trabalho sobre análise sociolinguística para o newton
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1ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DE UMA NARRATIVA LIVRE
Frederico dias freire * Marina Rodrigues de Oliveira*
Paulo Henrique Vieira do Nascimento *Shirley Carvalho*
Desde o surgimento da raça humana, há milhões de anos, que se percebe que essa é
submetida a constantes e imprescindíveis mudanças, tanto nos aspectos físicos quanto nos
cognitivos e intelectivos. Toda essa involuntária, ou voluntária, gama de eventos são
respaldadas pela necessidade de sobreviver. Para Charles Darwin, cientista britânico
responsável pela teoria da evolução pela seleção natural, as adaptações evolutivas
desenvolvidas por um ser são os fatores determinantes para a preservação e perpetuação de
sua espécie. Não se sabe ao certo quando o homem primitivo iniciou-se no processo de
produção de linguagem dentro dos padrões próprios e conhecidos atualmente pela raça
humana, porém é notável que a linguagem humana é fundamentalmente muito mais complexa
e distinta das outras maneiras de comunicação utilizadas pelas outras espécies.
A forma como os seres humanos se comunicam é própria, característica, e faz parte de
todo um processo pautado na necessidade de sobreviver, pois como sabemos os primeiros
homens a habitarem o planeta se organizavam em pequenos grupos, ou melhor, clãs. Talvez
esse tipo de organização social se justificasse por causa da fragilidade do homem perante as
outras espécies; ou seja, mais pessoas agrupadas com um objetivo comum, caçar, por
exemplo, significaria mais facilidade para se garantir a sobrevivência. Comunicar tornou se
indispensável.
É importante ressaltar que desde os primórdios da utilização da linguagem pelo
homem a diversidade sempre se fez presente. Várias eram as tribos, milhares de anos depois,
várias foram as civilizações. Mesmo na contemporaneidade, onde a globalização de culturas é
algo latente, ainda se convive com vários idiomas. Por mais que a humanidade mude e se
desenvolva nos mais diversos aspectos, a diversidade linguística é algo que existe e sempre
existirá, pois se trata de algo que extrapola o ato de escrever ou falar.
1**** Acadêmicos do 5° período noturno do curso de Letras, do Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser, no semestre letivo 2013/1.
O simples falar de uma pessoa trata-se de um fenômeno atrelado a vários fatores –
culturais, econômicos, étnicos, regionais – que juntos configuram uma identidade social, e
isso é algo que não se pode simplesmente ignorar. Não considerar todas essas referências,
influências, ao se estudar a linguagem, ou até mesmo um idioma específico, pode levar o
cientista, linguista, a obter resultados incompletos, que não condizem com a realidade. É
verdade que um objeto de estudo linguístico pode sim ter foco que não se concentre em
situações onde as variações do idioma influenciem muito, isso vai depender do objetivo do
trabalho. Entretanto, mesmo assim não se deve ignorá-las por completo, pois existiram
questionamentos sobre aspectos de um idioma, o português, por exemplo, falado em um
determinado país, no caso o Brasil, que somente chegarão a respostas coerentes ao se analisar
fatores históricos, sociais ou étnicos a respeito daquela língua.
Ferdinand Saussure, importante linguista e filósofo suíço, era defensor da ideia de que
a língua tratava se de um fenômeno social, não pertencendo a um ou outro indivíduo, mas
sim, a coletividade. Segundo suas palavras "Ela é a parte social da linguagem, exterior ao
indivíduo [...]; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os
membros da comunidade". Apesar da concepção social da língua, Saussure, em seu trabalho,
não se ateve às relações existentes entre a língua e a sociedade. Para ele, as línguas eram
suficientemente estáveis para permitir que fossem descritas como sistemas perfeitos e
invariáveis.
