trabalho social e intervencoes habitacionais

Upload: antonio-balau

Post on 06-Jul-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    1/44

    1

    Th Si ItçsHitiisRefexões e aprendizados sobre o Seminário Internacional

    Ministério das CidadesSecretaria Nacional de HabitaçãoAliança de CidadesBanco Mundial

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    2/44

    2

    Copyright © - 2011Permitida reproduçãosem ns lucrativos, parcialou total, se citada a fonte.

    Disponível também:www.cidades.gov.brwww.citiesalliance.org

       I   s   a   b   e   l   B   a   l   d   o   n   i  -   P   o   r   t   a   l   P   B

       H

    Belo Horizonte (MG)

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    3/44

    3

    Publicação sobre reexões

    e debates do SeminárioInternacional TrabalhoSocial em Intervenções

    Habitacionais, realizado de31 de agosto a 2 de setembrode 2010, no Hotel Gran Bittar –Brasília/DF

    Coordenação Geral

    Inês Magalhães - SecretáriaNacional de Habitação doMinistério das Cidades

    Organização

    Adilon Sírio Silva MoreiraAnaclaudia RossbachBruna GattiConceição de Maria Lopes FreitasCid Blanco Jr.Diogo DouradoElzira Marques LeãoFrancesco Di VillarosaKarina CavalcantiMarcos Monteiro

    Mariana Kara JoséMirna Quinderé Belmino ChavesRodrigo DelgadoSameh WahbaTatiane Leonel de Almeida SilvaresTássia Regino

    Produção Editorial:Publisher BrasilEdição: Renato RovaiRedação: Adriana DelorenzoProjeto Gráfico: Thiago BalbiRevisão:Denise Gomide

    As imagens desta publicação foramcedidas pela Aliança de Cidades (CitiesAlliance), Ministério das Cidades eFundação AVSI, que informaram oscréditos de autoria.

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    4/44

    4

    Sumário

    EntrevistaA consolidAão do TrabalHo SocIal 

    Balançoinvestimentos em HabITaão impulsionAm TrabalHo SocIal 

    Direito à moradiamAis que umA caSa 

    Territórios evulnerabilidadesRompendo As barreIraS 

    dA deSIgualdade 

    ProjetosconheceR o TerrITórIo 

    é o prImeIro pAsso

    Reassentamentosum pRocesso de InTervenão 

    fíSIca e SocIal 

    Participação socialApRofundAR o conTrole SocIal 

    e os mecAnismos de democracIa 

    ExperiênciasInTerSeTorIalIdade  e gestão

    gARAntem êxITo nAs InTervenõeS 

    MetodologiaspopulAão é proTagonISTa 

    dAs InTervenõeS 

    Trabalho e rendadesAfio de mAnteR famílIaS nAs

    moradIaS pAssA pelAs novAs deSpeSaS 

    ViolênciaA pResenA do eSTado 

    Minha Casa, Minha VidaTrabalHo SocIal pARA4 mIlHõeS de fAmíliAs

    Meio ambienteRumo A HabITaõeS SuSTenTáveIS 

    DesaosRecomendAÕes pRopostAspARA o TrabalHo SocIal no

    deSenvolvImenTo urbano 

    6

    10

    15

    17

    20

    23

    24

    26

    29

    31

    34

    36

    38

    40

    A r   q 

     u i   v 

     o  /  M i   n i    s 

     t   é  r  i    o 

     d   a  s  C i    d  

     a  d   e  s 

    Rio de Janeiro (RJ)

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    5/44

    5

     Apresentação

    Com a Política Nacional de Habitaão, o trabalho social passou a ser parte

    obrigatória dos projetos de intervenão habitacional. Trata-se de uma atividade

    essencial a ser realizada com as famílias beneficiadas pelos projetos. Esse tipo de

    trabalho envolve várias aões, que se iniciam antes da obra e continuam após a

    mudana dos moradores. Com a exigência do trabalho social e dos investimentos

    em habitaão dos últimos anos, especialmente com o PAC e o Programa Minha

    Casa, Minha Vida, uma série de projetos de intervenões vem sendo desenvolvida

    nos vários municípios brasileiros.

    De Norte a Sul, somam-se experiências de trabalho social, que apresentam

    peculiaridades teórico-metodológicas, relacionadas a: modelo de gestão local, ta-

    manho da área da intervenão, número de famílias, especificidades do projeto,

    tipologia da unidade habitacional (horizontal ou verticalizada), situaões de risco

    e condiões de acessibilidade, entre outras variáveis.

    Buscando refletir sobre elas, a Secretaria Nacional de Habitaão do Ministério

    das Cidades, em parceria com a Aliana de Cidades e o Banco Mundial, realizou,

    de 31 de agosto a 2 de setembro de 2010, o Seminário Internacional sobre Trabalho

    Social em Intervenões Habitacionais, em Brasília. O encontro reuniu 400 pessoas

    de todo o País e contou com a participaão internacional de palestrantes e de or-

    ganizaões parceiras do setor público e privado.

    Foram três dias de debates, que proporcionaram o intercâmbio de experiências

    e informaões. Foi uma oportunidade de discutir a diversidade de referenciais teó-ricos e modelos de abordagens práticas, compartilhando experiências de trabalho

    social em habitaão, no Brasil e no mundo.

    Na ocasião, os participantes levantaram os desafios, apresentaram exemplos

    de boas práticas e diagnosticaram o leque de aões que estão sendo incorporadas

    ao trabalho social, como as direcionadas à geraão de trabalho e de renda. Além

    disso, destacaram a questão da intersetorialidade e o conceito de território, como

    centrais para o desenvolvimento do trabalho social.

    O objetivo do seminário era justamente ampliar o campo de aão e o repertório

    do trabalho social. A Secretaria Nacional de Habitaão oferece esta publicaãocomo uma contribuião ao debate. Aqui está reunido um conjunto de reflexões

    apresentadas durante o encontro. Elas não se esgotam, tampouco o debate e as

    possibilidades de aão.

    A r   q 

     u i   v 

     o  /  M i   n i    s 

     t   é  r  i    o 

     d   a  s  C i    d  

     a  d   e  s 

    Rio de Janeiro (RJ)

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    6/44

    6

    A aç

    th si

    Entrevista

    O trabalho social passoua ser um componenteestratégico numaintervenção habitacional.Para a secretária Nacionalde Habitação, InêsMagalhães, desde 2005à frente da Secretaria,evoluiu-se muito naconsolidação institucionaldesse conceito. Hoje jáexistem investimentos

    especícos para a área, eos desaos são incorporarnovos temas ao trabalhosocial, como a questão daviolência e da geração detrabalho e renda

    Q ç q s z ç

    th si s itçs hitiis, sútis s?Hoje, o trabalho social é um dos eixos fundamentais quan-

    do se realiza uma intervenão. As pessoas têm o direito de sa-ber o que vai acontecer com elas e de poder opinar sobre o seufuturo. O trabalho social tem essa funão e hoje é um compo-nente obrigatório, representando investimentos da ordem de2,5% dos recursos totais de uma obra.

    Uma intervenão numa favela é, na verdade, buscar fazer a co-nexão do tecido urbano daquele assentamento com o resto da cida-de, reforando as competências e atributos para que ela possa se

    desenvolver e se organizar, para tornar-se uma comunidade maisatuante na garantia de seus direitos, por meio da urbanizaão e dodesenvolvimento econômico, com o objetivo de garantir a melhoriadas condiões de geraão de trabalho e renda para aquele público.

    Já evoluímos, tornando o trabalho social obrigatório, não há

    liberaão de recursos para obra sem que conste no projeto. A nos-sa avaliaão, agora, é que talvez tenhamos que mudar o olhar,osdesaos para entrar hoje numa comunidade exigem um repertó-rio mais sosticado. É justamente este repertório que nós estamosperseguindo, por isso, estamos desenvolvendo estas atividades dedebate e capacitaão, para tentar identicar quais são os desaosespecícos,além de tentar discutir e incorporar outros temas, porexemplo, o da violência, trabalhado em qualquer comunidade, sejana dimensão da violência doméstica, seja no da violência urbana.

    Há outros pontos muito importantes: o desenvolvimento e ageraão de trabalho e renda. É preciso diversicar as aões imple-

    mentadas, oferecendo um cardápio amplo de aões e programascoordenados, para promover o desenvolvimento econômico das co-munidades. Não é mais razoável que, ainda hoje, se oferea apenasalguns cursos de capacitaão, sem articulaão intersetorial, com

       R   o   d   r   i   g   o   N   u   n   e   s    /   M    C   i   d   a   d   e   s

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    7/44

    7

    o nível de recursos disponibilizados. Existe um repertório que, donosso ponto de vista, deve ser organizado, para que as prefeituras,os gestores, as consultorias, os movimentos sociais possam utilizá-los como um instrumento para compor a sua estratégia local. Nãodá para imaginar que haja uma receita que possa ser replicável em

    todos os projetos, mas a nossa intenão com o Seminário Interna-cional Trabalho Social em Intervenões Habitacionais e com a sériede atividades promovidas pela Secretaria Nacional de Habitaão éde incrementar esse repertório.

    o th iz izç s, i j ist, é it q mih cs, mih vi?

    O Programa Minha Casa, Minha Vida é um outro desao. Eletem 1 ano, e nós estamos avaliando o trabalho social previsto nelecomo insuciente. Hoje, a aão concentra-se basicamente na cons-

    tituião do condomínio, é necessário estender as atividades e acom-panhar por alguns meses essas famílias na nova moradia.

    Pelas características de elevada vulnerabilidade da popu-laão que vai morar nessas áreas, avaliamos que é preciso en-volver mais o poder público nesse desao, no sentido de que aprópria prefeitura seja protagonista no processo de implemen-taão desses novos conjuntos.

    É a primeira vez na história da política habitacional do Brasilque se produz em larga escalapara pessoas de baixa renda. OBNH [Banco Nacional de Ha-bitação, criado em 1964] foi umaexperiência importantíssima, Elenasceu para produzir habitaãode interesse social, mas conseguiuatender a classe média baixa, nomáximo. Já o Minha Casa, MinhaVida, como a primeira experiên-cia, tem uma responsabilidade ainda maior de ter que dar certo. Otrabalho social é um componente importante para que isto acon-tea, com a preocupaão de levar essas famílias a compreender o

    que é viver nessa nova condião. Lembrando que a prioridade deatendimento do Minha Casa, Minha Vida é para famílias que estãoem áreas de risco e, portanto, em condiões muito precárias, ondea informalidade é absoluta, desde o fornecimento da água até o daenergia. Levamos essas famílias para uma residência formal e, emboa parte, verticalizada, por conta da necessidade e da diculdadede conseguir terra, principalmente nas grandes cidades.

