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Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p 1 A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: FUNDAMENTOS, PESQUISAS, PONTOS CRÍTICOS Ângela Cláudia Rezende do Nascimento Rebouças Ivandilson Costa RESUMO: Este artigo trata da reconstrução do histórico da Sociolinguística Variacionista que teve como texto fundador o trabalho de Weinreich, Herzog e Labov. Partirá de uma explanação histórica, ao que se seguirá uma exposição dos principais conceitos operacionais básicos, desenvolvidos por esta Disciplina. Apresentará ainda uma síntese das pesquisas basilares quanto à construção de seu arcabouço teórico-metodológico. Culminará com a discussão de alguns de seus pontos nevrálgicos, segundo já apontados pela literatura. PALAVRAS-CHAVE: pesquisa sociolinguística, mudança linguística, variação ABSTRAC: This article treats about the historical reconstruction of Variationist Sociolinguistics which had worked as a founding text of Weireich, Labov and Herzog. This paper will start from a historical explanation, to be followed by a statement of the main basic operational concepts developed in this subject. Also submit a summary of the basic research on the construction of its theoretical- methodological framework. It is going to culminate with a discussion of some of its neuralgic, according to the literature already mentioned. KEYWORDS: sociolinguistics research, language change, variation. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os estudos linguísticos, a partir da segunda metade do século XX, tiveram grandes mudanças em relação principalmente ao ponto de vista das pesquisas. O olhar sócio- histórico para a realidade da língua foi a grande novidade no campo, já que o realismo

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Page 1: A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: FUNDAMENTOS, … · PALAVRAS-CHAVE: pesquisa sociolinguística, mudança linguística, variação ABSTRAC: This article treats about the historical

Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p

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A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: FUNDAMENTOS, PESQUISAS,

PONTOS CRÍTICOS

Ângela Cláudia Rezende do Nascimento Rebouças

Ivandilson Costa

RESUMO: Este artigo trata da reconstrução do histórico da Sociolinguística Variacionista que teve

como texto fundador o trabalho de Weinreich, Herzog e Labov. Partirá de uma explanação histórica, ao

que se seguirá uma exposição dos principais conceitos operacionais básicos, desenvolvidos por esta

Disciplina. Apresentará ainda uma síntese das pesquisas basilares quanto à construção de seu

arcabouço teórico-metodológico. Culminará com a discussão de alguns de seus pontos nevrálgicos,

segundo já apontados pela literatura.

PALAVRAS-CHAVE: pesquisa sociolinguística, mudança linguística, variação

ABSTRAC: This article treats about the historical reconstruction of Variationist Sociolinguistics which

had worked as a founding text of Weireich, Labov and Herzog. This paper will start from a historical

explanation, to be followed by a statement of the main basic operational concepts developed in this

subject. Also submit a summary of the basic research on the construction of its theoretical-

methodological framework. It is going to culminate with a discussion of some of its neuralgic, according

to the literature already mentioned.

KEYWORDS: sociolinguistics research, language change, variation.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os estudos linguísticos, a partir da segunda metade do século XX, tiveram grandes

mudanças em relação principalmente ao ponto de vista das pesquisas. O olhar sócio-

histórico para a realidade da língua foi a grande novidade no campo, já que o realismo

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linguístico cobrado por autores como Labov, Weireich e Herzog, não seria considerado

pelos estudiosos de correntes antecedentes à sociolinguística.

Com essa nova perspectiva teórica dá-se o que comumente se costuma a chamar de

virada paradigmática na linguística, promovendo o estudo do uso e a

interdisciplinaridade com áreas como sociologia, história, antropologia, neurociência, a

semiótica e etc., o que faz da área uma das que mais crescem os estudos acoplados a

outras áreas. Os grandes questionamentos da ciência estariam voltados a questões como

“quem diz o quê? Onde? Quando? Como? Por quê?” e o principio geral é o de que todas

as línguas possuem variação a depender de fatores como idade, sexo, profissão,

contexto entre outros.

