgimento de um pensamen-to fronteiriço e da subalternidade ao longo dos mais de quinhentosanos de modernidade colonial, somente a partir da segunda metadedo século XX, podemos visualizar com mais intensidade e freqüên-cia a emergência de novos atores sociais encampando o projeto dedescolonização em escala global. Isto se deve, por um lado, ao es-paço aberto pela “perda de sentido” de práxis e discursividadescentradas nos projetos político-liberais de modernização e nas idéi-as de classe de orientação marxista. E, por outro lado, isso também

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se deve a novos espaços conquistados pelos sujeitos históricos queestavam numa posição de subalternidade em diversos contextos:fim de regimes coloniais na África e Ásia, luta pelos direitos civisnos Estados Unidos, surgimento das feministas de cor naquele país,diversos movimentos indígenas pelo mundo, uma nova face do mo-vimento negro em diversos países (por exemplo, a fundação, nofinal da década de 70 do século passado, do Movimento NegroUnificado no Brasil), a negritude etc. Obviamente, cada um dessesmovimentos tem a sua singularidade, porém o que nos interessa é asua semelhança.

Chela Sandoval, em seu livro Methodology of the Opressed(2000), identifica o surgimento desses novos atores com o surgimentode uma nova teoria e método de consciência opositora (oppositionalconsciousness), entendida como uma nova forma de conhecimen-to e prática comum oriunda dos movimentos descoloniais.

Podemos dizer que as teorias e práticas de uma consciênciaopositora não rejeitam as contribuições da modernidade, somenteas reconhecem como insuficientes porque o projeto moderno foiorientado para benefício apenas de uma parte da humanidade, dei-xando de lado os sujeitos coloniais.

Especialmente no caso dos Estados Unidos, Chela Sandovalvisualiza as feministas de cor como portadoras dessa consciênciaopositora. Vale a pena sublinhar que as feministas de cor são no-meadas de The United States Third World Feminism, o que signi-fica que na concepção da autora a experiência “terceiro mundista”ou colonial não é exclusividade das nações periféricas, podendoocorrer nos países centrais. Em outras palavras, as concepçõesutilizadas por Chela Sandoval não são essencializadas, assim comodiversas noções que temos utilizado aqui neste texto. Aliás, pode-mos dizer que a consciência opositora não pertence exclusivamen-te a um grupo da população, raça, gênero, classe, senão a grupossubalternizados que estão lutando contra as formas de hierarquizaçãoe poder moderno-coloniais.

O ponto fundamental da metodologia dos oprimidos nutrido

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por formas prévias de resistência teórica e prática no mundo con-temporâneo, é a superação da ideologia da dominação do mundomoderno, pelo reconhecimento da arbitrariedade do sistema simbó-lico hegemônico e o estabelecimento de princípios éticos compro-metidos com a justiça social e a igualdade na redistribuição do po-der.

Nutridas pelas experiências do feminismo hegemônico nosEstados Unidos (feminismo liberal, marxista, cultural e socialista),porém não contempladas nas suas especificidades, as feministasde cor estabeleceram uma coalizão entre elas em torno da raça,classe, sexo, gênero e diferenças de poder. Assim, a produção teó-rica e a prática política das feministas de cor estiveram e aindaestão aliadas às experiências pessoais de cada uma das integrantesdesse grupo.

O que nos interessa assinalar é que a produção teórica-prá-tica das feministas de cor rompeu com as narrativas hegemônicasdo feminismo norte-americano, denunciando o vínculo deste últimocom o racismo e o colonialismo e questionando, conseqüentemente,a suposta neutralidade-axiológica da narrativa dominante. Ao con-trário, para as feministas de cor a produção do conhecimento e aprática política não escapam às múltiplas hierarquias do mundomoderno-colonial. Portanto, o conhecimento é situado/localizadocomo defende Donna Haraway (HARAWAY, 1991).