    A família terá de pagar a prestaão da casa, uma prestaãosimbólica, que nós acreditamos que é importante para promo-ver o sentimento de pertencimento, mas além dela há tambémcontas de condomínio, água e luz, ou seja, a família sai de uma

    absoluta informalidade e passa a ter, de repente, que desembol-sar a prestaão. Isto nos preocupa.

    A estratégia de trabalho social deve contemplar essa preocupa-ão. O ponto fundamental da questão do trabalho social é o de dar

    possibilidade para que essas famílias percebam que têm direitose reforar sua capacidade de organizaão e de reivindicaão, sedi-mentando, assim, aões mais profundas de desenvolvimento social.Essa é uma questão fundamental.

    a q s s çs istitiizç th si?É um amadurecimento. Hoje a nossa política nacional de

    assentamentos precários, onde o trabalho social já está maisconsolidado, é fruto de um reconhecimento das experiênciasmunicipais dos anos 1980.

    Com o nal do BNH, acabou a intervenão federal na áreahabitacional, e o que restou aos municípios foi uma estratégia detrabalhar com pequenas intervenões em favelas, porque deman-davam menos recursos que uma produão habitacional, que é mui-to cara. Acumularam-se experiências, que nos possibilitaram, logo

    na chegada ao governo e somando às experiências internacionais,formatar uma política para assentamentos precários. Esta políticaestá associada a um trabalho social forte, por isso, é preciso que ogoverno reconhea a necessidade de nanciá-lo, já que o municí-pio não tem condião de assumir. Isso, por sua vez, nos coloca umnovo desao, que é preparar gestores sociais para fazer gestão derecursos, uma das preocupaões dos próprios técnicos. Eles estãoacostumados a lidar com a comunidade, mas não a fazer a gestão

    de um volume de recursos que, àsvezes, chega a quantias bastanteconsideráveis. Nós temos obras de150 milhões, 200 milhões, e 2,5%é a parcela destinada ao trabalhosocial, um valor alto para ser ge-renciado. Hoje temos um amadu-recimento e uma convicão de queo trabalho social é um componenteindissociável da política de habita-

    ão, em geral, e fortemente da política de urbanizaão de favelas.

    S ç th si, qis -

    ts i, é s st ss? e t q s ti ts stis?

    Essa é uma questão fundamental. Temos um vício institu-cional de que se propusermos um trabalho de educaão na co-munidade, ele terá que ser desenvolvido no âmbito do projeto.Isso não é verdade. A sustentabilidade de uma intervenão estárelacionada com a capacidade de quem conduz o trabalho socialna comunidade ser capaz de inserir outros atores municipais eestaduais, além de promover a articulaão necessária para quea comunidade esteja fortalecida e com os vínculos necessários

    com o poder público. No caso dos projetos habitacionais, esta-mos falando de trabalho de pós-ocupaão de seis meses a umano, mas, depois disso, a comunidade precisa continuar sendoobjeto de aões articuladas para garantir a sustentabilidade a

    A sustentabilidade de uma

    intervenção está relacionadacom a capacidade dotrabalhador social inserir

    outros atores municipais eestaduais na comunidade

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    8/44

    8

    longo prazo. O bom trabalhador social é aquele capaz de dese-nhar bons projetos, mas sobretudo capaz de articular políticasque estão disponíveis no município, no governo estadual e fe-deral para tornar aquela comunidade mais forte e melhorar apotencialidade daquelas famílias.

    n ç s iis, h ss qist it si s iz th, isi q s s i é it q it -tiiç . c th ss tiç s its?

    Nós temos uma frase que é: “O planejamento é tão bom quantoquem o conduz”. A questão é que não existe desenho de progra-ma ou de projeto que seja capaz de resultar em bons projetos. Osbons projetos são produtos das circunstâncias, dos atores que os

    conduzem. Isso porque muitas vezes o projeto comea errado e acomunidade vai para cima e consegue reverter e alterar o rumo, nãosó do desenho do projeto, mas da construão política. Na verdade,a nossa aposta não é só nos projetos especícos, mas sim fortalecera comunidade e ampliar a participaão.

    É uma questão difícil, porque estamos falando de um país fede-rativo em que os municípios têm autonomia para as suas políticas.O que nós fazemos são amarraões de funcionalidades no desenhodo programa, existe um contrato de repasse de recursos, mas nãoresolve tudo. Temos casos em que, no meio da implementaão deum projeto, é preciso buscar uma repactuaão política com as co-munidades e o governo local.

    Muitas vezes, uma conduão comea enviesada, e a própria co-munidade e os movimentos sociais conseguem fazer com que elase restabelea em um patamar mais adequado. Agora, não existeum processo perfeito. Isso vai sendo conduzido como um produtodo aprendizado, cada iniciativa é uma equaão sempre complexacujas variáveis produzem resultados diferentes. Muitas vezes, oproblema não é a falta de disposião da prefeitura em consultara sociedade, mas sim a disparidade entre os tempos políticos eos processos sociais. Por isso, temos reforado a importância da

    previsibilidade de recursos anual, ou para cada dois anos. Haveráum processo de seleão possibilitando a apresentaão propostas,e elas devem ser contempladas. Hoje, eu me atreveria a dizer que

    as prefeituras que investiram em ter projetos foram, em grandeparte, atendidas. Nós estamos quebrando a cultura de que “eu sóinvisto em projeto se eu tiver recursos”.

    c s s iss? pq, , s its

    q st ss sç ç j-ts s s is s i, isi, ç jts.

    Nós temos mecanismos de proteão. Fazemos uma distribuiãoregional, evitando que migrem recursos do Nordeste para o Su-deste, porque o Sudeste tem mais projetos. Fazemos o melhor nadistribuião dos recursos com base nas potencialidades do local e,além disso, no último ano, abrimos uma linha de nanciamento deprojetos para que as prefeituras possam fazê-los e depois obteremrecursos para a sua execuão. É uma aposta para diminuir o tempoentre a apresentaão do projeto e a entrega do produto nal às famí-

    lias, o que é o grande objetivo.Temos trabalhado com uma cultura cuja importância é conse-

    guir recursos, fazer com que a obra seja viabilizada rapidamentepara atender o beneciário nal. Nós temos em curso, no País,umareestruturaão institucional muito forte no setor habitacional.Quando chegamos em 2003, havia duas coisas a fazer: uma, erarever os programas no sentido de focalizar os recursos, que, naque-le momento, não eram tão grandes para a camada de baixíssimarenda; e a outra, era refazer o desenho institucional da área habita-cional. Não há política pública que se materialize e se consolide semque haja uma institucionalidade. Isso se deu com a Educaão, com aSaúde, com a Assistência Social... Apostamos que deve haver umainstitucionalidade, no município e no estado, que se ocupe dessetema. Neste sentido, evoluímos bastante.

    Tínhamos, em 2004, uma pesquisa entre municípios, queapontava que 20% deles tinham alguma institucionalidade paratratar de habitaão. E, normalmente, essas áreas eram ligadas àsprimeiras-damas. De acordo com a última pesquisa municipalque zemos, hoje isso chega a quase 70%. Os recursos conce-didos com ns especícos e a existência do Fundo Nacional deHabitaão de Interesse Social e do Sistema Nacional fazem com

    que o governo federal seja um indutor das políticas locais. Essaspolíticas vão se materializando e constituindo uma rede necessá-ria para implantar uma política pública dessa envergadura.

    Entrevista

     Via Mangue - Recife (PE)

    A r   q 

     u i   v 

     o  /  M i   n i    s 

     t   é  r  i    o 

     d   a  s  C i    d  

     a  d   e  s 

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    9/44

    9

    Os próximos desaos são incrementar a qualidade dessesatores e melhorar os projetos. Nós temos um conjunto de atores,não são somente o poder público e as comunidades, mas tam-bém a iniciativa privada. É preciso promover a eciência nosprocessos de industrializaão da produão, gerando economia

    de material nos processos e com desenhos sustentáveis sob oponto de vista econômico, social e ambiental.

    c s ss sss jts hitç q i z ts siçs às -çs q st s tis?

    Um bom projeto é aquele que consegue dar resposta a to-das as carências que o diagnóstico da comunidade apresenta.Se não tem creche, faz creche; se não tem uma área de lazer,faz uma área de lazer. Para nós, esse é o bom projeto, inclusiveconstruindo áreas em que possa haver atividades de geraão

    de renda, uma cooperativa, por exemplo.Na questão do Minha Casa, Minha Vida qual é o desao?

    É também incorporar, nos conjuntos habitacionais, as varian-tes e as necessidades locais.

    Costumo brincar que os intelectuais têm só o dilema, enós temos que ter o dilema hoje e a decisão, amanhã. Temosque pôr uma regra que valhapara o País e que, ao mesmotempo, leve em consideraão avariaão regional. É importan-te ter área comercial, ter áreade lazer etc., mas nem as nos-sas cidades hoje têm tudo jun-to ao mesmo tempo. O padrãoestabelecido para um conjuntohabitacional tem que dialogarcom um padrão estabelecido na cidade, sob pena de o con-

     junto ficar atrativo para a classe média.

    a ii é i s itçs. H i-s iiiç ss it s s itçs?

    Temos um impacto mensurado do programa como um todo. Háindicadores de melhorias da violência, mas não temos tempo su-ciente com uma intervenão que nos permita dizer o que realmentediminuiu. De qualquer forma, há experiências internacionais, comoas colombianas, que trazem indicadores e apresentam um caminho.

    Hoje, no tema da segurana pública, não dá mais para pensarque os municípios não têm nenhum papel. Essa é uma questão queo Pronasci [Programa Nacional de Segurança Pública com Cida-dania] trouxe também, por sua vez, fruto de um certo amadureci-mento das relaões que incorporam o município como um ator im-portante na segurana pública. A questão da integraão da polícia

    é sempre um tema complexo, difícil de implementar, por questõesde várias naturezas, mas acho que esse é o caminho. A dimensãodo território é pouco incorporada nas políticas públicas em geral,mas cada vez mais ela deve ser incorporada, para focalizar a aão

    do governo, desenhar esta aão com base em um território e estabe-lecer uma matriz de políticas especíca para cada um deles. Assim,é possível reconhecer se um território tem uma característica de fra-gilidade em relaão à segurana ou de potencialidade de algumaatividade cultural ou econômica que pode ser reforada.

    Nós vivemos, num certo sentido, num paradoxo: estamos cadavez mais desenvolvendo tecnologias que nos permitem fazer essetipo de leitura, mas ainda não temos nem um modelo abrangente,nem o poder público sucientemente reforado para implementá-las massivamente no Brasil. Há cidades com maior ou menorexpertise em determinadas áreas, mas é um desao do próximogoverno promover um trabalho de assistência técnica aos muni-cípios que seja capaz de levar a sua capacidade de intervenão noterritório, capaz de planejar a sua aão de maneira mais efetiva.Isso tem a ver com recurso, mas não só. O recurso é uma dimen-são importante, fundamental, mas ele sozinho não resolve se não

    houver um ator local sucientemente preparado.

    nss sti, tiiç i é i-tt isti ss ssis is?

