lágrimas de anjo

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L ÁGRIMAS DE A NJO MARCOS ALEXANDRE QUANDO FALTA ATÉ OS ANJOS PODEM CAIR...

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This is a romance of spirituallity, filosophy and others matters... Read, please, and enjoy...

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Page 1: Lágrimas de Anjo

Marcos Alexandre

LÁGRIMASDE ANJO

M ARCOS ALEXANDRE

QUANDO FALTA FÉ ATÉ OS ANJOS PODEM CAIR...

Page 2: Lágrimas de Anjo

Lágrimas de Anjo

M ARCOSALEXANDRE

LÁGRIMASDE ANJO

Pensei em fugir,mas uma legiãojá havia me

cercado. Um entreincontáveis caídos.‘O que vai fazer?O que quer de mim?’gritava, já desesperado,enquanto incontáveismãos me agarravam.Aproximando-secuidadosamente,o Primeiro Entre osCaídos encostou seuslábios em meu ouvidoe sussurou: ‘Eu querosuas asas!’ O pânicoe o horror meinundaram e, num marde vertigem, ouvi aordem: ‘Arranquem !!!’”

é roteirista eapresentador deprogramas de TV,professor, escritor,

compositor e

QUANDO FALTA FÉ ATÉ OS ANJOS PODEM CAIR...

acumula mais de 10 anos deexperiências vividas nas redaçõesde grandes jornais e assessorias de

imprensa como repórter e editor-chefe.Leitor voraz e orador apaixonado, seus

textos, apresentações e palestrasentusiasmam graças ao uso de uma

técnica moderna, que adapta elementoseruditos à linguagem popular para

transmitir conhecimentos edesmistificar, com muito bom-humor,

conceitos e temas complexos,polêmicos, mas sempre atuais,como fé, religião, sentimentos

e comportamentos sociais.

Page 3: Lágrimas de Anjo

Marcos Alexandre

LÁGRIMASDE ANJO

QUANDO FALTA FÉ ATÉ OS ANJOS PODEM CAIR...

MARCOS ALEXANDRE

Editora Questão

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Lágrimas de Anjo

Agradecimentos:

Ao Deus únicoA Cristo Jesus

Ao Espírito ConsoladorÀ minha esposa Rosely e aos meus filhos Suellen,

Alexia Morgana e Marcos FilhoAos meus pais, minha família e

A todos que me incentivaram a continuar meu trabalho

Capa:MAX - Marcos Alexandre- Consultoria em ComunicaçãoFoto do autor: Jovino - Ilustrações: Marcos Alexandre

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pesso-as vivas ou mortas, locais, situações e instituições

é mera coincidência

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução,

por qualquer meio conhecido ou a ser desenvolvidosem a prévia autorização do autor,

exceto para fins de divulgação, desde que citada a fonte.

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Marcos Alexandre

Lágrimas do Anjo é um livro despretencioso,que não tem como objetivo provar ou negara existência dos entes sobrenaturais conhe-

cidos como “anjos”. No entanto, o livro é uma ficção romance-ada baseada em fatos reais, descritos e narrados por pessoasque estiveram direta ou indiretamente envolvidas nos aconteci-mentos.

O livro é uma metáfora, uma parábola, um mosaico,no qual um homem comum se vê diante do sobrenatural e umente sobrenatural, por sua vez, redescobre a grandeza contidaem partilhar do destino da humanidade.

Apesar de falar sobre “Deus”, “anjos”, “demônios”,o livro não é recomendado a “carolas”, religiosos fanáticos erançosos, fariseus encruados e falsos moralistas. Até porqueum dos principais personagens fala palavrões, (dane-se que sejapoliticamente incorreto) bebe, fuma e não tem pudores emmostrar seus defeitos. É um homem que tem, ao menos, umagrande qualidade: é autêntico.

Prólogo

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Lágrimas de Anjo

O anjo, por sua vez, desmitifica a imagem criadapelos poetas, sábios e pseudo-angelólogos. É um anjo verda-deiro? Ora quem viu, ouviu ou falou com um anjo? Eu? Você?Eles? Julgue como achar melhor, caro leitor. Mas seja condes-cendente. Com o escritor, com o anjo, e comigo, o autor. Leia,aprenda e retenha o que julgar bom.

Caso não concorde com as colocações dos perso-nagens, pegue a caneta e escreva a sua versão. O mundo aindaaguarda o surgimento de um novo Shakespeare, outro Balzac...e ele pode ser você.

Boa leitura.

Marcos Alexandre de Lima Oliveira

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Marcos Alexandre

Considerações

“As crianças, quando morrem até os sete anos deidade (inocentes) transformam-se em anjos”

Crença popular

“Crianças, quando morrem, não se transformamem anjos. Tornam-se demônios quando crescem, dependendodo exemplo dos pais”

Prior Augustini Dominic Frazzelli

“Nós não acreditamos em anjos. Nós não acredi-tamos em demônios. Nós acreditamos na natureza humana”

Trecho da profissão de fé dos membros daIgreja do Sangue Púrpura (The Purple Blood Church -Wisconsin - USA - Tradução livre de Iesion Nascimento)

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Lágrimas de Anjo

“Quem pode provar que já viu, ouviu ou falou comum, digamos, anjo? Tudo isso não passa de especulação,charlatanismo, mistificação”

César Moraes Cardoso - sociólogo

“Quando se acende uma vela (branca) para oanjo da guarda, não se deve esquecer de colocá-la em umlocal mais alto que a pessoa que oferece a vela. Isso é paraque a proteção comece de cima para baixo, da cabeça para ocorpo. Também não se deve acender duas velas, para doisanjos da guarda diferentes. Um vai disputar a luz do outro.Ou seja, se uma mulher e um homem acendem suas velas,lado a lado, a proteção de um pode ser “roubada” pelo outroanjo, já que existem anjos com poderes e característicasdiferentes.”

Marinho de Omulu - babalorixá do terreiroSete Flechas - Salvador - Bahia - Brasil

“Mercúrio ou Hermes Trimegisto, na mitologiagreco-romana, poderia ser considerado um arquétipo legítimoda figura clássica do anjo. Partindo do princípio que o anjo éum mensageiro do Deus dos cristãos (e dos judeus também) eHermes era o mensageiro dos deuses pagãos, as duas figuraspodem ser colocadas lado a lado, pelo menos em termoscomparativamente mitológicos.”

Dr. Phillip Worms - PhD em História Antiga eMedieval - Oxford - (Tradução de Elias Vieira - EditoraCentury)

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“Gostaria de matar um anjo, se é que isso existe.Seria um prazer arrancar pena por pena aquelas asinhas,ouvir os gritos de um pulhinha daqueles e brincar com suastripas, só pra ver se são parecidas com as entranhas huma-nas. Pena que dizem que eles não têm sexo. É que a diversãosó fica completa com um bom estupro”

Willian Moebs-Staller - prisioneiro no CentroCorrecional Estadual de Yorkshire - Inglaterra - UK.(Staller foi condenado a 162 anos de prisão pelo estuproe assassinato de oito mulheres, de 1972 a 1975. Asvítimas eram enterradas sob o assoalho de sua casa.Staller foi preso graças a uma denúncia, através de umtelefonema anônimo. O informante disse à polícia britâ-nica que era um “anjo”)

Extraído da Revista Crime & Castigo nº 65 -Editora Magnum - Rio de Janeiro - Brasil

“Considerando que Deus enviou Jesus para salvaros homens, e ao que tudo indica estes foram criados posteri-ormente aos anjos, que alternativas teriam sido oferecidasaos primeiros entes criados pelo Pai, quando esses se rebela-ram contra o Altíssimo?”

Reverendo James North - Igreja da GraçaSagrada (Holy Grace Church - Califórnia - USA) (Tradu-ção de Sandra Ramos)

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Lágrimas de Anjo

“Os anjos não tinham o direito de pecar. Eramperfeitos. Conheciam a Deus face a face. Já o homem, mes-mo tendo sido criado “perfeito”, teve a “desvantagem” dereceber um corpo físico e a inocência. Dois fatores que talveztenham facilitado sua queda. Não que Deus tenha errado naCriação. Talvez fosse exatamente esse o Plano de Deus:Criação, Queda e Redenção.”

Nasra Najla Tabach - Estudiosa sobre osassuntos relacionados à angelologia. Muçulmana con-vertida ao cristianismo.

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Possessão

Ezequias gritava comoum porco e espumava como um cão

raivoso e dois diáconos tentavamsegurá-lo. Tentavam impedir que ba-tesse a cabeça nos bancos. O corpo,um pedaço de pau, parecia quebrar-sea cada espasmo. “Ele é-é meu !!! Ele émeu !!! Pelo amor de D...aaarrrrghhh!!! Me ajuda !!!! Me Ajuda!!!”. Eram duas pessoas, duas perso-nalidades distintas que lutavam paramanter o controle sobre aquele corpodebilitado. Se continuasse daquelejeito, Ezequias teria um ataque, umenfarte...

Assustados, alguns“irmãos”procuravam se afastar para o

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mais longe possível. O pastor da igreja, Geraldo, um rapazoteimberbe, na faixa dos trinta anos, aproximou-se e começou aordenar que o demônio saísse daquele corpo. Geraldo suavae manchas já apareciam em seu paletó, sob as axilas. Infeliz-mente, o que ou quem estivesse possuindo Ezequias, nãoestava disposto a obedecer a nenhuma ordem.

Deixei de lado minha posição como observador edecidi entrar no conflito. Procurei um canto da igreja, dobreios joelhos e fingi estar orando para que aquela pobre almafosse “libertada” de seu mal.

Contato. Como sempre, senti vontade de vomitar.Invadir a mente de um mortal fica mais doloroso a cadatentativa. Ás vezes, amaldiçôo este dom. Comecei a sentir ador de Ezequias aos poucos. Segundos depois, quase nãosuportava mais. As memórias dele passaram a ser minhas eeu vi a enrascada em que ele havia se metido.

Ezequias sempre fôra ambicioso. Até demais.Comerciante, dono de um pequeno mercadinho, decidiuprocurar “ajuda” no sobrenatural. Daí para as velas pretas,marafo e galinhas mortas foi um pulo. Meses mais tarde,havia adquirido uma pequena papelaria e cogitava expandirsua mercearia, construindo um grande supermercado no lugar.Mas ele queria mais.

Em uma das sessões de feitiçaria, invocou umaentidade que identificou-se como sendo o próprio Satã. Éóbvio que não era o Adversário, o Primeiro Entre os Caídos.Apenas um mequetrefe qualquer se passando por alguém maisimportante...

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Foi selado o pacto de sempre. Riqueza. Poder.Fama e fortuna em troca de uma simples alma, com a cláusulaespecial de que a de Ezequias seria requerida quando com-pletasse seu quadragésimo aniversário. Plano standart. Pare-cia aqueles planos de financiamento: “Compre agora e paguedepois. Com juros”. Agora, aquele demoniozinho resolveracobrar a dívida. Dentro de uma igreja evangélica e em plenoculto cristão. Que merda !!!

Até que Geraldo estava fazendo tudo direitinho.Ordenava “em nome de Jesus” que o demônio deixasse aque-le corpo, tinha verdadeira fé naquilo que pregava no púlpito,diante dos fiéis, mas desconhecia o pacto, e mais: que odemoniozinho não havia simplesmente “invadido” aquelecorpo. Fôra convidado a entrar. Achava que tinha “direitos” enão iria sair tão facilmente.

No plano físico, já havia se passado três horas.No culto, interrompido pela interferência demoníaca, resta-ram apenas uns dez ou doze fiéis orando, ajoelhados, pedin-do ajuda a Deus para aquela pobre alma, e os dois diáconos,além do pobre pastor Geraldo, pingando de suor e rouco,tentando conter os espasmos de Ezequias, insistindo emordenar que o demoniozinho saísse dele. Passando por umdos irmãos em oração, tentava descobrir a chave para oenigma: Por quê reclamar uma alma com tanta pressa, tantaurgência, e dentro de uma igreja, se expondo daquela forma?A resposta só poderia ser uma: Ezequias fôra até a igrejatentando anular o antigo pacto da única maneira possível :acertando um novo pacto. Desta vez, com Deus. Só parece

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que não houve tempo...Fiz minha mente retornar ao plano físico e me

aproximei de Ezequias, que começara a urinar e defecar nascalças. Já revirava os olhos e balbuciava pedidos de socorrointercalados com os gritos de um possesso (Desculpem otrocadilho, mas não resisti...). Pastor Geraldo, ensopado emsuor, com o hálito azedo de tanto gritar, pediu-me que voltas-se ao meu lugar e continuasse em oração. “Esta casta dedemônios só sai com oração e jejum, meu irmão. Sente-se,volte a orar e nos ajude”, pediu, repetindo as palavras deJesus e tentando dissimular seu incontido nervosismo.

Li seu pensamento naquele instante: “Nunca de-morou tanto... nunca foi tão difícil... será que...” Ele começa-va a aproximar-se perigosamente do abismo da dúvida.Dispensei sua atenção, ignorei os gritos de Ezequias e per-guntei seco a um dos diáconos, a quem, no início do tumulto,chamaram de “irmão de sangue” do possuído: “QuandoEzequias nasceu?”. “Quando... ora... que pergunta !!!” res-pondeu, irritado e surpreso, sem tirar os olhos e as mãos doirmão possuído e espasmódico. Geraldo me ignorou, por suavez, e continuou a gritar com o demônio.

“Em que dia e a que horas ele nasceu?”, pergunteinovamente. “Não sei!!! Não sei, oras !!! Não vê que ele‘tá morrendo !?! Alguém chame uma ambulância, pelo amorde Deus !!! Ai, meu Deus... se eu soubesseque ia dar nissonão tinha convidado ele pro culto...”, dizia, desesperado.“Em que dia e horas ele nasceu ?!?”, insisti, deixando a

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delicadeza de lado, mesmo sob pena de comprometer meudisfarce, agarrando o pobre religioso pela gravata. “S-sei lá...minha mãe diz que ele foi o único dos nossos irmãos a nascerà noite... e-exatamente à meia-noite... de 30 de outubro”,respondeu, com os olhos arregalados. Olhei para o relógio.Faltavam dois minutos!

“Ezequias, olhe para mim!!!”, gritava com o mori-bundo. “Você perdeu, intrometido !!! Ele já é meu !!!”, elerespondeu, não ele, mas o demoniozinho dentro dele, fazendoquestão de rilhar os dentes e esbugalhar os olhos da vítima.Sempre o mesmo teatro. Na falta de argumentos convincentesou documentos de posse, os demônios querem ganhar tudo “àbase do grito”. Confiam demais em acordos verbais...

“Me ajuda !!! Me ajuda !!!”. Era Ezequias! Eleainda lutava para recuperar o controle. “Isso, lute com ele!Repita comigo: ‘Perdão, meu Deus...’”, insisti com ele. “Per-dão, meu D... aaarrrgh! Perdão, o cacete!Perdão...perdão...meu...D... Ele é meu !!! Você não vai tirá-lo de mim !!!”, dividia-se.

“Escute aqui, seu merda! Você fez uma tremendacagada e só um arrependimento sincero e verdadeiro podesalvar a sua pele. Se você não quiser apodrecer no inferno,crie coragem e peça perdão a Deus, reconheça que Jesus é oSenhor e creia que Ele pode, Ele quer e Ele vai te dar umanova chance. Entendeu, seu bosta ?!? Se não, cale essa bocae deixe logo o diabo levar o que você prometeu pra ele !!!”,vociferei.

Meu disfarce de “irmão” já tinha ido para o brejo,

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mesmo... “P-Perdão, meu Deus... Deus... eu reconheço queJesus é o Senhor e aaaa... Meu Deus! Eu quero, p-preciso deJesus como meu Salvador... a... amém...”, conseguiu balbuci-ar Ezequias. O grito do demoniozinho deve ter acordado todaa vizinhança. Ezequias escapara por pouco. Faltavam poucossegundos para que completasse quarenta anos. Era o ano, odia, a hora do pacto. Que não existia mais. Ele fizera umnovo pacto, que anulava o anterior. Aceitara a Jesus comoSenhor.

Na marra, mas aceitara. Quando a ambulânciachegou, o enfermeiro estranhou a comemoração e os gritosde “Aleluia”. “Ele morreu ?!?”, perguntou. “Não... ele nasceude novo. Afinal, vocês não dizem que a vida ‘começa aosquarenta’”?, respondi, saindo discretamente.

“O irmão volta no próximo domingo?”, perguntouo pastor Geraldo, fazendo-me olhar para trás. “Não, pastor.Tenho outros compromissos”, respondi, já na porta da igreja.

“Irmão, seu nome... como se chama, mesmo?”,perguntou, enquanto eu me afastava.

“Ariel... mas pode me chamar de amigo...”

(Extraído do diário do Prior Augustini DominicFrazzelli - a serviço santo do Vaticano no Brasil. Supõe-seque o caso tenha ocorrido em uma igreja protestante locali-zada na Zona Leste de São Paulo - SP - Brasil. Até o momen-to, não foi divulgada nota oficial da Santa Sé ou da Associa-ção Brasileira de Igrejas Protestantes sobre o assunto. Estudi-osos, no entanto, apresentam duas hipóteses: a primeira, deque o Prior Augustini Dominic Frazzelli pode ter descrito essa

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fantasiosa experiência sob a influência de remédios. A segun-da, defendida por alguns religiosos não-ortodoxos, é de queFrazzelli acreditava mesmo ser um anjo, ou como ele insi-nuou em seu diário, um “ex-anjo”. O paradeiro atual do PriorFrazzelli é desconhecido. “Ariel” é o nome de um dos anjoscitados pela Cabala Judaica) - História dos AcontecimentosInexplicáveis - Gérson Caruso - Editora Grion - 12ª edição)

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O que cê acha de“montar” uma igreja?!?

_Montar uma o quê ?!? _Uma igreja, cara. Uma igual

àquela que aparece na televisão..._E para quê? Você dizia

que não acreditava em mais nada...faltou dizer que era ateu...

_Ah, não, não sou ateu,não! Até porque “ateu”significa “contraDeus”. Como é que eu posso ser con-tra alguma coisa que não existe ?!?

_ Deus não existe? Bem, seEle não existe, pra quê “montar” umaigreja?

_Pra ganhar dinheiro, oras!E pr’eu não desperdiçar dois anos de

Igreja

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faculdade de Filosofia, morou? Une o útil ao agradável !_Você está falando sério? Isso me parece conver-

sa de botequim..._Tá certo que a gente tá num bar enchendo os

canecos de cerveja, mas eu tô são, cara. Muito do lúcido. Semuita gente entrou nessa e ficou rico, porque eu não posso?

_Creio que não é tão simples assim. Você estádistorcendo a situação...

_Distorcendo o cacete! O que é que se precisapra abrir uma igreja? Me diz, se você sabe, me diz...

_ Primeiramente, uma doutrina a ser seguida..._Taí...na minha igreja, o principal mandamento vai

ser: “É proibido proibir!”. As mulheres vão poder cortar oscabelos, usar calças compridas, brincos, maquiagem... oshomens vão poder usar barba, cabelo comprido, fumar ebeber cerveja...

_Isso não é doutrina - são costumes, regras mo-rais impostas pelos homens dentro de cada grupo social oureligioso. Não é apenas deixando de fazer qualquer dessascoisas que o homem ganha a salvação...

_Ah, você quer saber no que os meus fiéis vãoacreditar...

_É._Em Deus !!!_Qual “deus”?_Esse aí em que todas as igrejas dizem que acre-

ditam. Um “deus” que pode tudo, ouve tudo, mas que só faz

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Lágrimas de Anjo

o que lhe dá em sua santa telha. Afinal, se esse “deus” é tãobom, como dizem, porque é que eu tô nessa merda? Duro,desempregado e devendo até o fundo das calças?!?

_Eu deveria saber !?!_Ah, já saquei! Cê vai me dizer que “os desígnios

de Deus são insondáveis”, né?!?... toda aquela papagaiadaque a gente já anda cansado de escutar dos crentes... Porisso, é que eu vô montar uma igreja...Pelo menos vô ganhardinheiro com isso...

_Ganhar dinheiro ?!?_Lógico! Vô cobrar o dízimo. Dez por cento de

tudo que cê ganha. Recebeu o salário, ó: dá dez por centopra igreja. Pra minha igreja, porque só aqui o investimento égarantido.

_Como é ?!?_É. Na minha igreja vai ter a “Noite do Empresá-

rio Endividado”, “Corrente do Dinheiro às Pencas”, “Oraçãoé Dando que se Recebe” e brevemente, “Bolsa de AçõesSacras” e Fundo Santo de Commodities”...

_Você está louco! Quem será idiota a ponto defreqüentar a sua igreja ? Isso é extorsão, pura e simples !!!

_ Não, senhor, isso é fé! Desde que existemtrouxas no mundo, tem que ter gente pra explorá-los. Ouvocê devora ou é devorado.

_Deus..._Está falando com o representante dEle !!! Vou

até mudar meu nome para “Irmão Zé”. Soa bem, não acha?_E a sua igreja vai oferecer o quê, em troca de

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todo esse dinheiro dado pelos fiéis?_Felicidade, irmão, felicidade..._Felicidade ?!?_É... você vai saber que eu, quer dizer, a “Igreja

do Santo Zé”, (esse vai ser o nome) vamos utilizar seu dinhei-ro na obra de Deus!

_E que “obra” seria essa?_A construção de novas igrejas, irmão! Cê tá

descrente ou tá mangando de mim? Ora, cê já viu dinheirodado em igreja ser usado pra outra coisa? É tudo obra deDeus, irmão...

_Falando assim, o seu “deus” deve ser o padroei-ro das empreiteiras...

_Camarada... quer dizer, irmão (Camarada parececoisa de comunista, e comunista come criancinha e é dodiabo. Menos o Roberto Freire. Dele eu gosto)... os templossão pra propagar a mensagem de Deus !!!

_Hummm..._ É... e você vai ver a festa quando a gente colo-

car à disposição dos fiéis o “Sal Santo”, a “Água Importadado Rio Jordão”, a “Rosa Branca da Prosperidade”, “Pedaci-nhos da Cruz do Calvário”, “Folhas das Oliveiras do Montedas Oliveiras” e a “Arca Perdida Encontrada - TamanhoEconômico”.

_O quê !!??_ Cê é surdo, cara ?!? É, é isso aí! Por uma

singela contribuição você vai ter acesso a todo esse materialabençoado!

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_Isso está cheirando a charlatanismo..._ Blasfêmia, cara... blasfêmia. Cê tem que ter fé !_ E o seu culto, como vai ser?_Bom, pra começar, eu ponho o meu primo Jorge

pra conduzir os cânticos. Tudo bem moderninho, com rock,reggae e até samba. É moda, cara ! O João toca guitarra, oMarcelo, bateria, e o Gustavo fica no baixo. Minha cunhada,a Tânia, nos teclados. Primeiro, vêm uns hinos bem lentos,“espirituais”... depois, uns mais agitados. Quando os fiéisestiverem em “ponto de bala”, o Jorge entra com um hinobem meloso, bem apelativo. Quase romântico... Aí... tcham,tcham, tcham, tcham... eu entro em cena!

_Para fazer o quê?_Pregar, oras! Vou levar uma mensagem de uns

vinte minutos, o tempo certo pra captar a atenção de todomundo. Primeiro, digo que meu deus é bom, que ele se inte-ressa por todos os presentes, que todo mundo é pecador eque tão todos indo pro inferno. Aí, quando eles estiverembem baixo-astral, eu digo que eles podem ser salvos se acei-tarem a mensagem. Bingo! É só mandar eles se levantarem eirem pra frente do púlpito... Vô ganhar fiéis aos montes !!!

_Você não acha que isso está muito fácil? Não lheparece que falta algo?

_Ah, sim... também vamos ter umas sessões deexorcismo! Uma vez por semana, eu pego emprestado o Biju,aquele doidinho, que não bate bem da cabeça, e levo ele proculto. Quando eu der um grito na orelha dele, batata !!! Elecai duro no chão, começa a babar e tremer e eu grito pro

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Marcos Alexandre

Ananás..._Satanás..._Esse aí mesmo, sair do corpo dele. Pronto.

Impressiono todo mundo! O problema é que o Biju mija nascalças quando tem os ataques...

_Ainda não acredito que você esteja pensandonisso...

_Tô pensando e vou fazer... Imagina quandoconseguir lotar o Morumbi !!!

_ Quê ?!?_ Morumbi, cara, o do São Paulo. Vô fazer um

culto tão grande que vai lotar o Morumba. Aí, é só eu mandartodo mundo jogar dinheiro, muletas e óculos no gramado.

_O dinheiro, tudo bem, mas para quê as muletas eos óculos ?!?

_É prova de fé, cara, prova de fé !!! E depois, senenhum cegueta ou manquinho for curado, basta ele compraro acessório devidamente abençoado pela “Igreja do SantoZé”. Vai ser um sucesso !!!

