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C A P Í T U L O III ================== TRABALHO, SUOR E LÁGRIMAS: TRINÔMIO DO COTIDIANO OPERÁRIO (Um estudo sobre a difícil trajetória de inserção dos imigrantes operários de Schio no Estado de São Paulo, na Capital e no bairro do Brás, entre 1891 e 1895)

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C A P Í T U L O III

==================

TRABALHO, SUOR E LÁGRIMAS:

TRINÔMIO DO COTIDIANO OPERÁRIO

((UUmm eessttuuddoo ssoobbrree aa ddiiffíícciill ttrraajjeettóórriiaa ddee iinnsseerrççããoo ddooss iimmiiggrraanntteess ooppeerráárriiooss ddee SScchhiioo nnoo EEssttaaddoo ddee SSããoo

PPaauulloo,, nnaa CCaappiittaall ee nnoo bbaaiirrrroo ddoo BBrrááss,, eennttrree 11889911 ee 11889955))

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Capítulo III: Trabalho, suor e lágrima: trinômio do cotidiano operário.

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A propriedade particular produz a miseria, como vimos. A miseria impede á maioria dos homens o cultivo do corpo e a sua saúde. O maior aproveitamento das forças organicas se obtem pela ginastica, pela higiene, pela medicina. O operario que se esfalfa durante doze, ou dezesseis horas num trabalho agitado ou num trabalho sedentario não tem tempo, nem gosto pelo sport, isto é, não pode desenvolver harmonicamente o corpo. Pelo contrario, muitas vezes, deforma o corpo e contrae pela fadiga de certos orgãos molestias fatais. (A Vida – jornal anarquista – 1915) ______________________________________________________________

11.. UUmm iimmppoorrttaannttee iinnssttrruummeennttoo ddee iinnsseerrççããoo aa pprrooffiissssõõeess ddooss iimmiiggrraanntteess

A caracterização do universo profissional dos imigrantes não é uma tarefa simples, principalmente porque as fontes consultadas não foram atualizadas e não nos revelam com nitidez as alterações profissionais dos imigrantes quando ainda estavam em solo escledense. Essa ausência nos obriga a reconstruir – sumariamente - o percurso seguido pela formação da força de trabalho industrial da indústria têxtil de Schio, processo que não se desvencilha da chegada das correntes migratórias internas que levaram, então, milhares de trabalhadores de outras partes da província, da região e do país à “Manchester d’ Italia”. 11..22.. OOss ooppeerráárriiooss ttêêxxtteeiiss

A formação desse proletariado local‚ foi amplamente analisada por Simini. Este, falando sobre a importância assumida pelo empresário Alessandro Rossi na implementação e expansão das atividades industriais da Lanificio Rossi SpA., afirma que:

Egli fece di un insieme organico di contadini-operai, di piccoli agricoltori, artigiani e commercianti, una popolazione operaia.1

A indústria sentia a necessidade de criar um proletariado consistente. Os primeiros operários – de matriz artesã e camponesa - originaram-se no próprio município e nas imediações de Schio e foram integrados progressivamente, mas com muita resistência à produção fabril, totalmente adversa da sua cultura produtiva milenar. Segundo Simini, esse processo inicial se deu com:

(...) l’assunzione di parte di quei picoli artigiani tessili che erano stati letteralmente

spazzati via (...) sia infine con giovani di estrazione contadina alla loro prima esperienza. Un riassorbimento ed un assorbimento di mano d’opera autoctona, quindi, legata, più o meno mediatamente, alla tradizione manifatturiera scledense ed alla pratica del part-time.2

A demanda de novos braços, entretanto, aumentava. Desde a década de 1840,

movimentos crescentes de deslocamento populacional passaram a ser observados naquela região, suscitando, a partir de então, um notável incremento demográfico no município de Schio. Entre os imigrantes que se deslocaram para o Estado de São Paulo, houve pessoas que, em 1891, já completavam quase cinqüenta anos em Schio. O aumento populacional era necessário para a indústria não somente porque incluía trabalhadores no processo produtivo, mas porque envidava na constituição de um “mercado de trabalho”, até então inexistente. Os primeiros imigrantes ajudaram a constituir o exército industrial de reserva que, por sua vez, possibilitou a empresa a disciplinar e a controlar sua força de trabalho. Sem tais procedimentos não haveria a possibilidade de se promover as adequações necessárias que permitiriam à indústria escledense de concorrer num mercado bem mais amplo. Um novo impulso se abriu a partir de 1871, com a população local já se encontrando no patamar dos 8400 habitantes, expressivo aumento se comparado ao anterior, em 1845, com menos de 6000 habitantes. Para tal elevação concorreu, essencialmente, a chegada de

1 SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio ... op. cit., p. 148.

2 Idem, p. 150.

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trabalhadores vindos dos municípios circunvizinhos, localizados num círculo um pouco maior que no período anterior. Esse crescimento, segundo Simini, se deu em função de:

(...) farsi consistente la venuta nelle fabbriche dello scledense di persone (e addirittura di interi, numerosi nuclei familiari) da paesi esterni al Circondario. Provenivano, ad esempio, dal thienese e dall’Altopiano di Asiago quelli che trovavano lavoro negli opifici di Piovene, da Comuni del medio-basso Vicentino e da fuori provincia quelli che puntavano all’occupazione presso i lanifici di Schio, Pieve e Torrebelvicino.3 A formação desse agrupamento maior de operários permitiu a expansão da empresa Lanerossi, com a absorção de maior quantidade de força de trabalho em suas unidades fabris. Para se ter uma idéia de sua importância, imaginemos que, se em 1846 a aludida fábrica ocupava 170 operários, em 1871 já empregava 1200. Dos 139 imigrantes nascidos fora do município de Schio que vieram para o Estado São Paulo, 19,4% [4 (10,3%) para a Capital paulista; e 4 (25%) para o Brás (a família Corà, originária de Thiene; e Giuseppe Zambelli, originário de Bolonha) entraram naquela cidade justamente durante essa década (1870-80). No início daqueles anos, dar-se-ia o grande salto de “modernização” do capital dos Rossi com a constituição de uma Sociedade Anônima (Società per Azioni), da incorporação a ela de outras unidades têxteis da região, inclusive na própria cidade de Schio, e da renovação tecnológica do processo produtivo. Procurou-se, com isso, excluir o velho e “viciado” proletariado de origem mais local pelo outro – apartado completamente dos meios de subsistência – mais suscetível, portanto, às regras e ao ritmo que a produção industrial “modernizada” exigia.

Entretanto, o êxodo rural no Vêneto em direção a Schio não mais cessou. Somente nos primeiros cinco anos da década de 1880, o mesmo fluxo de trabalhadores levou para lá 31 (22,3%) dos trabalhadores que se destinariam, posteriormente, ao Estado de São Paulo [13 (33,3%) para a Capital; e 6 (37,5%) para o Brás]. Em 1884, a população de Schio alcançara os 12.142 habitantes. Uma nova e robusta corrente migratória, de extração eminentemente camponesa, estava em andamento. Ainda, segundo Simini, esse fluxo apresentava algumas características particulares:

(...) Diverse centinaia di braccianti, contadini, piccoli agricoltori giungevano a Schio

dal basso Vicentino, dal basso Veronese, dal basso Padovano (...) dopo aver vissuto le giornate de "la boje", dopo aver perduto il lavoro, dopo aver conosciuto la dura repressione dei latifondisti e delle forze dell’ordine. Giungevano a mani nude, com l’única speranza di trovare nei lanifici una possibilità di vita, qualunque fosse.4

Esse grandioso deslocamento se aprofundou no último qüinqüênio até 1891 e foi

incomensuravelmente maior que os anteriores. Dos imigrantes que entraram no Estado de São Paulo, essa corrente havia levado para Schio 51 (36,7%) deles. Alguns lá chegaram no período imediatamente anterior à vinda para o Brasil. Assim, é possível pensar que os trabalhadores recém-chegados não encontravam de imediato, malgrado a aspiração, um lugar de trabalho na indústria de Schio. Além de usar do expediente da rotatividade, a fábrica necessitava do excedente fixo de força de trabalho para manter arrochado o salário dos incluídos. Com isso, desenvolveu-se, principalmente em torno da fábrica uma gama vastíssima de atividades profissionais, exercidas quase sempre precariamente mas que pudesse permitir aos trabalhadores a garantia de sua sobrevivência. Nesse contexto, podemos entender como se compunha o caleidoscópio das profissões entre os imigrantes que deixaram Schio.

3 Ibidem, pp. 152-153. 4 Ib., p. 153.

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Das 81 famílias imigrantes que entraram no Estado de São Paulo, 35 (43,2%) estavam cadastradas nos registros demográficos escledenses como tendo um dos pais ou responsáveis empregado como “operário têxtil” ou, ainda, dos filhos, a partir dos 9 anos de idade. Em vários casos, o avô ou o pai do então operário já o havia sido também, sinal de que em Schio haviam-se formado gerações de trabalhadores nas tecelagens locais. Os adultos, menores e crianças consideradas aptas ao trabalho fabril, cadastrados como tal, chegavam a 67 pessoas, das quais 80,6% eram homens e 19,4% eram mulheres. Os “operários têxteis” avulsos e os que vieram acompanhados apenas pelos filhos eram 13. Duas mães também se cadastraram como têxteis. Entretanto, das 21 esposas que acompanharam seus respectivos maridos, 13 não possuíam nenhuma profissão declarada; 5 informaram ser “donas de casa”; 2 se declararam “operárias têxteis” e apenas 1 disse ser “artesã”. Se somarmos todo o conjunto de membros das famílias vinculadas ao trabalho fabril têxtil, chegaremos a um total de 113 [(43,9%); homens: 60,2%; mulheres: 39,8%] dos 257 imigrantes. Havia, entre eles, o caso de uma família formada apenas pelo casal em que ambos foram registrados como operários têxteis: o marido, Pietro Nicola Tovaglia, nascido em Schio, e a mulher, Maria Zaltron, nascida em Marano Vicentino (VI).5

Outro caso particularmente interessante, desta vez tratava-se uma família inteira que

parece ter freqüentado a fábrica até o dia da partida para São Paulo. Tratava-se dos Malagnini. Era constituída por três irmãos e uma cunhada. O mais velho deles era Giuseppe Giacomo, de 25 anos, casado. O irmão do meio era Sebastiano, com 23 anos; e o caçula, Giacomo, com 18, ambos solteiros. Todos haviam nascido em Cittadella, em plena planície do Pó, na província de Pádua, e já havia quatro anos que estavam em Schio. Tomando como referência a data de chegada nesta cidade e o local de origem, é provável que tenham participado das greves rurais chamadas, então, de “La Boje”. Junto com eles morava também a mulher de Giuseppe Giacomo, Catterina Tonello, de 21 anos, nascida em Thiene, e havia 2 anos apenas que estava em Schio. No final de abril de 1891 todos eles partiram de Schio, tomando o vapor “Manilla” no porto de Gênova. Desembarcaram em 27 de maio em Santos e dali, no mesmo dia, vieram para a cidade de São Paulo, dando entrada na Hospedaria do Brás.6

Foi possível notar que em duas outras famílias – cujos pais tinham profissões diferentes - as respectivas mães foram cadastradas como operárias têxteis. Na família Roman, por exemplo, o pai, Angelo Antonio, 35 anos, nascido em Milão, já estando há 9 anos em Schio quando veio para São Paulo, em 1891, exercia a profissão de “carregador”, enquanto isso sua mulher, Maria Carpin, 29 anos, nascida em Schio, ia à fábrica trabalhar como “operária têxtil”. A família tinha que manter, ainda, três filhos muito pequenos: Attilio (4 anos), Virginia (1 ano) e Riccardo, (11 meses) que, certamente, permaneciam em casa com algum outro adulto.7 Outro caso de esposa operária, foi o de Teresa Adami, 35 anos, nascida em Chiampo (VI) e, em 1891, data de sua saída de Schio, já estava nesta cidade havia 3 anos. Ela exercia também a profissão de “operária têxtil”, enquanto seu marido, Antonio Lovato, 32 anos, nascido em Vicenza, há dez anos em Schio, era “serralheiro”. O casal compartilhava a casa com pequenos filhos: Lucia (8 anos), Giovanni (7 anos) e Anselmo (5 anos) que eram cuidados pela avó materna, Rosa Fracasso, 67 anos, nascida também em Chiampo, “dona de casa” e que emigraria também com o restante da família para São Paulo.8

A trajetória seguida pelos Crestanas, entretanto, nos parece exemplar. Essa família teve suas origens na zona rural de Monte di Malo (VI), em cuja região os senhores locais assentaram colonos germânicos no século XIII, vindos do sul da atual Alemanha. Ao que tudo indica, os Crestanas eram descendentes desse camponeses imigrantes. Nossa investigação chegou até Francesco, o ancestral, filho de Stefano e Teresa Ghirardello, viúvo de Biagia Pellichero, que chegou em Schio, com seus 50 anos, no dia 7 de dezembro de 1871. Declarou-se “camponês” e

5 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 865 – Tovaglia, Pietro Nicola. 6 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1126A – Malagnini, Giuseppe Giacomo; e MI: Livro de Registros no. 26,

fls. 9. 7 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 929 – Roman, Angelo Antonio. 8 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 725E – Lovato, Antonio.

