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Tradução Stephanie Borges

D H O N I E L L E C L A Y T O N

Belles MIOLO.indd 3 28/01/19 10:53

título original The Belles© 2018 by Dhonielle ClaytonPublicado mediante acordo com a autora, sob os cuidados de BAROR INTERNATIONAL, INC., Armonk, Nova York, Estados Unidos.© 2018 Vergara & Riba Editoras S.A.

Plataforma21 é o selo jovem da V&R Editoras

direção editorial Marco Garciaedição Thaíse Costa Macêdoeditora-assistente Natália Chagas Máximopreparação Fabiane Zornrevisão Raquel Nakasone e Juliana Bormio de Sousadireção de arte Ana Soltdiagramação Gabrielly Alice da Silvadesign de capa Marci Sanders foto de capa © 2018 by Tom Corbetto lettering Russ Gray

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Clayton, Dhonielle

Belles / Dhonielle Clayton; tradução Stephanie Borges. –

São Paulo: Plataforma21, 2018. – (Saga Belles ; 1)

Título original: The Belles.

ISBN 978-85-92783-92-1

1. Ficção norte-americana I. Título. II. Série.

18-23135 CDD-813

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura norte-americana 813

Iolanda Rodrigues Biode - Bibliotecária - CRB-8/10014

Todos os direitos desta edição reservados à VERGARA & RIBA EDITORAS S.A.Rua Cel. Lisboa, 989 | Vila MarianaCEP 04020-041 | São Paulo | SPTel.| Fax: (+55 11) 4612-2866plataforma21.com.br | [email protected]

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“A beleza é uma flor morrendo.”

– Provérbio orléansiano

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Depois da criação do mundo, o Deus do Céu se apaixonou pela Deusa da Beleza.

Céu cobriu Beleza de presentes, seus elementos mais adoráveis – o Sol, a Lua, as

nuvens e as estrelas. Ela aceitou quando ele propôs casamento e juntos tiveram os

filhos de Orléans. Entretanto, Beleza amava tanto seus novos filhos que passava

todo o seu tempo com eles. Depois que ela se recusou a voltar para casa, Céu

enviou a chuva, os raios e os ventos para afogar os primeiros humanos. Então,

Beleza protegeu as pessoas do perigo e Céu os amaldiçoou com uma pele da cor

do céu nublado, olhos em tons de sangue, cabelos com a textura da palha podre

e uma tristeza profunda que logo se transformou em loucura. Em compensação,

Beleza enviou as Belles para serem rosas crescendo na terra escura e arrasada,

destinadas a trazerem o que é belo de volta a esse mundo condenado, assim como

o Sol traz a luz.

Trecho de A história de Orléans

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Todas nós completamos 16 anos hoje, e para qualquer garota normal isso

significaria macarons de framboesa e limão, pequenos dirigíveis em cores

pastéis, espumante rosé e jogos de cartas. Talvez até um minielefante.

No entanto, não para nós. Hoje nós debutamos. Há apenas seis de

nós este ano.

As pontas dos meus dedos deixam gotículas condensadas nas pare-

des de vidro tão finas quanto papel. A carruagem é linda, transparente e

esférica. Sou uma boneca delicada colocada dentro de um globo de neve.

Uma multidão excitada cerca a minha carruagem, curiosa para ver como

eu sou e o que posso fazer.

Uma rede de flores cor-de-rosa está pousada acompanhando as cur-

vas de vidro. Elas são minha assinatura, para que todos saibam meu nome

– Camélia – e para me esconderem até que eu seja revelada à corte real.

Sou a última da fila.

Meu coração acelera com a excitação e o nervoso, conforme zigue-

zagueamos em meio à multidão na Praça Real, a caminho do Festival

da Beleza. A festa acontece uma vez a cada três anos. Espio através dos

pequenos espaços entre as pétalas com um par de olhoscópios, tentando

assimilar as emoções das minhas primeiras visões do mundo, querendo

dobrar cada uma delas em pedacinhos e acomodá-las entre as camadas

do meu vestido cereja.

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É uma terra de maravilhas, de palácios construídos com torres dou-

radas e arcos reluzentes, fontes cheias de peixes vermelhos e brancos,

labirintos verdes de árvores podadas, arbustos e arvoretas em todas as

formas geométricas possíveis. Ao redor da praça, barcos cravejados de

joias navegam pelos Canais Imperiais, parecendo pedras preciosas bri-

lhantes, têm o formato de luas crescentes sobre a água escura como o azul

da meia-noite. Eles se espalham com passageiros empolgados querendo

nos ver. A ampulheta real, que mede a duração do dia e da noite, revira

areias da cor de diamantes brancos.

O céu e suas nuvens ganham tons de cerejas derretidas e laranjas

flambadas e toranjas muito maduras enquanto o sol afunda no mar. Os

últimos raios de sol projetam meu reflexo no vidro. Minha pele sob uma

camada de pó de arroz me faz parecer um pedaço de bolo de caramelo

com cobertura demais.

Nunca tinha visto algo assim antes. É a primeira vez que visito a Ilha

Imperial, a primeira vez que deixei a minha a casa.