Durante muito tempo, os vários estudiosos da língua dedicaram os seus esforços em
explicar as diferenças existentes entre os idiomas, de forma escrita, ignorando a oralidade e,
ao mesmo tempo, evitando-se analisar fenômenos variacionais relacionados a uma língua
específica. Talvez tal fato busque justificativa na dificuldade de se registrar a oralidade sem
escrevê-la, ou seja, a língua falada é muito volátil, evasiva, quando não é escrita se perde com
facilidade, dificultando o seu estudo. Com o desenvolvimento da tecnologia, culminando na
invenção das câmeras e gravadores de áudio, os estudos da sociolinguística puderam então
ganhar forma.
O presente trabalho foi pautado nas propostas da sociolinguística variacional e
interacional, onde a principal preocupação é a de mostrar que a língua não é homogênea.
Concluindo, dessa forma, que existem diversas variedades em um mesmo idioma. Para isso,
realizou-se uma breve entrevista de uma senhora de 50 anos originária de Teresina, Piauí. A
entrevistada é a mãe de um dos componentes do grupo, e justamente esse membro, o filho,
que realizou a entrevista. Com isso, buscou-se criar uma atmosfera tranquila, livre de
possíveis pressões que poderiam gerar monitoramentos da fala, comprometendo as
constatações desejadas.
Como já se sabe, no Brasil, a variação regional se manifesta de maneira mais intensa
na pronúncia de alguns sons, no ritmo e no significado de algumas palavras. O presente
trabalho optou por escolher um representante do nordeste brasileiro com o intuito de refletir-
se sobre algumas das principais marcas dos falantes dessa região, mesmo esse representante
encontrando-se afastado de lá há vários anos. A análise não levará em conta somente traços
característicos presentes na fala dos nordestinos, até mesmo pelo fato de a entrevistada se
encontrar afastada de sua região há décadas. Por isso, levar-se-á em consideração outros
fatores que sem sombra de dúvida, à luz dos estudos da sociolinguística, influenciaram na
oralidade do falante de qualquer idioma. A seguir consta a transcrição da narrativa, entrevista,
juntamente com as respectivas, e posteriores, análises.
Entrevistador: mãe::... conta alguma história da sua infância...qualquer coisa...
Entrevistado: eu era muito pobre... e minha vózinha que me criou...(Nesse momento a
entrevistada pausou a fala, dando a entender que já teria encerrado a sua narrativa, fato que
levou o entrevistador a indagá-la mais uma vez, para que a entrevista não se encerrasse.)
Entrevistador: conta algo que, nessa época, foi marcante pra senhora...engraçado...
perigoso...triste...
Entrevistada: marcante?... eu apanhava muito... minha vózinha me batia muito...
menina muié não pode bricá com menino... minha vó dizia que menina não era pra brincá com
menino...teve uma vez que eu tava cansada de só ficar dentro de casa... aproveitei que minha
vó tinha saído e fui pra rua brincá com os menino... não tinha menina pra brincá... fui pra rua
e brinquei com os menino de "salva bandeira"... minha vó chegou da rua mais cedo e me
bateu na frente de todo mundo... disse que não era pra mim brincá com muleque... isso foi
engraçado...
Ao se analisar a transcrição da breve entrevista, só é possível se justificar os pontos
presentes na narrativa, relacionados à linguística interativista, baseando se na descrição do
momento da oralidade. Isso por que sabemos que na linguística interacional a comunicação
ocorre levando se em consideração não somente elementos da linguagem oral em si, mas
também elementos paralinguísticos.
Na entrevista em análise pôde-se observar como a presença de determinados
elementos paralinguísticos foram fundamentais para a obtenção de uma narrativa pura e
singela, livre de interferências que comprometeriam o resultado. Fatores como a entrevistada
ter sido abordada pelo filho, no conforto de sua casa, corroboraram para que a finalidade
desse trabalho fosse alcançada, isto é, adquirir um relato descontaminado, livre das mais
diversas formalidades que poderiam ser impostas por qualquer situação. Somente assim
poderia se garantir um nível de monitoramento linguístico mínimo por parte da entrevistada,
garantindo um "expressar" autêntico, linguisticamente sincero.
