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TRABALHO E SINDICALISMO NO CAPITALISMO Versão: 08/02/10 – página 1 TRABALHO E SINDICALISMO NO CAPITALISMO Luiz Carlos Correa Soares TEXTO BÁSICO PARA A PALESTRA NO SINDICATO DOS ENGENHEIROS DE MINAS GERAIS SENGE-MG EM 10/02/2010

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TRABALHO E SINDICALISMO NO CAPITALISMO

Versão: 08/02/10 – página 1

TRABALHO E SINDICALISMO NO CAPITALISMO

Luiz Carlos Correa Soares

TEXTO BÁSICO PARA A PALESTRA

NO SINDICATO DOS ENGENHEIROS DE MINAS GERAIS

SENGE-MG

EM 10/02/2010

TRABALHO E SINDICALISMO NO CAPITALISMO

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SUMÁRIO

1. Conceitos e fundamentos

2. Trabalho

3. Emprego e salário

4. Sindicalismo – um pouco de História

5. Organização sindical

6. Organização dos engenheiros

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“A realidade é sempre algo que está posto, de modo independente de tempo e de espaço. Todos têm a possibilidade de olhar; alguns podem também ver; boa parte das pessoas olha e não vê; a maioria não olha nem vê.” Luiz Carlos Correa Soares – Capitalismo terminal

1. Conceitos e fundamentos O modelo sistêmico capitalista implementado durante longos séculos pelas

classes burguesas instituiu um poderoso sistema de dominação, alienante e explorador. Esse poder foi incrementado de tal forma que chegou a gerar o sonho escatológico do “fim da História”, ou seja, a perenidade do sistema e o conseqüente fim do processo histórico (sic!).

Esse absurdo chegou a ser admitido porque os chamados sensos comuns estabelecidos pelo processo ideológico capitalista não permitem que as pessoas sem acesso a informações diferenciadas tenham percepções adequadas da realidade do mundo e até da realidade do cotidiano de suas vidas.

Dentro desse contexto alienador é natural que hoje exista todo tipo de interpretação quanto ao rumo da crise deflagrada em 2008, bem como seus desdobramentos. A escala de percepções é completa: há as pessoas sempre crédulas, as otimistas, as otimistas moderadas, as desconfiadas, as duvidantes, as céticas, as descrentes, as descrentes radicais. Há também duas classes muito especiais e, por isso, ainda com poucos adeptos: os apostadores no caos e os convictos quanto ao advento do caos inexorável, dado o estado de degenerescência do Sistema. Eu me incluo nesta última turma. Com muita honra e convicção.

Entretanto, se uma parte – pequena - da humanidade está demonstrando uma capacidade inequívoca para a produção do caos, certamente uma outra parte – imensamente maior - terá a competência para produzir o inverso, ou seja, a sua própria reorganização, ampla e profunda, na busca de um outro modelo de civilização, sob um novo processo civilizatório.

Claro está que as soluções devem ser buscadas onde ainda não foi tentado,

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ou seja, fora dos padrões de análise condicionados à ideologia e ao status quo imperantes. Em outras palavras, mudanças profundas só serão possíveis com base nas utopias, tomando como ponto de partida a reumanização do ser humano, através da prevalência de valores ainda existentes, porém soterrados sob camadas monstruosas jamais vistas, compostas por materialismos, individualismos, egoísmos, ganâncias e ambições, induzidos pelos processos de dominação capitalista.

Em síntese, a solução deve ser precedida por uma retomada de valores baseados em virtudes historicamente conceituadas desde Aristóteles, passando por Espinosa e outros pensadores e, inclusive, pelas principais religiões do mundo. Esses valores foram sendo progressivamente desconsiderados na medida em que os malefícios foram crescendo no interior das sociedades humanas, com ênfase no período de vigência do capitalismo e, mais ainda, na sua última versão, o neoliberalismo. Utopia e Ideologia - Utopia (do grego u-topos = em nenhum lugar) é entendida como uma visão social de mundo com vistas a transformá-lo continuamente. Trata-se, portanto, de uma visão revolucionária e difere de ideologia. Ideologia é uma visão social de mundo que visa validar, legitimar e manter o ‘status quo’. Ideologia significa, portanto, uma visão conservadora, a serviço das estruturas do poder dominante.

Michel Löwy1 disserta a respeito da trajetória das mutações no conceito de ideologia, desde que foi literalmente inventado pelo filósofo enciclopedista francês Destutt de Tracy no início do século 19, até Karl Mannheim (Ideologia e Utopia), passando por Napoleão, Marx e Lenin. Democracia - Diz Marilena Chaui em Convite à filosofia - Capítulo 11 – A questão democrática:

“1. A democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflito legitimo. [...] 2. A democracia é sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações, ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contra-poderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, ou seja, não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças intermas, de orientar-se pela possibilidade objetiva (a liberdade) e de alterar-se pela própria práxis”. Quanto aos obstáculos à democracia, a autora pondera com precisão:

“Liberdade, igualdade e participação conduziriam à célebre formulação da política democrática como ‘governo do povo, pelo povo e para o povo’. Entretanto,

1 Ideoologia e ciências sociais – Elementos para uma análise marxista.

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o povo da sociedade democrática está dividido em classes sociais – sejam os ricos e os pobres (Aristóteles), os grandes e o povo (Maquiavel), as classes sociais antagônicas (Marx).

É verdade que a sociedade democrática é aquela que não esconde suas divisões, mas procura trabalhá-las pelas instituições e pelas leis. Todavia, no capitalismo, são imensos os obstáculos à democracia, pois o conflito dos interesses é posto pela exploração de uma classe social por outra, mesmo que a ideologia afirme que todos são livres e iguais.” Assim, a democracia, sistema que seria vital para os destinos das relações

sistêmicas de uma sociedade, tem sido deturpada pela degenerescência das relações Estado x capital x sociedade2.

Ora, se a democracia também é um sistema inserido num meio sistêmico em degradação, ela é afetada por esse meio, fatal e inexoravelmente, até quanto à sua própria sobrevivência.

Nessa perspectiva, não existe democracia real na face do planeta, pela simples razão de que é impossível realizá-la no interior de um sistema capitalista.

A democracia deveria ser conceituada em sentido absoluto, isto é, sem qualquer qualificativo. No entanto, o professor Heinz Dieterich3 conceitua democracia real como sendo a única democracia possível, mediante a ausência absoluta de exploração, dominação e alienação. O inverso, isto é, a presença completa dessas três variáveis, caracteriza o capitalismo.

Donde, então, a conclusão fica bem à mostra: É total e absoluta a incompatibilidade entre

democracia e capitalismo. E vice-versa. Estado e Nação - Estado é um sistema constituído por três elementos organizativos, também sistêmicos: a organização da população, do território e do governo. Este, por incorporar a prerrogativa de autoridade capaz de organizar e dirigir a sociedade, é normalmente confundido com o Estado. Mas Estado e governo, como vemos, não são sinônimos porque este está contido naquele.

Modernamente, Nação é entendida como um sistema constituído por: um território reconhecido, um povo de cidadãos, um grau evidente de autonomia e um Estado para expressar a ordenação jurídica e política legítima e eficaz.

2 E se o capitalismo acabasse?, pág. 164. 3 Sociólogo alemão, professor da Universidade do México, organizador e co-autor do livro Fim do capitalismo global, o novo projeto histórico.

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Daí se pode inferir que a dimensão do conceito de Nação é maior do que a do conceito de Estado e, por conseqüência, mais importante.

O Estado foi a forma organizativa e sistêmica que o homem encontrou para ser o agente civilizador e ordenador das suas relações de convivência política. A definição filosófica de Estado tem desafiado os pensadores em muitos momentos da sua história. Assim, tivemos o Estado absoluto de Hobbes, o constitucional de Locke, o racional de Kant, o ético de Hegel e, finalmente, o de direito de Montesquieu.

O Estado de direito foi o modelo mais acabado que foi concebido na direção da democracia e da possibilidade de ser o agente regulador das relações da sociedade. A História, entretanto, tem demonstrado que essa perspectiva não se realizou, tendo sido impedida pelos interesses do capital.