O arquipélago de Orléans é uma série de ilhas que se alongam como

uma rosa com o caule curvado em meio ao mar morno. Em sua maioria,

elas são interligadas por pontes douradas ou se pode ir de uma para outra

em imensos e luxuosos coches fluviais. Nós viemos de lá de cima – do

botão da rosa – e fizemos uma longa viagem, até o coração do caule, para

demostrarmos nossos talentos.

A brisa encontra passagem entre os pequenos buracos da carruagem

de vidro para que eu possa respirar, trazendo com ela o aroma do céu.

Chuva salgada, nuvens temperadas e um toque de doçura que parece

vinda das estrelas. Eu queria que isso não terminasse nunca. Não quero

voltar para casa nunca mais. Um minuto aqui é mais intenso do que mi-

lhares de momentos lá.

O fim dos meses quentes traz a mudança, mamãe sempre dizia. E minha

vida está prestes a se transformar hoje à noite.

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Os cavalos nos puxam para a frente, seus cascos fazem clac-clac con-

tra o piso de pedras da praça. Vendedores oferecem doces em nossa home-

nagem: pequenos montes de gelo raspado cobertos com morangos da cor

dos nossos lábios; minibolos confeitados ricos em detalhes no formato das

nossas flores de assinatura; tortas recheadas modeladas como os coques

das Belles; cordões coloridos de açúcar espiralados em torno de palitos,

imitando nossos vestidos e faixas de cinturas tradicionais.

Uma mão fechada bate contra minha carruagem e vejo parte de um

rosto de relance. A praça está lotada de pessoas. Há tantas delas! Centenas,

milhares, talvez milhões. Guardas imperiais empurram a multidão para

trás, abrindo espaço para a nossa procissão passar. Todo mundo parece

bonito, com peles de várias cores, desde a cor de creme fresco até a de mel

diluído e também a de um pedaço de chocolate; seus cabelos são louros

ondulados, castanhos cacheados ou possuem cachos negros modelados;

seus corpos têm formas magras, arredondadas ou algo entre as duas.

Todos eles pagaram para ter essa aparência.

Os homens usam jaquetas, cartolas e gravatas em diversas cores.

Alguns têm pelos crescendo no rosto em padrões bem definidos. Estão

de pé ao lado de mulheres enfeitadas com joias, embrulhadas em vestidos

luxuosos em cores pastéis, armados com crinolina e tule. Chapéus adorna-

dos cobrem as cabeças das senhoras, algumas carregam sombrinhas de-

licadas ou guarda-chuvas de papel encerado, ou se refrescam com leques

estampados. Vistos dos dirigíveis lá em cima, aposto que eles lembram

doces numa caixa.

Reconheço alguns dos trajes mais populares por causa das pilhas de

tabloides de fofocas deixadas em excesso na cesta do correio todo dia, ou dos

belezascópios semanais que a filha de Du Barry, Elisabeth, às vezes largava

entre as almofadas aveludadas do sofá da sala de estar. O Notícias de Orléans

diz que o cabelo ruivo claro tipo morango e olhos verde tipo jade são a nova

tendência da estação dos ventos. Todas as manchetes dos jornais dizem:

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desperte o amor… fique irresistível com morango e jade.

deixe sua nécessaire completa com o talco para cabelos

da marca ruibarbo, aprovado pelas belles.

lábios em tons de lírios e rosas-belle.

as cores da beleza desta estação.

Os noticieiros dizem o que todos vão querer nos próximos meses.

Moedas retinem. Mãos balançam algibeiras de veludo no ar. As es-

píntrias dentro delas criam uma melodia tilintante. Quanto há dentro de

cada algibeira? Por quantos tratamentos eles podem pagar? Quanto eles

estão dispostos a pagar?

Ajusto as lentes do olhoscópio, focando na audiência agitada, repa-

rando que o tom de pele de alguns deles está desbotando, como pinturas

expostas ao sol por muito tempo; que seus cabelos estão acinzentados nas

raízes; e que linhas da idade marcam muitos semblantes.

É um lembrete de por que eu estou aqui.

Eu sou uma Belle.

Eu controlo a beleza.

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As carruagens param diante do pavilhão real. Crisântemos trançados

pendem dos pontos mais altos do edifício. Trompetes soam. Campainhas

tocam. Ajusto as lentes do olhoscópio e aperto os olhos para enxergar o

rei, a rainha e sua filha. Eles me lembram as bonecas de porcelana com as

quais eu e minhas irmãs brincávamos quando crianças: o rosto lascado do

pequeno rei usando um robe púrpura e a rainha com uma coroa amassada

presa ao seu cabelo escuro, os dois sentados dentro de um palácio em

miniatura feito de ciprestes na nossa sala de brinquedos.