Percebeu-se poucos traços da variante nordestina na fala da entrevistada, talvez esse
distanciamento da variante de origem se respalde no fato dessa estar a 30 anos distante de sua
terra natal. A característica mais marcante, ainda preservada, é a permanência do sotaque
nordestino presente no ritmo da fala. Nota-se também o diminutivo de algumas palavras que
qualificam parentes e pessoas mais próximas, como "vózinha". É importante ressaltar também
que esse tipo de utilização do diminutivo é muito comum aos falantes do gênero feminino, no
geral, porém em relação à variante nordestina, esse fenômeno é praticado por falantes de
ambos os gêneros, tanto o feminino quanto o masculino.
Apesar da entrevistada não guardar em sua fala muitos traços característicos da
variação nordestina, pode-se citar a influência de outras variantes que moldaram o seu modo
de falar, como por exemplo, a supressão da letra "r" em verbos utilizados no infinitivo.
Característica da variante utilizada por falantes da periferia de Brasília, Distrito Federal,
localidade onde a entrevistada residiu durante anos, após deixar sua terra de origem. Outro
evento importante se deve a sequência narrativa.
Logo no início da entrevista, o entrevistador instiga a entrevistada a contar algum fato
ocorrido em sua infância. Percebe-se uma dificuldade da entrevistada em formular a narrativa,
porém, baseando-se em sua resumida resposta "eu era muito pobre... e minha vózinha que me
criou...", é fornecida a orientação de que a sua infância foi humilde e sofrida. Houve a
necessidade de o entrevistador intervir para que a narrativa ganhasse um corpo maior, foi
quando o mesmo pediu para que a entrevistada se concentrasse em relatar algo da infância que
fosse marcante.
A entrevistada forneceu uma segunda orientação, relatando que apanhava muito.
Prosseguindo no seu relato, contou que a sua avó não gostava que ela brincasse com meninos,
pois ela era menina, no entanto a entrevistada afirmava que não havia meninas para brincar,
surge aqui o elemento da complicação. Disse ainda, que não tendo outras opções para brincar,
se aproveitou da ausência da avó e desobedeceu a sua ordem, participando de uma brincadeira
com os garotos, esse foi o elemento narrativo da resolução, isto é, a entrevistada não tendo
alternativas de companhia para se entreter, resolveu infringir as regras e se divertir com as
crianças que estavam disponíveis. Na coda, parte final do relato, a avó chega e bate na
entrevistada.
Com o breve trabalho constata-se a influência de fatores sociais na fala, chegamos a
conclusão de que o fato de um falante pertencer a uma determinada região nem sempre vai
significar que esse mesmo falante fale integralmente a variante dessa região, pois para isso,
deveremos levar em consideração outros aspectos relacionados à trajetória social da vida
desse falante. Como, por exemplo, quantos anos essa pessoa residiu em sua terra de origem,
por quais lugares passou/morou, classe social, gênero e etc.. Outra observação relevante diz
respeito à análise da narrativa, pois se percebe o quanto as circunstâncias repressivas e
socioeconômicas se cristalizam na memória de uma pessoa. Nesse momento podemos nos
questionar o que repressão, fatores sociais e econômicos influenciam na fala ou na
linguagem? E é para exatamente esse e outros tipos de questionamentos correlatos que o
estudo da sociolinguística se faz necessário e relevante, pois da mesma forma que o currículo
acadêmico de uma pessoa qualquer se justifica através de suas experiências intelectuais e
estudantis, o fenômeno da forma de se falar também é explicado por fatores que extrapolam o
crivo do linear e prescritivo.
REFERÊNCIAS
Variação Linguística: Análise de uma comunidade de São Bernardo. Disponível em: <
http://sociolingustica.blogspot.com.br/>. Acesso em 03 de Abril de 2013.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 30ª Edição. São Paulo:
Cultrix, 2002.
Sociolinguística Interacional: enquadres, esquemas, alinhamentos e sequencialidade
numa entrevista cultural concedida por Ana Maria Machado. Disponível em : : <
http://www.gostodeler.com.br/materia/9939/sociolinguistica_interacional_enquadres_esquemas_al
inhamentos_e_sequencialidade_numa_entrevista_cultural_concedida_por_ana_maria_machado.ht
ml>. Acesso em 06 de Abril de 2013.