trabalho infantil? - parte 2

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REPRODUÇÃO MAURICIO VAL/VIPCOMM Nunes já se comprometeu com o Ministério Público do Trabalho a acabar com o cam- peonato Sub-13, que era orga- nizado pela Federação Paraense de maneira irregular – disputa- do por clubes formadores, com características que vislumbram a preparação de um profissional do futebol. A muitos quilômetros dali, no Paraná, os times Coritiba e Atlético Paranaense não tive- ram dificuldades para cumprir as exigências após serem noti- ficados. “A adequação pedida não precisa ser feita pois já es- távamos de acordo. O que não podemos é deixar de aprimorar nossa estrutura”, disse Mário André Mazzuco, coordenador das categorias de base do Cori- tiba, que mantém 52 atletas em seus alojamentos. O Atlético-PR também já estava de acordo com as exi- gências e havia firmado um A adolescência em um alojamento “Infelizmente, até hoje os pro- blemas socioeducacionais no Brasil acabam resultando em alojamen- tos cheios, com milhares de jovens buscando no futebol a única opção para um futuro melhor, quando na verdade o esporte deveria ser uma escolha profissional cujo desenvol- vimento ocorre com o tempo, pa- ralelamente aos estudos”, escreve o campeão mundial pelo Corinthians, Paulo André, em livro no qual rela- ta suas experiências em alojamentos durante a adolescência. Em “O jogo da minha vida”, o zagueiro conta casos absurdos, como o fraco ensino disponibiliza- do, no qual percebia que o conte- údo passado em matemática, no ensino médio, era o mesmo que ele havia aprendido no fundamental 1 ou ainda a “dica” que recebeu de uma professora de português que o orientou a “a partir daquele dia escrever sempre ‘comeram’, ‘fala- ram’, em vez de ‘comerão’, ‘fala- rão’, pois assim acertaria 80% das vezes”, o que o fez estudar por con- ta própria. Sobre a luta para permanecer no time, Paulo André revela que optou por ser zagueiro exatamente pela concorrência e ainda relatou como era duro ver amigos dispen- sados depois de anos tentando vi- rar profissional – e jogadores de empresários ga- nhando chance. No livro, o joga- dor ainda fala sobre treinos em que garotos corriam até vomitar em ra- zão do esforço exigido por trei- nadores que ainda humilhavam adolescentes em formação. Entre histórias e reflexões, Paulo André se pergunta: “Até hoje penso no que deixamos de viver e aprender nesse período. Por que não desenvolver outras habilidades além do futebol? Será que outros aprendizados se- riam conflitantes para o nosso de- senvolvimento futebolístico ou vi- riam a nos ajudar?” EXPERIÊNCIA: Zagueiro Paulo André conta em livro sua história antes de se tornar jogador profissional EXCEÇÃO: Desde a infância, Neymar foi preparado para se tornar um craque. Na foto, o atleta durante treino da seleção brasileira Sub-17 TRAGÉDIA: Wendel Silva tinha 14 anos quando morreu durante um treino do Vasco, em fevereiro do ano passado FOLHAPRESS do por familiares do garoto, que não receberam qualquer inde- nização. O caso ainda “tramita na Vara da Infância e da Juven- tude”, segundo informações da assessoria de imprensa do Ministério Públi- co do Estado do Rio de Janeiro, que na época flagrou diversas outras irregularidades nas instalações do CT usado pelas categorias de base. Assim como todos os clubes formadores do Brasil, o Vasco ficará sujeito à assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) caso novas ir- regularidades sejam verificadas após a notificação do Ministério Público do Trabalho, sob pena de multa e ações judiciais. “Os clubes que quiserem de- senvolver uma categoria de base para formar profissionais têm de respeitar a lei. Se não tive- rem condições financeiras de respeitar os direitos adquiri- dos pelos adolescentes e pre- vistos na Constituição, não podem exercer a formação profissional”, cravou Mar- ques, ao ser questionado se não temia o fechamento de muitos clubes. O problema foi levan- tado pelo presidente da Federação Paraense de Futebol, Antônio Carlos Nunes. “É bom estabele- cer regras, mas tem de ver quem pode fazer isso. Tem muito clube carente”, pon- dera. “Podem fechar as portas e para onde irão essas crianças? Bem ou mal, o time cuida.” TAC em 2012 com o Minis- tério Público do Trabalho do Paraná, no qual se compro- meteu a não alojar menores de 14 anos. “A legislação está aí para ser atendida em sua plenitude, mas é certo que muitos clubes, principal- mente os de menor estrutu- ra, terão dificuldades ante os gastos envolvidos”, diz o superintendente do Atlético- -PR, Dagoberto dos Santos. “Este é um discurso co- nhecido para quem se acomo- dou em fazer futebol à moda antiga”, comenta o diretor- -executivo da Universidade do Futebol, Eduardo Conde Tega. Para ele, é preciso haver educação completa aos jovens que buscam espaço no futebol, ensinamentos que serão usados caso eles se tornem ou não jo- gadores. “Estudos indicam que a cada 3 mil crianças e adoles- centes inseridos nas chamadas ‘Escolinhas de Futebol’ apenas uma consegue ingressar na ro- tina de um clube formador. Os que são eliminados acabam se tornando frustrados devido a orientações inadequadas.” 19 - DOMINGO, 24 DE MARÇO DE 2013 esporte

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Nunes já se comprometeu com o Ministério Público do Trabalho a acabar com o cam-peonato Sub-13, que era orga-nizado pela Federação Paraense de maneira irregular – disputa-do por clubes formadores, com características que vislumbram a preparação de um profi ssional do futebol.