Esta posição subalterna no plano político e epistemológicopermite aos sujeitos subalternos uma análise crítica do sistema sim-bólico eurocentrado. A combinação dessas duas práticas intelectu-ais permite a criação de um nível mais alto de significação. Istopermite a Sandoval, inspirada por Roland Barthes, defender quepodemos nos mover de um nível de significação para outro de umamaneira consciente. Porém, esta “movida” terá que estar inspiradae orientada por princípios democráticos de justiça social e igualda-de de poder. Neste sentido, os princípios democráticos se constitu-em nos direcionadores da mudança social (SANDOVAL, 2000: 110-112).

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Uma consciência opositora não foi exclusividade somentedas feministas de cor, porém pode ser vista entre diversos sujeitossubalternos. Entretanto, como recomenda Dussel, devemos saberescutar a voz do outro-distinto. Para tanto, uma postura importanteé o reconhecimento de outras formas de conhecimento e de pensa-mento, que não estejam necessariamente dentro dos parâmetrosdas disciplinas acadêmicas.

O que devemos explorar são as possibilidades abertas peladiscursividade de sujeitos subalternos, que tem estado encobertapelas narrativas hegemônicas. Um dos objetivos da teorizaçãodescolonial é reinscrever na história da humanidade o que foi repri-mido pela razão moderna. E uma das maneiras de reinscrever estahistória é pensar a partir da fronteira e sob a perspectiva dasubalternidade.

Nesse caso, a partir da fronteira do conceito moderno de teoriae daquelas formas anônimas de pensamento silenciado pelomoderno conceito de teoria: pensar teoricamente é dom e com-petência de seres humanos, não apenas de seres humanos quevivam em um certo período, em certos locais geográficos doplaneta e falem um pequeno número de línguas específicas... Arazão subalterna e o pensamento liminar vão além do ocidental/colonial e unem-se à inversão da dialética senhor/escravo, feitapor Frederick Douglass e analisada por Paul Gilroy...A alegoriade Hegel baseia-se em um conceito de razão cartesiano eincorpóreo... As especulações alegóricas de Hegel sobre asrelações senhor/escravo devem ser constantemente confron-tadas com a reflexão corporificada da consciência e daautoconsciência narrada e teorizada por Douglass... No mo-mento que Douglass reflete sobre sua experiência e conta ahistória, ele não é mais escravo, e poder-se-ia dizer que possuiuma consciência que existe por si mesma... Douglass está emposição de compreender tanto o escravo quanto o senhor apartir da perspectiva (e da experiência) do escravo, enquantoCovey (seu senhor) carece da experiência do escravo na com-preensão que tem da relação entre ambos... Douglas pensa a

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partir da experiência do subalterno que se libertou dessa posi-ção e pode, a partir dessa perspectiva, analisar a escravidãocomo uma forma de subalternidade (MIGNOLO, 2003:159-160).

Ao considerarmos tanto do ponto de vista político quantoepistemológico a voz silenciada, abrimos a possibilidade de um novohumanismo a partir da redefinição da noção de propter nous, comonos fala Sylvia Wynter.

Sylvia Wynter escreveu um importante texto na ocasião dacomemoração dos 500 anos de “invenção” das Américas, no qualela procurava considerar 1492 da perspectiva da humanidade e nãosomente de um grupo parcial. A tese dela é a de que 1492 significouuma revolução intelectual em relação à Escolástica, quando se de-fendia que o mundo tinha sido criado antes para a glória de Deus doque para a espécie humana. A partir daquela data, passou-se aentender que o mundo tinha sido criado para o bem do cristianismo.Esta idéia, como bem sabemos, foi sustentada pela Igreja e peloEstado. Este é o primeiro propter nous (para nosso bem). Emoutras palavras, os limites da humanidade englobaram, primeira-mente, somente parte dos Europeus. Por outro lado, a populaçãoindígena foi classificada como escravos naturais, submetidos à tu-tela a exemplo das crianças, e a população de origem africana foidefinida como escravos civis, com uma propensão natural à deso-bediência, o que justificava o controle do senhor. Podermos ver oslimites desse primeiro propter nous como a linha de cor da qualfala Du Bois (1999).