Outro principio da Sociolinguística é que somos seres plurilíngues, ou seja, nos

comportamos linguisticamente de várias formas, uma em casa, outra no trabalho, outra

forma com os colegas e amigos, outra forma numa reunião mais formal e que qualquer

falante possui essa característica.

Há, no entanto, nos estudos sociolinguísticos, vertentes com diferentes focos, são três os

grandes grupos: A sociologia da linguagem; A etnografia da fala ou da comunicação, a

qual trata de fatores externos à língua mas principalmente o que acontece na

comunicação; A teoria da Variação ou mudança (Variacionista), que se inicia com o

texto de Herzog, Labov e Weinreich de 1968 e introduz o postulado da heterogeneidade

ordenada ou sistemática, na qual a mudança é vista como passível de ser descrita e a

comunidade seria o foco de estudo, em que se identificam pelo que pensam da língua e

como a usam.

Embora haja diversas vertentes de estudos na sociolinguística, o que nos interessa neste

trabalho é a sociolinguística variacionista, sobre a qual traçaremos um breve histórico

da ciência, os principais postulados e suas contribuições para o estudo da língua, além

de expormos os principais pontos críticos desse ciência que tem sido cada vez mais

estudada em diversos países.

1. A TEORIA DA MUDANÇA LINGUÍSTICA

Como afirma Calvet (2002), a linguística moderna surgiu com a necessidade de

sistematizar o estudo das línguas de forma que houvesse um modelo capaz de não

apenas descrever historicamente o que ocorria na língua, mas, que fosse capaz de

relacionar as ocorrências a fatos reais que pudessem explicar esses acontecimentos. Isso

se deu com Saussure e seu modelo dicotômico de língua e fala, social e individual,

sintagma e paradigma, sincronia e diacronia. No entanto, esse modelo e a concepção de

que a “língua deveria ser estudada em si e por si mesma” (SAUSSURE, 1916), deu um

sentido mais fechado à ciência, que não consideraria fatores externos à própria língua e

não tentaria explicar dados que fugissem desse centro.

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A partir daí, vários estudiosos elaboraram teorias diversas para estudos da língua,

sempre considerando apenas a língua em si mesma, como é o caso Bloomfield,

Hjelmslev e Chomsky, dentre os quais, este último foi um grande motivador da

sociolinguística, pois a sua teoria gerativa da linguagem foi alvo de críticas fortes por

não considerar o uso da língua e se preocupar apenas com a capacidade, imaginando um

falante ideal mas não real, dando início às teorias mentalistas da linguagem. E como

uma tentativa de combater esse mentalismo linguístico, Labov e Weinreich junto com

Herzog escreveram um texto chamado Fundamentos empíricos para uma teoria da

mudança linguística, apresentado no Simpósio Direções para a Linguística Histórica,

ocorrido na universidade do Texas e 29 e 30 de abril de 1966. Cujo objetivo era, de

certa forma, renovar o interesse acadêmico pelos estudos históricos que já não eram

mais o centro das pesquisas nas universidades europeias e americanas.

Esse texto não trazia uma teoria propriamente dita, mas propostas concretas acerca dos

fundamentos empíricos para uma teoria da mudança, como uma espécie de

direcionamento para se estudar as variações e se referiam a critérios considerados

criativos para estudar a mudança linguística numa comunidade ou grupos urbanos

complexos. Sendo um dos estudos mais criativos para a época, o texto abria caminho

para outros estudos de cunho social e que influenciaria fortemente a ciência linguística

estruturalista centrada em comparativismo.

O que acontece em linguística e em qualquer outra ciência quando se tenta criar ou

aprofundar uma nova teoria, é uma análise cuidadosa dos estudos anteriores com a

finalidade de acrescentar algo àquela teoria e métodos tão úteis ou tão criticados pelos

demais estudiosos. De fato, somente autores e pesquisadores experientes e analíticos

conseguem identificar incongruências científicas em um determinado campo teórico.