_ Essa loucura não tem fim ?!?_Não, e vai ser transmitida em cadeia nacional de

rádio e TV._E como você pretende fazer isso?_Simples! Com o dinheiro arrecadado, eu vou

comprar a Globo!_A Globo?!?_É... e vai ser só a primeira. Depois eu vou com-

prar jornaizinhos como a “Folha do Estadão” e o “Populares

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Lágrimas de Anjo

em Notícias”. As emissoras de rádio vêm em seguida. Aí, ésó por no ar meu novo programa: “Vi Zé Vindo Aqui naHora” !

_E que tipo de programa seria esse?_ Ah, uma coisa inédita. É um programa de deba-

tes em que todo mundo que participa tem sua própria opi-nião, desde que concorde com as da “Igreja do Santo Zé”.Mas toma outra cerveja, cara. Ô Bernardo, traz mais umagelada aqui pro meu amigo...

_Não... já chega. Tenho outros compromissos..._Pô, cara, cê já vai ?!? Justo agora que me bateu

toda essa inspiração? Cê pode ter um cargo na minha igreja...menos de tesoureiro, porque essa vaga eu tenho que reservarpra um cara esperto como o Lalau...

_Obrigado, mas eu preciso ir. Mas antes, gostariade lembrá-lo de algumas palavras das Escrituras: “Ai daqueleque fizer tropeçar um só dos meus pequeninos. Melhor seriaque lhe atassem uma grande pedra ao pescoço e o atirassemao mar”. Pense bem nisso antes de “montar” a sua igreja...

_C-claro, cara, claro... mas pra quê essa cara tãoséria? Por quê cê já tá levantando? Cê nem me disse o seunome...

_ Meu nome não importa. Basta saber que serágrande a queda de Babilônia. E a espada de meus irmãosbebeu o sangue de muitos falsos profetas. Pense nisso... eespero que não nos encontremos novamente.

_ Ei, cara...ô...Já foi... Ô, Bernardo! Suspende

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aquela gelada e me dá uma dose dupla de conhaque... Derepente me deu uma tremenda dor-de-cabeça...

Texto baseado no depoimento de José GonçalvesVieira, proprietário do Bar Princesa, localizado na “Favela doGica”, próximo à Estação Ferroviária de Braz Cubas - Mogidas Cruzes - Interior de São Paulo - Brasil.

Após a divulgação do texto acima, membros deuma igreja sob a investigação da Receita Federal, do Con-gresso Nacional e na mira de vários órgãos de imprensa,publicaram nota pedindo esclarecimentos quanto às “insinua-ções” na suposta conversa mantida entre os protagonistasdesta história.

Grande parte da opinião pública e várias outrasentidades religiosas, muitas evangélicas ou protestantes,condenaram o gesto desses religiosos que, a seu ver, “vesti-ram a carapuça” e “amedrontaram-se” diante de um textoque, ao que tudo indica, não passa de ficção. Cotidiano -Caderno do Jornal Espaço Livre

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Vós, humanos, soiscontroversos.Talvez por isso o

Altíssimo tenha tanto interesse em vós.Para nós, anjos, o que não é virtude épecado. Vemos tudo em preto e bran-co. Como disse o Messias, “Quemcomigo não ajunta, espalha”.

Vós, humanos, sois hipócri-tas. Nasceis no pecado e achai-vosdignos de julgardes a vós mesmos, unsaos outros. Errais, mas não dais aosoutros, vossos semelhantes, o “direito”de também errar. Nos púlpitos, altares,lares, usais máscaras de virtude, vestiso manto dos santos. Longe de olhosestranhos, no entanto, vos consumis

Natureza Humana

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Marcos Alexandre

em desejos proibidos. A maioria deles, proibidos por vósmesmos.

Desejais realizar vossas fantasias e desistis defazê-lo porque temeis a condenação de vossa própria“sociedade”.Homens, vós, na frente da esposa, desviais osolhos de outras mulheres. Longe, assoviais e molestais aprimeira que vos passe pela frente.

Condenais as mães solteiras, e esqueceis as filhasque tendes em casa. Condenais o aborto, mas não hesitais empagar a um “açougueiro clandestino” para remover a “semen-te da vergonha” do ventre de uma das vossas. Proibis o usode meios científicos para evitar a gravidez, mas permitis quecasais despreparados encham o mundo de filhos. Dificultais ouso de técnicas alternativas para a concepção e condenaiscasais equilibrados a chegar à velhice sem filhos.

Dificultais a adoção e deixais pais sem filhos efilhos sem pais. Proibis o casamento a alguns, forçai o deoutros, destruí a felicidade de muitos, desamparando os quetêm dificuldades, mas querem permanecer juntos. Em todo otempo, tudo fazeis com dissimulação e vos refugiais em vos-sos lares, iludindo-vos com um falso senso moralista de que“tudo fazem pelo bem da comunidade”, quando, na verdade,sentem gozo em exercer poder sobre as vidas alheias.

Chamais de “desavergonhado” o casal que de-monstra seu afeto em público. No íntimo, gostaríeis de ter

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Lágrimas de Anjo

pelo menos uma noite de prazer com a companheira, ao invésde passardes a madrugada perdido em fantasias que nuncairão se realizar.

Tua mulher, aquela, pobre coitada, já há temposesqueceu o que é o prazer. Suporta tuas investidas, ó homem,como uma santa suportaria o martírio: resignada. Depois,reclamas que não és satisfeito. Não buscas o prazer da ama-da (se é que é amada). Buscas apenas o teu. E por isso, nadaencontras.

Tu, ó homem, crias as ferramentas que te ferem, ati próprio. Tua mulher é enclausurada no lar, acorrentada aosfilhos e esquecida. Quando a encontras desleixada, ao fim deum dia de trabalho, rodas nos calcanhares e vais aos bares,prostíbulos, buscar aquilo que não cultivas em casa: umamulher ardente.

Tu, mulher, és culpada também. Os maiores peca-dos cometidos contra ti são fruto de tua própria omissão.Não foste criada para ser superior ao homem, tampouco paraser inferior. Foste criada para ser igual ao homem.

Tu, mulher, te deixas dominar e torna-te um mane-quim ultrapassado. Nos templos, és forçada a cobrir-tecomo se fosse vergonhoso exibir tua beleza. Proíbem-te deusar maquiagem, perfumar-te, ornar-te com brincos, cortar oscabelos e usar outros mimos porque criaram padrões demoral nos quais tu és sempre o motivo de “perdição”. E o

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Marcos Alexandre

pior: tu acreditas nisso !!!Tu, mulher, não és a pedra de tropeço. A pedra

de tropeço é a malícia dos que vêem pecado em cada olhar,nas vestimentas, em tudo.

Homem maligno. Tu participas de entidades filan-trópicas, mas buscas prazer explorando menores nosprostíbulos. Pregas a moralidade e acabas-te em orgias.

Homem perverso. Não te satisfazes com o lucroabusivo que obténs em teu comércio e ainda reduzes o saláriode teus trabalhadores, que são a base de tua fortuna.

Homem sádico. Usas teu poder para constranger,seduzir e abusar as mulheres que te rodeiam. Seria oportunoque fosses violado por marginais numa noite qualquer. Talvezassim soubesses o que uma de suas vítimas sente.

Homem mesquinho. Seu veículo não é uma máqui-na utilizada para chegar a algum lugar. É um meio de mostra-res aonde chegastes.

Homem insaciável. Deixas o mato crescer em tuasterras improdutivas enquanto famílias morrem de fome.

Homem estulto. Deixas morrer de fome os mes-tres, os médicos, os responsáveis pela limpeza pública, ostrabalhadores braçais que te servem, as mentes brilhantes quesaem das universidades de tua nação e permites ahipervalorização dos rendimentos de “celebridades”, muitasdelas “fabricadas” por espertalhões.

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Lágrimas de Anjo

Homem pequeno. Pagas para conhecer a intimida-de de teu irmão. Ganhas para revelar a privacidade do teuigual.

Homem falso. Vendes tua honestidade por um parde chinelos. Ofereces apoio a um qualquer um em troca dedinheiro e depois ainda o chamas de corrupto. E tu?!?

Homem mentiroso. Prometes o que não podes, oque não queres e o que não pretendes fazer para conseguirdominar teu próximo.

Homem nefasto. Deixas teu irmão sofrer para riresde sua miséria e deleitar-te com a súplica de teu igual. Quan-do “socorres” teu irmão, o fazes apenas para passar-te por“benemerente” e receberes homenagens.Te satisfazes comisso, e depois, às escondidas, lanças no rosto de teu irmãocada migalha oferecida.

Homem hipócrita. Lanças fardos, que tu mesmonão suportas carregar, sobre as costas de teu irmão. Tensdois pesos e duas medidas para julgares. Caráter, necessida-de, talento, tudo isso é nada para ti. Dinheiro, aparência,vantagens... isso é o que te atrai e te motiva.

Homem mau. Deixas o órfão e a viúva sucumbiremà fome enquanto gastas ou permites que sejam desperdiçadasfortunas em armas de morte. Financias tuas guerras comsangue alheio. Mandas para morrer os filhos que não são osteus. E guerreias por tudo. Tens a ousadia de criar a “Guerra

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Santa”. Guerreias até em nome de Deus. Quando vences,“agradeces” ao Altíssimo por terdes conseguido matar teusirmãos. Quando perdes, O amaldiçoas.

Homem procastinador. Corrompes osensinamentos do Mestre distorcendo Suas palavras. Obténspoder e dinheiro ensinando mentiras e abusando da fé alheia.E não o fazes apenas com os ensinamentos do Filho doAltíssimo. Ensinamentos de Buda, Maomé, Confúcio,Prabhupada e outros tantos, também são distorcidos. Tudopara justificar tuas chacinas, animosidades, guerras, ódios emedos.

Pobre homem. Justo tu, que entre todos és, abai-xo de Deus, o rei da Criação. Conquistaste os animais, sub-jugando-os a todos. Domas a natureza a cada instante. Ven-ceste inimigos no microcosmo e avanças na cura de doençasas mais diversas. Tens inteligência tal que com ela conquistas-te o espaço. Daqui a pouco tempo, não me surpreendereicom colônias humanas na Lua, em Marte ou até em outrossistemas solares...

Conquistaste os mares e também não será novida-de cidades construídas sob o abismo. Prolongaste e prolon-gas a cada dia tua existência sobre a terra. Tuas obras teconferem a imortalidade. Teu potencial é infinito. Crias mara-vilhas, e assim, provas a todos os seres do universo que és aobra-prima do Criador. No entanto, com a mesma facilidade

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que crias, também destróis. A natureza, os animais, tudosofre com com a tua ignorância. Acorda, homem !!!

Acorda, desperta! Tu, e somente tu, tens as cha-ves da tua libertação, da verdadeira satisfação. Mira-te noespelho e reencontra-te. “Conhece-te a ti mesmo”, seguindoo conselho de um de teus sábios irmãos. E vê que apesar deseres um universo (cada ser é um universo), teu equilíbrio éfácil de alcançar. Basta buscar a simplicidade em cada coisa.

Para entender a complexidade da vida, a únicasaída é ser simples.

É mais simples conversar direto com o Altíssimo,em oração, que buscar auxílio de intermediários.

É mais simples aceitar o sacrifício e o exemplo doCristo que tentar justificar-se a si mesmo, através de penitên-cias.

É mais simples dar vazão aos instintos naturais devida (bondade, paz, alegria e outros), que ceder aos instintosde morte e destruição. (Pense: preparar e perpretar maldadesdá mais trabalho...)

É mais simples cuidar de teus próprios problemasque esquadrinhar os problemas alheios.

É mais simples amar sem reservas que construirbarreiras em nome da auto-proteção.

É mais simples trabalhar para obter sucesso queroer-se a vida inteira de inveja do sucesso alheio.

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É mais simples educar as crianças que punir osadultos mais tarde.

É mais simples buscar o fim da miséria que tentaresconder-se dos miseráveis.

É mais simples (e acredite, eu sei o que estouafirmando) ser humano que tentar ser um anjo... ou um demô-nio.

(Homilia preparada pelo Prior Augustini Dominic

Frazzelli - a serviço santo do Vaticano no Brasil. Uma cópia

deste texto foi obtida por um agente que investiga o desapa-

recimento do religioso. Se Frazzelli tinha ou não intenção de

divulgar esta estranha súmula moral, não se sabe. O texto

acima foi incluído neste livro por sugestão do autor, dada as

implicações de Frazelli no chamado “Caso do Anjo”. Nota do

Editor)

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Lágrimas de Anjo

Sombras

“Terceiro copo. Essetroço é horrível !!!.Aquele desgraçado

do Sérgio me enganou. É a segunda vezque ele me vende uísque vagabundo.Paraguai, com certeza. Merda!”, pra-guejei.

A frustração não se devia,sinceramente, à qualidade duvidosa douísque. A verdade é que eu estavasofrendo de um tipo de “bloqueioliterário”. Em uma das minhas últimasviagens em busca de inspiração - esobretudo, para desanuviar a mente, natentativa de esquecer minhas perdasrecentes -, ouvi a história triste de umfazendeiro, na realidade, um pecuarista,e a tragédia que se abateu sobre ele.

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Dedidido a esquecer minha própria tragédia eadministrar minha vida e carreira em ruínas, decidi transfor-mar em um livro a história do fazendeiro. Cheguei mesmo ame reconhecer, guardadas as devidas proporções, na figuraque perdera tanto que talvez nunca se recupere totalmente.Uma tragédia grega. Como a minha. No entanto, mesmo quetenha tentado ser prolixo e “encher linguiça” como manda o“manual”, já que muita gente compra livros pela “grossura” dalombada, para sair exibindo por aí que está “lendo um livro” -deviam vender a quilo... self-service... acerte o peso e pagueapenas metade... não dava... O sofrimento de algumas perso-nagens não me permitiu “esticar” a história como gostaria, ecomo deveria, para poder apresentar um “livro” para oJorge. Com toda a razão, ele até poderia gostar da história,mas iria mandar eu enfiar um “simples conto”, uma“cronicazinha” dessas no meu rabo!

Quatro da manhã e ainda não havia conseguidoescrever mais nada que pudesse ser acrescentado ao “conto”,como Jorge certamente reduziria meu “projeto de livro”. Ocesto de lixo não aceitava mais os refugos de mais uma noiteinsone e improdutiva. As personagens já haviam criado vida,me manipularam para que eu escrevesse a história, na medidae da forma como gostariam que ela fosse contada e agora metravavam com esse “bloqueio”, impedindo que eu “inventas-

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se” mais alguma coisa, que “enrrolasse” de forma costumeirae pior: nem mesmo os nomes das personagens me foi “permi-tido” alterar. Não que não tivesse tentado... Mas os nomes esituações estavam por demais “corretos” para permitir qual-quer alteração. Isso certamente seria um problema quando euentregasse, e se entregasse, os originais ao Jorge. Ele talvezacrescentasse mais ofensas àquelas por eu ter estourado osprazos novamente - e por algumas outras mágoas mais pesso-ais -e iria mandar a Márcia, revisora, trocar os nomes daspersonagens, logo de cara. Talvez ela conseguisse. Eu não...

Em uma última tentativa de ter um insight, algumaidéia ou inspiração brilhante, ou ao menos tentar criar cora-gem para transformar a história em ficção, rompendo com aspersonagens que não me deixavam avançar além do que jáhavia na tela do editor de textos, voltei ao início e comecei areler a história, quase me sentindo como se estivesse sendousado...

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Sonho de menino

Tudo começou quando João Saldanha (que alémde nome de técnico da Seleção era fazendeiroem Mairi, na Bahia) decidiu comprar mais um

boi reprodutor. João era daquele tipo supersticioso, medroso, atémesmo indeciso, daqueles que precisam consultar desde horósco-po até ciganas antes de fazer um negócio. Não que isso não tenhadado certo até aquele momento. João deixara de ser empregadona Fazenda Boi Guloso para ser dono de seu próprio negócio.

Nunca mais, depois de vinte anos de trabalho quaseescravo - entrara na fazenda aos 8 anos de idade, órfão de pai emãe - iria ficar abrindo porteira pra patrão. Principalmente para ZéOlímpio, um homem baixo, gordo, com um grande anel de ouro nodedo, barba e bigodes ralos, meio careca, fedido e suado. Fedido,mesmo! Enquanto se dirigia para a feira de animais, João Saldanhalembrava até mesmo do cheiro daquele seu ex-patrão imundo. Zé

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Olímpio fedia a uma mistura de suor, fumo de rolo e estrume... e, pornão ser muito chegado a um banho - era apenas um por semana, esem sabonete, já que tinha alergia a perfumes - o cheiro impregnavaas roupas - sempre brancas, mas encardidas, que ele usava, juntocom as botas de couro marrom e um chapéu de feltro marrom des-botado, que ele chamava de “chapéu da sorte”. Lembrar de ZéOlímpio, o ex-patrão malvado e fedido, fazia João Saldanha sentiro estômago embrulhar. E o cheiro de estrume que vinha dos cur-rais, logo na entrada da feira de animais, piorava essa sensação.

_ João, ei, João !!! - gritou um homem alto, magro,com um bigode fino, cabelos pretos já começando a apresentar osprimeiros fios brancos, e uma voz um tanto esgasgada, meio rou-ca, talvez cansada de tantos anos de fumo, pinga de alambique ecarne seca com farinha. Era Dantas, capataz da fazenda Boi Gulo-so, justo aquele inferno do qual João Saldanha lutara tanto parasair. O homem, não contente em chamar João, que acabava deentrar na feira de animais, se dirigia a ele em passos largos, meiodesengonçado, como que se não quisesse deixar João escapar. JoãoSaldanha, da sua parte, bem que gostaria de evitar esse encontro,mas como via que não tinha como fugir, adiantou dois passos emdireção a Dantas e estendeu a mão, dizendo:

_Olá, Dantas! Conseguiu sair para dar um passeio?!?-desengasgou, um tanto constrangido, mas tentando disfarçar a in-segurança. Dantas, o capataz, não lhe trazia boas lembranças. JoãoSaldanha se lembrava do que ele era capaz de fazer para puxar osaco do patrão. Certa vez, chegou a espremer um limão em dois

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baldes de leite que o negrinho Davi havia ordenhado da Mimosa, avaca preferida de Zé Olímpio, só para ver o pobre menino levaruma sova de cinta do patrão por ter deixado o leite azedar. E sehavia uma coisa que Zé Olímpio adorava, era uma oportunidadepara “dar uma de machão” na frente dos outros. Aquele gordosebento!

Bateu tanto em Davi que o menino ficou sem podersentar direito por uma semana...

_Pois é, João, o véio Olímpio me deixou vir aqui nolugar dele pra escolhê uns animar... - respondeu o capataz Dantas,com aquele português todo errado, coisa não de caipira, mas deanalfabeto que fazia questão de dizer que não precisava aprender aler. “Pra se dá bem na vida, moleque João, cê só precisa conhecêdinheiro, vaca e mulhé, sô!”, dizia a João, quando ele ainda era umgaroto perdido naquele inferno que era a Fazenda Boi Guloso. Aindabem que João Saldanha não seguiu o conselho do capataz Dantas,dito por uma boca suja e mole, na qual apenas dois ou três dentescariados apareciam. O resto parecia um túnel de carne preta, tãopreta quanto as noites em que João Saldanha, ainda menino, acor-dava no celeiro, chorando de medo de dormir com as vacas e oscavalos. Chorando de medo e chamando pela mãe.

Mas João Saldanha agora era um homem feito. Era atéestranho o contraste entre os dois, João e Dantas, ali, em pé, umde frente para o outro, na entrada da feira de animais. EnquantoDantas era um varapau, um bambú de cutucar estrela, João Saldanhaera mais baixo, mas tinha um corpo mais proporcional. Apesar debranco como Dantas, João parecia ter a pele mais queimada pelosol, e ainda jovem, apresentava uma ou duas rugas na testa - “Ru-

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gas de preocupação” - costumava dizer a velha cigana Maria, ben-zedeira que muitas vezes rezou por ele, desde a infância, até o diaem que ele finalmente conseguiu sair da fazenda de Zé Olímpio. Avelhinha morava a seis léguas da Boi Guloso e sempre que podia,mesmo nos últimos dias em que esteve na fazenda de Zé Olímpio,João Saldanha ia visitá-la e pedir sua benção. João era muito dife-rente de Dantas. Tinha calos nas mãos, tinha um ar cansado para asua idade. Parecia mais sofrido, mais judiado, mas ao mesmo tem-po, tinha um ar de inteligência e de força maiores de que o homemà sua frente. João Saldanha era mais forte. Vencera na FazendaBoi Guloso através de seu trabalho, sem nunca precisar puxar osaco do sebento do Zé Olímpio.

Muito diferente de Dantas, esse João Saldanha! Antesde conseguir fugir daquele inferno que era a Fazenda Boi Guloso,João passou muito tempo suportando humilhações e privações, tra-balhando com os bois de Zé Olímpio, desde a ordenha, até o aba-te, do pasto à invernada. Todos os meses, a partir dos 10 anos deidade, João guardava cada centavo que ganhava, dentro de umamoringa quebrada, escondida em um canto do velho galpão. Nãoque ganhasse alguma coisa por trabalhar. Zé Olímpio achava que jáestava bem pago aquele órfão, com um pão seco de manhã, umgole de café preto e dois pratos de comida por dia. Além disso,João, um moleque sem pai nem mãe, não poderia reclamar de nãoter onde dormir! Pelo menos podia se esquentar junto aos cavalose bois, durante as noites de inverno. E para o banho, sempre sepodia contar com o coche d’água da qual os cavalos bebiam.

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Tão diferente de Dantas era João Saldanha, que ao in-vés de entregar-se à vida rude e pobre que levava, sem ter maioresinspirações, decidiu aprender a ler e a escrever. Doutor, sabia quenão seria. Mas achava importante saber o porquê das coisas e onome que se dava a cada uma das coisas que enchem esse mundãode meu Deus! Como Zé Olímpio não permitia que seus agregadosfreqüentassem uma escola (como ficou bem claro depois da surrade chicote que João Saldanha tomara ao fugir da fazenda para ten-tar conhecer a escolinha da Vila Patrícia, mantida pela Paróquia deSão Benedito, a doze léguas de distância), João Saldanha roubava.Roubava sim, era uma vergonha, mas ele roubava livros, jornais erevistas dos peões que apareciam por lá. Roubava livros dos vete-rinários, que uma vez ou outra visitavam a fazenda. Uma vez, rou-bou uma Bíblia de um padre que foi dar extrema-unção ao tio Pedro,tio de Zé Olímpio. Mas ela estava toda escrita em uma língua queele não reconhecia. Mas era seu livro preferido. Mesmo não enten-dendo as palavras, achava, em seu coração, que Deus talvez per-doasse a falta por ele se interessar pela Sua Palavra.O que talveztenha acontecido, já que Rosinha surgiu na frente dele, com aquelevestido de chita florido, laços no cabelo e um chinelo encardido,cheio de pó da terra batida, em plena festa de São João, a primeiraque ele pôde ir, na Paróquia de São Benedito.

Menina-moça faceira e esperta, Rosinha era filha dosapateiro Sebastião, homem sisudo e de poucas palavras, e dacostureira Dona Marta, fofoqueira da localidade, mas excelentecostureira. Ela é quem costurava as roupas de Rosinha e da família,e vez ou outra pegava botões e fazia remendos nas calças e cami-

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sas dos peões da fazenda. Rosinha foi o anjo da vida de JoãoSaldanha. “Vergonhoso”, como se dizia na época, João jamais te-ria conversado com ela se um vento forte não tivesse levado o fo-lheto da missa até os pés dele.

_ Faz favor de catar pra mim? - perguntou a mocinha,com um olhar maroto, ao rapaz de camisa xadrez, calças de brimmeio curtas para o tamanho - dando a impressão de que o defuntoera menor - e botas gastas mas bem limpinhas, como se fossem umgrande tesouro. Abobado com a beleza da menina, o jovem Joãose agachou para pegar o pedaço de papel e acabou deixando opróprio chapéu cair da cabeça, naquele chão empoeirado.

_Tá aqui moça - disse meio desajeitado, entregando afolha de papel à menina com uma das mãos e com a outra, batendoo chapéu empoeirado na perna direita, para espanar o pó.

_Obrigada -, disse, emendando - Eu me chamoRosinha, e você?

_João -, respondeu, com um pigarro na garganta, etomando cuidado para não oitavar, alternando a voz de grave parao agudo, coisa típica de acontecer com jovens de sua idade. Espe-cialmente quando se está nervoso.

_Muito prazer, João - retrucou a menina, estendendo-lhe a mão delicada que ficou suspensa no ar durante um ou doissegundos, enquanto João tentava decidir o que deveria fazer. Porfim, e antes que ela recolhesse a mão, dediciu estender a sua ecumprimentou-a, apertando sua mão delicada com firmeza, talvezdemais, e por um momento sentiu vergonha por ter tantos calos nas

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mãos machucadas pela lida com os animais. Ela sorriu, talvez per-cebendo o seu embaraço, o que não ajudou em nada.