    O repertório para se fazer esse tipo de trabalho tem que sermelhorado. Muitas vezes, o município diz que não tem dinheiro

    para pagar, mas é possível usarmetodologia de autocadastramen-to para se fazer um diagnóstico.É uma experiência muito interes-sante, porque ela tem uma duplafunão: além de fornecer a infor-maão para aquela comunidade,pode funcionar como um profundoinstrumento de mobilizaão, de co-nhecimento e surgimento de novas

    lideranas. Quando se coloca o conjunto da comunidade olhandopara ela mesma, há um grau de conabilidade desses dados, mui-tas vezes, maior do que um levantamento feito pelo pesquisador.

    O autorrecenseamento é um mecanismo que pode funcionarbem, mas sobretudo porque é também um fator de mobilizaão da

    comunidade, um fator fundamental para gerar um bom empreen-dimento, por meio de um bom desenvolvimento de projeto: ter umacomunidade que consiga entender o que vai acontecer com ela, oque está acontecendo e que possa intervir nisso. Não se conseguefazer isso sem que ela esteja minimamente sensibilizada.

    A obra tem o papel de alterar o meio físico. Mas ela sozinha nãomelhora a qualidade de vida das pessoas. O fato de construir umapraa, em si, não altera. As intervenões, em si, não alteram. É pre-ciso sempre levar em consideraão a realidade local. Por exemplo,numa determinada comunidade havia uma quadra esportiva com-pletamente destruída, e decidiram fazer uma quadra maravilhosa,

    com iluminaão e cercada. Porém naquele entorno só havia famíliascom crianas pequenas. A quadra gerou um transtorno para aque-las famílias, porque aquilo não tinha nada a ver com aquele períme-tro. O que eles precisavam ali era de um playground.

    Um bom projeto éaquele que consegue

    dar resposta atodas as carências que

    o diagnóstico dacomunidade apresenta

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    10/44

    10

    i hitç 

    a th si

    Balanço

    Com PAC e Minha Casa, Minha Vida,atividade ganha escala, mas aindaé preciso garantir a participação dacomunidade e estender o trabalhosocial além da intervenção física

    Na última década, o trabalhosocial em intervenões ha-bitacionais ganhou visibi-lidade e reconhecimento. A

    valorizaão é fruto de um processo, queteve início com a criaão do Ministériodas Cidades, em 2003, e foi incorporadaàs discussões sobre uma nova PolíticaNacional de Habitaão (PNH). No anoseguinte, a PNH foi aprovada, sendolegitimada com a criaão do Sistema eFundo Nacional de Habitaão de Inte-resse Social (SNHIS/FNHIS), em 2005.Posteriormente se estabeleceu a aplica-ão de, no mínimo, 2,5% do valor do in-vestimento para aões de participaão,mobilizaão e organizaão comunitária,educaão sanitária e ambiental e ativi-dades ou aões de geraão de trabalho e

    renda para a populaão atendida.O reconhecimento de parte das ver-

    bas para esse m se deve à concepão daPNH, que não se restringe à entrega dacasa ao cidadão, mas busca garantir queas pessoas tenham o direito à cidade. Otrabalho social pretende, assim, incor-porar o direito ao saneamento ambien-tal, ao transporte e a outros servios.Também busca um modelo de trabalho,participativo e democrático, pelo qual a

    populaão se envolve no projeto. “Quan-do falamos do direito à moradia, esta-mos falando do direito a ter um lugar nacidade, um lugar de verdade, como cida-

    dão”, destaca Evaniza Lopes Rodrigues,da União Nacional de Moradia Popular.

    Somente com o Programa de Acelera-ão de Crescimento (PAC 1), lanado em2007, R$ 235,5 bilhões foram destina-dos para a construão de moradias paraa populaão de baixa renda e a urbani-zaão de favelas. Esse valor foi 121%maior do que o previsto no lanamentodo programa. O PAC 2 terá a habitaãocomo uma das áreas prioritárias. Parao período de 2010 a 2014, está previstaa construão de 2 milhões de moradias,sendo que 1,2 milhão para famílias comrenda de até R$ 1.395, nos moldes doPrograma Minha Casa, Minha Vida,lanado em 2009. Estima-se que, hoje,o volume de recursos destinado ao tra-balho social (TS) corresponda a cerca de

    R$ 500 milhões. Todos esses investimen-tos deram escala ao trabalho social, quese consolida no País.

    aé siPara Evaniza, atualmente o trabalha-

    dor social está diante de “uma escala iné-dita”. Segundo ela, que também é mem-bro do Conselho Nacional das Cidades,hoje há uma diversidade de programas,projetos e possibilidades de atuaão. “A

    intervenão física busca diminuir as de-sigualdades. O trabalho social está juntonesse processo não só para tirar a aparên-cia de favela, mas o conceito de favela. Não

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    11/44

    11

    adianta urbanizar a área se a vizinhanacontinuar falando que ali é a favela. Traba-lhamos com uma perspectiva de processoem que é fundamental a obra física, masque vai muito além disso, trata-se de inser-

    ão nesse território, de uma apropriaãopelas comunidades”, ressalta.

    De acordo com Evaniza, o trabalhosocial não se esgota com o fim da inter-venão física, mas é preciso observarcomo a comunidade vai continuar serelacionando com as políticas públi-

    cas como um todo. Apesar dos avan-os nesse sentido, ela ainda reconhecea existência de práticas autoritárias eclientelistas: “Em alguns lugares, hoje,quando se fala que se vai urbanizaruma favela, as pessoas sentem medo deperder a casa, de ser removida.”

    A Política Nacional de Habitaão,conforme a conselheira, criou instânciasde participaão para evitar que a inter-venão seja de “cima para baixo”. Como

    Ela explica, não há como trazer projetosprontos e tentar, simplesmente, encaixaras famílias. “Às vezes se trabalha com aperspectiva de que as famílias não se en-caixam no ideal de moradia idealizadopelo projeto”, diz.

    Mas, muitas vezes a própria equipe nãorespeita a maneira que a populaão vive,informa Evaniza. Como exemplo, ela cita,intervenões em comunidades que se for-maram ao redor de um terreiro ou um tem-plo, e depois da obra não há espao paraesse local com que a comunidade se rela-ciona. Há ainda a questão das atividadeseconômicas desenvolvidas pelos própriosmoradores: “Muitas vezes, não consegui-mos traduzir isso para a equipe física, quedeve ter, sim, projetos que contemplemesses aspectos com um diagnóstico do queas famílias fazem ou querem fazer.”

    Em contraposião à lógica autoritária

    nas intervenões, Evaniza defende pro-cessos transparentes e democráticos. Ocontrole social, portanto, é fundamental.Ela ainda destaca a importância do for-talecimento da organizaão popular dacomunidade que está passando pela in-tervenão, bem como da sua articulaãocom outros fóruns, outras redes, outrascomunidades. “É atuaão em escala, umaatuaão com muitas obras acontecendoe com muitos recursos envolvidos, que

    pode dar um salto de qualidade tambémnas organizaões populares e dos traba-lhadores, o que também é um grande ob-

     jetivo das políticas públicas”, avalia.

    vt tiNa opinião de Margareth Coelho, da

    Prefeitura de Vitória (ES), o PAC “deu umchoque nos municípios”. Para ela, com oprograma, as cidades puderam exercitar

    o enfrentamento à pobreza. Daí surgiuum dilema: qual é o papel do trabalhadorsocial? Margareth chama de “educadoresde governo” os técnicos e gestores com-prometidos com os processos de transfor-maão social para a promoão da cida-dania. “Educadores de governo, porqueenfrentar a pobreza urbana ou enfrentara pobreza de forma geral não é enfrentarsó a falta de renda, são múltiplos os fato-res da exclusão. E a equipe de campo não

    dá conta se não tiver a vontade políticade governo de, realmente, resgatar essadívida social”, explica.

    De acordo com Margareth, cadamunicípio tem um arranjo, uma capaci-taão e, até, um endividamento diferen-ciado. “Mas todo município brasileirotem, hoje, uma necessidade de inter-venão rápida.” Ela ressalta que atual-mente é possível casar a oportunidadede obter recursos com a vontade polí-tica de fazer as transformaões sociais.

    “Agora, nossa grande discussão pas-sa, por trabalharmos a habitaão comouma questão do conjunto das políticassociais”, salienta. Conseguir fazer comque a gestão municipal compreenda essadiferena, para ela, facilita o processopolítico de integraão. “A integraão dasinstâncias de governo, da União, estadose municípios, é que, de fato, vai fazer es-

    sas transformaões acontecerem de for-ma mais acelerada”, analisa. Mas essaintegraão, segundo Margareth, deve semostrar presente. Para ela, é inadmissívelhaver um município com obras do PACem um território selecionado e o Pronasciestar em outro lugar. “Temos que hipe-rativar esses territórios”, diz. “Costumofalar que é junto e misturado, porque jun-to e separado não se provoca as grandesmudanas esperadas.” Em sua opinião,

    o desao do trabalhador social é fazer adiscussão da habitaão como um direitode moradia digna, mas articulado com oconjunto das políticas sociais.

    D i   v 

     u l    g 

     a  ç  ã   o 

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    12/44

    12

    Segundo Inês Magalhães, secretá-ria Nacional de Habitaão, o próximopasso é que “os avanos conquistadosdo ponto de vista institucional e de in-vestimento se reflitam em uma melhor

    diversidade, qualidade e aderência doTS aos problemas específicos de cadauma das cidades”. “Costumamos tra-balhar com os três eixos, mobilizaão,educaão sanitária e ambiental e gera-

    ão de trabalho e renda, mas hoje elessão suficientes para lidar com a com-plexidade de nossos assentamentos?”,questiona Inês. (Leia entrevista com a

     secretária na página 6.) 

    consultor Francesco di Villarosaapresentou resultados de estudos

    de caso realizados em Manaus,Belém, Aracaju, Vitória, São Paulo, Curi-tiba, Rio de Janeiro e Baixada Fluminense.Financiado pelo Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID) e pela Aliana deCidades e com coordenaão de Villarosa, otrabalho focou os componentes sociais dosprojetos, e também a dimensão urbanístico-arquitetônica e a institucional.

    Analisando o TS realizado nos progra-mas, Villarosa identicou quatro eixos de

    atuaão: trabalho social em apoio à in-tervenão física; aões de setores sociaisvisando à inclusão social e/ou ao desen-volvimento local; fortalecimento das or-ganizaões da sociedade civil; fomento àparticipaão da comunidade.