Grandes mudanças de rumos e perspectivas só se deram em estudos linguísticos com

Sausurre, Coseriu, Bakhtin,Chomsky, Labov, entre tantos teóricos importantes na área

da linguagem. O que os une é o pensamento complexo e a capacidade de avaliar

abstratamente as teorias dominantes e propor mudanças de paradigmas, sempre bem

argumentadas e exemplificadas segundo suas observações.

No caso de Labov, Weinreich e Herzog, o que houve de crítica em relação à teoria

mentalista foi a grande questão para o fortalecimento de uma luta pelo aspecto social em

estudos linguísticos, que segundo Labov vem desde os estudos de Meillet, que é uma

espécie de predecessor dos estudos sociolinguísticos e que o próprio Labov reconheceu

como tal:

Meillet, contemporâneo de Saussurre, pensava que o século XX veria a

elaboração de um procedimento de explicação histórica fundado sobre o

exame da variação linguística enquanto inserida nas transformações sociais

(1921). Mas discípulos de Saussure, como Martinet (1961), aplicaram-se a

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rejeitar essa concepção, insistindo fortemente em que a explicação linguística

se limitasse às inter-relações dos fatores estruturais internos. (CALVET,

2002, p. 31).

Meillet não somente se opunha às concepções linguísticas de Saussure, como afirmava

que era necessário “buscar a explicação da irregularidade das variações linguísticas nas

flutuações de composição social da comunidade linguística, ideias essas que aproximam

o pensamento de Meillet aos estudos e concepções de Labov. (Apud. LABOV, 1972, p.

259).

Labov buscou, em muitos momentos de suas explicações, as teorias de Meillet acerca da

língua e a diferença crucial entre os dois, era a língua que estudavam, enquanto o

primeiro, comparatista refinado e de um trabalho cuidadoso na linguística histórica,

estudava línguas mortas, Labov estudava situações contemporâneas e línguas em uso, o

concreto, o real.

Os três autores de “Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística”,

questionavam o fato de que se uma língua precisa ser estruturada e havia uma

heterogeneidade, como essa heterogeneidade se organizava numa estrutura? E se na

descrição dos estados da língua era nítida uma mudança de um estado para outro, como

a língua se comportava nesse meio termo? Seria ela menos eficiente que nos estágios

“engessados”? A própria ideia de que havia um estágio da língua em que a estaticidade

reinava era uma difusa, pois se concluía consequentemente, que haveria menor

sistematicidade nesse período. O que de fato foi negado pelos sociolinguistas, pois a

língua sempre possui um grau de eficiência, mesmo mudando sempre. Essa teoria da

mudança, não seria propriamente uma teoria, mas, propostas concretas acerca de

fundamentos empíricos para essa teoria, conforme Weinreich (2006), e se referem:

(1) às descobertas empíricas que têm importância para a teoria, das quais

a teoria tem de dar conta, e que indicam direções para a pesquisa frutífera;

(2) A certas conclusões tiradas dessas descobertas quanto à complexidade

mínina da estrutura linguística e a domínios para definir tal estrutura;

(3) A métodos para relacionar os conceitos e postulados de uma teoria à

uma evidência empírica, ou seja, à uma evidência baseada em regras para o

acordo intersubjetivo entre os investigadores.

Esses fundamentos são parte de uma investigação teórica mais ampla sobre a evolução

histórica da língua, já que neste período, a grande preocupação da linguística além de

descrever o estado da língua era tentar prever as mudanças que ocorreriam na língua, o

que não se tornou possível, até então.

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Na primeira parte do texto de Weinreich, a principal preocupação é argumentar contra

as teorias de Hermann Paul que trata do isolamento do idioleto, pois Paul trata a língua

como puramente psicológica e individual, o que cria um objeto inerentemente

psicológico e instaura uma dicotomia entre o individual e social. Dessa forma, a

mudança seria dada no interior do idioleto e instaura-se o pensamento de comodidade

aos órgãos fonadores como determinantes dessas mudanças, (WEINREICH, 2002). No

entanto, há mudanças que só ocorreram agora e Labov, Herzog e Weinreich se

questionam por que essas mudanças não ocorreram antes? Esse é um dos problemas da

teoria de Paul.