Por isso mesmo, a História também acabou por confirmar a concepção de Marx de que o Estado existe devido aos antagonismos irreconciliáveis entre as classes sociais e está sempre a serviço da classe mais forte e dominante. Constitui, portanto, um instrumento de dominação de uma classe sobre as outras e cumpre o papel de impor uma ordem social que refreie os conflitos de classes. Em uma sociedade socialista perfeita ou, mais apropriadamente, uma sociedade comunista, o Estado perderia totalmente o sentido e poderia deixar de existir, conforme a teoria de Marx e Engels.

As relações entre o Estado e os agentes do grande capital seguem os princípios dos favorecimentos recíprocos e tem caminhado cada vez mais para o “Estado privatizado”, isto é, um Estado inteiramente a serviço do capital, muito além do “Estado privativista”, podendo este ser considerado um estágio antecedente daquele. Três Culturas - Neste ponto do texto, vamos olhar o sentido de cultura sob ângulos um pouco diferentes dos conceitos usuais.Vamos dividir a história do desenvolvimento humano, em especial o do conhecimento humano, em três grandes fases culturais ou, por outras palavras, em três culturas.

A primeira cultura foi a da Natureza, nascida com o “homo sapiens” e envolve as fases da pré-evolução, da revolução agrícola e da revolução urbana, segundo os conceitos estabelecidos por Darcy Ribeiro no seu livro O processo civilizatório. A segunda cultura, ainda hoje vigente, é a cultura das Ciências, desenvolvida esparsamente desde o final da Idade Antiga e consolidada com a revolução científica ocorrida a partir do século 15.

A terceira cultura é, na verdade a cultura da síntese, a cuja denominação podemos adicionar o qualificativo holística porque, além de ser uma combinação dialética da primeira e da segunda culturas, contempla também o objetivo de ser uma integração tão abrangente e completa quanto possível entre elementos universais da Natureza e da consciência e/ou do

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conhecimento do Homem. Por simplificação, ainda poderíamos denominar as três culturas como sendo a Natural, a Epistemológica e a Holística.

A Cultura da Natureza é constituída pela relação do homem com os elementos naturais com os quais convive. As sociedades primitivas eram compostas por grupos isolados, que faziam suas próprias coisas e viviam suas vidas do seu próprio jeito. De qualquer modo, porém, o homem primitivo desde muito cedo já teve que interpretar, à sua maneira, os elementos naturais do seu meio ambiente.

As primeiras raízes da ciência se encontram no campo da magia (do sânscrito maha = habilidades e conhecimentos profundos) do homem primitivo. Foi a forma mais natural que ele encontrou para tentar expressar a sua interpretação do mundo e das formas de se relacionar com esse mundo.

Por isso, o mago ou curandeiro se tornou uma das figuras mais importantes e de maior poder nas comunidades primitivas. Por processos mentais puramente empíricos para os padrões científicos atuais - há hipóteses de que em alguns casos não foram tão empíricos assim -, o mago intuía a existência de alguma chave que permitisse controlar as forças da natureza.

É que já naquela época e circunstâncias era possível sentir a existência de algum tipo de conexão entre o Homem e a Natureza. De certa forma o mago também tinha a intuição de que poderia encontrar uma forma para o controle das forças do meio que o cercava e – por que não? – exercer sobre elas algum poder.

Ressalte-se que, apesar dos avanços conseguidos no conhecimento em geral, o Homem continua tentando até hoje intuir como controlar a Natureza, inclusive a sua própria.

A Cultura das Ciências, ainda vigente, se caracteriza pela revolução das ciências, que consolidou o método científico e se deu em três fases de um mesmo processo. O transcurso desse processo coincidiu com o período de transição do regime feudal, propriamente dito, para o regime capitalista e se situou entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna: o Renascimento (1440 - 1540), as guerras religiosas (1540 - 1650) e a restauração (1650 -1690).

O fato de a cultura científica ter obtido forte impulso mais ou menos na mesma época do advento do capitalismo não foi mera coincidência nem obra do acaso. Para a burguesia, classe que estava passando a ser dominante, fazia-se necessário mudar o modo de pensar para permitir as mudanças no modo de produção e, assim, desenvolver o nascente sistema capitalista.

A partir do século 19, concomitantemente com a consolidação da burguesia e do capitalismo, o conhecimento científico passou a ter um

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desenvolvimento muito significativo e se tornou vertiginoso no século 20. As revoluções industriais são fortes exemplos disso.

As características do conhecimento científico ou da ciência, que estão presentes em quase todos os processos científicos são as seguintes: descritiva, analítica e racionalizadora quanto aos fatos; especializada; clara e precisa; comunicável; verificável; metódica; sistêmica; universal; explicativa; preditiva; não doutrinária; útil.

Todavia, cada vez mais o desenvolvimento das ciências tem se tornado caudatário dos interesses comerciais, econômicos, financeiros, políticos, enfim, de poder. Também tem sido crescentemente posto a serviço das classes e/ou dos Estados dominantes. Os exemplos são incontáveis e as dimensões são incomensuráveis, desde a bomba atômica e a descida do homem na Lua até os transgênicos, a clonagem de seres vivos, o seqüenciamento do DNA. Vai também desde o uso dos genes do escorpião para tornar o tomate imune a pragas até a “fabricação de vírus de proveta” para levar o Homem a viver até bem mais do que 100 anos!

Podemos acrescentar, então, outras características para esse tipo de ciência, algumas que até entram em contradição ou negam as características citadas acima: reducionista, paradigmática, mercantilista, não isenta, não priorizadora dos interesses dos seres humanos em geral. Entre outras mais.

Entretanto, já há muitos indícios de que estamos iniciando uma nova etapa do conhecimento e do desenvolvimento humanos, ou seja, uma fase de transição para a Terceira Cultura, a da Síntese Holística.

Essa etapa de transição constitui ainda um estágio de pesquisa, percepção, compreensão e consolidação, bem como de relativa aceitação de um novo ciclo de desenvolvimento humano. Todavia, como em todos os ciclos, a sua fase de nascimento normalmente é pouco nítida e, por isso, pouco percebida. Até porque o ciclo anterior, ainda vigente, ofusca a visibilidade do ciclo nascente.

A fronteira atual é constituída pela expansão do conhecimento em áreas como a biologia evolucionária, a genética, a bioengenharia, a nanotecnologia, a neurociência, a psicologia moderna, a física moderna, a cosmologia, a informática, a metafísica, a física quântica, entre outras.

De qualquer modo, uma nova filosofia e novas ciências naturais estão nascendo com base em reconcepções da complexidade e da evolução do ser humano. Constituem a origem de um novo conjunto de princípios para tentar novas interpretações e redescrições de nós mesmos, de nossas mentes, donde viemos, para onde vamos, do Universo e de tudo que

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nele e dele conhecemos. Uma das premissas da terceira cultura aponta, necessariamente, para a

demolição de paradigmas que mais entravam do que promovem o desenvolvimento humano. Aponta também para a necessidade de existirem mais e mais demolidores de paradigmas os quais, necessariamente, não precisam ser do porte e do significado dos grandes referenciais da história desse desenvolvimento.

Dentre tantos exemplos desses referenciais, podemos citar a revolução do pensamento, produzida na Grécia antiga; as circunavegações que demonstraram a esfericidade da Terra; a teoria heliocêntrica referente ao sistema solar, de Nicolau Copérnico e Giordano Bruno4, em oposição ao geocentrismo que vinha desde os antigos pensadores gregos; a teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin; as teorias de Marx e Engels; a psicanálise de Freud; a teoria da relatividade geral de Albert Einstein e a teoria quântica de Max Planck e outros, que se contrapõem às leis da mecânica de Newton.

Tanto atuais como futuros novos processos demolidores de paradigmas certamente serão em quantidade infinitamente maior. Podem não ser tão marcantes quanto os exemplos citados, mas o seu efeito, de qualquer modo, deverá ser arrasador para muitas concepções atuais. Não serão referidos apenas às fronteiras da ciência, mas a todos os dogmas e bloqueios que o Homem impôs a si mesmo por conveniência, incompetência ou por tomar caminhos e concepções equivocadas.

