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1 SINDICALISMO NO SUL DE MATO GROSSO : 1920/1980 ERONILDO BARBOSA

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SINDICALISMO NO SUL DE MATO GROSSO : 1920/1980 ERONILDO BARBOSA

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1 Edição. Editora Capa Fotografia Supervisão editorial Revisão Impressão Ficha catalografica Silva, EronildoBarbosa; Lima, Evanize Barro; Sampaio, Helio. Sindicalismo no Sul de Mato Grosso. Campo Grande. 2005.p.; cm Campo Grande,Mato Grosso do Sul,maio de 2005

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SUMÁRIO NOTA INTRODUTORIA 1) FORMAÇÃO DO MOVIMENTO SINDICAL NO SUL DE MATO GROSSO NO PERÍODO DE 1920/1980. ( Eronildo Barbosa da Silva) 1.1) As origens do trabalhador de Mato Grosso do Sul 1.2). Formação do sindicalismo no Sul de Mato Grosso 1.3) Campo Grande conquista a hegemonia sindical 1.4) Redemocratização e sindicalismo 1.5) Sindicalismo na década de 1950 1.6) O golpe militar de 1964 em Campo Grande 1.7) O movimento sindical no pós 1964 1.8) Notas finais 2) EZEQUIEL FERREIRA E O SINDICALISMO ( Evanize de Barros de lima)

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DEDICAÇÃO: Dedicamos esse trabalho a todas as lideranças sindicais de Mato Grosso do Sul que, em cada momento histórico, com o grau de consciência que tinham, ajudaram a construir o movimento sindical dos dias de hoje.

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APRESENTAÇÃO

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INTRODUÇÃO A questão sindical em Mato Grosso do Sul tem merecido alguns trabalhos por parte de pesquisadores que querem conhecer como os trabalhadores se organizaram ao longo de muitas décadas. É nosso objetivo com esse trabalho somar-se a este esforço e colaborar para que as novas gerações tenham informações sistematizadas sobre os caminhos que os negros, os índios e o homem livre palmilhou nesse Estado, ou seja, quais os mecanismos políticos e culturais que eles construíram para dialogar com os patrões. A escolha desse tema está ligada a ação política e profissional que os autores desenvolvem há vários anos no Estado. Todos atuam junto aos movimentos populares. Ademais, a Secretaria de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul, patrocinadora desse trabalho, demonstrou interesse em pesquisar a memória dos trabalhadores de MS.Assim, fundiu-se, positivamente, a necessidade do Estado com o interesse intelectual dos autores. As primeiras organizações sindicais foram criadas na Europa, no inicio do século XIX, como forma de combater a exploração que homens, mulheres e crianças eram submetidos, notadamente na Inglaterra, país que estava mais adiantado na construção do modo de produção capitalista, pois, liderou a revolução industrial realizada no final do século XVIII. Inicialmente, por força da repressão, das famosas leis sanguinárias da Inglaterra, o trabalhador e a trabalhadora foram obrigados a criar suas entidades de defesa e representação com muita discrição, na clandestinidade, travestidas, inclusive, de entidade de ajuda mutua. Com o tempo, como diz Leo Hubermam, quando os trabalhadores começaram a sentir como classe, como um todo, começa a perceber que, embora fracos como indivíduos, formam um poder quando unidos1. Nessa fase começa a surgir os sindicatos modernos, de classe, voltados para a defesa econômica e política da sua categoria. Os trabalhadores perceberam que não bastava quebrar as máquinas ou agir isoladamente para conquistar suas reivindicações. Que o problema era coletivo e, portanto, precisava de ações coletivas para resolver. O sindicato nasceu para defender o interesse econômico da categoria.Ele é produto direto do modo de produção capitalista e foi criado com a missão de mediar os conflitos entre o capital e o trabalho. Karl Marx, falando sobre o papel imediato e econômico dos sindicatos, disse que “ os sindicatos tem por fim impedir que o nível dos salários desça abaixo da soma paga tradicionalmente nos diversos ramos 1 Hubermam, Leo. História da Riqueza do Homem Rio de janeiro. Zahar Editores . 1990. p.203

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da industria e que o preço da força de trabalho caia abaixo do seu valor”2. Essa é a missão especifica do sindicato. Porém, mesmo que o sindicato tenha como objetivo geral lutar por questões mais imediatas, salários, condições de trabalho, emprego, e outras, não existe contradição nenhuma que ele lute também por questões mais gerais,ou seja, que participe da vida política e ajude a construir um mundo mais solidário e mais democrático, inclusive com a possibilidade dos trabalhadores conquistarem a hegemonia do aparelho de Estado. Aliás, sobre isso é muito importante o relato de Karl Marx. “Os sindicatos se ocupam em demasia exclusivamente das lutas locais e imediatas contra o capital... tem se mantido bastante separados dos movimentos mais gerais e das lutas políticas”3. Rosa Luxemburgo escreveu um importante texto sobre essa questão. Afirma ela que não existe duas espécies distintas de luta da classe operaria, uma de caráter político e outra de caráter econômico. Para ela “é uma única luta de classe, tendo em vista simultaneamente limitar os efeitos da exploração capitalista e suprimir ao mesmo tempo esta exploração e a sociedade burguesa” 4 Nem sempre, a rigor, é possível a liderança sindical atuar no campo econômico e na dimensão política. A política exige experiência, conhecimento e muito comprometimento. Por outro lado, não existe regra exigindo que o sindicalista atue na dimensão política propriamente dita. A categoria exige que a liderança defenda os interesses mais imediatos. O restante é conseqüência. Essa pesquisa identificou lideranças sindicais que atuaram apenas na dimensão econômica.Eles representaram no seu tempo o grau de consciência política da sua categoria. Nos deparamos também com lideranças sindicais que se preocuparam com questões mais gerais da sociedade. Com a dimensão política e a econômica.

2 Marx , Engels. Sindicalismo. São Paulo. CHED. 1980. p9 3 Marx, Engels.. 1980. op.cit. p.14 4 Luxembugo, Rosa. Greve de massas,partido e sindicato. Coimbra. Centelha. 1974. p.9

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FORMAÇÃO HISTÓRICA DO MOVIMENTO TRABALHISTA NO SUL DE MATO GROSSO NO PERÍODO DE 1920-1980 Eronildo Barbosa da Silva As origens do trabalhador de Mato Grosso do Sul Para se conhecer as origens dos primeiros trabalhadores de Mato Grosso Sul devemos dirigir nossas reflexões para os povos indígenas que habitaram a Província do Rio da Prata, no inicio do século XVI, formada pelos atuais Estados de Mato Grosso, Goiás, parte de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além do Paraguai, Uruguai e parte da Argentina e do Chile. Esses povos colaboraram com os portugueses, espanhóis e outros na labuta nos engenhos, na plantação de lavoura, nas atividades domésticas, na lida com a pecuária e nas expedições de exploração aos Andes e aos sertões. O indígena, no geral contra a sua vontade, se tornou força de trabalho e muito contribuiu para o processo de construção da chamada acumulação primitiva de capital5, âncora fundamental do modo de produção capitalista, que começou a se formar na Europa a partir do século XIII. O velho continente vivia uma conjuntura de profundas mudanças sociais e econômicas.Do ventre do modo de produção feudal6 nascia o capitalismo, algo novo em relação ao feudalismo, porém, do ponto de vista das relações de trabalho, da forma como as pessoas participam do processo produtivo, de longe muito mais explorador, posto que, pela primeira vez, o trabalhador se apartou das suas ferramentas de trabalho, ficando apenas com sua força de trabalho para vender no mercado como qualquer outra mercadoria. O trabalhador e a trabalhadora tornaram-se alienados e passaram a depender exclusivamente dos humores do mercado para ganhar o sustento da sua família.

5A descoberta das terras do ouro e da prata na América, o extermínio, a escravidão e o enfurnamento da população nativa nas minas,o começo da conquista e pilhagem das índias Orientais, a transformação da África em um cercado para a caça comercial às peles negras marcam a aurora da era de produção. Esses processos idílicos são momentos fundamentais da acumulação primitiva. Marx,Karl. O capital: critica da economia política. Volume I-tomo 2. São Paulo. Abril Cultural.1984. p.285 6 Chamamos Modo de produção ao conceito teórico que permite pensar a totalidade social como uma estrtutura dominante na qual o nível econômico é determinante em última instancia. Althusser, Louis. Lá revolucion Teórica de Marx. , México. Siglo XX. 1967. pp.166/181. Citado por Harnecker Marta. Os conceitos do Materialismo Histórico. São Paulo. Global Editora.1980. P.138

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A transição do feudalismo para o capitalismo não foi algo rápido, nem se materializou da mesma forma em todas as Nações. No século XVIII, por exemplo, existiam paises claramente capitalistas como Inglaterra e Holanda, e outros ainda feudais com Espanha e Portugal. Independente do estágio econômico e social que cada país da Europa vivia existia o desejo de conquistar novas terras e mercados, nos mais longínquos rincões do mundo. Nesse sentido, Portugal, enviou para o continente americano, em 1515, o navegador Juan Dias Solis para conhecer as potencialidades da Bacia do Rio da Prata, que incluía as terras do Mato Grosso, pelo menos até a assinatura do Tratado de Madri, em 1750, oportunidade em que Portugal e Espanha redefiniram parcialmente os seus limites na América. Nessa região, Juan Dias encontrou índios agrupados em aldeias, alimentando-se de caça, pesca e raízes, embora, algumas tribos já praticassem agricultura rudimentar cultivando milho, mandioca e batata doce.Esses povos, grosso modo, eram os Guató, Pareci, Charrua, Caiapó, Kadiéu e Guarani. Além desses, com certeza, existiram outros povos. Cada Nação indígena contribuiu com a formação política e social da região com as condições que tinha, ou seja, com o grau de consciência e de cultura que conseguiu atingir. O Guarani, talvez porque conviveu muito mais tempo com os europeus deixou imensa quantidade de documentos e crônicas sobre seus costumes, produção material e a relação conflituosa com o colonizador. O Guarani habitava a maior parte das terras brasileiras e espanholas e possuía uma linguagem complexa e completa. A liderança entre eles, diferentemente do colonizador, era conquistada com base nos postulados morais do candidato e não pela expressão de força física e outras formas de intimidação individual e coletiva. Virgílio Correia descreve o Guarani como sendo de porte médio, extremidades finas e feições regulares, e distinguia-se de mais a mais pela dedicação ao trabalho e afabilidade no trato, o que facilitou a aproximação dos conquistadores7. O indígena, Guarani, ou não, inicialmente, desempenhou atividades de apoio ao processo de exploração da região da Bacia do Rio da Prata. Mais tarde, produto de muitas desavenças com o colonizador, uma parte foi viver com as missões jesuíticas que ocupavam a planície de Itatin. Os padres espanhóis foram autorizados pela Coroa do seu país a criar grandes fazendas com o objetivo de produzir alimentos para atender a demanda das pessoas que cuidavam do processo de ocupação, exploração e defesa das terras espanholas na América. 7 Correia, Filho Virgilio. História de Mato Grosso.Rio de Janeiro. Editora Instituto Nacional do Livro. Ministério da Educação e Cultura .1969. Coleção Cultura Brasileira P.127.

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A mão-de-obra dessas fazendas, no geral, era indígena e estava organizada em forma de encomienda, relação de trabalho muito parecida com o escravismo adotado na América portuguesa.“Teoricamente, os encomendedores eram protetores da população submetida; na prática, porém, transformou-se em senhores de escravos disfarçados”.8A encomienda se tornou a principal relação de trabalho na América espanhola. Na segunda metade do século XVI o índio se tornou mão-de-obra escrava. Nessa condição foi obrigado a trabalhar nas mais variadas atividades, a centenas de milhas das suas terras, de onde eram arrancados pelos Bandeirantes Paulistas9 para serem vendidos como qualquer mercadoria em outras províncias do país. A conquista dos Andes A história registra que milhares de índios acompanharam o explorador português Aleixo Garcia, em 1523 ou 1524, a uma viagem à cordilheira dos Andes com o intuito de conquistar ouro e prata. Eles foram integrados a expedição ao longo do caminho entre a Ilha de Santa Catarina, de onde partiram, e as terras Sul Mato-Grossenses por onde passaram, principalmente pelas encostas da Serra de Maracajú e os Rios Miranda e Paraguaio.Essa era uma rota -caminho do peabirú10- muito antiga usada pelos índios nas suas viagens até o território dos Incas. Aleixo, inicialmente, teve sucesso na sua empreitada. Encontrou prata em quantidade e mandou para as terras portuguesas, mas, quando voltava, foi assassinado pelos índios que habitavam as margens do Rio Paraguaio. Por esse trabalho de apoio ao colonizador o índio ganhava presente: faca, espelho, pente, camisa, chapéu, entre outros artigos. Essa relação ficou conhecida como escambo11. Com o passar do tempo, os europeus exigiram novas tarefas.Não bastava o índio cuidar das roças, acompanhar os colonizadores nas viagens, caçar e ou desempenhar atividades domesticas. Esse esforço – na visão espanhola - era insuficiente para atender as novas demandas do capital.

8 Koshiba, Luis e Pereira, Monzi Frayse. Américas: uma introdução histórica.São Paulo. Atual.1992.p.34 9 Costuma-se chamar de Entradas e Bandeiras os grupos de homens livres que exploravam o interior do Brasil com o objetivo de prear índio e descobrir minérios preciosos. Os principais grupos de bandeirantes foram organizados na capitania de São Paulo a partir do século XVII. 10 O caminho do peabirú era uma trilha de mais ou menos oito palmos de largura que se iniciava no litoral de Santa Catarina e bifurcava-se daí para alcançar o território do Sul de Mato Grosso e Paraguai. Os jesuítas chamavam esse caminho de São Tomé. Esse caminho posteriormente foi fechado e proibido o seu uso, certamente para evitar penetração dos espanhóis vindos do Peru e do Paraguai.Rodrigues, J.Barbosa. História de Mato Grosso do Sul. São Paulo. Editora do escritor.. 1985. p.30. 11 Escambo é uma relação de troca.