Outra questão importante é a falta de condições de explicar a mudança de forma

estrutural, pois se a mudança ocorreu em algum período de tempo esse período é

determinado por que fatores? Numa abordagem estruturalista em que se pense que há

forças que determinam ou influenciam a mudança o ideal seria descobrir como isso

acontece. Como os estudos na época eram mais voltados para questões fonológicas, a

fonologia se constituiu à medida que se sedimentou a concepção do sistema como uma

“rede de relações opositivas” e havia uma falta na explicação da transição de um estágio

para outro. A proposta final de métodos para a explicação da mudança vem com alguns

princípios abaixo designados:

1. A mudança linguística não deve ser identificada como deriva aleatória

procedente da variação inerente na fala. A mudança linguística começa

quando a generalização de uma alternância particular num dado subgrupo da

comunidade de fala toma uma direção e assume o caráter de uma

diferenciação ordenada.

2. A associação entre estrutura inclui a diferenciação ordenada dos falantes e

dos estilos através de regras que governam a variação da comunidade de fala;

o domínio do falante nativo sobre a língua inclui o controle destas estruturas

homogêneas.

3. Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística implica

mudança; mas toda mudança implica variabilidade e heterogeneidade.

4. A generalização da mudança linguística através da estrutura linguística

não é uniforme nem instantânea; ela envolve a covariação de mudanças

associadas durante substanciais períodos de tempo, e está refletida na difusão

de isoglossias por áreas do espaço geográfico.

5. As gramáticas em que ocorre a mudança linguística são gramáticas de

comunidades de fala. Como as estruturas variáveis contidas na língua sçao

determinadas por funções sociais, os idioletos não oferecem a base para

gramáticas autônomas ou internamente consistentes.

6. A mudança linguística é transmitida dentro da comunidade como um

todo; não está confinada a etapas discretas dentro da família. Quaisquer

descontinuidades encontradas na mudança linguística são os produtos das

descontinuidades específicas da comunidade, mais do que os produtos

inevitáveis do lapso geracional entre pais e filhos.

7. Fatores linguísticos e sociais estão intimamente interrelacionados no

desenvolvimento da mudança linguística. Explicações confinadas a um ou

outro aspecto, não importa quão bem construídas, falharão em explicar o rico

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volume de regularidades que pode ser observado nos estudos empíricos do

comportamento linguístico. (LABOV, HERZOG, WEINREICH, p. 125-126)

Esses princípios apontam alguns caminhos para uma investigação com realismo social

na pesquisa linguística, o que depois fora mais elaborado nos textos de Labov sobre a

estratificação social do “r” em Nova Iorque e sobre o inglês falado na ilha de Martha’s

Vineyard, no estado de Massachusetts (EUA). O postulado parte do princípio de que,

correlacionando-se o complexo padrão linguístico com diferenças concomitantes na

estrutura social, será possível isolar os fatores sociais que incidem diretamente sobre o

processo linguístico. Dessa forma, concebe os seguintes fatores:

• A explicação da mudança linguística parece envolver três problemas distintos: a

origem das variações linguísticas; a difusão e propagação das mudanças linguísticas; e a

regularidade da mudança linguística.

• Algumas variações são recorrentes e podem ser imitadas mais ou menos

extensamente, podendo se difundir a ponto de formas novas entrarem em contraste com

as formas mais antigas num amplo espectro de usos.

• Não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança linguística sem levar

em conta a vida social da comunidade em que ela ocorre.

• Antes que um fenômeno possa se difundir de palavra para palavra é necessário

que uma das formas rivais adquira algum tipo de prestígio.

Para o caso da pesquisa desenvolvida sobre a centralização do ditongo no falar da ilha

de Martha’s Vineyard, levou-se em conta a busca do padrão que governava a

distribuição dos ditongos centralizados /ay/ /aw/ - right, pride, wine, wife; house, out; A

hipótese geral partia do pressuposto de que como um morador rural da ilha alta seria

muito provável que ele usasse um alto grau de centralização, em detrimento daqueles

das áreas dos vilarejos da ilha baixa.