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fez-se acompanhar dos dois filhos: Margherita, com 21 anos, registrada como “artesã”; e Giovanni, de 17 anos, na época, certamente, já alfabetizado. Não se sabe exatamente quando, Francesco resolveu se casar novamente. A segunda esposa chamou-se Maria Luigia Antoniazzi que também era de Monte di Malo. Os quatro, chegando em Schio, foram morar na Via Falgare, casa no. 802, bairro rural que fica a Oeste da cidade. Como viveram em Schio nos primeiros anos não se sabe. As únicas informações desse período dão conta que a filha Margherita se casaria, em 1874, e transferir-se-ia com o marido para Magré; e que o patriarca, Francesco, aí mesmo morreria, aos 66 anos, em 30 de janeiro de 1887. No entanto, Giovanni, o filho caçula do primeiro casamento, unira-se informalmente com uma jovem de Longare Vicentino (VI), de nome Emilia Miotto, filha de Valentino e de Regina Pretato.9 Ela tinha 23 anos e fora registrada no Cartório de Registros Civis local como: “dona de casa”. Emilia havia chegado em Schio nove anos antes, isto é, por volta de 1877, indo morar na Via Falgare, casa no. 769, onde o casal teve seus seis filhos: Francesco, aos 6 de fevereiro de 1880; Giovanni, aos 5 de novembro de 1881; Adolfo Valentino, aos 15 de outubro de 1883; Maria, aos 2 de maio de 1885; Biagia, aos 10 de maio de 1888; e Margherita, aos 12 de setembro de 1890. Os primeiros quatro filhos foram registrados com a mesma profissão dos pais: “camponeses”. Entretanto, tratava-se de uma total inadequação: os Crestanas entraram em Schio com essa profissão, mas no instante em que o primeiro filho nasceu já não o eram mais. Os registros não haviam sido atualizados e a alteração do perfil profissional da família acabou ficando prejudicada. Em 1880, Giovanni já era um operário têxtil, empregado, com certeza, na fábrica “Alta” do Lanificio Rossi SpA, localizada na Via Palestro. Se nos demais casos que estudamos, não houve como provar, através de documentos oficiais, a ocorrência dessa metamorfose profissional na vida dos trabalhadores de origem rural, quer camponeses, trabalhadores volantes ou artesãos que deixaram seus municípios natais e se deslocaram até Schio em busca de novas oportunidades, no caso dos Crestanas essa mudança é plausível. Quando, no início de fevereiro daquele ano, Giovanni foi registrar seu filho Francesco, na Prefeitura de Schio, cinco dias depois de nascido, fez saber ao tabelião responsável que registrou, entre outros dados respondidos, que havia se tornado um operário têxtil e, para tanto, arrolou, como testemunhas, outros dois companheiros de profissão: Giuseppe Ciscato e Pietro Pasini.10

Os Crestanas, porém, também resolveram, como tantos outros operários, a abandonar Schio. Acompanharam o comboio que partiu dessa cidade, em abril de 1891, rumo ao Estado de São Paulo. Com certeza, a viagem de trem foi longa e penosa, percorrendo as centenas de quilômetros que separavam Schio de Gênova. O filho maior, Francesco, tinha apenas 11 anos. Os demais formavam uma verdadeira escada cuja base correspondia à Margarida, com apenas 8 meses de idade. Em Gênova tiveram que esperar nos imensos alojamentos a hora de subir ao convés para partir. Viajaram com o vapor “La Vittoria di Genova”. Algo de errado, entretanto, aconteceu durante o traslado pois a família se dividiu e desembarcaram em dois grupos. Um deles, formado pelo pai e três filhos, apeou no dia 2 de maio, no Rio de Janeiro. O outro, o restante da família, formado pela mãe e outros três filhos menores foram desembarcar somente no dia 19 de maio, mas também no mesmo porto. Apenas este segundo grupo deu entrada na Hospedaria, onde foi registrado, e permaneceu por um certo período. Como a família voltou a se reunir, permanece-nos um mistério. Os Crestanas, entretanto, tomaram como destino o município de Porto Ferreira, se dedicando, a princípio, ao trabalho agrícola, nas fazendas de café da região. 11..33.. OOss ““ccaammppoonneesseess”” ee ooss ““ttrraabbaallhhaaddoorreess rruurraaiiss””

Um contingente importante foi constituído por aqueles que foram denominados pelos funcionários do Serviço Demográfico como sendo de “camponeses”, os villici.11 Ao todo foram 34 pessoas (12,8%), distribuídas em 12 famílias. Destas, duas tinham seus “chefes” originários

9 O casamento oficial ocorreu em Schio somente aos 11 de julho de 1886. Ele tinha então 32 anos e ela 23. Cf. UACS: Registro di

Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1514 a – Crestana, Francesco. 10 USCCS: Atto di Nascita di Francesco Crestana. Schio, 11 febbraio 1880. 11 Habitantes do condado, daí o termo italiano para camponês: contadino.

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no próprio município de Schio. Os homens que se identificaram nessa profissão alcançavam 61,8% do conjunto, enquanto as mulheres atingiam o percentual de 38,2%. Havia duas esposas que não foram enquadradas como “camponesas”, entretanto, as duas não tiveram suas profissões identificadas.

A primeira delas era constituída por Angelo Gavasso, 29 anos, solteiro que veio como

avulso. Sua família morou, ao longo de sua existência, naquele município, em vários lugarejos que ficam a Noroeste de Schio: Calesiggi, Falgare, Poleo e Poleo di Sopra, todos bairros rurais próximos entre si, nas imediações da cidade. Angelo embarcou em Gênova, a bordo do Caffaro e aportou em Santos, aos 6 de outubro de 1891, rumando a seguir para a Hospedaria do Brás. A partir daí, nada mais se soube sobre seu paradeiro. Malgrado a saída do filho, o restante da família permaneceria morando em Schio.12

A segunda familia de escledenses era formada pelo avulso Luigi Danieli, 25 anos. Ele,

contudo, era casado desde 11 de fevereiro de 1888 com Maria Luigia Broccardo, camponesa, que era de Santorso e com quem teve quatro filhos, dos quais apenas dois sobreviveram: Catterina, nascida aos 27 de agosto de 1891 e Vittorio que nasceria depois do retorno do pai à Itália, isto é, somente em 3 de junho de 1898. A família viveu durante esse tempo em três bairros rurais distintos: Giavenale (Sudeste); Liviera (Sul), depois do rio Leogra; e Resecco (Norte), este bem próximo do perímetro urbano de Schio. O pai, portanto, temporariamente, abandonou a família para emigrar. Chegou a Santos, a bordo do vapor Umberto Primo, em 12 de junho de 1891, e, neste mesmo dia deu entrada na Hospedaria do Brás sem contudo, deixar qualquer sinal para onde se deslocaria. Por volta de 1897 já estava de volta a Schio, vindo aí a morrer em 17 de abril de 1903.13

Duas outras famílias vinham de Santorso, pequeno município limítrofe - a Leste - de

Schio, onde o senador-empresário Alessandro Rossi construiu sua faustosa mansão. Uma era formada por um imigrante avulso: Stefano Dalla Costa, de 28 anos, solteiro que estava a apenas 1 ano em Schio. Sua família residiu em dois bairros rurais que ficam a Sudeste da cidade: no início em Casare e, depois, em Giavenale, no caminho para Thiene. Na verdade, o primeiro era somente um conjunto de, no máximo, duas ou três casas na zona rural, o segundo, entretanto, já possuía, na época, as feições de aldeia propriamente dita que remonta à Antigüidade.14 Provavelmente, quando Stefano partiu como imigrante para o Estado de São Paulo, em 19 de março de 1891, sua família estava morando, ainda, na primeira localidade.15

A outra família, era a de Giovanni Zaltron, de 39 anos, dos quais 19 vividos em Schio,

sua esposa, Maddalena Casarotto, de 42 anos, cuja profissão não foi identificada, nascera em Torrebelvicino e já estava em Schio havia 9 anos, antes da transferência para o território paulista, que aconteceu no início de abril de 1891. No município de Schio, moraram em três bairros rurais: Bojole, Aste e Masi di Poleo, todos situados a Noroeste da cidade. Quando emigraram, fizeram acompanhar-se da única filha viva, Maria, de apenas 4 anos de idade, que não aparece nos registros demográficos de Schio.16

12 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1557 – Gavasso, Angelo; MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 29, fls.

173. 13 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1187 – Danieli, Luigi; MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 26, fls.

150. 14 Escavações arqueológicas encontraram em Giavenale uma lápide romana que indica a presença de uma guarnição de centúria

romana na região, supõe-se ter havido aí também uma quadra esportiva para treinamento dos jovens soldados arrolados. 15 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1460A – Dalla Costa, Stefano; MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25,

fls. 66. 16 Provavelmente, nasceu em 1887. Maria Zaltron aparece somente no registro da Hospedaria do Brás quando deu entrada aí,

juntamente com os respectivos pais. Cf. UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1449 – Zaltron, Giovanni; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 26, fls. 118.

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Há um outro caso de uma família cadastrada como “camponesa”: o pai, Leopoldo Dal Lago, nasceu em Torrebelvicino17, em 2 de janeiro de 1850, chegou em Schio no auge do período da “modernização” da indústria local 15 anos antes de partir como os demais, em 1891. Em Schio casou-se com Santa Zicchelero, 35 anos (1891), nativa, que fora registrada também como “camponesa”. Juntos tiveram quatro filhos: Maria (10 anos)18, Bortolo (8 anos), Giuseppe (5 anos) e Giobatta (2 anos). Nessa década e meia vivida em Schio, Leopoldo mudou-se cinco vezes de casa. As quatro primeiras foram moradias em Bojole, bairro rural já citado que distava, então, algo como meio quilômetro do perímetro urbano. A última residência se aproximou mais da cidade, indo morar na Via dei Cappuccini, perto da área industrial, já nos arrabaldes de Schio. Essa aproximação espacial com a área urbana pode denotar uma mudança de atividade ocorrida na vida de Leopoldo. Teria passado do trabalho agrícola para o de operário? É possivel! Em data não precisa – os registros de Schio falam em 18 de março de 1891 - ele e os demais membros de sua família rumaram para Gênova, aí embarcaram no vapor Washington que atracou no porto do Rio de Janeiro em 12 de outubro desse mesmo ano, dando, logo depois, entrada na Hospedaria do Brás.

Excetuando a família de Leopoldo Dal Lago que mostra indícios de vínculos recentes

com a “condição operária”, os demais casos arrolados de “camponeses”, principalmente devido à grande mobilidade espacial detectada em sua vida ou passagem por Schio, parecem enquadrar-se mais na categoria dos “braccianti”, trabalhadores rurais, isto é: dos desapossados da terra. Não possuíam nem eram proprietários de terra, mesmo que fosse de apenas um “campo”, como é denominada a pequena propriedade rural no Vêneto.19

Se retirarmos dos demais casos a família originária de Sarego, pelo critério da distância,

todas elas - malgrado o uso de idêntica denominação para caracteriza-las também como “camponesas” - requerem análises apropriadas. Agrupamo-las porque apresentam dois importantes elementos comuns:

1) o pouco tempo de vida passado em Schio, isto é, entre 1 e 7 anos de permanência,

antes de sua partida para São Paulo, em 1891. Vale dizer que chegaram àquele Município italiano no momento (1884-1890) em que para lá afluíam grandes levas de trabalhadores erradicados da terra; o que quer dizer, também, que esse movimento demográfico seguia o percurso inverso ao da inserção no mundo rural; e

2) todas as localidades relacionadas situam-se num raio de menos de 20 km. à volta de

Schio e essa foi, depois do município (e do Circondario), a primeira região a sofrer o processo de transferência de força de trabalho para lá, na primeira metade do século XIX.

Primeiramente, analisaremos a trajetória das famílias “camponesas” que se originaram

em Breganze e Mason Vicentino, municípios que ficam já na região da planície vêneta, a leste de Schio, ambos na província de Vicenza.

A história da família de Giovanni Ferraro assemelha-se à do retirante nordestino

imortalizada na obra “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Mello Neto. O pai nascera em

17 Torrebelvicino faz parte do “Circondario”, município a Oeste de Schio, no vale banhado pelo rio Leogra, no caminho para o

planalto onde se situa o monte Pasúbio (2.235 m.), nos pré-Alpes italianos. 18 Casar-se-ia anos mais tarde, em São Paulo, com Vincenzo Pellizzari. 19 Os ‘braccianti’, segundo Camilla Forti, quando tinham trabalho assegurado durante o ano, alojamento na fazenda, uma

minúscula horta gratuita e a possibilidade de criar galinhas e porcos; suas mulheres ainda podiam trabalhar como diaristas na mesma fazenda e recebiam uma retribuição à parte, o mesmo acontecendo com os jovens (...). Estes ‘privilégios’ implicavam, por outro lado, uma relação de tipo feudal com a fazenda: ligados com sua família à terra, não tinham sequer um dia de repouso, não podiam deixar a propriedade sem permissão do patrão e deviam obedecer todas as ordens. Por outro lado, quando os ‘contratos’ eram apenas diários: não tinham nenhuma segurança e ficavam inteiramente submetidos às condições do mercado, vendendo por dia sua força de trabalho. FORTI, Camilla. Le leghe contadine mantovane dal 1898 allo sciopero del 1904. In: Braccianti e Contadini nella Valle Padana. Roma, Editore Riuniti, 1975. Apud ALVIM, Zuleika M. F. Brava Gente!: Os Italianos em São Paulo: 1870-1920. São Paulo, 2 ed., Brasiliense, 1986, p. 37.

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Breganze e quando chegou em Schio, em 2 de dezembro de 1890, estava com 39 anos. Sua mulher, Maria Antonia Poletto, era de Fara Vicentino (VI), aí nascida aos 26 de janeiro de 1852. Casaram-se, provavelmente, no início de 1873. Sua prole foi grande, própria de uma família que trabalhava na zona rural. Não há como se saber o número de óbitos, mas o casal, quando viveu em Schio possuía oito filhos vivos. Entretanto, o mais interessante é que os locais de nascimento dos filhos revelam toda a peregrinação seguida por essa família em busca de trabalho. Os três filhos mais velhos: Antonio (18 anos, em 1891); Anna (16, em 1891); e Giovanna Maria (14, em 1891) nasceram em Breganze, onde seus pais se casaram e fixaram morada. O primeiro deslocamento dos Ferraro se deu por volta de dez anos antes de chegarem em Schio, pois o quarto filho do casal, Napoleone, nasceria, aos 15 de julho de 1881, em Zugliano (VI), município que fica no vale do Rio Ástico, alguns quilômetros a Noroeste de Breganze. Eis que, dois anos depois, iremos encontrá-los em Malo, a Sul de Schio, onde a quinta filha, Domenica Antonia, iria nascer aos 23 de junho de 1883. Mais dois anos e a família chegaria em Santorso. Neste município nasceriam outros três filhos: Alessandro Andrea (5 anos, em 1891); Edoardo (4, em 1891); e Giovanni (2, em 1891). Em Schio, a família residiu no bairro rural de Timonchio, localidade próxima da fronteira com Santorso. Giovanni resolveu partir sozinho para o Estado de São Paulo, deixando para trás a mulher e os filhos. Chegou com a passagem paga e como avulso e, então, possuía exatamente 39 anos. Havia partido de Gênova a bordo do vapor Rosario com destino a Santos, desembarcando e entrando na Hospedaria do Brás, em 5 de maio de 1891. Chegou juntamente com o grande comboio de operários que partiram de Schio em abril. Dessa data em diante, nada mais se soube do destino trilhado pelos Ferraros.20

Outra família percorreu um grande caminho para chegar até Schio. Originava-se de

Velo d’Astico (VI), passou por volta de 1871 em Mason Vicentino (VI), município a uns dez quilômetros à frente de Breganze, permaneceu um tempo em Marano e Thiene, que estão mais a Sudeste de Schio para somente depois atingi-la definitivamente, em 1884. Tratava-se da família de Pietro Dalla Costa. Seus pais eram Luigi e Angela Toniolo, ambos cadastrados como “camponeses”. A família contava também com outros dois irmãos de Pietro: Maria, nascida em 1861; e Antonio, nascido em 1867. Este casou-se com Maddalena Panozzo e com ela teve um filho, Luigi como o avô, em Schio, no ano de 1892. A família, assim como seus outros prováveis parentes Dalla Costa, habitaram os bairros rurais de Casare e Giavenale, já aludidos. Quando imigrou para o Estado de São Paulo, em 1891, Pedro veio como avulso, deixando a família em Schio, portanto. Nessa ocasião, ainda era solteiro e tinha apenas 19 anos de idade. Tomou o vapor denominado “Vo. di Florio”, em Gênova, e desembarcou em Santos, aos 12 de junho de 1891. A partir daí, todas as informações a seu respeito estão à espera de outras investigações.21

Outro grupo de famílias registradas como “camponesas” originaram-se em Malo (VI) e

Villaverla (VI), ao Sul de Schio, na extensa planície que a separa de Vicenza. De Malo, era Vittorio Andrea Luccarda que, antes de partir para São Paulo, permaneceu

7 anos em Schio. Seu caso enquadra-se entre os dos trabalhadores que se fixariam na Capital paulista, por isso, trataremos detalhadamente seu percurso no momento adapto. Deteremo-nos, todavia, no caso da grande família Rabbito, originária de Villaverla. Nesse município, nasceram os filhos do casal Luigi e Angela Sanson: o filho mais velho, Giovanni, aos 5 de junho de 1867; o segundo, Francesco, aos 19 de fevereiro de 1875; e a caçula, Angela, aos 3 de agosto de 1868. Não há registros em Schio sobre a existência ou morte de outros. Logo depois da festa de São Martinho de 1889, data em que se encerravam os contratos entre proprietários e trabalhadores rurais anuais na região de Schio, exatamente no dia 18 de novembro, os Rabbitos deram entrada naquele município. Nos anos que aí passaram, os Rabbitos moraram em três endereços distintos: duas vezes – o primeiro e o último - na Via dei Cappuccini e o do meio no bairro de Poleo.