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Cabia aos espanhóis encontrar alternativas para desenvolver as potencialidades da região. O Rei da Espanha queria construir casas, fortificações, igrejas, portos, engenhos, criar gado, organizar roças, fazer barcos, entre outras atividades que demandava força de trabalho. Nessa quadra nem Portugal nem Espanha possuíam estoque de mão-de-obra livre capaz de abastecer as colônias, portanto, inicialmente, a alternativa escolhida foi aproveitar o trabalho do indígena. O trabalho indígena escravo foi adotado pela força, porém, a rigor, representava um discreto problema para o colonizador. O índio não conhecia o trabalho formal. A natureza oferecia sem muita dificuldade os produtos necessários para sua sobrevivência, por isso, mesmo, eles colaboravam com o colonizador quando queriam, quando estavam de alguma forma convencidos. Do contrário, abandonava a tarefa e ia fazer algo que lhe desse prazer. Andar pelas florestas ou pescar. O europeu não gostava desse comportamento.Não “conseguia” entender que o índio era livre e não conhecia a categoria trabalho.Que não era mercadoria e não estava descolado das suas ferramentas de produção. Ele trabalhava para atender a sua necessidade imediata, e não para gerar excedente. Entretanto, quando o convencimento, ou o escambo, não estimulava o índio a fazer a tarefa solicitada, pelas razões elencadas, o europeu apelava para a força pura e simples. Assim, aos poucos, foi se conformando o calvário indígena. Na capitânia de São Paulo, no inicio do século XVII, foram formadas varias expedições armadas, compostas de homens livres com o objetivo de prear índios para vender nos engenhos e fazendas do litoral brasileiro. Esse período coincide com uma brutal elevação no preço do escravo índio. Essa demanda por braços indígenas estava ligada ao fato dos holandeses terem ocupado praticamente todo o nordeste brasileiro e, por isso, proibido a venda de escravos africanos para as províncias controladas pelos portugueses. De olho na oportunidade de ganhar muito dinheiro com a venda de índios, os bandeirantes se embrenhavam nas selvas da planície de itatim, no Sul de Mato Grosso, onde existiam muitos silvícolas.Essa região era conhecida como viveiro de índios. Ao longo dos anos os jesuítas instalaram varias fazendas onde índios e religiosos viviam coletivamente.Esses aborígines conheciam parte do trabalho moderno. Sabiam plantar roça, cuidar do gado, erguer moradias, entre outras atividades de campo. Por isso, eram os preferidos dos bandeirantes. Uma dessas reduções, Santiago de Xerez, de acordo com o professor Paulo Marcos Esselin estava localizada nas margens do Rio Aquidauna, no atual município de Aquidauna, e foi construída em 1579. Nessa comunidade viviam milhares de índios e alguns religiosos. Em três oportunidades os Bandeirantes paulistas invadiram Xerez para prear seus índios.

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Um padre que assistiu a invasão fez a seguinte narração do episodio: “Os índios dispersos pelos campos foram postos a ferro e levados; os recalcitrantes, massacrados. As crianças e os velhos, muito fracos para seguirem a coluna em marchas forçadas, foram massacrados pelo caminho”.12 Sempre que essa redução era atacada os jesuítas procuravam um novo lugar para se reorganizar, mas, com o tempo, os bandeirantes descobriam o novo local. A ação das Entradas e Bandeiras encontrou, em algum momento, eficaz resistência. Existiam forças sociais, poucas, é verdade, contrarias a política adotada pelos bandeirantes. Os jesuítas eram uma dessas forças. Por outro lado, os índios, também se deram conta da necessidade de se organizarem para enfrentar seus algozes. Com a orientação dos religiosos e de algumas autoridades espanholas eles foram à luta. Não que antes o índio não tivessem esboçado alguma reação. A diferença nesse novo momento é que os índios estavam armados e treinados. Sabiam que se não lutassem iam acabar em alguma fazenda no litoral brasileiro. Assim, na região de Entre Rios, nas barrancas do Rio Paraná com o Rio Uruguaio, numa batalha que ficou conhecida como mbororé, em 1641, o Guarani enfrentou os mamelucos de São Paulo no tiro, na flecha e na borduna. O combate terminou com a fuga dos paulistas que perderam 1200 índios já postos a ferro, e grande quantidade de armas. De acordo com Carlos Lugon13 desde esse momento e durante mais de cem anos a Republica Guarani não foi mais seriamente ameaçada pelos bandeirantes. Além do esforço do próprio índio, existia um trabalho desenvolvido pelos jesuítas objetivando proibir a exploração da mão-de-obra indígena.Como conseqüência direta dessa nova situação em que os índios estavam dispostos a lutar para garantir sua liberdade, surgiram vários enfrentamentos entre eles e os portugueses, tanto na costa, como no interior do Brasil. No ano de 1557, índios baianos se negaram a cultivar a terra do colono e a produzir alimentos para safra do ano seguinte. O resultado dessa decisão foi uma imensa fome nessa província. A capitânia de São Vicente, São Paulo, de onde partiam os bandeirantes para invadir o Sul de Mato Grosso foi violentamente invadida por várias tribos indígenas que habitavam o litoral brasileiro, protestando, entre outras coisas, contra a escravidão dos índios. A descoberta de ouro nos rios do Norte, em Cuiabá, em 1719, por Pascoal Moreira Cabral, foi conseqüência direta de um forte confronto entre os índios Coxiponês e a expedição de Pascoal, que estava na região com o objetivo de prear índios. Após algumas tentativas de invadir o reduto dos indígenas, sem obter sucesso, Pascoal,

12 Lugon, Clovis. A república dos Guaranis. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1976. P.46 13 Lugon, Clovis ( 1976) op.cit. p.62

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parcialmente derrotado, abandonou temporariamente o teatro de guerra com vários feridos. Nesse ínterim, enquanto esperava ajuda para organizar um novo ataque, seus homens, palmilhando o leito do Rio Coxipó, encontraram algumas pepitas de ouro. A farra do ouro, no Norte, ensejou que grupos de monçoeiros cruzassem a região do Bolsão e os Campos de Vacaria em direção ao novo eldorado. Seus barcos singravam rios com suas margens lotadas de Caiapós. Os monçoeiros tentaram escravizar parte desses índios. Queriam acesso livre as terras, rios e a força de trabalho. São vários os relatos em que os monçoeiros protestavam por terem que fazer atividades consideradas degradantes.Achavam que os índios devidamente treinados poderiam fazer o trabalho penoso, aquele que usa muita força física, em condições difíceis de execução. Remar as pesadas canoas era um deles. Os Caiapós já tinham sido vítimas dos bandeirantes, portanto, resolveram enfrentar os invasores com novas estratégias. Prepararam varias ciladas que provocavam baixas e prejuízos material de grande monta. Embora não usassem armas modernas, de fogo, os Caiapós iam à luta com arco, flecha e porrete. O porrete era uma arma letal. Os cronistas relatam com muita ironia o medo que os paulistas tinham de ser atacado por um índio armado de porrete. A região de Camapuã e Coxim era conhecida pela grande quantidade de ataques que esses índios organizavam contra os paulistas, principalmente nos locais em que os rios eram estreitos e entrelaçados de cipós e galhos de árvore. A ousadia dos Caiapós na defesa intransigente das suas terras, ensejou que a capitania de São Vicente tomasse medidas concretas para conte-los. Vejamos um relatório do governo português sobre a ação dos Caiapós. “As autoridades de então, impressionadas com a ousadia da gente caiapônia, vendo baldados os seus esforços na conquista pacífica de tão perigosos indígenas, cujas atrocidades dia a dia tornava-se cada vez mais insuportáveis, chegaram à conclusão de que só uma guerra de extermínio seria capaz de por termo àquela situação de desespero em que viviam os poucos habitantes da região, não se falando nos estragos causados às monções e as bandeiras ” 15. Para punir esses índios foi enviada uma reforçada expedição que culminou com uma verdadeira carnificina. O trabalho de repressão foi dirigido pelo bandeirante Pai Pirá, entretanto, pouco tempo depois, uma certeira flecha disparada por um Caiapó acertou em cheio o coração de Pai Pirá. Foi o chamado acerto de contas.

14 Rodrigues, .J. Barbosa. Histórias da Terra Mato-grossense. São Paulo. Editora do Escritor.1983. p. 4 15 Rodrigues J.Barbosa.( 1983). op.cit p.40

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Na região do pantanal a situação não era diferente, quando podiam os índios defendiam seu território com muita bravura. Não são poucos os relatos produzidos por escribas oficiais sobre a determinação dos índios Paiaguá, conhecido pela destreza com que manobravam as suas leves canoas, nas diversas lutas que travaram nas águas do Rio Paraguaio contra os monçoeiros. “A partir de 1725, os Paiaguás, índios canoeiros, passaram a perseguir com sucesso as grandes monções, principalmente as que desciam com ouro para o povoado (São Paulo) ou levavam mantimentos para Cuiabá; como canoeiros, lutando sobre a água, quase sempre venciam, porque suas canoas eram pequenas e facilmente manobradas na abordagem aos pesados canoões dos monçoeiros.” 16 Podemos citar outros exemplos da bravura do índio. A história dele é rica em resistência e também em colaboração. Existe ampla bibliografia sobre o assunto, mas, nesse trabalho, não é nosso objetivo detalhar suas lutas especificas.Queremos apenas destacar que eles não aceitaram ser escravo. Quando estavam convencidos faziam o trabalho que o colonizador pedia. Quando não estavam fugiam para o mato, ou resistiam bravamente. Em linhas gerais foi assim que se comportaram os nossos primeiros trabalhadores. Mão-de-obra Africana O índio atendia apenas parte das necessidades do investidor europeu.O processo de acumulação primitiva de capital exigia das colônias metais e mercadoria em larga escala.O gentio, pelas razões já expostas, não estava preparado para atuar nas empreitadas capitalistas com o dinamismo que o capital exigia.Em função dessa dificuldade, concreta, nasceu a idéia de se importar escravos africanos para o Brasil. O trabalho escravo não era novidade para o europeu. Portugal já adotava mão-de-obra africana nas ilhas de Açores e Cabo Verde. Assim, paulatinamente, a costa brasileira e o interior passaram a receber milhares de escravos. Calcula-se que do século XVI ao XIX, sessenta ou setenta milhões de negros foram arrancados da África para se tornarem escravos em outros paises. Só para o Brasil foram trazidos cerca de três milhões e meio, ao longo dos trezentos anos em que essa pratica foi permitida. O negro era transportado como animais nos navios tumbeiros. Quase a metade dos que entravam nos navios morriam no caminho. Os que sobreviviam eram expostos para venda, como qualquer mercadoria, nos portos brasileiros. Em media, um exemplar custava por volta de 1580 algo entre 20 e 30 libras. Por outro lado, no trabalho de campo a vida útil de um escravo era de

16 Campestrini,Hildebrando. 1994.op.cit p. 31

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apenas dez anos. Ele trabalhava de sol a sol.Quando reclamava era duramente reprimido.O chicote e o tronco17 era a resposta do feitor o do capitão do mato. O negro não sabia o que era folga.Após trabalhar o dia inteiro era recolhido à senzala, galpão com pouca iluminação e ar onde eram trancafiados para dormir. Mesmo no domingo, tinha alguma atividade.A sua alimentação, no geral, era mandioca, farinha, rapadura e às vezes peixe seco ou um naco de carne.Eventualmente ele ia a missa.Era uma ocasião para o padre pedir ao escravo que fosse bonzinho, que não tentasse fugir, que não molestasse seu dono, pois, assim, ganharia o reino do céu.Não é por acaso que na maioria dos grandes engenhos tinha uma capela e um padre de plantão. Os negros não aceitavam essa condição tranqüilamente. Eles combatiam o escravismo como podiam. No limite, se rebelavam e“ganhavam” o mato para se organizar em quilombo; mesmo sabendo que se fosse pego teria seu rosto marcado a ferro, com a letra “f” de foragido, e seria surrado de chicote.Assim, mesmo, eles fugiam. Fugiam para conquistar a liberdade, para tentar criar no mato, muitas vezes, as condições de vida que tinham na longínqua áfrica. O mais famoso quilombo do Brasil foi o de Zumbi dos Palmares, erguido na Serra da Barriga, em Palmares, Alagoas.Esse quilombo durou quase um século e chegou a ter mais de mil e quinhentas casas que abrigavam uma população em torno de 30 mil habitantes.Além de negros foragidos, os quilombos recebiam pessoas que, de uma forma ou de outra, eram perseguidas pela polícia colonial.O Quilombo de Zumbi foi derrotado em 1694, depois de varias tentativas por parte das forças Pública, no entanto, deixou um excelente exemplo de organização e luta para os negros e os oprimidos de uma forma geral. O negro que fugia, pela lei, cometia uma falta grave.O seu dono contabilizava o evento como prejuízo, portanto, cabia as autoridades do município e da província prender qualquer escravo que não justificasse seu dono.Era muito comum a colocação de cartazes em lugares públicos solicitando informações sobre o paradeiro de escravo. Não faltava a famosa frase “quem encontrar será muito bem recompensado”. Vejamos esse cartaz: “Crioulo fugido. Fortunato, de 20 e tantos annos de idade, com falta de dentes na frente, com pouca ou nenhuma barba, baixo, reforçado, e picado de bexigas que teve há poucos annos, é muito pachola, mal encarado, falla apressado e com a bocca cheia olhando para o chão; costuma ás vezes andar calçado intitulando-se forro, e dizendo chamar-se Fortunato Lopes da Silva. Sabe cozinhar, trabalhar de encadernador, e entende de plantações da roça, donde é natural. Quem o prender, entregar á prisão, e avisar na côrte ao seu

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senhor Eduardo Laemmert, rua da Quitanda 77, receberá boa gratificação.”18 Mesmo com toda repressão o escravo fugia. Provavelmente, para alguns, era preferível morrer no mato, lutando contra o capitão, ou com as dificuldades da caatinga, do que viver humilhado na fazenda.Havia casos em que o negro se rebelava e matava seu próprio dono. Gabriel Francisco Lopes, famoso fazendeiro dos Campos de Vacaria, marido de dona senhorinha, foi morto por seus próprios escravos. A história registra que os antigos donos da fazenda Camapuã foram mortos pelos escravos que ali viviam. A mulher negra também tinha formas alternativas de lutar contra a estrutura escravista. Era muito comum ela provocar seu próprio aborto, evitando, assim, gerar novos braços para alimentar o mercado de trabalho escravo.Com esse ato, mais do que difícil para uma mulher, ela expressava toda a sua revolta.Cortava no nascedouro parte da cadeia que supria os engenhos e fazendas de braço escravo. Florense Batista, escriba da expedição Langsdorf, quando viajava pela região Centro Oeste para conhecer a fauna e a flora, em 1826, visitou a famosa fazenda Camapuã, criada em 1719, pelos irmãos Leme, localizada no atual município do mesmo nome. Eis sua impressão sobre as condições dos negros que moravam naquela fazenda.“Contam-se 300 habitantes, se tanto. Um terço deles, mais ou menos, não passa de escravos. Aos livres, se dá o nome de agregados, que moram do outro lado do rio. Os escravos ocupam as casinholas da senzala, no pátio, postos, todas as noites, debaixo de chaves.”19 O que florense constatou nessa fazenda, a rigor, era o retrato das demais fazendas e engenhos da província de Mato Grosso. Era esse o modelo das relações de trabalho no Brasil.A própria Igreja Católica que, em parte, defendia os índios, no caso do negro o tratamento era outro.Não só a igreja era dona de lotes de escravos como trabalhava ideologicamente para que os negros aceitassem tranqüilamente a sua condição de escravo. Por isso, é que os quilombos se espalharam como rastilho de pólvora por todo território nacional. Na expressiva maioria das províncias do Brasil o negro criou formas alternativas para viver e trabalhar com relativa liberdade. A história registra que em 12 províncias foram construídos 140 quilombos. É bem possível que tenham existido mais, pois as pesquisas nesse campo são recentes.