    O consultor explica que o primeiroeixo concentra as aões de mobilizaão,

    cadastramento, abertura de frente deobras, acompanhamento dos reassen-

    tamentos, entre outras atividades, quesão as mais pesadas e as principais dotrabalho social. “Esse é o eixo mais con-solidado e sistematizado no País”, diz. Osegundo eixo busca promover a articula-ão intersetorial para promover o desen-volvimento local e a inclusão social, e ul-trapassa a intervenão física. Já as aõesdo terceiro e quarto eixos, muitas vezes,estão interligadas. “Na medida em que sebusca o fortalecimento das organizaões,

    pretende-se também que elas tenhammais voz e que possam, portanto, con-tribuir e participar mais ativamente doplanejamento e da gestão dos programas.Podemos falar de um terceiro e único eixoligado ao fortalecimento do capital sociallocal e ao empoderamento das entidadese da própria comunidade”, ressalta.

    Conforme Villarosa, equipes sociaisqualificadas, motivadas e multidisci-plinares são um fator de sucesso dosprogramas. Por outro lado, nota-sea falta de inovaão metodológica, àsvezes, com a tendência de repetir osmesmos instrumentos em contextos di-

    ferenciados. Além disso, vale lembrarque o trabalhador social se depara comproblemas contantes nas comunidades,como o choque entre a burocracia e ainformalidade, a dificuldade no uso dosespaos coletivos, em relaão à convi-vência e às regras condominiais, entreoutras, e, por fim, a disposião do lixo.

    Villarosa destaca que programas in-tegrados são “portas de entrada paracombater a pobreza”. De acordo com

    ele, as aões do trabalho social devemestar inseridas em políticas sociais lo-cais, seja da prefeitura ou do estado.“As equipes sociais não devem condu-zir determinadas aões de forma iso-lada das políticas sociais, mas o pro-grama pode ser o eixo catalisador dasdiferentes políticas”, afirma.

    Estudos de caso

    “ps its s ts t t à z”

    Balanço

     C i    t  i    e 

     s A l   l   i    a n 

     c  e 

    São Paulo (SP)

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    13/44

    13

    Nos estudos, o consultor observouque as demandas sociais, normalmente,são capturadas no trabalho de campo,seja na fase do cadastro, ou nos cons-tantes contatos estabelecidos entre as

    equipes e a populaão. Entretanto, mui-tas vezes, a própria equipe não conseguesolucionar a demanda, que acaba sendoencaminhada às respectivas secretariassetoriais municipais ou do estado. Issocausa atrasos e corre-se o risco, dizVillarosa, de a demanda ser “mastigadadentro da burocracia, sem conseguir daruma resposta em tempo útil”. Ele reco-menda aos gestores tentar descentrali-zar e desburocratizar o que for possível.

    Trata-se de um desao, anal, a in-tersetorialidade rompe com uma tra-dião consolidada no setor público desetorizaão e verticalizaão do modusoperandi. “Em muitos casos, é interes-sante comear em pequena escala, ouseja, em vez de articulaão com muitossetores ao mesmo tempo, comear comaqueles que têm uma presena mais for-te no território para atender algumasdas demandas que são prioritárias. Des-sa forma, ganha-se visibilidade, cria-seconsenso e massa crítica para poder, de-pois, expandir a articulaão.”

    Outra maneira de promover a inter-setorialidade é incentivar as secretariassetoriais a se articularem com o progra-ma de urbanizaão. Os incentivos po-dem ser desde equipamentos sociais,como escolas e unidades de saúde, atéaões de fortalecimento institucional,

    por exemplo, capacitaões.Villarosa ressalta que, normalmen-

    te, as aões de geraão de trabalho erenda tendem a ser pontuais, com di-ficuldades de alcanar escala e susten-tabilidade. “É uma área em que é pre-ciso trabalhar com diagnósticos maisrigorosos das vocaões e dos mercadoslocais.” Ele relata que, normalmente,são capacitados milhares de trabalha-dores da comunidade, porém, rara-

    mente é feito um levantamento sobreo que aconteceu com as pessoas quereceberam a qualificaão profissio-nal. Não se sabe se os trabalhadores

    encontraram emprego, quanto tempolevaram para isso ou se abriram suaprópria empresa. “Pequenas amostrasseriam importantes para criar umacultura de monitoramento”, analisa.

    cit siVillarosa relata que, nos estudos,

    foram registrados muitos casos desinergia entre o fortalecimento dasorganizaões e o fomento à participa-ão da comunidade. Em alguns, essaassociaão foi positiva, criando novaslideranas e espaos de participaão.Em outros, porém, houve a ocupaãodas instâncias por associaões locais,reproduzindo práticas personalísticasentre elas e o poder público. Villarosasugere alguns padrões mínimos a se-

    rem respeitados nessa área, ligados àtransparência de representatividadee democracia, inclusive colocando-oscomo condicionantes para investimen-tos e liberaão de recursos.

    “Esse é um processo de longo prazo”,avalia. De acordo com ele, foram vistassituaões com grande participaão dapopulaão, mas, com a conclusão doprograma, ela foi se diluindo e até desa-parecendo. Nesse ponto, a articulaãodo programa de urbanizaão com as po-líticas públicas locais é positiva, princi-palmente as que tenham instâncias ins-titucionalizadas de participaão.

    pts tisPor intermédio de grupos focais rea-

    lizados em algumas cidades brasileiras,nanciados pelo Banco Mundial, foramlevantados diversos pontos críticos do

    trabalho social. O primeiro, é a sua inte-graão com a intervenão física. “Imagi-namos um programa como uma cadeiade produão, onde há uma sequência deaões, às vezes essa cadeia não está inte-grada. Tem-se um tempo da aão social;um tempo da elaboraão do projeto; um,da própria obra; um, da scalizaão eoutro, da regularizaão fundiária, quenão coincidem. A sequência é interrom-pida. Em muitos casos, falta integraão

    organizacional”, sustenta.Por outro lado, experiências que

    conseguiram criar cadeias com sequ-ências foram bem-sucedidas. Na áreade geraão de trabalho e renda, porexemplo, há êxito, quando além de cur-sos profissionalizantes e apoio a coope-rativas, os projetos foram concluídostambém com o apoio à comercializaão.“Essa é uma tarefa que necessita de

    um trabalho social intensivo e de longoprazo, de aproximadamente uma déca-da”, diz Villarosa.

    Como em outros aspectos do TS, nocaso da geraão de trabalho e renda, aintersetorialidade também é fundamen-tal. Mas ele alerta: “Não é o trabalhosocial que promove a intersetorialidade,esta já deve ser parte do programa degoverno da prefeitura.” Villarosa des-taca que é fundamental que o plano de

    desenvolvimento local seja elaboradoem conjunto com todos os setores, e nãoapenas pela equipe social da Habitaão.

    Outro ponto levantado pelo estu-do é sobre quem faz o trabalho social.Conforme Villarosa, há casos em que aequipe é contratada pelo mesmo órgãoque executa a obra e há outros casos deterceirizaão e de situaões mistas. Dasanálises, algumas liões foram levanta-das: “A terceirizaão pode ser apoio, nãoreferência. A referência deve ser umaequipe da prefeitura ou do estado.” Emcaso de terceirizaão, ele entende que sófunciona quando há uma seleão e uma

    É preciso dar umsalto de qualidade

    no sentido deuma maior

    prossionalizaçãodo trabalhador

    social. Poroutro lado, hánecessidade

    de detalhar quaissão os produtos

    desse trabalho

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    14/44

    14

    supervisão adequada. “Registrou-se,em muitos casos, a falta, no mercado, derecursos humanos capacitados para otrabalho social na área de habitaão deinteresse social”, comenta.

    A formaão do trabalhador social eas competências necessárias, mudaram.Atualmente, Villarosa avalia que faltamconhecimentos e práticas gerenciais àsequipes sociais. “A funão da equipenão é somente a interaão com a popu-laão, o atendimento, mas a gestão deprocessos e recursos.”

    Para ele, é preciso dar um salto dequalidade no sentido de uma maior pro-ssionalizaão do trabalhador social. Poroutro lado, há necessidade de detalharquais são os produtos desse trabalho.“Em muitos casos, o TS se limita a criarum ambiente favorável para as aões deurbanizaão. Não que isso não seja im-portante, muito pelo contrário. Mas, podefaltar nisso uma visão de desenvolvimen-to de longo prazo e de ampla escala. Isso

    tudo indica, provavelmente, a necessida-de de algumas mudanas na estruturacurricular dos cursos universitários e ne-cessidade da educaão continuada.”

    Villarosa considera que são neces-sárias mudanas também na parte dediagnósticos e uso da informaão naelaboraão de relatórios. Ele concordacom a tese de que inovaões metodo-lógicas são bem-vindas, como o auto-cadastramento e diagnóstico rápidoparticipativo, com a conscientizaãodas comunidades sobre a importânciagerarem e gerirem informaões comoum meio para criar lideranas.

    A pós-ocupaão foi outro item discu-tido nos grupos. Villarosa destaca, no-

    vamente, a importância da intersetoria-lidade: “A articulaão com as políticaslocais é algo que deveria comear antesdo início do projeto, mas que é absolu-tamente vital que seja efetivada depoisda conclusão da pós-ocupaão para ha-ver continuidade.” Nesse ponto, ca aquestão: até onde vai a responsabilidadedo trabalho social na pós-ocupaão? Deacordo com ele, há uma “tendência deconsiderar como tarefa do social a ‘tu-

    tela’ indenida da comunidade”. “Cla-ro que tem que contribuir, mas existemresponsabilidades institucionais de ou-tros setores, que muitas vezes se retiram

    exatamente porque na linha de frenteestá a equipe social”, completa.

    O último ponto crítico levantado é aquestão da violência, que, diz Villarosa,representa um obstáculo ao trabalho so-cial. Muitas vezes a equipe é impedidade entrar na comunidade em determi-nados horários e dias da semana. Masalém de prejudicar o trabalho em si, apopulaão é intimidada a participar.Ele ressalta que há experiências promis-soras de articulaão com a seguranapública. “Vimos algumas situaões com

    as quais a equipe social conseguiu lidar.Claro que não resolveu o problema, maspelo menos se conseguiu avanar com otrabalho, com a obra e, de alguma for-ma, beneciar a populaão”, conta.

    Para isso, Villarosa pontua algumascondiões que permitiram a atuaão:a existência de lideranas locais enrai-zadas e não cooptáveis; intimidade daequipe social com a área; uma equipe quetenha capacidade de negociaão. “Com

    essas condiões, provavelmente, mesmoem situaões de elevada violência, asequipes sociais podem conseguir avanarno trabalho”, naliza.