_ Dá pra perceber que você é do tipo caladão, igual aomeu pai - ela arrematou, enquanto soltava sua mão, com suavida-de e como convinha a uma moça de família. Mesmo que meioespevitada como Rosinha.

_É que... eu saio muito pouco... respondeu, sem sabero que dizer. “Bo-bonita festa, né?!?” - gaguejou, desviando os olhosda menina.

_É... todos os anos eu venho aqui, desde pequena. Eununca tinha visto você antes. De onde você é? - perguntou Rosinha,os olhos fixos nos olhos de João, e com um brilho esquisito, algoque João nunca tinha visto. “O que uma moça como essa estariafazendo conversando com um ajudante como eu?”, chegou a pen-sar. Ele se sentia mal, estava meio tonto e pensava se alguém esta-va olhando... não era possível que uma moça de família quisessefalar com ele e saber alguma coisa sobre sua vida. Ele nem tinhafamília, onde morar direito. Não tinha cavalo seu. Sua vida era se-lar e alimentar cavalos dos outros, especialmente o alazão Tormen-ta, do seboso do Zé Olímpio. Não havia nada para saber...

_Eu vim da Fazenda Boi Guloso... - respondeu mesmoassim. “É a primeira vez que me deix... É a primeira vez que euvenho...” - ele ia dizer que era a primeira vez que o deixavam sair,assim, sozinho, sem ser para trabalhar, carregando sacos de aveia,café, ração ou para acompanhar o gado, mas decidiu consertar a

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frase para ... será que queria impressionar uma moça que nem co-nhecia direito?

_Você trabalha lá? - perguntou Rosinha, curiosa._É... é... mais ou menos..._Como, “mais ou menos”? - retrucou, inquieta. “Tra-

balha ou não trabalha?” - disparou._ Trabalho... é que eu também moro lá... - disse, sem

pensar direito._ Naquela casa grande, branca, com varanda cheia de

plantas; avencas, samambaias e azaléias? - Perguntou, ávida._É... hum... (João Saldanha bem que não queria men-

tir, mas sentiu vergonha de dizer que morava junto aos bois, cava-los e jumentos. O jeito foi fazer de conta...)

_Que legal!!! - A alegria e o espanto dela o fizerampensar que talvez tenha sido melhor mesmo não dizer a verdade...

_ Ah, eu tenho que ir... - João emendou, já achandoque o rumo da conversa não estaria agradando...

_Ah, vai não! - disse a moça, agarrando-o pelo braçoe puxando o pobre João Saldanha rumo à barraca do peixinho.“Antes você vai me ajudar a pescar uma prenda na barraca daMirtes e eu aproveito e apresento você pro pessoal da vila” -, de-cidiu, enquanto puxava João, que nem sabia como protestar.

_ Fica pra outra vez... - tentava se desvencilhar, comuma polidez que não parecia sua.

_ Não, não, você vem comigo. Tá vendo aquele placa

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ali? Diz que todo mundo é bem-vindo na festa, - apontou._ Humm... - João apertou os olhos, como se não esti-

vesse enxergando..._ Naquela placa ali, ali, ó. Não tá vendo?_ Hummm... - João franziu a testa._ Você sabe ler, não sabe? - Rosinha disse, nem imagi-

nando a punhalada que dava no coração de João que, apesar de játer roubado (roubado, não, ele “pegava emprestado”) vários li-vros, apenas reconhecia a forma das letras e palavras, mas nãoconseguia juntar direito as palavras, formando e entendendo as fra-ses perfeitamente.

_ Não é isso, é que... - João quis continuar mentindo,como na história da casa, mas não conseguiu. Ficou vermelho ebaixou a cabeça... - “Devia ter ido embora quando pude” - pen-sou, sem saber o que dizer.

_ Deixa de ser besta, rapaz! Não é vergonha não sa-ber ler. Vergonha é não querer aprender!!! - disse Rosinha, comum tom tão maternal que João sentiu sua vergonha aumentar maisainda. - “Vamos lá! Você vai conhecer a Mirtes e o pessoal, nin-guém precisa saber que você não sabe ler e eu posso começar a teensinar, qualquer dia desses, se você quiser!” - completou.

A simplicidade, vivacidade e sinceridade da meninaquebraram João ao meio. Erguendo os olhos e se recompondo,sentiu que alguém, pela primeira vez, estava oferecendo algo a ele,e não parecia que era apenas para agradá-lo naquele momento.João confiou em Rosinha. E foi conhecer a tal de Mirtes da barracado peixinho.

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Dantas não desgrudava de João nem por um instante. Parecia um carrapato. Para onde querque João fosse, Dantas ia atrás, tentando dis-

farçar. Mas para um varapau como Dantas passar despercebidoera a mesma coisa de tentar esconder um bambu no meio de umcapinzal. Isso incomodava João Saldanha. Parecia que Dantas oestava espionando. Mas espionando para quê? A mando de quem?De Zé Olímpio? Mas por quê? Decidiu afastar esse pensamento dacabeça e, enquanto examinava alguns animais, assustados com tantobarulho de fogos de artifício, cornetas, e a gritaria dos donos ecompradores se misturando, começou a lembrar de novo daqueledia em que conhecera Rosinha. Talvez fosse o cheiro de sanduíchede lingüiça, ou do pernil que assava na chapa, a poucos metros,que o fez lembrar da festa junina na Paróquia de São Benedito,mais de uma década atrás. Ou talvez fosse o cheiro de pipoca, talvezo mais provável, que o fizesse se lembrar daqueles bons tempos.

Um novo começo

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Apesar de que os pipoqueiros daquela sua época deadolescente eram mais gordos, mais simples, e não essesalmofadinhas com uniformes coloridos e máquinas cheias de fres-cura vendendo pipocas tingidas com anilina. Vermelhas, verdes,azuis, com cobertura de caramelo, chocolate. Pipoca doce... ouentão salgada, mas com pedaços de queijo, bacon... “Para que tan-ta frescura?” , se perguntava João Saldanha... pipoca boa era aquela,só com sal, branquinha...

João estava radiante naquela noite, depois da quermes-se. Nem se importava mais de dormir com os cavalos na cocheira.Só pensava em rever Rosinha no domingo seguinte. Ia ter que pe-dir permissão a Zé Olímpio e escapar das artimanhas de Dantaspara ir à missa, além de andar doze léguas a pé. Mas o sacrifício iavaler a pena. Ele ia ver Rosinha de novo. Iria conversar com ela edepois da missa, durante uma ou duas horas, ela iria ensiná-lo a ler,e quem sabe, até a escrever...

E assim foi durante mais ou menos seis meses. Joãoaprendia com Rosinha todo final de missa, que era rezada por umpadre alemão, o Padre Schultz, e que ninguém entendia nada, nãoporque o padre falasse alemão, mas é que ele rezava em latim, amesma língua antiga na qual a Bíblia que João tinha estava escrita.“Por isso é que eu não entendia nada, mesmo!”, pensou, quandoRosinha explicou-lhe o que era latim...

E Rosinha já sabia que ele não morava naquela casagrande, na entrada da fazenda, que era órfão, um simples agregado

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e que não tinha onde cair morto. E João não sentia mais vergonhadisso. Pelo contrário, essa situação o impulsionava a lutar, traba-lhar mais ainda e economizar cada centavo, guardando tudo na-quela moringa quebrada, no fundo do galpão velho. Afinal, um diaele iria ter que casar com Rosinha e dar-lhe um lar decente. Issomesmo, ele já estava namorando Rosinha há seis meses! E com apermissão dos pais dela, o sapateiro Sebastião, e da costureiraDona Marta. Que maravilha! Só a via uma vez por semana, anda-vam pela praça do coreto, de mãos dadas, mas era o céu. Elefinalmente tinha alguém...

Mas como nem tudo são flores, na Fazenda Boi Gulo-so a situação começou a complicar. Zé Olímpio, aquele gordo se-bento, decidira descobrir porque aquele rapazote João estava tãofeliz nos últimos meses, e que tanto ele ia à missa. E por quê estavatão mais esperto, falante, articulado, se nunca fôra a uma escola. Emais, como é que se atrevia a conversar com os veterinários e atémesmo com um engenheiro que por lá passou uma vez, para darum orçamento de perfuração de um poço artesiano para garantirmais água aos animais?

_Dantas, vai ver o que o João anda aprontando e de-pois cê me conta... - disse o sebento do Zé Olímpio, soltando umabaforada do cigarro de palha fedido, daquele que deixa os dentespretejados, feito com fumo de corda dos mais vagabundos. Eraesse tipo de fumo que Zé Olímpio gostava: o mais barato. Porque,mesmo rico, o homem era um sovina, um pão duro que não dava

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nem bom-dia com medo de gastar. E ignorante. E mesquinho. Einvejoso. E corno. Corno porque todo mundo sabia que a sua mu-lher, Dona Amarante, saia com os peões da fazenda e fazia o que avaca faz com o touro: dava-lhe chifres. Mas como ele não queriadar o braço a torcer, e por ser Dona Amarante quase vinte anosmais nova que ele, e muito bonita, e apesar de adúltera, discreta,Zé Olímpio fingia nada saber. Mas sabia, e mesmo que nenhumpeão ou agregado tivesse coragem de comentar o assunto, nem noconfessionário da igreja, Zé Olímpio sabia que todo mundo sabia...

Dantas, aquele pau-mandado, puxa-saco de marcamaior, foi espionar João Saldanha num domingo. O viu com Rosinha,deu um sorrisinho besta com aqueles dentes que já começavam acair de podres (naquele tempo ele tinha uns quinze, catorze dentes,mas não escová-los e adorar goiabada ajudaram a fazer o estragocomeçado pelas cáries e a gengivite) e foi correndo contar para opatrão Zé Olímpio. O prazer de ver a infelicidade alheia talvez te-nham feito Zé Olímpio fazer o que fez. Quando João Saldanha che-gou na Fazenda Boi Guloso, foi chamado à casa do patrão porDantas, que mal se continha, antecipando que o garoto, que já seachava um homem, ia levar uma bronca. Mesmo que sem motivo,mas ia levar uma bronca.

Na sala imensa, com muitos livros nas estantes em queZé Olímpio nunca pôs as mãos, já que os livros estavam ali apenaspara enfeitar, para passar a impressão que Zé Olímpio era tão “es-tudado” quanto qualquer “dotô”, João Saldanha foi entrando,ressabiado, e já ouviu o comando:

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_Cê não vai mais pra aquela vila..._ O quê, “seu” Zé Olímpio?!? - João mal podia acre-

ditar nas palavras que ouvia..._ Cê vai lá pra namorar e aqui cê tem muito o que

fazer. Nada de missa, nada de ir pra vila, nada de ver aquela rapa-riga. Se quiser, fica com as vacas, que já são muito pra um largadoque nem você, que nem pai e mãe tem. Eu é que te criei... e num foipro cê ficá de prosa com rapariga pra depois embuchar ela e trazermais uma boca aqui pra fazenda, pra eu sustentar.... - Zé Olímpiofoi fundo, falou o que quis, do jeito que quis e talvez imaginasseque João Saldanha iria ficar raivoso, revoltado, mas que ia reagircomo sempre reagiu: iria baixar a cabeça e chorar no celeiro...

João sentiu um calor no peito e depois não viu maisnada. Voou sobre a mesa do patrão, agarrou seu pescoço e come-çou a apertar, e teria cometido um desatino ainda maior, matando opatrão, se Dantas não tivesse entrado na sala e o segurado.

_Seu porco gordo, aproveitador !!! Seu sujo !!! Vocênão me criou, não. Quem me criou foi Deus !!! Eu vivi todos essesanos como um boi, no seu celeiro. Tinha menos valor que um boi!Mas eu sou um homem e eu vou provar! - Espumava de raiva JoãoSaldanha. - Eu estou indo embora agora mesmo e se alguém meseguir, eu mato !!! - Virou as costas, deu um empurrão em Dantase foi para o velho galpão. Acabou de quebrar a moringa velha,pegou os trocados que estavam dentro e juntou suas coisas. Saiude madrugada, chorando de raiva e felicidade por estar deixando

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Marcos Alexandre

para trás os anos de sofrimento na Fazenda Boi Guloso. Dormiu nopasto, naquela noite, mas não era um pasto de Zé Olímpio, o quejá o deixou muito contente.

Quando acordou, sentiu fome, e teria comido até a la-vagem dos porcos que alimentava, se a tivesse. Ao invés de conti-nuar ali sentado, decidiu andar mais um pouco e encontrou a entra-da da Fazenda Reunidas, de Jeremias Guimarães, tão famoso porser considerado homem de bem, mas que pouco aparecia na vila.Encontrou um peão escovando um alazão e decidiu tentar a sorte:

_ Por favor, precisa de ajudante aqui nesta fazenda? -perguntou.

_ E o que cê sabe fazer, rapaz? - o vaqueiro respon-deu, de costas, sem olhar para João.

_ Sei ler, escrever, cuidar de porcos, vacas e cavalos,senhor...- respondeu.

_Aqui não tem lugar pra dormir... - disse o vaqueiro,ainda de costas.

_Eu durmo no celeiro, junto com os cavalos._Não tem chuveiro pros empregados..._Eu me lavo na cisterna, tiro água do poço, tomo ba-

nho de mangueira..._ O salário é mínimo..._ Dando pra eu comer e juntar dinheiro pra me casar

um dia com a Rosinha, já está bom...O vaqueiro, impresionado com a humildade do rapaz,

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virou-se e disse: _ Tá empregado. Comece a trabalhar agora, termi-

nando de escovar meu cavalo..._Sim, senhor !!! Obrigado, senhor !!! - respondeu João

Saldanha, jogando suas coisas no chão, pegando a escova da mãodo vaqueiro e começando a escovar o cavalo. _ Ahnnn... depoiseu levo o cavalo pra onde, senhor...

_ Pra cocheira. E pode me chamar de Jeremias. Eusou o dono da fazenda. O almoço é meio-dia. Não se atrase. -respondeu o vaqueiro, virando de costas, se dirigindo para a casagrande e deixando um João Sadanha totalmente boquiaberto.

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Jeremias Guimarães

Jeremias Guimarães era um bom homem. Tinha umamulher maravilhosa, a Dona Fernanda, que estavagrávida de seis meses e era um homem muito cons-

ciente de suas responsabilidades. Muito diferente de Zé Olímpio.Jeremias tinha as feições duras, o rosto severo, cabelos castanho-grisalhos e um nariz grosso e comprido, meio puxado para baixo,que acentuava a sensação de que ele sempre estivesse bravo, juntocom as sobrancelas grossas e escuras, e um bigode espesso, comalguns fios branco-amarelados pelo cigarro. Único vício de Jeremias,o cigarro. Não bebia, não jogava e nem gostava de ver os animaissofrendo, ao contrário de Zé Olímpio, que adorava até briga degalo e não perdia uma rinha. Jeremias sempre estava de jeans.Calças e jaqueta jeans desbotadas, com uma camiseta branca porbaixo, cinto, botas e chapéu de vaqueiro. Nem parecia o dono da

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Fazenda Reunidas. Não usava anel no dedo, não usava correntede ouro no pescoço e tratava de tudo pessoalmente, levantandocedo, antes dos próprios empregados, e dormindo quando todomundo já tinha ido para a cama, depois de um dia de trabalho.

Fosse ou não fosse coisa do destino, Jeremias ficavaquieto, parado, sozinho em um canto, meio escondido, olhando delonge a mulher grávida, Dona Fernanda, sentada em uma cadeirade balanço, tricotando sapatinhos e roupinhas de bebê. Talvez eleficasse assim por se achar velho demais para ela, uns dez anos maismoça. Ou talvez porque fosse o seu primeiro, e provavelmente úni-co filho ou filha que iria nascer, já que ele havia levado a mulherpara São Paulo, naquelas clínicas caras, de bacanas, e vendidomais de 200 bois para fazer um tratamento de fertilização in vitro.“Gozado”, pensava João Saldanha, “por que será que fertilizar umavaca é tão mais fácil de fazer que uma mulher? Por que será quetambém a mulher acaba saindo tão mais caro?”. Tempos depois,João acabou escutando na cozinha que o problema não era comela, a Dona Fernanda, mas com ele, Jeremias. Não que ele,Jeremias, não fosse homem, mas tinha algo errado com ele, o mé-dico da cidade disse. É que ele era quase “estéreo”. “Mas ‘estéreo’não é o nome daquelas vitrolas que levam pras quermeses?”, pen-sava João Saldanha. Anos mais tarde é que ele descobriu o que era“estéril”, e qual a diferença entre as duas coisas...

Mas João estava muito feliz para ficar pensando nastristezas do novo patrão, que de patrão tinha muito pouco. Dois

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meses depois que João chegou à Reunidas, Jeremias lhe deu umaporção de terra para que iniciasse uma plantação e vendeu-lhe umascabeças de gado magro, recebendo como pagamento aquele pu-nhado de trocados que João juntara a vida toda. Pagamento nada!Jeremias havia dado mesmo aquele gado para ajudar João ! E Joãosabia e reconhecia isso. Talvez por esse motivo é que estava setornando o mais dedicado empregado que Jeremias já tivera emtoda a sua vida.

João, pela primeira vez, começara a ter sonhos, e de-via muito a Jeremias. Pouco tempo depois, João já estava se ca-sando com Rosinha na igreja da Paróquia de São Benedito e ospais de Rosinha, o sapateiro Sebastião e a costureira Dona Marta,que fazia questão de contar a todos, boa fofoqueira que ela era,que o genro João Saldanha iria dar uma boa vida à sua única filhaRosinha, já que trabalhava na fazenda de um homem bom comoJeremias Guimarães e estava progredindo na vida.

Nascera gordo e forte e estava crescendo bem e comsaúde, o pequeno Pedrinho, filho de Jeremias Guimarães e DonaFernanda. O menino ainda usava fraldas quando Jeremias come-çou a sentir uma coisa esquisita, um aperto no coração toda a vezque passava perto do curral. Os animais nunca o haviam incomo-dado e João Saldanha, o empregado dedicado, que tinha sua pró-pria terra e seus boizinhos, mesmo assim nunca descuidara dos bi-chos. Mas alguma coisa o incomodava e todos os empregados

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percebiam isso. Mas ninguém tinha coragem de tocar no assuntocom o patrão. Não por medo, mas por respeito ao homem quelhes era uma verdadeira inspiração.

João Saldanha, não. Ela gostava demais de Jeremiaspara deixar esse incômodo esquisito passar em branco. TalvezJeremias passasse por dificuldades financeiras, ou estivesse briga-do com a mulher, Dona Fernanda, ou ainda, estivesse doente. Do-ente, Pedrinho não estava, mas nunca se sabe... Sendo assim, Joãotalvez pensou que o patrão pudesse estar arrependido de ter lhefeito tanto bem, e talvez quisesse as terras ou os boizinhos de vol-ta... Se fosse, João abriria mão de tudo em favor do patrão, e játinha até falado sobre essa hipótese com Rosinha, que meio a con-tra-gosto, aceitou.

De qualquer jeito, daquele dia não passaria. Ia falarcom o patrão.

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O boi Tufão

Patrão, o que lhe perturba? - perguntou JoãoSaldanha de chofre, de repente, sem dar aJeremias tempo para pensar. Talvez por isso a

resposta tenha parecido tão absurda, a princípio._ Não sei, João. Sinceramente não sei. - respondeu,

balançando a cabeça, Jeremias - “Mas é que toda a vez que eupasso na frente desse curral eu fico nervoso, com um nó no peito.Você é a única pessoa que me conhece melhor que minha mulher, etalvez eu confie mais em você, que eu tenho como se fosse meufilho, mesmo que não seja, e meu filho verdadeiro, meu único filhoseja o Pedrinho, pra quem eu diria uma coisa dessas... mas eu andocom muito medo...” - disse Jeremias, com um olhar estranho.

_ Ora, medo do quê, meu patrão? - perguntou JoãoSadanha, sem entender.

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_ Já te disse que não carece me chamar de patrão... -disse Jeremias, sem responder à pergunta.

_ Tá bom patr... Jeremias... mas medo do quê? - insis-tiu João Saldanha.

_ Tenho medo de uma tragédia, mas não sei de ondevem, o que é, quando vai acontecer e muito menos o que vai cau-sar. Mas eu sinto que vem tragédia... - disse, cada vez mais confu-so...

_ Nossa !!! E o patrão sente tudo isso só de passar nafrente desse curral?!? - perguntou João Saldanha, assustado.

_Não é bem o curral, eu acho. Parece que tem a vercom aquele animal, o boi Tufão... mas é loucura - Jeremias passoua mão pela testa, tirou o chapéu, apertou os lábios e pôs o chapéuempoeirado na cabeça de novo. - “Toda vez que eu passo poreste curral, e especiamente quando eu passo pela frente desse boi,eu sinto um arrepio na espinha. Não dá pra explicar...” - comple-tou, pensativo e visivelmente assustado.

_Olha, patrão, eu sei que parece bobagem, mas o boiTufão é manso, é um reprodutor de primeira e nunca atacou nin-guém. Também é todo vacinado e não vai passar nenhuma doençapro resto do gado. Fica tranqüilo... - disse João Saldanha.

_ Eu sei de tudo isso - respondeu Jeremias, irritado.Mas é alguma coisa que ele tem, que... sei lá, não tá certa - arre-matou.

Nesse momento, Dona Fernanda se aproximava como pequeno Pedro no colo. De repente, o menino desatou a chorar,

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sem nenhum motivo, e o boi Tufão começou a mugir, a esfregar aspatas dianteiras na terra, levantando poeira e pedaços de terra ba-tida, e estranhamente, todos os outros bichos ficaram em silêncio,quietos, imóveis, como se esperando alguma coisa acontecer.

Podia parecer loucura, mas Jeremias e João Saldanhaficaram observando a cena, desconfiados, e prontos para tomaruma atitude, qualquer que fosse ela. Mas o que estava acontecen-do? Será que o boi apenas não se irritara com o choro da criança?Mas porquê a criança chorara de repente, se nada acontecera eestava acalentada nos braços da mãe? Se não estava doente,desconfortável, com fome, porque chorava?

E porquê todos os outros animais ficaram em silêncio?Por quê o nervosismo do boi Tufão e porquê, além de Jeremias,João Saldanha também estava sentindo um estranho arrepio na es-pinha?

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A velha cigana

João Saldanha não conseguiu dormir direito naquela noite. Ficou encafifado com o boi Tufão. Sonhou com chifres de boi, com acidentes, com cho-

ro e gritos e acordou suando frio. Rosinha se levantou da cama elhe preparou um café com leite bem quente, preocupada com omarido. “O que poderia ser motivo de tanta aflição?”, pensava,mas decidiu não perguntar ao marido. Se fosse importante, Joãolhe contaria, não contaria? O pior é que João contou.

Depois de contar a Rosinha toda a história sobre osarrepios na espinha de Jeremias, de toda a sua preocupação, Joãoargumentou ainda que ele é que deveria ter medo de alguma coisa,pois sempre fôra supersticioso, e não o patrão, que sempre semostrou tão seguro de si. Ele, João, é que na infância não deixavade pedir a benção à velha cigana Maria, toda a vez que tinha umaoportunidade...

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_É isso!!! - exclamou Rosinha._É isso, o quê ?!? - se assustou João Saldanha._Leve o patrão Jeremias até a velha cigana Maria e

peça pra ela ler a sorte dele. Quem sabe ele se convence de quenão está acontecendo nada e deixe de estar assim tão preocupa-do... - sugeriu a mulher de João.

A idéia agradou João, que logo cedo, saiu à caça deJeremias. O encontrou a poucos metros do curral, olhando fixa-mente para o boi Tufão, que pareceia não estar nem aí com a pre-ocupação do dono. Nem deveria estar, se é que animais se preo-cupam. O boi Tufão estava na Fazenda Reunidas há vários anos.Era muito querido pelos vaqueiros pois, além de ser um excelentereprodutor, era manso e muito bonito. Para um boi, é claro! De umbranco para cinza prateado, o boi Tufão tinha um porte altivo, erabem formado, fedia menos que os outros - nunca o lavaram comperfume, mas o fato é que fedia menos - e não tinha aquelas bicheirastão comuns nos outros animais. Não dava trabalho nem aos veteri-nários, quando ia tomar a vacina contra a febre aftosa. Ia sem re-clamar, não esperneava, e melhor de tudo: só comia o necessário.O danado do boi, além de bonzinho, ainda era econômico! Porque iria se preocupar?