18 Nelson Piletti. História do Brasil. 1996.p.103 19 Campestrini, Hildebrando. 1994.op.cit. p.91

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O velho Mato Grosso teve seus quilombos. Os negros deixaram vários registros sobre suas organizações. O mais importante deles foi o quilombo do Piolho, comandado durante muitos anos pelo negro José Piolho.Com a sua morte assumiu o comando dessa comunidade sua viúva a negra Tereza. Os quilombos representavam um empecilho aos interesses das classes dirigentes do Mato Grosso e do Brasil. Ao longo do século XVIII não foram poucos os negros que fugiram dos garimpos do Coxipó, dos engenhos e das fazendas de gado, para conquistar a liberdade nas matas íngremes do pantanal e de outras regiões. Exatamente por esse fato é que os proprietários de escravos reagiam, ou seja, procuravam o apoio do Estado e da iniciativa privada para reaver seu investimento, sua mercadoria, como era considerado o escravo. Relata J. Barbosa Rodrigues que os velhos senhores do Mato Grosso quando viram diminuir o número de escravos no trabalho de mineração e nos engenhos, em 1777, provavelmente em função das constantes fugas para os quilombos, foram ao governador da província Luis Pinto de Sousa Coutinho e pediram providencias concretas contra os quilombos. O governador mandou organizar uma forte milícia para destruir os quilombos que existiam no Estado.20 A policia, depois de andar vários dias pela mata, chegou a um lugar onde viviam algo em torno de 300 pessoas, na beira de um rio, produzindo uma variedade considerada de produtos de subsistência. Pela manhã, caíram de mosquetão em cima dos negros, índios e cabóré, matando uma parte e prendendo outra. Além da prisão os soldados também se apropriaram das mulheres e das mercadorias estocada no quilombo. Os agressores tomaram conta da comunidade e se apoderaram de tudo, fartando-se de mel, melado de cana, galinhas, mandioca, ao mesmo tempo que embriagavam-se com hidromel e vinho de assai e buriti. Cada soldado escolheu para si uma preta sob o pretexto de lavar-lhe as roupas, as quais foram violadas, contando com a complacência do sargento-mor que para si também escolhera uma companheira.21 Após esse massacre, de acordo do J. Barbosa, a rainha Teresa morreu, vítima de enfarte, porem, sob frondoso bananal, nos sertões da terra mato grossensse, o corpo de uma rainha negra foi sepultado, enquanto que o nome de Tereza passou a história mato-grossense como um símbolo da luta pela liberdade de sua gente.22 Quando o Governador da capitania de São Paulo, Rodrigo de César Meneses, visitou os garimpos de ouro nas imediações de Cuiabá, em 1727, alarmou-se com o desembaraço dos escravos, ou seja, o fato de alguns andarem armados23 com

20 Rodrigues, J.Barbosa. 1983. op.cit P. 51/52. 21 Rodrigues,J. Barbosa. 1983. op.cit p. 53 22 Rodrigues, J.Barbosa.1983. op.p.53 23 Filho Virgilio Correia. 1969.op.cit. p. 105.

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faca, visitarem taberna, ou mesmo praticarem algum comercio, a mando do seu dono, lhe pareceu uma grave ofensa. Para acabar com o que ele achou ser uma liberalidade das autoridades e dos donos dos escravos, conforme relata Virgilio Correia, proibiu que os negros usassem armas, visitassem a taberna sem o seu dono, ou mesmo praticasse algum comércio. Em caso de desobediência os escravos e os seus donos pagariam multa. Ao tempo em que a policia cumpria ordens com o objetivo de prender os escravos que fugiam para os quilombos, nas cidades estavam sendo criadas organizações políticas e humanitárias voltadas para combater a escravidão.Intelectuais, militares, jornalistas, estudantes, mesmo alguns fazendeiros se uniam contra o escravismo. A solidariedade da classe operaria foi muito importante nessa campanha contra o escravismo.Os ferroviários, os barqueiros e outras categorias se negavam a transportar escravos presos em suas embarcações ou nos trens. Logo após a Guerra do Paraguaio o exército nacional deixou de perseguir negros foragidos.A tarefa de capitão do mato passou a ser executada por milícias particulares. Em Cuiabá, município com grande concentração de escravos, foi criada uma associação com o objetivo de colaborar com a luta pela emancipação dos negros.Essa entidade angariava fundos para comprar alforria dos escravos. Em Miranda, em 1885, foi criado o clube emancipador mirandense que tinha como objetivo defender a liberdade dos escravos..“No dia 12 de fevereiro de 1885, o clube emancipador Mirandense promoveu uma sessão solene em cuja abertura foram declarados completamente livres os escravos da Vila de Miranda, por entre estrepitosas salvas de palmas e estrondosos vivas. A iniciativa teve apoio da Câmara Municipal” 24 O censo de 1872 acusou a existência de 142 escravos em Miranda, 275 em Corumbá, e 354 em Paranaíba.25Já um relatório apresentado Assembléia Legislativa do Mato Grosso no ano de 1875 indicava que em todo Estado de Mato Grosso havia 7.054 escravos. 26 A história dos quilombos de Mato Grosso, a saga da negra Teresa, viúva e líder dos negros rebelados, a batalha de mbororé, são exemplos importante da luta que negros e índios travaram, objetivando conquistar sua liberdade. Nem sempre

24 Campestrini, Hildebrando e Guimarês Acyr Vaz. História de Mato Grosso do Sul. 2002. Instituto Histórico e geográfico de Mato Grosso do \Sul. 2002. p. 170. 25 Campestrini, Hildebrando e Guimarês Acyr Vaz. op.cit 2002. p. 170. 26 Alencastro, José Maria. Relatório presidencial apresentado a Assembléia Legislativa de Mato Grosso em 15,06,1882. NDHIT,UFMT. Citado por Kerche, Neuza Maria Ethal. Vadiagem ou trabalho ordeiro?Visão sobre o trabalhador mato -grossensse Cuiabá.1999. p. 41

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venceram, porém, dentro das suas limitações, travaram o bom combate. Não se entregaram.Deixaram um legado positivo para seus descendentes. Mão-de-obra livre O antigo Mato Grosso também contou com o concurso de mão-de-obra livre ao longo do período colonial e imperial.O trabalhador livre, inicialmente, veio da Europa para cuidar dos interesses espanhóis na região, porém, mais tarde, foi trabalhar no comércio, na pecuária e na cultura de grãos,além das atividades burocráticas e de segurança.Alguns desses homens ficaram pelos Campos de Vacaria. Por outro lado, com a descoberta de ouro em Cuiabá, surgiu um novo fluxo de trabalhadores livres. Eram pessoas que vieram de São Paulo, ou diretamente de Portugal, para se aventurar nos rios da província de Matogrosso..Alguns traziam capital ou alguma experiência no ramo comercial; outros traziam apenas a sua força de trabalho para vender. Não foram poucos os sapateiros, pedreiros, alfaiates, ferreiros, relojoeiros, contadores entre outros profissionais que aportaram em Cuiabá e outras cidades de garimpo para participarem da construção da província.“Os primeiros desses mestres de oficio foram levados a Cuiabá por Fernando Dias falcão que, interessado na estabilidade do Arraial, incentivou e financiou a viagem de ferreiros, carpinteiros, alfaiates que para lá se destinavam”.27 Ao longo do século XIX o Sul de Mato Grosso recebeu várias famílias oriundas de Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Destaca-se entre elas a família Garcia Leal que ocupou a região Norte e o Bolsão. Essas famílias lograram construir casas de comercio, oficinas, fazendas de gado, bem como ingressaram nas lides políticas e administrativas. O trabalho feminino foi muito importante nesse processo. As mulheres produziam parte considerável dos tecidos que eram vendido nas minas e nas fazendas. Em Paranaíba, havia um intenso comercio de tecidos produzidos no próprio município.Alguns fazendeiros instalaram tear manual para fabricar tecido. “Até 1863, Santana de Paranaíba manteve ativo comercio com Piracicaba. Descia os batelões de carga ( 400 arrobas cada) (...) duas vezes por ano (...) O que mais é que de admirar é a exportação que se fazia: milhares e milhares de peças de algodão de dez metros cada, tecido do sertão.Os tecidos sertanejos de Santana eram elogiados e preferidos”28

27Volpato,José 1987. p. 96. Citado por Kerche Erthal, Neuza Maria.1999.op.cit p. 28 27 Campestrini, Hildebrando. .1994. op.cit..p.118

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Um grupo de imigrantes livre muito importante para a colonização de Mato Grosso do Sul, pelo simbolismo, foi o transportado pelo Sargento-Mor Teotônio de Jusante, em março de 1797, oriundos da Capitania de São Paulo, para ocuparem a região onde foi construído o forte de Iguatemi, hoje, município de Iguatemi. Esse grupo se instalou onde não havia qualquer traço de civilização, porem, aos poucos, organizaram fazendas, pequeno comercio e participaram ativamente do processo de defesa da região. Ao longo de cinco séculos o trabalhador do Sul de Mato Grosso conviveu com varias relações de trabalho. O início de tudo foi o trabalho indígena, depois, no final do século XVI, veio o trabalho escravo e o livre. Ao longo dos séculos as três formas de trabalho foram contemporâneas. Era comum às fazendas e outras iniciativas econômica produzirem suas mercadorias com base na mão-de-obra indígena, escrava e livre. Essa era a principal forma de produção de riqueza do Brasil colônia e imperial. “O trabalhador livre fazia parte de dois grupos: o primeiro, composto por camaradas e agregados e, juntamente com os escravos e os índios, compunham o estoque de mão-de-obra dos senhores; o segundo grupo era composto de indivíduos que trabalhavam por conta própria e, com isso, proviam o sustento seu e de suas famílias... Alem desse tipo de trabalhador, cujas tarefas eram bastante simples, existiam outros que dominavam um oficio e estabelecia oficinas nos centros urbanos onde produziam para o consumo local.29 A guerra do Brasil com a República do Paraguaio, 1864/1870, evento mais do que negativo para as duas nações ensejou que, logo após o seu termino, centenas de homens fixassem residência no Sul de Mato Grosso. Não foram poucos os militares e outros que cercaram um pedaço de terra e foram buscar sua família. O contingente de pessoas livres após a guerra representou um aporte importante de mão-de-obra para a região. Modernização econômica do Sul de Mato Grosso Com o advento da República, em 1889, surgiram importantes oportunidades para a região desenvolver suas potencialidades. Havia um razoável esforço no seio do Governo Republicano para integrar a região de fronteira com os centros mais desenvolvidos da Nação. A base desse interesse, inicialmente, era de segurança nacional. Como se sabe a Guerra com a República do Paraguai começou pela fronteira do Sul de Mato Grosso. O General Solano Lopes sabia que essa era uma área fragilmente defendida, assim, em Dezembro de 1864, poucos dias antes de

29 Kerche,Neuza Maria Erthal.op. cit. 1999.p.27e28 .

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invadir e ocupar algumas cidades do Mato Grosso, concentrou parte siguinificativa do seu exercito na área o que facilitou a empreitada. Esse fato estava nítido na lembrança dos republicanos, pois varias autoridades do novo governo participaram,de alguma forma, dessa maldita guerra,como diz Francisco Doratioto. Havia, também, o interesse de desenvolver os Campos de Vacaria. A riqueza destes solos era de pleno conhecimento do Governo Federal, portanto, ainda no início do século XX, algumas iniciativas estatais e privadas foram efetivadas na região. Entre elas, destacam-se a criação de quartéis, instalação do telegrafo, construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil, a navegação a vapor; a construção de portos, bem como apoio financeiro e tecnológico para o setor de beneficiamento de carne. O setor de carne tinha relativa tradição no Estado. Essa industria, conhecida como saladeiro ou charqueado, preparava carne seca para exportar para outros países e o mercado nacional. Os saladeiros estavam instalados nos municípios de Porto Murtinho, Corumbá, Campo Grande, Nioaque, Aquidauna, Miranda, Coxim, Paranaíba e Três Lagoas.Ao lado da exploração e industrialização do mate e dos saladeiros existiam as pequenas industrias que confeccionavam produtos derivados do ferro, do barro, do algodão, do couro e da cana-de-açúcar. Essa industria teve grande importância regional. Em 1880, Thomas laranjeira, requereu do Governo Imperial autorização para explorar os ervais localizados em terras devolutas na área de fronteira.Era um empreendimento dele em associação com capitais argentinos. Em 1882 foi aprovada a concessão, assim, se iniciou a exploração. A área solicitada ocupava desde a foz do rio Paraná, passando pelos atuais municípios de Sete Quedas, Ponta Porá, Dourados, Maracajú, Sidrolândia,Porto Murtinho entre outros municípios. Uma parte importante da mão-de-obra da Companhia Mate-Laranjeira veio da República do Paraguaio. A guerra com Brasil resultou na destruição de parte considerável da infra-estrutura produtiva desse país, portanto, mesmo tendo falecido um número relativamente alto de homens em idade adulta, existia oferta de trabalhadores indígenas.Por outro lado, havia escassez de força de trabalho na região sul de Mato Grosso.A abertura de fazendas e outras atividades econômicas absorvia o pequeno número de braços disponíveis. Ademais, face o baixo preço da terra ou a possibilidade de se conquistar um pedaço de terra devoluta, a maioria dos camponeses preferia labutar na sua terra a se aventurar nos ervais. Não foi difícil à empresa conseguir trabalhadores no país vizinho.Inicialmente, como dizem os cronistas, vieram pessoas que cumpria pena na cadeia. O processo era facilitado a partir de negociação entre autoridades daquele país e diretores da empresa. O argumento principal era que o preso estava tendo uma oportunidade de se regenerar.