Os resultados decorrentes das inovações e das mudanças radicais de rumo na organização do pensamento científico, filosófico e cultural devem ser marcos fundamentais na nova cultura que estamos tentando discutir. Um desses marcos será constituído por uma crescente redução, até a sua extinção total, das faces escuras e obscuras da ciência. Estamos assim denominando a cultura que vem desconsiderando as questões morais e éticas e o respeito aos interesses mais gerais das sociedades humanas, bem como a preservação das demais espécies vivas, do meio ambiente e da vida, enfim, 4 Giordano Bruno (1548-1600) foi monge beneditino até ser excomungado por suas contestações a dogmas da Igreja. Foi queimado vivo, em parte pela ousadia de reafirmar e aprofundar a tese de Copérnico e não se retratar perante a Igreja, mas também por continuar reafirmando outras “heresias”. Galileu Galilei, no entanto, foi mais um copiador dos estudos de Bruno do que um teorizador. Além disso, renegou as suas idéias perante a Igreja para não ter o mesmo destino de Giordano. Entretanto, Galileu tem tido muito mais espaço de referência na nossa cultura reducionista do que Bruno. O que é compreensível, mas lastimável.

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como ela se apresenta sobre o nosso planeta. Em contraposição, assistiremos o concomitante crescimento da face

iluminada e transparente não apenas da ciência, mas de todo o comportamento humano, o que constituirá um contributo fundamental para a transição da segunda para a terceira cultura, esta certamente a cultura do terceiro milênio.

Felizmente, já há muita gente transitando em novas direções, as quais devem confluir no rumo de um novo ciclo civilizacional. Mito – A palavra mito vem do grego mythos, que significava narrativa sobre as origens das coisas. Era, assim, um discurso para uma platéia que acreditava na veracidade do que estava sendo falado. Essa aceitação era devida à autoridade e à confiabilidade do narrador. Naquele tempo, o principal narrador era o poeta-rapsodo, o qual era tido como representante e intérprete dos deuses, ou seja, um iluminado pelo saber divino. Por conseguinte, o mito era incontestável e inquestionável.

Os mitos estão na origem histórica da Filosofia, isto é, na busca das explicações para situações da Natureza ou inerentes aos seres humanos, quer como indivíduos quer como sociedades.

O conceito de razão tem estreita correlação com os mitos. Razão significa uma maneira de organizar a realidade por meio de um pensamento ordenado, com clareza e senso de proporcionalidade. Diz-se que tem origem em ratio (do latim), mas logos (do grego) também tem o mesmo significado.

O conceito de razão teve trajetórias de discussão bastante controversas e foi sofrendo mudanças na medida em que os estudiosos iam colocando suas interpretações ao longo do tempo. Em especial, filósofos como Platão, Pascal, Descartes, Locke, Hegel, Foucault e Kant trataram da idéia com profundidade. Especialmente Kant, com A crítica da razão pura e A crítica da razão prática, sendo que a primeira é a obra tida como mais importante do filósofo.

Em termos de correntes de pensamento sobre o tema, destacam-se o empirismo o inatismo, o kantismo e o hegelianismo, visões que foram se contrapondo e/ou se complementando e indicando, inclusive, algumas correções de rumo.

Essas idas e vindas do entendimento conceptivo, no entanto, serviu para evitar um mal muito comum nas discussões polêmicas, o dogma. Como sabemos desde os tempos dos gregos, dogmatismo significa o estabelecimento de opinião por decreto ou édito, sem discussão e sem permitir contestação. Ou seja, uma atitude totalmente destituída de razão de ser ou uma atitude “irracional”.

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Contudo, mesmo podendo haver diferentes “razões”, dizem os estudiosos que pode ser usado o sentido de realidade, para considerar que a idéia essencial é que o mundo natural, cultural, humano e suas ações tem sentido e que esse sentido pode ser conhecido. Assim, em qualquer época, a razão é capaz de realizar o ideal do conhecimento objetivo. Em outros termos, sempre se pode ser racional.

Além disso, a razão pode também ser um instrumento crítico para percebermos as circunstâncias em que vivemos, assim como para compreendê-las e para mudar aquilo que necessita ser mudado. Por exemplo, ser útil para a desmitificação de falsos mitos.

Os mitos eram baseados em três motivos ou objetivos principais: a) explicação da geração das coisas, como se fora uma relação de “pai e mãe” para com os filhos; b) a rivalidade ou a aliança entre os deuses para a origem das coisas; c) a recompensa ou o castigo dos deuses para as ações dos humanos.

Hoje em dia, o conceito popular de mito foi distorcido para significar algo falso, isto é, falsas verdades ou mentiras que parecem verdades.

Nesse sentido, os mais importantes “falsos poetas-rapsodos” modernos são constituídos por grande parte dos políticos e pela imensa maioria dos responsáveis pelos mecanismos de comunicação de massa, no mundo todo: os “âncoras”, articulistas, comentaristas, redatores, repórteres, etc. da imensa maioria dos principais grandes veículos de comunicação. São agentes poderosíssimos para aplicação dos métodos e processos capitalistas de alienação, dominação e exploração.

No Brasil, a alienação das grandes massas populares já chegou ao cúmulo de aceitar o mito de que “qualquer coisa que não deu na mídia, não existiu”! Acontece que “muita coisa que deu na mídia também não existiu”! Não, pelo menos, da forma como foi informada!

Alienação - O termo alienação, do latim alienus (outro), é hoje aplicado quase indiferenciadamente na definição de fenômenos de várias naturezas, nem sempre correlatas, vigentes no nosso cotidiano: psicológica, mítica, religiosa, social, econômica, política e outras. Todavia, não apenas etimologicamente, mas no seu substrato mais profundo, a alienação significa a criação de alguma coisa que adquire existência em si e por si mesma, porque lhe é dada independência para tal. E, na quase totalidade das vezes, ocorre que o “um” acaba sendo submetido ao “outro”. No popular, “a criatura supera e domina o criador”.

O filósofo Feuerbach, ao estudar o modo como as pessoas tentavam explicar a origem do mundo sob o ponto de vista religioso, denominou alienação a esse proceder. Marx estendeu a investigação para outros tipos de

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alienação (social, econômica, política) e aprofundou algumas análises e conceitos de alienação, que perduram até hoje. Assim, por exemplo, pode-se dizer que a práxis é a ação real sociopolítica e histórica e a alienação é o seu desconhecimento quanto a origens e conseqüências.

Pelo menos nos últimos duzentos anos, esse tema tem sido tratado extensamente por muitos pensadores. Destaquemos e exemplifiquemos, como ilustração, quatro grandes processos de alienação vigentes no âmbito das sociedades ditas “modernas” do sistema capitalista: a alienação social, a econômica, a intelectual e a política.

Em primeiro lugar, as pessoas não se reconhecem como atores principais da cena sociopolítica e aceitam passivamente o que lhe é apresentado ou imposto como natural e lógico. Ou, então, se rebelam de modo individual, simplista, sem conseqüências. Nesses casos, tudo se passa como se a sociedade fosse algo externo, separado do individuo, isto é “o outro”, poderoso e imutável.

Em segundo lugar, aqueles que produzem bens ou serviços não se reconhecem como produtores reais dos resultados do seu trabalho. Isso, em dois sentidos: a) ao venderem a força do seu trabalho, abdicam de sua propriedade em troca de alguma – normalmente pouca – remuneração; b) como só raramente têm acesso ao que produzem, os produtos são algo externo, estranho, alienado de si, um “outro”. Em outras palavras, “aquele que faz não usa”.

Outro processo a destacar é que no trabalho intelectual – independente do grau de complexidade e nível de qualificação profissional necessária –, as pessoas: a) esquecem que as suas condições de assalariamento não significam não-propridade; b) esquecem que são fontes originais das idéias e passam a achar que as idéias se reproduzem por si mesmas; c) passam, enfim, a assumir os princípios e visões das classes econômicas dominantes.

O quarto grande processo alienante é a alienação política. Ela se consubstancia, mais profundamente que as anteriores, em processos ideológicos. Estes, como sabemos, obedecem a visões sociais de mundo que buscam manter o “status quo”, isto é, aquilo que está bom para as classes dominantes. As visões transformadoras pertencem às utopias.