Eles parecem ser os mesmos aqui, mas não tão gastos, é claro. A

rainha brilha como uma estrela distante e sua pele negra retinta capta os

últimos raios da luz do sol; a barba acobreada do rei vai até sua cintura,

batendo na faixa que fecha seu robe; a filha tem um cabelo dourado mo-

delado como uma colmeia. Eu costumava pintar os braços e pernas da

boneca princesa toda vez que a verdadeira princesa alterava a cor de sua

pele, mantendo-a de acordo com os panfletos escandalosos que mamãe

costumava ler escondida de Du Barry.

A tela do dirigível brilha com a imagem dela. Hoje ela está branca

como a neve, assim como seu pai, mas com sardas cor de pêssego habil-

mente espalhadas pelo seu nariz. Eu quero ser a Belle que os deixa assim

tão bonitos. Eu quero ser a escolhida pela rainha. Quero o poder que vem

de ser a favorita de Sua Majestade. Se eu puder ser melhor do que Âmbar,

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serei escolhida. Minhas outras irmãs são boas, mas, no fundo do meu

coração, eu sei que será entre ela e eu.

Madame Du Barry fala em um trompete-vocal:

– Vossas Majestades, vossa Alteza, ministros, condes e condessas,

barões e baronesas, senhoras e senhores da corte, povo de Orléans, sejam

bem-vindos à mais célebre das nossas tradições: o Festival da Beleza! –

a voz dela é carregada de autoridade.

O som faz minha carruagem vibrar. Ainda que eu não consiga vê-

-la, sei que ela está usando um chapéu cheio de penas de pavão, e que

espremeu seu corpo curvilíneo em um de seus vestidos pretos. Mamãe

me disse que Madame Du Barry gosta de manter uma aparência grande

e intimidante.

– Eu sou Madame Ana Maria Lange Du Barry, guardiã real da Rosa-

-Belle – ela pronuncia seu título com orgulho.

O povo de Orléans provavelmente engasgaria se soubesse que a cha-

mamos de “Du Barry” em casa.

Aplausos se espalham. Assovios agudos ecoam. O som vibra dentro

do meu peito. A minha vida inteira, o que eu mais queria sempre foi estar

aqui, diante do reino.

– Essa tradição vem desde os primórdios de nossas ilhas, do início

de nossa civilização. Por gerações, meus ancestrais tiveram o grande pri-

vilégio de serem os guardiões de nossas joias mais preciosas – ela se vira

para a esquerda e faz um gesto em direção à geração anterior de Belles.

Todas as oito estão sentadas em cadeiras de espaldar alto e seguram

botões de rosas em suas mãos. Véus de seda preta cobrem os seus rostos.

A favorita – Hera – usa uma coroa brilhante na cabeça. É o fim de sua

temporada na corte. Elas voltarão para casa assim que nos treinarem.

Quando eu era pequena, todas elas brincavam conosco entre as aulas

que tinham com Du Barry. Então, um dia, os criados fizeram as malas das

meninas mais velhas.

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Eu queria me encolher dentro daqueles baús de carruagem, escondida

entre seus vestidos de seda, peles macias e tules fofos, fugir clandestina-

mente e ver relances do mundo pelo buraco da fechadura de um baú. Eu me

lembro de ler sobre as Belles mais velhas nos jornais depois que elas parti-

ram. Eu tenho seus postais-Belle oficiais presos nas paredes do meu quarto.

Eu queria ser a Hera. Sempre quis ser ela.

Você tem que ser a favorita assim como eu, mamãe me disse antes de

morrer. As pessoas de Orléans se odeiam. Você precisa mudar isso. A lembrança

de suas palavras me aquece de dentro para fora enquanto uma pontada da

saudade dela faz meu coração doer. A favorita mostra ao mundo o que é belo.

Ela lembra a todos o que é essencial. Gostaria que ela estivesse viva agora,

assistindo a tudo do palco.

Eu me imagino vivendo no palácio como a Belle da família real,

sendo a mão direita da ministra da beleza e ajudando-a a rascunhar as leis

da beleza, experimentando as maravilhas da Cidade Imperial de Trianon e

todos os seus cantos, nadando no Mar do Rei, velejando em embarcações

reais, visitando cada ilha e passando por todas as cidades para experimen-

tar tudo o que o mundo tem para oferecer.

Minhas irmãs serão designadas para uma das cinco casas de chá

imperiais, ou ficarão em casa para cuidarem nos cidadãos recém-nascidos

de Orléans.

Serei um instrumento da Deusa da Beleza.

Detenho esse sonho dentro do meu peito como uma inspiração que

nunca quero deixar escapar.

– E, agora, é um prazer apresentar a mais nova geração de Belles –

anuncia Du Barry.

Um calafrio de antecipação faz com que meu coração ameasse explo-

dir. Minhas mãos tremem e deixo meu olhoscópio cair.

A multidão vibra. O condutor retira a rede de flores que cobre a

minha carruagem.

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Sou revelada ao público. Pego o leque no meu colo. Ele se abre, ex-

pondo sua estampa de prímulas cor-de-rosa. Cubro meu rosto, então me

abano e fecho o leque com um giro, suas camadas esvoaçam suavemente

como asas de borboletas. Eu o jogo acima da minha cabeça e o pego de

volta sem esforço. As horas de aulas são compensadas neste momento.