    Morro das Pedras - Belo Horizonte (MG)

    A r   q 

     u i   v 

     o  /  M i   n i    s 

     t   é  r  i    o 

     d   a  s  C i    d  

     a  d   e 

     s 

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    15/44

    15

    Direito à moradia

    ma a sIntervenções habitacionais buscam garantir o acessoa direitos sociais e integrar assentamentos à cidade.Para isso, há uma série de etapas a serem cumpridas,que se iniciam com a elaboração de um plano,envolvendo a questão física, fundiária e social

     A  moradia foi alada a direitosocial, em 2000, pela EmendaConstitucional 26, somando-seaos outros direitos listados no

    artigo 6º da Constituião Federal. A mora-dia também é considerada um direito fun-damental da pessoa humana, constando naDeclaraão Universal dos Direitos Huma-

    nos de 1948. No Brasil, a Política Nacionalde Habitaão considera que esse direito vaialém de uma casa para morar. O verdadeirodireito à moradia se concretiza quando o ci-

    dadão tem acesso a outros bens e servios,tem direito à cidade como um todo.

    Com 84% da populaão do País viven-do em áreas urbanas (Censo 2010), é cadavez maior o número de intervenões de habi-taão nas cidades, incentivadas por progra-mas como o PAC. O objetivo é fazer valeresse direito, dando dignidade a quem mora

    em habitaões precárias. As Naões Unidasestimam que aproximadamente 26% da po-pulaão urbana brasileira vive em favelas,em geral nas periferias das cidades.

    “A periferia é geogracamente compos-ta pelas áreas que cam nas extremidades,mas no Brasil está ligada à condião sociale material”, dene Maria da ConceiãoFreitas, da Central Única das Favelas(Cufa). As favelas são fruto da desigual-dade social, que leva pessoas a espaosdesprovidos dos outros direitos sociais, as-

    sim, para Maria da Conceião, quando sepensa em desigualdade, “é preciso validara comparaão entre os diferentes espaossociais e territoriais de uma cidade”.

     Londrina (PR)

       A   r   q   u   i   v   o    /   M   i   n   i   s   t    é   r   i   o   d   a   s    C   i   d   a   d   e   s

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    16/44

    16

    As favelas, como arma a ativista,“são aglomerados habitacionais, com dis-posião visivelmente irregular e desprovi-dos de acessos básicos que determinam a

    qualidade de vida”. Em qualquer regiãodo País, elas apresentam as mesmas ca-racterísticas, ou seja, a mesma realidadesocioeconômica. “O abandono, o descasoe as ausências fazem desses espaos luga-res com altos índices das mais variadasformas de violência”, arma.

    A principal consequência, segundoMaria da Conceião, é a contradião des-ses espaos, pois ao mesmo tempo em quesão vistos como fora do padrão de norma-

    lidade, o padrão de quem vive neles é nor-malizado. Os estigmas negativos prevale-cem em relaão à dignidade.

    “A favela abarca sujeitos anônimos,desfavorecidos, em total invisibilidade enivelados horizontalmente como iguais.São escravos da contemporaneidade, emcontínuo processo de negaão da sua cida-dania”, diz. Para Maria da Conceião, afavela é vista sob diversos olhares: “A aca-demia faz cortes para dialogar com as fon-tes e pressupostos teóricos; a fora policiala vê como um espao para aplicar repres-são; o crime organizado nela atua comoterritório de disputa de facões; alguns

    candidatos a visitam como curral eleito-ral; instâncias de poder muitas vezes nãoa enxergam; a classe média a estigmatiza,como uma ameaa à sua paz, e os favela-

    dos a veem como alternativa de moradiadistante do asfalto.”Maria da Conceião vai fundo na

    crítica e analisa que uma minoria bene-ciada da sociedade brasileira, abastadamaterialmente, reproduz a grande con-tradião que contorna as zonas periféri-cas. “As favelas, com seus becos e vielas,são fruto de uma construão social quesegregou a pobreza à margem da socieda-de, como forma de mantê-la distante para

    a manutenão da ordem social e assegu-rar riqueza de poucos”, dispara.

    De acordo com Maria da Conceião,é preciso superar a ideia de favela comoum contraponto da cidade. Ela remete aRoma antiga para indicar um caminhonesse sentido. “Lá, a condião para sercidadão estava ligada à posse da terra.Quem não possuía a terra era destinadoà escravidão”, explica.

    Itç itis tis

    Na contemporaneidade, um dosgrandes desafios das intervenões

    habitacionais em assentamentos pre-cários é a regularizaão fundiária, ga-rantindo o acesso a servios nos novosreassentamentos. Na opinião de Clau-dius Vinicius Leite Pereira, da Compa-

    nhia Urbanizadora de Belo Horizonte(Urbel), é preciso intervir qualitativa-mente, ou seja, dentro das vilas e fave-las, “recuperando esses espaos para amoradia, no sentido de manter as vilasonde estão”. A exceão é quando ascomunidades estão em áreas de risco.Geralmente, lembra ele, os habitantestêm atividades ligadas à comunidade.

    Para garantir o direito à moradia épreciso intervenões estruturais, com

    medidas que deem sustentabilidade erecuperem o espao urbano. “Precisa-mos promover transformaões profun-das em um assentamento existente eintegrá-lo à cidade, reconhecê-lo comocidade. A arquitetura deve acompa-nhar esse conceito”, explica Claudius.“Encaramos isso como um direito cons-titucional. Nós estamos construindocidadãos, nosso objetivo é que as pes-

    soas se emancipem”, finaliza.Milton Botler, da Prefeitura de Reci-fe, chama a atenão para o fato de queas pessoas das áreas de assentamentosencontram-se numa situaão de margi-nalidade. É um desao para o trabalha-dor social, que, como ele destaca, muitasvezes se depara com problemas relacio-nados ao vício, como o alcoolismo. Daí aimportância do preparo da comunidadeantes da intervenão e no acompanha-

    mento após a mudana. “Até que pon-to ele [o trabalhador social] tem umadimensão mesmo do cotidiano ou umapretensão de ensinar as pessoas a viverde forma diferente?”, questiona Botler.Mas ele reconhece que, na verdade, éuma situaão conituosa para o traba-lho social, pois a intervenão implicaráuma mudana. “Nem sempre isso se dáde uma forma saudável ou amigável.”

    A capacitaão para o trabalho, confor-me Botler, também deve fazer parte do rolde programas para fazer valer o direito àcidade. “As pessoas têm que se integrarna sociedade e na cidade”, entende.

    Sururu do Capote - Maceió (AL)

    A r   q 

     u i   v 

     o  /  M i   n i    s 

     t   é  r  i    o 

     d   a  s  C i    d  

     a  d   e  s 

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    17/44

    17

    Territórios e vulnerabilidades

    R a is 

    a si“E

    stamos num contexto demundo globalizado, cujamarca é a desigualdade. Édesse cenário que estamos

    falando quando se trata da questão dotrabalho social na política de habitaão

    no nosso País.” Assim a assistente socialDirce Koga, doutora em servio social pelaPUC/SP, contextualizou onde se inseremos diversos programas desenvolvidosno Brasil. Para ela, é preciso observá-losnuma visão de totalidade, onde os casosestão inseridos, e não o contrário.

    A professora faz uma reexão sobre araiz do problema habitacional. Famíliasque vivem em morros, em áreas de risco,em condiões precárias, sujeitas a todasas intempéries, enquanto outras residemem mansões de luxo. Dirce cita LadislauDowbor, economista, doutor e professorda PUC/SP. Ele destaca que os 20% maisricos do planeta concentram quase 83%das riquezas do mundo. Para dois terosda populaão mundial, restam 16% dasriquezas, o que produz uma intensa con-centraão de populaões em determinadosterritórios, e com as mudanas climáticas,

    os mais pobres serão mais prejudicadospor seus impactos.

    “Um tero dos nossos moradores dasáreas urbanas sociais, cerca de 1 bilhãode pessoas, se encontra em situaões deextrema pobreza e morando em assenta-mentos precários”, arma Dirce. No casodo Brasil, ela aponta desaos especícospara políticas públicas, como a dimensãocontinental do país, a diversidade regionale cultural e a alta desigualdade social.

    Diante desses desaos, Dirce observaa existência de distâncias ou descone-xões. A primeira, é entre a política pú-blica e o cotidiano do território. “Vivemos

    Habitações precárias compõemo cenário de grande parte doHemisfério Sul. Integrar essaenorme população é o desao

    das políticas públicas

    Morro do Alemão - Rio de Janeiro (RJ)

       A   r   q   u   i   v   o    /   M   i   n   i   s   t    é   r   i   o   d   a   s    C   i   d   a   d   e   s

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    18/44

    18

    uma síndrome entre o telescópio e o mi-croscópio”, compara, indicando que sedeve considerar a multiplicidade de agen-tes, de práticas e redes, sem desconhecera visão social, regional e global dos pro-blemas. “No cotidiano, muitas vezes, nósvivemos esse dilema, entre aqueles queparecem enxergar a mesma realidade sóque sobre lentes diferentes.”

    Para a pesquisadora, esse distancia-mento é muito sério, pois não permite en-

    xergar a complexidade do País. Em relaãoà distribuião demográca, por exemplo,no estado de São Paulo, há a capital, com11 milhões de habitantes, e Borá, com 800.Ambas as cidades são consideradas iguaisdo ponto de vista político-administrativo,mas do ponto de vista de gestão existeuma grande distância.

    Além da diversidade dos territórios,Dirce ressalta que, no Brasil, a questão

    fundiária não está resolvida, o que produzintensos conitos. Para ela, tocar nesseponto é falar das relaões de poder que es-tão em jogo. “Os nossos territórios estão

    em disputa cotidiana”, diz. “Quando seobserva a desigualdade nos nossos terri-tórios, vemos que ela se repete em escala.”

    Dirce salienta que em praticamentetodas as cidades brasileiras há bolsõesde pobreza e de riqueza. Mas há cidadesonde a desigualdade é tamanha que aexclusão é quase homogênea. “São ques-tões estruturais, de médio e longo prazos,não será um programa ou uma políticaque vai resolver.”

    A Fundaão AVSI atua há 27 anos noBrasil, em 11 estados, e está presente em39 países. Diversos projetos de desenvol-vimento urbano já foram realizados aqui,em parcerias e cooperaão internacionalcom o governo da Itália, Aliana de Ci-dades, Banco Mundial e União Europeia,além de instituiões públicas locais. Parao diretor da AVSI no Brasil, FabrizioPellicelli, a pobreza alcanou uma dimen-

    são muito grande. Ele defende que os pro- jetos pontuais ganhem escala e ressaltaque não se trata apenas de uma questãoligada à urbanizaão de favelas, mas ao

    desenvolvimento de um território dentrode um município.