Uma possível comemoração de 1492 requer o cumprimentode uma outra revolução intelectual que somente começou. Trata-sede uma nova poética do propter nous que começou com os movi-mentos anticoloniais de 1960 e seus desafios à estrutura global ins-talada desde 1492.

Such a new poetics, if it is to be put forward as the poetics of apost-1960 propter nous will have to take as its referent subject

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(in the place of our present referent of the bourgeois mode ofthe subject and its conception of the individual), that of theconcrete individual human subject. With such a shift, thecriterion of its ‘for the sake of’ will now necessarily be (in theplace of that of the global middle classes, whose well-being,because they optimally embody the criterion of our presentmode of the subject has hitherto taken precedence over thewell-being of the human, as well as over that of its planetaryhabitat itself) that of the flesh-and-blood human species; as awell-being measurable only by the well-being of each indivi-dual subject, and therefore of what Gandhi termed the ‘lastman’, the least, in our present order, of us all (WYNTER, 1995:47).

Escrever a narrativa das trabalhadoras domésticas, a partirdos seus sindicatos, tem a perspectiva utópica de um novohumanismo, de superação da colonialidade do poder e suas“heterarquias”.

Sindicato das Trabalhadoras Domésticas³

As organizações políticas das trabalhadoras domésticas da-tam de 1936, quando foi fundada a Associação dos EmpregadosDomésticos em Santos por Laudelina de Campos Melo (1904-1991).Após o pioneirismo da Associação de Santos, que se deve especial-mente à atuação de Dona Nina, como era chamada Laudelina, ou-tras associações e grupos somente iriam ser criadas na década de1960. Nos anos 60 foram criadas as Associações de Campinas(novamente devido à atuação de Laudelina, que tinha se mudadopara esta cidade por volta de 1954), de São Paulo e do Rio deJaneiro. Ainda na década de 60 se tem o registro da existência dogrupo de Recife4 que se tornaria associação somente em 1979. Ogrupo da Bahia somente começaria a se reunir nos finais dos anos70, e se tornaria Associação por volta de 1985.

Somente no final de 1988, as associações e grupos se torna-

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riam sindicatos, após a promulgação da nova constituição do paísno dia 05 de outubro de 1988. Atualmente há o registro de aproxi-madamente quarenta e cinco organizações políticas das trabalha-doras domésticas em todo o país, porém nem todas são sindicatos enem todas são dirigidas por trabalhadoras domésticas. Há o regis-tro de alguns sindicatos que foram fundados por outros profissio-nais (especialmente advogados e contadores) e que não têm umaatuação voltada para a luta política da categoria.

Por sua vez, os Congressos Nacionais das trabalhadorasdomésticas, realizados desde 1968, aproximadamente de quatro emquatro anos5, são peças fundamentais para a organização políticaem escala nacional dessas trabalhadoras.

A história dos sindicatos das trabalhadoras domésticas noBrasil é uma história da tentativa de inscrição da memória subalter-na na narrativa dominante da sociedade brasileira. Escutá-las signi-fica o entendimento da história nacional de uma outra perspectiva,a perspectiva do outro-distante, do qual fala Enrique Dussel.

Durante estes setenta anos de atuação das organizações dastrabalhadoras domésticas podemos perceber um esforço por supe-rar a colonialidade do poder instalada na sociedade brasileira desde1500.

A história dos sindicatos das trabalhadoras domésticas é umaluta contra as múltiplas hierarquias estabelecidas que justificam aexploração, a dominação e o controle. Podemos ver, com base nasentrevistas e documentos, diversos episódios que tentam o estabe-lecimento de um novo propter nous.

Obviamente, que a discursividade que verificamos duranteestes anos não é unívoca. Do ponto de vista temporal há clarasmudanças no discurso das trabalhadoras domésticas. Até o iníciodos anos 80 podemos verificar uma discursividade mais centradana idéia de classe, enquanto da metade dos anos 80 até hoje pode-mos verificar um discurso estruturado mais em torno das categori-as raciais e de gênero. Da mesma forma, podemos verificar algu-mas diferenças do ponto de vista espacial e geracional, ou seja,

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dependendo da localidade e da idade da trabalhadora doméstica aspercepções de classe, raça e gênero variarão. Há uma ênfase mai-or no discurso centrado na classe, por exemplo, nas integrantes dosindicato de Recife e entre as fundadoras dos sindicatos do Rio deJaneiro e São Paulo. Enquanto há uma predominância da percep-ção racial entre as integrantes dos sindicatos de Campinas e Salva-dor e entre a geração mais nova de integrantes do sindicato do Riode Janeiro.