Assovios e gritos emergem do povo.

Olho à esquerda para as carruagens de minhas irmãs. Estão todas

enfileiradas como uma carreira de ovos em uma caixa, movendo-se em

sincronia. Trocamos sorrisos. O sangue que corre em nossas veias é o

mesmo: o sangue das estrelas, o sangue da Deusa da Beleza.

Lanternas carmim flutuam no ar. Contra o céu do anoitecer, o pa-

pel fino traz grandes chamas brilhantes, carregando os nossos nomes:

Edelvaisse, Ambrósia, Padma, Valeriana, Hana e Camélia. Peixes saltam

nas fontes nos arredores, mudando de vermelho-rubi para azul-turquesa

no meio do voo, surpreendendo a plateia. Seus movimentos prenunciam

nossos poderes. Garotinhas balançam suas bonecas-Belle no ar.

Muitos homens e mulheres recorrem aos seus monóculos para nos

verem melhor. Sorrio e aceno, querendo impressioná-los, querendo ser boa

o suficiente para ser lembrada.

Du Barry apresenta Valeriana primeiro. A carruagem da minha irmã

Belle segue em frente.

Fecho os olhos.

Não assista às apresentações delas, mamãe me ensinou. Jamais inveje a

forma como elas usam as arcanas. A inveja pode crescer como uma erva daninha

dentro de você. Seja a melhor sem tentar ser melhor do ninguém.

Nós não podíamos conversar sobre as instruções que recebemos nas

semanas anteriores ao festival, mas Âmbar e eu trocamos os nossos dos-

siês. A cobaia dela precisava receber um tom de pele de nozes tostadas,

cachos largos e um belo rosto rechonchudo; a minha deveria ter a pele no

tom das pedras de alabastro das Ilhas do Fogo, um cabelo tão escuro que

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se confundiria com a noite e uma boca tão perfeita e vermelha que seria

impossível distingui-la de uma rosa. Nós praticamos as aparências que

nos foram dadas nas criadas da casa, aperfeiçoando cada uma delas nos

nossos aposentos solitários sob a observação de Du Barry. A prática leva à

perfeição, ela gritava por horas.

Eu me mexo inquieta na carruagem enquanto as demonstrações

continuam, com Hana logo depois de Valeriana. Minhas pernas estão

dormentes por terem ficado tanto tempo cruzadas, meus olhos tremulam,

lutando contra meu desejo de mantê-los fechados. Gemidos de dor atra-

vessam a praça barulhenta conforme as meninas suportam suas transfor-

mações. Aperto os olhos fazendo uma careta enquanto o choro fica alto

e quase desaparece, e a audiência vibra entusiasmada num crescendo.

Algumas de minhas irmãs recebem reações mais empolgadas que

as outras. Algumas provocam oohs e aahs. O rugido da multidão me en-

surdece em alguns momentos.

Eu amo minhas irmãs, especialmente Âmbar. Ela sempre foi a que

eu mais amei. Todas nós merecemos ser a favorita. Nós temos trabalhado

muito para aprendermos a arte da beleza. Só que eu quero tanto ser esco-

lhida que não existe espaço em mim para mais nada.

Meus olhos parecem ter ficado fechados por uma eternidade antes

que minha carruagem se arraste para a frente mais uma vez. Servos im-

periais se aproximam, e os botões dourados de seus uniformes refletem

as luzes das lanternas. Eles se organizam formando quatro pontos ao

meu redor, destravam os engates, seguram com firmeza a bola de vidro

e me tiram das rodas como se eu fosse apenas uma bolha de sabão. Leve

e delicada.

Travo as minhas pernas e me foco no equilíbrio. Os homens me con-

duzem ao centro da plataforma. Tento não ficar nervosa. Du Barry recriou

toda essa cena em nossa casa, completa, incluindo o cilindro dourado

onde minha plataforma será colocada. Venho me preparando para esse dia

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desde o meu aniversário de 13 anos. Todas as aulas, as palestras, o treina-

mento… eu sei exatamente o que devo fazer. Tudo foi ensaiado, e ainda

assim não consigo fazer com que meus dedos parem de tremer como se

houvesse um pequeno terremoto dentro da minha esfera de vidro.

– Terei a melhor demonstração – sussurro. – Vou receber os aplau-

sos mais empolgados. Serei nomeada a favorita, como a mamãe. Viverei

na corte. Vou ver o mundo. Não cometerei nenhum erro. Vou tornar as

pessoas bonitas – repito isso várias e várias vezes como uma oração até o

ritmo das palavras apagar meu medo.

Os homens giram uma alavanca. Engrenagens fazem clic-clac e ran-

gem. A plataforma debaixo de mim se ergue acima da multidão. Luxuosos

camarotes reais estão suspensos em cima de mastros bem altos. As pes-

soas se debruçam nas beiradas com olhoscópios, lunetas e trompetes de

ouvido pendendo para fora como trombas de elefante. Os rostos se voltam

para cima com surpresa e agitação, como se eu fosse uma estrela dentro

de uma redoma, prestes a explodir.