    Nos projetos brasileiros, Pellicellicalcula que a parte social corresponda a25% da obra física e que se trata de umtrabalho para garantir um processo parti-cipativo e o desenvolvimento de pessoas.“O homem precisa de um desenvolvimen-to integrado.” Essa integraão, segundoele, é fundamental para que a pessoainicie uma transformaão, um percursopara o desenvolvimento.

      Rômulo Paes de Sousa, secretário doMinistério do Desenvolvimento Social eCombate à Fome (MDS), a resposta paraessa situaão de desigualdade está na inte-graão. Ele defende que se aprofundem asparcerias entre governos federal, estaduaise municipais. Mas considera que o Brasilestá passando por uma mudana, tantoem relaão à expectativa de vida crescente

    quanto ao aumento da renda da populaão,que mudou a sua capacidade de compra e asua aspiraão, e também ao impacto muitogrande na construão de habitaões e de ou-

     C i    t  i    e 

     s A l   l   i    a n 

     c  e 

    São Paulo (SP)

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    19/44

    19

    brecidas, o Estado tem um papel fundamen-tal. Porém, mais difícil do que chegar comservios é prestar servios de qualidade.”

    Se, no Brasil, a dimensão do país e adesigualdade são desaos para o traba-

    lho social, na Índia, essa realidade é aindamais complexa. Na região metropolitanade Mumbai, por exemplo, 60% da popu-laão vive em favelas. Segundo a indianaCeline D’ Cruz, representante da Alianade Cidades e que, no início da década de1980, coordenou um programa buscandosoluões para aquela populaão, “a habi-taão não é um problema para um partici-pante somente. O presidente não consegueresolver esse problema sozinho, os traba-

    lhadores sociais também não, a própriacomunidade também não”. Para ela, “estáclaro que todos precisam trabalhar juntospara resolver essa questão”.

    De acordo com Celine, na Índia, alémdas pessoas em habitaões precárias, hámilhões de indivíduos vivendo nas ruas.Um dos problemas no início do programaera a demolião das casas pelo governo,a cada 20 ou 30 dias, o que obrigava aspessoas a reconstruírem. Por outro lado,ela diz que os trabalhadores sociais nãosabiam como resolver os problemas e nemcomo buscar uma soluão possível.

    “Não havia nenhuma informaão so-bre os habitantes das favelas.” Celine diz

    tros equipamentos. No entanto, Paes avaliaque as demandas em termos de políticassociais são mais complexas: “A questão écomo converter políticas para que elas seencaminhem em uma mesma direão de

    forma integrada, como resposta a esse con-texto mais complexo, e, ao mesmo tempo,mais pleno de oportunidades.”

    A integraão, de acordo com Paes,comea no nível jurídico. Em seguida, énecessário um compartilhamento dosmeios, por exemplo, a utilizaão do ca-dastro único como referência para pro-gramas de habitaão social. Por m,deve-se chegar a uma etapa de aões co-ordenadas. “Isso implica que os objetivos

    estejam denidos, que as atribuiões depapéis sejam claras, que as instânciasde coordenaão existam, para aproximarconitos e processos. Ou seja, que tenha-mos de fato o funcionamento disso.”

    ots siçs hitç

    O trabalho social, para Paes, tambémdepende dessa integraão de vários setores,como educaão, saúde, segurana pública,transporte e outras necessidades. “É maisfácil chegar com a moradia do que com oentorno de servios, a não ser que haja for-tes motivaões econômicas, mas quandoestamos falando de populaões mais empo-

    que havia muito preconceito e mitos deque aquelas pessoas eram inúteis, desem-pregadas, responsáveis pelos crimes da ci-dade, prostitutas, e assim por diante. “Erapior ainda para os habitantes das ruas,

    porque pelo menos os habitantes das fave-las tinham o seu terreno, o seu território.”A busca por soluões comeou com te-

    mas menos controversos. A equipe perce-beu que era possível falar sobre questõesda comunidade, como saúde e educaão,antes de chegar à habitaão. Segundo Ce-line, parte das famílias sofria de tuberculo-se. O trabalho comeou encontrando essaspessoas e tentando ajudá-las a seguir umtratamento. A equipe foi até uma clínica

    e perguntou: “Suponhamos que a popu-laão da favela se organize. Se ela vier atévocês, há possibilidade de cadastrar aspessoas, fazer o teste de tuberculose e otratamento necessário?”. A clínica aceitou.E, assim, a equipe foi buscando apoio emoutras áreas, aproximando a populaãodos servios e do poder público.

    O próximo passo foi fazer um levanta-mento de quem morava nas favelas, quantosassentamentos existiam na cidade, quemeram aquelas pessoas, de onde vieram, háquanto tempo moravam ali, entre outrasquestões. “Ao realizarmos esse levanta-mento do perl dos assentamentos, identi-camos os líderes dessas comunidades, quecaram muito interessados e queriam sabero que estávamos fazendo”, relata.

    Celine ressalta a importância da pró-pria populaão ser protagonista e diz queo trabalhador social tem que ajudar a

    organizá-la. “Temos que redenir nossospapéis, porque podemos ser uma gran-de fora e causar uma grande diferena,especialmente na habitaão”, sustenta.Para ela, o Brasil passa por um momentoúnico, quando estão sendo construídase entregues muitas casas. “Se vocês nãosabem o quão especial e importante issoé, devem ir à Índia, porque isso não estáacontecendo por lá.” O fundamental, emsua opinião, é que o trabalho continue

    após as pessoas se mudarem, para quecuidem de suas novas casas, sem que te-nham de vendê-las ou que a área se trans-forme numa nova favela.

     B r   e n 

     o P 

     a  t   a r   o -P 

     o r   t   a l   P B H 

    Belo Horizonte (MG)

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    20/44

    20

    Projetos

    cr titi 

    ii aPara especialistas, projetosdevem contar com a participaçãode toda a equipe social, comum bom diagnóstico, e ter como

    objetivo a inclusão social

     T oda intervenão habitacionalcomea com a elaboraão doprojeto. Mas como construí-lo?Kleyd Taboada, assistente so-

    cial e especialista em habitaão de interes-se social, arma que, antes de mais nada,o projeto deve estar ancorado na “PolíticaNacional de Habitaão, nos planos locaisde habitaão ou de desenvolvimento urba-no e nas diretrizes do governo local para osetor de habitaão de interesse social”.

    Outra questão fundamental para umbom projeto é o diagnóstico, que deveconter o máximo de informaões sobre oterritório, sobre as famílias e como elas serelacionam com o espao. Na opinião deKleyd, com um bom diagnóstico, produz-se um bom projeto. Ele deve fornecer con-

    diões para quem for executá-lo e monito-rá-lo entender as situaões do território,bem como indicar o caminho para atingiro objetivo proposto.

    Kleyd levanta duas questões funda-mentais: a integraão das equipes e atransparência de informaão. “Quantomais a nossa aão e o nosso propósito pu-derem ser conhecidos, discutidos, levadose enriquecidos com a contribuião daspessoas para quem ele [projeto] se destina,

    melhor”, ressalta.O projeto deve contar com a cola-

    boraão de toda a equipe que nele iráatuar. Kleyd destaca que todos devem

    participar da sua elaboraão ou, pelomenos, da discussão dos grandes itense objetivos. Além disso, ele deve serum pacto entre a equipe e a populaão.Não se trata de cumprir uma formalida-de para obter recursos, precisa ser umcompromisso com objetivos claros, sim-ples e mensuráveis. Nele deve constara descrião do método de trabalho e asreferências teóricas. Os tempos e modosde trabalho, com etapas e fases, tambémdevem ser explicitados. Vale lembrarque o cronograma tem que estar ajusta-do com a engenharia das obras.

    As aões de remanejamento e assenta-mento, segundo Kleyd, também devem es-tar descritas, informando quando e comoelas serão executadas. Por m, o projeto

    deve indicar formas de avaliaão e de afe-rião de resultados.

    f titiPara Kátia Melo, da Diagonal Urbana,

    a referência do projeto deve ser o território.A intervenão deve ter uma abordagemintegrada, com uma equipe multidiscipli-nar. Assim como Kleyd, para ela, a base éum diagnóstico integrado, que possibiliteum plano global, permitindo hierarquizar,

    priorizar e denir, em conjunto com as co-munidades, quais são as intervenões.

    A visão do território, de acordo comKátia, é baseada nas ideias de Milton

    Santos. “Ele dizia, por exemplo, que oterritório em si não é um conceito, elesó se torna um conceito utilizável paraanálise social, quando se considera seuuso”, explica. “Quando fazemos a leiturado território, fazemos a leitura da relaão

    sujeito-espao”, completa.Kátia destaca que devem ser consi-

    derados o ritmo de vida, as histórias devida, as trajetórias, vínculos sociais, en-tre outras questões subjetivas. Para ela, aabordagem do trabalho deve ser socioter-ritorial. É necessária a articulaão em redeentre os diversos atores que compõem esseterritório, integrando um conjunto de pro-gramas e de aões. “Isso signica deixarde pensar setorialmente, por secretaria,e comear a pensar quais são, de fato, asnecessidades e as potencialidades daqueleterritório. É o território que demanda assuas necessidades.” Na sua opinião, osprojetos habitacionais devem trabalharcom quatro dimensões: socioeconômica;urbanístico-ambiental; jurídico-fundiária;e socio-organizativa.

    Ela ressalta, ainda, que essa aborda-gem com base no território signica rom-

    per com muitas lógicas: “Saímos da lógicada proximidade física, por exemplo, paraas lógicas das aproximaões sociais. Dalógica da emergência social, para a lógicado desenvolvimento social. Da lógica dahomogeneidade, de que são todos pobres,portanto, têm as mesmas características,para a lógica das complexidades, das di-ferenas. Da lógica de uma negociaãounilateral, em que o agente promotor vemcom uma proposta pronta, para a lógica do

    diálogo social.”Kátia explica que se trata de pensar

    numa gestão em rede, compartilhada,em que aões isoladas são substituídas

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    21/44

    21

    por aões integradas. “Se queremosuma mudana social, uma transforma-ão daquele território, precisamos mu-dar a nossa lógica”, arma. No entanto,para esse enfoque de trabalho social, “acomplexidade cresce, mas as respostastambém crescem”.

    Kátia também destaca o papel de umaoutra ciência: a Comunicaão Social. “Elaé extremamente complementar e impor-tante para o trabalho social”, avalia. Masque se trata de uma comunicaão capaz

    de estabelecer um diálogo social, comoformaão, dando voz ao território, identi-cando as complexidades, tensões e coni-tos. Trabalhando há 20 anos na área, KátiaMelo considera que, no País, as experiên-cias de gestão integrada têm crescido. “Éuma construão conjunta, que depende demuitos esforos e do trabalho de todos. Eo protagonismo da área social é extrema-mente importante.”