João acabou convencendo o patrão a ir visitar a velhacigana Maria - isso se ela ainda estivesse viva, é claro. E ela esta-va. Pelo menos era o que dizia o “seu” Chico, dono da venda queficava a duas léguas da casa da velhinha, onde João Saldanha eJeremias pararam para descansar um pouco da viagem no lombo

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do cavalo. “E quando era mais moço eu andava tudo isso a pé...”,pensou João, no meio do caminho.

Encontraram, lá pelas cinco horas da tarde, um case-bre que era exatamente como João Saldanha se lembrava. As por-tas comidas pelos cupins, as janelas faltando pedaços. Tudo demadeira. Pau a pique. Mais a pique que a pau, mas pau a pique.Umas roupas brancas no varal e um cachorro magro no quintalindicavam que a casa ainda estava ocupada. E pela cigana Maria,ainda. Velhinha, quase totalmente encurvada, mas viva. E João des-ceu do cavalo para lhe dar um abraço, e ela convidou seu menino,agora um homem crescido, para entrar e tomar um café turco (aque-le com borra no fundo) junto com o seu companheiro de viagem.

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A premonição

E o que é que você veio fazer aqui na casa destacigana cansada de viver, meu filhinho João? Tãocansada de viver estou que até esqueci de que a

vida dos ciganos não é criar raízes como vocês, gadjê, e sim, comoboa calon que sou, sair por aí como o vento, passando de lugarem lugar... - disse a velha, enquanto estendia o copo de café paraJeremias, que estava visivelmente contrariado. Não porque o copoestivesse sujo, não. Mas porque sempre fôra católico. Não prati-cante, mas católico. E sabia que nenhum padre aprovaria que umbom católico, mesmo que não praticante, estivesse ali consultandouma cigana, de um povo que não pára em nenhum lugar. Dizem queroubam crianças e que praticam magia negra.

_ Não, cigana Maria, eu...- tentou dizer João Saldanha,sendo interrompido pela anciã:

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_ Antes que diga, meu filho, eu quero dizer pro seuamigo fazendeiro, que os ciganos não são ladrões de crianças, não.Nem mexemos com magia negra. Só somos um povo diferente,com uma cultura diferente e hábitos diferentes... só isso... - disse avelha, com voz calma e suave, enquanto estendia a mão com outrocopo de café turco para João, que quase queimou a boca ao pro-var. Esquecera que a velha gostava de café bem quente.

_ A... a senhora lê pensamentos?!? - disse Jeremias àvelha, meio envergonhado, meio surpreso.

_ Não meu filho. É só que, ao longo da história do meupovo, muitos deles foram queimados, mortos a tiros ou afogadosporque alguns homens que como você pensaram isso deles. Prefirodizer antes quem realmente não somos, para que as pessoas pos-sam depois nos julgar pelo que verdadeiramente somos... - res-pondeu a velha, enquanto acendia seu cigarrinho de palha. Palhade milho seca. “Ela sempre adorou cigarro com palha de milhobem seca”, lembrou-se João Saldanha, enquanto se acomodavamelhor na cadeira e tentava não rir da ingenuidade do patrãoJeremias.

_E não sei bem o que o menino João lhe contou - con-tinuou a velha - sou apenas uma mulher que conserva algumas tra-dições. Alguns se confundem e me consideram benzedeira,curandeira... Mas benzedor , “curador”, curandeiro, é gente maisperto de Deus do que eu... - acrescentou, enquanto soltava umabaforada e, olhos no vazio, cantava uma velha cantiga, como se osdois nem estivessem ali:

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Benzedor,Curador,Benze cruzesQue luzemNas noites de dor

E do andor do santoSe perdem, saem encantosVindos das falanges que rangemOs dentes pr’o mal

Benzedor,Curador,Teias urde,De proteção“Sai capapreta, cramulhão !!!”

Nas noites de dorDo santo do andorFulgem luzesCaem cruzesDiante da fé

A crença meninaMais rápida alcançaO que se querDo que a velha teoriaQue tal fé vaziaTropeça, cai, gemeComo quem perdeu um pé

Benzedor,Curador,TremeluzeSofre, muge

Feito gadoDe corteSente dores de morteNas rezas, nos sinaisNas dores dos outros,Nos seus ais

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_ Pois bem, Dona Maria, estamos aqui pelo seguintemotivo - disse João, interrompendo os devaneios da velha e con-tando toda a história, que é desnecessário repetir - “E precisamosde sua ajuda”. - completou.

_ Filhos, será que vocês realmente querem saber o queo futuro lhes reserva? Têm coragem para agüentar saber o que vaiacontecer? - disse a velha, baixando os olhos para a terra batidaque servia de piso para o casebre.

_ Sim, cigana Maria. Eu preciso saber. Nem com todoo dinheiro que tenho, meu filho Pedrinho, que eu pensei que jamaispudesse ter e minha mulher Fernanda; nem os bois, nem as terras,nem mesmo ver a felicidade de João meu amigo e melhor emprega-do e sua mulher Rosinha, me dão paz. Não sei como vou suportaroutro dia sem saber direito porque ando tão afligido... - respon-deu, com os olhos marejados, o fazendeiro Jeremias.

_ Pois bem... mas não diga que eu não lhe dei a chancede não conhecer o que vai acontecer... - disse a velha, pesarosa,enquanto se levantava, ia até um baú no fundo da sala e o abrindo,pegava um maço de cartas de tarô.

_ Pode dizer que eu agüento - disse Jeremias com opeito apertado, queimando, em brasa.

_ Pois não..., respondeu a velha, enquanto dispunha namesa algumas cartas.

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João Saldanha e Jeremias ficaram apreensivos, em si-lêncio, enquanto a mulher olhava para as cartas e parecia que iaficando cada vez mais triste o seu rosto e mais pesarosa a sua ex-pressão...

_ Filho, a tragédia será terrível e não vejo modo deevitá-la. Quer mesmo saber? - perguntou, esperando que Jeremiasdesistisse de saber a resposta.

_ Quero, claro que quero... eu preciso saber!!! - foi aresposta de Jeremias.

_ Pois saiba que seu filho, seu único filho, vai morrerno chifre do seu boi mais belo, mais bonito, mais manso. No chifredo seu melhor boi! - disse a velha, baixando os olhos para as cartas.

_ Não !!! - disse Jeremias, se levantando da cadeira, quecaiu no chão com o impulso, fazendo barulho.

_Calma, Jeremias!!! Calma, patrão !!! - João tentavaacalmá-lo.

_ Calma, nada !!! Vim aqui saber o que me aflige e essavelha doida me diz que meu filho vai morrer?!? Chega de loucura !!!Não vou ouvir mais nada !!! Essa velha não passa de uma cigana ladrae mentirosa como todos os ciganos !!! O que ela quer ?!? Me dizerque meu filho vai morrer e depois me pedir dinheiro para fazer algumamagia negra para “salvá-lo” !!! Vamos embora daqui, João !!!” - ter-minou, gritando e saindo da casa, derrubando o copo com o resto decafé no chão.

_ D-Dona Maria, perdoe o meu patrão... E-ele, E- eu -João Saldanha tentava se desculpar.

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_AGORA, João !!! -, gritou Jeremias, já montando emseu cavalo, já do lado de fora do casebre.

Sem mover um músculo, a velha cigana, continuando aolhar para as cartas, apenas disse a João Saldanha:

_Vá filho. Console o coração dele. Essa velha não temmais idade para se julgar ofendida e o coração desse pai sabe queestou dizendo a verdade. Infelizmente, nada pode ser feito... Vá...

_ D-Desculpa, Dona Maria... - tentou desculpar-se JoãoSaldanha novamente.

_ JOÃO !!! - gritou Jeremias, do lado de fora da casa._ Vamos indo - disse João, subindo em seu cavalo e se-

guindo o patrão pela estrada.

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O fim da tempestade

João Saldanha e Jeremias seguiram a viagem todacalados. Nenhuma palavra foi trocada entre eles.Quando chegaram na porteira da Fazenda Reuni-

das, Jeremias quebrou o silêncio:_ João, amanhã bem cedo, quero que você leve o boi

Tufão para o matadouro. - disse._ Quê patrão?!? Mas lá o senhor disse que.... - espan-

tou-se João._ Eu sei o que disse e mantenho. Mas é melhor preve-

nir. Mate o boi Tufão amanhã cedo e não discuta mais. Nunca maiseu quero falar sobre esse assunto. - disse secamente Jeremias aJoão Saldanha.

_ Mas, patrão...._ Eu disse NUNCA MAIS, ouviu BEM, João ?!? -

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esbravejou Jeremias, e João quase imaginou se o patrão não iriaagredi-lo, pulando do cavalo.

_ Sim, PATRÃO Jeremias - disse João Saldanha, comamargura na voz. Nunca Jeremias havia falado assim com ele an-tes. Ele se sentiu humilhado e envergonhado, mas fez como o seupatrão lhe dissera.

Bem cedo, João Saldanha levou o animal, o manso boiTufão, para o matadouro e, com dor no coração, desferiu o golpefinal. Jeremias nem quis saber das opiniões e comentários dos pe-ões e outros empregados da Fazenda Reunidas, que acharam queele estava louco por matar, assim, sem necessidade, um boireprodutor tão caro, bonito e manso como o boi Tufão. João partiuos pedaços do boi Tufão e o dividiu entre os peões, que fizeramdele um bom churrasco. A cabeça, Jeremia não quis para pendurarna parede da sala da casa grande, como troféu. Mandou JoãoSaldanha se livrar dela. João a colocou em um mourão, para secare talvez um dia, servir como enfeite. “Sabe-se lá o que eu pensei nahora”, ainda se recorda quando pensa na tragédia.

Soube-se, anos mais tarde, que a velha cigana Mariamorreu e foi enterrada. João Saldanha, sozinho, foi ao enterro, fei-to pelos moradores da Vila Patrícia. Jeremias ficou sabendo, atra-vés de um dos peões, da morte da velha, mas não disse uma únicapalavra. Nunca mais se falou em boi Tufão na Fazenda Reunidas.

Até o dia em que Pedrinho, que se prepara para a suafesta de aniversário - ia completar oito anos - no mês seguinte, foibrincar no pasto. No mesmo pasto em que havia aquele mourão no

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qual João Saldanha havia espetado a cabeça do boi Tufão. Nessaépoca, os cupins já haviam transformado aquele mourão em pó e otempo transformado a cabeça em uma caveira com chifres.

Distraído com a beleza do pasto verde, o menino nãoviu a caveira, meio encoberta no chão por raízes e pela grama.

_Pedrinho !!! Venha almoçar, menino !!! A comida estána mesa !!! - era Dona Fernanda, que gritava da soleira da portada casa grande.

_ Tô indo, mãe !!! - respondeu o menino, a tragédia seaproximando.

O menino não viu a fatídica pedra que estava à suafrente e tropeçou. O menino não viu a cabeça do boi Tufão, a ca-veira com chifres cravada no chão. Ninguém conseguiria deter aqueda do menino a tempo. Pedrinho estava caído e em seu peitoestava enterrado um dos chifres do boi Tufão. O grito do menino,mais de espanto que de dor, fez a mãe, Dona Fernanda, gritar tam-bém. Ela correu fazenda afora, em direção ao pasto, e ao vê-lacorrendo, os empregados correram também para ver o que se pas-sava.

O choro de todos, os gritos, o desespero da mãe, cha-maram a atenção de peões, dos animais e talvez até da próprianatureza, que via a tragédia e começara a armar uma tempestade,de repente, de uma hora para a outra. Junto com os primeiros pin-gos de chuva, chegava o pai de Pedrinho, chamado por um dospeões, acompanhado de João Saldanha e Rosinha, que pareciamjá sentir o que acontecera, antes de receberem a notícia.

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O pai se ajoelhou sobre o corpo do menino, que ofe-gava e vazava sangue quente e misturava suas lágrimas às da mãedesesperada. Ninguém se atrevera a tirar o chifre cravado no peitodo menino, com medo de aumentar a hemorragia. Mas o menino jáestava morrendo.

Se esvaindo, em um último momento de lucidez, o me-nino notou a expressão do pai Jeremias e fez uma pergunta queficou sem resposta: “Pai, o senhor sabia que isso ia acontecer ?!?”.E expirou. O médico da cidade, quando chegou, chamado por umdos peões, nada pôde fazer.

Pedrinho morreu no chifre do boi Tufão.

_ Ei, João, tu tá gostando dos boi ? - perguntou Dantasa João Saldanha, que acordou no meio da feira de animais. Ele seperdera em pensamentos, na tragédia do boi Tufão e quase esque-cera de que estava ali a trabalho.

_ Ah, sim... mais ou menos. - respondeu, ainda meioressabiado com o capataz de Zé Olímpio que há poucos minutosparecia o estar espionando. E decidiu falar às claras:

_ Escuta, Dantas, que é que você está fazendo aqui,atrás de mim o tempo todo e tão interessado no que eu faço ou deixode fazer? Eu já deixei de ser empregado do Zé Olímpio há muitosanos!!! - disse nervoso.

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_ Calma, João... Eu vou falar direto, também !!! - re-trucou o capataz. “É que o Zé sabe que tu tá tomando conta daFazenda Reunidas... e que o seu trabalho é muito bom... olha, aReunidas é hoje a maior fazenda da região... e ele queria saber sevocê não queria mudar de emprego... sei lá, voltar pra FazendaBoi Guloso, com um salário dos bão, casa própria e tudo... e eutava só sondando ocê, ué !!”! - disse Dantas.

_ Ah, é isso! - disse João Saldanha._É... quanto cê qué pra voltar pra Boi Guloso?!? É só

dizer que o Zé Olímpio paga o quanto cê quisé... - disse Dantas, osolhos brilhando de inveja.

_ Não, Dantas. Não posso e nem quero deixar a Reu-nidas, nem por todo o dinheiro do mundo. Depois da morte doPedrinho, meu patrão Jeremias foi morar em São Paulo com a mu-lher dele, a Dona Fernanda - pra tentar esquecer um pouco a tra-gédia - e me deixou no comando. Ele disse que eu ia ser o filho queele não pôde criar. E eu prometi não decepcionar aquele que con-fiou tanto em mim, disse João Saldanha, com os olhos úmidos.

_ Mas, João..._ Vá embora, Dantas. Agradeça ao Zé, mas tem coisa

que nem eu nem ninguém pode explicar. Como o que o destino fazcom a gente. Como o que o destino faz com os outros. Como a histó-ria do boi Tufão...

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Foi há uns anos atrás, no estado da BahiaQue um ricaço fazendeiro por nome de Jeremias

Leu a sorte de seu filho com a cigana MariaEla disse, “Meu amigo, me corta o coração,

Mas se veio pra saber vou lhe dar explicaçãoO seu filho vai morrer no chifre do boi Tufão”

Fazendeiro Jeremias mandou chamar o empregado“Vá buscar o boi Tufão, deixa ele encurralado!

Amanhã ao romper do dia, o boi vai ser degolado

O moço era obediente, no cavalo foi montandoSaiu pelo pasto afora, com o coração sangrando

Desceu o chapéu no rosto, pra ninguém o ver chorandoMataram o boi tufão !

Os anos foram passando,A cabeça do animal no quintal ficou rolando

Naquele mesmo lugar o menino estava brincandoE na hora do almoço, a sua mãe lhe chamou,Garoto saiu correndo, numa pedra tropeçou

Caiu na ponta do chifre do boi que seu pai matou

Naquele sertão bravio nada puderam fazerMandaram chamar o doutor - doutor não pôde atender

Menino falou baixinho: “Papai preste atenção,Eu vou pra junto de Deus, me tenha no coraçãoMeu destino era morrer no chifre do boi Tufão”

A história do Boi Tufão

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FIM

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Nada. Li tudo denovo e... nada. Nãoconseguia mudar

mais uma vírgula sequer. Nem nospoemas incluídos na história, um dedomínio público, que ouvi de uma velhana Paróquia de São Benedito, e osegundo, de autoria do um amigo meu,o professor Marcos Alexandre, um dospoucos que não me virou as costas.|Ambos estavam presentes no textoporque o primeiro resume a tragédia e osegundo tocou-me particularmente portransmitir a dor que deve sentir umapessoa que pressinta os acontecimentosfuturos - se é que isso existe.

Luz

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Marcos Alexandre

Depois de reler o texto, contar as páginas e lem-brar que eu deveria limpar a geladeira algum dia, antes queinadvertidamente a abrisse e fosse devorado por uma florestade fungos, percebi que não poderia nem sonhar em apresen-tar isso pro Jorge. Ele ia ficar no meu pé pra que eu aumen-tasse aqui e ali e a situação iria ficar pior. Era melhor imprimiruma cópia do texto, salvar em disquete e guardar tudo. Ecomeçar tudo de novo, com outro tema, outra história. Talvezalgo que não me lembrasse tanto do Guilherme...

Meus prazos já estavam estourados em doismeses... talvez um pouco mais. Não estava agüentando apressão. Jorge não queria mais saber das minhas desculpas.Para ele, as minhas olheiras, a barba por fazer e os dedosmanchados de nicotina não passavam de indícios de boasnoitadas longe do computador.

Quem me dera... Depois do divórcio, as coisasnão andavam bem pra mim. As cartas de cobrança já estavamse acumulando embaixo da porta e a pensão das criançasestava atrasada há três meses. Carla cansara de esperar emandara o advogado me ligar. Três recados na secretáriaeletrônica. Cada um mais mal-educado que o outro. Do jeitoque ela devia estar ressentida, podia, tranqüilamente, mebotar em cana por não pagar a pensão alimentícia. Mas euperguntava: “Pagar com o quê?!?”

Quarto copo. Último cigarro. Por que é quesempre acabam os cigarros quando é madrugada, está cho-

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Lágrimas de Anjo

vendo ou a gente está duro? Seis da manhã. Preguiçosamen-te, o sol começava a surgir, me forçando a fechar as corti-nas... Sentei-me novamente e fechei os olhos só por unsminutos...

Acordei com a cara afundada no teclado. Que dorde cabeça !!! A ressaca era tão forte que engoli a quintadose só pra me manter meio alto. Como a gente desce aofundo do poço...

Depois do meu oitavo livro, “Cartas Marcadas”,não conseguia escrever mais nada que realmente prestasse.Não que isso dificultasse o trabalho do Jorge, meu editor.Aquele vende vento pra fabricante de moinho, que dirálivros... Uma boa noite de autógrafos, alguns cartazes edisplays, duas ou três entrevistas em talk-shows e ele conse-gue colocar os livros nas grandes livrarias. Mas ele tem queter alguma coisa, algum material com o que trabalhar, e eunão conseguia escrever nada que prestasse. E o dinheiro doadiantamento que Jorge havia me dado estava acabando...

Abri a porta olhando para todos os lados,ressabiado, torcendo para não encontrar ninguém no corre-dor. Depois de cambalear dentro do elevador, uma volta peloquarteirão e alguns cigarros talvez conseguissem me reanimar.Estava fedendo e com as roupas amarrotadas. Parecia ummendigo. Três dias sem tomar banho, olhos fixos na tela embranco do editor de textos.

Caminhei por pouco mais de meia hora e já me

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sentia vencido pelo cansaço. Cigarros. Eles me matavam e eujá sentia desesperadamente a falta deles. Na padaria, osprimeiros clientes do dia me olhavam com o canto dos olhos,balançavam a cabeça e me evitavam, como se eu tivessealguma doença mortal. Ainda bem que não precisei dizer“bom-dia” a ninguém. Meu hálito derrubaria até o Tyson...

Dois cigarros, um atrás do outro, restabeleceramo nível normal de nicotina na minha circulação sangüínea.Ignorava a vertigem e o súbito enjôo. Não agüentei. Parei, nomeio da calçada, me apoei em um poste e pus pra fora umresto de pizza da noite anterior e um pouco de bile. As pri-meiras pessoas que saíam de casa rumo ao trabalho se es-pantavam, torciam o nariz e me evitavam. Para eles, eu nãodevia passar de mais um bêbado qualquer. Estava me sentin-do mal a ponto de querer morrer. Que merda! Nessa hora,não me aparece um amigo, um conhecido qualquer, uma boaalma para ajudar. Meu anjo da quarda devia estar em férias...

“Anjo...é isso!!!” O estalo me sacudiu e eu vi asolução para os meus problemas. Ao menos, para a minhacrise criativa: lembrei que Jorge havia me dado, meses atrás,algumas páginas de um diário de um religioso maluco queacreditava ser um anjo !!! Jorge havia recebido essas páginasde uma espécie de agente, que investigava o desaparecimentode um tipo de padre, pastor, sei lá. Rimos muito quandoJorge me disse que alguma coisa sobre aquele maluco jáhavia sido publicado na imprensa, causando polvorosa nos

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Lágrimas de Anjo

meios religiosos. Meu negócio eram os romances melosos,mas à essa altura, eu poderia aproveitar o material e bolaralguma coisa... Isso !!! Iria escrever um livro sobre esse tal“anjo” !!! Seria um sucesso!!! O assunto nunca saiu de moda,os anjos sempre fizeram parte do imaginário popular, fazemparte da mitologia universal e vários outros escritores jáenriqueceram usando e abusando dessas lendas. “Duendes,fadas e gnomos já passaram... o negócio são os anjos!!!”,pensei, ainda meio de ressaca.

Girei nos calcanhares e com um ímpeto, corri atémeu apartamento. Passei a mão no telefone. Dois ou trêspedidos de desculpas depois, um novo adiantamento acerta-do com a editora do Jorge, a promessa de um novo livrobastante comercial, e eu me via tirando o pé da lama. Iaescrever um livro sobre o tal “anjo”... Só havia um problema,pensei: “Que diabos eu sei sobre anjos ?!?”

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Uma semana depois,eu já havia conseguido escrever

trinta e duas páginas do meu novolivro. Como, até hoje eu não sei! Umaverdadeira colcha de retalhos... sempé nem cabeça, mas ainda assim, jácomeçava a se formar algo... estavaconfiante de que, durante o processode criação, surgiria alguma coisa... Aspoucas páginas arrancadas de umdiário de um tal de Prior AugustiniDominic Frazelli causavam estranhezapela convicção e precisão de algunsrelatos. E também as diferenças deestilo que eram utilizadas para descre-ver algumas situações bizzaras. Absur-das, totalmente fantásticas, devo dizer,

Encontro

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Lágrimas de Anjo

mas com um certo charme... coisa de fanático religioso...O toque insistente da campainha me despertou de

um cochilo. “Eu já cansei de avisar ao porteiro de que não épara deixar ninguém subir !!!”, pensei, enquanto me levantavado sofá e ia atender. “Quem será, a esta hora ?!?”, pensava,torcendo para não me deparar com outro credor impaciente.Pelo “olho mágico” não consegui identificar quem era a figu-ra. Resolvi arriscar e abri a porta.

“Boa noite. Gostaria de tratar consigo de umassunto de extrema importância espiritual...”, disparou ohomem que se avolumava na soleira da porta.

“Olha aqui, meu irmão, não quero comprar livros,revistas, e para sua informação, não discuto religião !!!Passar bem !!!”, respondi, já fechando a porta na cara dosujeito.

“Não desejo vender-lhe nada, mas você me deve.Lembra-se de quando seu filho...”

Não esperei que ele concluísse a frase e disse:“Entre...”

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O estranho entrou nasala, com pose ecalma de um lorde

inglês. Fiquei nervoso, intimidado porum momento. Os cabelos dele, casta-nhos e compridos, estavam cuidadosa-mente arranjados em um farto rabo decavalo. Barba feita, excepcionalmentebem-feita. Parecia que sua pele nuncahavia visto uma lâmina ou um daquelescremes de barbear que prometemmuito e empipocam o rosto no diaseguinte. O nariz, aquilino, contrastavacom uma boca delicada, vermelha, quesobressaía na pele pálida. Calças,sapatos, casaco...tudo negro, exceçãoda camisa banca. Parecia um sacerdo-te, um padre...um exorcista.

Ainda tentando descobrirdo que se tratava, e enquanto o estra-

Ex-Machina

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Lágrimas de Anjo

nho se acomodava no sofá, pequei uma dose de uísque -daquele que me restara dos bons tempos - no bar. Caubói.Talvez ajudasse a despertar. Quem seria esse bosta queaparece de repente e agora quer falar sobre “assuntos espiri-tuais importantes” ? E mais, como ele soube do Guilherme?Talvez algo tenha sido publicado algo em algum jornal, o queeu duvido...

“Apesar de ser a hora de seu filho morrer, insisticom Ashmel para que deixasse a criança ficar na terra umpouco mais. Mas não dependia só dele. Estava apenas cum-prindo ordens. Trabalho... Uma pena...”, disse o estranho,quebrando o incômodo silêncio.

“Quem é Ashmel? Que merda é essa?”, respondi,irritado ao extremo. “Como vocês dizem, o ‘anjo da guarda’,o grigori , de seu filho... o anjo que era seu protetor. Até oacidente, é claro...”, respondeu, impassível.