A plataforma para. Movo uma pequena alavanca no chão da esfera.

O teto de vidro acima de mim se parte como uma casca de ovo. O ar

morno da noite desliza pela minha pele como dedos suaves, e seu aroma

parece ainda mais doce daqui. Se eu pudesse engarrafar essas brisas, elas

se transformariam em poeira de açúcar.

As estrelas brilham. Eu me sinto próxima o bastante para pegar uma

delas e escondê-la no meu baú de beleza.

A praça se torna tão silenciosa que o som do oceano fica mais alto.

O povo de Orléans me observa no alto atentamente, a última Belle a mos-

trar seus talentos. Du Barry não me preparou para como eu me sentiria ao

ser encarada dessa forma. Há muitos pares de olhos, todos com formatos

e cores diferentes. Meu coração pula.

Du Barry dá uma piscadela para mim e toca seus lábios volumosos

– um lembrete para que eu sorria. A multidão acredita que nasci sabendo

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como tornar todos bonitos. Eles não sabem o quão duro eu tive que traba-

lhar para dominar e aperfeiçoar as tradições das arcanas. Eles não sabem

o quanto lutei para aprender todas as regras.

– Agora, é a minha honra apresentar nossa última Belle: Camélia

Beauregard!

Ela preenche as sílabas do meu nome com orgulho, triunfo e magia.

Eu tento me agarrar nisso para combater as minhas preocupações.

As luzes brilham em todo lugar: as lanternas, os dirigíveis e uma lua

brilhante nascendo. Quase posso sentir o seu gosto, macio, borbulhante e

doce, como espumante rosé na ponta da minha língua.

Estou diante de um semicírculo de plataformas menores. Três à mi-

nha esquerda, duas à minha direita. Meninas de 7 anos estão de pé sobre

elas como joias sobre almofadas de veludo. Elas são tão diferentes umas

das outras como pérolas, rubis e esmeraldas, mostrando como podemos

usar nossas arcanas de maneira única para embelezar.

Conheço o estilo das minhas irmãs: a cobaia de Padma tem a cor

de pão de mel; Edel raspou a cabeça de sua criança quase próximo do

couro cabeludo; os olhos da menina de Valeriana brilham como estrelas

de ametista; a garota de Hana tem o corpo de uma bailarina, pernas e

braços longos e um pescoço esguio; a cobaia da Âmbar tem um rosto

arredondado e alegre como o dela.

As outras Belles criaram pequenas obras de arte.

É minha vez de transformar uma garotinha.

O rei e a rainha fazem um sinal com a cabeça para Du Barry. Ela

balança sua mão no ar, sinalizando para eu me aprontar.

Eu olho para os céus em busca de força e coragem. As Belles são

descendentes da Deusa da Beleza, abençoadas com as arcanas para melho-

rarem o mundo e resgatarem o povo de Orléans. Dirigíveis cruzam o céu

acima da minha cabeça de um lado para o outro e bloqueiam as estrelas

com suas formas rechonchudas e suas faixas.

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A última plataforma se levanta bem diante da minha. Ela completa

o arranjo das seis e cria uma perfeita lua crescente. A menina usa uma

camiseta longa como se fosse um vestido; seu tecido esfiapado roça o peito

de seus pés. Seu cabelo e sua pele são cinzentos como o céu tempestuoso

e enrugados como passas. Olhos vermelhos me encaram de volta como

carvões em chamas na escuridão.

Eu deveria estar acostumada com o aspecto deles em seu estado na-

tural. No entanto, a luz ressalta os traços dela. Ela faz eu me lembrar de

um monstro dos livros de história que nossas babás liam para nós.

Ela é uma Gris. Todas as pessoas de Orléans nasceram assim – com

a pele pálida, cinza e murcha, olhos cor de cereja, cabelos parecidos com

palha –, como se toda a cor tivesse sido extraída deles, deixando para trás

o tom de ossos e cinzas. Contudo, se eles conseguem juntar espíntrias

suficientes, nós podemos soerguer a escuridão, encontrar a beleza sob o

cinza, e manter essas transformações. Nós podemos salvá-los de uma vida

de mesmice insuportável.

Eles nos pedem para rearranjarmos seus ossos. Eles nos pedem para

usarmos nossas ferramentas folheadas a ouro para remodelarmos cada

curva de seus rostos. Eles nos pedem que suavizemos, moldemos e escul-

pamos cada parte de seus corpos como velas mornas recém-fabricadas.

Eles nos pedem para apagarmos as marcas do tempo. Eles nos pedem que

lhes concedamos talentos. Ainda que as ondas crescentes de dor cheguem

a níveis tais que arranquem gritos angustiantes de suas gargantas, ou

que o custo ameace arrastá-los para a ruína, os homens e as mulheres de

Orléans sempre querem mais. E eu estou feliz em lhes proporcionar o que

desejam. Sou feliz por precisarem de mim.

A menina fica inquieta com uma camélia em suas mãos. As pétalas

cor-de-rosa estremecem com seu aperto. Sorrio para ela. Ela não retribui.