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Além dos paraguaios vieram para os ervais homens e mulheres do Rio Grande do Sul. A grande maioria fugia da revolução Federalista que aconteceu naquele Estado em 1893. Alguns vinham diretamente para os ervais na busca de encontrar trabalho. Eles chegavam em carros de boi carregando parte dos seus pertences, depois de uma viagem de até oito meses em que atravessavam parte da Argentina, do Uruguaio e do Paraguaio. O cronista Astúrio Monteiro de Lima conta como foi parte da saga dos gaúchos na caminhada rumo ao Sul de Mato Grosso. “São por demais conhecidas as causas que levaram um grande número de sul-rio grandenses a abandonarem os seus pagos, buscando um ambiente isento de ódios e perseguições geradas pela política extremista, que de longo tempo imperava naquele Estado da Federação Brasileira, através da ação violenta dos caudilhos”30 Tanto o trabalhador paraguaio, como o gaúcho, quando chegavam ao Sul de Mato Grosso ia direto para os ervais, exceto, aqueles que tinha algum capital, que vinha para trabalhar por conta própria, ou apenas para passar um tempo e depois voltar. O trabalho nos ervais era duro. Exigia muita força e habilidade do peão. A Companhia Mate-Laranjeira estabeleceu relações de trabalho semi-escravas e organizou sua própria policia. Importantes decisões políticas do Estado eram tomadas por diretores dessa empresa ou por pessoas ligadas aos seus interesses. Um dos seus donos era o influente médico e ministro das finanças da república Joaquim Murtinho. A lei nos ervais era a lei da companhia.A jornada nos ervais começava cedo. Dependendo da atividade do mineiro a tarefa começava ainda pela madrugada. Além da polícia para perseguir os que fugiam ou não cumpria as tarefas com zelo, existia o sistema de caderneta ou barracão, como ficou mais conhecido, onde o mineiro era obrigado a comprar suas mercadorias diretamente no armazém da empresa. Os preços eram altíssimos. E muitas vezes a conta era majorada com o objetivo explicito de deixar o mineiro preso à empresa.Como ele não conseguia pagar a conta, também não podia ir embora. Se tentasse fugir ou protestar a policia estava lá para levar o peão ao tronco. Hermani Donato, em seu livro Selva Trágica, explica com riqueza de detalhe como era o dia-a-dia de um trabalhador no erval, notadamente o mineiro que trabalhava no corte e transporte da erva. ´´O dia do mineiro, peão cortador de erva, começa no meio da noite,ás três trinta (...) abraçam ramos da erva que passam e repassam no banho de forno e calor (...) ao fim do sapeco o sol está fora(...) arrancam aos punhados as folhas ainda

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quentes, depositando-as no raido; um trançado de correios compondo o fardo onde o homem levará ás costas sustentado pela cabeça, os ombros, a espinha.O raido médio deve pesar dez arrobas paraguaias (100 quilos) o maximo é o limite de forças do mineiro. Uma vez debaixo dele, o homem tem que levá-lo ao destino ou cair ao chão-geralmente com a espinha partida(...) Meio dia avançam pelo tape (trilha ), pernas duras, passadas curtas. O pedaço mais amargoso do dia é só transporte. Cada passo debaixo do raido de quase duzentos quilos exige um grande esforço. O raido passa uma alça forte ao redor da cabeça do mineiro. Ela solda a carga ao homem evitando que a espinha dorsal se parta (...) A alça começa a latejar como se batesse para entrar nas paredes do crânio. Vencido um quilometro, os ombros ficam insensibilizado pelas as duas correias que os enlaçam(...) Não errar um passo se quer, pois o tombo pode quebrá-lo debaixo do fardo, e não permitir que as espinhas dorsal se curve(...). Não enxerga onde pousa os pés(...) Boca fechada nos primeiros cem metros para não gastar o fôlego, e depois, escancarada, engolindo o ar necessário e que só o nariz fremente não pode levar aos pulmões comprimidos e congestionados. (...) Quando sente vencer pelo peso, para e tunguea o fardo, descançando-o no toco aparado de propósito ao lado do caminho, altura da meia coxa.``31 Além das péssimas condições de trabalho, era muito comum a empresa exigir dos camponeses que ocupavam alguma área de interesse da Mate que a desocupasse, mesmo que fosse dono e estivesse ali a algumas gerações. Para expulsar os camponeses a empresa criou sua própria policia. Sem maiores delongas os posseiros ou donos era “convidados” a abandonar a área. Caso contrário, corria o risco de desaparecer. Não foram poucos os que desapareceram. Alguns camponeses, com as condições que tinham, não aceitaram passivamente as arbitrariedade da Mate laranjeira. O historiador Valmir Correia conta um caso que retrata muito bem em que pé estava a luta pela terra no Sul de Mato Grosso. Um pequeno camponês, em 1932, conhecido por João Christiano, teve sua área de terra apropriada pela companhia. Seu filho, Christiano Ortti, resolveu enfrentar a empresa e rever a terra do seu pai. Nesse sentido, alistou gente, conseguiu armas, conspirou mediu conseqüências, e julgando se forte pelas muitas adesões que recebia diariamente,partiu de Maracahy, em 5 de março de 1932, com um grupo de homens, dispostos a enfrentar a tradicional inimiga.32 O ataque dirigido por Ortti à empresa Mate laranjeira não foi bem sucedido. Em função disso ele se refugiou na República do Paraguaio.A Mate denunciou o camponês como um importante comunista. “A empresa, em parceria com as

31 Donato,Hermani. Selva trágica. São Paulo.Autores reunidos. 1959. 243. 32 Puiggari.Umberto. Nas fronteiras de Matto Grosso. Terra abandonada . São Paulo. Mayença.1933.p.113. Citado por Correia Valmir. O trabalhador na terra dos coronéis Revista do Mestrado de Educação. UFMS. Campo Grande.. 1999. p. 56

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autoridades policiaes e com o objetivo de não deixar apparecer o motivo real do levante, passou a telegraphar aos quatro ventos, que nos hervaes havia surgido uma revolução ...communista. Pobre Jôao Ortti ... elevado à diginidade de chefe comunista, sem saber mesmo até hoje o que venha ser communismo”.33 Para conseguir trabalhadores a empresa Mate-Laranjeira possuía um sofisticado sistema de cooptação.Acionava o conchaveiro- corretor de mão-de-obra. Este, por sua vez, armado de muitas promessas aliciava os trabalhadores nos bares e cabarés. “Depois de se divertir a valer, de beber, de dançar até alta madrugada, num dado momento a música para, as mulheres somem.... Ai aparece o dono da espelunca com a conta. Não há dinheiro para pagar, surgem os tarrachis. Ou paga ou vai para o xadrez. Nisso aparece o aconchavador, se oferece para resolver o problema. Mais tem uma condição. Assinam um contrato de trabalho para trabalhar no erval e tudo será resolvido. Assinam o contrato, paga as despesas, o transporte será em carretas , ou mesmo a pé , tudo acertado com promessas mil. E depois?... Uma ida sem volta á escravidão e ao inferno``34 Enquanto a empresa Mate-Laranjeira vivia seus últimos anos de vida, nascia, lentamente, nas principais cidades do Sul de Mato Grosso o movimento sindical. Corumbá e Campo Grande eram o palco desse novo despertar da consciência operária. Os quatrocentos anos de luta dos índios, negros, e do trabalhador livre, produziram relativa experiência. Experiência que permitiu criar uma nova concepção de luta operaria. Essa cultura sindical será tratada no próximo capitulo.

33 Puigarri. Umberto.1933.op.cit. p.114. Citado por Correia Valmir. 1999.op.cit p 56 34 Gomes , Otavio Gonçalves. 1986 op.cit. . Citado por Bianchini Odaleia da Conceição. 2000. op.cit P. 174

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FORMAÇÃO DO SINDICALISMO NO SUL DE MATO GROSSO O processo de transformação econômica e política que o Sul de Mato Groso viveu nas primeiras décadas do século XX, propiciou, entre outras coisas, a criação de associações sindicais em Corumbá e Campo Grande.Esses municípios contavam com uma relativa base operária, ligada, inicialmente, as atividades marítima, ferroviária e a indústria da construção civil. A leitura de alguns documentos dessa época mostra que as demandas apresentadas pelos trabalhadores não são muito diferentes das bandeiras atuais, ou seja, eles lutavam por melhores salários, pagamento em dia, melhores condições de trabalho e educação para eles e os filhos. Se pegarmos uma pauta de negociação dos dias de hoje, de qualquer categoria, com certeza esses itens estarão presentes. Isto não quer dizer que ao longo de varias décadas não houve avanço nas relações de trabalho no Brasil. Houve, sim, porém, os grandes gargalos como desemprego, baixos salários e trabalho escravo continuam presentes como se fossem fantasmas a assustarem os trabalhadores. As transformações verificadas no Sul de Mato Grosso foram impulsionadas por um conjunto de investimentos públicos e privados voltados para reforçar a área de segurança na fronteira internacional e dinamizar a navegação, o comercio e a atividade agropecuária.Assim, surgiram estradas, pontes, ferrovias, quartéis, correios, bancos, industrias, portos, telegrafo, entre outras obras necessárias para melhorar as condições de infra-estrutura.Esses investimentos permitiram aproveitar parte do potencial estratégico da região, bem como estreitou a relação do Sul de Mato Grosso com as demais províncias do país e com o mundo A cidade de Corumbá era um centro econômico relativamente avançado. Bancos e empresas multinacionais tinham escritórios nessa cidade. Pelo seu porto e casas de comércio passava parte importante do Produto Interno Bruto do Estado. Grandes transações internacionais eram realizadas na cidade.35Barcos e navios aportavam diariamente no seu porto trazendo e levando mercadorias e gente. Esse caráter cosmopolita do município de Corumbá criou as condições objetivas e subjetivas para que o sindicalismo do Sul de Mato Grosso nascesse. Naturalmente, também era em Corumbá onde os problemas sociais apareciam com mais intensidade.

35 Alves, Gilberto Luis. Mato Grosso e a História –1870-1929:ensaio sobre a transição do domínio econômico da casa comercial para a hegemonia do capital financeiro. Boletim de geografia. São Paulo. 1984.p.43

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O Sul de Mato Grosso não parava de atrair homens e mulheres dispostos a organizar seu próprio negocio ou a vender sua força de trabalho. Através dos portos dos municípios de Corumbá e Porto Murtinho, diariamente, aportavam imigrantes. Alguns conheciam o trabalho moderno. Existiam casos em que a pessoa vinha diretamente da Europa, através do porto de Santos, São Paulo, para se instalar no Estado.. O papel do trabalhador europeu O trabalhadores mais qualificados era estrangeiros: espanhol, Italiano, alemão e português. Mais tarde, com a criação da ferrovia, veio o libanês, sírio, polonês e japonês. O trabalhador europeu gozava de boa reputação no Brasil. Em 1818, por exemplo, um grupo de famílias da Suíça se instalou em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, na forma de colonato. O governo imperial queria criar no país algo parecido com o modelo de colonização da América do Norte e do Canadá. Nesse sentido, surgiram colônias no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Porém, em face da resistência dos barões do café que queriam braços europeus em forma de assalariados, e não em forma de colonato, o projeto, na forma idealizada pelo Governo Imperial, foi praticamente abandonado. O imigrante europeu era muito importante para economia brasileira.O desenvolvimento do capitalismo e a participação do país no cenário econômico mundial, através, principalmente, da produção de café, exigia força de trabalho livre e mais comprometida com os resultados da empreitada. A experiência com trabalho escravo era condenável do ponto de vista ético e se mostrava um forte entrave para o desenvolvimento das forças produtivas; para introdução de novas tecnologias e racionalização da produção. O fato do escravo não receber salário ou qualquer outro tipo de estimulo pecuniário era um fator inibidor. Ele não tinha qualquer preocupação em aumentar a produção individual ou coletiva. O resultado dessa equação era um mercado interno fragilizado com reduzida demanda agregada. As forças sociais mais esclarecidas da Nação percebiam que o trabalho escravo era um problema muito serio. Com o escravismo era impossível liberar as forças produtivas represadas. Uma parte da elite, ligada à produção de grãos, defendia a contratação de europeus como forma de dinamizar a economia. O senador Vergueiro, homem influente do império e dono de muitas fazendas de café, resolveu experimentar a mão-de-obra européia.O negocio deu certo. Outros fazendeiros seguiram seu exemplo.Porém, em decorrência das péssimas condições de trabalho nas fazendas, o processo de imigração encontrou muitas dificuldades para se concretizar.

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Alguns fazendeiros tratavam os imigrantes e sua família no mesmo diapasão dos escravos.A discriminação começava no acerto de contas, posto que, geralmente, o colono ficava devendo ao patrão. O mecanismo de fraude era simples. O colono era obrigado a comprar no barracão da fazenda as mercadorias que necessitavam, no geral, por preços superfaturados. Alem do mais, era muito comum o patrão roubar no peso na hora do acerto da produção. Era muito difícil o colono ter lucro. Depois de tudo ainda tinha que pagar a passagem da Europa para o Brasil. Por tudo isso, não foram poucos os protestos formais de governos europeus contra as condições de trabalho dos seus patrícios no Brasil.A Alemanha proibiu durante algum tempo que pessoas daquele país migrassem para o Brasil. Porém, como a empreitada valia a pena, o governo brasileiro interviu no assunto e criou regras claras para legalizar parte do trabalho livre no Brasil. Nesse sentido, foram feitos contratos e o governo passou a se responsabilizar com os custos das passagens do imigrante facilitando, em parte, a vinda de novos europeus. A partir do 1880 o Brasil recebeu um grande número de imigrantes que vieram trabalhar nas lavouras de café e, eventualmente, em alguma indústria ou comercio. “ No período que vai de 1830 a 1930, 11 milhões de europeus vieram para a América Latina. Destes, estima-se que 38% eram italianos, 28% espanhóis, 11% portugueses e 3% eram franceses ou alemães, além de pequenos grupos de outras nacionalidades.Desse total 33% vieram para o Brasil”.36 Existiam motivos econômicos e sociais que estimulavam os europeus a buscarem oportunidades no além-mar. O velho continente no final do século XIX foi sacudido por um movimento que ficou conhecido como segunda revolução industrial.Esse evento, a principio, destruiu milhões de postos de trabalho, aumentando, como diz Karl Marx, o exercito industrial de reserva37. Aliado a esse fato, acontecia o processo de unificação política de algumas Nações como Itália e Alemanha. Esses eventos eram recheados de muita disputa política que, naturalmente, gerava vencido e vencedores.Os vencidos, face às paixões e a ausência de espaço político ou profissional, acabavam buscando uma nova pátria para morar ou para esperar as feridas cicatrizarem. Aliados a essas causas existiam também problemas religiosos.