Dizer que a discursividade centrada na raça não predominana fase anterior a 1980, não significa dizer que ela não esteja pre-sente. Da mesma forma, notar a presença maior da raça e gêneronos dias atuais, não significa dizer que a questão classista não écolocada. Estas três realidades se apresentam no discurso das tra-balhadoras domésticas de uma maneira indissociável. Aliás, estaindissociabilidade entre classe-raça-gênero é própria da colonialidadedo poder.

Ao longo da existência das organizações das trabalhadorasdomésticas podemos enxergar diversos capítulos de luta contra estamúltipla e complexa hierarquia de poder, que chamamos decolonialidade do poder.

Classe

Em primeiro lugar, Laudelina de Campos Melo funda a As-sociação de Santos, em 1936, porque as trabalhadoras domésticasestavam destituídas das recentes leis trabalhistas aprovadas pelogoverno de Getúlio Vargas. Assim, a fundação da Associação deEmpregadas Domésticas de Santos visava romper com a concep-ção de que as trabalhadoras domésticas não eram trabalhadoras e,por isso, não deveriam ser remuneradas.

O Getúlio já tinha instituído as leis sindicais e ia haver o primei-ro congresso [I Congresso de Trabalhadores, em 1936]. As em-pregadas domésticas foram destituídas das leis trabalhistas,nós estávamos criando um movimento para ver se conseguia o

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registro do sindicato... Eu fiquei no Rio uns três ou quatro dias,no terceiro dia eu consegui falar com o secretário do ministro.Fui falar com o ministro mas não adiantou nada porque nãohavia possibilidade de enquadramento da classe das emprega-das domésticas. Foram destituídos porque não traziam econo-mia para o país. E até hoje eles dizem que as empregadas do-mésticas não trazem economia para o país (Laudelina de Cam-pos Melo: Entrevista de Elisabete Pinto; Apud PINTO, 2003).

Lembremos que a divisão entre aqueles dignos de recebersalário e aqueles sujeitos a formas de trabalho não remuneradas éum dos aspectos da colonialidade do poder. Lembremos tambémque esta divisão está associada à classificação racial da população.De acordo com o padrão de poder moderno/colonial, o trabalhodoméstico historicamente foi caracterizado como um lugar de ne-gro.

Da mesma forma que a colonialidade é o aspecto sombrio damodernidade, o trabalho doméstico também é o lado sombrio dotrabalho assalariado no Brasil. Longe de ser apenas uma pré-con-dição do trabalho assalariado, o trabalho doméstico é a sua condi-ção indispensável, principalmente se consideramos que a emanci-pação feminina no Brasil se deu, em parte, à custa do trabalho deoutra mulher. Portanto, a trabalhadora doméstica historicamentetem compensado a inexistência de serviços públicos no Brasil paraa classe média (como, por exemplo, creches de qualidade, escolasintegrais) e a não popularização de eletrodomésticos (aspirador depó, microondas, freezer etc.). Neste sentido, a histórica alegaçãode que a trabalhadora doméstica não deve ter os mesmos direitosque os demais trabalhadores porque não gera riquezas, como jáconstatava Laudelina em 1936, deve ser posta em perspectiva.Conforme tem afirmado reiteradas vezes Creuza de Oliveira, atualliderança do movimento nacional, “se a trabalhadora doméstica pa-rar, o Brasil pára”. De acordo com esta perspectiva, o trabalhodoméstico é altamente lucrativo para o país, sendo a condição in-

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dispensável para o “brilho da modernidade brasileira”. A luta paraque o trabalho doméstico seja encarado como parte integrante efundamental da economia do país tem sido recorrente nadiscursividade das trabalhadoras domésticas, posto que esta é umadas principais alegações do “mundo patronal” para não estender osdireitos trabalhistas às trabalhadoras domésticas.