Os principais chavões ideológicos são bem conhecidos: o pobre é pobre porque é preguiçoso; o trabalhador não tem emprego porque não quer se qualificar; as desigualdades sociais, políticas e econômicas tem razões étnicas, ou de cor ou de gênero; somos todos iguais perante a lei (mas alguns são sempre “mais iguais” que outros); o que é privado é bom, o que é púbico não presta e assim por diante.

Assim, a ideologia opera tomando causas por efeitos e vice-versa,

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trabalhando o senso comum e atuando sobre as zonas de conforto das pessoas, isto é, laborando para que o sentido de acomodação ao “status quo” seja predominante.

A mídia tem atuado poderosamente como instrumento brutal da alienação, tal como dizia Guy Debord (A sociedade do espetáculo) que “o espetáculo na sociedade representa concretamente uma fábrica de alienação”.

A supressão de todos os processos alienantes terá de ser um marco civilizatório primordial para uma verdadeira civilização “pós-moderna”.

Senso comum – É um saber informal, muito simples e superficial, obtido de uma forma natural através do nosso contato cotidiano com as pessoas, com as situações e com os objetos que nos cercam. É composto pelos hábitos, costumes, práticas, tradições, regras de conduta que são comuns numa sociedade.

Ele pode variar dentro duma mesma sociedade, de sociedade para sociedade ou, ainda, de um grupo social para outro grupo social. Por que? Porque muitas vezes as pessoas formam o seu próprio senso comum quase sem se dar conta. Do senso comum decorre, então, a formação de uma certa consciência natural coletiva.

Nesse processo, somos imperceptivelmente levados a consolidar um conjunto solidário de certezas, das quais, como é óbvio, achamos ser absurdo duvidar, isto é, se transformam em dogmas O senso comum, no entanto, não é suficiente para compreender a respeito de nós próprios e do mundo em que vivemos.

A distinção entre aparência e realidade é de difícil elaboração devido à nossa própria natureza, isto é, à constituição dos nossos sistemas sensoriais. Essa distinção fica, então, na dependência da diferença que existe entre o conhecimento sensível e o conhecimento racional. E é claro que somente a consciência natural jamais poderá servir de instrumento para realizar a diferenciação entre a aparência e a realidade verdadeira das coisas . Neste contexto, “realidade verdadeira” não significa uma redundância, um pleonasmo. Quando se trata de argumentos ideológicos referentes aos sistemas de poder das elites dominantes, na maior parte das vezes, a realidade exposta não é verdadeira. E, portanto, a aparência não é realidade.

O senso comum facilmente torna natural um conjunto de convenções implícitas ou intrínsecas para as ações humanas, coletivamente dimensionadas. Neste sentido, ele conduz ou induz a uma aceitação e uma passividade inerentes, as quais se tornam mecanismos muito adequados para um fácil acesso da ideologia dominante, através de todos os processos

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de informação de que dispõem os centros de poder político e econômico. São exemplos de características do senso comum: o empirismo, o

subjetivismo, o preconceito, a heterogeneidade, a superficialidade, a individualização (e seu oposto, a generalização), a ilusão, a não crítica, a não sistematização, a transmissão verbal de geração a geração, a crença dogmática, a mistura de ciência e magia.

Os instrumentos para combater o senso comum, enquanto instrumento de dominação e de exploração, devem ser todos aqueles que permitam o discernimento e a consequente instrumentalização da consciência, ou seja, o senso crítico.

São exemplos desses instrumentos: a verdadeira ciência, a razão crítica, o conhecimento da “verdadeira” realidade, a formação com qualidade, a informação isenta de tendenciosidades, dentre outros de mesmo teor e/ou sentido. Dominação e Exploração – A dominação é um dos processos de execução da supremacia de alguém sobre outro alguém. Esse fenômeno se dá tanto no âmbito das relações individuais como das relações coletivas. Nestas, a dominação tem amplitudes muito variáveis, desde os âmbitos familiares e comunais até a abrangência planetária.

Também tem uma história alargada no tempo, porque passou a existir desde o tempo das sociedades primitivas, com o uso de variados instrumentos e mecanismos, desde os mais suaves até os mais coercitivos e cruéis.

Em síntese, o capitalismo de um modo cada vez mais crescente, profundo e amplo, não tem lançado mão apenas das condições intrínsecas do senso comum e da alienação das pessoas e das sociedades. Maciçamente também tem induzido, produzido e reproduzido essas condições com o objetivo de facilitar um processo cruel e permanente, ou seja, a execução de seus processos de dominação e de exploração com vistas ao acúmulo de riqueza, especialmente na forma de capital.

É indispensável e inadiável, portanto, que seja posto em marcha um processo que se contraponha ao modelo atual e que vise a reconstrução das estruturas sociais, políticas e econômicas em decomposição. Aliás, temos a convicção de que esse processo já está em andamento, apenas não se acha visível de modo generalizado, como ocorre com todos os ciclos. Teoria dos ciclos - Sabe-se que, antes que um ciclo se esgote totalmente e ocorra a inversão completa de sua trajetória, os valores e parâmetros do ciclo vigente entram em decréscimo e se inicia a influência do ciclo seguinte. O exemplo clássico é o movimento pendular, um movimento com amplitude

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e força variáveis, cuja representação gráfica e matemática é dada, como sabemos, pelas equações da senóide ou da co-senóide.

Quanto aos ciclos sociais, sabemos que obedecem à seguinte seqüência de etapas indispensáveis para o seu desenvolvimento: 1. Transição do velho para o novo

- início do processo de transformação ou ruptura - morte do velho e gestação do novo - nascimento do novo

2. Infância do ciclo - superação das últimas influências do velho - desabrochar do novo

3. Maturidade do ciclo - plenitude do novo ciclo - primeiras crises

4. Autoquestionamento e ajustes - perda da fantasia da perfeição - autocrítica - tentativas de pequenas correções

5. Envelhecimento do ciclo - envelhecimento lento inicial

- envelhecimento acelerado: desânimo, descrença, medo do futuro, saudosismo.

6. Transição para o “novo” novo - últimas reações - início da gestação do “novo” novo - redução das resistências Em nossa compreensão, o sistema capitalista está na fase 6, ou seja, na fase

final do seu ciclo total de existência. Assim, o ciclo de um novo modelo econômico, político, social e civilizacional está sendo gestado, isto é, o “novo” novo. Entretanto, ele não se acha ainda visível porque se trata de um início de processo cíclico e está ofuscado, para o grande público, pela grande evidência da ação sistêmica do capitalismo.

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2. Trabalho5 Nos dicionários encontramos dezenas de definições para o verbete

trabalho, porque é usado com vários significados e sentidos. Para o sentido que aqui nos interessa, as mais próximas descrições encontradas são: “luta, lida, esforço, labutação” ou “exercício material ou intelectual para fazer ou conseguir alguma coisa” ou, ainda, “aplicação das forças e faculdades do homem à produção”. De qualquer forma, entretanto, não seria crível que pretendêssemos fazer uma discussão política apoiada em conceitos extraídos de dicionários, por mais respeito que tenhamos pelos dicionaristas.

Já na física, trabalho é o resultado da ação de uma força que desloca seu ponto de aplicação a uma determinada distância, isto é, trabalho = força x distância.

Sob aspectos filosóficos e sociológicos, abordagem imprescindível nesta nossa discussão, existem posições e concepções diferenciadas, até divergentes e muito polemizadas.

Hannah Arendt (1906 – 1975), por exemplo, em A condição humana faz uma extensa discussão sobre trabalho e labor, cujos conceitos ao longo da história tem sido às vezes convergentes e às vezes divergentes, conforme as épocas e os pensadores. A análise da socióloga alemã contemporânea retoma a questão desde os filósofos clássicos gregos e destaca que as línguas européias, tanto as antigas quanto as modernas, possuem duas palavras para significar o que é hoje, majoritária e equivocadamente, entendido como sinônimos de trabalho. No grego (ponein e ergazesthai), no latim (laborare e facere ou fabricare), no francês (travailler e ouvrier), no alemão (arbeiten e werken), no inglês (labour e work), as equivalentes a labor tem conotação de dor, sofrimento, fadiga enquanto que as outras tem o sentido de atividade, ocupação, ofício.