36 Toledo, Edilene e Cano Jéferson. Imigrantes no Brasil do século XIX. São Paulo.Atual.2003.p.11 37 “ Se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da cumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se,por sua vez , a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exercito industrial de reserva disponível , que pertence ao capital de maneira tão absoluta , como se ele o tivesse criado à sua própria custa”. Marx.Karl. 1984. op.cit. p.200

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Com as mudanças novas pessoas se candidataram a morar no Brasil.Alguns se inscreviam como trabalhador rural, camponês, porém, na pratica, sua atividade profissional era outra. “ Fomos ao agente de imigração; éramos um marceneiro, um mecânico, um alfaiate, um luveiro, um pedreiro e um escoveiro (...) naturalmente, para agradar ao senhor agente, nós tornamos todos trabalhadores agrícolas”.38Alguns desses novos trabalhadores possuíam idéias claras sobre sindicalismo, inclusive eram adeptos do anarco-sindicalismo Portanto, passado o período de contrato com o fazendeiro e, percebendo novas oportunidades nas cidades, eles deixavam o campo e iam serenamente se tornar operário, empresário, comerciante ou profissional liberal. Na cidade ele podia exercer com mais desenvoltura sua profissão anterior, bem como participar de atividades políticas e outras. O trabalhador italiano possuía uma consciência política bastante evoluída formada, no essencial, no anarquismo de Proudon e Bakunine.A rede globo de televisão apresentou varias novelas que retratavam o cotidiano do imigrante italiano no Brasil. Nelas, destacava-se o papel do anarquismo39 como idéia política de muito sucesso na época. O pensamento anarquista, aos poucos, conquistou a hegemonia do movimento sindical brasileiro e ajudou a criar uma base cultural importante no seio dos operários. Porém, a exemplo de outras ideologias que com o tempo perde sua força e influencia, o anarquismo, na segunda metade do século XX, perdeu a hegemonia que exercia no movimento sindical brasileiro. O marxismo40 se mostrou mais competente para questionar o processo de exploração que os operários viviam.Também apontava para uma nova sociedade comunista onde os trabalhadores seriam os principais atores do processo político. Essa utopia anima até hoje a consciência de parte importante do proletariado do mundo. Daí seu relativo sucesso nos meios políticos e sindicais. Não existem dados concretos informando se as lideranças sindicais de Corumbá ou de Campo Grande eram filiadas aos ideais anarquista ou marxista O que se nota, nas atas e ofícios, é a preocupação com questões vinculadas diretamente ao

38 Memórias de um imigrante anarquista . Porto Alegre. Escola Superior de teologia e espiritualidade Franciscana . 1989.p.17. Citado por Toledo,Edilene e Cano,feferson .Imigrantes no Brasil do Século XIX. op.cit. pp.18/19 39 Anarquismo doutrina segundo a qual as comunidades humanas podem e devem florescer sem governo.A cooperação voluntária deveria substituir a máquina coercitiva do Estado. O próprio governo corrompe os sentimentos naturais das pessoas .Os anarquistas podem diferir acerca da natureza da revolução que deve destruir o poder do Estado, mas ,historicamente tenderam a associar-se em defesa da posição violenta ao Estado. Simon,Blackburn. Dicionário Oxford de filosofia ..Rio de Janeiro. Jorge zahar. Ed.1997.p.14. 40 “Marxismo é a adesão a pelo menos algumas das idéias centrais de Marx.Entre elas contam-se,tipicamente,a percepção do mundo social pela categoria de classe, definida pelas relações com os processos econômicos e produtivos ;a crença no desenvolvimento da sociedade além da fase capitalista , através de uma revolução do proletariado(...) Na pratica , o marxismo é um comprometimento com as classes exploradas e oprimidas , e com a revolução que deverá sua condição”.Simon Blackburn..1997. op.cit. p.238.

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trabalho da categoria e, em casos mais específicos, alguma nota contra o custo de vida, falta de escolas e violência na cidade.Fora disso, questões políticas mais gerais sobre o papel do comunismo ou do anarquismo só aparecia nos jornais que defendiam os interesses dos patrões, dos armadores, ou dos comerciantes que, através da Associação Comercial de Corumbá, criada em 1910, escreviam longos artigos tentando ligar alguma greve ou movimento de protesto dos trabalhadores com idéias comunistas. Era o método usado pela burguesia para tentar desacreditar a ação política dos trabalhadores perante a sociedade. Em 1923, após uma greve comandada pelos trabalhadores marítimos de Corumbá, as autoridades da cidade enviaram um oficio ao capitão responsável pelos portos de Mato Grosso, acusando os trabalhadores corumbaenses de estarem ligados ao movimento comunista da República da Argentina.41Nesse caso, concreto, ligaram esse movimento com os comunistas argentinos, mas, em outras oportunidades ligavam também com os soviéticos. Como lembra o historiador Wagner Vitor, não podemos simplesmente acreditar que as idéias anarquistas não andassem nas mentes dos lideres sindicais de Corumbá.Os marinheiros e o pessoal que trabalhava nos portos tinham relações de amizade e profissional com gente do mundo inteiro.Os navios atracavam em vários portos onde se discutiam as novidades do mundo do trabalho e da política. “As capitais destas repúblicas tinham em seus portos, no inicio do século XX, um movimento operário forte e aguerrido, de influência anarquista especialmente, e socialista. O contato dos marítimos sul-matogrosenses com outros portos platinos teria trazido influencias de correntes ideológicas predominantes no movimento operário daqueles paises, mas que se adaptaram à realidade local”. 42 Esses novos trabalhadores foram disseminando os princípios e a prática do sindicalismo moderno.Isso não quer dizer que no passado os trabalhadores não tivessem encontrado alternativas para defender seus interesses de classe. Ao contrário. Em cada momento histórico os trabalhadores lograram construir as armas e as estratégias possíveis para travar suas lutas, entretanto, mais experimentado, porque viviam as contradições do modo de produção capitalista na sua fase imperialista43, o trabalhador do inicio século XX torna-se o responsável

41 Oliveira, Vitor Wagner Neto . Movimento Operário no Sul de Mato Grosso. Avanços e recuos dos trabalhadores no Rio Paraguaio. Tese de Mestrado. Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do do Sul. Porto Alegre. 2000. p 159. 42 Oliveira, Vitor Wagner Neto. 2000. op.cit. . P. 158 43 “ Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo.Essa definição compreenderia o principal,pois,por um lado o capital financeiro é o capital de alguns bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industrias ,e, por outro lado, a partilha do mundo é transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potencia capitalista para a política

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direto pela divulgação e criação das primeiras entidades sindicais no Sul de Mato Grosso. A realidade do sindicalismo do Sul de Mato Grosso, nas primeiras décadas do século XX, não era muito diferente da situação do sindicalismo brasileiro no início do século XIX. Os trabalhadores eram obrigados a encontrar alternativas, álibis, para poderem se organizar em entidades sindicais. A repressão do Estado e dos patrões era muito forte. Na clandestinidade foram formadas as primeiras entidades sindicais do Brasil. Foram elas: “ Sociedade de Oficiais e Empregados da Marinha, criada em 1833; Sociedade Mecânica Aperfeiçoadora de Artes e Beneficente, de 1836; Sociedade de Auxílio Mútuo dos Empregados da Alfândega, 1838; Sociedade de Bem Estar dos Cocheiros de 1856; Associação Protetora dos Caixeiros, criada em 1858; Associação de Auxílio Mútuo dos Empregados da Tipografia Nacional,1873 e União Beneficente dos Operários da Construção Naval formada em 1884”. 44 Os marítimos e portuários de Corumbá As primeiras entidades trabalhistas que temos conhecimento no Sul de Mato Grosso do Sul foram organizadas pelos trabalhadores marítimos do município de Corumbá. De acordo com Valmir Corrêa - foram elas : “Grêmio dos Machinistas da Marinha Civil e Sociedade dos Taifeiros criadas em 1917; Sociedade dos Marinheiros Unidos da Marinha Mercante formada em 1918, e o Centro Operário de Corumbá de 1919.45 Antes mesmo da criação dessas entidades os trabalhadores já faziam suas paralisações e greves. A necessidade de lutar por seus direitos substituía, provisoriamente, a representação formal. O jornal o Commercio, de Cuiabá, noticiou na coluna “telegramas”, de 11 de agosto de 1911, em nota rápida de primeira página, a greve das tripulações dos vapores “Mercedes e Miranda” ambos do Lloyde Brasileiro, em Corumbá, por atraso nos salários.A greve teria acontecido no dia 10 de agosto de 1911.46 O Grêmio dos Machinistas Civis de Corumbá, de acordo com o historiador Wagner Vitor, foi inspirado na experiência sindical dos marítimos do Rio de colonial de posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido”.Lenine,V.I.Obras escolhidas.Volume I.São Paulo.Editora Alfa- Omega.p.641 44 Leonardo ,Victor . Origens do proletariado industrial no Brasil . Citado por Segato José. Formação da classe Operaria no Brasil. Porto Alegre. Mercado aberto. 1987. p34 45Coréia Valmir.Revista do Mestrado de Educação.Campo Grande.UFMS.1997.p.69 . 46Oliveira, Vitor Wagner Neto . 2000.op.cit. . p.177

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Janeiro.47 Era natural que os trabalhadores marítimos de Corumbá buscassem um modelo vitorioso de sindicato para se ancorarem. O Rio de Janeiro foi o berço do sindicalismo Brasileiro, pelo menos na sua fase inicial, quando o setor de serviços hegemonizava as lutas sindicais. Os marinheiros, desde o império, lutavam contra as dificuldades da profissão. Uma delas, por exemplo, gerou uma das mais importantes rebeliões da historia da marinha no Brasil e ficou conhecida como a Revolta da Chibata. Nesse evento, como uma forte onda, cresceu a figura destemida do negro João Cândido. A marujada da marinha, no inicio do século, era formada na sua maioria por negros. Por isso, mesmo, grassava internamente o nefasto costume de punir os marujos com surra de chibata. Para combater essa e outras práticas os marinheiros se organizaram e, quando foi necessário, enfrentaram seus superiores na faca, na mão e no tiro de revolver e de canhão. Sob o comando de João Cândido, mais conhecido como o Almirante Negro, os marujos tomaram de assalto o navio de guerra Minas Gerais e mais quatro encouraçados. Armaram os mesmos com o que havia de mais moderno no interior da embarcação, e seguiram para arsenal da marinha, no Rio de Janeiro, ameaçando bombardear a cidade caso os castigos não fossem abolidos e os rebelados anistiados. Após cinco dias de intenso confronto verbal e alguns tiros de canhão, além de algumas surras nos superiores que teimaram em enfrentar os marujos, o movimento paredista foi encerrado. Os marinheiros foram anistiados e a chibata foi abolida dos navios da Marinha.Claro que sobraram outras formas de opressão, mas, a surra de chibata desapareceu do interior dos navios. A revolta da chibata repercutiu positivamente na organização dos marinheiros no Brasil e no mundo. Certamente os marujos de Corumbá receberam esse acontecimento como um importante reforço para sua organização, afinal, não é comum um punhado de marinheiros desafiarem e vencerem as principais autoridades da república.Para se ter uma idéia da importância desse movimento basta ver que o processo de negociação da anistia foi tratado diretamente pelo Governo Federal e o Congresso Nacional em apenas cinco dias. O Grêmio dos Machinistas de Corumbá adotou o modelo presidencialista e, de acordo com seus estatutos, existia discreta preocupação com a prosperidade material, moral e educativa dos seus sócios. O estatuto deixa claro que, entre outras coisas, os diretores deveriam criar biblioteca, promover conferências e oferecer aulas profissionais. Também não podia se descuidar do trabalho assistencialista. Era competência da diretoria estabelecer a beneficência ou auxílios prestados aos sócios necessitados, ou a família do sócio falecido que se

47 Oliveira, Vitor Wagner Neto.2000.op.cit..p.137.

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encontra em serias dificuldades”48.A direção do Grêmio dos Machinistas tinha muito cuidado com o comportamento dos seus sócios, notadamente com os ébrios habituaes, os perturbadores da ordem nas assembléias e os indisciplinados. Para estes o estatuto definia algumas penalidades que iam desde a advertência até a sua expulsão dos quadros da entidade. A expressiva maioria das entidades sindicais dessa época tinha o assistencialismo como o foco principal. Provavelmente foi esse o caminho encontrado para facilitar a organização do movimento, para não serem incomodados pela policia, nem pelos patrões. Era a forma possível, produto, entre outras coisas, do grau de consciência política que a categoria acumulou. Claro que também existiam os burocratas, os pelegos, muito em moda nos nossos dias, que criavam as entidades com o objetivo único e exclusivo de defender seus interesses ou de um grupo de trabalhadores. Sobre esse assunto é muito oportuno às considerações do velho comunista Astrogildo Pereira. “Havia muitas associações operarias do tipo reformista, beneficente e mesmo de resistência, como se chamavam algumas delas, que nunca ou raramente aceitaram a orientação anarquista, sendo que as de transportes urbanos, ferroviários, carregadores, portuários, etc, eram sua maioria dominadas por velhos burocratas sindicais inteiramente a serviço dos patrões”49. Além da organização da categoria, da sua reputação, os dirigentes sindicais do Grêmio dos Machinistas se preocupavam em fomentar o desenvolvimento educacional dos seus sócios e da família. Estava implícita à vontade de melhorar o nível escolar do filho. De lutar para que ele conquistasse uma condição de vida superior a dele. Essas escolas sindicais ficaram conhecidas como escola moderna. As lideranças sindicais sabiam que não bastava esperar pelo Estado50 ou por uma eventual escola patrocinada pela empresa. O interesse principal do patrão, notadamente naquela época, era que o trabalhador conquistasse apenas algumas 48 Estatuto do Crêmio dos Machinistas Civis. 1917. Citado por Oliveira Vitor Wagner Neto. 2000. p.138 49 Pereira Astrogildo. Ensaios Históricos e políticos. São Paulo. Alfa Omega. 1979.p.47. Citado Segato, José Antonio. Op.cit. p.84 50 O Estado é sempre um “órgão próprio” de um o grupo social, instrumento da ditadura de uma classe : mas essa dominação não se manifesta e não exerce como afirmação e defesa exclusiva de um “estrito interesse econômico corporativo” . Efetivamente o conceito de Estado como ditadura de classe não se reduz pura e simplesmente ao aparelho de comando e repressão, mas abrange o conjunto das relações complexas, através das quais se exerce o trabalho de mediação e de compromisso entre interesses do grupo dominante e os grupos aliados e subordinados, determinando a unidade dos objetivos políticos e econômicos ”.Macciochi,Maria Antonieta. A favor de Gramsci .Rio de Janeiro. Paz e Terra.1980. p.37