Figura1: Localização geográfica do fenômeno. Ilha de Martha’s Vineyard

No que diz respeito ao método, a pesquisa trabalhou com questionário lexical, perguntas

acerca de juízos de valor, bem como um texto para leitura especial. Além da entrevista

formal, foram feitas observações em muitas situações espontâneas (apenas como

controles suplementares). Foi ainda elaborada uma escala de medição de seis pontos

indo da forma-padrão da Nova Inglaterra [aI] até a totalmente centralizada [ēI].

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A pesquisa tinha como questão norteadora por que o aumento da centralização. Por que

Martha’s Vineyard deu as costas para a história da língua inglesa? Buscava-se, nesse

sentido, explicações nas forças sociais que afetam mais profundamente a vida da ilha. O

que ficou evidente foi que o significado imediato desse traço fonético é “vineyardense”.

Quando um homem diz rāit e hāus, está inconscientemente expressando que ele de fato

pertence à ilha. Em suma, pode-se dizer que o significado da centralização, a julgar pelo

contexto em que ocorre, é uma atitude positiva em relação a Martha’s, pelo que se pôde

depreender pelo fato de que os nativos da ilha baixa que pretendiam sair da ilha

mostravam pouca ou nenhuma centralização; os que queriam sair, mas voltar um dia,

apresentavam nível alto de centralização:

Pessoas (ay) (aw)

40 Positiva 63 62

19 Neutra 32 42

6 Negativa 09 08

Tabela1: escala de atitude positiva em relação a Martha’s Vineyard.

Em outro estudo fundador, Labov estuda a estratificação do /r/ em falantes de lojas de

departamento na cidade de Nova Iorque. Com hipótese geral tinha-se: se dois subgrupos

quaisquer de falantes nova-iorquinos estão dispostos numa escala de estratificação

social, logo estarão dispostos na mesma ordem por seu uso diferenciado do /r/. O

método previa a aplicação de 70 entrevistas individuais e grande quantidade de

observações anônimas. Assim, a pesquisa foi dividida em espaços diversificados,

representados pelas lojas de diferentes padrões de posição social. A Sacks Fifth Avenue

se caracterizava como uma loja de status superior. Estava localizada na esquina da rua

50 com a 5.ª Avenida, perto da zona comercial mais sofisticada, junto com lojas de alto

luxo como Bonwit Teller, Henri Bendel, Lord and Taylor. Apresenta valores mais altos

de /r/.

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Figura2: Loja Sacks Fifth Avenue

Já a Macy’s, de status social médio, estava situada na Herald Square, esquina da rua 34

com a 6.ª Avenida, perto da zona das confecções, junto com Gimbels e Saks na rua 34 e

outras lojas de preço e prestígio medianos. Notou-se que, para esse caso, apresentava-se

um valor intermediário de /r/.

Figura: Loja Macy’s.

A loja S. Klein, por sua vez, possuía um status socioeconômico inferior. Estava

localizada na Union Square, rua 14 com Broadway, não muito longe do Lower East

Side, ambientes mais ligados à classe operária. Para esse caso, os dados revelaram que

os valores de /r/ foram os mais baixos.

Figura: Loja S. Klein.

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Os estudos, por conseguinte, mostraram como resultados uma nítida e coerente

estratificação de (r) nas três lojas. r-1 totais: exibem somente r-1; r-1 parciais: exibem

ao menos um r-1; r-1 ausente: exibem somente r-0. Além desses, vários outros estudos

continuaram a linha de pensamento em que a influência de fatores sociais são realmente

consideráveis a ponto de não poderem ser ignorados como era feito até então.

2 A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA REVISITADA: O MODELO

LABOVIANO EM XEQUE

Para Schiffrin (1995) muitos conceitos variacionistas só fazem sentido se assumirmos

que falante e receptor, respectivamente, codifica e decodifica. A noção de variável é um

exemplo, já que a razão pela qual identificamos diferentes formas de falar como

variantes é porque atribuímos a elas a mesma relação convencional entre som e sentido.