A busca por serem reconhecidas como trabalhadoras, por-tanto, tem uma duplicidade, ao mesmo tempo em que denuncia acolonialidade do poder é também uma tentativa de redefinição dopropter nous. O documento de reivindicação enviado para os cons-tituintes em 1987, possui esse caráter:

Fala-se muito que os trabalhadores domésticos não produzemlucro, como se lucro fosse algo que se expressasse, apenas etão somente, em forma monetária. Nós produzimos saúde, lim-peza, boa alimentação e segurança para milhões de pessoas.Nós, sem termos acesso à instrução e à cultura, em muitos emuitos casos, garantimos a educação dos filhos dos patrões.Queremos ser reconhecidos como categoria profissional de tra-balhadores empregados domésticos e termos direitos desindicalização, com autonomia sindical.Reivindicamos o salário mínimo nacional real, jornada de 40(quarenta) horas semanais, descanso semanal remunerado, 13ºsalário, estabilidade após 10 (dez) anos no emprego ou FGTS(Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e demais direitostrabalhistas consolidados. Extensão, de forma plena, aos traba-lhadores empregados domésticos, dos direitos previdenciáriosconsolidados.Proibição da exploração do trabalho do menor como pretexto decriação e educação. Que o menor seja respeitado em sua inte-gridade física, moral e mental.Entendemos que toda pessoa que exerce trabalho remuneradoe vive desse trabalho é trabalhador e, conseqüentemente, estásubmetido às leis trabalhistas e previdenciárias consolidadas.Como cidadãs e cidadãos que somos, uma vez que exercemos odireito de cidadania, através do voto direto, queremos nossosdireitos assegurados na nova Constituição (Associação Pro-

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fissional de Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro, Bole-tim. Rio de Janeiro, maio, 1987).

Raça

Raça tem sido um dos principais eixos da colonialidade dopoder que, combinada com a divisão do trabalho, gera o sistema deestratificação com o qual estamos acostumados no Brasil, a saber,as posições de prestígio e mando são, em geral, desfrutadas pelapopulação branca, enquanto as posições de menor prestígio socialsão os principais redutos da população negra.

O vínculo do movimento das trabalhadoras domésticas coma questão racial tem sido embrionário. Não é demais mencionarque Laudelina participou de algumas entidades do movimento ne-gro no estado de São Paulo, entre elas, o TEN (Teatro Experimen-tal do Negro).

Além disso, a presença da classificação e hierarquizaçãoracial tem sido uma constante nas biografias das trabalhadoras do-mésticas. Com bastante freqüência verificamos menções aos con-flitos raciais e aos vínculos entre trabalho doméstico e trabalho es-cravo como revela a matéria do Jornal O Quente do Sindoméstico:

A Violência Continua: O trabalho doméstico é uma das profis-sões mais antigas do mundo, apesar disso a sociedade nãoreconhece seu valor social. No Brasil, cerca de quatro milhõesde pessoas são trabalhadoras domésticas, que na sua grandemaioria são mulheres negras e ganham menos de R$ 100,00(cem reais). Muitos patrões ainda vêem as trabalhadoras do-mésticas como escravas. No tempo da escravidão, existia o es-cravo da roça e o escravo da casa. Com a falsa libertação dosnegros, a mulher negra continuou fazendo o trabalho domésti-co em troca de casa, comida e roupa, muitas vezes sendo vio-lentada pelo senhor. E o pior é que essas agressões continuamaté hoje, muitos patrões e patroas cometem várias formas deviolência contra as trabalhadoras domésticas. Nos 300 anos de

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Zumbi dos Palmares não devemos permitir esta situação defalta de respeito. Temos que nos organizar mais para fortalecernosso Sindicato para cobrar das autoridades a punição destesagressores (Salvador, s/n, Agosto de 1995).