Senti um frio na barriga e quis expulsar aquelemaluco do meu apartamento, mas ele parecia saber demaissobre Guilherme. Lembrei-me de outro doido que pareciaestar tentando socorrer o menino, mas acabou discutindocom o vento. Parecia drogado, dizendo palavras ininteligíveise gesticulando diante de uma figura imaginária.

“Aquele maluco... naquele dia... era você!?!”,perguntei, boquiaberto, começando a me lembrar porque seurosto me era familiar.

“Não sou... para usar um termo seu... maluco,mas, sim, era eu...”, retrucou.

As lembranças voltaram como um jato de vômitona minha cara...

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A última coisa deque eu precisavaera um problema

como esse! A julgar pelos últimosanos da minha vida, podia mudar meunome para “Encrenca”... merda... lávou eu pensando naquela megera...coitada... ela não teve culpa. Ah, nofundo, será que alguém teve culpa?

Na faculdade a gente fazcada cagada... depois nem acredita...Quando eu conheci a Carla, ela eranamorada... namorada, não,... noivado Marson.

A gente saía juntos, ostrês, eu segurando vela, e muito lá devez em quando me saindo bem, arran-jando uma gatinha nesses barzinhos

Reminiscências

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Lágrimas de Anjo

do Bixiga. Invariavelmente, a conversa passava pelas prefe-rências literárias, um pouco de filosofia de porta de banheiroe terminava na cama. No entanto, isso não me satisfazia. Nodia seguinte, já havia jogado o número de telefone da meninafora e estava sozinho de novo. E isso estava se repetindocom maior freqüência, à medida em que eu saía mais com oMarson e a Carla e me incomodava com aquela melação dosdois. Parecia que eu queria fugir da companhia deles, masalguma coisa me atraía.

Talvez fosse o jeito meio maluco do cara, quefazia as vezes de um irmão mais velho, talvez fosse o olharsacana da Carla, toda cheia de mistério. Só sei que o climanão estava bom pra mim. Mas eu ria, sorria, contava piadas efazia de tudo para não dar bandeira. Mas alguma coisa nãoestava certa...

Finalmente, a turma da faculdade marcou umavisita ao Museu de Arte de São Paulo. Eu fui. Carla foi.Marson, não. Depois de uma overdose de cultura, a gente foidireto para a lanchonete mais próxima e Carla sentou-secomigo. Papo vai, papo vem, decidimos dar uma volta. Aausência de Marson - justificada, descobriria mais tarde, jáque ele estava chapado no porão de sua casa - fazia com queeu me sentisse um traidor, um safado, mesmo que aquelaconversa com a Carla não passasse daqueles assuntinhosbanais, com direito a todos os clichês do gênero “namoradi-nha de um amigo meu”...

Mas, de repente, ela começou a conduzir a con-versa, com aquela sensualidade que me desmontava. Aquela

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voz rouca, aqueles cabelos louros (tingidos, também descobrimais tarde) compridos e cacheados, aqueles olhos verdes eaquela boca vermelha eram um convite à perdição. Meu Deus!!! Uma gata daquelas, com um sorriso lindo e um par depeitos de fazer inveja à Dolly Parton. O resto também nãoera de se jogar fora. Tá certo que ela era meio baixinha, masninguém vende perfume francês em garrafas de dois litros. Avida ensina que as melhores coisas vêm em pequenas doses(e os piores venenos também...). Mas ela era noiva doMarson. Babaca.

Muito papo besta jogado fora, decidimos pegar ometrô e depois o trem, já que ela iria dormir na casa de umatia. Descemos na estação e, na escada, aquela gata me puxoupra si e me lascou um beijo. Não resisti. Nem lembrava maisque o Marson existia. Na época, ele era o meu melhor amigo.Mas, naquele momento, lembrei-me de que já tivera outros“melhores amigos”. O incrível é que eu não havia planejadoisso...

Na hora, decidi que, já que era pra ferrar comtudo, ferrado e meio. Peguei a loura pela mão e a arrasteiescada abaixo. Tínhamos descido do penúltimo trem da noite.A estação estava deserta. Pulamos na linha do trem e anda-mos uns cinquenta metros, talvez mais, entre abraços eamassos. Parecíamos dois desesperados. O frio não impediuque tirássemos parte das roupas (ao menos as peças que apressa nos permitiu) e com uma urgência mortal, fizéssemosamor ali, no meio da linha do trem, em pé mesmo, meio assimtortos, como dois galhos retorcidos.

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Quando ouvi um barulho, abri os olhos (porqueserá que a gente sempre fecha os olhos nessas horas?) e vi aluz, só deu tempo de gritar: “Vai pro outro lado ! Rápido !!!”e o trem passou, o último trem passou, pela linha em queestávamos !!! A sensação de perigo, de que alguém nostivesse visto, serviu apenas para tornar tudo mais especial.Mas eu não achei mais o sapato esquerdo.

Ficamos em silêncio, abraçados, durante umtempo que parecia não ter fim. Eu estava feliz e envergonha-do ao mesmo tempo, e ela percebia isso, mas procurava nãodemonstrar. Fumei uns dez cigarros na meia hora em quedemoramos para chegar à casa da tal tia. Sentia-me ridículocom as calças e camisa amarfanhadas e sem um dos sapatos.Esperei um beijo de despedida, depois de uma noite tão“caliente”, mas ela apenas murmurou um “A gente se vê...”,enquanto girava sua cópia da chave na fechadura e entrava,desaparecendo na escuridão da casa, cuja porta se fechousem demora.

Não entendi. Chegando em casa, tive um sonhointranqüilo. Havia gostado demais da experiência e imaginavamil maneiras de como nós iríamos explicar ao Marson queestávamos juntos, eu e a Carla. Dane-se que eu tivesse queme explicar, apanhar, pedir desculpas...íamos ficar juntos, eue Carla... estava preparado pra tudo...

Menos para, no dia seguinte, chegar à sala de aulae ver os dois, Carla e Marson, abraçadinhos, juntinhos.Quando Marson se levantou e veio me cumprimentar, sorrisobesta na cara, eu me senti muito mal.

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Não porque eu tenha sentido remorsos por tertraído meu melhor amigo traçando a namorada dele, masporque, por cima do ombro de Marson, eu vi Carla meolhando e tentando segurar o riso. Burro! Eu havia sido sóuma transa, um trouxa. Apenas um brinquedo. Aos poucos,fui me afastando dos dois e perdi o contato. Não queria maisser usado...

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Lágrimas de Anjo

No entanto, a vida nosprega peças. Issomesmo. Cinco anos

após a formatura, quando eu já pensavatê-la esquecido, acabei reencontrandoCarla em um barzinho no Bixiga. Pareciaoutra pessoa. Nada que lembrasseaquela estudante imatura que eu conhe-cera. Seu noivado com o Marson haviaacabado há anos e ela estava muitomais bonita.

Mesmo ressabiado, começa-mos a sair juntos e passei a percebercomo Carla havia mudado: estava maismadura, segura, sensível. Mas não merendi logo nos primeiros encontros -recomeçamos nossa relação apenascomo amigos. A aventura nos dias de

Reencontro

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faculdade e até mesmo o que considerávamos “amizade”naquela época faziam parte de um passado morto e enterra-do. Nos tornamos dois amigos que riam muito, pois, invaria-velmente, completávamos as frases um do outro. Antes queas palavras me viessem à boca, ela já sabia o que eu ia di-zer...

Mas a atração que eu sentia por ela, e que elaparecia desenvolver por mim, não podia mais ficar restritaapenas às palavras. Em uma noite de verão (benditos todosos sonhos de uma noite de verão), acampando com algunsamigos, “aprofundamos” nossa amizade com um beijo. Masqueríamos mais.

Larguei meu violão sobre a ponte de madeira queatravessava o córrego e embrenhei-me com ela mata adentro,em direção a uma pequena capela que havia nas proximida-des.

A imagem de uma santa, no nicho da capela, nosvia procurando, tocando, sentindo e amando. Apesar doprurido religioso que arremeteu contra Carla, que pediu paraque nos afastássemos da imagem, eu não conseguia sentirnenhuma vergonha. Parecia até que os anjos no céu nos viam.E aprovavam a nossa paixão.

Depois dessa “redescoberta”, continuamos a nosver e a nossa relação foi ficando cada vez mais intensa.Meses mais tarde, decidimos nos casar. Dispensamos asformalidades religiosas e casamos apenas no civil. Jorge eMarina foram nossos padrinhos. Estávamos felizes, realmentefelizes.

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Lágrimas de Anjo

Depois de um ano e dois meses, a chegada deGuilherme, nosso primeiro filho, nos uniu ainda mais. Trêsanos mais tarde, chegaram as gêmeas, Amanda e Diana. Euestava feliz. Tinha uma família feliz e meus livros estavamvendendo muito bem. Estava lançando meu quinto romance:“O Homem que era Dezembro”. Mal sabia que, dois anosmais tarde, estaria no fundo do poço. Queria esquecer detudo, mas agora me aparece na porta esse merda, agorasentado em meu sofá, e me faz lembrar de um tempo em quefui feliz... e me faz lembrar do começo do fim...

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Pesadelo

Meu casamento iabem, masdepois de seis

anos, o tédio surgiu e eu fiz a maiorburrada da minha vida. Eu estava meenvolvendo com a Baby. Sobrinha doJorge. Ela era uma gracinha. Dezanos mais nova que eu. Mas bateu avontade, ela deu mole e fomos pararem um restaurante, perto de umaclínica em que ela trabalhava comoesteticista.

Morena, cabelos pretos,boca carnuda e um par de coxascapaz de parar um caminhão. Depoisdo jantar e muitos drinques, fomosparar em um motel. Incrível como umbom papo e algumas doses têm o

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poder de conquistar uma mulher. Talvez porque essa garotadade hoje só pense em futebol, videogame... desperdiçamtempo enchendo o carro de homem e dando voltas pelas ruasda cidade... E com tanta mulher sobrando...

Era pra ser uma aventura. Uma noite agradável einconseqüente. Nada sério. Eu vivia bem. Amava minhaesposa e filhos. Amava minha família. Baby sabia que eu eracasado. Para ela, era apenas uma questão de pele, de desejo,sabia que era apenas uma “transa”. Não iria acontecer maisnada. Ninguém iria ficar sabendo...

A merda é que ninguém ficou sabendo da primeiratransa. E ladrão que escapa impune, fica mal-acostumado.Voltamos a sair uma segunda vez... uma terceira... uma quar-ta. E aí perdemos o controle. Nos “viciamos” um no outro.Não era amor. Era um hábito. Um hábito perigoso.

Comecei a me ausentar de casa mais do que serianormal. Tentava disfarçar na cama, mas Carla percebia quemeu interesse havia diminuído. Ela começou a desconfiar.Baby deixou de usar perfumes e maquiagem quando saíamos,para evitar um inconveniente colarinho manchado ou umacamisa com cheiro diferente. Carla passou a ser fria comigo ediscutíamos por bobagem. Era o começo do fim.

Quando vi que podia perder minha mulher, decidiacabar com a aventura. Nada valia tanto assim. Liguei paraBaby e marquei o que seria nosso último encontro. Burro !!!Carla estava escutando na extensão.

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Quando me preparava para sair, Carlairrompeu quarto

adentro, furiosa, espumando de ódio.“Você não vai sair, quem vai sair soueu !!!”, gritava, enquanto socavaalgumas roupas dentro de uma mala,apanhada ao acaso. Não tive tempode argumentar. Percebi que ela deviater ouvido a conversa com Baby eagora meu casamento ia pro buraco.

Segurei-a pelos ombros etentava acalmá-la quando ela largouas roupas e estourou uma bofetada emmeu rosto. Talvez por instinto, reflexo,pura estupidez, devolvi-lhe o tapacom violência redobrada. Elaesborrachou-se no chão e eu me dei

Morte

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conta do que acabara de fazer.“Você nunca mais vai encostar as mãos em mim”,

disse, pausadamente, com a voz carregada de profundamágoa. Não imaginava descobrir a fera em que se torna umamulher traída. Sentei-me na cama e tentava pensar em umasaída para aquela situação...

Estava perdendo minha mulher e minutos anteshavia agredido a companheira de tantos anos por causa deuma aventura. “Que merda !!!”, pensava. Carla saiu emdisparada para a garagem, desistindo de levar a mala e arras-tando as gêmeas pela mão, rumo ao elevador. “As crianças,ela vai levar as crianças !”, acordei. Guilherme, maiorznho,foi atrás da mãe. “Aquele moleque chorão...”, pensei.

Desci pelas escadas,correndo, gritando e prague-jando. Ela já havia colocado as gêmeas no banco de trásquando eu me aproximei, peguei-a pelo braço e comecei adizer: “Pelo menos briga comigo !!! Não me ignore, merda !!!Não é sempre você que tem respostas pra tudo ?!?”, gritava,ensandecido e assustado pelo desprezo com que ela olhavapara mim. Guilherme, assustado, correu para a traseira daPajero e se escondeu. Não queria apanhar do pai doido. Aí atragédia.

Nos esquecemos, na discussão, de que Guilhermenão estava dentro do carro. Àquela altura dos acontecimen-tos, o menino podia estar na lua que não iríamos nos darconta. Carla fechou a porta, enquanto eu berrava feito loucoe ligou o carro, engatando a ré. Guilherme mal teve tempo degritar. Foi prensado contra um pilar da garagem.

Gritei e corri em sua direção. Meu coração pare-

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cia que ia saltar pela boca. Carla olhou para trás e viu o quetinha acontecido. Hoje, reconheço que foi um acidente, masna hora, eu abraçava o corpo ensangüentado do menino egritava: “Assassina... assassina !!!”.

Eu a odiava, mais que tudo, naquele momento. Eume odiava. Mas não queria acreditar que Guilherme estivessemorto. Queria que ele respirasse, falasse e que aquele sanguetodo fosse como no cinema... de mentira.

Mas, não. Carla, pulando do carro, caiu de joe-lhos junto ao menino, segurava a sua mão, tremia, chorava egritava: “O que eu fiz? O que eu fiz, meu Deus ?!?”

Um sujeito, talvez esse mesmo sujeito sentadoagora em meu sofá, surgiu do nada, aproximou-se, sem dizeruma palavra e tentou, em vão, reviver o menino. Na hora,pensei que fosse um médico, sei lá o que pensei, se é que eupensei... não pensei em nada. Só sei que pelo sangue e asfraturas, eu já sabia que ele estava morto, mas quando oestranho me tocou, afastando-me com gentileza, porém comfirmeza, do menino, ainda senti uma ponta de esperança.

Primeiro, ele tentou respiração boca a boca,enquanto, pasmos, eu e Carla ficamos ajoelhados, unidos emmeio à raiva, à sensação de impotência e um incômodosenso de solidariedade conjugal, esquecendo a briga demomentos antes, enquanto o estranho de capote negro searqueava sobre nosso filho como um abutre humano. Asgêmeas choravam, esquecidas dentro do carro.

Com uma voz ininteligível, o estranho começou adizer palavras esquisitas (ao menos não parecia nenhuma

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língua que eu pudesse identificar) e a resmungar com alguéminvisível. Parecia que tentava afastar alguém do corpo deGuilherme. Em choque, vimos o estranho finalmente baixar acabeça, balançá-la em sinal de desistência e erguer-se, afas-tando-se sem olhar para nós, amaldiçoados, desventurados,pais desfilhados.

“Ashmel recusou meu pedido. A criança já está àcaminho da Cidade Alta...”, disse-nos, como quem informa aprevisão do tempo. “Que porra é você !?!”, revoltei-me, comos olhos cheios de lágrimas, enquanto o via afastar-se eimaginava porque havia permitido àquele louco pôr as mãosno meu filho morto.

Os vizinhos e curiosos foram chegando, cada umcom sua própria e particular expressão de horror estampadano rosto. Alguém chamou a polícia, que tomou as providênci-as de praxe. Um amigo influente manteve o caso longe daimprensa, ao menos tanto quanto foi possível. Guilherme foivelado e enterrado. Eu, Carla e as gêmeas continuamos nomesmo apartamento até poucos dias depois do enterro. Nosesforçamos para não piorar mais ainda a situação e mantive-mos a dignidade, evitando demostrar que já estávamos emfranco processo de separação.

Carla responde ainda a um processo por homicí-dio culposo, e não doloso, pois obviamente não houve dôlo,intenção... mas manteve a guarda das gêmeas, em parte,porque testemunhei a seu favor, revelando em detalhes o quemotivou a briga, e seu estado emocional na hora do acidente.

Mas a verdade é que eu sei quem matou meu filho:

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meus erros. Sim, eu não conseguia me perdoar, e nem àCarla. Nossa separação foi amigável, para sair mais rápido.Mas nosso ressentimento mútuo vem crescendo desde então.Pra piorar, o Dr. Marcelo, advogado dela, a aconselhou amanter distância de mim, e a só permitir visitas às criançasnos dias determinados pela Justiça. Aquele advogado safadodeve estar de olho nela...

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Lágrimas de Anjo

Eu disse que fiz opossível para salvarseu filho”, o estra-

nho repetiu, como se tentasse medespertar de um transe. Sentado nosofá da sala, sua imponência acentua-va um ar de pretensa superioridade.

“Eu ouvi”, retruquei, irrita-do, pondo um fim às lembranças.“Mas você ainda não disse quem é eo que quer comigo”, continuei.

“Eu sou um anjo. Oumelhor: um ex-anjo. Quero que vocêpare de escrever seu livro imediata-mente. Também quero que me devol-va os originais de meu diário, queforam roubados de mim por um agen-te que me persegue, e a esta altura,

Nome

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poderia estar aqui por perto me vigiando. Há mais sobre mimque nem a você, nem aos humanos importa saber... Já bastamas especulações de que fui alvo, pela imprensa, depois queesse tal agente divulgou partes de meu diário, na clara tentati-va de me atrair a alguma armadilha, acredito...”, disse, cal-mamente. A afirmação saiu assim, tão natural, que preciseisegurar o riso diante de um diálogo tão estúpido.

“Um anjo ?!? Se você é um anjo,seu maluco, ondeestão suas asas ?!?”, respondi, com ironia, tentando mecontrolar.

“As tomaram de mim”, disse, desviando o olhar.Quase senti pena daquele maluco. Continuei a brincadeira. “Epor que raios eu deveria acreditar em você e interromper meutrabalho ?!? Quem diabos, realmente, é você ?!? O que querde mim ?!? Olha, se você está aqui a mando de alguma edito-ra concorrente, eu...”, disse, enquanto tentava me acalmar...

“Nou sou o diabo, embora o conheça bem. Etambém não pertenço a nenhuma empresa humana. Sou umex-anjo com motivações próprias e simplesmente quero quedesista de seu projeto de escrever mais bobagens. E destavez, sobre mim... Não preciso e nem quero publicidadehumana”, arrematou.

Não agüentei mais. Um arrepio me percorreu aespinha. Parti para cima dele, punho fechado, para dar-lheum belo murro na cara. Quem aquele bosta pensava que era,para aparecer na minha porta, invadir minha privacidade, mefazer lembrar da morte do meu filho e ainda dizer que era umanjo?

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Lágrimas de Anjo

Impassível, o estranho me deteve com apenas umafrase:

“Meu verdadeiro nome é ... ”O nome, impronunciável por lábios humanos,

atingiu-me como um furacão, me lançando a dois metros dedistância, feito um boneco desarticulado. Caí sobre o bar,quebrando copos e garrafas. Cortei as mãos e os braços,tentando me apoiar, tentando me levantar. Livros e papéisvoaram pela sala e, em meio ao pandemônio, percebi quehavia irritado o cara errado. O estranho aproximou-se, esten-deu-me a mão e me ofereceu ajuda para que eu me erguesse.Afastei sua mão e me apoiei nas paredes.

“Acredita em mim agora?”, perguntou. Meiozonzo, tentando compreender a situação, só consegui res-mungar: “Vá à merda...”, “Já estou nela até o pescoço...”,retrucou. Só mais tarde fui entender o comentário.

“Agora acredita em mim ?”, voltou a perguntar,enquanto tornava a sentar-se, calmamente, no sofá. “Um anjosem asas está na minha casa, pedindo pr’eu parar de escre-ver o livro que pode me tirar do buraco ?!?”, murmurei,enquanto me recompunha. “Estamos progredindo ! Pelomenos, agora, acredita que sou um anjo...e pode me chamarde um nome pronunciável pelos humanos: Ariel...”, completoucom sarcasmo.

“Eu sei como você deve estar se sentindo. Não étodo o dia que um simples mortal enfrenta um experiênciacomo essa. No entanto, apesar de seu limitado intelectohumano, creio que você poderá encontrar outro tema, econtinuar exercendo sua profissão”, sentenciou.

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Seu filho da puta!”,esbravejei, irritado.“Você não me conhe-

ce!!! Quem é você e quem te deu odireito de me menosprezar? Um caraque diz que é um ex-anjo... não lembromuita coisa das aulas de catecismo,mas se você é “ex” é porque é umcaído, um fracassado...”, devolvi aofensa. Na boca, um gosto de areia,fel. Ondas de calor percorriam a minhaespinha.

“Gostaria que me perdoas-se... Não desejava ofendê-lo”, disse,no que soava como um pedido dedesculpas.

“Eu também estou muitonervoso com esta loucura toda...e você

Revolta

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não parece nada com o que eu esperaria ver como umanjo...”, respondi... “Mas, meu Deus! Como alguém podedeixar de ser um anjo?”, completei. Era mais uma perguntaretórica que outra coisa.

“Eu vou lhe contar...”, ele arrematou.

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Nos primórdios daCriação, eu eraum deles. Viajava

por entre as estrelas, andava nasuperfície dos sóis, mergulhava emburacos negros e assistia ao nasci-mento de quasares, andando sobretáquions e quarks. Meus irmãos sededicavam a louvar o Altíssimo, abrincar na imensidão do cosmo e acriar esferas de luz na imensidãonegra do espaço.

Na eternidade, nossasvozes erguiam-se em um coro dealegria, e nossos corpos dançavamuma dança louca em um êxtaseinexprimível, imponderável. Éramosincontáveis. Tantos, que somente

Queda

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nossa condição de espítiros nos permitia coexistir. Afinal, nãosendo matéria, podíamos ocupar o mesmo espaço ao mesmotempo.

Éramos únicos. Uns mais poderosos que outros,cada um com suas peculiaridades, dentro de sua própriacasta: Potestades, Dominações, Tronos, Querubins, Serafins,Arcanjos e Anjos. Cada casta com sua função específica etodos nós, perfeitos. Eu era um Anjo. Eu O amava. Era gratopor Ele ter me criado, concedido a mim a graça da consciên-cia. Eu era feliz.

E toda essa felicidade durou uma medida detempo tão longa que não há números para exprimí-la. Contu-do, só agora percebo o quanto esse período foi breve, com-parado à eternidade. Tudo começou a mudar quando ele serebelou. A mudança foi sutil, insidiosa, imperceptível.

O mais belo entre nós não participava mais denossos folguedos, dos passeios, dos louvores. Ele se fechava,recolhia-se em si mesmo, cobria-se com suas asas e pairava,imóvel, sobre as águas acima do firmamento.

Nunca antes havia sido pronunciada a palavra“dúvida” no Reino. Ninguém jamais conhecera tal sentimen-to. Mas um desconforto (um conceito novo, que repentina-mente passamos a conhecer também), algo estranho invadianosso peito e espalhava-se, intensificando-se, quanto maisnos aproximávamos dele. O Portador de Luz não estava feliz.Como era possível? O mais belo entre todos nós não estavafeliz! O que, em nome dEle, poderia faltar ao menor dosanjos, que justificasse a ausência de felicidade?!?

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Descobrimos, um a um, o que faltava ao Portadorde Luz. Ele desejava adoração. Queria ser adorado como oAltíssimo era. Ele desejava ser o Altíssimo. Queria sentar-seno Trono do Altíssimo e estabelecer uma nova ordem naCriação.

Ninguém, a princípio, entendeu do que se tratava.Era o primeiro anjo a ter uma idéia dessas. Nunca nos faltounada, nunca fomos maltratados...existíamos, éramos amados,reconhecidos, conversávamos com Ele face a Face e Ele nosconhecia pelo nome. Éramos parte dEle. Por quê almejar Seulugar? Ele era o único digno de adoração. Ele não era oAltíssimo à toa... ninguém Lhe dera o cargo. Ele Era, É e háde Ser desde o princípio dos tempos.

Aos poucos, as idéias do Portador de Luz foramsendo absorvidas por outros anjos. Ninguém sabia o que erauma “mentira”. Tudo o que os anjos diziam era o que era: averdade. Jamais um anjo teve a necessidade de dizer algo quenão fosse a verdade. Ninguém havia pensado nisso...