Desliza até a borda da plataforma e olha para baixo, como se fosse pular.

As outras garotas acenam para ela e a multidão grita. Prendo a respiração.

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Se ela caísse, despencaria quarenta passos até o chão. Ela volta rapida-

mente para o centro.

Eu expiro, e o suor pontilha minha testa. Espero que ela ganhe al-

gumas leas em recompensa pelo estresse de participar desta exibição.

O suficiente para ela comprar pedaços de pão e de queijo por um mês.

Espero torná-la bonita o bastante para que ela receba sorrisos das pessoas,

em vez de sussurros assustados e olhares exaltados. Eu não me lembro de

ter sido tão pequena, tão vulnerável ou tão apavorada.

Abro o baú de beleza ao meu lado. Du Barry deu um diferente a

cada uma de nós, com a gravação das nossas iniciais e das flores em ho-

menagem às quais fomos nomeadas. Corro meus dedos pelos entalhes

dourados antes de levantar a tampa por completo e revelar um conjunto de

instrumentos organizados dentro de diversas gavetas e compartimentos.

Esses itens mascaram meus dons. As instruções de Du Barry pela manhã

se repetem em minha cabeça: Demonstrem apenas a segunda arcana, e de

acordo com as instruções dadas. Deixem o público ansiando por mais. Mostrem

a eles o que vocês são realmente – artistas divinas.

Três balões-correios escarlate, carregando três bandejas, flutuam até

a plataforma onde a menina está. Um deles espalha pequenos flocos bran-

cos – pó de bei – sobre a criança, como se fosse neve, e ela se encolhe. O

outro traz uma xícara de porcelana cheia de chá de rosa-Belle, uma bebida

anestésica feita de rosas que só nascem na nossa ilha. O balão tremula e

dança perto de sua boca, mas ela se recusa a tomar um gole. Ela balança

a mão para a xícara como se esta fosse uma mosca irritante.

O povo urra conforme a menina se aproxima da beira da plataforma

outra vez. O último balão-correio a segue com um pincel lambuzado de

uma massa creme. Tanto à direita como à esquerda, as outras meninas

gritam na sua direção, dizendo para ela que não tenha medo. A multidão

berra. O público tenta convencê-la a tomar o chá e passar o pincel pelo rosto.

Meu estômago dá um nó. Seu sorriso sem graça pode estragar minha

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exibição. Uma descarga de pânico me atinge. Todas as vezes que imaginei

esta noite, nunca pensei que minha cobaia pudesse resistir.

– Por favor, pare de se mexer – eu grito.

O suspiro de Du Barry ecoa pelo seu trompete-vocal.

A multidão se cala. A menina fica parada. Respiro fundo.

– Você não quer ser bonita?

O olhar dela queima os meus olhos.

– Eu não ligo – ela berra, e sua voz é espalhada pelo vento.

A multidão reage horrorizada.

– Ah, mas é claro que você liga. Todos se importam – respondo,

mantendo minha voz firme.

Talvez a menina tenha começado a enlouquecer depois de ser cinza

por tanto tempo.

– Talvez eles não devessem. – Seus punhos se fecham.

As palavras dela provocam um calafrio por todo o meu corpo.

Exibo um sorriso.

– E se eu prometer que vai ficar tudo bem?

Ela pisca. Eu continuo:

– Melhor do que você espera? Algo que vai fazer tudo isso – gesticulo

mostrando o nosso redor – valer a pena.

Ela mordisca o lábio inferior. O balão-correio torna a se aproximar

dela com o chá. Ela recusa outra vez.

– Não tenha medo. – O olhar dela encontra o meu. – Tome o chá.

O balão-correio volta.

– Experimente. Prometo que você vai gostar do que vou fazer. Você

vai se sentir melhor.

Ela estende a mão para o balão, então recua como se ele fosse quei-

má-la. Ela olha para mim. Sorrio e faço um gesto para que ela vá em frente.

Ela segura a fita dourada que pende do balão, então ergue a xícara da

bandeja e toma um gole.

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Eu a examino, reparando nos detalhes de sua figura pequena e sub-

nutrida. O medo faz seus olhos vermelhos brilharem. Seu corpo estremece

ainda mais.

– Agora, pegue o pincel – eu a encorajo com gentileza.

Ela o desliza pelo rosto, deixando um rastro leitoso de cor que me

serve como guia.

Um dirigível acende uma vela celeste acima das carruagens, e con-

sigo enxergar meu reflexo no vidro mais uma vez. Um sorriso surge no

canto da minha boca enquanto me vejo. Eu abandono as instruções de Du

Barry: a pele cor de neve, o cabelo negro, os lábios como um botão de rosa.

Uma ideia provoca uma onda de calor e excitação.

O risco pode ter seu preço, no mínimo enfurecer Du Barry, mas, se

permitir que eu me destaque em relação às minhas irmãs, a aposta terá

valido a pena.

Será inesquecível. Tem que ser.