20 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1476E – Ferraro, Giovanni; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 26,

fls. 118. 21 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1286 – Dalla Costa, Pietro; e MI: MI: Livro de Registro de Imigrantes no.

26, fls. 151.

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Particularmente, chama-nos a atenção o último desses logradouros, isto é, a Via Cappuccini, casa de no. 16. Esse endereço estava bem próximo à conhecida “Fabrica Alta”, onde concentrava-se a maior aglomeração operária da cidade. Malgrado os vínculos iniciais com o trabalho agrícola, nota-se, também neste caso, um deslocamento espacial – do campo para a zona urbana - e que revela uma aproximação com as áreas de povoamento operário de Schio. Não há dúvidas de que houve uma transformação profissional nessa família que, tendo chegado buscando trabalho se sujeitou, inicialmente, às condições oferecidas pelos proprietários rurais, mas que, posteriormente, desvinculou-se das atividades agrícolas e fixou-se no trabalho industrial. Praticamente um ano depois de terem chegado, em primeiro de novembro, o filho Giovanni, então, com 23 anos, casou-se com Guerina Tomiello, 20 anos, escledense de nascimento. Um mês depois do enlace, o casal ganhou seu primeiro filho, Luigi, que – talvez nos revelando as condições de miséria em que viviam - viria a falecer na semana seguinte. Em 14 de abril de 1891, Giovanni, sua mulher Guerina e seu irmão Francesco partiram para o Estado de São Paulo a bordo do vapor “Giovanni Battista Lavarello” que atracou no porto do Rio de Janeiro, em 24 de maio daquele mesmo ano, passando, a seguir, pelas instalações da Hospedaria do Brás. Outro dado significativo – que aproxima ainda mais os Rabbitos da “condição operária” - é que a massa dos trabalhadores industriais que deixaram Schio, o fizeram exatamente nesse período. Da Capital, rumaram para o município de Botucatu. Aí fixaram-se por seis longos anos, quando nasceriam seus três filhos brasileiros: Maria, em 12 de maio de 1892; Napoleone, em 14 de outubro de 1894; e Antonio, em 7 de novembro de 1896. Giovanni e sua família voltariam a Schio, em 1897. O irmão Francesco não voltou. Provavelmente continuou vivendo e trabalhando em solo paulista.22

Cogollo del Cengio (VI) é um pequeno município que fica a Nordeste de Schio, no vale

do rio Ástico, aí originou-se a família Dal Santo. O pai, Giuseppe, nasceu em 23 de outubro de 1850. Quando moço rumou para o município da Capital provincial, onde conheceria sua futura mulher. Rosa Brigato, nasceu em Torri di Quartesolo (VI), município a Sudeste de Vicenza, aos 22 de maio de 1852. Casaram-se nessa cidade no dia 4 de janeiro de 1873, indo morar na circunscrição da Capital. Aí nasceu o primeiro filho Santo Luigi, em 9 de setembro do ano seguinte. Os demais filhos nasceriam todos em Schio, município onde chegaram exatamente no dia 8 de novembro de 1875, registrando-se como “camponeses”. Entretanto, a recém-formada família sofreria aí um processo de empobrecimento muito rápido, plausível pelo número de mortos entre seus filhos vindouros. Excetuando-se a filha Madalena, a primeira que nasceria em terra escledense, os quatro outros seguintes – nascidos entre 1879 e 1884 - morreriam todos em tenra idade, até mesmo o filho nascido em Vicenza que, então, já alcançava a idade de 3 anos foi dizimado por alguma grave doença. Segundo consta, o então caçula morreu em Marano Vicentino (VI), demonstrando que, naquele instante, a família se encontrava viajando. Estariam voltando para a terra da família paterna? Somente com o nascimento de Amelia, em 1888, e de Adele, em 1889, é que o casal conseguiu firmar sua prole. Quanto ao local onde habitaram, é interessante notar que, em Schio, fizeram o seguinte percurso: começaram pela Via dei Cappuccini, passaram a seguir pela Via Palestro, depois, ainda, pela Via Bologna e acabaram, antes de partirem para o Estado de São Paulo, na Via Cappuccini de novo. Malgrado esta rua se aproximava, então, da zona rural escledense, encontrava-se, porém, no perímetro urbano. A Via Palestro era exatamente um dos logradouros de moradias operárias e, mais ainda, a Via Bologna, penúltimo logradouro onde morou, era uma das principais ruas do chamado “Nuovo Quartiere Alessandro Rossi’, bairro operário construído com recursos da empresa têxtil na qual o senador era sócio majoritário. Esse conjunto habitacional era destinado exclusivamente aos técnicos e trabalhadores da referida firma.23

22 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1452B – Rabbito, Giovanni; e M.I.: Livro de Registro de Imigrantes no.

25, fls. 287. 23 A construção do Nuovo Quartiere (...) se constituiu, talvez, no projeto de maior envergadura da empresa rossiana. No espaço

compreendido entre a rua Pietro Maraschin e o curso do riacho Léogra, região totalmente plana, de relevo baixo e contendo grande umidade, foram construídas, a partir do mês de julho de 1872, as casas para os técnicos e operários do Lanificio Rossi SpA. Aos primeiros foram destinadas casas, construídas como verdadeiros palacetes rodeados por pátios e jardins, segundo o bom gosto da época. Aos operários, porém foram construídas casas em série, parede-meia umas às outras, em terrenos bem

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A família Dal Santo partiu de Schio em abril de 1891. Em Gênova, seus membros tomaram o vapor “Manilla” com destino a Santos, onde chegaram em 27 de maio seguinte. Deram entrada na Hospedaria do Brás no mesmo dia e se dirigiram para um lugar ignorado. Não há nenhum indício de que tenham voltado à Itália. O caso da família de Giuseppe parece-nos exemplar sob dois aspectos: o primeiro, porque assim como tantas outras famílias, os Dal Santos percorreram várias localidades procurando o melhor lugar para fixar-se; o segundo, revela que transcorreu uma metamorfose muito rápida nos trabalhadores de origem rural e que, tout court, se transformaram em trabalhadores urbanos e industriais.24

Dessa leva de “camponeses” que vieram para o Estado de São Paulo, a família de Pietro Fuccenecco originou-se em Posina (VI), município que fica a Noroeste de Schio, no planalto de Arsiero. Pietro havia aí nascido aos 27 de janeiro de 1843. Entrou em Schio, 3 anos antes de sua partida para o território paulista, com sua segunda mulher, Angela Pozzacchio, nascida em Valli di Pasubio (VI). Com eles, chegaram também cinco enteados (dela) e um filho do casal: Giovanni (18 anos), Angela (17), Lucia (12), Catterina (10), Antonio (8), Maddalena (5) e Angelo (1), os cinco primeiros eram os enteados, todos nascidos em Posina e o último, filho, natural de Schio, respectivamente. Como nos casos anteriores, estes também foram cadastrados pelo Serviço Demográfico escledense como sendo “camponeses”. Nos três anos que permaneceram em Schio, os Fuccenecco residiram em duas casas somente, ambas na Via San Rocco, paralela à Via Palestro, onde ficava a grande tecelagem da Lanerossi. Não nos parece que esses lugares eram apropriados para “camponeses” alojarem-se. A família, entretanto, perderia um de seus membros: Lucia, aos 14 anos, faleceria em 13 de abril de 1890. Os demais não suportaram permanecer em Schio por mais tempo. Partiram todos de Gênova e chegaram a São Paulo no início de junho de 1891. Tudo indica que não entraram na Hospedaria, pois aí não foram inscritos. Seguiram todos, logo depois, para Itatiba (SP), então, situada na vanguarda da fronteira cafeeira. Angelo Fuccenecco, o caçula não teve tempo sequer de crescer, brincar e ser adulto como os demais irmãos: morreria, dois dias depois de completar o primeiro aniversário e um mês depois da chegada, aos 18 de julho de 1891, nesse mesmo município. A família permaneceu pouco tempo em Itatiba. No final do ano seguinte, nasceria em Santa Maria, distrito de Campinas (SP), a filha Maria e, três anos depois, nasceria ainda nesse município o filho Giuseppe. Todos retornariam à Itália, nos anos finais do século XIX.25

Os Ciscos eram originários de Sarego (VI), município que fica já em plena planície

vêneta cortada pelo Ádige. Essa região foi palco dos movimentos de trabalhadores rurais em meados da década de 1880. Dali partiu Eugenio, 27 anos, solteiro em busca de um lugar melhor. Chegou a Schio em 1889, depois, talvez, de muitas paradas intermediárias. Em solo escledense, se fixou primeiro em bairros próximos da zona rural, como na Via Fra Giovanni da Schio e em Resecco, para depois se instalar na zona urbana, propriamente dita, indo morar numa das áreas operárias: a Via Palestro. Schio, contudo, não seria o lugar definitivo. Os registros de Schio dizem que ele partiu da cidade em abril de 1891, junto com a multidão dos que abandonavam a cidade. Porém, a bordo do vapor “Matteo Bruzzo”, desembarcaria em Santos apenas em 21 de agosto seguinte. Deu entrada na Hospedaria, como a maioria, mas pouco se sabe sobre seu destino no Estado. Anos mais tarde, voltaria à Itália.26

Cabem algumas considerações a respeito dos diferentes casos apresentados até aqui. A

migração interna, como se observou, foi efetiva e transportou trabalhadores das mais diferentes regiões para os centros de absorção de força de trabalho, como aconteceu com Schio. É impróprio, entretanto, utilizar-se do termo “camponês”, stricto sensu, para os trabalhadores rurais que se deslocaram para lá, primeiro porque não houve assentamentos. As áreas estavam

menores em comparação aos primeiros; e com dimensões bem mais modestas, obedecendo, como sói acontecer, a um modelo econômico de moradia. VERONA, Antonio Folquito I xe come la zavorra ... op. cit., p. 207.

24 Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1441D – Dal Santo, Giuseppe; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 26, fls. 5.

25 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 265A – Fuccenecco, Pietro. 26 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 575A – Cisco, Eugenio.

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todas ocupadas há séculos. A nossa argumentação vai na direção de entender esses “camponeses” como trabalhadores desapossados de qualquer meio de produção, pelas diversas crises sofridas pelos pequenos agricultores, e de subsistência. Encontravam-se efetivamente proletarizados, portanto. A maioria dos casos descritos expressam trajetórias de “ex-camponeses”, que já se haviam transformado em “braccianti” quer como diarista – perambulando quotidianamente em busca de ocupação, como ocorria na planície do Pó, quer com contrato renovável anualmente. Daí, compreende-se a existência dessa mobilidade espacial tão intensa. Esses trabalhadores não estavam mais fixos numa determinada propriedade. É possível que alguns tenham sido, inclusive, absorvidos pelas indústrias em serviços eventuais, não obrigatoriamente como operários têxteis, mesmo que em alguns casos, como é notório, isso de fato aconteceu. Eles faziam parte do excedente necessário, portanto, poderiam ser empregados – a qualquer hora - para tarefas específicas, não mais na categoria “part-time”, desprezível para a indústria modernizada. À diferença dos operários da primeira geração que voltavam a suas terras de origem para trabalhar nas safras, estes recém-chegados trabalhadores não tinham para onde voltar. Cremos ter havido uma espécie de promiscuidade controlada entre o emprego nas lides agrícolas e no trabalho de fábrica. Essa proximidade com a produção agrícola, certamente, os fez optar preferencialmente - antes de deixar Schio ou já na Hospedaria do Brás - pela cafeicultura e não pela indústria.

De todos os casos citados, apenas Vittorio Andrea Luccarda escolheu a cidade de São Paulo para morar e trabalhar.

Os Frizzos - não citados até o presente momento nesta abordagem sobre as profissões - constituíram-se numa única exceção quando se tratou de denominar os “trabalhadores rurais” pelo Serviço Demográfico de Schio. Foram designados como “agricultores”. Pela história dessa família, observamos que no nascedouro foram camponeses de fato, isto é, numa primeira etapa quando ainda estavam sob a influência das respectivas famílias originais, e que, numa segunda, tornaram-se “braccianti” fixos. Nota-se a passagem de condição pelo distanciamento da terra natal e a mudança do município de Montecchio Maggiore (VI), onde nasceram, para outra área mais ao Sul, na região de Sarego, terra de propriedades maiores. No meio da grande vaga emigratória dessa região para o Estado de São Paulo, em 1889, a família também resolveu emigrar e, com certeza, tornou-se, em algum município do Interior, colona de uma fazenda de café. Cinco anos depois, os Frizzos voltaram à Itália e foram parar em Schio. Em busca do quê? Sem entrar em maiores detalhes, porque iremos voltar ao caso quando trataremos da emigração para a Capital paulista, basta informarmos, apenas, que essa família foi morar justamente na Via Passuè, área central de Schio, onde, nos cubículos insalubres dos velhos sobrados, acotovelavam-se, quando lhes sobrava algum tempo para permanecer em casa, os milhares de operários têxteis e sua gente. A escolha do local de moradia procedida pelos Frizzos nos indica que esses reincidentes migrantes tornaram-se operários também. 11..44.. AAss ddeemmaaiiss pprrooffiissssõõeess

Das 81 famílias que vieram para o Estado de São Paulo, 5 (Basso, Lago, Renzi, Vicentin e Zambelli), aglomerando 16 pessoas [(6,2%); homens: 62,5%; mulheres: 37,5%] um dos pais foi cadastrado como exercendo a profissão de “sapateiro”. Apesar de ser considerada uma atividade profissional eminentemente masculina, no grupo imigrante aparece uma mulher, Ginevra Dalla Negra, que se ostentava como tal, seu esposo era romano de origem e livreiro de profissão. As três outras esposas que acompanharam seus maridos tinham misteres diferentes: uma era “reparadora”, a outra, “artesã” e uma última não teve sua profissão anotada.

Os que estavam associados às duas unidades familiares dos “alfaiates” formaram um

grupo de 13 (5%) pessoas. A família Ustorio, já citada, contava com 9 membros, e o outro alfaiate foi Pietro Segala, 40 anos quando chegou a São Paulo. Era solteiro e veio acompanhado do irmão mais velho e da irmã caçula. Os dois primeiros haviam nascido em Veneza e a mais nova em Lugo Vicentino (VI). Chegaram a Schio cinco anos antes de embarcarem para o Brasil.