Mas ele inventou a mentira. E como um abismochama outro abismo, ao fragor de suas catadupas, uma men-tira chamou outra, até que o cerco se fechou e, entre asmentiras, uma única verdade surgiu: O Portador de Luz queriaser a própria Luz, e arregimentava anjos através da promessade que, quem o seguisse e se voltasse contra a VerdadeiraLuz, receberia muito poder e teria o privilégio de servi-lo emseu novo reino (mesmo que a maioria dos anjos não soubessenem o que fazer com mais poder... nem necessitassem dissoou de que qualquer outra coisa...). Cobiça. Ganância. Des-

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confiança. Medo. Ódio. Guerra. Essa foi a seqüência.Apesar da Luz Divina brilhar em sua face e o

Perdão em pessoa abrir Seus braços, Lúcifer (nome latinoque vocês humanos cunharam e que significa “Aquele quecarrega a luz”) não quis voltar atrás. Quanto tempo oAltíssimo não deve ter dado a ele, esperando que se arrepen-desse e voltasse aos Seus braços? Quanto tempo? Comcerteza, foi muito, mais do que se pode medir, já que o ou-trora Portador de Luz teve tempo de arregimentar um terçodos anjos do céu para combatê-Lo.

A luta encarniçada que se seguiu nunca foi vistapor olhos humanos (vocês nem haviam sido criados ainda) esó se verá uma igual no Apocalipse. Miguel recebeu a incum-bência de expulsar os rebeldes e, junto com o ExércitoCelestial, precipitou-os para as Trevas Exteriores - um lugarespiritual, do qual o Altíssimo retirou Sua Presença. Ora, seEle é o Bem Absoluto, e sua Presença é Vida, imagine, tenteimaginar, um lugar onde não exista Sua Presença: Morte,Desolação, Trevas, Fim.

Nesse lugar, Lúcifer e seus asseclas enlouquece-ram ainda mais. Tramavam sua vingança contra o Eterno emaquinavam formas de atingí-Lo. Mas não tinham podersuficiente nem meios para alcançá-Lo.

Então, o Altíssimo criou o Homem. Um ser à SuaImagem e semelhança, com um potencial maior que o detodos os seres da Criação, e pelo qual, tempos depois, Elesacrificaria seu próprio Filho numa cruz. O Eterno amava oHomem, essa criatura volúvel e frágil. E, já que Lúcifer e seusasseclas não podiam atacar o Eterno diretamente, decidiram

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concentrar seus esforços na destruição daquele a quem Elededicava Amor Infinito. Foi assim que vocês entraram nessaguerra.

Cada homem que permite que o Eterno faça nelemorada, significa uma vitória de Deus e a salvação do própriohomem. Cada vez que o homem cede às mentiras de Lúcifer,o Eterno se entristece. Mas, por quê o Altíssimo, simples-mente, não condena o Mal à não-existência, livrando o ho-mem e a Si mesmo do Mentiroso-mor? Juro que não entendo,mas imagino que a existência do Mal seja uma forma doAltíssimo manifestar a Sua Bondade, Misericórdia e Amor,demonstrando o quanto respeita o homem como ser vivente,oferecendo as dádivas da escolha, do livre arbítrio, já que hádois caminhos a escolher: o Bem e o Mal...

Mas, voltando ao meu caso, eis que ele é único,em toda essa trama. Eu não lutei ao lado de Lúcifer e seusrebeldes. Nem mesmo lutei ao lado de Miguel e o ExércitoCelestial. Eu me escondi. Para minha vergonha eterna, eu meacovardei. Entre todos os anjos do Céu, eu fui o único a mefurtar de tomar uma posição. Tive medo.

Lúcifer era imponente, e se ele vencesse a bata-lha? Mesmo que isso fosse impossível, como de fato constateimais tarde, não quis me arriscar. Se ele tivesse vencido, suavingança seria implacável contra os que tivessem lutado aolado de Miguel. Por outro lado, nunca havia ocorrido umaescaramuça no Céu. O que poderia acontecer comigo? Umanjo pode ser ferido de morte? Ferido de morte, morreria?Anjos morrem? Eu poderia morrer? O que é morrer? É deixar

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de existir? Eu me acovardei...Depois da guerra vencida pelo Exército Celestial,

eu tentei voltar à Presença, mas os portões do Santo Lugarestavam trancados. Gritei, clamei, implorei, mas não obtiveresposta alguma. Meus irmãos voavam pelo átrio do SantoLugar e pareciam não me ver ou ouvir. Fiquei pairando emfrente ao portão por mais um incalculável tempo, até quedecidi procurar os caídos. Quem sabe eles me receberiam?Já que não tinha mais lugar entre os santos, busquei entre osimpuros. Não agüentava mais a solidão. Não agüentava maiso silêncio.

Desci até às Trevas Exteriores e já comecei a mearrepender de ter saído dos portões do Santo Lugar. Umimenso “nada” me cercava. A escuridão era tamanha quesomente os sentidos espirituais permitiam vislumbrar o terrívelquadro à minha frente: o ódio dos caídos havia tomado for-ma. Eram imensas línguas de fogo que ardiam ao redor doscaídos e lhes conferiam um aspecto aterrador.

Encolhidos, os caídos eram uma paródia blasfemados anjos. Sua aparência lembrava mais o animal que oshumanos chamam de morcego, com suas asas enegrecidas e osemblante deformado. Ao me verem chegar, todos se abriramnum sorriso que mais parecia um esgar. Uma risada comogelo se quebrando pareceu surgir de um trono tosco, malacabado, em torno do qual alguns caídos se reuniam.

“O que vieste fazer aqui, Ariel? Vieste zombar denosso infortúnio?”, uma voz carregada de escárnio atingiu-mecomo um raio.

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“De maneira nenhuma, Portador de Luz...eu...”,tentei balbuciar...

“Não me chame por esse nome novamente...jamais !!!”, ouvi o grito, enquanto garras me apertaram agarganta e pela primeira vez em minha existência eu soube oque era a dor. “Eu sei bem quem você é... você é aquele quenão lutou consoco... Não teve fé em nosso propósito e nemcreu na vitória do Altíssimo. Você é um covarde que se es-condeu da batalha...”, grunhia, enquanto ria, falava, espuma-va e se contorcia. Não parecia mais, em absoluto, o maisbelo dos anjos. Era um arremedo de dor, loucura e caos.

Com toda a minha força, me libertei e tentei argu-mentar a meu favor. A situação exigia que eu demonstrasse omínimo de reverência, por mais que aquilo me revoltasse oíntimo. “Não quis ofendê-lo... senhor...”, disse. Honrar aque-le infame com o título de “senhor” foi a coisa mais degradanteque já fiz, mas naquele momento, temia até pela continuidadeda minha existência... “Vim apenas para ver se entre vós hálugar para mais um rejeitado...”, acrescentei, tremendo, pelasegunda vez, em uma eternidade.

“Rejeitados ?!? Nós ?!? Nós é que rejeitamos oCéu! Nós somos livres, agora. Não temos que servir a nin-guém!!! Somos uma comunidade de seres com um propósito:reinar, e não servir. Afinal, é melhor reinar no Inferno queservir no Céu. Não acha, Ariel?”, disse, abrindo os dentesem um sorriso indecifrável. “Se o... senhor ...diz...”, respon-di, tentando mostrar segurança.

“Mas acredito que não tenhas lugar entre nós.Somos a glória de nós mesmos, senhores de nós mesmos,

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somos o futuro! Eu sou o deus destes que me rodeiam e nãoqueremos ter parte contigo, ainda que também sejas um entreos caídos...”, retrucou o ex-Portador de Luz, agora o Primei-ro Entre os Caídos, causando-me um imenso alívio. Fôra umerro ter procurado os renegados. Queria sair dali o maisrápido possível, mas não podia, nem queria mostrar-me maisuma vez um covarde. Esse foi o meu segundo erro.

“No entanto, já que vieste nos visitar, a nós, os‘rejeitados’, como tu dizes, creio que deves ao menos nosdeixar um presente. Que súdito visita um rei, especialmente onovo rei, sem deixar uma dádiva?”, continuou o PrimeiroEntre os Caídos, seus olhos, duas brasas incandescentes.

Pensei em fugir, mas uma legião já havia me cer-cado. Um entre incontáveis caídos. “O que vai fazer? O quequer de mim?”, gritava, já desesperado, enquanto incontáveismãos me agarravam. Aproximando-se cuidadosamente, oPrimeiro Entre os Caídos encostou seus lábios em meu ouvi-do e sussurou: “Eu quero suas asas!”. O pânico e o horror meinundaram e, num mar de vertigem, ouvi a ordem: “Arran-quem !!!”

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Acordei em umdeserto. O solardia em minha pele

e minhas costas latejavam. Com imen-so esforço, cuspi areia e saliva e, comum esforço maior ainda, tentei tocarminhas asas. Os dedos encontraramapenas duas crostas de sangue coagu-lado. Gritei o mais alto que pude edesmaiei, vencido pela dor. Trevas.

Acordei novamente, destavez com um pano molhado sobre atesta. Olhando ao redor, percebi queestava dentro de uma habitação huma-na. Paredes de pedra. Brasas no chãoassavam uma massa escura. Um velhosorriu com dentes podres e contouque havia me recolhido às portas dacidade, quando abutres e chacais já

Cerco

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esperavam para devorar o que restava de meu corpo, encon-trado nú sobre o chão.

Tentei balbuciar um agradecimento, mas nãoconsegui. Nos dias que se seguiram, o velho cuidou de mim,aplicando ervas nos buracos purulentos onde antes haviamasas, minhas asas, e me alimentando com um bolo de farinhaque ele chamava de pão - único mantimento que lhe restara.

Enquanto convalescia, o velho me explicava asituação em que a cidade se encontrava, tentando me distrairda dor, já que acreditava que a gravidade de meus ferimentospoderiam afetar o juízo de qualquer homem normal. Para ele,eu era algum nobre estrangeiro que, ignorando o cerco dossoldados à cidade, teria sido atacado, ferido, roubado edeixado para morrer. Talvez eu carregasse provisões ou ouro,conjecturava. Ouvia tudo com atenção, mas não conseguiafalar. Só conseguia emitir alguns grunhidos. O trauma haviasido muito grande...

“Não entendo como chegaste aqui, rapaz. Tuaaparência é de um estrangeiro. Apesar de teu abatimento,conheço um estrangeiro quando o vejo. Deves ser rico, poistuas mãos não têm calos, tua pele e cabelos não são queima-dos de sol e teus pés não se assemelham aos de quem jácruzou o deserto. Peço-te, portanto, quando o cerco acabar,e tu melhorares, intercedas em favor deste velho junto aosconquistadores... se é que eles te ouvirão. Mas, por Yaweh, éuma esperança!”, choramingava, enquanto cuidava de mim,limpando minhas chagas com vinagre.

Á noite, os gritos das crianças famintas não nosdeixavam dormir. Durante o dia, ninguém saía às ruas. Desde

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que acordara naquela cama de palha, o velho não haviaaberto a porta de madeira sequer uma vez. Nas noites seguin-tes, a cidade foi ficando cada vez mais silenciosa, salvoalguns gritos ocasionais, horríveis e cada vez mais raros.Nãose ouviam mais as crianças, nem seus gemidos. No décimodia, o velho chorava, ouvia o silêncio e balançava a cabeça.desconsolado. “Eles o fizeram... eles o fizeram...”, repetia,enquanto cortava em tiras o couro de suas sandálias e ascolocava em uma panela de pedra para cozinhar. Algumasfezes de pombo nos alimentaram durante o décimo segundodia desde minha chegada. Já podia sentar-me na cama.

Alta madrugada, acordamos, eu e o velho, combatidas na porta e berros de uma mulher. “Meu filho !!! Elesquerem meu filho!!!”, gritava. O velho, espavorido, abriu aporta e uma mulher invadiu a casa gritando, com um bebê nosbraços. Ato contínuo, uma turba atirou-se casebre adentro,tochas nas mãos, e arrancou a criança chorosa dos braços damãe, que a todo custo, tentava defender a cria, gritando echutando os agressores de olhos vidrados, pele macilenta eossos proeminentes. Um soco na boca e dentes voandonuma cusparada de sangue calou os protestos da mulher,enquanto eu e o velho assistíamos a tudo, impotentes dianteda multidão que se acotovelava dentro do casebre. Perden-do-se na noite e arrastando a mulher pelos cabelos, inconsci-ente, a turba afastou-se da casa, levando a criança e largandoa porta escancarada. O velho tremia e chorava, suplicando aoseu Deus misericórdia, encolhido num canto. Lá longe, ochoro parou. O cheiro de carne assada não nos deixou dor-mir mais.

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No décimo oitavodia, os portõescaíram. O cheiro

de morte era insuportável. Os quehaviam morrido de fome apodreciamnas casas e praças, e agora se mistu-ravam aos mortos feitos pelos solda-dos. A visão da cidade, através deuma fresta na porta, horrorizaria atéo mais duro dos homens. Os solda-dos entraram triunfantes, sob o rufarde tambores.

Lembrei-me do grupo deanjos que anunciava, nos céus, asmanifestaçoes do Altíssimo e lem-brei-me também de que um dosatributos dEle era ser o “Homem deGuerra”, o “Senhor da Guerra”...

Eu já começara a melho-rar e, em um ou dois dias, já estaria

Conquista

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em boa forma, apesar da fome que sentia, uma sensação novanesse corpo material no qual me vi depois do meu encontrocom o Primeiro Entre os Caídos...

Quanto aos soldados, eles estavam exultantes coma vitória, até perceberem que os habitantes da cidade haviampraticado canibalismo apenas para não se entregarem. Ho-mens endurecidos pela guerra não resistiram ao ver ossos decrianças espalhados pelo chão dos casebres. Loucura deguerra. Eu viria isso mais duas vezes, no futuro. Bem nofuturo.

Horror. Eu e o velho assistíamos, pela fresta daporta, os soldados gritarem e passarem a fio de espada todosos que parecessem adultos. As mulheres eram arrancadas dedentro de suas casas, estupradas e mortas, tudo sistematica-mente. Um grupo avançou em nossa direção e o velho, espe-rando misericórdia, abriu a porta, tentando argumentar comos conquistadores. Que engano!

Uma espada curta atravessou seu estômago eentre vísceras e sangue, o velho caiu para trás. O primeirosoldado foi distraído por um grito providencial, caso contrá-rio eu teria sido eviscerado também. Ergui o cadáver dovelho e deitei-me embaixo dele, abraçando-o. Quando outrosoldado entrou no casebre, minutos mais tarde, à procura desobreviventes da chacina, certamente pensou que eu tambémestava morto. Foi minha salvação.

Esperei longas horas, até que o sol se pôs e asúnicas luzes vinham das chamas que ardiam nas pequenascasas. O sangue do velho já estava seco sobre minha pele.

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Virei o cadáver de lado e me senti um inútil por não ter podi-do fazer nada pelo velho. Absolutamente nada. Fraco comoestava, não tinha um milésimo da energia de minha condiçãoangélica. Mais tarde, descobriria qual sentido tem para oshumanos os ritos de um funeral. No momento, estava desco-brindo o que era a morte. Com cuidado, me esgueirei pelasruas apinhadas de corpos. Vestia andrajos roubados de umdos inúmeros cadáveres e, tentando fugir, ocasionalmenteescorregava nas poças de sangue. Finalmente, cheguei a umdos portões destroçados pelo exército invasor.

Ao longe, divisava um grupo de soldados levandoalguns poucos cativos. Talvez para mostrar aos seus senho-res, fossem eles quem fossem, seus “troféus” de conquista.Fiquei ali parado por algumas horas, tentando decidir o quefazer. Súbito, um gemido me tirou do estupor.Um moribundo.Aproximei-me dele e num ímpeto, agarrei seus trapos e co-mecei a sacudí-lo, desejando ardentemente que ele não mor-resse naquele momento. Não queria ficar sozinho ali. Nãopodia ficar sozinho !!! “Desgraçado!”,finalmente conseguifalar, extravasando toda minha raiva e frustração. “Nãomorra antes de me dizer onde estou !!! Que lugar é este ?!?Que lugar é este ?!?”, gritava.

Com o canto da boca que ainda estava inteiro, opobre coitado respondeu: “Jerusalém”. Foi sua última pala-vra.

Choque: eu estava na Cidade do Grande Rei e aprofecia que o Messias, o Salvador dos Humanos, havia feitosobre a Cidade Santa estava se concretizando diante dos

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meus olhos!Depois da queda do Primeiro Entre os Caídos, e

meu primeiro encontro com ele, eu assistira, do limbo forados Portões da Cidade Alta, a criação da Terra e osurgimento do homem. Longe de meus irmãos celestiais, emais preocupado em que alguém se lembrasse de mim e medeixasse entrar novamente na Cidade de Prata, via , ao longe,e como por uma névoa, o Altíssimo moldando, através dapersona do Verbo, da Sua Palavra, o gênero humano. Du-rante a parcela da eternidade que fiquei pairando às portasda Cidade Alta, via o homem sucumbir à mesma tentação naqual caíram meus irmãos celestiais: querer igualar-se aoCriador. No caso do homem, seu erro foi acreditar na mentirado Primeiro Entre os Caídos, de que ao provar do Fruto doConhecimento do Bem e do Mal, igualar-se-ia ao Altíssimo.

Outro engano. Ao invés de igualar-se aoAltíssimo, o homem e toda a sua espécie rebaixou-se à mes-ma condição de desobediência que levou à queda de Lúcifer,o Primeiro Entre os Caídos. Corroído pelo remorso e pelaimpotência, já que não era ouvido nem pelos meus irmãoscelestiais, quanto mais seria pelos homens, que sequer pode-riam tomar conhecimento de mim ou de qualquer outro sercelestial- a não ser que o Altíssimo o permitisse, como o vifazer, tempos mais tarde, em algumas poucas ocasiões, assistio homem afastar-se, como eu, da Presença do Criador.

Mas, durante a minha solidão que antecedeuminha derrocada, minha precipitação na Terra depois domaldito encontro com o Primeiro Entre os Caídos, vi nascer aEsperança do Perdão para os humanos, através do Messias.E ainda impotente, e condenado a assistir a tudo, vi os huma-

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nos rejeitarem, matarem numa cruz, a chance de reconciliaçãocom a Presença que lhe foi enviada pelo Altíssimo. Chanceque foi dada aos humanos, e foi negada a nós, anjos caídos, emerecidamente mais a mim, anjo covarde.

Talvez meu crime, o de faltar com a fé, eu que vi oAltíssimo Face a Face, tenha sido grave o suficiente para queeu tivesse que me encontrar com Lúcifer e ser por ele lança-do aqui, sem asas, acomodado em algo parecido com carne eórgãos humanos, os seres mais odiados da Criação porLúficer e seus asseclas, que viam em vocês um arremedo,uma cópia defeituosa dos seres celestiais, e que no entanto,ganharam tamanha afeição e interesse por parte do Altíssimo.Afeição a ponto dEle fazer encarnar um de seus aspectos,parte de Si, e tornar-Se Filho para sacrificar-Se em favor devocês. Quanto a mim, um condenado, primeiro ao silêncio doAltíssimo e depois a ser um voyeur durante milhares de anosda evolução de uma raça de primatas ingratos como vocês,torneu-me, graças ao amaldiçoado Lúcifer que me arrancouas asas e me lançou aqui, uma aberração única em toda ahistória da Criação.

Mas, retornando à história de minha desgraçasobre a Terra, depois de ver o horror e a carnificina, cami-nhei, sob um sol escaldante, por um tempo que não pudeprecisar, e acabei chegando a um vilarejo fétido, onde acabeiconseguindo abrigo junto a um gordo mercador, que viu emmim a oportunidade de aumentar seu contingente de trabalha-dores braçais. Como se eu não pudesse escapar do horror eda humilhação, fui colocado para trabalhar em um matadouro,

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carregando as partes ensanguentadas de novilhos, bois ecarneiros.

Meses mais tarde, em uma de suas “inspeçõesnoturnas” que nada mais eram que uma caçada a candidatos aamantes, o governador do pequeno distrito, Celso Agripinus,pôs os olhos em mim. Senti-me devorado. Horas mais tarde,dois eunucos me conduziam aos aposentos do governador.Dentro de um grande tanque de água aquecida, efebos seesfregavam com sais, fazendo companhia a Agripinus.

Apesar de meus protestos, fui despido e nessahora, Agripinus e os que acompanhavam soltaram um murmú-rio de horror, ao verem as cicatrizes nas minhas costas, ondeantes haviam minhas asas. Em suas mentes supersticiosas,para um homem sobreviver a tamanhos ferimentos só poderiater sido abençoado pelos deuses. Quanta ironia...

Depois de ouvir pedidos de desculpas, fui banha-do cuidadosamente e vestido em linho e seda. Agripinuspassou a manter-me ao seu lado como um amuleto de boasorte e proteção divina. Nunca me tocou, apesar de eu serobrigado a assistir suas orgias regularmente. Não nego tercedido aos caprichos da carne, com efebos ou ninfas,quecomeçava a conhecer, influenciado pelo ambiente lascivo.Passei a ter uma vida de cortesão e antes da morte deAgripinus, vítima de uma devastadora, lenta e desconhecidadoença, fui agraciado por ele com o dote de uma pequenapossessão na Judéia e um pequeno rebanho de carneiros.

Estava, para os padrões da época, relativamenteabastado. E livre, ao menos em relação ao meu destino.Todas as noites, porém, chorava de saudades do céu. Erangia os dentes de ódio de Lúcifer.

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Passei quinze anos naJudéia, vivendo razoavelmente bem. Contu-

do, rumores de que havia um homemque não envelhecia já começavam a mealertar de que era a hora de“AbnerAhzel” (nome que adotara nesse perío-do) “morrer”. Vendi todos os meus bense escravos (meu Senhor, tive até escra-vos, etíopes e núbios), juntei toda minhafortuna e segui para a Macedônia, ondeme estabeleci como comerciante deazeite e especiarias por mais de vinteanos.

Para enganar a solidão, meentregava ao estudo das Escrituras, doTorá judaico; aos escritos hoje perdidosdos essênios, e tudo que se relacionasse

Peregrinação

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aos conceitos religiosos da época. Agora, era “MardukAsram”, e me fazia conhecido por freqüentar os prostíbuloslocais, para manter a farsa em torno do que era esperado deum rico comerciante da época. As prostitutas eram regiamen-te pagas apenas para conversar comigo, e guardar silênciosobre as marcas que trazia no corpo.

Ao final desse período, preferi me antecipar àsespeculações sobre minha idade e juventude perenes e partipara a Antioquia. Décadas mais tarde, fui para Corinto. Láconheci um certo Paulo de Tarso, que pregava o Evangelhode Jesus, mas achei-me indigno de conversar ou sequer meaproximar dele. Troquei tantas vezes de identidades, que porvezes esqueço detalhes sobre a maioria delas. Sem um objeti-vo real na minha existência, somente uma esperança me faziacontinuar a viver: descobrir um meio de obter, eu, um ex-anjo, o perdão do Altíssimo e a graça de voltar à CidadeAlta.

Por volta do ano 300 de sua era, decidi ingressarna nova religião adotada, muito convenientemente, peloimperador Constantino. Passei a freqüentar suas reuniões,apesar de não me tornar excessivamente conhecido, dado àpassagem dos anos e à inevitável pergunta: “Por quê ele nãoenvelhece?!?”

Passei mais mil anos me escondendo à vista detodos vocês, humanos... Mas, com a queda de Constanti-nopla, em 1453, afastei-me e descobri a arte, dentro dareligião, como uma das formas de me aproximar dos Céus.Tornei-me mecenas de vários artistas. Estava rico e meus

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negócios prosperavam. Havia me estabelecido em Florença edivertia-me ver meus protegidos participando do movimentohoje chamado por vocês de “Renascimento”. Mas, mesmo aspinturas de Rafael e Michelângelo não passavam, para mim,de uma pálida e longínqua visão do Céu. Mas eu os patroci-nava mesmo assim. Pelo menos, minhas sugestões aproxima-ram seus esboços da magnificência celeste.

Com o tempo, cansei-me de tudo aquilo e seguipara a França. Poucos anos depois, perdi tudo que tinha equase fui executado. Tudo por causa da Revolução.

De repente, os nomes dos meses foram trocados,a religião banida e todos os meus bens confiscados. Já haviaconhecido vários tipos de adversidade, por isso, não mepreocupei tanto com a situação. Até que fui preso e colocadoem uma espécie de “corredor da morte”, esperando a hora deseguir para a guilhotina. O fato de ter comprado, anos antes,o título de nobreza do Duque de Alverne deve ter realmenteirritado os revolucionários.

Felizmente, a situação mudou e Danton teve omesmo fim que desejava aos nobres: a morte na guilhotina.Felizmente não tive necessidade de recorrer às poucas facul-dades angelicais que me restaram para salvar minha vida.Mesmo em uma época influenciada pelos ideais iluministas,exibir talentos maiores que os humanos poderia levar-me asituação pior: ao invés de ter sido mantido preso, situação daqual me safei, poderia ser tomado como bruxo pela turbaignota e queimado em uma fogueira.