Fecho meus olhos e visualizo a menina em minha mente como uma

pequena estátua. Quando éramos pequenas, nós praticávamos a segunda

arcana manipulando tintas sobre telas, esculpindo argila no torno, mode-

lando velas mornas recém-fabricadas, até sermos capazes de transformar

esses materiais em tesouros. Após nosso aniversário de 13 anos, nós pas-

samos a usar minicães e minigatos sem donos que surgiam nos arredores,

depois recrutamos nossas criadas como cobaias para o nosso trabalho de

beleza. Dei a Madeleine, a criada dos meus aposentos, olhos verdes como

o mar límpido assim que o vermelho começou a incomodá-la. Com 14

anos, mudamos os bebês nos berçários, conferindo cor a pernas gordi-

nhas e a pequenos tufos de cabelo. Um pouco antes de nosso aniversário

de 16 anos, a rainha distribuiu vouchers em forma de amuletos gratuita-

mente para os pobres para nos ajudar a treinar e aperfeiçoar as nossas

habilidades.

Estou pronta.

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Conjuro as arcanas. A minha pressão sanguínea se eleva. Minha pele

se aquece. Estou quente como uma chama que acaba de ser acesa numa

lareira. As veias nos meus braços e minhas mãos ficam saltadas sob a

minha pele como pequenas serpentes verdes.

Manipulo a camélia na mão da garotinha. Eu a transformo, assim

como a menina, modelando as fibras, veias e pétalas da flor.

A multidão suspira. O caule se alonga até que a ponta toque a plata-

forma, como a rabiola de uma pipa. Ela larga o botão e se move um pouco

para o lado. A flor quadruplica de tamanho e as pétalas se alongam para

envolvê-la.

Elas cobrem seu pequeno corpo tímido, até que ela é acomodada den-

tro de uma crisálida cor-de-rosa como uma lagarta revirando-se, dolorida.

O povo explode em aplausos, assovios, pés batendo contra o chão. O

barulho fervilha na expectativa de que eu a revele.

Eu serei a melhor.

Será perfeito.

Eu adoro ser uma Belle.

Ouço o fluir do sangue da garotinha correndo pelo corpo dela, as

batidas de sua pulsação nos meus ouvidos. Digo o mantra das Belles:

A beleza está no sangue.

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Minha infância é um borrão de imagens velozes, como o giro de um zoo-

trópio. Eu nunca consigo me lembrar completamente. Não lembro da mi-

nha primeira palavra ou imagem ou do primeiro perfume que senti. Só

da primeira coisa que transformei. A memória surge como um raio de luz

bem definido. Du Barry nos levou para o jardim de inverno da ala norte

da casa para uma aula. Minhas irmãs e eu nos misturávamos ao aroma

do néctar das flores, e nos ajeitávamos em torno de uma mesa.

As criadas do jardim se moviam no entorno, podando, regando e ex-

traindo perfumes que seriam usados nos produtos-Belle. Os raios de sol atra-

vessavam o vidro curvado diante de mim, aquecendo meu vestido leve, como

se eu fosse um bolo servido quente. Du Barry deu a cada uma de nós uma

flor dentro de uma gaiola de passarinho, e nos instruiu a mudar sua forma

e sua cor. Eu estava tão empolgada que a minha flor explodiu, as pétalas ir-

rompendo pelas grades como grossos tentáculos, derrubando as gaiolas das

minhas irmãs no chão, esticando-se entre nós como uma criatura octópode.

Eu tenho mais controle agora e cometo menos erros, mas ainda sinto

aquelas cócegas se espalhando lentamente pela minha pele. Quando isso

acontece, sei que as arcanas fizeram exatamente o que eu queria.

Abro os olhos. A camélia se desprende do corpo da menina Gris

como se fosse de cera, revelando-a para o mundo. As vozes são interrom-

pidas por suspiros e gritos repentinos de excitação.

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– Bravo!

– Magnífico!

– Brilhante!

Os gritos fazem o vidro vibrar. Minha pressão sanguínea diminui.

Meu coração desacelera para um batimento normal. O suor desaparece das

minhas têmporas; o rubor nas minhas bochechas se dissipa.

A menina veste uma pequena réplica cor-de-rosa do meu vestido, feito

de pétalas de camélia. O tom da pele dela é exatamente o mesmo da minha

– um bolinho açucarado que acaba de sair da fritura, de um marrom dou-

rado que reluz sob a luz das lanternas. Coloquei uma covinha na bochecha

esquerda dela para espelhar a minha. Cachos escuros estão erguidos para

o alto, num coque-Belle, um penteado que apenas nós usamos.

Ela é minha gêmea. A única diferença: seus olhos brilham como

cristais azuis, como a cor das águas no Porto Real, enquanto os meus são

castanho-claros como os das minhas irmãs.

As outras meninas a observam boquiabertas e apontam para ela ad-

miradas. Dou a minha pequena cobaia o nome Holly, como a flor capaz de

sobreviver às neves mais geladas de Orléans e continuar adorável. A mul-

tidão explode em aplausos. O rugido agitado preenche cada parte de mim.

A garota contempla o próprio reflexo, e sua boca cai aberta. Ela dá

um giro como um brinquedo de corda, olhando seus braços, pernas e pés.