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O endereço onde moraram durante esse tempo não escondeu sua condição proletária: Via Porta di Sotto, o bairro onde morava a maioria do operariado de Schio. Junto com a grande leva de trabalhadores dispostos a emigrar, os Segalas também decidiram partir de Schio e o fizeram em 14 de abril de 1891. Em Gênova tomaram o vapor “Da. Di Genova” e desembarcaram no porto denominado “Pinheiro”, no Rio de Janeiro, em 17 de maio daquele mesmo ano. Depois de entrarem na Hospedaria do Brás, nada mais se soube a seu respeito.27

Outras 12 pessoas (4,7%), aglutinado-se em torno de 3 núcleos famiares (Andrighetto,

Salin e Scaramuzza), sobreviviam da profissão de “carpinteiro” exercida unicamente por seus respectivos pais. Esse segmento apresentou-se predominantemente masculino, visto que era composto por 66,7% de homens e 33,3% de mulheres, o mais baixo percentual por elas alcançado entre as profissões de maior expressividade quantitativa. Nenhuma mulher foi aí identificada como estando exercendo a profissão. As famílias que vieram acompanhadas pelas respectivas esposas/mães foram duas: numa a mulher exercia a profissão de “reparadora” e noutra, não houve qualquer identificação.28 As mulheres identificadas como “donas de casa” foram apenas 10 (20,4%), num universo de 49 mulheres: esposas, mães e avós. A pouca expressividade da dedicação exclusiva ao lar – reconhecida oficialmente - é um sinal que nos faz atentar para outro aspecto: de que naquele período, em Schio, o engajamento das mulheres nas atividades profissionais externas foi muito grande. Destas, 14 (28,6%) exerciam profissões diversas, algumas já enumeradas anteriormente; outras 25 (51%) não tiveram suas profissões identificadas. 11..55.. OOss ““aarrtteessããooss””

Os denominados “artesãos” formaram, contando os titulares e suas respectivas famílias,

um contingente de 8 (3,1%) pessoas que chegaram como imigrantes de Schio ao Estado de São Paulo, entre 1891-1895. As mulheres assim cadastradas chegaram à marca dos 66,7%, enquanto que os homens alcançaram apenas 33,3% do total. Deu-se aqui, portanto, um desequilíbrio na distribuição profissional entre os sexos. É notável que entre as profissões mais importantes, sob o ponto de vista quantitativo, a presença feminina tenha atingido um patamar tão expressivo. Três das seis famílias, onde apareceu alguém exercendo a profissão, tiveram seus “chefes” (2 homens e 1 mulher) registrados como “artesãos”. Em duas delas, cujos maridos se declararam “operários têxteis”, as mulheres apareceram como “artesãs”. No grupo havia também duas mulheres não “artesãs”, cujos maridos o eram: uma foi identificada sem qualquer menção profissional, e a outra declarou-se “camponesa”. Entretanto, é necessário retomar, também para esse segmento profissional, a discussão feita quando abordamos os identificados como “camponeses”. Isto é, a caracterização dada pelos funcionários da Prefeitura de Schio valeu, principalmente para as famílias “estrangeiras” que lá chegavam, para o momento em que se fazia o cadastro no município. Mais que uma profissão em exercício, cuja denominação constava nos registros demográficos, ser “artesão” poderia significar apenas uma qualificação anterior à entrada em Schio. É ilustrativo, nesse raciocínio, a relação entre a origem aldeã – muito próxima do mundo rural e subsidiária das atividades agrícolas - desses artesãos, cujos misteres muitas vezes deram designação própria a suas famílias, como foi o caso dos Marchioro de Malo29; o processo 27 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1021 c – Segala, Giovanni. 28 Quanto à profissão de “reparadora” que aparece várias vezes nos cadastros de Schio, deve ser alguma atividade associada à

costura e à reparação de roupas. 29 Florindo Marchioro, escritor e estudioso das raízes de sua família escreve a esse respeito que: Per effettuare il commercio col

nord, i nostri avi dovevano formare lunghe carovane, per cui molti facevano la professione di mercanti. Sentite a proposito cosa dice la tradizione: ‘Na volta i MARCHIORO i gera tuti MARCANTUSSI E CARETIERI. Inoltre diceva, I MARCHIORI I GA I MARCHI DE ORO IN SCARSELA. In altre parole è così che nacque da noi il casato MARCHIORO. Infatti è nome tipico di MONTE DI MALO, altrove non aveva ragione d’esistere. Logico quindi che i nostri MARCHIORO abbiano assunto tale nome da MERCATO, ma che in tedesco fa MARCKET (esistono infatti i super market). C’è ancora il fatto che da noi esiste il MARCÀ e non il mercato. Fiori (Marchioro) dal Monte. Monte di Malo, settembre 1993. É interessante notar que além da família de

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de proletarização que, atingindo os camponeses e trabalhadores rurais, também se abateu sobre eles; e a conseqüente migração para centros urbanos maiores. Dos imigrantes que analisamos, somente em duas famílias havia um dos cônjuges que se originava em Schio; todas as demais que continham “artesãos” entre seus membros eram forasteiras. Essas cinco famílias provinham dos municípios de: Monte di Malo; Posina; e Vicenza, na província homônima; Selvazzano Dentro, na de Pádua; e Arsiè, na de Belluno.

As demais profissões citadas foram: “açougueiro”, “carregador”, “corta-pedras”, “diretor de tecelagem”, “ferreiro”, “fundidor”, “funileiro”, “inventor”, “livreiro”, “moleiro”, “preparador de café”, “reparadora”, “serrador”, e “serralheiro”.

Diante desse quadro, poderíamos nos perguntar: qual a razão da presença de

trabalhadores não propriamente operários numa vaga que supostamente teria esse perfil? A contradição, entretanto, nos parece ser apenas aparente. Senão vejamos: numa relação onde foram enumerados os ofícios existentes no interior da indústria têxtil em geral, por volta dos primeiros anos deste século, no Estado de São Paulo, que foi publicada pelo respectivo governo, nota-se aí uma variedade muito grande de profissões não obrigatoriamente ou diretamente relacionadas com a produção de tecidos. Eram trabalhadores que executavam atividades muito diferentes da tecelagem e também entre si: mecânicos, serralheiros, carpinteiros, serventes, graxeiros, foguistas, maquinistas, carroceiros, guardas, etc.30 Contudo, essa variedade de trabalhos constituía-se numa base de apoio à atividade principal: a têxtil. A indústria pari passu que implementa a especialização das atividades produtivas a pulveriza também. Esse dado, portanto, nos ajuda a compreender que, a exemplo do que acontecia em São Paulo, os imigrantes de Schio, não obrigatoriamente operários têxteis também faziam parte, na origem, de atividades integradas ao já então complexo sistema produtivo da indústria local. Esse vínculo nem sempre aparece formalmente, entretanto, todos – têxteis ou não - originavam-se exatamente da mesma empresa escledense: o Lanificio Rossi SpA. A condição operária foi muito além do que pode ser alcançado pelos registros oficiais. 22.. AAss pprrooffiissssõõeess ddooss qquuee ssee ffiixxaarraamm nnaa cciiddaaddee ddee SSããoo PPaauulloo Para a cidade de São Paulo se dirigiram, segundo o que nos atestam os diversos registros pesquisados, 16 famílias, dentre as quais, 8 delas, seguramente, se fixaram precisamente no Bairro do Brás. É provável, entretanto, que outras mais tenham aí se dirigido; entretanto, não foram localizadas no obituário do respectivo Cemitério.

Apesar das dificuldades em precisar exatamente onde se localizaram, buscaremos recompor, ao longo deste texto, suas histórias particulares de forma a encontrar, através delas, o perfil que assumiram enquanto parte de uma classe de trabalhadores que, naquele período, vagou inicialmente em sua terra natal, transpôs o oceano e, durante os anos 1891-1895, se fixou em alguma parte da metrópole que se inaugurava. Constituíam-se como gente quase que desenraizada, sem pátria, sem destino, à procura de encontrar unicamente, aqui ou acolá, as condições materiais e espirituais para reconstruir, com suas próprias mãos, uma vida digna.

Mas afinal, qual a identidade dos imigrantes de Schio que se fixaram em São Paulo? Queremos responder a esta questão a partir da abordagem profissional, visto que a saída

de Schio esteve diretamente ligada à depreciação de suas condições materiais de vida, ao cerceamento da possibilidade de exercer seu trabalho e, portanto, de continuar existindo, ainda que no limiar da sobrevivência. A abordagem sob esse prisma almeja perfilar o elo que atou seus percursos na Itália e sua fixação – ainda que temporária - na Capital paulista.

Domenico Marchioro, conhecido pelas citações que aparecem ao longo deste trabalho, que se dirigiu para Juiz de Fora (MG) e Petrópolis (RJ), outra família homônima foi para Galópolis, distrito de Caxias do Sul (RS), cuja menção já fizemos na Introdução.

30 SECRETARIA DA AGRICULTURA op. cit., p. 76.

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As Tabelas 14 e 15, apresentadas a seguir, nos dão uma amostra de como se compôs, sob esse ponto de vista, o contingente de imigrantes de Schio que se deteve na cidade de São Paulo e no Brás. Como é notório, o grupo de imigrantes cujos pais foram cadastrados como “operários têxteis” já em Schio, aparece em maior número, correspondendo, portanto, a 37,5% das famílias e a 29,4% das pessoas. As 6 famílias assim identificadas foram as seguintes: Berton, Corà, Martinuzzi, Poli, Tovaglia e Zanella. Eram famílias constituídas por poucos membros – em média com 2,5 pessoas por unidade – das quais uma era formada apenas por pai e filho (Berton), outra, apenas pelo casal (Tovaglia) e outra, ainda, apenas por um avulso (Poli). Podemos dizer que essa média correspondia de fato às famílias que viveram um longo período de proletarização. A maioria desse grupo foi se fixar no Brás.

TABELA 17 IMIGRANTES DE SCHIO NA CIDADE DE SÃO PAULO (1891-1895)

CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO PROFISSIONAL

NÚMERO DE ENVOLVIDOS

PROFISSÃO

FAMÍLIAS

IMIGRANTES

%

Operário Têxtil

6

15

37,5

29,4

Sapateiro

3

14

18,75

27,5

Agricultor

2

9

12,5

17,6

Carpinteiro

1

5

6,25

9,8

Funileiro

1

5

6,25

9,8

Outros31

3

3

18,75

5,9

T O T A L

16

51

100

Fonte: UACS

O segundo grupo em importância foi o dos “sapateiros” aglutinados aqui em 3 (18,75%)

famílias: Vicentin (Girolamo e Antonio) e Zambelli, com 14 (27,5%) pessoas. A composição familiar desse contingente foi maior que a do anterior: 4,6 pessoas por unidade. Essa proporção se diferenciou ainda mais devido ao peso da família numerosa dos Zambelli, composta por 6 pessoas. Esse grupo se deslocou, como veremos, inteiro para o Brás. Os classificados como “agricultores”, que se constituíam apenas em 2 (12,5%) famílias (Frizzo, Domenico e Emilio) e 9 (17,6%) pessoas, apresentavam uma média familiar comparável à do segundo grupo. Sua composição – somente a família de Domenico era composta de 8 pessoas - era paradigmática, pois representava, ainda, as famílias com traços patriarcais, originárias do campo. Não há qualquer indício de que se tenham fixado no Brás. Os Scaramuzzas sozinhos formavam o quarto grupo de famílias. O pai foi identificado como “carpinteiro”. Quanto a sua composição, era também uma família grande para os padrões urbanos de Schio. Sua origem (Montecchio Maggiore), sua chegada mais ou menos recente em Schio (8 anos) e sua ligação sangüínea com os Frizzos denotam seus vínculos com a agricultura e com o campo. Também não parece terem rumado para o Brás.

31 As demais profissões foram: 1 “camponês” (Luccarda) e 2 cujas atividades não foram identificadas.

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Capítulo III: Trabalho, suor e lágrima: trinômio do cotidiano operário.

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À diferença dos dois grupos anteriores, a família do “funileiro” (ou “lateiro”) Giuseppe Tovaglia que, em 1891 viera como avulso, só conseguiria reunir-se de novo, em 1893, no Brás. Constituía-se também numa família numerosa: eram 5 pessoas, das quais três crianças com menos de quatro anos.

TABELA 18 IMIGRANTES DE SCHIO NO BAIRRO DO BRÁS (1891-1895)

CARACTERIZAÇÃO DO UNIVERSO PROFISSIONAL32

NÚMERO DE ENVOLVIDOS

P R O F I S S Ã O

FAMÍLIAS

IMIGRANTES

%

Sapateiro

3

14

37,5

50

Operário Têxtil

4

9

50

32,1

Funileiro

1

5

12,5

17,9

T O T A L

8

28

100

Fonte: UACS

Salta aos olhos uma primeira diferença do grupo que se fixou no Brás com o da Capital, em geral: este foi menos diversificado quanto à profissão de origem. Desaparecem os “agricultores”, os “carpinteiros”, o “camponês” e os sem qualificação definida. Foram para o bairro operário os “sapateiros”, que malgrado articulados em apenas 3 famílias, alcançaram um número mais expressivo de pessoas, revertendo, inclusive, a anterior maioria relativa de “operários têxteis”, predominantes no grupo geral que se fixou na cidade de São Paulo. Há, contudo, um dado significativo nessa aparente reversão: esse movimento migratório de Schio conseguiu manter, no bairro, 4 (66,7%) das 6 famílias operárias que localizamos na Capital. 22..11.. OOss iimmiiggrraanntteess ddee SScchhiioo qquuee ffiiccaarraamm nnaa CCaappiittaall Das 81 famílias e avulsos – 257 pessoas - que partiram de Schio e que desembarcaram, entre 1891 e 1895, no Estado de São Paulo, 16 (51 pessoas) permaneceram na cidade de São Paulo e destas, 8 (28 pessoas) fomos encontrá-las no Brás. Nas próximas páginas, iremos percorrer rapidamente a história de vida desses trabalhadores, começando por suas origens naturais e profissionais e, se ‘estrangeiro’, como se deu sua passagem por Schio. Veremos também como pode ter sido seu encontro com o mundo industrial da “Manchester d’Italia”, através dos parcos dados disponíveis, e as possíveis causas que os levaram a emigrar. Procuraremos, ainda, construir os primeiros passos de sua inserção na nova metrópole e, para aqueles que se dirigiram ao Brás, a penetração no amálgama industrial que transformou esse bairro num grande pólo de atração operária e “italiano”, por excelência. Iniciaremos com aqueles cujas evidências nos indicam com certeza que permaneceram na Capital paulista, sem, entretanto, sabermos em que bairro se fixaram. 2.1.1. Um longo percurso para chegar a São Paulo Carlo, chamava-se o pai. Era operário, um “pestore”,33 como tantos outros que vieram de Schio. Quando chegou a São Paulo, em 1891, tinha já seus 45 anos completos. Não nascera

32 As outras profissões declaradas foram: dona de casa, com 9 trabalhadores; açougueiro, caffettiere (pequeno comerciante que

atendia a sua freguesia geralmente num quiosque próximo a uma praça ou avenida), carregador, industriário, livreiro e condutor com um trabalhador cada uma.