Empobrecido, embarquei no porão de um carguei-

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ro inglês e acabei chegando a Londres. A cidade estava emfranca efervescência cultural, e um “homem” com meus dotesintelectuais poderia facilmente infiltrar-se no meio artístico eganhar dinheiro, vil metal necessário à sobrevivência nestemundo corrompido pelas mentiras de Lúcifer. Apresentei-mecomo ator, concertista e escritor de peças de teatro.

Estava aprendendo a usar melhor alguns de meusesquecidos atributos angélicos para conquistar a confiança ëa admiração de meus “pares”. Sentia seus pensamentos ecorrespondia além de suas expectativas, encantando-os comuma pálida sombra do que aprendera na Cidade Alta.

Uma década e meia depois, já amealhara umpatrimônio considerável e era o cavalheiro preferido pelas“damas” da noite londrina. Até que algumas delas passaram amorrer nas mãos de algum louco. Chamavam-no de “Jack, oEstripador”. A Scotland Yard suspeitava que fosse um médi-co ou alguém com conhecimentos de medicina, devido aomodo como trabalhava com o bisturi nos corpos de suasvítimas.

Devido a meu modo circunspecto e melancólico,comecei a levantar suspeitas entre as moças da Rua Quincey.Antes que fosse acusado injustamente e descobrissem quenão tinha documentos, a não ser um contrato forjado, emnome de “John Wessinger”, resolvi deixar a cidade. Reunimeus pertences, encerrei minha conta no Lloyds e embarqueirumo ao Novo Continente: a América.

Estabeleci-me , a princípio, como um fazendeiroem Louisianna, às margens do Mississipi. Não tive escrúpulos

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de voltar a recorrer ao trabalho de escravos, desta vez,negros, até porque isso era algo perfeitamente aceitável paraa época (se bem que arrependo-me amargamente de tercontribuído para a perpetuação de tamanho ato vil, o deescravizar outro ser humano). Mas, já que eram escravos, ebem podiam ser maltratados por algum sádico senhor, queservissem a mim, que procurava tratá-los de maneira próximaa um trabalhador assalariado, sem no entanto, deixar meusvizinhos perceberem. Correria o risco de cair nas mãos doshomens da Klan, que não hesitariam em matar alguns de meusnegros, como um “aviso” de que não seriam toleradas “intimi-dades” de um homem branco com negros escravos. A solu-ção foi combinar o seguinte: na ausência de estranhos, euseria o “patrão-amigo”. Na frente deles, o “patrão-senhor”. Ehavia outra regra: quem pusesse o acordo em risco seriapunido. Talvez não por mim, mas por seus próprios irmãosnegros, os maiores beneficiados pela farsa.

Isso funcionou por mais de trinta anos. Mas meucorpo não apresentava os sinais da decadência provocadapela chegada da velhice e a nova geração de negros nascidosem minhas terras passou a me temer. Acreditavam que eufosse um espírito desmorto, ou pior, um zumbi criado pelovodu, a crenca animista local.

Para evitar mais problemas, decidi voltar à Euro-pa, e segui para a cidade francesa de Lourdes, onde umajovem de nome Bernadette Soubirou afirmava ter visto aVirgem. Era o ano de 1858 e eu esperava que, em um localtão místico, pudesse encontrar pistas para continuar minha

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interrompida busca por um meio de voltar ao Céu.Nada. Nada do que procurava encontrei. Em

1875, voltei à América, seguindo para Nova Iorque, embusca de conhecimentos e doutrinas expostas por HelenaBlavatski em sua recém-fundada Sociedade Teosófica.

Engano. Eles sabiam menos sobre Deus que eu.Havia muito de “sociedade” e pouco de “teosofia”. Conheci adoutrina de Allan Kardec, através do Livro dos Espíritos,publicado pela primeira vez duas décadas antes, em 1857, eachei seus pontos de vista, sob a ética e a moral, muito inte-ressantes. Era algo inovador. Mas também não fazia nenhumaalusão ao meu caso.

Novas interpretações do cristianismo, como apromulgação da doutrina da infalibilidade papal e do poderque deveria deter o sucessor de Pedro, em 1870; a fundaçãodos Testemunhas de Jeová, em 1871, além da criação daSoka Gakkai, em 1930, por Tsunessaburo Makiguti, nãoacrescentaram novidades, ao menos, para mim.

Depois da morte de Paulo VI, em 1978, seguipara Roma, a fim de conhecer pessoalmente Albino Luciani,cardeal patriarca de Veneza, que havia sido eleito pelo Colé-gio de Cardeais. Ouvira dizer, nos círculos religiosos, queesse novo papa, que adotara o nome de João Paulo I, guar-dava em seu íntimo ousadas idéias progressistas erevisionistas sobre o catolicismo romano. Segundo alguns,João Paulo I tinha a intenção de desencadear profundastransformações na Igreja, na tentativa de aproximá-la dosideais primevos pregados pelo Cristo. E para tanto, prometia

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Lágrimas de Anjo

revelar documentos secretos guardados nos cofres doVaticano há mais de um século...

Infelizmente, não consegui encontrar-me com elecara a cara, mesmo usando toda a minha influência e dinheiropara marcar uma audiência. O novo papa morreu, de causasmal-explicadas até hoje, e isso trinta e três dias depois dereceber o “anel do Pescador”, o símbolo de São Pedro.

Decidi escarafunchar então, os antigos escritos deSão Jerônimo, São Tomás de Aquino e outras obras quederam origem ao catolicismo como religião clássica. Paratanto, resolvi aproveitar minha viagem a Roma e usar meuscontatos para conseguir-me uma identidade falsa em particu-lar: a de um padre falecido precocemente e que tinha grandesemelhança física comigo, o napolitano Augustini DominicFrazzelli, que mais tarde, graças ao meu empenho, chegou aprior de sua ordem e representante do Vaticano em outrospaíses. Minha última identidade, a de um joalheiro francês,era preservada, meus bens ficavam guardados em um cofreem um famoso banco em Paris e (suprema ironia) assumia aidentidade de um religioso católico em franca ascenção.

Minha nova identidade era bem relacionada. Nãome foi negado acesso a nenhum dos arquivos e bibliotecas daCúria Romana. Mas nenhum daqueles documentos citava,nem de longe, algo sobre como um anjo caído poderia conse-guir novamente o favor do Altíssimo.

Aproveitando as facilidades que ser Frazzelli meproporcionava, consegui autorização para viajar pelo mundona missão de recolher artigos, livros e documentos heréticos,condenáveis por divergir de pontos fundamentais da Doutrina

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da Santa Sé. Uma espécie de “burocrata da Inquisição” nostempos modernos.

Talvez, pensava eu, antes de entregar ou destruiros “documentos heréticos”, poderia estudá-los e descobriralgo que me interessasse. Meu primeiro caso levou-me àGuiana, onde busquei pistas que esclarecessem melhor atragédia ocorrida em Jonestown, quando 912 adeptos doTemplo de Deus, do reverendo Jim Jones, se suicidaram nodia 20 de novembro de 1978. Rumores davam conta de queum dos adeptos havia sobrevivido e se ocultado, carregandoconsigo uma série de escritos de Jones. Talvez algo pudesseme interessar...

Depois de encontrar o adepto, já um velhodecrépito e esclerosado, e recolher os papéis em seu poder,descobri que não passavam de notas pessoais. Lixo semvalor, escrito por um fanático que não teve coragem de suici-dar-se sozinho e arrastou centenas de pessoas com ele. Casoencerrado, remeti os papeís ao Vaticano e segui rumo aoBrasil, um país da América do Sul, do qual as informaçõesque recebi davam conta de ser um país interessante, com umaincrível mistura de raças e religiões, onde, certamente, algumanova doutrina poderia ter surgido.

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No entanto, desde aminha chegada aeste país, tenho sido

perseguido por um agente das sombras,que apesar de toda a minha perspicáciae talentos sobrenaturais, não consigoidentificar. Cheguei mesmo a pensar quefosse alguns dos asseclas do PrimeiroEntre os Caídos, mas não vejo motivopara que minha busca possa influenciarseus planos contra vocês, já que buscoa minha própria redenção e vocês játêm seu Redentor.

Só sei que o sumiço departes de meu diário e a divulgação dealguns de meus registros pela imprensaacabaram por comprometer a minhaidentidade como Augustini Frazzelli, que

Imprimatur

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deve, ao menos, desaparecer por um tempo, enquanto tentosalvar sua reputação. Mesmo não sendo a primeira vez queme utilizo da identidade de um morto, não gostaria de acres-centar à lista de minhas faltas ter enlameado o nome destereligioso. Justamente por isso, através de meus contatos,cheguei até você e peço que me devolva os fragmentos demeus escritos e pare com essa bobagem que está escrevendo.Tomei conhecimento de que sua editora lançaria um livrosobre “anjos”. O autor, segundo me informaram, nada conhe-cia sobre o assunto e seu editor tinha a fama de “caça-ní-queis”. Essa mesma editora já havia publicado, anos antes,um livro que tratava de outros absurdos teológicos, inclusivedefendendo a existência de um “Deus feminino”, uma “Deu-sa”. Balela para agradar feministas. Acredite... estive lá e nãovi nada disso... Não que seu livro seja tão importante, sejaqual for o tratamento que lhe dê, mas baseado em meusregistros, a credibilidade de Frazzelli poderia ser completa-mente arruinada, o que não me convém agora...

Não espero que acredite em tudo o que lhe disse,mas a verdade é que quando falta a fé, até os anjos podem

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cair. Até eles podem pecar. Eu sou a prova disso..E, finalmente, não lançando-te em rosto, mas

lembra-te de que tentei salvar seu filho... Não desejo termeu caminho cruzado por ninguém e ter prejudicada minhabusca por um meio de ser perdoado pelo Altíssimo pelo meucrime e voltar, um dia, a pisar novamente na Cidade Celestial.

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Sinuca de bico. Essebosta me pôs numasinuca de bico. Entra

na minha casa, me conta uma históriaque parece mais “Raízes emHighlander” e ainda me lembra que eulhe devo um favor. Que merda !!!Ainda pede para que eu pare deescrever meu livro, a única soluçãopara que eu possa ganhar uma grana epagar as minhas dívidas. E tudo issopara que ele, um anjinho bunda-mole,possa voltar ao céu. Se é que essemaluco realmente é quem diz ser... “Éo fim da picada”, pensei, enquanto ogelo do meu terceiro uísque naquelanoite, derretia no copo.

“E se eu me recusar? Oque vai fazer, ‘Sr. Cruzado Sem-

Dilema

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Lágrimas de Anjo

Asas’?!?”, perguntei, irônico.“Nada”, respondeu de pronto. “Você tem livre-

arbítrio. Deve fazer o que achar melhor. Não tenho o direitode julgá-lo, ou mesmo puní-lo... e estou cansado demais devocês humanos, de sua obtusidade, para recorrer à força...”,acrescentou, soltando um suspiro enfastiado.

“E se eu parar de escrever? O que ganho comisso?”, perguntei, curioso.

“Talvez, um pouco de conforto. Sinto que vocêperdeu tanto quanto eu perdi um dia, mas por motivos dife-rentes. Nós dois chegamos a ser felizes um dia e porinconsequência, medo, destino, talvez, perdemos tudo...gostaria de ver alguém tão amaldiçoado quanto você continu-ar perdendo mais ainda?”- respondeu, levantando-se, semesperar uma resposta. Por um momento, vislumbrei, ou imagi-nei, sei lá, a glória que esse ex-anjo possuiu um dia. Alto,esbelto, forte, digno. Muito bem conservado para alguémcom milhares de anos de idade...

Dirigindo-se até a porta do apartamento, o tal ex-anjo lentamente girou a maçaneta e dirigiu-me um olhar dedesapontamento, tristeza sem fim. Encarei-o, em silêncio oquanto pude, até que não agüentei mais e desviei os olhospara o chão. Laconicamente, Ariel abriu a porta, despedindo-se:

“Espero vê-lo novamente, um dia. Mas esperavaque você, embora humano, compreendesse. Parece que meenganei...”, disse, enquanto desaparecia pelo corredor. Fiqueisó, com meu bar semi-destruído, sangue nas mãos e um gosto

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amargo na boca. Uísque do Paraguai, com certeza....“Merda !!! Merda !!! Ele já foi embora - gritava

comigo mesmo - retorne ao trabalho! Consciência tranqüilanão enche barriga e eu tenho um livro para terminar”, tentavame animar.

Em vão. Comecei a pensar no sofrimento queaquele pobre-diabo (pobre anjo, melhor dizendo) estavapassando. Perder o Céu... Imagine... lembrei-me de Carla edas gêmeas. Que saudades do Guilherme... Mas eu aindaestava sentindo a estranha sensação de que estava sendousado...

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Lágrimas de Anjo

A vida é mesmoengraçada. Àsvezes, nada é como

se imagina. De fato, concluí meu livro.Mas não da forma como planejara, aprincipio. Toda aquela experiência comaquele tal ex-anjo mexera comigo.

Ao invés de simplesmenteescrever baboseiras para ganhar di-nheiro e enxovalhar a memória de umreligioso que talvez apenas tenha sofri-do algumas alucinações (se bem que eutambém devo ter alucinado...), sim-plesmente para ter um livro para entre-gar ao Jorge, decidi contar minhaexperiência e as peripécias suposta-mente vividas por aquele maluco quese me apresentou como um anjo. O

Epílogo I

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resultado é o que você está lendo agora, acrescido de algunstópicos, frutos de minhas pesquisas e também do Jorge (nãodá pra desmerecer a contribuição dele...)

Toda essa bagunça resultou em um livro bastanteirregular, cheio de dúvidas, de questões a serem respondidas.Se é que, algum dia, serão respondidas. Como meu projetooriginal foi pras cucuias, resolvi pedir ajuda a um amigo meu,o professor e repórter Marcos Alexandre. Inclusive, você,caro leitor, vai notar que é ele quem assina a obra.

Primeiro, porque eu não me senti preparado paraassumir a autoria, e segundo, porque foi ele quem conseguiuconcatenar a maioria das idéias que reuni. Talvez porque eletenha experiência em escrever sobre temas inusitados, e játenha trabalhado em todo o tipo de textos, de matérias eco-nômicas a policiais, políticas e o diabo a quatro. Grandecara...

O importante é que ele conseguiu respeitar minhasidéias e minhas impressões sobre o espisódio. Acredito atéque os leitores habituais irão me reconhecer em alguma partedeste livro insólito. Talvez, na “história do boi Tufão”, queincluí, depois de ter revirado meu apartamento em busca dodisquete em que havia gravado o conto. É uma boa história.Que podemos até recontar uma outra vez (se o Jorge forlouco de publicar).

Quanto à minha vida pessoal, só para deixarregistrado, parece que Alguém lá em cima se lembrou demim. O Jorge cumpriu o contrato de publicação, apesar do

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Lágrimas de Anjo

professor Marcos assinar a obra e eu preferir manter o anoni-mato; consegui pagar alguns meses de aluguel atrasado epasmem: voltei a conversar com a Carla.

Está certo que , quando a encontrei naquelavernissage, a intenção era mandá-la pro inferno e dizer praela dar um jeito naquele advogado que já estava me torrandoa paciência. Mas ela estava muito mal. Foi muito cordialcomigo e me pediu para ir até sua casa ver as gêmeas, quan-do tivesse tempo. Disse que as meninas sentiam a minha falta.E ela também. Mas o mais estranho é que ela, ao se despedir,agradeceu pelo buquê de rosas brancas que eu teria lheenviado, com um cartão com os dizeres: “De outro alguémque quer voltar ao Céu...”. Quando ela perguntou por que eunão assinei, respondi que ela com certeza iria descobrir quemmandara as flores. Foi a desculpa que consegui arranjar...

Sei lá se a gente vai voltar a viver juntos um dia,mas a esperança é a última que morre e um “retorno ao lar”não está totalmente descartado, especialmente com essaajuda de quem lhe enviou as flores. A morte do Guilherme ,apesar de doer, já faz parte do passado. E se ela me perdo-ar... Carla continua uma gata... e é a mulher que eu amo...

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Depois daquelemalfadado encontrocom aquele escri-

tor, decidi deixar a América do Sul eviajar até Calgary, no Canadá. Umanova religião estava sendo desenvolvi-da por descendentes de franceses aliresidentes e talvez algo pudesse meinteressar. Ainda não entendia porquesimplesmente não havia tomado osfragmentos de meu diário das mãos doescritorzinho e o impedido de continu-ar a escrever seu livreto. Pior: aindaconfessei-me com ele como um fielfaria em um confessionário. Aindamais: enviei à sua ex-mulher rosas...não pude ficar impassível diante doque vi em sua mente... Talvez ele se

Encontro

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reconcilie com ela como eu gostaria de reconciliar-me com oCéu...

Talvez tenha me afeiçoado a ele. Foi o primeiroem séculos a negar um pedido meu. Acho que a passagemdo tempo tem amolecido meu coração. Na época daInquisição Espanhola, eu o teria entregue à fogueira...

Será mesmo? Eu também quase fui para a foguei-ra, acusado de bruxaria... Ah, bons tempos aqueles... Aomenos, eu me distraia...

Deixei o hotel e decidi caminhar até o metrô.Nada daqueles ônibus especiais... Depois pegaria um táxi atéo aeroporto. O vento e a chuva fustigavam meu rosto e euquase ergui os olhos para os céus e perguntei ao Altíssimo seaquela tempestade era para me irritar... Como se Ele seimportasse comigo...

“Ora, mas Ele se importa...”, ouvi alguém dizer.“Quem ?!?”, perguntei, voltando-se para ver de

onde vinha aquela voz familiar.“Não me reconheces mais, Ariel? Ou devo chamá-

lo de ‘eminência’? Que disfarce ridículo, caro irmão...”,continuou. Era um rapaz aparentando uns vinte e poucosanos. Vestia calças jeans desbotadas e puídas nos joelhos,com a barra desfiada, cobrindo as botas pretas e surradas,uma camiseta branca e um casaco azul-escuro, comprido. Osorriso era emoldurado por longos cabelos encaracolados,

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negros como um corvo. Mal pude acreditar no que via!“Rafael !!!”, gritei, deixando a mala cair na poça

d’água que se formara na calçada. “O que fazes aqui, meuirmão ?!?”, perguntei, enquanto já me atirava ao seu pescoçoe o abraçava, como se pudesse segurá-lo comigo para sem-pre. Como se pudesse recuperar um pedaço do Céu.

“Calma, calma...”, disse, enquanto me afastava,com a delicadeza típica de nossa raça. “Vim trazer-lhe umamensagem importante...”, continuou, agravando o tom de voz.

“E o que seria tão importante assim, para Miguel,aquele ‘caxias’ permitir que te afastasses da CidadeCelestial?”, perguntei, enquanto me recompunha. Não resistie dei uma gostosa gargalhada. Imaginei o que pensariam osteólogos se vissem o Anjo Rafael de jeans !!!

“Seu tolo !!! És um anjo maldito, estás presonesta esfera inferior e ainda te ris ?! Deves ser louco, mes-mo...” , irritou-se Rafael.

_Ah, ah, não... é que... ah...uff... Rafael, vocêconsegue imaginar algo mais estranho que dois anjos conver-sando no meio da rua... na chuva ???

_”Tem razão...”, concordou, e com um sorriso noslábios, olhou para as nuvens e a tempestade cessou.

“Sabe que você ficaria rico como meteorologistanesta esfera?”, brinquei. Pelas Falanges!!! Como estava felizem rever um de meus irmãos !!!

“Imagino que deva estar surpreso em me vernovamente, mas eu devo transmitir-lhe minha mensagem e

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Lágrimas de Anjo

retornar à Cidade Alta...”, sentenciou.“E que mensagem seria essa?”, perguntei. O

coração sobressaltado.“O Altíssimo quer que você redirecione seu traba-

lho aqui nesta esfera...”, meu irmão respondeu, em tom sole-ne.

“Que trabalho, Rafael ?!? E como o Altíssimopode exigir algo de mim?!? Ele me ignorou durante séculos!”,explodi.

“Não seja ingrato, Ariel! Alguma vez, você pediuperdão, de verdade, de todo coração, a Ele ?!? Você sentiuremorso, desgosto, medo de ficar só. Mas alguma vez, vocêse arrependeu, de verdade, de ter duvidado de Seu Poder, deSua Soberania ?!?”Rafael havia tocado em um nervo exposto.

“Eu... não... quer dizer...”, balbuciei. Não conse-guia pensar em uma resposta.

“Então faça isso, Ariel. Faça isso agora, e reateseus laços com o Eterno. Esqueça o passado, cumpra seutempo nesta esfera a serviço dEle e aguarde, paciente, o fimde tua provação na Terra. O Conflito com o Primeiro Entreos Caídos ainda não acabou - na verdade, está prestes acomeçar de verdade - e agora conta com a participação doshumanos. De que lado, finalmente, você vai ficar? Até agora,você apenas tentou, de forma egoísta, voltar ao Céu. Masvocê sabe que isso, apenas isso, não tem valor para Ele. OEterno quer compromisso, responsabilidade, obediência. Evocê já falhou uma vez...” , disparou, as palavras ferindo

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Marcos Alexandre

como um ferro em brasa.Lembrei-me de quantos episódios vivi, em que

confrontei a mentira e a sordidez dos demônios e humanos.Na verdade, eu já escolhera o “meu” lado nesta guerra, masnão havia assumido um compromisso real. Estava mais preo-cupado em descobrir um meio de voltar à Cidade Alta, nadamais. Egoísta. As palavras de meu irmão Rafel me feriam maseram verdadeiras. E a Palavra dEle me veio à mente: “Eurepreendo aqueles a quem amo”. Sim, o Eterno ainda meamava! Ele permitira que Rafel viesse falar comigo. Ele mequer do Seu lado. Aqui na Terra, mas espiritualmente ao Seulado. A emoção me invadiu e meu olhos encheram-se delágrimas. Lágrimas de anjo...

“Eu me arrependo, Senhor, de todo o meu cora-ção, de todas as minhas falhas e de todos os meus erros esobretudo, por minha falta de fé. Como o menor dos huma-nos, e mesmo que Jesus tenha vindo e morrido na Terra parasalvar os humanos, em Nome dEle eu te peço perdão e peçoque Tua Misericórdia se estenda a mim também, eu, quedecaí pela principal falha da raça humana: a dúvida...”, disseeu, de repente, erguendo os olhos para os céus e nem meimportando com o que acontecia à minha volta.

Nesse instante, as nuvens do céu se abriram ecom uma luz suave, um alívio indizível preencheu o vazio emmeu peito. Senti-me flutuar e súbito, me vi pairando no ar, ameio metro do solo, e maravilhado, quis perguntar...

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Lágrimas de Anjo

“Ah, quanto às suas asas ? Ariel... tanto os anjosquantos os homens, o que os faz voar é a paz de espírito...”,Rafael respondeu a pergunta contida. E emendou: “Irmão,estamos todos felizes por você. Sua existência, como você aconheceu até agora, vai mudar. Prepare-se... Minha mensa-gem foi transmitida... É hora de desejar-lhe bons augúrios edar-lhe o meu... Adeus...”, completou, enquanto desvaneciano ar, rumo à Cidade Alta.

Enxugando as lágrimas, não resisti:“Ei, Rafael... da próxima vez, vista algo mais

apropriado à sua idade !!!”

(Extraído do diário do Prior Augustini DominicFrazzelli - a serviço santo do vaticano no Brasil. Estes trechosforam entregues pelo mesmo agente que investiga o desapare-cimento do religioso e que semanas antes havia entregue outrostrechos de outros volumes dos diários de Frazzelli, no escritórioda Editora Questão, no Brooklin, em São Paulo - SP - Brasil.Este trecho foi entregue na editora dias antes da primeira im-pressão do livro “Lágrimas de Anjo”, de Marcos Alexandre deLima Oliveira, e incluídos na obra por sugestão do Editor JorgeFelipe Ramos. O agente insinuou que obteve esse materialadicional graças a contatos que conseguiram “extraviar” abagagem de vários religiosos no embarque para viagens inter-nacionais em aeroportos de São Paulo. N.E.)

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Caro amigo:

Muita coisa aconteceudepois de nosso encontro. Primeira-mente, gostaria de parabenizá-lo peloseu livro. No entanto, sinceramente,não sei se o aprovo. Mas, como disse,quem sou eu para julgá-lo? Justamenteeu, que agora encontro-me em um novoestado de graça. Não, ainda nãoretornei ao Céu, - o que o carimbopostal neste envelope já torna óbvio.No entanto, escrevo-te esta missivapara compartilhar uma descoberta queme fez entender que estou mais pertoda Cidade Celestial do que imaginava.Durante séculos busquei a Redenção,como ficaste sabendo através de nossaconversa.