A muitos quilômetros dali, no Paraná, os times Coritiba e Atlético Paranaense não tive-ram difi culdades para cumprir as exigências após serem noti-fi cados. “A adequação pedida não precisa ser feita pois já es-távamos de acordo. O que não podemos é deixar de aprimorar nossa estrutura”, disse Mário André Mazzuco, coordenador das categorias de base do Cori-tiba, que mantém 52 atletas em seus alojamentos.

O Atlético-PR também já estava de acordo com as exi-gências e havia fi rmado um

A adolescência em um alojamento“Infelizmente, até hoje os pro-

blemas socioeducacionais no Brasil acabam resultando em alojamen-tos cheios, com milhares de jovens buscando no futebol a única opção para um futuro melhor, quando na verdade o esporte deveria ser uma escolha profi ssional cujo desenvol-vimento ocorre com o tempo, pa-ralelamente aos estudos”, escreve o campeão mundial pelo Corinthians, Paulo André, em livro no qual rela-ta suas experiências em alojamentos durante a adolescência.

Em “O jogo da minha vida”, o zagueiro conta casos absurdos, como o fraco ensino disponibiliza-do, no qual percebia que o conte-

údo passado em matemática, no ensino médio, era o mesmo que ele havia aprendido no fundamental 1 ou ainda a “dica” que recebeu de uma professora de português que o orientou a “a partir daquele dia escrever sempre ‘comeram’, ‘fala-ram’, em vez de ‘comerão’, ‘fala-rão’, pois assim acertaria 80% das vezes”, o que o fez estudar por con-ta própria.

Sobre a luta para permanecer no time, Paulo André revela que optou por ser zagueiro exatamente pela concorrência e ainda relatou como era duro ver amigos dispen-sados depois de anos tentando vi-rar profi ssional – e jogadores de

empresários ga-nhando chance.

No livro, o joga-dor ainda fala sobre treinos em que garotos corriam até vomitar em ra-zão do esforço exigido por trei-nadores que ainda humilhavam adolescentes em formação. Entre histórias e refl exões, Paulo André se pergunta: “Até hoje penso no que deixamos de viver e aprender nesse período. Por que não desenvolver outras habilidades além do futebol? Será que outros aprendizados se-riam confl itantes para o nosso de-senvolvimento futebolístico ou vi-riam a nos ajudar?”

EXPERIÊNCIA: Zagueiro Paulo André conta em livro sua história antes de se tornar jogador profi ssional

EXCEÇÃO: Desde a infância, Neymar foi preparado para se tornar um craque. Na foto, o atleta durante treino da seleção brasileira Sub-17

TRAGÉDIA: Wendel Silva tinha 14 anos quando morreu durante um treino do Vasco, em fevereiro do ano passado

FOLH

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do por familiares do garoto, que não receberam qualquer inde-nização. O caso ainda “tramita na Vara da Infância e da Juven-tude”, segundo informações da assessoria de imprensa do Ministério Públi-co do Estado do Rio de Janeiro, que na época fl agrou diversas outras irregularidades nas instalações do CT usado pelas categorias de base.

Assim como todos os clubes formadores do Brasil, o Vasco fi cará sujeito à assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) caso novas ir-regularidades sejam verifi cadas após a notifi cação do Ministério Público do Trabalho, sob pena de multa e ações judiciais.

“Os clubes que quiserem de-senvolver uma categoria de base para formar profi ssionais têm de respeitar a lei. Se não tive-rem condições fi nanceiras de respeitar os direitos adquiri-dos pelos adolescentes e pre-vistos na Constituição, não podem exercer a formação profi ssional”, cravou Mar-ques, ao ser questionado se não temia o fechamento de muitos clubes.

O problema foi levan-tado pelo presidente da Federação Paraense de Futebol, Antônio Carlos Nunes. “É bom estabele-cer regras, mas tem de ver quem pode fazer isso. Tem muito clube carente”, pon-dera. “Podem fechar as portas e para onde irão essas crianças? Bem ou mal, o time cuida.”

TAC em 2012 com o Minis-tério Público do Trabalho do Paraná, no qual se compro-meteu a não alojar menores de 14 anos. “A legislação está aí para ser atendida em sua plenitude, mas é certo que muitos clubes, principal-mente os de menor estrutu-ra, terão difi culdades ante os gastos envolvidos”, diz o superintendente do Atlético--PR, Dagoberto dos Santos.

“Este é um discurso co-nhecido para quem se acomo-dou em fazer futebol à moda antiga”, comenta o diretor--executivo da Universidade do Futebol, Eduardo Conde Tega. Para ele, é preciso haver educação completa aos jovens que buscam espaço no futebol, ensinamentos que serão usados caso eles se tornem ou não jo-gadores. “Estudos indicam que a cada 3 mil crianças e adoles-centes inseridos nas chamadas ‘Escolinhas de Futebol’ apenas uma consegue ingressar na ro-tina de um clube formador. Os que são eliminados acabam se tornando frustrados devido a orientações inadequadas.”

19 - DOMINGO, 24 DE MARÇO DE 2013 esporte