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noções de educação formal, suficiente para dar conta da sua rotina na empresa. Ademais, a educação formal, patrocinada pelo Estado, não só era escassa como não estava destinada a formar os filhos da classe operária.Sua missão era formar os filhos da elite que deveria substituir seus pais nas atividades burocráticas e de gerenciamento da produção, os chamados intelectuais orgânicos51. Por isso, mesmo, os operários lutavam por sua escola. Nela, na verdade, eles podiam dar algum palpite. Na escola formal, liderada pelo Estado, dificilmente o trabalhador tinha oportunidade de interagir. Quando conseguia uma vaga era muita sorte. Em 1917 foi formada a Sociedade União dos Taifeiros de Corumbá. Os taifeiros, além de se preocuparem com seus problemas específicos, também se preocupavam com os problemas mais gerais da sociedade. O problema do custo vida e a luta por melhores salários eram assuntos que estavam sempre presente nas atividades dessa agremiação.Eis um manifesto lançado pelos taifeiros. “Na atualidade operou-se um aumento extraordinário nos de nosso salário achamos impossibilitados de manter, com o que ganhamos, as nossas famílias”52.Ainda nesse mesmo manifesto denunciavam o fato de que os armadores, os patrões, estavam se aproveitando da crise para diminuir os salários e dispensar trabalhadores. Em 1918 foi criada em Corumbá A Sociedade União dos Foguistas.O foguista era responsável por manter a caldeira acessa, funcionado, para, assim, gerar pressão e mover o motor. Era um trabalho muito pesado e arriscado, pois trabalhava diretamente com fogo. Só para se ter uma idéia, embora não seja barco ou navio, uma das criticas que se faziam às velhas Maria Fumaça era o fato dos passageiros, sentados nas composições relativamente distantes da máquina onde fica a caldeira, chegarem ao seu destino final com a roupa toda furada, graças as faíscas que saltavam da chaminé da caldeira e entravam pelas janelas dos vagões Se quem estava distante se incomodava com o fogo, pior para quem estava próximo, labutando com lenha. Talvez seja exatamente por isso que uma parte importante dos foguistas tivesse o hábito de ingerir bebida alcoólica no trabalho, pelo menos é o que fala o ex-foguista Ovideo Pinto Nogueira.“Um dos diretores perguntou uma vez para mim por que bebem tanto o maquinista e o foguista. Porque não dá, é uma fornalha que leva seis, sete metros de lenha e chovendo

51 Para Gramsci “ os intelectuais são células vivas da sociedade civil e da sociedade política :são eles que elaboram a ideologia da classe dominante, dando-lhe assim consciência de seu papel , e a transforma em “concepção de mundo” que impregna todo corpo social .No nível da difusão da ideologia ,os intelectuais sãos encarregados de animar e gerir a estrutura ideológica da classe dominante no seio das organizações da sociedade civil ( igrejas, sistema escolar,sindicatos ,partidos,etc.) e de seu material de difusão (mídia) .Funcionários da sociedade civil ,os intelectuais são igualmente os agentes da sociedade política , encarregados da gestão do aparelho de estado e das forças armadas , homens políticos ,funcionários,etc. Hugues,Porteli. Gramsci e o Bloco Histórico.Rio de Janeiro.Paz e Terra.1984. p.41 52 Sociedade União dos taifeiros de Corumbá. Oficio de 13 de Maio de 1918.Citado por Oliveira Wagner Vitor Neto.2000.op.cit P.143.

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torrencialmente não se tem proteção. E você na boca da fornalha jogando lenha e o outro lá jogando paca cá.” 53 O estatuto da Associação dos foguistas era muito parecido com os outros das demais entidades ligada ao trabalho com navios. No entanto, um tema importante para eles era a comemoração do 1º Maio.. Fizeram constar no estatuto que esse era um dia para ser comemorado. Em 1919 foi criada, em Corumbá, a Sociedade dos Marinheiros da Marinha Mercante.A existência de quatro entidades trabalhistas ligadas ao mundo dos navios, em tese, demandava, pelo menos é que se pode aferir, a existência de uma entidade geral que tivesse a preocupação de galvanizar as lutas especifica de cada categoria. Nessa época não existia federação, confederação ou mesmo central sindical. Portanto, ainda em 1919, foi criado O Centro Operário de Corumbá com a missão de unir as entidades sindicais.A idéia de criar Centro Operário foi muito divulgada na década de 1920.. O Centro Operário de Corumbá foi à primeira instersindincal da região. Um dos primeiros artigos do seu estatuto falava da “criação de uma biblioteca com livros de artes, jornaes, revistas, etc. Também pleiteava a fundação de uma ou mais escolas onde fosse ministrada instrução aos sócios, seus filhos e dependente. Essa escola foi definida como de instrução primária para ambos os sexos, com cursos no período diurno e noturno de desenho linear e geométrico e industriaes para os filhos e irmãos menores dos associados para aprenderem officios”.54 Nessa escola era estimulada a educação formal e informal.Havia esforço do movimento sindical para criar escolas de alfabetização de adultos e jovens.No Centro Operário de Aquidauna, por exemplo, além de outras atividades educativas os trabalhadores reuniam-se periodicamente para ouvir a leitura de livros estrangeiros, seguido, depois, de calorosos debates.55 Embora os trabalhadores de Corumbá já lutassem pelos seus direitos antes mesmo da criação das suas entidades de representação formal, vale salientar que ao longo da década de 1920 aumentou consideravelmente o número de greves e paralisações no porto de Corumbá. È verdade que muita coisa tinha mudado desde a abertura das águas do Rio Paraguaio para navios de todas as bandeiras O mundo, inclusive, já tinha se livrado dos horrores da primeira Guerra Mundial. Em vários paises o sindicato era aceito normalmente como um parceiro na luta entre o capital

53 Tânia,Garcia ,1993.p.93. Citado por Cimo, Paulo Roberto. Uma ferrovia entre dois mundos:AEF.Noroeste do Brasil na construção histórica de Matogrosso.São Paulo.USP. ..1999.p.70 54 Correia, Valmir. 1997.op.cit P.66 55 Correia, Valmir .1997.op.cit. p.67

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e o trabalho, portanto, já havia uma conjuntura mais favorável para as lutas trabalhistas. Ancorado nesses novos ventos os marinheiros, paulatinamente, aumentaram suas atividades sindicais. Nesse sentido, em 19 de dezembro de 1920, o Jornal O Matto- Grosso, de Cuiabá, denunciou uma greve dos tripulantes no serviço de transporte de malas postais, cargas e passageiros, os quais pleiteavam um aumento salarial de 50%, a elevação no numero de tripulantes e a redução de horas trabalhadas.56 Os patrões, em que pesem saberem que a legislação naval obrigava os navios e barcos a terem uma cota mínima de trabalhadores para cada categoria de embarcação, no geral, não cumpriam com a formalidade da lei o que acarretava mais trabalho para a tripulação. E mais: muitas vezes os patrões contavam com a complacência das autoridades responsáveis pela fiscalização das condições de trabalho e da segurança das embarcações. Vejamos uma carta da Sociedade dos Marinheiros Unidos informando sobre as razões que levaram a sua categoria a parar as atividades nas embarcações do Lloyde Brasileiro em 17 de março de 1930. As classes dos taifeiros e dos marinheiros, sobrecarregados de serviços estafantes nos navios do Lloyd brasileiro, da carreira desta cidade a Montevidéu, apresentaram as suas reclamações e solicitaram o argumento do pessoal seguinte: um cosinheiro, um taifeiro e um moço de convez. Não eram desarrazoadas essas pretenções se considerar-se que esses navios, com tripulação superior a trinta homens, tem apenas um cosinheiro! Considerado ainda que todas as viajens transportam passageiros, mais mesmo sem elles, o cozinheiro era forçado a trabalhar das 4 da madrugada ate às 10 da noite, para poder dar conta das suas obrigações.57 Por outro lado, um oficio datado de 20 de julho de 1925, enviado ao presidente do Estado de Mato Grosso, tece duras critica a ação dos Grêmios de Corumbá, que, segundo a nota, estavam fazendo exigências absurdas aos donos de navios. A nota termina pedindo ao governador que intervenha nesses Grêmios. É péssima a situação actual da navegação no estado Mato Grosso, dada a nociva orientação dos tripulantes, que, organisados em grêmios de resistências, fazendo exigências absurdas , collocam-se fora da lei, perturbaram a liberdade do trabalho, creando assim uma situação de desanimo entre os armadores, de tal maneira,que será fatal o definhamento da navegação que trará como conseqüência o definhamento comercial do estado e do seu progresso. Como facto concreto cito os casos do Lloyd 56 Oliveira Wagner Vitor Neto. op.cit. P. 178. 57 Oliveira ,Wagner Vito Neto. op.cit. p.197

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brasileiro e das industrias Matarazzo que já me comunicaram estar dispostas a suspender a navegação que mantêm, aquelle há longos annos e esta a poucos mezes, numa iniciativa cheia de esperanças para Matto-Grosso.(...)Nestas condições, expondo á V.Ex. a gravidade da situação, solicito, como medida indispensável para corrigi-la a intervenção da policia no caso, esclarecendo e exigindo dos directores dos referidos grêmios de resistência o respeito absoluto a lei. Se essa intervenção consiliatoria não surtir effeito benéfico, solicito de V.Ex. o fechamento dessas sociedades de idéias subversivas que estão perturbando a ordem e o trabalho.58 Alem dessa greve, outras, evidentemente, incomodaram a classe dominante da região. Mesmo sabendo que a greve poderia redundar em alguns dias de prisão e perda do emprego os trabalhadores iam à luta. Eles tinham algum grau de consciência que a história do sindicalismo é feita de vitória e de derrota. Foi esse, provavelmente, o espírito que oxigenou algumas greves e ameaças de greves em 1919, em Corumbá. “ Tem se notícias de tentativas de greves dos operários portuários e embarcadiços em Corumbá e de trabalhadores da Madeira Mamoré Railway. Já os trabalhadores da Cia. Minas e Viação baseado em Corumbá, iniciaram um movimento de greve, armados, e ameaçando a extração de minério de manganês”.59 A exemplo de outras greves essa, também, foi duramente reprimida pela força pública. Policiais tomaram de assalto o “reduto dos revoltosos prendendo 15 dos cabeças todos espanhóis”.60 Os portuários de Corumbá, em 1920, paralisaram todo o movimento de malas postais e cargas de Corumbá. O papel dos ferroviários A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil começou a ser construída no Sul de Mato Grosso em 1908. A implantação dessa estrada ligando o Estado de São Paulo com o sul de Mato Grosso era uma velha reivindicação da população que, a exemplo de outras comunidades, esperava ansiosa que aquela máquina barulhenta e empoeirada jogasse faísca ao longo dos trilhos, apitasse nas estações de madeira trazendo o progresso e a integração do sertão com outras praças. A Noroeste do Brasil deveria ligar, inicialmente, São Paulo com a capital do Mato Grosso, Cuiabá, porém, por motivos claramente estratégico o Presidente Afonso Pena resolveu mudar o trajeto criando uma nova linha que se estendia de Itapura-

58 Oficio de número 222 enviado ao Presidente do Estado de Mato Grosso. Durval Julião. Capitão- capitão dos Portos de Mato Grosso. 20 de julho de 1925. Cx.1995.-A, Arq.PMT. Citado por Oliveira, Wagner Vitor Net. 2000.op.cit p. 192 59 Correia, Valmir. 1997.op.cit.P.67 60 Jornal o Mato Grosso. 18/05/1919. Citado por Correia Valmir. 1997.P.67

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SP a Corumbá-MT.Essa nova linha permitia melhor comunicação da região com os grandes centros do país, bem como com a Bolívia, Peru e Chile. A NOB começou a tornar-se realidade em 1908.Nesse ano, os trilhos começaram a ser colocados no solo inóspito de Porto Esperança.Essa construção estava profundamente vinculada a decisões políticas do Governo Federal e obedecia aos movimentos de avanços e recuos da política. Tudo começou como um empreendimento privado, ligado a capitais estrangeiros, como a expressiva maioria das ferrovias e outras obras públicas de grande vulto. Após vários problemas com a antiga concessionária o governo brasileiro, em 1907, assumiu o comando da construção da NOB. Entre outras decisões mudou o projeto inicial. Criou dois ramais: um ligando São Paulo a Cuiabá. Outro São Paulo a Corumbá. Assim, em 1914, os trilhos da NOB cruzaram o Sul de Mato Grosso. Os primeiros trilhos foram colocados em Porto Esperança povoado distante de Corumbá 75 quilômetros. Dali, seguiram lentamente na direção de Campo Grande. De Itapura, São Paulo, saiu também outro par de trilho na direção de Campo Grande. Depois de seis anos de muito trabalho o trem chegou a Campo Grande no dia 28 de maio de 1914, completando, assim, um trecho de 1273 quilômetros de ferrovia.A inauguração dessa ferrovia foi realizada no dia 14 outubro, em Campo Grande, com a presença de importantes autoridades do Estado de Mato Grosso e da República. A construção dessa ferrovia foi uma verdadeira epopéia. Não foram poucas as pessoas que perderam suas vidas nesse trabalho que teve um siguinificado muito especial para o desenvolvimento da região.O trabalho de assentamento de trilhos, da derrubada da mata, ou mesmo da construção das pontes e aterros era desgastante e perigoso. Muitos trabalhadores contraiam doenças tropicais. Não eram poucos os trabalhadores que fugiam do serviço, pois não agüentavam as condições de trabalho e o ambiente hostil. O jornal a Voz do Trabalhador denunciou a má condição de trabalho da Noroeste nos seguintes termos. “ Engana-se os operários com falsas promessas, pagam-lhes mal,ou não lhes pagam, obrigam-nos a trabalhar muito dando-lhes de comer mal e pouco; são victimados pelas febres,pelo cansaço e pela fome e assassinados pelos capangas ás ordens de Machado de Melo &cia”61. Ainda de acordo com o mesmo jornal o contrato entre a empresa e os trabalhadores exigia “ ( ...) entre outras condições 10 horas mínimas de trabalho, incluindo sábados e domingos, feriados e períodos noturnos; a não aceitação de reclamações salariais; a obrigatoriedade dos trabalhadores a comprarem no armazém do

61 Correia, Valmir. 1997.op.cit. p.62

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empreiteiro e pagamento dos salários vencidos em um mês somente no dia 30 do mês seguinte”. 62 Além do mais existia constantes ataques dirigidos pelos índios Caingangs e outros que vendo seu território invadido, pelo homem branco, suas matas serem derrubadas, e seus rios devassados com a construção de pontes e outras obras, resolveram agir para por fim o que eles achavam ser uma atroz liberalidade da República contra os povos que estavam na região a muitos séculos. Nesse sentido, armados de flecha e tacape enfrentaram, por muito tempo, os homens da Noroeste do Brasil.No dia 27 de julho de 1908, no quilômetro 259, trabalhadores portugueses extraiam dormentes no leito da ferrovia quando foram inesperadamente atacados por um grande número de índios, aos gritos, que cercaram a tropa e mataram vários trabalhadores.63Em 11 de março de 1910 os índios organizaram uma nova ação contra o pessoal da NOB. Nessa ocasião, outra vez, trabalhadores foram mortos e seus corpos decepados. Em julho de mesmo ano mais uma vez os índios atacaram os trabalhadores da NOB na localidade de Promissão, oportunidade em que mais de 100 índios, com suas mulheres, encurralaram os trabalhadores. A batalha terminou com várias mortes de ambos os lados, pois, nessa oportunidade, os trabalhadores e os guardas da empresa reagiram com armas de fogo.64 O confronto entre trabalhadores e índios só diminui com a intervenção do Coronel Candido Rondon. Eles fumaram o cachimbo da paz em 1910. Rondon tinha certo controle sobre os índios e os convenceu a não importunarem os trabalhadores; por outro lado, os capangas, contratados para protegerem os trabalhadores, também não podiam agredir os aborígines.Esse acordo teve uma longa duração, mas, vez por outra, registravam-se escaramuças localizadas entre o pessoal da noroeste e os índios. Mais tarde, o Governo do Estado de São Paulo criou vários postos da policia militar em lugares estratégicos, com o objetivo proteger a ferrovia. Aliado a esse processo, foi desenvolvido uma política de aproximação com os índios, que culminou, inclusive, com a contratação de alguns para trabalhar nas obras da Noroeste. O trabalhador ferroviário, inicialmente, era contratado pela empresa de duas formas: uma em que era considerado titular e responsável direto por tarefas técnicas como chefe de turma, engenheiro, mecânico, foguista, administrativo, entre outras atividades.Esses trabalhadores recebiam vencimentos mensais. A