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em Schio, mas em Caselle di Altivole, província de Treviso, aos 12 de dezembro de 1845. Seus pais, provavelmente trabalhadores rurais, Domenico e Maria Giacomelli pertenciam àquela zona plana e amplamente cultivada. Na infância e juventude, Carlo deve ter se dedicado às tarefas agrícolas, seguindo os costumes de seus antepassados. Em 1876, já com 31 anos de idade, casou-se com uma mulher de uma outra aldeia próxima, da mesma província de Treviso, denominada Crespignasa di Maser, nas cercanias de Asolo. Bem mais jovem que o marido, Maria Fiorenza Pellizzari, com 18 anos, transformara-se dona de casa. Seus pais: Roberto e Maria Geronazzo também deveriam ser da roça. O casal viveu na aldeia de Carlo até dezembro de 1889, quando se mudou para Schio. Aí morou, por um tempo, na Via Corobbo,34 na área central da cidade, nas proximidades da Via Porta di Sotto, habitada principalmente por operários.35 O casal teve 6 filhos: Bertaredo Domenico (1877); Roberto Secondo (1878); Giuseppe Luigi (1880); Francesco Ferdinando (1882); e Oliva Maria (1885), todos nascidos em Caselle. Dois, entretanto, vieram a falecer: Roberto Secondo (1891) e também Oliva Maria, um ano depois do irmão, quando seu pai já estava trabalhando em São Paulo. Certamente por falta de dinheiro para pagar o aluguel, a família teve que se mudar para um lugar bem mais distante da área central. Esse movimento espacial, tão comum aos trabalhadores, fazia parte da rotina dos operários de Schio. Transferiu-se, então, para a aldeia de Giavenale, ao Sul da cidade. O operário e imigrante em sua própria terra, Carlo, juntamente com seu terceiro filho, Giuseppe Luigi, então com apenas10 anos, partiram de Schio logo depois da greve de fevereiro de 1891. Provavelmente, no começo de março. De lá seguiram para o porto de Gênova, talvez de trem e, aí chegando, hospedaram-se nos imensos barracões destinados aos migrantes que quase diariamente tomavam os ‘vapores’36 rumo ao desconhecido que poderia ser “San Paolo”, “Brasile” ou, simplesmente, “Merica”. Embarcaram, em um dia das primeiras semanas de março no navio “Sirio”, nome que ficaria imortalizado na Itália, anos mais tarde já no início deste século, porque veio a afundar-se, nas águas do oceano, repleto de trabalhadores que rumavam para o “novo mundo”. No clamoroso desastre, todos morreram.

Maria Fiorenza, a mulher, e os demais filhos permaneceram na Itália. Não há sinais de

que a família tenha-se reunificado. Tudo nos indica que a saída de Schio significou também uma ruptura matrimonial. Os dois filhos que ficaram com ela se casaram. Provavelmente sozinha, morreria aos 57 anos, no dia 28 de abril de 1915, em Schio.

No entanto, a travessia do Atlântico durou quase um mês. Carlo e Giuseppe Luigi

desembarcam no porto do Rio de Janeiro, exatamente, no dia 21 de abril de 1891. Tomaram o trem da ‘Companhia São Paulo e Rio de Janeiro’37 rumo a São Paulo e foram desembarcados na Hospedaria, onde permaneceriam por algum tempo. Não seguiram para as plantações de café, mas fixaram-se na Capital.

33 Termo certamente originário do dialeto vêneto local que corresponderia a pestatore: se diz do trabalhador que com a força dos pés

executa alguma atividade: ex. na produção primitiva do vinho. Em Schio, usava-se, extensivamente, atribuí-lo aos que trabalhavam a lã: ‘pestatore di lana’.

34 Hoje: Via G. Carducci. 35 O, então, bairro operário era constituído por edifícios, sobrados com dois ou três andares, que continham diversas moradias

contíguas. Os prédios eram construídos um atrás do outro e dispostos perpendicularmente em relação às ruas. Unindo-os, estavam as galerias que desembocavam em sucessivos pátios internos. Esse modelo de construção é muito comum na Alemanha, conhecido como Hinterhof. As habitações eram quartinhos pouco ventilados, úmidos e mal iluminados.

36 Essas embarcações eram chamadas usualmente de "vapores" por serem de pequeno porte, sem acomodações adequadas e nem sempre apresentarem condições para o translado de tanta gente. Visavam, basicamente, atender os interesses das companhias de navegação, sobretudo, italianas. A propósito, escreve Angelo Trento que: As companhias mais importantes que se dedicavam ao transporte aumentavam com o passar dos anos: ‘La Veloce’, ‘Navigazione Generale Italiana’ (ex ‘Florio e Rubattino’), ‘Navigazione Italo-Brasiliana’, ‘Schiaffino Solari’, ‘Lavarelli’, ‘Ligure-Brasiliana’, ‘Lloyd Italiano’, ‘Italia’, ‘Ottavio Zino’, ‘Vincenzo Finizio’ (...) É sabido que, por trás da emigração transoceânica, havia os interesses dos armadores e das sociedades de navegação italianas. TRENTO, Angelo Do outro lado ... op. cit., p. 44. Foram muitos os casos de acidentes ocorridos em alto mar, provocados pela precariedade estrutural dos barcos, que não suportavam a viagem por grandes percursos e com excesso de lotação ou pela falta de higiene adequada. Sobre a descrição das condições de hospedagem e viagem nos vapores transoceânicos, cf. MARCHIORO, D. op. cit., pp. 3-4.

37 Mais tarde a ferrovia passaria a chamar-se ‘Central do Brasil’, como ainda é conhecida. Cf. MORSE, M. Richard op. cit., p. 229.

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Capítulo III: Trabalho, suor e lágrima: trinômio do cotidiano operário.

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2.1.2. O filho do diretor foge com os empregados

A Bélgica havia ensinado a Alessandro, filho de Francesco Rossi, fundador do “Lanificio Rossi SpA.”, cuja fábrica era conhecida como “Lanerossi”, não somente as técnicas mais modernas de produção de panos, mas também, com o aprofundamento das lutas operárias, a maneira de enfrentá-las, antecipando sua eclosão com medidas de caráter paliativo como a adoção de um tratamento paternalístico, a construção de creches e de casas para atender os trabalhadores e seus filhos, etc. A Bélgica, portanto, ensinara-lhe a ser um patrão ‘moderno’, instruído e com a necessária ‘sensibilidade social’.38 Por isso, o jovem industrial de Schio não perderia jamais os vínculos que atara com o mundo fabril belga. Não contente em imitar-lhe a exterioridade, importava daí técnicos e gerentes para que dirigissem o processo produtivo em Schio. Chegou a construir um bairro, na cidade, somente para que ali, os seletos estrangeiros, pudessem ser abrigados de modo confortável.

Em pleno inverno europeu de 1856, exatamente no dia 27 de janeiro, entrava em Schio uma numerosa família belga: a dos Boniver. Originava-se de Verviers, cidade industrial da Valônia, localizada nas encostas das Ardenas, cortada pelo rio Meuse e não muito distante da cidade episcopal de Liège. O pai chamava-se Pierre, era filho de Luis, e quando chegou em Schio contava 37 anos. Sua mulher Marie Madelaine Strazzart, cujo pai se chamava François, era mais velha que seu marido cinco meses. Em sua juventude dera à família quatro filhos: Therèse (1840); Philomène (1844); Pierre - que, em 1891, acompanharia os operários na imigração – nasceu no dia 15 de abril de 1854; todos estes em Verviers; e Giuseppina (1858) que seria a única a nascer em Schio. A família, inicialmente instalou-se numa casa da Via Palestro,39 no. 385, nas proximidades da fábrica central da ‘Lanerossi’. Baseando-se nas construções ainda existentes, pode-se deduzir que os Boniver foram morar num daqueles velhos sobrados que margeiam boa parte dessa rua, de tráfego intenso e de passagem obrigatória para os operários às manhãs e às noites. A rua, então, já estava devidamente calçada. Daí, mudaram-se para Via Codalunga40 e depois para a Via dei Tessitori. O pai Pierre havia chegado à cidade para exercer, o que o fez até sua morte, a função de “direttore d’apparecchio di panni”. O posto que lhe coube deveria ser bem remunerado e deter certo prestígio pois lhe assegurou também, por um tempo determinado, condições para morar justamente na última das ruas citadas. Área nobre de palacetes requintados, construídos sob medida para que lá fossem morar somente os chefes maiores, não os subordinados. Enfim, em Schio, os Boniver deviam ser considerados pessoas abastadas, pelo menos até a morte do pai.

Do que pode se extrair das palavras de Rossi, a presença dos belgas em Schio, útil do ponto de vista técnico, foi danosa a partir do padrão de conduta vigente:

(...) gli operai qui sono per così dire una generazione nuova – i loro padri non

conoscevano la disciplina delle fabbriche organizzate, perché per lo più in antico lavoravano alle loro case, senza orario fisso, né fissa mercede. Fatica immensa costò la loro organizzazione tanto più che doveva farsi col mezzo di Capi belgi, i quali non sempre ebbero i modi opportuni a formarli dal lato morale come li avevano dal lato tecnico (...)41

38 Alessandro Rossi, além de industrial, chegou a exercer por vários mandatos o cargo de senador do Reino da Itália. Foi também

assessor de Leão XIII na elaboração da Encíclica ‘Rerum Novarum’, publicada justamente no simbólico ano de 1891. Segundo Marchioro: Egli si teneva costantemente informato delle direttive della Chiesa in merito alla “questione sociale”, della quale molto si parlava fin d’allora negli ambienti politici e fu fra gli industriali consultati da Leone XIIIo. durante l’elaborazione dell’Enciclica “Rerum Novarum”, e per quanto egli fosse inviso alla retriva nobiltà clerico-papalina della Provincia per la sua posizione favorevole all’Unità d’Italia con Roma, egli trovò sempre nel clero un potente alleato per la sua azione repressiva nei confronti del movimento operaio e socialista, allo sviluppo del quale il movimento clericale costituiva il maggior freno. MARCHIORO, Domenico op. cit., p. 26.

39 Hoje: Via Pasubio. 40 Hoje: Via Fusinato. 41 Ver. FRANZINA, Emilio Alle origini dell’Italia industriale: Ideologia e imprensa di A. Rossi, in Classe” IVº, giugno 1971, p.

195. Apud TAVONE, Bernardetta Ricatti Case per gli operai: la “Nuova Schio”. In FRANZINA, Emilio (a cura di) La classe, gli uomini ... op. cit., p. 971.

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Mas o destino da família Boniver parece ter mudado a partir daquele fatídico dia 19 de

maio de 1881. Pierre, o pai, falecia subitamente aos 62 anos, uma idade avançada para aquela época de fome, epidemias e morte precoce. Vivendo no fausto, dependendo dos altos salários do pai, a família via-se na iminência de ter que cuidar de si mesma sem um fonte segura de ganhos. A filha Therèse, no ano seguinte ao falecimento do pai, seguiu para Vicenza. Parece não ter aí se adaptado e, em 1894, estava de volta a Schio, com 44 anos e não casada. Nesse ínterim, a família foi obrigada a mudar-se para um lugar mais modesto. Vemo-la, nos idos de 1890, morando de novo na Via Palestro, entre os antigos sobrados da área mais próxima à fábrica.

A filha Philomène havia-se transferido para Roma, em 1876, solteira, aos 32 anos.

Retornaria, ainda, sozinha a Schio, em 1889. Giuseppina, a filha nascida em Schio, teve um caso amoroso cujo amante permaneceu desconhecido e que resultou no nascimento de seu único filho: Agostino, em 31 de julho de 1897. A mãe, Marie Madelaine, morreria em Schio, no dia 21 de fevereiro de 1903, com quase 84 anos de vida. Giuseppina, no entanto, morreria com a mesma idade de seu pai, aos 62 anos, em Schio, no dia de Natal de 1920.

O filho Pierre chegou à cidade com apenas um ano de idade. Cresceu, fez amizades e se

educou em Schio. A depreciação do padrão de consumo e o rebaixamento social que a família sofreu fez com que o jovem belga conhecesse outras pessoas, distintas das que se agrupara, quando ainda abastado. Como então explicar a vinda, em condições tão precárias, de Pierre a São Paulo: como imigrante, necessitando de passagem paga pelo Estado brasileiro, e em meio a gente aparentemente hostil como eram os operários de Schio, muitos deles já socialistas e anarquistas, avessos aos estratos sociais refinados? Pierre havia mudado de lado.

Em 17 de março de 1891, aos 36 anos completos, entrou no trem rumo a Vicenza,

juntamente com aqueles que se propunham a abandonar a “condição operária” que imperava em Schio. Seguiu com a multidão rumo a Gênova e embarcou, dias depois, num dos diversos vapores que faziam as viagens transatlânticas: o “Regina Margherita”, cujo nome também seria atribuído à conhecida pizza. Após 56 dias da partida, desembarcou no porto do Rio de Janeiro. Isso aconteceu, justamente, em 13 de maio daquele mesmo ano, que além de aniversário da ‘libertação da escravatura’, foi o dia em que chegou o maior número de imigrantes de Schio para São Paulo. Como todos os demais, tomou novamente o trem na “Cia. São Paulo e Rio de Janeiro”, desta vez para transporta-lo até a Hospedaria do Brás. Com isso, chegaria a seu sonhado destino. Nas anotações do escrivão desse abrigo aparece que Pierre permaneceu na cidade de São Paulo. Falta, porém, notícia a respeito de como se deu sua inserção na Capital paulista. 2.1.3. Um boêmio entre trabalhadores

Junto com Pierre Boniver veio também Francesco Vittorio Casara. Apesar de Pierre ter saído de Schio, com alguns dias de antecedência, os dois acabariam por tomar o mesmo navio, desembarcar no mesmo dia no Rio de Janeiro e dar entrada na Hospedaria do Brás juntos. Francesco Vittorio não era de Schio. Havia chegado à cidade, vindo de Vicenza, fazia quase dez anos, exatamente em 5 de setembro de 1881. Era o segundo filho de Giobatta e da veneziana Giulia Trevisan, ambos habitantes de Longare, vilarejo ao Sul da província de Vicenza, banhado pelo rio Bacchiglione. Nasceu aí aos 25 de julho de 1866. Tinha uma irmã mais velha, Lucia Elvira (1861) e um irmão mais novo, Antonio Luciano (1868). Sobre sua infância e adolescência, pouco se sabe. É certo que ficou órfão de pai ainda muito cedo, talvez durante o ano de 1868, pois sua mãe casar-se-ia, um ano depois, em outubro de 1869, naquele mesmo vilarejo, com um escritor ‘privado’ chamado Domenico Cappelletti, natural de Veneza e oito anos mais novo que sua mulher. De Longare, a nova família se transferiria para o município de Mantova, na região lombarda e aí nasceria o quarto filho: Ugo, aos 29 de abril de 1874. Quando Francesco Vittorio completou 15 anos, a família toda mudou-se novamente, desta vez