Ela toca seu rosto e seus cabelos. O dirigível projeta sua imagem. A apa-

rência dela só vai durar um mês antes que desbote de volta para o cinza.

No entanto, neste momento, ninguém pensa nisso.

Depois que a fotografia de Holly aparecer nos jornais e rolos-de-no-

tícias, espero que alguma senhora sem filhos a adote. Quero que a vida

dela mude tanto que ela não a reconheça mais. O povo de Orléans ama as

coisas bonitas. Agora ela é uma delas, pronta para ser escolhida.

Os olhos dela encontram os meus outra vez. Eles transbordam com

uma felicidade atônita, e ela faz uma reverência.

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Volto meu olhar para minhas irmãs. A luz da lua brilha através das

carruagens. Elas me encaram com pálpebras pesadas e expressões can-

sadas, mas aplaudem e acenam. Cada uma de nós é diferente da outra:

Edel é branca como as flores que a cercam, o coque-Belle negro de Padma

reflete a luz, os olhos de Hana são brilhantes e levemente puxados para

cima numa bela curva, os cabelos acobreados de Âmbar parecem espirais

em chamas, a silhueta de Valeriana é como a bela ampulheta que Du Barry

usa para medir o tempo quando treinamos as arcanas. Apenas nós em

Orléans nascemos únicas e cheias de cor.

O povo grita a bênção das Belles: “A beleza é a vida.”

A rainha levanta uma luneta dourada e olha bem para mim e para

Holly como se nós fôssemos insetos capturados numa redoma de vidro.

O mundo fica em silêncio.

Minha respiração se prende na garganta. Aperto minhas mãos.

A rainha coloca a luneta no colo e bate palmas. Seus anéis cravejados

de pedras brilham como pequenas estrelas aprisionadas entre seus dedos

elegantes.

Meu coração martela com as batidas de seus aplausos. Poderia ex-

plodir de tanta emoção.

Ela se debruça para a direita, sussurrando algo no ouvido da mi-

nistra real da beleza. Cortesãos erguem seus trompetes de ouvido, an-

siosos para captar qualquer palavra possível. Eu gostaria de poder fazer

a mesma coisa.

A ministra da beleza fica de pé do lado de Du Barry, e as duas con-

versam. Estou longe demais para ler os lábios delas. O leque da princesa

está imóvel na frente do seu rosto. Ela me encara com tanta intensidade

que sinto queimar dentro do meu peito.

Du Barry faz um sinal para me lembrar da reverência. Dobro todo

o meu corpo em direção ao chão da carruagem para agradecer à rainha,

à ministra da beleza e à multidão por assistirem à minha apresentação.

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Meu peito pesa enquanto espero o tradicional minuto para demonstrar

o mais alto grau de respeito. A rainha deve ter sussurrado coisas boas ao

meu respeito. É o que digo para mim.

– Mais uma salva de palmas para Camélia Beauregard! E para todas

as novas Belles. – Du Barry faz seu anúncio. – Amanhã, antes do apareci-

mento da estrela vespertina, como manda a tradição, todos nós saberemos

o nome da nova favorita. Até lá, bons palpites e boas apostas. Que vocês

sempre encontrem a beleza.

Mulheres e homens balançam os papéis de suas apostas no ar. As

loterias do reino tentam lucrar com o fato de serem as primeiras a saber

quem é a favorita, estimulando as mulheres a trocarem quaisquer amule-

tos distribuídos pela rainha para terem a oportunidade de jantar, passar

um tempo, ou mesmo ter um serviço de beleza realizado no palácio pela

Belle favorita.

Os dirigíveis liberam postais–Belle com nossos retratos. Eles caem

dos céus como chuva. Um sorriso preenche meu corpo inteiro. Procuro

pelo meu postal, mas não consigo identificar nenhum em meio à agitação.

Minha plataforma é baixada. A meninas me veem descendo. Elas dão

saltinhos e acenam. Os servos reais me posicionam, com a esfera de vidro

e tudo, de volta sobre a base com rodas. A multidão assovia ainda mais

alto. Fogos de artifício estouram pelo céu noturno, criando o emblema

das Belles – uma flor-de-lis dourada com uma rosa vermelha no centro,

como um laço de sangue.

Novas faixas estilizadas tremulam sobre as nossas cabeças, lem-

brando os futuros clientes de nossos nomes e rostos. Por um breve ins-

tante, eu me vejo lá no alto, meu rosto imenso e cheio de luz. Meus olhos

parecem espertos, meu sorriso sutil. Muito bem, raposinha! – mamãe diria

se pudesse me ver agora. Eu me sinto como um dos célebres cortesãos

retratados nos belezascópios ou pintados nas alamedas do Trianon e nos

cartazes das avenidas.

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A geração anterior de Belles fica de pé no palco. Elas atiram suas

rosas-Belle em nossas carruagens. Os botões de rosa se abrem totalmente,

com pétalas do tamanho de pratos de porcelana. Eu aceno para a multidão.

Quero ficar aqui para sempre.

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