A análise da variação na língua e no discurso, na sociolinguística quantitativa, é feita

pelo enquadramento de controle em categorias sociais gerais conhecidas como idade,

gênero, profissão, classe social, dentre outras. A teoria relaciona a essas categorias à

forma de usar a linguagem e as possíveis pressões exercidas sobre a língua. Os

argumentos em favor dessa categorização giram em torno das evidências encontradas

por estudiosos como Labov, Hergzog e Weireich em estudos como a estratificação

social do “r” em Nova Iorque, no qual Labov concluiu que as classes mais altas falavam

mais o “r” e que as mais baixas falavam, interpretando essa variação ligada ao prestigio

ou desprestígio social.

No entanto, sobre a forma de se estudar as variáveis, Labov não levou em conta

aspectos de que sua categorização para análise é abstrata, o pertencer ou não a certos

grupos sociais é uma questão muito mais profunda que um simples enquadramento

prático e que algumas categorias podem exercer influências muito mais fortes que

outras. Por exemplo, a idade, a classe social, e a profissão que são categorias que podem

exercer influencias muito mais marcantes que por exemplo, o gênero social, ou mesmo

a variabilidade dentro das categorias; essa variabilidade faz por exemplo, um advogado

falar com o juiz de uma forma e falar com seus amigos de outra, o que a análise

quantitativa não leva em conta, já que não se preocupa com a identidade que o falante

“decide” assumir numa interação face a face e no porquê dessa escolha, a projeção do

“eu” de um participante em relação ao outro, e assim por diante.

A noção de variante engessa então as relações sociais em categorias fixas, não avaliando

que essas categorias sociais podem ser complexas redes de relacionamentos que

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precisam ser consideradas segundo essa mesma complexidade que as define e que

define suas influências.

A par dos estudos de uma sociolinguística nos padrões labovanianos, passa-se a abordar

o fenômeno da linguagem com um olhar mais voltado para seu contexto sociocultural.

Lavandera (1992), pontuando por estudos que focalizem o uso em termos do código no

desenvolvimento social, já acentua que o que importa já não seria o estudo de um

enunciado ou conjunto de enunciados conectados entre si, como no modelo

variacionista, o qual trata de dados estatísticos acumulados que se recompilam

quantificando diversas variáveis externas em todos os enunciados do corpus, o qual, por

sua vez, se obtém a partir de uma mostra de falantes socioeconomicamente

representativa. E remonta a Hymes ao exprimir acerca de que uma linguística

socialmente comprometida se preocupa com o significado social e não só com o

referencial, bem como mira na linguagem enquanto parte da conduta comunicativa e da

vida social.

Ainda é Lavandera (1992, p. 19) quem levanta, nesse contexto, o problema da

formalização. Para a autora, Labov chega mesmo a compartilhar muitos dos

pressupostos sobre formalização das correntes principais da gramática gerativa. Mais: o

variacionismo não só consideraria sua teoria compatível com o gerativismo como

também seria subsidiário a este, pelo fato mesmo de que, por meio da regra variável,

adiciona variáveis sociais aos mecanismos gerativistas já existentes.

A despeito disso, Lavandera (1992), ao advogar em função da necessidade de uma

teoria social e, contrapondo-se ao fazer variacionista, apela para o fato de que, para

todos os que pretendem elaborar uma teoria da linguagem em seu contexto social em

vez de uma teoria gramatical, é crucial determinar que elementos do contexto social

afetam a produção e compreensão da linguagem em contextos reais. Chega, para tanto, a

autora a citar o próprio Sankoff, quando este diz que os condicionantes internos que

resultam de interesse dos variacionistas podem perfeitamente ser exemplificados a partir

da contribuição da fonologia de um único falante, sem que seja preciso atender a fatores

sociais e estilísticos.