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para Schio. Moraram, sucessivamente, em duas casas na Via Palestro, o caminho para a “Fabbrica Alta” e, por fim na região central da cidade, em torno da Piazza.42 Francesco Vittorio e seus irmãos, apesar de terem entrado em Schio numa idade onde jovens, adolescentes e crianças já trabalhavam, não foi registrado em nenhum dos ofícios exercidos naquela região. Tem-se a impressão de que a família dependia única e exclusivamente dos ganhos do pai. Se essa hipótese for verdadeira, entende-se então o abalo que a família sofreu quando, em 18 de março de 1890, o corpo de Domenico Cappelletti foi encontrado já sem vida na cidade de Pádua. Havia-se suicidado! Não tinha completado, ainda, 49 anos de idade quando morreu. Sabe-se quase nada sobre os motivos de ato tão desesperador. O infausto acontecimento, entretanto, parece ter dissolvido um elo entre os demais. Francesco Vittorio tomaria o caminho da emigração. Partiu de Schio no dia 1º de abril de 1891, diretamente para o porto de Gênova. Aí, juntamente com tantos outros da cidade, embarcaram no “Regina Margherita”, que atracou no Rio de Janeiro em 13 de maio. Deu entrada na Hospedaria, ficando ali, como de praxe, por alguns dias, até encontrar casa e colocação na própria cidade de São Paulo. 2.1.4. Conheceu a capital paulista, mas preferiu Petrópolis

A pequena cidade de Malo fica ao Sul de Schio, à cerca de 7 km. de distância. Está numa região plana, cortada pelo rio Orolo que mais abaixo corta ao meio a Capital provincial Vicenza. A região de Malo sofreu no século XIII a penetração de camponeses germânicos trazidos da Baviera para habitar essas áreas despovoadas em virtude de contínuas epidemias. Luccarda é, certamente, um nome originário dessa colonização. Benedetto Luigi, da família dos Luccardas, casou-se com Maria Maddalena Pamato. Eram camponeses, como seus antepassados. Não há registros, porém, de quantos filhos o casal teve antes de chegar a Schio. Quando aí entraram, em 9 de setembro de 1883, havia apenas dois: Angela (1864); e Vittorio Andrea, nascido aos 14 de junho de 1866, ambos tinham nascido em Malo. Em Schio a família sofreria uma fortíssima transformação. Com certeza, a família de origem rural buscou trabalho na indústria, como muitos estavam fazendo no início da década de 1880. O êxodo rural, sobretudo da planície, havia feito crescer o exército de reserva de força de trabalho em Schio. Destacados de seus antigos meios de sobrevivência seculares, os trabalhadores buscavam, agora, reproduzir-se via salário. Portanto, sua presença era fundamental para a manutenção e a reprodução do capital, com o arrocho salarial, a extensão da jornada de trabalho e a garantia de extração de altas taxas de lucro. À diferença do proletariado ainda vinculado às lides camponesas, os neófitos introduziram uma nova qualidade nas relações entre os operários e o ‘Lanificio Rossi’ que redundariam na greve de 1891, depois de 18 anos de ininterrupta ‘paz social’. Estava em formação uma segunda geração de operários, que haviam chegado em Schio sem nada: já proletários. O historiador escledense assim os descreve: Giungevano a mani nude, con l’unica speranza di trovare nei lanifici una possibilità di vita, qualunque fosse.43

Estes, se por um lado foram tão desejados pelos industriais, por outro, foram também por eles tão odiados e perseguidos. Os Lucardas eram, portanto, gente ‘da hora’, isto é: camponeses proletarizados. Sua condição de progressiva pobreza os conduziu da Via dei Cappuccini, que, então, ficava numa área periférica da cidade, onde os frades homônimos detinham uma grande propriedade fundiária, para o distrito de Poleo, a, mais ou menos, 1 km.

42 Hoje: Piazza Alessandro Rossi, onde está a imponente matriz, cujo orago é São Pedro. 43 SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio ... op. cit., p. 153.

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da zona urbana. Em 23 de janeiro de 1890, em pleno inverno, o pai Benedetto Luigi veio a falecer, aos 52 anos de idade. Os conflitos trabalhistas, do início do ano de 1891, levariam Vittorio Andrea a emigrar, deixando Schio e sua família. Tomou o rumo de São Paulo, em 31 de março daquele ano, levando o pouco que tinha e o que podia. Fez o trajeto de praxe. O cortejo, como já se viu, foi o maior de todos. A “fiumana” levou-o a embarcar no “Regina Margherita”, que partiu de Gênova no início de abril e atracou, um mês depois, no porto do Rio de Janeiro, exatamente no dia 13 de maio seguinte. Foram 43 dias de percurso.

Na cidade de São Paulo, depois de passar pela Hospedaria, Vittorio Andrea encontrou lugar onde ficar e trabalhar. Não é possível saber, entretanto, quanto tempo permaneceu na Capital paulista. Num futuro mais distante o veremos em Petrópolis. Mas quanto tempo depois de chegar em São Paulo? Os registros emudeceram. 2.1.5. São Paulo não lhes reservou um futuro melhor A família Martinuzzi, que veio para São Paulo, em 1891, constituiu-se em Vicenza, a Capital provincial. O pai era Luigi, nascido em Palmanova, província friulana de Udine, aos 25 de julho de 1854. Seus pais, Pietro e Teresa Valle, tinham origem camponesa. Luigi, entretanto, deixou logo o campo e saiu cedo de casa em busca de outras oportunidades. Com 24 anos já estava em Vicenza e no dia 17 de fevereiro de 1878 se casaria com uma moça daquela cidade, por nome Virginia Bettanin, com 18 anos incompletos. É provável que tenham perdido vários filhos entre o matrimônio e o nascimento dos que foram registrados em Schio. Entretanto, não há dados que possam nos informar a respeito. Sabe-se, somente, que em Vicenza nasceram seus dois filhos: Guido (1881) e Zelia (1885).

Os Martinuzzis viveram na Capital da província por 13 ininterruptos anos até que, um dia, algo de imprevisível fez mudar o rumo das coisas. Pietro resolvera ir ganhar a vida em Schio. Há, sobre isso, hipóteses plausíveis: 1) por possuir conhecimento em alguma profissão requisitada pela indústria da lã, sabia que haveria oportunidades de trabalho para ele, em Schio; ou 2) poderia ter ocorrido um empobrecimento abrupto da família e Pietro, sem dominar uma profissão determinada, via em Schio uma oportunidade de encontrar emprego. Sem termos elementos para excluir, a priori, uma das hipóteses, podemos relevar que muitos trabalhadores, diante da crise social que se abateu sobre a região vêneta, principalmente a partir da década de 1870, agravada pela década seguinte, tomou o caminho de Schio porque estavam desempregados e almejavam encontrar aí seu posto de trabalho. Pietro seguiu, portanto, o caminho dos muitos e se transforma também num operário têxtil. Todos os Martinuzzis chegaram à cidade no dia 21 de abril de 1891, quando muitos outros faziam o caminho inverso ao deles: partiam para o outro lado do planeta. Teriam eles percebido, de imediato, os deslocamentos contraditórios? No entanto, fixaram residência no Viale del Castello, casa no. 38, bem na área central, nas proximidades do antigo Corobbo medieval, onde, em volta, grassavam as velhas habitações operárias. Se não entenderam o que acontecia em Schio quando chegaram, o entenderiam poucos meses depois. Como proletários, os Martinuzzis também não suportaram lá permanecer por muito tempo. Passados exatos quatro meses e oito dias e eis que a família já se prepara para sair da cidade em direção a um novo destino: São Paulo. O pai Luigi e o filho Guido, então com apenas 10 anos, receberam o ‘salvo conduto’ para deixar a cidade no dia 29 de agosto de1891.44 A mãe e a filha iriam depois. Não se sabe como pai e filho conseguiram chegar a Gênova. Muitos faziam parte desse caminho, por falta de dinheiro, de carroça e, às vezes, em casos extremos até caminhando. Talvez os Martinuzzis não tivessem tido à disposição alguma reserva monetária para gastar com a longa viagem. 44 O funcionário do Serviço Demográfico anotou na ficha familiar dos Martinuzzis que foi: Emesso il nulla osta pel Brasile, il 29

agosto 1891 alle persone ai no. 1 (Luigi) e 3 (Guido). UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 427 E – Martinuzzi, Luigi.

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Demoraram demais para alcançar a cidade portuária. Ao chegarem, depararam-se com o vapor Orione, que os levaria até o Rio de Janeiro. A extensa travessia terminaria somente no dia 28 de outubro. Quando chegaram, haviam empregado precisamente 60 dias para percorrer uma distância entre Schio e São Paulo. Luigi e Guido passam um tempo na Hospedaria, enquanto buscam uma acomodação na Capital do Estado. A mãe Virginia e a filha Zelia, então com somente 6 anos de idade, iriam partir de Schio em 20 de setembro ainda naquele ano. Não há qualquer registro na Hospedaria de uma eventual passagem delas por lá. O Serviço Demográfico de Schio tomou os cuidados de anotar na respectiva ficha familiar sua saída da cidade: Eliminati per verificata emigrazione. Schio 01.01.189245

Os Martinuzzis permaneceram na cidade São Paulo durante toda a década de 1890. Inseriram-se, como tantos outros imigrantes, no ‘mercado de trabalho’ e viveram, certamente, em condições precárias. 2.1.6. Separados no Vêneto, voltaram a se reunir com o casamento dos filhos Tanto os Scaramuzzas, quanto os Frizzos, originavam-se de Montecchio Maggiore, que fica a oeste da província de Vicenza. A cidade está no sopé dos pré-Alpes, onde termina a imensa planície do Pó, e sua altitude não ultrapassa os 70 m. do nível do mar. Ao longo de sua história, Montecchio e seus arredores ficaram sempre sob a influência de Vicenza e do que nela ocorria. É famoso o castelo sobre ao montes, atribuído a Romeo e Giulietta, marca indelével de seu passado feudal, que está a 2 km. da cidade e que, no final do século passado, já se encontrava em ruínas. Montecchio, assim como na maioria dos municípios do Vêneto, aí também predominavam a agricultura e o pastoreio.46

Do lado dos Scaramuzzas, o pai chamava-se Antonio, que nascera nesse município, aos 14 de março de 1838, no final do inverno. Seus pais: Giuseppe e Anna Maria Boschetti, eram gente do campo. Antonio cresceu em Montecchio Maggiore e aí se tornou carpinteiro, provavelmente seguindo a profissão de seu próprio pai.

Do lado dos Frizzos, o pai chamava-se Domenico. Nascera, como Antonio Scaramuzza,

em Montecchio Maggiore. Nasceram no mesmo mês e na mesma estação, entretanto, Domenico viera ao mundo alguns anos antes, em 3 de março de 1831. Seus pais: Bortolo e Maddalena Cavaliere eram também pessoas do campo. Domenico cresceu trabalhador agrícola, como foram seus antepassados e, como se projetava, deveriam ser também seus filhos.

Aos 23 anos, Antonio Scaramuzza casou-se com sua mulher, Catterina Nogara, de

Cologna, ao Sul da província de Verona, região em que no biênio 1884-85 foi palco de intensos conflitos entre trabalhadores rurais e latifundiários. Essas jornadas de luta ficaram conhecidas com o nome de ‘La Boje’.47 Seus pais chamavam-se: Valentino e Teresa Caleani, e ao que tudo indica, eram também vinculados às lides agrícolas. Casaram-se em Montecchio Maggiore, precisamente no dia 13 de abril de 1861 e aí tiveram os dois primeiros filhos: Giuseppe Francesco (1870); e Domenico (1872). Dois anos depois já se encontravam em Arzignano, ainda na província de Vicenza, 6 km. ao norte de Montecchio Maggiore. Na nova morada, nasceu Teresa, em 19 de junho de 1874. Mais dois anos e todos estavam-se transferindo para Schio. Em 2 de junho de 1882 entravam na ‘Manchester d’Italia’.48 45 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 427 E – Martinuzzi, Luigi. 46 Cf. HP: comune.montecchio-maggiore.vi.it/prima.htm: un po’ di storia, 1998. 47 La Boje: expressão em língua vêneta que significa: '(a caldeira) está fervendo', usada pelos camponeses da região do Polesine

para avisarem-se mutuamente no momento da deflagrarão da greve, que correspondia à abertura dos diques que controlavam e estancavam a água necessária aos arrozais, danificando-os. Os trabalhadores sussurravam o que correspondia a uma ‘palavra de ordem’: La boje, la boje, e deboto la va de fora. Cf. ALVIM, Zuleika M. F. op. cit., p. 130.

48 Sobre esse fluxo migratório, assim escreve o historiador escledense Simini: Questa nuova corrente di immigrazione si faceva assai sensibile nel decennio 1881-1891. Diverse centianaia di braccianti, contadini, piccoli agricoltori giungevano a Schio dal basso Vicentino, dal basso Veronese, dal Padovano. Specialmente dopo il 1884 arrivavano a Schio dopo aver vissuto le giornate de ‘la boje’, dopo aver perduto il lavoro, dopo aver conosciuto la dura repressione dei latifondisti e delle forze dell’ordine (...)