    Segundo Kátia, a intervenão gera

    melhoria na qualidade de vida, transfor-maão na dinâmica de ocupaão do ter-ritório, demandas para o setor público,novos custos para o oramento familiar

    das famílias, mas também “expectati-vas, esperanas, medo, tensão, resistên-cia, conito, ruído, negaão...”.

    A recomendaão é realizar um traba-lho socioeducativo pensando questõesfundamentais como autonomia e recu-peraão da autoestima da comunidade.“Isso requer do técnico social, dos técni-cos físicos de engenharia e de quem es-teja na escuta daquela populaão, umadisposião muito grande de ouvir e acapacidade de dar respostas. Isso é uma

    grande ousadia quando há várias aõesque dependem, muitas vezes, de outrosorganismos. Mas é preciso a abertura econana, tendo o diálogo como valor.”

    ajs istitiisPara Rosana Denaldi, professora da

    Universidade Federal do ABC, ainda háuma integraão insuciente entre as equi-pes de projeto, obra e regularizaão. “Otrabalho social ainda é entendido como

    tema do assistente social ou do técnico so-cial.” Às vezes, na sua opinião, o trabalho édeslocado de uma política social e urbanamais ampla e nem sempre é desenvolvido

    por um governo comprometido com pro-cessos de inclusão social.

    O trabalho social é desenvolvido deforma diferenciada em cada cidade. Deacordo com Rosana, os municípios têmarranjos institucionais variados, sendoque em alguns é mais fácil trabalhar ainterdisciplinaridade e a integraão depolíticas, e em outros, não. “Para elaboraro plano de trabalho, necessariamente, de-veríamos pensar que temos que construiruma cultura interdisciplinar. E a estratégia

    do quadro do trabalho social deve buscar ainterdisciplinaridade.”Rosana avalia que o foco do plano de

    trabalho social deve ser “a viabilizaãoda intervenão na área de habitaão e aestratégia do ponto de vista da inclusãosocial dessas famílias, do acesso à mo-radia digna, da sustentabilidade dessaintervenão e da integraão de políticase programas sociais”.

    Para Emeri Ângels, coordenadora de

    Sustentaão ao Negócio da Caixa Econô-mica Federal em São Paulo, por conta dadimensão do Brasil, as realidades são mui-to distintas e, por isto, vários municípios

    Rio Anil - São Luís (MA)

       A   r   q   u   i   v   o    /   M   i   n   i   s   t    é   r   i   o   d   a   s    C   i   d   a   d   e   s

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    22/44

    22

    não dispõem nem de assistentes sociais,nem de pessoas no quadro para desenvol-ver esse trabalho. “A Caixa procura inte-grar as cidades que não têm essa dinâmi-ca. O que precisamos é cada vez mais dodesenvolvimento institucional das prefei-turas”, observa.

    Com o objetivo de contribuir com asprefeituras, a Fundaão Vale atua onde

    há operaão da empresa. A ideia dacompanhia, segundo Andréia Rabetim,gerente de Relaões Intersetoriais, é con-tribuir de forma estruturante com essesterritórios. “Procuramos reforar o papeldo Estado”, arma. “A mineraão temdata marcada para entrar e para sair, ominério é nito, o nosso compromisso éalém da gestão de impacto.”

    dssA assistente social e professora da

    PUC/SP Dirce Koga sustenta que há trêstipos de desconexões nas intervenões. Aprimeira, é entre a política pública e o co-

    tidiano do território. A segunda, entre ospróprios territórios. Já a terceira, entre astipologias dos territórios e as dinâmicasterritoriais presentes nesses territórios. “Vi-vemos uma síndrome entre o telescópio e omicroscópio”, comenta ela sobre a distân-cia entre a administraão, a gestão e quemestá diretamente envolvido nos processos.“No cotidiano, muitas vezes, nós vivemos

    esse dilema, entre aqueles que parecem en-xergar a mesma realidade só que sobre len-tes diferentes. Ora aparece o telescópio, oraaparece o microscópio, e parece que essasduas lentes não conversam, não dialogam.”

    De acordo com Dirce, o território, àsvezes, é “mais um espao geográco ad-ministrativo para identicar as famílias, osusuários ou, enm, aqueles que serão bene-ciados ou assistidos pelas políticas e nãocomo um local de vivência”. Essa situaão é

    agravada pela dimensão territorial do Bra-sil, que oculta a complexidade e diversidadedos territórios nacionais. “Nós temos umagrande diversidade do ponto de vista po-

    pulacional: cerca de 80% dos habitantes doPaís moram em 4 mil cidades pequenas; poroutro lado, 20% da populaão brasileiramora em metrópoles, nas cidades com maisde 1 milhão de habitantes, ou seja, em tornode 15 municípios”, descreve. Essa diferenapopulacional e demográca reete-se nagestão, que é diferente num município comoBorá, com 700 habitantes, e em São Paulo,

    com 11 milhões.Sobre as tipologias territorializadas

    e as dinâmicas territoriais, Dirce anali-sa que atualmente vive-se um boom  deíndices. Por um lado, é positivo, mas elaressalta: “As tipologias são retratos dedeterminado momento e de determinadascaracterísticas que os dados estatísticossão capazes de captar. O território temvida, é muito mais do que uma tipologiade vulnerabilidade, ou de pobreza, ou de

    exclusão”, explica. “É fundamental que otrabalho social compreenda o que está portrás dessas tipologias, que são dinâmicasde vida diferenciadas”, naliza.

    Manguinhos - Rio de Janeiro (RJ)

    A r   q 

     u i   v 

     o  /  M i   n i    s 

     t   é  r  i    o 

     d   a  s  C i    d  

     a  d   e  s 

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    23/44

    23

    Uma série de programas habi-tacionais tem se espalhadopelo País afora. Relatório daONU, divulgado em 2010,

    aponta que a populaão favelizada dimi-nuiu 16% em relaão a 2000. Aliadas aocrescimento econômico, iniciativas têm pro-vocado mudanas e amadurecido as práti-cas e critérios dos trabalhos desenvolvidos,inclusive o social.

    Tássia Regino, secretária de Habitaãode São Bernardo (SP), avalia que todas aspropostas buscam cumprir o direito à mora-dia como consta na Constituião. No entan-to, há diversos desaos a serem vencidos e,entre eles, está a questão do tratamento dos

    proprietários não residentes. “Como trataras situaões em que o direito à moradia estádesvinculado da propriedade que gerouaquele direito, porque é aquela benfeitoriaque vai ser reassentada?”, questiona.

    Nesse sentido, o Programa Social eAmbiental dos Igarapés de Manaus (Pro-samim), adota a indenizaão ao proprie-tário morador e também ao não morador,sendo que para cada moradia existe umtipo de soluão. Já Tássia considera que o

    bônus-moradia é uma boa soluão, poisoferece agilidade ao processo, mas muitasvezes é inviável economicamente. No casode São Bernardo, por exemplo, o programa

    Reassentamentos

    u r

    itç si  siReassentar famílias em novas

    moradias envolve diversasatividades, que são levadas emconta na obtenção de empréstimos

    trabalha com a reposião de moradia pormoradia. “Isso signica que os locatáriossão atendidos, o que gera um contenciosoenorme entre o proprietário e o ocupante.”

    Mas essa é apenas uma das questõespráticas enfrentadas para fazer valer o direi-to à moradia digna. Para Tássia, é precisoassegurar, durante a obra, a minimizaãode deslocamentos temporários e garantirque o plano de reassentamento seja execu-tado de forma harmônica com as obras deinfraestrutura. Ela ainda elenca uma sériede critérios e diretrizes, como: incorporar aaão social no conjunto de atividades queantecedem o processo de reassentamentodas famílias; planejar momentos de forma-

    ão e discussão com as famílias; envolveras entidades locais, prover atividades dedesenvolvimento econômico; prever unida-des de comércio no projeto físico antecipa-damente, entre outras.

    Tássia lembra também que é precisogarantir a assistência às famílias duranteas obras, já que normalmente os programasbuscam evitar remoões. Ainda no caso de

    São Bernardo, a soluão transitória adotadaé o auxílio-aluguel. Diante dos desaos, ofundamental, para ela, é elaborar um bomprojeto, que contemple o conjunto de ati-vidades que serão desenvolvidas detalha-damente, seguindo as condicionalidadesdeterminadas tanto pela normativa do Mi-nistério das Cidades como as dos bancosinternacionais (BID e Banco Mundial), exi-gências para obtenão de nanciamentos.

    céitsDe acordo com o especialista do Ban-

    co Mundial, Thadeu Abicalil, as primei-ras operaões de crédito no Brasil come-aram na década de 1970 e, em seguida,“veio se construindo uma parceria nodesenvolvimento urbano brasileiro”. Em2004, a instituião proveu assistência téc-nica e nanceira para a reforma da polí-tica habitacional, com um empréstimo deUS$ 500 milhões. O Banco atua nas esfe-ras federal, estadual e municipal e buscasoluões para os mais pobres, que rece-bem até até dois ou três salários mínimos.

    É com foco no desenvolvimento que oBanco Mundial tem selecionado seus pro-

     jetos. Segundo Abicalil, o Banco passoude uma abordagem restrita à infraestru-tura e condiões habitacionais para umaestratégia que considera a complexidadedas cidades. A instituião também pas-

    sou a valorizar o trabalho social, geraãode trabalho e renda, acesso e mobilidadeurbana e programas mais proativos comurbanizaão combinada com melhoriasde regulaão e microcrédito. O Bancopassou a evitar abordagens top-down, decima para baixo, ou seja, sem entender aspeculiaridades de cada local antes da in-tervenão e sem priorizar a participaãoe envolvimento das famílias, bem comoas organizaões comunitárias e ONGs lo-

    cais. O Banco acredita que a qualidade dotrabalho social é um dos pontos-chavespara o sucesso de projetos de habitaão,urbanizaão e reassentamentos.

    É precisoassegurar,

    durante a obra, a

    minimização dedeslocamentos

    temporários

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    24/44

    24

    J

    á é consenso: o trabalho socialnão é simplesmente um apoio daobra. É um componente estra-tégico da política habitacional e

    urbana. Com a escala das intervenões noBrasil e com o nanciamento do trabalhosocial, hoje não se trata mais de projetospilotos. O conceito se consolidou e seusobjetivos vão além da moradia. O trabalhosocial (TS) busca garantir a organizaão, aparticipaão e a mobilizaão popular.