62 Correia, Valmir. 1997.op.cit p.62 63 Vieira, Valdemir. Noroeste do Brasil em trilhos e prosas. Campo Grande. 2002. p.37 64 Vieira, Valdemir. 2002.op.cit.p.38

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outra forma era constituída de trabalhadores diarista, geralmente pessoal de campo, pedreiro, carpinteiro, roçador entre outros.Essa situação funcional, de acordo com Paulo Cimó, parece que perdurou até a década de 193065 quando foi criado um novo estatuto que definiu mais claramente a situação funcional dos trabalhadores dessa empresa . Era grande o número de estrangeiros trabalhando na NOB. Eles supriam parte da mão-de-obra que não existiam na região.Era considerável a procura por pedreiro, carpinteiro, mecânico e profissional liberal.Alguns estrangeiros trabalhavam amparados por um visto que lhe dava o direito de labutar por algum tempo no país. Outros conseguiram se naturalizar. Em 1939 existiam 540 empregados estrangeiros na NOB, dos quais 30266eram portugueses. Existiam também trabalhadores italiano, espanhol e japonês . Uma parte dos trabalhadores da NOB, aqueles que iam abrindo caminho no mato fechado, as picadas, que primeiro enfrentava as adversidades do meio ambiente, a exemplo de uma parte siguinificativa do trabalhador dos ervais, foram tirados diretamente das cadeias. No geral eram pessoas que tinha contas a ajustar com a justiça das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.67 Para se ter uma idéia das reais condições de trabalho na ferrovia Noroeste do Brasil selecionamos uma importante passagem do livro de Maria Inês de Castro. “O intenso processo de exploração imposto pela empresa construtora, aliado a condições naturais adversas, tornaram dramáticos o trabalho e a vida daqueles que se engajaram na construção da estrada. Florestas a serem derrubadas, grandes variedades de insetos, o temor de animais selvagens como onças e porcos do mato, epidemias e doenças tropicais, ataques de índios, um rígido controle sobre os trabalhadores- estes foram alguns dos problemas vivenciados em toda a construção da estrada de ferro”68 Para entendermos o processo de trabalho no interior da NOB, os maus tratos e o sofrimento nas frentes de trabalho, é fundamental conhecer a entrevista de Ovideo Pinto Nogueira ex- funcionário da empresa. “Entrei na NOB e comigo mais trinta e sete. Só ficaram quatro. Entrava ás sete e trabalhava até as catorze, ai voltava á seis e trabalhava a noite toda. E trabalhava mesmo[...]. Tinha de andar, que amanhecer limpo o deposito e se não cumprisse as determinações era mandado embora de imediato[...]. Antigamente na maquina a vapor morria no fim do ano três, quatro, cinco 65Cimó, Paulo. 1999.op.cit. p. 66 66Cimó, Paulo. 1999.op.cit.P.68 67 Cimó, Paulo.1999.op.cit p 69 68 Castro, Maria Inês. 1993.p.179. Citado por Cimo, Paulo . 2000. op.cit. p.68

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maquinistas. Vontade de chegar em casa para passar o natal. (...). Perigo quando esta locomotiva tombava cheia de fogo e água quente, matava todo mundo”69 Por conta das péssimas condições de trabalho era relativamente alto o numero de acidentes de trabalho. No período entre 1927 a 1929, foram catalogados 1.140 acidentes só com funcionários da empresa70, pois, com terceiros, não eram sistematizados. Há que se pensar que só os acidentes mais sérios eram contabilizados, face a distância dos hospitais muitos não procuravam socorro, curavam suas feridas com alguma droga do mato ou com o tempo. A exemplo de outras categorias, os ferroviários lograram construir ao longo da sua história um movimento sindical relativamente forte. Tinham a vantagem de estar articulado nacionalmente o que facilitavam parte da empreitada. Ainda no império, em 1884, no Rio de Janeiro, os ferroviários fizeram um importante movimento grevista.Nas greves de 1917, que pararam São Paulo e outras cidades, os ferroviários tiveram papel destacado. A tradição de luta dos ferroviários, aliada as péssimas condições de trabalho e salário da Noroeste do Brasil, contribuíram para o surgimento de greves e paralisações. Não foram poucas nem pacificas as greves dos ferroviários. Em 1919, a categoria exigiu aumento de salário, a demissão do médico Marinho Rego, do inspetor de tração Machado e a revogação da remoção de Francisco Garcia, presidente do Centro de Aquidauna.71 A empresa não atendeu os pleitos. Os trabalhadores entraram em greve. Próximo ao Rio Aquidauna.Os grevistas cortaram alguns dormentes (madeira que fixa os trilhos. No geral, quando isso acontece, o trem descarrila). Poucos minutos após a danificação dos trilhos, o trem se aproximou, devagar, porque a área era considerada de perigo.Alguns operários assistiram a cena.”O trem, sem trilho para se guiar lentamente descarrilou.Tombou a locomotiva, o carro do correio e o de transporte de animais. O carro de passageiros, por sorte, não foi atingindo.”72 A policia agiu rápido. Iniciou-se uma grande operação para prender os culpados. Mais de 100 trabalhadores foram parar na cadeia naquele dia, a grande maioria sem ter nada haver com a greve. Eles nem sabiam porque estavam presos. O Jornal o Matto Grosso, ligado aos interesses dos patrões, logo denunciou que a greve era coisa de comunista e tinha sido inspirada pelo professor Jorge Bodstein Filho, pregador das idéias maximalistas, que levava os trabalhadores a cometer excesso

69 Garcia, Tânia. op.cit.,p.92.Citado por Paulo Cimo .2000.op.cit. p.70 70 Cimo, Paulo. 1999.,op.cit.p 69. 71 Correia, Valmir.1997.op.cit. p68 72 Valmir Correia .1997.op.cit. P.68.

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e desmandos de toda ordem a ponto de ter o governo de usar contra eles medidas de rigor73 O que chama a atenção no comentário do jornal é o fato do matutino culpar os trabalhadores pela repressão policial, ou seja, se os trabalhadores ficassem calados, não reclamassem, não procurassem a suposta ajuda do professor Bodstein, se não exigissem aumento de salários e melhores condições de trabalho nada aconteceria com eles, exceto, ter que conviver com as péssimas condições de trabalho e o baixo salário. Por outro lado, fica muito claro a discriminação que a imprensa alimentava contra as idéias de Karl Marx e a revolução Russa de 1917. Qualquer movimento político de caráter contestatório ao governo ou a uma empresa era ligado automaticamente à coisa de comunista. A imprensa, nesse caso, repercutia fielmente o pensamento da classe hegemônica que, normalmente, é contrária a qualquer movimento contestatório, greve, exceto, quando o movimento é feito pela própria classe dominante, ou a mando dela, para extrair do governo seus pleitos políticos e econômicos. Em Corumbá, em 1918, trabalhadores ligados à construção da estrada de ferro que -liga as minas de ferro Urucum a Corumbá -entraram em greve. Havia uma tensa negociação sobre aumento de salários. A empresa se negou a atender a reinvidicação.Alegava que não tinha condição financeira. Surgiu o impasse. Os trabalhadores resolveram parar. Em represália a empresa chamou a polícia para obrigar os operários a voltarem ao trabalho. O jornal O Matto Grosso deu a seguinte noticia . “ Começou a greve na estrada do Urucum a Corumbá provocadas pelos trabalhadores vindo há poucos dias do Rio e São Paulo. Hoje, pela manhã, o subdelegado de polícia de Ladário pediu por telefone o auxílio da força pública que accendeu incontinenti, fazendo seguir uma força de treze homens sob o comando de um oficial a qual chegou a tempo de evitar a explosão preparada por uma das turmas, restabelecendo a ordem e fazendo voltarem todos ao trabalho”.74 Até 1920 a história registra vários conflitos sindicais no interior da Noroeste do Brasil, porém, a partir de Janeiro de 192075 quando foi aprovado o novo estatuto da empresa, que concedia estabilidade no emprego aos operários que possuíam mais de 10 anos, bem como a melhoria das condições de trabalho, além da construção de hospitais em Aquidauna, Três lagoas e Bauru, criação de refeitórios nos carros, aumento de salários, bem como o aumento da repressão e da ordem com demissões sumarias, diminuiu, em termos relativo, a pressão dos

73 Jornal O Mato Groso,18/05/1919. Citado por Correia, Valmir.1997. op.cit.p.68 74 Jornal o Mato Grosso, Cuyabá,14/071918. Citado por Valmir Correia.1997.op.cit.op.p 66. 75 Cimo, Paulo.1999.op.cit.p 65

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trabalhadores. No entanto, conforme veremos a seguir, na década de 1930, os ferroviários e outras categorias retomaram parte das suas reivindicações históricas.

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CAMPO GRANDE CONQUISTA A HEGEMONIA SINDICAL Até a década 1920 o município de Corumbá exerceu a hegemonia econômica, política e sindical do Sul de Mato Grosso, entretanto, com a construção da Noroeste do Brasil, em 1914, e o advento da primeira Guerra Mundial 1914-1918, aliado à crise que se instaurou no pós-guerra,espremida por forte crise econômica, a cidade branca perdeu o glamour que durante décadas ostentou. A burguesia comercial de Corumbá, instalada no porto, não tinha muito que o fazer para evitar as falências e outras conseqüências que aparecem nos momentos de dificuldade. O problema é que o crescimento de Corumbá foi ancorado nos navios, a partir de impulsos externos,76 com a crise, o capital foi buscar novas praças, mais atraentes financeiramente, essa é a lógica do modo de produção capitalista. A crise da década 1920 não atingiu apenas Corumbá, foi uma crise mundial que começou com a quebra da bolsa de valores de Nova York e se espalhou pelo mundo, em forma de onda, provocando quebradeira generalizada.Alguns centros do comercio mundial foram desativados ou perderam importância relativa. Corumbá é um desses casos. Muitas casas comerciais e industrias foram fechadas. O trem, saindo e chegando nas barrancas do Rio Paraguaio, na estação de Porto Esperança, trazendo produtos diretamente do Estado de São Paulo, na sua grande maioria mais baratos e com maior regularidade de entrega, inibia o comércio de Corumbá que dependia de mercadorias internacional. Assim, o rearranjo internacional do comercio e a construção da Noroeste contribuíram diretamente para a derrocada do prestigio político e econômico da cidade branca. Junto com a crise vieram os problemas sociais. Uma forte onda de desemprego afetou profundamente o município de Corumbá na década de 1920. Até os músicos da banda municipal abandonaram a cidade em busca de novas oportunidades.O intendente de Corumbá discorrendo acerca do paradeiro da banda civil, salientava “como sabeis, ella compunha-se na sua maioria de operários, que por falta de trabalho nesta cidade, foram attraidos para as obras federaes de C.Grande e Aquidauna, resultando no esfhacelamento completo da banda”.77 De acordo com o historiador Oliveira Victor Wagner que teve oportunidade de estudar a organização sindical dos marinheiros e categorias conexas de Corumbá, eram péssimas as condições de vida e de trabalho deles

76 Correia, Lucia Salsa. História e Fronteira : o Sul de Mato Grosso. 1870-1920. Campo Grande/MS. Editora UCDB. 1999.p.159 77 relatório apresentado à Câmara Municipal de Corumbá ,06 de nov. de 1922.livroB-3,ArqPMT.Citado por Oliveira Vitor Wagner Neto.2000.op.cit.p.68

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“A principal categoria de trabalhadores em Corumbá, o da navegação, tinha, na região do porto e no bairro Sarobá, de predominância negra, os lugares de moradia e os preferidos para os jogos e bebidas. Eram guetos conquistados dentro do poder municipal, onde a lei era delineada pelos seus próprios habitantes e um dos principais códigos de vivencia eram as artimanhas para evitar a interferência do Estado, diga-se, da policia, em seu meio.” 78 O fato de alguns trabalhadores estarem desempregados ou sub empregados e, como forma de passar o tempo procurarem os bares ou ficarem conversando em rodas, no cais do porto, ou nas ruas próximas do porto, sobre suas dificuldades e coisas amenas, sorvendo alguma bebida, soava como algo mais do que anormal para as classes dominantes que controlavam os destinos do município.A elite do porto via esses homens como perigosos agitadores capazes de desestabilizar a ordem e os bons costumes da cidade. Pelo menos é o que se pode extrair de algumas reportagens voltadas exclusivamente para denegrir a imagem dos trabalhadores. “Chamamos a attenção do Snr. Delegado de polícia para os grupos de desocupados que se multiplicam em determinados pontos da cidade, com especialidade no porto, (...) Alli essa gente discute todos os assuntos; machina ladroeira e trama pancadaria-verdadeira assembléia de bolshevista em pleno coração do Brasil”.79 O município de Corumbá, em 1920, tinha uma população de 19.547 pessoas.A população estrangeira era da ordem 2.955 pessoas. As principais indústrias instaladas na cidade eram: meridional -fabrica a vapor de gelo, águas minerais, gingerale, gazoza, xarope e licores``; a industrial, iluminada á luz elétrica, produtora de massas alimentícia, café torrado e moído, fumo para cigarros e charutos ; a cervejaria Nacional – Corumbá; e o estaleiro de construção naval dos irmãos Puccini & Cia.80 Além dessas industrias existiam também pequenas oficinas que atendiam a demanda regional. Parte importante dos comerciantes estabelecidos em Corumbá, com a crise, direcionaram seus interesses para outras praças. Campo Grande recebeu parcela importante dos habitantes e do capital desse município. Um caso exemplar é contado por Paulo Coelho Machado. “Corumbá apresentava os primeiros sintomas de decadência. As informações sobre Campo Grande eram alvissareiras. Cidade nova, de movimento

78 Oliveira,Vitor Wagner Neto. 2000.op.cit.1999.p. 101 79O jornal A cidade de 17 de Agosto de 1921. Citado por Oliveira, Vitor Wagner Neto. 2000. op.cit.p.101102 80 Castro,Alexandre A.de. Corumbá, annuário de Mato Grosso-1930.p.86. Citado por Oliveira, Vitor Wagner Neto. Op.cit.p.40