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Se não perdeu, inicialmente, um ou mais filhos, quando completava seus 34 anos, Domenico Frizzo casou-se, por volta de 1865, com uma mulher de sua terra, Maddalena Scaramuzza, de 23 anos, irmã de Antonio. O enlace aconteceu, certamente, em Montecchio Maggiore e aí tiveram, também eles, seus dois primeiros filhos: Emilio (1866); e Maria (1868). Quatro anos depois já se encontravam em Sarego, vilarejo ao Sul da província de Vicenza, onde se desencadeariam, alguns anos depois, os conflitos entre trabalhadores e proprietários, como já vimos, conhecidos como La Boje. Na nova morada, nasceram: Elisabetta (1872); Eugenio (1877); Felicità (1880); Ferdinando (1883); e Amabile (1885). Os Frizzo ficariam pouco em Sarego, pois logo a seguir, talvez um ou dois anos depois, mudaram-se para Cologna, terra de Catterina, mulher de Antonio Scaramuzza, que nesse momento já se encontrava com a família em Schio. É muito provável que a família Frizzo tenha engrossado a massa de trabalhadores rurais assalariados, conhecidos como ‘braccianti’ que, em busca de trabalho, vagavam pela planície do Pó, de latifúndio em latifúndio, sem paradeiro definitivo e vivendo sob as mais ignóbeis condições. Contratavam com seus patrões, ou intermediários, muitas vezes de forma verbal, por empreita anual, sazonal ou mesmo diária, nos moldes de nosso “trabalhador rural volante”. Os Frizzos não suportaram viver mais nessas condições e, em novembro de 1888, optaram pela saída radical: emigrar para São Paulo. Como tantos outros, tomaram a estrada para Gênova. Todos viajaram sob patrocínio da “Sociedade Protetora da Imigração”, entretanto, o nome do vapor que os trouxe permanece ignorado. Ele atracou no porto de Santos em 15 de dezembro de 1888 e a família deu entrada na Hospedaria naquele mesmo dia. Devido a sua origem rural, os Frizzos seguramente não devem ter permanecido na cidade de São Paulo.49 Quanto aos Scaramuzza, durante os nove anos que permaneceriam em Schio, passaram por duas moradias diferentes: a primeira, na Via Corobbo, área central da cidade, de habitações operárias antigas; e a segunda, na Via Soggioli, a Leste do centro, um lugar mais afastado, próximo à zona rural. A família inteira partiu de Schio, em 10 de maio de 1891. Viajaram com o vapor ‘Caffaro’ e chegaram mais de um mês após, isto é, no dia 11 de junho e desembarcaram no porto de Santos. Eles também entraram na Hospedaria no mesmo dia do desembarque e encontraram colocação na cidade de São Paulo. Dos Frizzos, não se há muita coisa. Ë ainda uma incógnita onde passaram os primeiros cinco anos no Estado. Um acontecimento, todavia, iria produzir um novo vínculo entre os laços já que uniam as duas famílias. Já dissemos que em 11 de junho de 1891, chegaram os Scaramuzzas e que estes acabaram por se fixar na Capital. Devido ao parentesco, as duas famílias mantiveram contatos estreitos entre si, tanto que, em 1892, os Scaramuzzas e os Frizzos, que já deviam ter se transferido para a cidade de São Paulo, estavam celebrando juntos, em 8 de outubro do mesmo ano, o casamento de Emilio, aos 26 anos, filho mais velho dos Frizzos, com sua prima Teresa, a terceira dos Scaramuzzas, aos 18 anos. Mais uma família que passou por Schio se formava, agora em terras paulistas. Os Scaramuzzas, por sua vez, permaneceriam apenas mais dois anos em São Paulo. 22..22.. OOss iimmiiggrraanntteess ddee SScchhiioo nnoo BBrrááss Das famílias e avulsos que se fixaram na cidade de São Paulo, 8 (28 pessoas) foram localizadas, graças aos registros contidos nos arquivos necrológicos do Cemitério do Brás, habitando esse Bairro, entre 1891 e 1895. Sua presença coletiva atesta para a existência de um destino articulado entre os que abandonaram juntos as condições de vida e trabalho proporcionadas pela indústria têxtil escledense. Certamente, o que encontrariam não seria muito diferente do que já conheciam em terras italianas. Tateamos rudimentos em busca da construção

Ci sembra una conferma del tipo di immigrato che abbiamo tratteggiato, ovvero del contadino, del bracciante, del piccolo agricoltore che, rotti definitivamente tutti i legami col paese d’origine, è ben deciso a restare a Schio avendo come única altra alternativa l’espatrio. Ciò vale anche per gli immigrati dai Comuni del medio-alto Vicentino (bassanese, asiaghese, arzignanese, ecc.) SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio ... op. cit., p. 153.

49 Segundo as anotações da Lista de Bordo, Domenico, com 57 anos; Maddalena, com 46; Emilio; com 28; Maria; com 20; e Elisabetta, com 16, receberam cada um deles uma passagem inteira. Eugenio, com 11 anos e Felicità, com 8, receberam o correspondente a meia-passagem, enquanto, Ferdinando, com 5; e Amabile, com 3 anos, receberam somente o equivalente a um-quarto da passagem. MI: Lista de Bordo, doc. 28, navio ignorado, 1888. Cf. tb. MI: Livro de Registro no. 16, fls. 273.

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de contínuo que ligaria a ruptura anterior, em Schio, com a retomada futura, no Brás. Malgrado nos faltem informações detalhadas de como aconteceu esse movimento de inserção, procuraremos construir com os dados disponíveis as conexões desse trajeto sinuoso que percorreram. 2.2.1. A família Corà: da plana Thiene à várzea do Tamanduateí

Thiene fica aproximadamente 8 km. a Leste de Schio. A pequena cidade encontra-se já bem mais distante das montanhas e em plena planície. As atividades mais desenvolvidas naquela área foram a agricultura e o pastoreio. De lá chegaram os migrantes cujo sobrenome era Corrà, ou Corà. Entraram em Schio em 28 de fevereiro de 1873. Pertenciam a uma família numerosa. O ancião chamava-se Andrea, nascido nos idos de 1830 e cujos pais não se sabe o nome. Exercia em Schio a profissão mais comum na cidade: era operário têxtil. Assim também seu cunhado. Em tempos passados, provavelmente ainda em Thiene, casara-se com Catterina Vasoin e, antes de enviuvar-se dela, tiveram, sempre naquela cidade, três filhos: Giuseppe Pietro, nascido em 02 de janeiro de 1867; Andrea Valentino (1869); e Elisabetta Catterina (1872). Os filhos não tinham profissão declarada, mas não há como esconder que se originavam todos de família operária. Em Schio, moraram em três endereços diferentes: Via Pergole,50 Codalunga e Viale del Castello51. Esta última ficava exatamente nas cercanias da praça central, em frente à matriz de São Pedro, área urbana muito antiga e local de diversas moradias operárias.

Giuseppe Pietro casou-se, em 22 de novembro de 1890, com Anna Maria Dall'Amico,

filha de Girolamo e de Maria Zanrosso, nascida no vizinho município de Santorso e que acabara de completar seus 24 anos. Anna Maria entrou em Schio justamente na data do casamento e foi morar com o restante da família no Viale del Castello, no. 31. Andrea Vittorio havia-se casado dois anos antes, tinha-se mudado para a Via Soggioli, na periferia da cidade, e iria constituir uma grande família. Cinco meses depois do casamento do filho Giuseppe Pietro, a velha casa do Viale del Castello seria abandonada. Partiram todos rumo a São Paulo, no dia 15 de abril de 1891. Como a maioria, para chegar até Gênova, tomaram o trem que os levaria a Vicenza, e desta até o porto, passando por Milão. Depois da viagem cansativa, que os levava de um lado para o outro da planície do Pó, vinha a espera, que poderia demorar vários dias. Embarcaram no vapor ‘Da. di Genova’. Gastaram 39 dias da partida até a chegada no Rio de Janeiro. O desembarque do pai Andrea, de Giuseppe Pietro, de sua mulher Anna Maria e da irmã Elisabetta Catterina aconteceu no dia 24 de maio de 1891 e, de imediato, já tomaram o trem rumo a São Paulo, entrando ainda naquele dia na Hospedaria do Brás. Sabe-se que os Corà permaneceram na cidade de São Paulo e foram habitar o Bairro do Brás, chamado então de “bairro italiano” pela predominante presença de trabalhadores peninsulares naquela região paulistana. 2.2.2. Giuseppe Poli: o trentino que acabou morando no Brás Pieve di Tesino, como chamavam-na no século passado, era um vilarejo da província de Trento, situado numa altitude em torno de 800 m., nas encostas do Cimon Rava, considerada uma grande montanha entre as muitas que compõem os pré-Alpes italianos, cujo pico alcança 2434 metros. Cortando seu território está o Grigno que, nascendo nos lagos gelados de Costa Brunella e Cima d’Asta, a mais de dois mil metros, corre célere, transparente e crespado em seu leito estreito e pedregoso. A seu redor, cresce uma vegetação rica, circundada por bosques de pinheiros e castanheiros. Mais acima, espalham-se pela paisagem alpina imensos prados, onde os camponeses tinham o hábito de fazer pastar, durante as estações amenas, o gado bovino que lhe servia. Daí que a transumância tornara-se uma atividade permanente daquelas paragens idílicas. A posição geográfica de Pieve, se por um lado lhe dava esse cenário de beleza e

50 Hoje: Via Giuseppe Verdi. 51 Hoje: Via Castello.

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tranqüilidade, de outro, a tornara isolada e circunspecta em relação ao restante das povoações do Vale Sugana.

Giuseppe Poli, que se chamava também Antonio, deve ter experimentado bem, quando ainda criança e adolescente, a vida e os divertimentos campestres que lhe oferecia o ambiente natural. Seus pais tinham origens camponesas. Giacomo, o pai, era natural de Conco, no planalto dos Sette Comuni, na província de Vicenza, região agrícola e pastoril, de colonização germânica. Antonia Rossi, a mãe, era de Asiago, lugarejo que fica bem no centro do planalto, em cuja região se produz o famoso queijo homônimo. Casaram-se em meados da década de 1860, provavelmente nesse mesmo vilarejo. Entretanto, a vida da família foi marcada por uma verdadeira peregrinação que começou no torrão natal e terminaria em Vicenza, somente no final da primeira década deste século.

Logo no início do casamento o casal Poli se transferiu para Schiavon, uma minúscula

aldeia da província de Vicenza. Ali, nascem dois filhos: Giovanni Maria (1866); e Sabina (1869). A família, contudo, permanece em Schiavon somente até o início da década de 1870, depois muda-se para Pieve Tesino. Nesse local, nasceram outros quatro filhos: Giuseppe Antonio, futuro protagonista da travessia do Atlântico, aos 27 de agosto de 1872; Giuseppe Baldessar (1875); Cesare Giacomo (1878); e Maria Maddalena (1880).

Cerca de dez anos depois, transpondo as barreiras naturais que os separavam das outras

regiões vênetas, eis que a família Poli atravessa os umbrais da industrial Schio. Era 27 de maio de 1881, em plena primavera. Outra vez, repetia-se a interminável história: um grupo de trabalhadores rurais se transformava em classe proletária. Buscavam Schio para vender seu trabalho às tecelagens e indústrias locais, em troca de um mísero salário. A passagem não foi fácil: depois de muito procurar, encontraram na Via Porta di Sotto, a área de forte concentração operária da cidade, um lugar para morar. Enquanto estiveram em Schio, mudaram outra vez de casa, mas nunca mais saíram dessa rua. Ali, morreria o irmão mais velho, Giovanni Maria, com 19 anos, em agosto de 1885. Era solteiro, trabalhava e morava ainda com o restante da família. Enterrado, tornava-se um a menos a ajudar na manutenção da família. Nessa casa, nasceria a última filha do casal: Catterina, no dia 13 de setembro de 1888, que veio a falecer dois dias depois. Outra tragédia: três dias mais tarde, no mesmo local, faleceria também a mãe, Antonia, aos 45 anos, provavelmente por complicações de parto, o que era muito comum entre as famílias de trabalhadores.

Se o pai transformara-se, por necessidade, em operário têxtil, é muito provável que

Giuseppe Antonio também o fizera. Com isso, sofreu todas as agruras das lutas que, no início da década de 90, estabeleceram-se entre os interesses do trabalho, de um lado, e do Capital, de outro. Sem muita escolha, o jovem operário resolveu emigrar.

Não havia completado 19 anos e ainda solteiro quando rumou para São Paulo. Viajou a

bordo do vapor ‘Attività’ e, diversamente dos anteriores, desembarcou no porto de Santos, no dia 28 de agosto de 1891. Deve ter dito na Hospedaria que era mais velho, pois foi aí registrado como se tivesse a idade de 21 anos. Permaneceu no Brás, onde se casou, teve filhos e, provavelmente, trabalhou como operário. Aí reconstituiu sua vida. 2.2.3. Mundos operários que se uniram: da Via Fusinieri à Visconde de Parnaíba

Giuseppe Tovaglia nasceu em Schio, no dia 9 de maio de 1861. Era filho de Antonio e de Teresa Bonato, gente que crescera trabalhando nas empresas industriais da cidade. Giuseppe, do ponto de vista profissional, seria registrado no Serviço Demográfico da Prefeitura local como exercendo a atividade de “bandaio”52. Não há notícia de que tenha chegado a trabalhar no lanifício. Era, entretanto, um operário. Um dia enamorou-se de Lucia Elisabetta. Nascida na

52 Bandaio (it.) = funileiro, lateiro.

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Capital provincial de Pádua, aos 26 de janeiro de 1858, era uma das filhas do casal Matteo Nalin e Luigia Michieli. Nessa cidade, casaram-se em 15 de janeiro de 1888, e, juntos, tiveram quatro filhos: Attilio, que nasceu em Schio, um ano depois, exatamente no dia 26 de janeiro de 1889; Carmela, que também nasceu aí, em 15 de junho de 1890, mas veio a falecer com apenas sete meses de idade, em 20 de janeiro do ano seguinte. Apesar da morte da primeira filha, o casal teria sua segunda filha, em 11 de Outubro de 1891, e lhe daria o mesmo nome da anterior falecida: Carmela, como era costume entre os vênetos de então. A família morou, entre 1888 e 1893, em dois endereços distintos: na Via Pilastro,53 ruela que continua a Via San Gaetano, nas zona da Porta di Sotto, bairro, como já vimos, de profunda tradição operária; e na Via Fusinieri, no conjunto habitacional Nuovo Quartiere Alessandro Rossi já aludido.

Giuseppe, com certeza, participara das agitações de fevereiro e, quando um dos

primeiros comboios seguiu o caminho da emigração, ele também partiria para São Paulo. Abandonou sua querida Schio em 31 de março de 1891, deixando para trás, naquele momento, também o restante da família.54

O interessante, contudo, é que a municipalidade registrou, no ano seguinte,

precisamente no dia 12 do mês de dezembro de 1892, o nascimento de outra filha do casal, por nome Antonietta. Não nascera em Schio, como os demais irmãos, mas em Pádua, a terra de sua mãe. O que intriga nesse caso, é que a menina nasceu um ano e nove meses depois que Giuseppe havia partido para São Paulo, e aí, ao que parece, permaneceria para sempre. Ou teria ele voltado à Itália, como muitos trabalhadores imigrantes o faziam? Seria Antonietta filha de um outro casal, parente por exemplo, adotada pela família de Giuseppe, procedimento muito usado antigamente, naquelas paragens? Essa dúvida ultrapassará o tempo. Giuseppe, entretanto, chegou a São Paulo, provavelmente, em abril seguinte, juntamente com os demais imigrantes ‘rebeldes’ do ‘Lanificio Rossi SpA’. Foi fixar-se imediatamente no bairro do Brás. Sua trajetória nos revela claramente que houve um percurso, transitado por muitos, durante a permanência dos imigrantes de Schio em São Paulo, que unia os bairros operários da ‘Manchester d’Italia’, como o que se situava em torno da Porta di Sotto, ao Brás, na Capital paulista. Assim, mesmo que não tenha sido identificado, oficialmente, como operário têxtil na terra natal, sua residência no Nuovo Quartier, sua vinda junto com outros proletários da referida empresa e sua opção justamente pelo Brás, denotam seus vínculos estreitos com o trabalho fabril.

O restante da família: a mulher, Lucia Elisabetta, e os três filhos: Attilio, Carmela e Antonietta partiram para o São Paulo, no início do ano de 1893. Assim como no caso do pai, a chegada dos demais dos Tovaglia não foi também registrada na Hospedaria dos Imigrantes. 2.2.4. A outra família Tovaglia que também imigrou Membro de outra família Tovaglia, o operário têxtil Pietro Nicola, era filho de Antonio e de Teresa Filippi. Malgrado o sobrenome de sua mãe seja diferente da de Giuseppe, da família anterior, os dois tinham elos de parentesco: irmãos de mães diferentes ou primos, pois ambos haviam residido na mesma Via Pilastro, na casa de no. 200, antes de deixarem Schio.