    “Não há uma dicotomia entre a obra

    e o TS”, diz Rosângela Paz, doutora emServio Social, professora e pesquisadorada PUC/SP e coordenadora do curso adistância de TS do Ministério das Cida-des. Segundo ela, o trabalho social envol-ve uma multiplicidade de prossionais,inclusive o assistente social. “O horizontedo TS é a melhoria da qualidade de vidadas pessoas, a defesa dos direitos sociais,o acesso à cidade, à moradia, aos serviospúblicos, o incentivo e o fortalecimento da

    participaão e da organizaão autônomada populaão”, explica.

    Rosângela avalia que o TS é um proces-so que ocorre em determinados territórios,

    Participação social

    Arar t 

    si  a iO horizonte do trabalho social éa melhoria da qualidade de vidadas pessoas, a defesa dos direitos

    sociais, o acesso à cidade, àmoradia, aos serviços públicos,o incentivo e o fortalecimento daparticipação e da organizaçãoautônoma da população

    que efetiva um amplo leque de armaões,permeado por uma perspectiva socioedu-cativa e política, pautada em valores de-mocráticos e de justia social. A atuaãoda equipe social envolve, entre outras eta-pas, planejamento, gestão, articulaão eintegraão das aões públicas, supervisão,monitoramento e avaliaão.

    Para a pesquisadora, com a partici-paão e o controle social se aprofundamos mecanismos de democracia e de ges-tão pública democrática. A participa-

    ão, ela diz, ocorre em duas dimensões:no território, ou seja, nas áreas de in-tervenão, e nas instâncias de gestão econtrole social. “Nas duas, há conitose projetos políticos em disputa, que per-passam questões partidárias, questõeslocais e de interesse da populaão.”

    O trabalhador social deve desenvolveruma série de atividades com os moradorespara incentivar a organizaão local, esti-mulando articulaões com outros grupos e

    movimentos da cidade, além do território.Nesse sentido, a populaão é motivada aparticipar de movimentos sociais, fóruns,conselhos gestores, conferências, ora-

    mento participativo. Esse processo acabaformando lideranas nas comunidades, oque é positivo para a democracia.

    A Constituião Federal de 1988 intro-duziu instrumentos de democracia semi-

    direta, que prevê o incentivo à participaãopopular, criando mecanismos da chamadademocracia participativa. A Carta Mag-na também descentraliza a competênciapolítico-administrativa nas três esferas degoverno, incentivando a maior participa-ão da sociedade civil organizada atravésde mecanismos de controle social locais.

    Porém, Rosângela explica que há al-guns mitos em relaão à participaão deparcela da populaão, que sempre esteveexcluída dos processos decisórios. Um de-les é que as pessoas não estariam prepara-das para decidir qual a melhor soluão ha-bitacional e urbanística para a sua família ea sua área. “Esse mito está baseado no pre-conceito do saber técnico, em que a burocra-cia e/ou o político detêm o saber e a delega-ão para a decisão. Ele justica a tutela doEstado sobre a sociedade civil, o que leva,por exemplo, o Estado a indicar, escolher

    e determinar quem são as lideranas maisconvenientes para estar no projeto.”

    O segundo mito é a sociedade não estarpreparada para ser protagonista, ou seja, osujeito político das políticas públicas, ba-seado numa cultura política antidemocrá-tica. “O movimento popular tem mostradoexatamente o inverso, ele pauta o governoe tem condião para decidir os rumos.”

    O terceiro mito é a sociedade não podercompartilhar da governabilidade, do pro-

    cesso decisório. Essa concepão, conformeRosângela, parte de uma visão de Estadocomo espao privado. O último mito é quea sociedade diculta a tomada de decisões,

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    25/44

    25

    seja pela questão do tempo (demora paratomar decisão, ter que convocar reuniõesetc), seja pela questão de posicionamentocrítico diante das propostas ou ausênciadelas por parte do Estado.

    ft tA participaão social, para Edymar

    Fernandes Cintra, do Movimento Nacio-nal de Luta pela Moradia, foi conquista-da na luta. “Não foi uma concessão.” Deacordo com ela, desde a década de 1980,há uma história de resistência pela imple-mentaão do Estatuto da Cidade e peloFundo Nacional de Habitaão de Interes-se Social, o qual considera uma forma de

    garantir o controle social. A criaão doMinistério das Cidades, as conferênciase os instrumentos de gestão e controle so-cial também são conquistas.

    Edymar avalia que o movimento nãotem tido diculdade de participar da ela-boraão de políticas, diretrizes e metas, porconta da “vontade política do governo”. “Aparticipaão social aorou no governo dopresidente Lula, é fundamental dizer isto.”

    No entanto, ela alerta: “Não somosum apêndice de política governamental.Nós somos cogestores desse processo.” Asdiculdades de serem reconhecidos nosconselhos municipais e estaduais perma-necem. “O diagnóstico não é só levantara demanda, não é colocar o rosto das pes-

    soas, a sociedade organizada que está noentorno e todo o conjunto daquela região.Porque senão nós estaremos produzindo,mais uma vez, as favelas de concreto, e va-mos botar lá cidadãos que não conhecem

    seus direitos. E, depois, eles não vão saberque foi fruto de uma conquista.”A participaão popular, segundo Edy-

    mar, ajuda a construir efetividade nosprogramas e a garantir a permanência dasfamílias. Ela explica que é preciso acabarcom o círculo vicioso, que faz as famíliasvoltarem às moradias precárias, sem re-solver o problema. A reforma urbana queo Movimento Nacional de Luta pela Mo-radia defende é uma reforma urbana sem,

    o que chama de “favelizaão”. “É ruimpara o meio ambiente, para a família, paraa saúde, para tudo. Queremos transformarisso. Mas é um processo lento, não dá paradestruirmos as cidades, temos que levarem questão que a sociedade civil precisaquebrar paradigmas e mostrar que é pos-sível fazer uma moradia digna. Não é sóa casa, ela vem calcada dos outros bene-fícios e servios, que têm que garantir apermanência da família.”

    dssEm Recife, a produão de conjuntos

    habitacionais foi votada como prioridadedo oramento participativo. Assim, umdos primeiros programas formatados foi o

    “Recife, sem palatas”, com o objetivo deatender a populaão em situaão de risco.Para Milton Botler, da Prefeitura de Recife,o aspecto mais conituoso está ligado à ca-pacitaão, ao preparo da comunidade, para

    a construão do conjunto. “Por que até queponto ele tem uma dimensão do cotidianoou de uma pretensão de ensinar as pessoasa viver de forma diferente?”, questiona.

    Botler considera que é preciso superaresse conceito de construir conjuntos, paraconstruir cidades. “Quando eu falo emconstruir cidades, entra toda a nossa Polí-tica de Saúde, de Habitaão, de fazer comque essas pessoas se integrem na sociedadee na cidade. O espao sobre o social tem que

    ser compartilhado, e não segregado, comoeu acho que os conjuntos habitacionais ten-dem a simbolizar.”

    Outro desao é organizar e ordenar aesfera pública nos novos assentamentos,especialmente a questão do logradouroversus vias condominiais. “Todas aque-las vias de acesso entre um bloco e outroforam concebidas para serem vias con-dominiais. Uma populaão que não temrecurso para pagar uma conta de água,uma conta de luz, vai conseguir manterum condomínio para essas outras áreascomuns?”, pondera. “E, depois, sendoum condomínio, a prefeitura não entrapara fazer um controle urbano, por queeu não posso invadir aquela passagem ebotar a minha vendinha, minha forma devida? Então, comea a ter não simples-mente a favelizaão, mas a recuperaãode uma prática social que ele tinha, que

    não foi devidamente trabalhada dentrodesse trabalho social de compreensãodas mudanas.”

    Botler ainda ressalta que antes haviauma série de programas habitacionais,mas todos vão migrar para o Minha Casa,Minha Vida, que pressupõe que cada fa-mília vai pagar pela sua moradia. “Em Re-cife, nós construímos moradias para quemrecebe de zero a três salários mínimos, e omunicípio arca com todos os custos. No

    Minha Casa, Minha Vida, passa a serdiferente: nós não temos ainda a soluãoou um horizonte de como vamos tratar, defato, a manutenão desses conjuntos.”

    Porto Alegre (RS)

    A r   q 

     u i   v 

     o  /  M i   n i    s 

     t   é  r  i    o 

     d  

     a  s  C i    d  

     a  d   e  s 

  • 8/17/2019 Trabalho Social e Intervencoes Habitacionais

    26/44

    26

    Belo Horizonte tem cerca de 2,5milhões de habitantes, sendoque 19,5%, ou seja, 471 milpessoas vivem em assenta-

    mentos precários. No entanto, as mora-dias ocupam 5% do seu território, o querepresenta uma alta densidade popula-cional. “Os assentamentos estão, é claro,nas áreas menos nobres, que têm maiorcomplexidade de intervenão, em relaãoaos aspectos geológicos, com inclinaõese rampas”, dene Claudius Vinícius LeitePereira, presidente da Companhia Urba-nizadora de Belo Horizonte (Urbel).

    De acordo com Pereira, enquanto cabe

    à Secretaria Municipal de Habitaão lidarcom o décit habitacional quantitativo, ouseja, produzir novas moradias, a Urbel éresponsável pelo décit qualitativo. A in-tervenão busca recuperar os espaos jáexistentes, mantendo as moradias ondeelas estão. “Há casos em que não é pos-sível manter a vila onde está, pois ela seencontra numa área de inundaão, daí épreciso removê-la e reassentar as famíliasem um lugar seguro”, arma. Em Belo

    Horizonte, o princípio é evitar a movimen-taão, por conta da grande vulnerabilida-de das famílias, cuja economia, às vezes,está totalmente ligada à comunidade.

    Experiências

    De Norte a Sul do Brasil, disseminam-se melhoriashabitacionais, que alcançam êxito ao garantir aparticipação da população e a articulação entreórgãos, secretarias e esferas de governo, alémde ações como investimento no diagnóstico e naelaboração do projeto. Em todos os casos, o trabalhosocial é fundamental antes e após a obra física

    O Programa Vila Viva, iniciado em2005 no Aglomerado da Serra, tem se es-palhado pelo município. Hoje já é aplicadoem 12 intervenões. No caso de Aglome-rado da Serra, foram atendidas 13 mil fa-mílias, e 74% caram no local, mas 2 miltiveram que ser removidas para o entorno.O programa consta na Política Nacional deHabitaão e o objetivo é promover transfor-maões profundas nos assentamentos exis-tentes para integrá-los à cidade. Conformecom Pereira, em 1994, havia 15 mil mora-dias em risco; hoje, 3.789 estão em perigo.

    A Urbel, além de recuperar o espao,adota medidas de sustentabilidade, para

    garantir que os investimentos, no futuro,não sejam pe