Nas línguas latinas, de mesma origem que o português, a palavra trabalho e equivalentes, são tidas como derivadas de ‘tripalium’, denominação usada para um aparelho dotado de três estacas cuja operação torturava o operador.

Já Robert Kurz em Os últimos combates afirma que o capitalismo começa a libertar o homem do trabalho. Vale a pena citar algumas passagens do texto referenciado, para incitar o debate. Diz Kurz:6

5 Este tema está mais desenvolvido no nosso livro “E se o capitalismo acabasse?”

6 Pags.271-277. O capítulo referido, “Desfecho do masoquismo histórico”’, foi publicado também como artigo no caderno Mais! da Folha de São Paulo, de 20/07/97.

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“De um lado, ele [o trabalho] representa uma categoria filosófica, econômica e sociológica; de outro, ele é utilizado também com constância desconcertante no cotidiano de todos os homens. (...) Palavra alguma é, à primeira vista, mais cristalina e, à segunda vista, mais turva que esta”. Até aqui, estamos de acordo. Outra passagem: “Na verdade, o trabalho foi desde sempre um ideal burguês e

capitalista, muito antes que o socialismo descobrisse para si este conceito“. Para provar esse ponto, Kurz se apoia em um grande rol de interpretações que foram dadas ao trabalho, ao longo da história. Ao final, conclui:

“Não restará ao homem senão inverter o resultado do capitalismo e libertar-se do trabalho. Este fim histórico do sofrimento não seria o fim da atividade humana em sua troca com a natureza, mas somente o da menoridade irrefletida. Por mais que os servos voluntários queiram incondicionalmente preservar a forma de sofrimento, esgotou-se o tempo do masoquismo histórico”. De todos os tortuosos e polêmicos caminhos que seguiram, ao longo da

história, alguns conceitos para o que hoje é entendido como trabalho, decorreram alguns sentidos distorcidos e incorretos. Um deles é o que afirma tratar-se de uma atividade de sacrifício e de sofrimento e não uma das mais nobres formas de realização do ser humano. Mas será sempre necessário explicitar de qual tipo de trabalho se está falando.

A nosso juízo, o sofrimento e o masoquismo histórico a que Kurz se refere, não diz respeito ao trabalho no seu sentido mais amplo, mas sim à exploração, por parte do capital, da força de trabalho e do trabalho abstrato e fetichizado, conforme conceitos desenvolvidos por Marx.

Na época dos chamados economistas clássicos, liderados por Adam Smith (1723-1790) e, neste assunto, por David Ricardo (1772-1823), passando pelos neoclásicos e pelos socialistas utópicos, já havia uma contradição conceitual no princípio que estabelecia que todo valor agregado no processo produtivo era oriundo do trabalho. Em outras palavras, o trabalho era considerado o único fator de produção que agregava valor às mercadorias produzidas e transacionadas no mercado. Ora, isso introduziu uma incoerência na teoria capitalista dado que uma parte desse valor agregado não remunerava o trabalho. Ia - e continua indo - para o bolso do capitalista, como lucro.

Assim, desde Smith e Ricardo que os economistas vem tratando da teoria do valor do trabalho. Ricardo já dizia que o valor de uma mercadoria dependia exclusivamente da quantidade de trabalho que foi usada na sua elaboração, inclusive do trabalho acumulado despendido na produção de todos os insumos. Ele chegou a admitir a sua frustração por não ter podido determinar, de modo claro, o valor do trabalho e desejou que essa busca

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fosse assumida por outro pensador mais capaz, segundo suas próprias palavras.

Mais capazes ou não, alguns estudiosos depois de Ricardo, quer os participantes da chamada “esquerda ricardiana”, quer os socialistas utópicos (conforme denominação dada por Marx) tentaram aprofundar as teorias sobre o valor do trabalho. Mas foi Marx que conseguiu tratar com mais clareza as dificuldades e contradições dessas teorias porque ele não via o trabalho do ponto de vista do capitalismo, mas sim de um novo sistema baseado em uma sociedade sem classes.

Assim, Marx dirimiu magistralmente a contradição que persistia desde os economistas clássicos, estabelecendo os conceitos de trabalho vivo e trabalho morto, de trabalho concreto e trabalho abstrato, de força de trabalho, de valor-de-uso e valor-de-troca e de mais-valia, entre outros. Esses conceitos atravessaram os tempos e permanecem cada vez mais válidos na lógica capitalista dos dias atuais.

Ricardo Antunes7 cita um trecho de “O Capital” que é esclarecedor do pensamento básico de Marx sobre o trabalho: “Todo o trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o valor [leia-se valor-de-troca] das mercadorias. Todo o trabalho, por outro lado, é dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz valores-de-uso”.

Nessa concepção de Marx, aprofundada por outros pensadores (Lukács, Habermas, Mészáros, por exemplo), conforme também é destacado por Antunes, aparece uma diferenciação entre trabalho concreto e trabalho abstrato, caracterizando duas dimensões para o conceito de trabalho. A dimensão concreta corresponde ao caráter útil e social do trabalho, isto é, que cria valores socialmente úteis e expressa uma atividade genérico-social que transcende à vida cotidiana. A dimensão abstrata corresponde à realização da atividade cotidiana, ao dispêndio de força humana produtiva, física ou intelectual, que cria valores de troca e a mais-valia nos processos produtivos.

A participação, cada vez menor e mais alienada, do indivíduo na realização do trabalho produtivo, em decorrência do desenvolvimento tecnológico e dos metodos de produção e de gerenciamento de processos

7 Ricardo Ricardo – “Adeus ao trabalho? - Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho”

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produtivos, a que Marx chamou de trabalho extranhado ou fetichizado (“quem faz geralmente não usa”), tem transformado o trabalho tão somente em uma forma de sobrevivência, um meio de vida e não uma realização pessoal, psicologicamente satisfatória e dignificante, como era até o predomínio do capitalismo.

Ao longo da história, pensadores têm dissecado profundamente este tema destacando que o trabalho concreto (aquele que produz valores-de-uso e que decorre da inter-relação biunívoca entre o homem e a natureza), é central e permanente, porque é parte integrante da essencialidade do homem. Não pode, portanto, estar acabando como alguns autores andam argumentando por aí, de modo apressado, superficial e equivocado, como é o caso de Jeremy Rifkin. Ou de modo confuso como ocorre às vezes com alguns textos de intelectuais respeitáveis como Robert Kurz e André Gorz.

O que realmente ocorre é que o modo de produção e de acumulação capitalista sempre tem priorizado, em seu próprio e exclusivo benefício, a dimensão abstrata, fetichista, extranhada do trabalho, que conduz aos valores-de-troca, isto é, aos valores monetários de mercado. Esta dimensão do trabalho, sim, pode e deve acabar.

Assim, o conceito de força-de-trabalho e sua profunda diferenciação em relação ao conceito de trabalho estão implícitas nessa discussão. Na medida em que a apropriação capitalista faz com que a força humana de trabalho seja transformada em mercadoria, o que é transacionado com o capital é a força-de-trabalho.

Em suma, o trabalho, na sua essência biunivocamente transformadora (Homem/Natureza, Natureza/Homem), dignifica o ser humano. O uso da sua força-de-trabalho como mercadoria transacionável sob os interesses que visam apenas a acumulação capitalista, o avilta.

3. Emprego e salário Emprego é a ocupação, por um indivíduo, de um posto de trabalho

dentro de uma organização, mediante um contrato, escrito ou verbal, que estabelece o valor da sua força de trabalho individual e as formas de regulação das relações entre a organização (contratante) e o indivíduo (contratado). Esse contrato permite ao empregador dispor da força de trabalho do empregado e, em troca, lhe paga um salário.

Salário é, portanto, a remuneração do indivíduo empregado que aloca sua força de trabalho por um determinado valor monetário.

Emprego e salário são dois institutos genialmente criados pelo capitalismo com a finalidade de obter algumas facilidades e vantagens na

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relação capital x trabalho, uma relação essencialmente exploradora e acumuladora de capital para o capitalista.