Lavandera (1992) postula ainda que qualquer teoria que pretenda compreender a vida e

a organização social por meio do estudo dos princípios que regulam a comunicação

verbal deve conceder prioridade à eleição de uma teoria social. E abarca a noção de

contexto social, compreendido como aquele que reúne a organização interna da

sociedade, com suas tensões, diferenças internas, subgrupos. Por conseguinte, o estudo

da linguagem em seu contexto social consiste no estudo dos materiais linguísticos

produzidos no seio das estruturas sociais.

Assim, diferentemente do propósito laboviano, argumenta a autora, se o que se deseja é

perceber um panorama global da linguagem em seu contexto, deve-se estudar as

relações que se estabelecem entre distintos discursos, ou seja, como discursos

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diferentes em sua organização interna se referem ao mesmo tema; as relações

intertextuais ou sequenciais, vale dizer, aqueles casos em que cada discurso prepara o

caminho pelo qual haverá de discorrer o discurso que lhe segue, produzido pelo mesmo

falante ou por outros distintos, bem como a função social de um discurso se vê alterada

pela ideologia, em cujo seio se produz ou se recebe.

Paralelamente, van Dijk (2012) já pondera que, embora correntes como a

sociolinguística variacionista operem com dados do discurso natural, sua análise tem-se

prendido muito a questões sutis da expressão, tais como a pronúncia, a entonação, a

pronominalização, sendo relativamente parcos o foco em questões voltadas para os

condicionamentos contextuais. A variação e o estilo, pontua o autor, se definidos em

termos de traços contextuais, compreendem muito mais que uma tal variação da

expressão. Certas diferenças não são meramente as que encontramos nos estudos sobre

variação regional ou por classes socioeconômicas, nem são modos de falar diferentes.

Muitas destas diferenças são percebidas em função de estruturas de discurso típicas que

também podem variar segundo a estrutura das situações comunicativas, tais como

definidas pelos modelos de contexto dos participantes.

Nessa perspectiva, van Dijk (2012) enfatiza que tal tradição sociolinguística tem

basicamente consistido em enfocar fenômenos de proporções menores, gramaticais e

não estruturas do discurso “que vão além da sentença”, e aposta que até o presente

muitos poucos foram os projetos que recolheram sistematicamente os dados necessários

para tal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociolinguística variacionista surge no campo dos estudos linguísticos num contexto

em que urgia uma virada numa exata direção do estudo do uso e de relações

interdisciplinares com áreas como sociologia, história, antropologia, neurociência , a

semiótica. Seu grande postulado talvez parta da consideração de que somos seres

plurilíngues, ou seja, nos comportamos linguisticamente de várias formas. Daí termos

como proposta concreta fundamentos empíricos para uma teoria da mudança, como uma

espécie de direcionamento para se estudar as variações que se referiam a critérios

considerados criativos para estudá-la numa comunidade ou grupos urbanos complexos.

Por outro lado, a disciplina não prescindiu, ao longo de sua trajetória de pesquisas, de

ser alvo de críticas localizadas, tal como pusemos em discussão na última seção deste

artigo. A despeito disso, uma resposta às lacunas aqui apresentadas possivelmente pode

ser recolhida em uma eventual aliança entre o variacionismo e outros aportes, vale

dizer, como a própria vertente interacional, pela consideração de fatores como a

situação social engendrada na comunicação face a face, as fontes de variabilidade

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cultural, o significado social da estrutura linguística, questões relativas ao conceito de

enquadre no discurso.

Também não seria desarrazoado postular em favor de um olhar mais voltado à

consideração do fenômeno de variação em redes (BORTONI-RICARDO, 2008; 2011).

Nesse campo, temos que a sociometria vem ver definida como um tratamento

quantitativo das relações humanas preferenciais, tendo como escopo a mensuração de

contatos interpessoais. Comporta diversas técnicas de medidas, coleta de dados, análise

de padrões interacionais, estrutura de comunicação em um sistema social. Nesse âmbito,

advém o conceito de rede, compreendida como o padrão de uso de um canal entre os

membros individuais de um grupo, para o que se espera que os padrões de comunicação

no grupo variem de uma forma estável, que se correlaciona com a estrutura do grupo,

função etc. Assim, perguntas sociométricas são frequentemente usadas para suplementar

a técnica da observação direta. Os dados sociométricos, por conseguinte, podem ser

analisados por meio de recursos demonstrativos, como o sociograma e a matriz

sociométrica. Sua ligação com a pesquisa sociolinguística pode ser fundamental

porquanto se note que os dados sociométricos sejam bastante importantes na construção

de estudo de sistemas complexos como uma grande comunidade.