Epílogo II

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Lágrimas de Anjo

No entanto, em séculos, não havia percebido oobvio: se não encontrava perdão como anjo, já que nãopoderia ter pecado como pequei, só poderia ser perdoado seme tornasse humano, ou o mais próximo do homem quepudesse chegar. O problema é que, apesar de tudo, ainda meachava “superior” a vocês, meros mortais, simples sereshumanos.

Mas isso mudou. Por meio de um encontro comalguém que não via há muito tempo, recebi uma mensagemque mudou minha forma de crer e pensar. Isso me fez reler,desta vez com contrição e reverência, as Sagradas Escrituras(...)

(...) Em, suas páginas, senti o amor incomensurá-vel que o Altíssimo tem por vocês, humanos. Percebi que Eleoferece salvação, perdão, redenção, vida plena, e Céu,apenas a vocês, humanos, entre todas as criaturas da Cria-ção. Atentei para o fato de que o Messias, o Cristo, o Esco-lhido, o Filho de Deus, não se envergonhou de chamar-se“Filho do Homem” e chamar vocês, humanos, de irmãos. Epercebi que estava, durante séculos, buscando a redençãonos lugares errados e da forma errada. Jamais voltaria aencontrar-me com o Altísismo valendo-se de condição deanjo, ou de ex-anjo. Diante dEle, nenhuma condição trazprivilégios. Ele é o Senhor, e diante dEle, não há títulos,condição, raça, casta, ou qualquer distinção. Talvez seja porisso que Lúcifer e seus anjos nunca tenham sido perdoados.

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Para se obter o Perdão, é necessário despir-se de toda equalquer falsa glória e poder. É preciso despir-se do “eu”interior, e humilhar-se a si mesmo, reconhecendo o PoderSuperior dEle (...)

(...) E eu só pude reencontrar-me com o Criadorquando fiz isso. Só há redenção para quem se rende ao maishumano de todos os seres que já viveram: Deus em forma degente, Jesus Cristo, que sendo Deus, se rebaixou a deixartoda a Sua Glória e Poder, viver entre os homens, ensinar-lhes e praticar junto a eles o amor e a justiça e ainda a Simesmo se entregar em Sacrifício Perfeito por todos eles. Epor mim, já que deixei minha condição de anjo e hoje vivo ehabito como um de vocês, partilhando do mesmo destino (...)

(...) Pela segunda vez, vivo uma situação única emtoda a história da Criação: fui o único anjo a não tomarpartido na primeira Grande Guerra nos céus e o único anjo aencontrar a Salvação, a Redenção, ao aceitar e reconhecercomo humano, a Jesus Cristo como Senhor. Como pude sertão obtuso, como meus olhos puderam ficar durante tantotempo vendados? Não sei. O que sei é que talvez você tenhafeito o que tinha que fazer; talvez tenhamos agido comodeveríamos agir. Se em algum momentos nos sentimos “usa-dos”, talvez o tenhamos sido, como um artista, um criadorusa suas “ferramentas”, seus “instrumentos”, para concluir suaobra... Talvez por isso, termino pedindo a você que acres-cente esta carta ao seu livro, para que, de alguma forma,

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Lágrimas de Anjo

tanto você quanto todos que o lerem, busquem ao Altíssimo,através de Sua Palavra, que revela Seu Filho Jesus, enquantohá tempo, enquanto se O pode achar. Eu tive tempo, tempoaté demais... (...) (...) O que percebi agora me basta: devoviver como humano, aceitar o fardo e a riqueza inerentes apertencer à humanidade e buscar a redenção nas palavras doMessias. Que antes, não era “meu Messias” porque Ele nãoveio para salvar os anjos, ou ex-anjos, e sim, para salvarvocês, humanos. Que não seja para vocês a palavra “Ele veiopara os que eram seus, e os seus não o receberam...”

Acerte-se com Ele... hoje.Sinceramente seu,

Ariel

( P.S. Caro amigo, segue uma cópia, também em português, éclaro, de um pequeno ensaio literário que produzi nas últimas semanas. Ospoemas são letras de canções que recebi em momentos de súbita e abençoa-da inspiração, depois de meu encontro com Rafael, e que marcam até minhapassagem pelo seu abençoado país. Espero que sirvam para aproximá-lodAquele que busquei durante tanto tempo...)

(Trechos de uma carta encontrada na caixa postalda Editora Questão, uma semana depois da publicação dolivro “Lágrimas de Anjo”, de Marcos Alexandre de LimaOliveira. Este texto e os que seguem foram incluídos nasegunda edição da obra, por sugestão do editor Jorge FelipeRamos, bem como as ilustrações acrescentadas à obra. Noremetente, o nome do Prior Augustini Dominic Frazzelli. Ocarimbo no envelope indica que a carta teria sido postada nacidade de Quebec, no Canadá)

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Axioma” é uma palavra grega que significaria,em uma tradução livre, “verdade definitiva”ou “verdade absoluta”. No entanto, não

existe “verdade absoluta”. Todas as verdades são relativas. Issoporque a noção de verdade depende de um sentimento, de umjulgamento totalmente subjetivo que é conhecido por nós como“fé”. Partindo do princípio que algo só é verdadeiro quando seacredita que aquilo é verdade, “verdadeiro” é tudo aquilo em quese acredita, em que se tem fé.

Por exemplo, não adianta atirar sobre um ateu umatonelada de provas sobre a existência de Deus. Ele, o ateu, quenão acredita que exista um Deus, a idéia de que haja um SerOnipotente, Onipresente e Onisciente cuidando deste Universo,por mais que se apresentem fatos que comprovem a veracidadeda idéia, jamais acreditará. Pelo menos, enquanto não estiverdisposto a acreditar.

Analisando, a existência da “verdade” depende da fé.E a fé busca, desesperadamente, algo em que se apoiar, algo emque acreditar. A fé busca, eternamente, a verdade. Talvez seja

AXIOMA

Ensaio Literáriopor Augustini Dominic Frazzelli

ou “Ariel”

A VERDADE NÃO É ALGO...A VERDADE É ALGUÉM...

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essa a causa do surgimento de inúmeras religiões, seitas e fac-ções. Cada um crê em sua própria “verdade” e a difunde. Com-pletando o quadro, a fé, (independente no que) que habita emcada ser humano, o sentimento religioso que é inerente ao ho-mem, buscando a verdade, acaba aceitando as idéias difundidaspor outros como “verdade”.

Conhecedor na natureza humana, Jesus Cristo res-pondeu sabiamente aos que lhe perguntaram o que era a “verda-de”. Ele disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Segun-do Jesus, a verdade não era “algo”, e sim, “Alguém”: Ele mesmo!A verdade era o próprio Deus, já que Jesus também diria: “Eu eo Pai somos um”. Mas Jesus disse isso a judeus, pessoas queacreditavam na existência de um Deus, que havia prometido umMessias, um Salvador, um Escolhido, um Enviado que lhes trariapaz, libertação, redenção. Havia pré-requisitos para a fé.

De outra forma, mais tarde, sendo julgado porPôncio Pilatos, romano, adorador de “deuses”, criados a partirde lendas e imortalizados pelos poemas de Homero, Jesus foinovamente questionado acerca da “verdade”. “Mas, o que é averdade?”, perguntou o romano a Jesus. E Ele não respondeu...manteve-se em silêncio.... Ora, mas de que adiantaria dizer a“verdade” a quem não teria disposição em aceitar aquela “verda-de”? De acordo com a fé de Pilatos, Jesus não era e nem “pode-ria” ser a verdade.

Em termos bem simples, a capacidade de aceitar a

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“verdade” depende da aceitação, progressiva, de outras “verda-des”. Talvez sem atentar conscientemente para este aspecto domecanismo da fé, dele se utilizou o apóstolo Paulo de Tarso, aopregar a mensagem cristã no Areópago, um grande teatro grego.Religioso, o povo dali havia erguido altares e colocado nelesimagens (estátuas) de todos os deuses que acreditavam existir.Isso, para que nenhum “deus esquecido” acabasse por se enfure-cer e lançar sobre eles alguma praga...

Tão religiosos eram, que acabaram erigindo um altare deixando-o vazio, mas com a inscrição: “Ao Deus Desconheci-do”. Paulo, aproveitando-se da crença daquele povo de quehavia mesmo um “Deus Desconhecido”, apresentou-lhes o “Deusdos judeus”, como sendo esse “Deus Desconhecido”. Era essa a“verdade” de Paulo. Que encontrou terreno fértil dentro da“verdade” dos gregos. E mais: O “Deus Desconhecido” era, naverdade, o Único Deus, o Criador, o Onipotente, o verdadeiro,digno de adoração e que fez o Universo. E Seu Filho, JesusCristo, a ponte que permitiria aos homens conhecer o “DeusDesconhecido”.

Ora, Paulo não disse que os outros deuses eram“mentira” (mesmo que o fossem, e o são; mas dentro da mentedaquele povo eram verdade) e sim, que o “Deus Desconhecido”era a “verdade”. Os dogmas só são aceitos, só se tornam “ver-dade”, portanto, quando se propiciam condições para que issoocorra. A verdade só existe se houver fé. Em sua carta aosHebreus, que consta da Bíblia, o mesmo apóstolo Paulo explica

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Lágrimas de Anjo

que a “fé é a certeza das coisas que não vemos”.E tudo se encaixa. Só cremos em Deus porque

acreditamos que algum ser superior tenha criado o Universo. Daí,cremos em Seu Filho, que nos veio falar em nome dEle. Emseguida, cremos em seus apóstolos, que nos falaram em nome deSeu Filho, que veio em nome dEle. Finalmente, cremos na Bíblia,composta por relatos de fé de homens e mulheres que afirmamter visto e sentido a ação direta de Deus sobre a vida de humani-dade, e por esse Livro, para os que crêem, Sagrado, pautamosas nossas regras de conduta moral e espiritual.

Contudo, a própria Bíblia traz a advertência de que,“no final dos tempos”, que uns crêem ser breve, outros que é“já”, “o amor de muitos esfriaria”. Realmente, a cada dia quepassa, novas religiões, seitas e organizações religiosas são funda-das, cada qual defendendo sua própria visão da “verdade” ecada dia mais, o homem questiona o que é a “Verdadeira Verda-de”. É a fé gritando por algo consistente em que se agarrar.

Nestes tempos difíceis, em que as “verdades” pare-cem mudar a cada instante, o homem sente-se inseguro, frágil,temeroso, desamparado. E agora, como homem, confesso,também sinto-me assim, às vezes. No entanto, o que me consola,o que me sustenta e o que me faz seguir em frente, neste mundode valores e verdades tão mutáveis, é acreditar em uma, umaúnica verdade que descobri recentemente, ser imutável: a de queJesus é a Verdade.

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Marcos Alexandre

É uma crença totalmente subjetiva, admito. Mas,neste mundo em que vivemos, poucas certezas são baseadasexclusivamente na análise lógica e racional. E até onde tenhoconhecimento, a Ciência ainda não conseguiu criar um substitutoà altura, que consiga dar sentido à minha existência. Ao ler aspoesias que seguem, na verdade, canções que me foram dadaspor inspiração, abra sua mente à Verdade. Talvez, assim, não osache tão simples, e até ingênuos. Abrindo a mente à VerdadeMaior - Jesus -, você, caro amigo, poderá realmente entender,como só entendi depois de aceitar a verdade, as palavrasdAquele que disse, no Sermão da Montanha: “Bem aventuradosos simples de coração... pois eles verão a Deus.

Tende fé... pois quando falta a fé, até os anjos podemcair...

Prior Augustini Dominic Frazzelli

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Marcos Alexandre

Canto ao Senhor, me alegroBusco ao meu Senhor, me encontroFecho os meus olhos eEnxergo Seu PoderEu canto...

Fujo em meio às trevasMe debato em meio às névoasQue envolvem minha menteMeu viver...

Sou pequeno em meio a tantas coisasTenho medo...Se agigantamMinha dor e meu sofrer

Caio, joelho ao solo,Ó Senhor, eu Te imploroDesce logo,Vem me socorrer

Anjos trazem copos que contéma benção - logo - Tua Palavra VivaMe faz reviver

Canto ao Senhor, me alegroBusco ao meu Senhor, me encontroFecho os meus olhos eEnxergo Seu PoderEu canto...

Súplica

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Marcos Alexandre

Fórmulas matemáticas, invenções astronáuticas,Lógica econômica, avanço na ciência atômica.Concepções logísticas, imaginação artística,Mente em desenvolvimento, sede de conhecimento.

Hoje o Homem está, procurando a verdadeira razão pra viver,Mas em meio a fantasia, não consegue ver,Que a única resposta é Jesus

Saber tanto assim, e não ter a Cristo dentro do seu coração,Não ter Sua paz, não sentir o Seu perdão,Ê viver num mundo de ilusão

Biologia, cibernética,Estudos sobre genéticaDúvidas sobre o futuro,Mas como se sentir seguro ?

Cristo é a segurança, a vida, a esperança,Ele a solução pro mundo, neste século absurdo.

Sim, a solução, é receber a Cristo dentro do seu coração,É aprender com Ele como ter novo viver,É a felicidade conhecer.

Fórmulas Matemáticas

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Gesto Político

Já me perguntaram qual é minha posição,Se sou da esquerda, direita ou do Centrão.Se sou anarquista, comunista, sim ou não,E a resposta sai, do fundo do meu coração:

Meu gesto político é viver pra falar,Do meu Senhor Jesus, que morreu pra me salvar,Milito numa causa que supera as demais:Anunciar que Cristo, somente Ele satisfaz

Acorda Brasil e toma posição:Entrega a Jesus Cristo toda direção.Quando este País a Deus se entregar,Feliz será esta Nação

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OraçãoQuando eu me sinto abatido, euA Ti clamo e sou ouvidoE o Teu amor vem me curar

Vejo entãoQue nada tenho pra Te darQue pague Teu amor sem par,A Tua compaixão

Mas quero Te amar, SenhorPreciso Te amar, SenhorPara que o meu louvorTe agrade, ó Pai

Minha vida Te dou, SenhorDe Ti mesmo sou, SenhorDerramo meu coraçãoSobre o Teu altar

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Marcos Alexandre

Não temasNas horas de maior dificuldadeEu paro pra pensar em Jesus,Que brilhou nas trevas com grande luzE por nós morreu lá na cruz

Nas horas de maior dificuldadeEu paro pra pensar no SenhorQue livrou do Egito, o povo seuE a terra seca em mananciais converteu

Então, ouço a voz do meu SenhorEcoando dentro em meu coração:

“Não temas que eu te ajudo,Sê forte, crede em Mim.Estou contigo, todo tempo, até ofim.

Não temas, que Eu te ajudoVitória certa te darei.Sou Jesus, teu Senhor e Eterno Rei

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Trono de JustiçaAleluia

Senhor dos Exércitos de Israel,Como Tu não há na terra e nos CéusHabitas num sublime tronoMas Te inclinas pra ver o louvor do teu povo.

As abas de ouro do Teu manto,Preenchem o Santo dos SantosNo qual eu penetro agora em louvor.

Tu és o Deus vivo, puro e santo,Tu reinas de canto a canto A Ti, ó Senhor, entreguei meu coração

Trono de Justiça, Glória e Verdade...Sabei que o Senhor, é Rei e Majestade.

Povos e Nações, vinde ao Seu encontro...Sabei que o Senhor é Deus e não há outro.

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Marcos Alexandre

Jesus é meu Senhor, é Ele quem alegraMinha alma brasileiraEm meio à recessão, o atraso do metrô,E a crise financeira.

Vivo o meu viver, na esperança de um novo céu,De uma nova cidade tôda linda,Onde habita justiça,Onde com Deus, prá sempre eu vou morar, la lalá laiá,

E lá eu vou ser coroado, ter Jesus Cristo ao meu lado,E sempre, ser feliz.

Jesus quer te salvar, encher a tua vida,De alegria verdadeira e mudar o teu viver,Tornar o teu sofrer em louvor a vida inteira.

Venha com teu cantar, traga a cuíca, o tamborim,E ofereça pra Deus um novo canto,Um samba consagrado,Entregue-se a Jesus, e venha ser feliz, la laiá laiá,

Ó venha a Cristo sem demora, sofrer está por fora,Isso é Deus quem diz...O venha a Cristo sem demora, sofrer está por fora,Isso é Deus quem diz.

Samba Consagrado

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JazzsusJazzsus, melodia sem fim,Orquestrada pelo Criador,Com notas de amor...Que toca na alma, fascina e transforma...Jazz

Jazzsus...O mais lindo dos blues,

Do manto carmin, à geração jeans,Todo que Te ouve se torna feliz.Jazz

Não Te ouço quando escuto a mim mesmo,Não Te ouço quando fecho o coração

Ouço Tua voz quando Te busco em oração

Não te escuto quando ouço tantos sons,De tanta gente querendo me iludir.

Mas abro o coração,pois Jesus Cristo quero ouvir

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Louvor

Quando é que o louvor agrada a Deus?Quando é que o louvor chega aos céus?Quando é?

É quando sai dos lábios tão somentePor amor...É quando sai da vida reta e santaCom fervorÉ quando quer agradar aoNosso Senhor

Quando é que o louvor agrada a Deus?É quando sai de um coração segundo o Seu...

Quando é que o louvor agrada a Deus?É quando sai de um coração segundo o Seu...

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Marcos Alexandre

ConsagraçãoComo um vaso nas mãos do oleiro,Ó Deus, vem me amoldarDá nova forma ao meu ser,Muda minha vidaSempre que eu precisar

Como um vaso de bálsamo precioso,Senhor faz minha vida serQue em mim, o suave perfume de Cristo,Todos possam perceber

Como falas comigo, através da naturezaQuando paro e contemplo sua beleza.Fala aos outros, meigo assim,Através de mim

Feito torre edificada sobre um monteSenhor faz minha vida estarQue meu falar e proceder leve todosA teu nome glorificar

Como andou Jesus Cristo, meu mestreAssim também quero andarEm Suas pegadas caminhar e a todo mundo,Sua mensagem levar

Como falas comigo, através da naturezaQuando paro e contemplo sua belezaFala aos outros, meigo assim,Através de mim

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Marcos Alexandre

EmAmanhece, abro os olhos e começo a cantar,O louvor flui do meu ser e sinto então,Jesus, a me tocar.

Amanhece, e novamente eu pego no meu violãoE levanto a meu Deus uma oração,na forma de uma simples canção

Em cada acorde um som,em cada nota, em qualquer tom,Louvo a Jesus, o Redentor.

Em cada letra então,o amor se torna uma cançãoQue eu ofereço a Deus meu Salvador, meu Senhor.

Anoitece, e os raios do Sol, longe se vão,Ilumina, ó Espírito, o meu coração,e ouve minha singela canção.

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Marcos Alexandre

Amigo, você anda tão sozinho;A vida pra você, não tem mais sentido.Você procura amor, e encontra incompreensão,Não há mais nada, em seu mundo de ilusão,Não há mais nada, em seu mundo de ilusão.

À noite, você sai e se embriaga;Ou então toma drogas, pra fugir da vida.Mas não percebe, que a cada segundo,Você se afunda num poço sem fundo...hum...(Mas...)

Jesus é forte e querLevantar-te com Seu poder,Ele vida e querDar-te novo viverEle te ama e querAlegrar o teu coração,Ele quer te ver feliz,Quer te dar a Salvação.

Você precisa de um amigo,Alguém que te ajude,Que fique contigo.

Jesus te ama, e te estende a mãoVenha até Ele eTenha paz no coração,

Venha até Ele e tenha paz no coração.

Amigo

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Marcos Alexandre

Eu choroe deixo a lágrima cair,

Eu rio,e deixo o sorriso fluir,

Eu vivo,e peço a Deus pra me dirigir.

O mundo é um marSuas ondas vão e vêm

Minha vida é um barcoQue Deus conhece bem

Eu iço as velas,e rumo mais além

Pois quem crê nÊleporto seguro tem

Fluir

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Lágrimas de Anjo

Este livro, de modopeculiar, também falasobre “Deus”. Em

seu íntimo, cada um acredita em um“Deus” diferente, pessoal, que é “dife-rente” do “Deus” alvo da crença deseu semelhante, porque cada homemenxerga “Deus” e relaciona-se com Elede uma maneira estritamente particular,pessoal e intransferível. É semelhanteao pai que tem vários filhos. Mesmoamando todos da mesma forma, cadafilho enxerga o mesmo pai de formadiferente. Um dirá que o pai é “corajo-so”, outro, que é “forte”, e um tercei-ro, que é “grande”, e assim por diante.

De forma semelhante, cadareligião vê “Deus” de diferentes manei-ras. O que não significa que o “DeusVerdadeiro” seja como essas religiões

Considerações Finais

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Marcos Alexandre

enxergam “Deus”. O “Deus Verdadeiro” não é exclusivo denenhuma religião, até porque não há dogma humanopreestabelecido que possa contê-Lo.

Isto posto, sinto-me livre para registrar minhaimpressão particular sobre “Deus”. Ele é o Criador, oMantenedor do Universo, o Senhor que nos ama, e somenteatravés de Cristo Jesus, Seu Filho, podemos chegar até Ele,aproximarmo-nos do alto padrão de comportamento e senti-mentos que Ele espera que alcancemos. Em Cristo Jesus,começa a Salvação de nós mesmos, de nossos erros, precon-ceitos e mazelas. Salvação que será concluída quando nossoscorpos retornarem ao pó e nossos espíritos retornarem a“Deus”, que nos criou.

Para conhecer o “Deus Verdadeiro”, basta buscarSua Palavra na Bíblia Sagrada e Sua Presença em oração.Foi através da oração que “Deus” se revelou ao PatriarcaAbraão, no deserto da Caldéia, milhares de anos atrás. Ne-nhum religioso revelou “Deus” a homem algum.

“Deus” revela-se a Si mesmo a quem O busca...Buscai aO Senhor enquanto se pode achar...Sem fanatismo, sem mistificação, sem

dogmatismo, busquemos a “Deus” e nos encontraremos nEle.Que Ele nos abençoe a todos e perdoe as nossas

fraquezas.

De um dos menoresentre os menores servos do Senhor

Marcos Alexandre de Lima Oliveira

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Lágrimas de Anjo

Marcos Alexandre de Lima Oliveira é roteirista e apresentador deprogramas de TV, escritor, compositor e acumula mais de 10 anos de experi-ências vividas nas redações de grandes jornais e assessorias de imprensacomo repórter, redator e editor-chefe. Suas atividades profissionais, no de-correr de sua carreira, incluem atuações como:

Roteirista e apresentador na série de televisão “Profissão Brasileiro”nos programas produzidos por Seimi Produções Artísticas, para IPC-TVNetwork Corporation - série exibida no Japão todas as sextas-feiras, às21h30 e reprisada aos sábados, às 10h20, pelo Canal 333, retransmissorados programas da Globo Internacional em todo o território japonês

Assessor de Imprensa da Prefeitura Municipal de Ferraz de Vascon-celos-SP

Assessor de Imprensa da Prefeitura Municipal de Suzano-SPAssessor de Imprensa da Delegacia Regional da Ordem dos Músicos

do BrasilAssessor de Imprensa da Confederação Brasileira de Culturismo e

Musculação (filiada ao Comitê Olímpico Internacional - COI - e InternationalFederation Body Building - IFBB)

Editor do Jornal da HoraEditor do Suplemento Suzano News (do jornal Mogi News)Editor Responsável pelo Jornal Town NewsRedator Comercial e Editor de Caderno em O Diário de MogiFundador e Diretor do Jornal de FerrazFundador e Diretor do Jornal Folha AbertaCriador e Editor-chefe da Revista ClassicEditor do jornal A Comarca de PoáRepórter e Editor de Caderno no Diário de SuzanoAutor de “Fragmentos” - libreto de prosa e versos sobre a realidade

dos alunos da Escola Pública (Edição independente - 1994)

O autor

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Marcos Alexandre

Autor de “Mosaico” - 2.000 - livro de poesias ilustrado com compo-sições sobre temas diversos

Autor de “Poesias” - libreto de prosa e versos (Edição independente- 1988)

Colaborador nos jornais Diário Quatro Cidades, A Comarca deBarueri, Diário do ABCDM, Folha Regional, Sol Viagem e Turismo e váriosoutros.

Suas outras atividades incluem atuações como:Co-fundador do Grupo Interdenominacional de Combate às Drogas

“Amor & Paz”Representante de Ferraz de Vasconcelos no I Fórum de Educação da

Região LestePresidente do Grupo de Mocidade Alvorecer por quatro anosApresentou: Telejornal Folha Aberta (o primeiro telejornal de Ferraz

e Região, pela Rede Som e TV Imprensa (1994)Compositor dos temas e “jingles” para comercias e campanhas pu-

blicitárias. Compositor de MPB e músicas cristãs, com músicas gravadaspor cantores em ascenção

Durante os últimos 15 anos, é apresentador ou palestrante convida-do para inúmeros eventos e solenidades no Estado de São Paulo