Freqüentemente podemos ver, no discurso das integrantesdos sindicatos, a associação do trabalho doméstico com o trabalhoescravo. As comparações mais comuns são: a) o “quarto de em-pregada” é um resquício da escravidão; b) ainda há trabalhadorasque não recebem remuneração; c) as crianças trabalhadoras do-mésticas, principalmente em cidades do interior, desempenham umtrabalho escravo.

Apesar das experiências de discriminação racial e racismonão terem sido incomum para as trabalhadoras domésticas, somen-te mais recentemente é que tem tido uma politização da questãoracial. Várias organizações estaduais e nacionais do movimentonegro têm sido aliadas das trabalhadoras domésticas. Além disso,os parlamentares negros(as) têm apoiado os sindicatos das traba-lhadoras domésticas nas suas demandas por ampliação de direitose na luta contra o padrão de poder moderno/colonial.

Essa assunção da luta racial é comum, sobretudo, no discur-so das sindicalistas mais jovens. Por exemplo, enquanto para sindi-calistas mais antigas do Rio de Janeiro a questão sempre foi classista,para as mais jovens, conforme se afirmou acima, o entendimentoda luta passou a incorporar a dimensão racial.

Gênero

As trabalhadoras domésticas possuem uma relação ambíguacom as hierarquias de gênero, ao mesmo tempo em que se solidari-zam com o movimento feminista e recebem apoio desse, há tam-bém rupturas porque as assimetrias raciais e de classe estão pre-sentes. O movimento de mulheres foi fundamental para a incorpo-ração das demandas das trabalhadoras domésticas na Constituinte.

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Além disso, em escala nacional, a colaboração tem sido mútua. Astrabalhadoras domésticas têm participado de fóruns feministas, as-sim como têm recebido apoio de organizações para tratarem depolíticas feministas.

Na Constituição, a gente não teve nenhum apoio da CUT. ACUT não colocou a gente em nenhuma proposta dela. Quembotou a gente foram as feministas. Tinha uma proposta só dasempregadas domésticas, mas você tinha que ter um percentualde assinaturas, que a gente não conseguiu (Entrevista a Lenirade Carvalho, 2005).

Entretanto, as rupturas entre trabalhadoras domésticas e fe-ministas têm se dado em decorrência das assimetrias de classe eraciais. As trabalhadoras domésticas têm clara consciência de quea emancipação da mulher de classe média se dá pelo trabalho do-méstico efetuado por outra mulher, ou seja, não é fruto da igualdadeentre gêneros (homem e mulher), mas da diferença intra-gênero(patroa- trabalhadora doméstica):

Na tv Educativa – Nair Jane e Tereza, num programa sobre alibertação da mulher, deram o seu depoimento sobre o assunto:‘se a emancipação das patroas é se livrarem do trabalho domés-tico, saírem por aí e nos tornarem cada vez mais escravas nassuas casas, então não vemos libertação’(Boletim da Associa-ção Profissional dos Empregados Domésticos do Rio de Ja-neiro, fevereiro de 1980).

A Indissociabilidade de Classe, Raça e Gênero

Se não podemos avaliar o movimento das trabalhadoras do-mésticas no Brasil do ponto de vista da eficácia (realização dosseus propósitos), ao menos podemos reconhecer o seu caráter ino-vador para se pensar as relações sociais no Brasil. É claro que ossindicatos têm uma eficácia individual (entendida pessoalmente como

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um processo de superação das hierarquias de poder), porém aindanão podemos falar de uma eficácia política em termos de um novopropter nous.

O que podemos reconhecer como caráter inovador para sepensar as relações sociais decorre da sua exterioridade em relaçãoao imaginário6 nacional. Apesar de física e espacialmente próxi-mas, inclusive habitando as residências das famílias brasileiras, astrabalhadoras domésticas são um dos “rostos encobertos”, comoafirma Enrique Dussel, da sociedade brasileira, não reconhecidasna sua exterioridade.