É inegável, a despeito dos posicionamentos críticos apontados, o legado do

variacionismo ao ensino-aprendizagem de língua, para o que se trouxe aportes

especialmente baseados na contribuição da noção de variação, variantes, variáveis,

comunidade de fala. Ainda aqui cumpre ressaltar a necessidade desta ponte com o

método de análise de redes. Conforme se presencia, e mais detidamente como acentuou

Bortoni-Ricardo (2005), vários fatores contribuíram para o aumento e a diversificação

da clientela estudantil: o aumento populacional, a concentração demográfica nas

grandes cidades, a expansão da rede escolar, a mudança na legislação e consequente

obrigatoriedade do ensino fundamental. Diante disso, não se cuidou ainda de repensar

uma política educacional mais condizente com essa situação, determinada por um

clientela que não mais exclusivamente advém das classes alta e média.

Uma caracterização socioantropológica, portanto, com o apoio dos estudos baseados nos

métodos de análise de redes viriam a contribuir com a elaboração de um perfil

sociolinguístico dos alunos mais consistente, com uma consequente preparação de

material didático e estratégias pedagógicas mais adequadas.

Em nosso contexto nacional, a variação linguística não se relaciona apenas com a

estratificação social, mas também como o contínuo rural-urbano, sendo fundamental a

influência da relação entre padrões de rede de interação e preservação de variedades

populares. A par disso, temos nas sociedades urbanas todo um complexo processo de

difusão de dialetos rurais, levando-se em conta a mobilidade geográfica e a mobilidade

social, associadas ao desenvolvimento de tipos diferentes de redes de interação.

Page 13: A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: FUNDAMENTOS, … · PALAVRAS-CHAVE: pesquisa sociolinguística, mudança linguística, variação ABSTRAC: This article treats about the historical

Interletras, volume 3, Edição número 19. Abril, 2014/Setembro, 2014 - p

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Como acentua Bortoni-Ricardo (2005, p. 87), é porque não dispomos de uma

compreensão precisas do fenômeno que o ensino da língua-padrão nas escolas para essa

clientela apresenta-se tão precário. Uma tal compreensão, a partir da potencial

contribuição da análise de redes viria, nesse sentido, dar mais enfrentamento ao

complexo problema da aquisição da língua de prestígio em sociedades com a nossa,

sinalizando para uma reestruturação das próprias políticas de ensino da língua materna.

REFERÊNCIAS

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Análises de redes: um modelo dinâmico para

abordar a mudança na língua. Do campo para a cidade: estudo sociolinguístico de

migração e redes sociais. São Paulo: Parábola, 2011.

______. O paradigma de redes sociais para a análise qualitativa. O professor

pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola, 2008.

______. A contribuição da análise de redes ao ensino da língua materna. Nós cheguemu

na escola, e agora? Sociolinguística & educação. São Paulo: Parábola, 2005.

CALVET, Louis-jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola,

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DIJK, Teun van. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. São Paulo:

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Pereira Scherre]. São Paulo: Parábola, 2008.

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Cambridge. Madrid: Visor, 1992.

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TARALLO, Fernando. A pesquisa Sociolinguística. 8.ed. São Paulo: Ática, 2007.

WIENREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin. Fundamentos empíricos

para uma teoria da mudança linguística. [Trad. Marcos Bagno]. São Paulo :

Parábola, 2006.

Doutoranda em Letras/Linguística pela UFPE. Bolsista da CAPES.

Doutorando em Letras/Linguística pela UFPE. Professor do Departamento de Letras da UERN.