Com o contrato de emprego o capitalista garante a disponibilidade e a continuidade do uso da força de trabalho sob seu inteiro poder e exclusiva vontade. Os trabalhadores, por seu lado, trataram de se organizar para obter também alguma vantagem dessa disponibilidade e continuidade e, em algumas situações, até conseguiram.

O salário por unidade de tempo e não de produção, simplificou a forma de remuneração do uso da força de trabalho. Essa remuneração sob a forma de salário ‘pro-tempore’ também consolidou o mecanismo de pagamento do trabalho utilizado para a produção de bens ou serviços, de forma antecipada em relação à época da venda dos respectivos produtos, ou seja, da sua transformação em valores-de-troca.

Isso, por sua vez, consolidou o princípio da necessidade do capital de giro e do famigerado risco do negócio, para cujas salvaguardas o capital tratou de aumentar o mais possível a mais-valia e, em decorrência, o lucro.

Esses mecanismos passaram a ter maior ênfase com a chamada primeira Revolução Industrial, ganharam mais força ainda na segunda Revolução e agora, na terceira, adquiriram poder destrutivo, especialmente em relação à classe-que-vive-do-trabalho.

Com o avanço do capitalismo, apoiado no desenvolvimento econômico havido a partir do século 19, as garantias e facilidades, buscadas e obtidas pelo empregador, acabaram tendo reflexos positivos também para o empregado, quanto à continuidade do trabalho e à melhoria da remuneração. As garantias de emprego e melhorias salariais para o trabalhador passaram a ser conquistas acordadas em instrumentos de contrato coletivo ou acordo coletivo de trabalho, ao longo da história do movimento sindical que foi se firmando a partir de então. Não foram conquistas pacíficas mas foram, de certa forma, facilitadas pelo crescimento econômico havido no século 19 e até a sétima década do século 20.

Ao final do século 20, entretanto, esse tipo de tranqüilidade desapareceu sob o manto negro do desemprego crescente e estrutural, que se espalhou pelo mundo, inclusive nos países desenvolvidos.

Vários fatores estão hoje desestabilizando e precarizando o instituto do emprego. Por exemplo:

1 - mudanças profundas havidas nos processos produtivos, em decorrência do desenvolvimento da tecnologia e dos métodos de gerenciamento de processos, com os conseqüentes e crescentes ganhos de produtividade de cujos resultados o capital tem se apropriado, quase exclusivamente.

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2 - crescente flexibilização ou supressão de todo e qualquer entrave à mobilidade do capital e do mercado através do mundo, na busca de condições de maiores ganhos com menores riscos, tais como: níveis salariais mais baixos, movimentos sindicais mais débeis, mercados mais favoráveis, governos mais frágeis e concessivos, prioridades de mercado para as elites, entre outras.

3 - crescente financeirização do capital, com quantitativos especulativos cada vez mais desproporcionalmente maiores do que os investimentos nos processos produtivos. A produção de mercadorias, que tinha sido o sustentáculo da acumulação capitalista por longo tempo, hoje é prioridade de segunda linha para o capital. Assim, os institutos do emprego e do salário já estão perdendo a

importância que tinham no passado como mecanismos garantidores e facilitadores da acumulação capitalista. Por isso, podem ser destruídos sem problemas visíveis para o capital, segundo o pensamento dos atuais mentores do capitalismo cada vez mais excludente. Os problemas advindos para os ex-empregados e os ex-assalariados e para todos aqueles que tentam chegar ao “mercado” de trabalho não são problemas que preocupam o capital. São problemas pertencentes a cada infeliz criatura que passa a essa condição. Em último caso, sob o ponto de vista capitalista, o problema pode ser transferido para o Estado, desde que exista algum mecanismo público que proteja, com dignidade, os desempregados. O Brasil atual, como sabemos, não está nesta condição.

Como se vê, uma dificuldade que tem atravessado toda a história do capitalismo é o estabelecimento do valor do trabalho, dificuldade essa que o sistema tem resolvido a seu modo e no exclusivo interesse do capital.

Qual seria, entretanto, o modelo de valoração do trabalho em um sistema de democracia real, sem exploração do homem pelo homem e sem classes, ou seja, um sistema socialista ou derivado dele?

O cientista alemão Arno Peters, ao formular a sua tese sobre “O princípio de Equivalência como base da Economia Global” combina a teoria sobre o valor do trabalho com o princípio da equivalência e defende que o seu valor deve ser determinado exclusivamente em função do tempo trabalhado, independentemente do tipo de trabalho e das qualificações necessárias para realizá-lo. E garante que:

“Desta forma, fecha-se o circuito da economia de valores no lugar de preços. Acabou-se a exploração dos homens por seu próximo (apropriação dos produtos do trabalho de outros que ultrapassam o valor do trabalho próprio). Cada ser humano recebe o valor completo que ele agregou aos bens ou aos serviços”.

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Estaria perfeito se fosse realmente assim. Ele afirma que o processo é simples, mas reconhece a necessidade de alguns condicionantes e a superação de algumas dificuldades, tais como as atividades humanas que transcendem o auto-abastecimento, em especial aquelas classificadas como serviços e como comércio.

4. Sindicalismo - um pouco de História8

Em decorrência da Primeira Revolução Industrial o crescimento do uso de máquinas deixou sem emprego um número crescente de operários, que sentiram cada vez mais a necessidade de se organizarem. É nesse contexto e no bojo dos ventos democratizantes (verdadeiros ou não - há interpretações controversas) da Revolução Francesa, que surgem os sindicatos, para propiciar a passagem da fase da dispersão e da impotência dos operários para a fase dos rudimentos da união de classe. Já na década de 1820, na Inglaterra, essa organização se constituía principalmente nas trade-unions, as quais tinham o objetivo de fortalecer os operários na luta contra a exploração por parte do capital.

Diz Ricardo Antunes no livreto O que é sindicalismo?: “Destaque especial nessa luta das trade-unions inglesas deve ser dado a Robert Owen, industrial que se tornou posteriormente um dos precursores do sindicalismo utópico inglês. Diz Engels em seu ensaio ‘Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico’ que, enquanto se limitou ao papel filantrópico e assistencialista, Owen recolheu riqueza, aplausos, honra e fama, não só entre os homens de sua classe burguesa, mas também entre os governantes e o Estado. Contudo, a partir do momento em que formulou suas teorias socialistas, foi banido e perseguido pelos capitalistas e pelo Estado, além de ser ignorado completamente pela imprensa. (...) O que Owen não conseguiu perceber - e por isso foi um socialista utópico - é que a transformação da sociedade capitalista não seria pacífica e através de reformas, mas sim a partir de luta violenta entre as classes, como mostraram Marx e Engls no célebre Manifesto Comunista de 1848.” Na Inglaterra, onde o processo de industrialização foi mais intenso, em

1824 foi votada pelo Parlamento uma lei que garantia aos trabalhadores o direito de associação, que até então era prerrogativa apenas das classes dominantes.

Na França, dos 2.000 artigos do Código Napoleônico do século 19 apenas 7 (menos de 0,5 %), tratavam do trabalho. Nada menos que 800 artigos regulamentavam a propriedade privada. Nas disputas judiciais prevalecia o 8Este tema também se encontra mais desenvolvido no livro “E se o capitalismo acabasse”

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depoimento do dono da fábrica! Nas primeiras décadas do século 19, mesmo com o crescimento da

produção do algodão, do ferro e do carvão, os principais responsáveis pela produção da riqueza, isto é, os trabalhadores, dela não partilhavam, apesar das desumanas jornadas de trabalho de 14 a 16 horas por dia. Entretanto, na segunda metade do século, com o desenvolvimento das atividades industriais, especialmente na Europa e nos EUA, o sindicalismo evoluiu dentro de variadas concepções: anarquista, reformista, cristã, corporativista, comunista.

Assim, desde que o homem passou a trabalhar e produzir dentro de alguma forma de organização surgiu uma permanente dicotomia entre empregados e empregadores, isto é, manifestaram-se as diferenças naturais de interesses entre trabalhadores e patrões.