Essa exterioridade se dá em função da relação indissociávelentre classe-raça-gênero, que combinados são fatores de inclusãoe exclusão em movimentos sociais orientados por estas perspecti-vas. Desta forma, em relação aos movimentos trabalhistas, as tra-balhadoras domésticas estão aliadas até o ponto que não entramconsiderações de raça e gênero. Em relação ao movimento femi-nista, estão aliadas quando está em questão o patriarcalismo, po-rém ocorre uma ruptura quando as diferenças raciais e as desigual-dades de classe se evidenciam. Quanto às considerações de raça,a ordem de exclusão não se apresenta com a mesma intensidadeque nos movimentos de classe e gênero. Há uma possibilidade demaior identificação das lutas das trabalhadoras domésticas e dosmovimentos negros, que em geral demandam uma modificação dopadrão de poder semelhante às demandas das trabalhadoras do-mésticas. Entretanto, pode haver um distanciamento se a orienta-ção classista, mesmo inconsciente, estiver em destaque para o mo-vimento negro. Esta dinâmica entre os três tipos de movimento,suas aproximações e distanciamentos pode ser visto na análise deCreuza de Oliveira, uma da lideres sindicais mais atuantes da atua-lidade:

A participação dentro do MNU com a nossa categoria foi maisintensiva num Congresso que eu participei e cobrei deles oapoio à nossa luta, enquanto categoria de trabalhadoras do-mésticas. Naquela época quando eu comecei a participar eu

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não fui convidada. Comecei a participar como cara-de-pau...omovimento era acadêmico, só tinha militantes negros da acade-mia, tipo assim, universitários, doutorando...Quando eu partici-pei pela primeira e segunda vez de uma reunião, eu vi lá olinguajar todo difícil, acadêmico que eu nem sabia o que era,linguajar de academia. Eu sabia que era difícil de eu entender etal o que eles falavam. Eu disse: ‘bem, o linguajar deles é difícil,eu não entendo quase nada do que eles falam aqui, mas eu seique a questão tem a ver comigo, porque estão falando de ne-gro. E independentemente deles serem doutores ou terem umacondição melhor que a minha, como trabalhadora doméstica,tem a ver também porque eu sou negra’. Então eu achei que aliera o meu lugar e dali não saí. Fui ficando, fui ficando e já temanos que eu participo do MNU... O movimento feminista quando começou era formado de mu-lheres brancas e acadêmicas... Mas, nós, mulheres da periferia,quando a gente começou a participar do movimento feminista,o linguajar era de doutores. Se você for ver as feministas de 20anos atrás eram doutoras, da academia. O movimento feministacomeçou dentro da academia, nas universidades e tal. Hoje omovimento feminista já tem um linguajar mais voltado para apopulação da periferia, das mulheres negras, índias. Mas anti-gamente era um linguajar muito difícil. A gente sempre tem bati-do nessa questão. Ainda existe isso, as pessoas aprendem afalar como acadêmicas e esquecem que a população, ou a mai-oria, não teve oportunidade de chegar na academia. Quem par-ticipava do movimento feminista no começo eram as mulheresbrancas e patroas. E sempre eu falo. Uma vez teve uma compa-nheira feminista que se chateou comigo: ‘Ah! Não diga isso’.Porque quando eu disse a ela: ‘nós, trabalhadoras domésticas,somos discriminadas e violadas nos nossos direitos por todos:pelas mulheres que estão no movimento feminista, que tá lágritando por liberdade sexual, direito à maternidade, direito anão sei o quê, (direito) ao mercado de trabalho. Mas ela nãoquer que a mulher doméstica, trabalhadora doméstica, negra,que tá lá dentro da casa dela, estude, não quer que tenha a suavida sexual ativa, não quer que tenha filho, não quer que tenha