Pietro havia nascido, como tantos outros trabalhadores da empresa rossiana, em Schio, dia 5 de dezembro de 1864, no final do outono europeu. Com 23 anos, casou-se com Maria Zaltron, nascida em Marano, município circunvizinho, aos 27 de novembro de 1867, filha de Santo com Angela Garesio. Desde o matrimônio, realizado em 24 de julho de 1887, o casal morou na região fortemente habitada pelo proletariado escledense, como já citamos, nas

53 Hoje: Vicolo Pilastro. 54 UACS: Registro di Popolazione, Foglio di Famiglia no. 865 – Giuseppe Tovaglia. Cf. VERONA, Antonio Folquito Relatório

Final das pesquisas desenvolvidas no período de 12.08.89 a 12.08.92. Assis, UNESP-DLM, vol. II, 1992, pp. 234-235. Família 112.

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cercanias da Via Porta di Sotto. Operário têxtil, como o restante de seus parentes, Pietro Nicola assim fora registrado pelo Serviço Demográfico do município. O casal Tovaglia teve, enquanto estava em Schio, apenas duas filhas: Giuseppina, nascida aos 13 de abril de 1888, e que morreu logo após o parto; e, somente quase dois anos depois, nasceria a outra filha: Erminia, no dia 10 de Fevereiro de 1890. Mas a vida dos Tovaglias lhes revelaria, ainda, muitos dissabores e sofrimentos. Schio deixaria logo de ser o paraíso da ‘paz social’ propugnada pela dinastia Rossi. A chegada dos trabalhadores ‘estrangeiros’, isto é de outros municípios da província, ou de outras regiões do Vêneto, como da Planície do Pó, onde se desenrolou o movimento ‘La Boje’, já referido, havia instaurado uma nova forma de relação capital-trabalho nas paragens do Léogra.55 Diante do quadro de tensões, principalmente depois da eclosão da paralisação grevista do início de 1891, Pietro, operário, como os demais, teve que seguir o mesmo caminho: a emigração. Ele e a mulher deixaram Schio rumo a São Paulo, em maio daquele ano. Não puderam, contudo, carregar consigo a única filha. Tiveram que deixá-la com uma das avós. Os registros de Schio desconhecem o paradeiro da menina, por nome Erminia. Um agente do serviço público municipal encarregado do recenseamento colocou, na frente de seu nome, um ponto de interrogação alguns anos depois, demonstrando ignorar completamente seu paradeiro. Pietro e Maria fizeram, como tantos outros, por alguns dias o ‘caminho das pedras’, de Schio a Gênova. Aí tomaram o vapor “Vo. Florio” e, um mês depois, estavam desembarcando em Santos. Deram entrada na Hospedaria no dia 12 de junho de 1891. 2.2.5. A indelével entrada do Brás na vida dos Vicentin’s

As duas famílias Vicentin’s que vieram para o Brás, eram originárias do município de Vicenza. Ao todo eram 8 pessoas. O avô, que nascera aos 13 de julho de 1846, na Capital provincial, chamava-se Girolamo. Seus pais eram Angelo e Catterina Zangiacomi. É bem provável que a profissão de sapateiro tenha herdado do pai. Casou-se, ainda em Vicenza, em 13 de agosto de 1866, com Maria Meneghetti, nascida aos 5 de novembro de 1862, em Galliera, vilarejo da província de Pádua. Era filha de Antonio e Maria Carolin. Tiveram quatro filhos nascidos no município de Vicenza: Antonio (1867), Amalia (1868), Angelo (1878) e Palmira (1881). O apelo de Schio, entretanto, faria eco na família Vicentin e esta, em busca de trabalho e salário seguro, deu entrada nessa cidade, exatamente no dia 10 de maio de 1882.

A vida que levavam, com certeza, não desfrutava de condições satisfatórias. Passaram a

ser operários e, com isso, sofreram as agruras da crise social que a cidade vivia, afetando diretamente seus trabalhadores. O salário médio, nesse ano, pago pelo “Lanificio Rossi SpA.”’, o maior empregador local, segundo dados colhidos na Seção da mesma empresa, em Piovene, município vizinho de Schio, era de Lit. 1,70 ao dia.56 Fazendo uma média dos preços dos produtos alimentares básicos, entre 1884 e 1891, adquiridos pelos proletários daquela região, chegaremos às seguintes cifras: farinha, Lit. 0,39 ao kg.; milho, Lit. 0,27 ao kg.; pão, Lit. 0,40 kg. e vinho, Lit. 0,48 ao litro. Se somarmos uma quantidade de cada produto destes, certamente consumidos no decorrer de uma jornada de trabalho árduo, veremos que um operário gastava, somente para a própria alimentação diária, algo em torno de Lit. 1,54. Sobravam, portanto, Lit. 0,16 para alimentar os que em sua família não estavam empregados, o aluguel e os demais produtos de consumo doméstico. Com isso, o atendimento às outras necessidades se fazia através da redução drástica do consumo alimentar. Daí que grassavam entre os trabalhadores de Schio doenças decorrentes da carência alimentar e, muitas vezes, agravadas com as de natureza contagiosa. Dois anos: 1883 e 1884 marcaram, em Schio, a elevação da incidência na causa mortis, no primeiro período, de doença associada à carência alimentar, quando, então, 15 % do

55 Riacho que corta Schio. 56 Lit. = Lira italiana, a moeda nacional da Itália.

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total de falecimentos foram provocados pela pelagra57; e, no período seguinte, com o aumento dos casos de tuberculose, cerca de 28,5 % dos mortos haviam sido por ela vitimados.58

O casal teve, em Schio, seu último filho na Itália. Deu-lhe, então, o nome de Romeo,

que nasceu em 20 de outubro de 1882. Entretanto, um acontecimento abalou profundamente os Vicentin’s três anos depois quando o garoto, prematuramente, veio a falecer. No dia 6 de fevereiro de 1890, porém a família festejou o casamento do filho mais velho Antonio, com uma moça ‘estrangeira’ por nome Artemisia Incerti, filha de Angelo e Beatrice Cazzolini e nascida aos 24 de setembro de 1863, em Modena, uma das capitais provinciais da região Emilia-Romagna. O novo casal foi morar com os pais de Antonio, em Schio. Aí teve seu primeiro filho, cujo nome que lhe foi dado era o mesmo do tio falecido, Romeo, que nasceu no dia 13 de março de 1891.

Uma semana depois do nascimento de Romeo, as duas famílias Vicentin’s partiram para

São Paulo. Junto com a família de Antonio, seguiu uma menina, de nome Felicità, então, com 7 anos, cuja identidade não aparece nos registros demográficos de Schio. Há três hipóteses possíveis para essa lacuna: 1) que fosse membro da família não inscrita nos controles municipais; 2) que, parente, tenha sido integrada ao grupo antes da saída; ou 3) que, estranha à família, tenha se agregado aos Vicentin’s às vésperas da viagem ou durante o percurso. As companhias não aceitavam crianças desacompanhadas. Elas deviam estar integradas a algum grupo de parentesco. Por isso, cremos que a segunda hipótese parece ser a mais plausível, inclusive porque seu nome constou, com certeza, do passaporte coletivo fornecido, na época, pelo “prefetto”59 de Vicenza aos operários de Schio interessados na emigração. As duas famílias que deixaram essa cidade em 21 de março, devem ter permanecido à espera de embarcação no porto de Gênova e viajado somente em abril, com o vapor “Regina Margherita” que os desembarcou, no porto do Rio de Janeiro, juntamente com o maior contingente de operários de Schio que se dirigiu para São Paulo, no dia 13 de maio de 1891. Após a breve passagem pela Hospedaria, os Vicentin’s fixaram residência no Brás. Vemo-los habitar suas casas, trabalhar suas indústrias e circular por suas ruas. Aí construíram seu espaço. 2.2.6. Uma família numerosa entre os operários

Os Zambelli’s formavam uma família numerosa do município de Bolonha, capital da Emilia-Romagna. Essa região, até sua integração ao reino italiano, pertencera aos domínios papais. Nos dias 11 e 12 de março de 1860 os eleitores foram chamados a um plebiscito para decidir se queriam a permanência da região sob o controle da Igreja ou se a mesma deveria fazer parte do Reino do Piemonte. Venceu estrondosamente a segunda alternativa. Entretanto, os resquícios da dominação romana na região, desde o século VIII, provocaram na população local, em especial nas classes trabalhadoras, um sentimento disseminado de aversão à religião oficial, o que levou a propaganda e a agitação socialista a sempre terem aí grande ressonância.60 57 “pelagra: (...) Síndrome clínico que se manifiesta en la piel, el tracto digestivo y el sistema nervioso; se debe a una deficiencia de

vitamina PP cuya administración reduce o elimina la mayoria de los síntomas. Se caracteriza por eritema y edema recurrentes en las porciones del cuerpo expuestas a la luz y por la consecutiva exfoliación, atrofia y pigmentación de la piel. Produce decaimiento y debilidad, trastornos digestivos (diarrea, ardor gástrico, anorexia), dolor espinal, convulsiones, calambres y síndromes psiquiátricos en casos más graves; d. t. enfermedad de Saint Amán o de Strachan, escorbuto alpino o de los Alpes, lepra asturiana, italiana o de Lombardia, ma de la rosa. DICCIONARIO DE CIENCIAS MÉDICAS DORLAND. Buenos Aires, Libraria “El Ateneo” Editorial, Versión y adaptación de la XXIV Ed. Ingresa, 1966, p. 1072.

58 SIMINI, Ezio Maria Storie e storia (1873-1918) op. cit., pp. 160-161. 59 Prefetto = na Itália, é o representante do Estado nacional em cada uma das 95 províncias do país. Seu cargo é de confiança,

nomeado pelo governo central, portanto não elegível, e suas funções são de natureza executiva. No século passado, a ‘prefettura’ de Vicenza era responsável pela confecção dos passaportes aos que viajavam para o estrangeiro. Hoje, essa função é de competência municipal. Não se deve confundir, como é muito comum, o termo ‘prefetto’ com ‘prefeito’, em português, que, por sua vez, tem o mesmo significado que ‘sindaco’, em italiano. “Prefettura”, na Itália, é uma instância representativa do governo nacional nas províncias.

60 Por um lado, as populações da Emilia-Romagna foram secularmente submetidas a uma política fiscal escorchante por parte da Santa Sé, e, por outro, quando a chamada ‘questão social’ passou a produzir impacto com o processo de urbanização e industrialização dessas regiões, o papado manifestou-se a favor dos interesses dominantes. Daí o surgimento de uma classe

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O pai, Giuseppe, era filho de Angelo e de Rosa Pizzoli e aí nascera aos 07 de março de

1844. Antes dos 28 anos, transferiu-se de Bolonha para Schio, quando veio a se casar nessa cidade, no dia 20 de dezembro de 1871. Registrou-se no município como sapateiro e, naquele período, estava residindo no começo do Corso Garibaldi,61 bem próximo à, então, Via Palestro, caminho que levava os operários diretamente à Fabbrica Alta.

Sua esposa chamava-se Adalgisa Ronda, era nascida em Schio, aos 17 de outubro de

1848, e filha de Luigi e de Catterina Chimmenti. Para a municipalidade, ela declarara-se artesã. Juntos moraram em vários endereços, sendo que o último foi a Via Palestro, no. 435. Tiveram nove filhos, todos nascidos em Schio. Foram eles: Ernesta (1872); Angelo (1873); Ernestina (1875); Elvira (1877); Cesare (1879); Giovanni (1882); Elvira (1885); Marcellina (1887); e Angelo (1889).

A prodigalidade dos filhos, nas condições precárias de vida e trabalho do proletariado

de Schio, já descritas, lhes traria também seu reverso. Dos nove, cinco deles morreram em tenra idade: Ernesta, em 1874, com 2 anos de vida; o primeiro Angelo, no mesmo dia que a irmã, aos 9 meses; a primeira Elvira, em 1881, com 4 anos; a segunda Elvira, em 17 de julho de 1887, com 2 anos e meio; e Marcellina, uma semana depois da última irmã, com apenas uma semana de vida.62

Além do endereço já mencionado, os Zambelli’s foram morar em mais quatro casas em

Schio, nos vinte anos que permaneceram na cidade. Passaram duas vezes pela Via Palestro e duas vezes pela Porta di Sotto. Esses percursos demonstram que não mudaram de condição ao longo de sua vida familiar. Como todos os demais, Schio era para eles o lugar onde poderiam estar ao abrigo da miséria rural. Ledo engano! A realidade mostraria que mesmo os salários – presumível garantia de ganho mensal – poderiam ser achatados. E foi o que aconteceu! Saíram de Schio no grande comboio de abril de 1891. Tomaram, em Gênova, junto com tantos outros conhecidos e companheiros de luta, o vapor "Regina Margherita". Desembarcaram no porto denominado ‘Pinheiro’, no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1891.63

Entraram na Hospedaria e fixaram-se no Brás, como os demais operários.

2.2.7. Dos Zanella’s, só pai e filha emigraram de Schio

A família Zanella64 era originária do município de Schio. O pai, Giovanni, filho de

Luigi e de Catterina Fusin, nasceu nessa cidade, aos 16 de julho de 1842. Sua profissão: operário têxtil. Casou-se faltando alguns dias para completar 35 anos com Carolina Marchioro, nascida em Thiene, aos 05 de junho de 1845. Do casamento acontecido em 07 de junho de 1877, nasceram cinco filhos. Catterina Lucia, de 11 de maio de 1879; e Luigia, de 13 de março de 1882, foram as únicas sobreviventes. Um deles morreu adolescente: com 13 anos, em 1882; e outro ainda criança com um ano e sete meses de vida, em 1886.

Os Zanella’s, ao longo de sua existência em Schio, moraram em vários endereços:

começaram pela casa na Via Palestro, passaram depois para o Viale del Castello, seguindo para a Porta di Sotto e, por último foram residir na Via Soggioli.65 Em suma, esse percurso poderia ser caracterizado pela gravitação da família em torno das áreas operárias e por fim um distanciamento dessas áreas centrais, provavelmente, para diminuir as despesas com o aluguel. Giovanni, se não se envolveu diretamente nos acontecimentos de fevereiro, dele sofreu as

trabalhadora radicalmente contrária à atuação da Igreja. Nas eleições as que nos referimos, a Santa Sé sofreu uma estrondosa derrota, perdendo com 1.056 votos contra os 462.000 dados à anexação à recém unificada Itália.

61 Hoje: Via Giuseppe Garibaldi. 62 Vê-se aqui, novamente, o caso da repetição dos nomes das crianças falecidas em recém-nascidos. 63 IM: Livro de Registros no. 25, pg. 210. 64 Ibidem, Família no. 55, p. 251. 65 Hoje: Via Don F. Faccin.

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conseqüências pois, sendo operário empregado, largou tudo e seguiu para São Paulo. Partiram ele, com 48 anos, e a filha Luigia, com apenas 9, no dia 2 de abril de 1891. Não há qualquer registro da trajetória empreendida por eles de Schio até São Paulo, nem há qualquer informação sobre sua passagem ou não pela Hospedaria dos Imigrantes, e nem mesmo sobre o destino que poderiam ter tomado. Pela data precisa da saída da Itália, é possível deduzir que tenham viajado na multidão que lotou o vapor ‘Regina Margherita’ e que, por isso, tenham também desembarcado no Rio de Janeiro, em 13 de maio seguinte. A mulher e os demais filhos permaneceram na Itália.