As tentativas de diálogo franco raramemte foram tomadas por iniciativa dos detentores do poder do capital, ou seja, o setor patronal. Os detentores da força de trabalho, os empregados, é que se organizam para tentar obter melhores condições de vida, produção e trabalho nas suas relações com os empregadores. Essa organização se deu dentro dos sindicatos. E muitas tem sido as conquistas, tais como: redução da jornada de trabalho de 14 para 12, para 10 e para 8 horas diárias, descanso remunerado, férias, 13º salário, carteira de trabalho, aposentadoria e muitas outras.

O sindicalismo é, pois, um fenômeno tipicamente relacionado com o surgimento da classe dos trabalhadores assalariados e, portanto, com o aparecimento do capitalismo industrial, especialmente a partir da Segunda Revolução Industrial ao final do século 18. Assim, a organização sindical evoluiu com o crescimento do capitalismo e o desenvolvimento dos sistemas produtivos. E essa história de lutas teve muitos marcos positivos e outros tantos negativos.

Em 8 de março de 1857, por exemplo, as operárias da fábrica Cotton, na Califórnia, EUA, organizaram uma greve reivindicando a redução da jornada diária de trabalho de 16 para 10 horas por dia. Seus patrões resolveram silenciá-la de vez: atearam fogo na fábrica e 124 trabalhadoras morreram carbonizadas. Em homenagem àquelas mártires., o dia 8 de março foi escolhido como o Dia Internacional da Mulher.

No dia primeiro de maio de 1886, houve em Chicago uma greve de trabalhadores, cuja reivindicação era a jornada de 8 horas por dia. O movimento, embora ordeiro, foi violentamente reprimido, culminando com os policiais atirando nos operários. Morreram 6 trabalhadores, 50 ficaram feridos e centenas foram presos.

No dia seguinte, numa nova reunião ordeira até então, explode uma

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bomba e o tumulto se estabelece. Os policiais abrem fogo, matando indiscriminadamente homens, mulheres e crianças. Um verdadeiro banho de sangue cuja estatística jamais foi apurada. Os líderes do movimento foram presos, julgados e condenados. As autoridades falsificaram testemunhos e os sindicalistas foram condenados a 15 anos de reclusão, ou à prisão perpétua, ou ainda, à morte.

Sete anos depois, a farsa foi desvendada e, em parte, reparada graças ao jurista Peter Atlgeld que levantou os erros do processo e desmascarou o embuste. O Governo do Estado de Illinois reconheceu a iniquidade do processo, anulou as sentenças, liberou os sobreviventes e acusou de infâmia o juiz, os jurados e as testemunhas. As vidas, entretanto, já tinham sido suprimidas, na esteira da intolerância e da prepotência.

Em memória e homenagem a esses novos mártires se comemora até hoje o 1º de maio como o Dia Internacional do Trabalho.

Todos os relatos históricos destacam que, desde o seu surgimento, o sindicalismo vem passando por um contínuo processo de reorganização de lutas, sempre na tentativa de acompanhar - sem conseguir - as vertiginosas mudanças tecnológicas nos sistemas produtivos e até nos setores de serviços, especialmente no chamado mundo capitalista. Para simplificar, vamos tentar examinar apenas a fase atual, que é o que mais interessa.

5. Organização sindical Na Europa, o movimento sindical está caracterizado em duas vertentes,

sob o ponto de vista da organização sindical: a) os operários, ou seja, os trabalhadores dos setores produtivos, propriamente ditos e b) os empregados, estes entendidos como os trabalhadores nos setores de serviços, no comércio, nos bancos, os profissionais ditos liberais - engenheiros, inclusive - e também os participantes de quadros de supervisão e chefia.

Na Europa o sindicalismo é mais ideologizado que no Brasil e a organização sindical distingue os sindicatos de operários (setores de produção) dos sindicatos de outros assalariados, chamados sindicatos de empregados (setores de serviços).

No Brasil, o movimento sindical dos chamados setores profissionais tem grande relevância. Vide a seguir um quadro com os principais ramos e profissões.

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R A M O S SETORES PROFISSION. Metal Quim Petrol C.Civil Agricul Bancar Saúde S.Pub Profes Urban Autôn Engenheiros x x x x x x x x x Arquitetos x x x Economistas x x x x x x x x x Médicos x x x Psicólogos x x x x A.Sociais x x x x Advogados x x x Contadores x x x T.Industriais x x x x x T.Agrícolas x Desenhistas x x x x x x x Secretárias x x Majoritários x x x x x x x x x x O quadro acima explicita, de modo simplificado, a integração dos

sindicatos de profissionais na estrutura vigente, dentro do modelo sindical brasileiro.

A estrutura sindical estabelecida em decorrência do modelo institucional montado no Brasil a partir do governo Getúlio Vargas, permitiu a proliferação dos sindicatos de categorias ditas “diferenciadas” como, por exemplo, os profissionais de nível superior e alguns de nível médio (técnicos industriais, técnicos agrícolas, desenhistas, secretárias, etc.).

6. Organização dos Engenheiros Enquanto categoria, os engenheiros se organizam em tres tipo de

instituição: Sistema CONFEA/CREAs, que possui prerrogativas delegadas

pelo poder público para a fiscalização do exercício da profissão e defesa dos serviços de engenharia.

Associaçðes de profissionais, com finalidades técnicas e culturais, desportivas e corporativas.

Sindicatos, que tratam das relações de trabalho. A filiação - e também a desfiliação - às associaçðes de profissionais e aos

sindicatos são atos livres e voluntários, podendo-se estar associado a mais de uma dessas organizações.

Pagar a Contribuição Sindical, também chamada "Imposto Sindical", não

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significa sindicalizar-se. Por ser um tributo federal, a Contribuição Sindical é obrigatória e os

trabalhadores em geral, a cada ano, são descontados em um dia de salário no mês de março a esse título. Os profissionais ditos "liberais" tem a prerrogativa de pagarem o equivalente a 30% do MVR, com o que deixam de ser descontados em um dia de salário. Tendo sido extinto o MVR, no Governo Collor, o Senge-PR e os demais senges filiados à FISENGE têm definido os valores da Contribuição Sindical com base no Salário Mínimo Profissional (Piso)o que significa uma importância realmente bem menor do que aquela que seria descontada com base no salário de cada representado.

Alguns sindicatos, em decorrência de posicionamento político, devolvem aos associados os valores da CS. O Senge-PR, por exemplo, adota o critério de pagar as contribuições dos associados em dia com a tesouraria.

Na organização da sociedade brasileira os sindicatos tem obtido importância crescente, relevante e inegável. Isso se deve a vários fatores, dentre os quais destacam-se as crises econômicas e sociais que tem abalado o país.

Os sindicatos são formas de organização da sociedade, com funções e peculiaridades específicas. As funções básicas são a defesa dos representados nas questões de relação de trabalho e a participação política de amplo sentido, como formas que são de organização da sociedade.

Os sindicatos ditos diferenciados, como são os sindicatos de profissionais “liberais”, entretanto, cumprem também funções adicionais tais como a participação nas questões específicas das suas respectivas profissões (economia, jurídica, médicas, de engenharia, etc.)

A partir do início dos anos 80, acompanhando o surgimento de um sindicalismo mais combativo no Brasil, começou também uma renovação nos sindicatos de engenheiros. Com a fundação da CUT em 83, alguns desses sindicatos, identificados com as diretrizes políticas e sindicais da Central, a ela se filiaram. Outros, mesmo sem se filiarem, tinham concepções e práticas sindicais afinadas com a CUT.

Por conta dessa nova visão aprofundaram-se as diferenças de concepção quanto à ação sindical dos engenheiros, quanto às três que sobressaíam, na época:

• A “radical”,que pregava o fim dos sindicatos de engenheiros e a sua integração nas categorias majoritárias. Esta visão percebe a categoria dos engenheiros composta por uma pequena parcela mais consciente (vanguarda) ou com potencialidade para tal, e a maioria restante como sendo constituída pela massa atrasada, irrecuperável, que tende a permanecer com as posições dos patrões ou das direções das instituições

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públicas. Dessa concepção estreita infere-se que os Senges devem trabalhar mais com a "vanguarda em potencial" e não com o conjunto dos assalariados. Nessa concepção, os Senges não devem defender os engenheiros, como categoria, porque isso seria corporativismo. Devem ser entidades de vanguarda (quase como se fossem "aparelhos") voltados essencialmente para a preparação de quadros para a atuação partidária. A tendência dessas posições é irem se estreitando e vendo diminuir sua representatividade junto à categoria. Acabam por perder o controle da entidade para grupos que representam correntes mais conservadoras.