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a sua cidadania, que participe politicamente... ’.Quando você vai pra o movimento sindical também, o compa-nheiro ta lá no sindicato dele...Aí ele tem uma trabalhadora den-tro da casa dele. Ele tá lá dentro do sindicato querendo reposi-ção salarial, direito a isso, banco de horas. E aí ele esquece quea trabalhadora que está dentro da casa dele merece ter saláriojusto, que merece ter carga de trabalho respeitada e tal. E vocêvai pro movimento negro, muitos companheiros que são dou-tores... Que têm um salário digno, que dá pra pagar um saláriodigno, direito pra trabalhadora, justo, e que não quer pagarporque ele vê essa categoria como subalterna, que não estu-dou. E aí não quer também respeitar os direitos... Não é a toaque aqui dentro do sindicato, a gente recebe queixa de traba-lhadora de parlamentar, de trabalhadora de sindicalista, quechega aqui e ainda diz ‘eu sou de sindicato, não tá vendo queela não tem direito a isso? Vocês querem me convencer a pagarisso, eu sou sindicalista e sei como a gente de sindicato força abarra’. É este tipo de argumentação que eles usam pra não cum-prir o direito de assinar a carteira e tal (Entrevista a Creuza deOliveira, 2005).

O ponto não é que a narrativa das trabalhadoras domésticasseja melhor porque é uma narrativa subalterna, senão que tem apotencialidade de ser radicalmente crítica e de ser mais propensa atransformações. A partir desta perspectiva podemos revelar o ladosombrio da modernidade e pensar num projeto que a transcenda,voltado para o bem (propter nous) de cada indivíduo e não somen-te o indivíduo globalizado pertencente à classe média.

Notas

1 Ao falar de movimentos intelectual-teóricos e politico/ativistas nao queroficar preso na armadilha da lógica excludente, ou seja, a impossibilidade de serintelectual e ativista ao mesmo tempo. Esta armadilha, como poderemos vermais a frente com Santiago Castro-Gomes e Donna Haraway, está baseadano mito do puento-cero ou dos objetivismos, que nas atuais ciências sociais

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brasileiras – fortemente influenciadas na atualidade por Max Weber – seapresenta como neutralidade axiológica.

2 Walter Mignolo fala de dupla consciência crioula, ao invés de duplaconsciência branca. Aliás, não somente Mignolo, mas praticamente todos osintelectuais latino-americano de fala hispânica se referem a crioulo como obranco de origem européia nascido na América. Embora esta acepção dotermo crioulo exista nos dicionários da língua portuguesa encontrados noBrasil, o termo crioulo, no imaginário brasileiro, refere-se ao indivíduo negrode pele retinta. Crioulo era o negro de origem africana nascido no Brasil.

3 A pesquisa sobre os sindicatos das trabalhadoras domésticas envolve osseguintes sindicatos: (a) Sindicato dos trabalhadores Domésticos de Campinas,(b) O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Região Metropolitana deRecife, (c) O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Riode Janeiro, (d) O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Estado daBahia e (e) O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de São Paulo.

4 A partir de entrevistas e documentos podemos dizer que há o registro daparticipação de trabalhadoras domésticas de Juiz de Fora no 1º congressoEstadual da Guanabara, em 1963; de trabalhadoras da Paraíba, Rio Grande doNorte e Ceará no 1º Congresso Regional em Recife, em 1961; de trabalhadorasde Ribeirão Preto e Jundiaí no 1º Congresso Regional em Diadema, 1968.Porém, não podemos afirmar que nessas cidades e estados já havia grupos e,até mesmo, associações.

5 A pesquisa também se baseia nos Congressos Nacionais, envolvendo aconsulta dos anais de todos os congressos nacionais. Os congressos, suaslocalizações e datas são os seguintes: I Congresso Nacional, São Paulo, 1968;II Congresso Nacional, Rio de Janeiro, 1974; III Congresso Nacional, BeloHorizonte, 1978; IV Congresso Nacional, Porto Alegre, 1981; V CongressoNacional, Recife, 1985; VI Congresso Nacional, Campinas, 1989; VIICongresso Nacional, Rio de Janeiro, 1993; VIII Congresso Nacional, BeloHorizonte, 2001 e IX Congresso Nacional, Salvador, 2006.

6 Seguimos a definição de imaginário dada por Walter Mignolo: imaginário éa construção simbólica mediante a qual uma comunidade (racial, nacional,imperial e sexual) define a si própria (MIGNOLO, 2005: 33).

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