• A “cartorial”, que seguia apenas o modelo institucional vigente na legislação, preferindo as ações de dissídio coletivo no Tribunal do Trabalho às lutas de mobilização e confrontação com o patronato. Em outras palavras, significava algo integrado ou muito próximo do “peleguismo” e da instrumentação do sindicato para grupos de interesses políticos ou econômicos. Esta visão insiste na concepção puramente corporativista, sem perceber que os engenheiros assalariados também são trabalhadores, tão explorados quanto os demais, e que por isso os seus interesses econômicos estão ligados aos do conjunto das classes trabalhadoras. Tendem, então, a atuar isoladamente em relação aos demais sindicatos, privilegiam convenções a acordos coletivos, ações judiciais (disssídios) à mobilização, isto é, seguem a "lei do menor esforço". Esta é uma visão que tende a ser atropelada pelos fatos, em especial neste momento, com o aprofundamento da crise, do arrocho salarial e o consequente empobrecimento dos engenheiros.

• A “pragmática”, que entendia que os Senges tinham um papel especial como espaço de organização dos engenheiros, pelo menos até que a maioria deixasse de se sentir diferenciada por força de uma cultura de classe média e de uma organização sindical modelada por essa legislação que reflete tal cultura. Esta concepção - mais adequada à nossa realidade - é aquela que entende que a categoria dos engenheiros possui um papel fundamental na sociedade e que o reconhecimento disso é um passo necessário para se compreender a importância dos Senges para a sociedade em geral e a classe trabalhadora em particular. A primeira assertiva fundamenta-se nos seguintes pontos: a) é uma categoria relativamente numerosa e homogênea; b) é detentora de um grau de instrução elevado e abrangente; c) exerce, principalmente, funções na produção de bens e serviços e de gerenciamento. Isso tudo lhe assegura uma posição privilegiada do ponto de vista social e político mas, por isso mesmo, lhe atribui grandes parcelas de responsabilidade. Não se trata aqui de uma visão corporativista mas da necessidade de trabalhar essa realidade, promovendo a agregação da categoria, elevando seu nível de consciência

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social e direcionando seus posicionamentos e ações em favor da maioria da população, que é constituída pelas classes de menor nível social. Na década de 1980 travou-se uma disputa de espaço no interior da FNE

por conta dessas concepções. Os sindicatos com visões cutistas foram se organizando com independência através de encontros próprios, os Engecuts. A esses somaram-se, no final dos anos 1980, outros Senges sem espaço na FNE. Em 1988, por ocasião do V Ense, essas diferenças se fortaleceram e se explicitaram mais profundamente.

A partir desta nova aglutinação e diante da crescente impossibilidade de convivência com as visões sindicais e as práticas políticas dominantes na hegemonia da FNE, essa divergência atingiu o ponto máximo de suportabilidade no VI Ense, em novembro de 1990, em Brasília. Ali se cristalizou a impossibilidade da convivência e ocorreu o inevitável rompimento. Em março/91, no I CONSENGE, em Belo Horizonte, os sindicatos dissidentes criaram uma entidade própria, a Coordenação Nacional dos Sindicatos de Engenheiros - Consenge. Em 1993, no II CONSENGE, no Rio de Janeiro, foi criada a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros - Fisenge.

Dentre as entidades que congregam os engenheiros, os Sindicatos são detentores de condições especiais por exercerem as funções de defesa dos direitos e interesses materiais da categoria, em torno dos quais se move a massa de cidadãos, num primeiro momento.

Esse fato assegura a estas instituições condições excepcionais de representatividade e, portanto, de capacidade de influenciar e encaminhar o conjunto da categoria no sentido do cumprimento de seus deveres e responsabilidades sociais já mencionados.

Dentro do movimento sindical, os Senges tem espaços já ocupados e outros por ocupar, bem como um papel significativamente importante.

É preciso ter-se clareza, porém, de que isso não pode ser feito de maneira isolada e corporativa e que, a médio ou longo prazos, a ação da organização sindical dos engenheiros e de outras categorias, ditas diferenciadas se diluirá no âmbito das categorias majoritárias.

A integração da categoria dos engenheiros com as demais categorias deve ser sempre buscada, de um modo geral, mesmo enfrentando dificuldades naturais nas articulações.

Importante função e tarefa dos Senges: incrementar gradativamente mas tão depressa quanto possível, o crescimento do grau de consciência política quanto a participação e a contribuição dos engenheiros para as lutas dos assalariados.

Três perspectivas principais se apresentam para a ação sindical.

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A primeira é a trajetória que poderíamos denominar de “feijão-com-arroz”. Nesta perspectiva os sindicatos desenvolvem apenas ações cumpridoras de suas prerrogativas institucionais, isto é, as negociações salariais, a defesa do emprego dos trabalhadores que estão, ainda, empregados, entre outras. No Brasil neoliberal, o espaço institucional também está se reduzindo ferozmente.

A segunda, é a do “feijão-com-arroz” acrescida da “ação quebra-galho”. Nesta linha, os sindicatos tratam também de buscar alternativas de atuação com vistas à melhoria das condições de disputa pelo emprego e/ou trabalho para seus representados. É o caso, por exemplo, da promoção de cursos de requalificação ou especialização dos trabalhadores, a bolsa de emprego e outras facilitações para a disputa do espaço no “mercado” de trabalho.

Neste rumo, alguns perigos são visíveis, tais como o sindicato fazer o jogo dos interesses do capital e/ou do Estado a serviço do capital. Outro risco é o sindicato vir a atuar como uma ONG, em nada diferenciado de tantas que existem por ai, algumas sérias e outras nem tanto. Neste caso, o sindicato deixa de ser sindicato. Essas são situações, como é fácil constatar, que constituem verdadeiros planos inclinados escorregadios, os quais levam a ação sindical na direção de linha auxiliar do empregador, seja ele o empresário ou o Estado, em todas as suas instâncias.

A terceira trajetória combina o “feijão-com-arroz” com a ação política mais ampla e profunda na direção de um projeto que vise a transformação da conjuntura e a eliminação das dificuldades estruturais.

Neste caso, o sindicato necessita ter uma visão clarificada do contexto, das dimensões e da profundidade da realidade em que está inserido. É nítido o esgotamento do projeto desenvolvimentista brasileiro do período 1930 - 1980 bem como é absoluta a ausência de um novo projeto nacional. Fica também realçada a subserviência dos governos aos princípios e diretrizes emanadas dos centros do poder econômico, financeiro, político e militar dos países centrais.

O agravamento da situação tem continuado com as crises financeiras, a desestruturação de políticas industriais, de ciência e de tecnologia, a entrega das estatais e dos recursos naturais, a precarização do trabalho, a expansão do desemprego conjuntural e estrutural e a fragilização das organizações sindicais.

Por isso, nossos sindicatos necessitam ter clareza quanto ao seu papel, suas possibilidades e espaços de atuação e que tipo de ação deve ser desenvolvida. Devem conhecer quais são e onde se encontram os atores do processo de

TRABALHO E SINDICALISMO NO CAPITALISMO

Versão: 08/02/10 – página 30

transformação – tanto os contra como os a favor –, os seus respectivos papéis bem como saber de que modo deve se relacionar com eles.

Constada essa realidade é fácil a decisão no sentido de um compromisso inarredável com a eliminação da lógica que torna possível e pereniza a existência dos contrastes e das excludências sociais e econômicas. Dessa forma, é possível definir o papel dos sindicatos nesse contexto.

NOTA IMPORTANTE – Não foram abordadas aqui questões e situações novas, da atualidade do mundo do trabalho, especialmente as decorrentes dos processos de crise do capitalismo, ocorridas nos últimos tempos e nos dias de hoje.. Essa abordagem deve estar sendo feita, com mais propriedade e competência, pelas personalidades nacionais e internacionais que participarão do Seminário Internacional que está sendo organizado para ocorrer em Belo Horizonte, brevemente.