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comercial intenso, progressista, Antônio Mandetta não pensou duas vezes. Com sua experimentada visão da vida, resolveu, num átimo, que Campo Grande seria sede de seus negócios. Importou máquinas da Alemanha e, ele próprio, fez a montagem da fábrica Mandetta.”81 A empresa Mandetta era uma das mais importantes de Corumbá e fabricava refrigerante. Urbanização e Modernização de Campo Grande Os cronistas são unânimes em informar que Campo Grande, no inicio do século XX, era uma cidade marcada por intenso desenvolvimento econômico, mas, como a maioria das cidades localizadas na fronteira, apresentava alto índice de violência. A maioria das desavenças era resolvida na bala.A justiça era o rifle ou o parabelo. A faca e o punhal também eram armas famosas. Os paraguaios as manejavam com rara habilidade.No bairro Vila Carvalho, região central de Campo Grande, moravam muitos paraguaios que trabalhavam no abatedouro municipal, próximo do atual horto florestal.Nos domingos, depois de algumas doses de aguardente e muita rancheira, contam os antigos moradores da Vila, que era muito comum eles resolverem eventuais desavenças na ponta do punhal ou da faca. O código de postura de Campo Grande, criado em 1905, traz orientações muito rígidas objetivando combater a violência e outras atitudes consideradas nocivas para a sociedade. No primeiro capitulo reza que vender bebida alcoólica ao freguês que já estivesse embriagado ou armado, ou continuar com as casas de negócios (prostíbulos) depois do toque de silencio o dono seria multado. No capítulo XI, das armas prohididas, o código é detalhista: “é proihibido o uso de armas offensivas como sejam espingardas, clavinetes,pistolas, garruchas, revolveres, espadas, floretes, punhaes, navalhas, facas de ponte, canivetes grandes, estoques, sovelas, cacetes, catiretes, ou quaisquer outros instrumentos offensivos de qualquer denominação.Quem fosse pego na cidade usando uma arma dessa, sem licença, seria multado e ficava sujeito a pena criminal”.82 O cronista Abílio de Barros relata que existia um ditado muito usado pela população para se referir à morte matada: “morreu da doença da terra, calibre 44”83.O mais próspero comerciante da cidade, Naim Dibo, começou sua carreira empresarial a partir de um contrato que fez com a Prefeitura Municipal para transportar para o necrotério público os defuntos que amanheciam nas calçadas, no centro da cidade, principalmente na rua 07 de setembro famosa por seus cabarés.

81 Coelho, Paulo Machado. Pelas Ruas de Campo Grande : A rua Barão. Campo Grande /MS. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. 1991. p.100. 82 Código de postura da Vila de Campo Grande. Encarte da Revista Arca Campo Grande. Outubro de 1995.Número 05.P.35 83 Campo Grande cem anos de construção. Campo Grande. Matriz Editora.1999.P. 18

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A violência era tão acirrada que até os nossos dias os irmãos baianinhos continuam famosos e rendendo muitas histórias de valentia. Até o Coronel Bento Xavier, homem forte da fronteira, recuou da tentativa de invadir Campo Grande em 1911.Foi bravamente repelido por um grupo de homens comandado pelo vereador Amando de Oliveira84. Os revolucionários de 1925, liderados por Luis Carlos Prestes, também evitaram entrar em Campo Grande. Os tenentes chegaram aos Campos de Vacaria através de Ponta Porã, onde ficaram instalados, esperando melhorar as condições políticas e militar para retornar ao Brasil. No trajeto para Campo Grande, em varias oportunidades, os revolucionários combateram as tropas legalistas comandada por Bertoldo Klinger, que, a rigor, não conseguiu impedir que a coluna cruzasse o Sul de Mato Grosso praticamente incólume. A passagem da coluna Prestes pelo Sul de Mato Grosso deixou muitas histórias.Uma delas, pela sua importância política, vale a pena ser relatada. Em Corumbá, no 17º batalhão do exército existia um grupo de sargentos simpáticos a causa da - Coluna Izidoro Lopes ou Prestes - como ficou mais conhecida.Eles achavam que os tenentes tinham razão em combater o governo de Artur Bernardes. O sargento Armando Granja, irmão de Arcelino Granja, era um dos mais ativos do grupo. O plano dos sargentos era sublevar o batalhão de caçadores e apoiar a entrada da coluna no Estado que, já se encontrava nas proximidades de Ponta Porã, naqueles dias de março. Na madrugada de 27 de março de 1925 começou a revolta.O comando da operação ficou a cargo do sargento Aquino."O motim teve inicio na enfermaria militar. Os praças deviam ter sido catequizados com larga antecedência por dois sargentos ( Aquino e Granja ) um dos quais velho inferior, realmente muito bem quisto entre soldados e civis (...) Ao amanhecer, o motim alastrava-se, senhor da cidade apoderando-se do telegrafo. Os oficiais que iam chegando ao quartel eram presos, de sentinela à vista”. 85 Logo que a revolta começou o capitão Luis Oliveira Pinto, comandante interino da unidade foi ineditamente preso. “Ainda deitado me arrastaram para o xadrez(...) segurado por vários praças comandadas pelo sargento Antonio Carlos de Aquino que, na gritaria infernal, declarava que me prendia por ordem de Izidoro Lopes.86 Os sargentos tomaram de assalto o quartel do exército e alguns prédios públicos, porém, no final da tarde, depois de intensa luta campal que culminou com a morte de cinco militares, a revolta chegou ao fim. O sargento Aquino foi preso e

84 Cruz, Sergio Manoel . Sangue de herói. Vida Agitada e morte trágica de Amando de Oliveira.Campo Grande/MS. Iacuporã.Editora PH.2002.p 93. 85 Sousa, Lécio Gomes.História de Corumbá. 86 Sousa, Lecio Gomes....op.cit p.142/3 ???

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fuzilado no mesmo dia. O sargento Armando Granja conseguiu fugir pelas águas do Rio Paraguaio. Nadou e andou pelo pantanal até chegar a fazenda da família Barros. Dessa fazenda, de barco, Armando atingiu Porto esperança. Dali, de trem, conseguiu chegar ao município de Três lagoas. Em seguida se deslocou para a região Norte do Estado onde se incorporou a coluna Prestes que estava na localidade de Baús, se preparando para entrar no Estado de Goiás. A última noticia que se tem do sargento Armando Granja é que ele se refugiou, com a coluna, na Bolívia em 1927. Emancipação política de Campo Grande. Campo Grande foi elevada à condição de município em 16 de Julho de 1918. Essa posição foi conquistada, em parte, graças ao advento do trem. Da velha e saudosa estação ferroviária localizada na Avenida Calogeras, saía e chegava, diariamente, carretões de mercadorias para atender a expressiva maioria dos povoados e fazendas dos Campos de Vacaria. Pelo trem também, chegava imigrantes para participar do processo de construção da cidade. Eram árabes, japoneses, italianos, portugueses, espanhóis, francês, grego, armênio, russo, entre outros. Alguns traziam recursos para começar uma atividade comercial e ou industrial. Outros vinham exclusivamente contratados para trabalhar nas obras públicas e privadas que estavam surgindo. Uma parte importante dos imigrantes vieram diretamente para trabalhar no novo traçado da cidade e na construção da ferrovia.A direção da NOB solicitou estudos para dotar Campo Grande de um traçado urbano compatível com a existência de trem e automóvel. O engenheiro Nilo Javari Barém foi contratado para executar esse serviço que, ao final, deixou a cidade bonita, com ruas largas, e dispostas em forma de tabuleiro de xadrez. Barém, pelo que se viu, era um profissional com uma visão muito moderna sobre planejamento urbano. Ademais,em 1921, Campo Grande, se tornou o centro do Comando da Circunscrição Militar estadual. A construção das novas instalações e a formação do seu corpo técnico e militar representou outro importante impulso para o município. A população de Campo Grande, na década de 1920, necessitava de clubes, bares, cabarés, lanchonetes, mercearias, hospitais, colégios, delegacia, prefeitura, correio, entre outros equipamentos tipicamente urbanos. A construção e instalação desses negócios gerava demanda agregada e também consciência social e política. Portanto, produto desse processo em que a educação e as idéias tiveram forte peso, nasceram alguns jornais voltados para problematizar os aspectos econômicos, políticos e outros do município e do Estado. De acordo com a Revista Folha da Serra de Agosto de 1933, o setor industrial de Campo Grande contava com 73 fábricas e oficinas. Esses empreendimentos estavam assim distribuídos: calçados, 12; conservas, 19; vinagre, 4; farmacêutica, 1; artefatos e tecidos, 1; chapéu, 1; torrefação e moagem, 6; manteiga, 6; móveis,

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8; queijos, 3; artefatos de couro, 6; ladrilhos e mosaicos, 2. O setor da construção civil, industrial e comercial encontrava-se em franco processo de crescimento. A força do comercio de Campo Grande possibilitou que, em 14 de outubro 1926, fosse criada a Associação Comercial e Industrial de Campo Grande.O primeiro presidente dessa entidade foi Eduardo Olimpio Machado, político, e dono de casa comercial e industrial. Essa entidade cumpriu no seu tempo a missão de organizar os empresários locais para participarem das grandes decisões econômicas e políticas do Estado. Não é por menos que, em várias oportunidades, filiados da Associação Comercial ocuparam cargos de relevo na estrutura administrativa e política do Mato Grosso. Eduardo Olimpio Machado, por exemplo, foi vice-presidente do Estado de Mato Grosso. A questão da violência em Campo Grande foi objeto de preocupação da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande. Foi dela a idéia de criar a primeira guarda municipal civil da cidade. Essa guarda era custeada pelos associados e estava diretamente sob as ordens da entidade. A direção da Associação também se preocupou em melhorar a qualificação da mão-de-obra dos seus sócios. Com o tempo, todos os assuntos importantes de Campo Grande e das cidades próximas eram debatidos no seio dessa entidade. Uma vez por semana os associados se reuniam para trocar impressões sobre taxas de juros, preços das mercadorias, fretes cobrados pelo trem, problemas administrativos da cidade e do Estado, bem como para consultar o diário oficial da União e jornais e revistas dos grandes centros e de outras associações 87. Novas entidades sindicais em Campo Grande O conjunto das mudanças que a cidade experimentou na década de 1920, propiciou que surgissem, como conseqüência desse processo, novas entidades sindicais. A ação dessas entidades, paulatinamente, influenciou a transferência da hegemonia do sindicalismo de Corumbá para Campo Grande. O movimento sindical saiu das barrancas do Rio Paraguaio para ganhar as ruas de Campo Grande. Nos anos 1930 não era mais o apito dos navios que dava a direção do movimento trabalhista no Sul do Mato Grosso, mas, o apito do trem, como muito bem definiu o professor Valmir Correia. A cidade morena crescia a passos largos.Porém, as condições de trabalho deixavam a desejar: jornadas longas, locais de trabalho insalubres, salários achatados, ausência de equipamentos voltados para a segurança de trabalho, baixa qualidade das moradias e da saúde pública, analfabetismo, entre outras dificuldades. Essa situação favorecia a criação de entidades sindicais.Elas nasciam

87 Rodrigues. Elisandra Padilha. Histórico dos 70 anos da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande. 1996. p. 07

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exatamente para lutar por melhores condições de vida e de trabalho para a classe operária. Em função das especificidades da época, algumas entidades foram formadas tendo como sócios patrões e empregados. Um exemplo foi a Sociedade Operária União dos Trabalhadores formada em 1928, em Campo Grande. Eram sócios dessa entidade comerciantes, construtores, profissionais liberais, comerciários, pecuaristas, carroceiros e alfaiates88. A iniciativa de se criar sindicatos integrais, com patrões e empregados, foi do Governo Federal que, com isso, queria diminuir os choques entre o capital e o trabalho. A década de 1920 foi muito rica em embates sindicais.Não foram poucas e nem pacificas as greves registradas nesse período.Por isso, o Governo arquitetou o plano que colocava patrão e empregado na mesma entidade como se os interesses fossem os mesmos.Como se não existisse luta de classe.Foi uma idéia que já nasceu morta, embora, nos nossos dias, não são poucos os discursos proferidos por importantes autoridades enaltecendo a parceria entre o capital e o trabalho. Aliás, esse discurso é típico dos sindicalistas que migram de classe social, que ocupam algum cargo público ou se torna patrão. A revolução de 1930 abriu espaço para a criação de sindicato claramente classista. Patrão e empregado foram estimulados a construírem sua representação especifica.Os trabalhadores da Construção civil e do Mobiliário de Campo Grande decidiram criar sua entidade sindical. Desde de 1928 que eles tentavam se organizar.Em Novembro de 1929 foi realizada uma reunião com a categoria para debater a criação do sindicato.Nessa reunião, como convidados, estiveram presentes representantes dos charreteiros,dos padeiros e dos alfaiates89. Alguns trabalhadores da construção civil já possuíam experiência sindical. Vinham de paises mais avançados politicamente em que o movimento sindical tinha relativa presença.Diante das difíceis condições de trabalho verificadas no Estado era natural que eles procurassem se organizar. Em 1930 uma comissão de trabalhadores ficou responsável pela criação e organização da Associação dos Trabalhadores da Construção Civil. Essa Associação se transformou em sindicato no dia 13 de Agosto em 1933, tendo como presidente o mestre-de-obras Rafael Peres. A solenidade de fundação do sindicato contou com a presença das principais autoridades do município, familiares dos trabalhadores, empresários e líderes sindicais. A ata de fundação da entidade, de acordo com Alisolete Santos, relata

88. Weingartner, Alisolete dos Santos. Operário nas industrias da construção civil : participação e luta por direitos sociais. Uma história do sindicalismo em Ccampo Grande-MS, 1928-1979. Franca .SP. 2001.Dissertação de Doutorado. P.37. 89 Weingartner, Alisolete dos Santos .2001.op.cit.p 39

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que nesse dia, as crianças filhas dos operários e alunas da escola Humberto de Campos, que funcionava no próprio sindicato, antes da saudação das autoridades, declamaram poesia para os presentes. Também registra que entre as autoridades estava o comandante da 9º região militar general Newton Cavalcanti que discorreu, na oportunidade, sobre a boa convivência entre empregados e patrões. Falou também que o sindicato serviria para solucionar as pequenas diferenças existentes entre patrões e empregados porque o seu principal objetivo era a união de todos em consideração ao amor á pátria e a família.90 Quando o general Newton falava deve ter se lembrado que um ano antes, lideranças desse sindicato estavam de armas na mão combatendo o Governo de Getúlio Vargas.Daí o seu apelo para que o sindicato tivesse amor à pátria e outras coisas. Em 05 de abril de 1936 foi apresentado aos sócios do Sindicato da Construção Civil o novo estatuto da entidade e a carta sindical. Como de praxe, o presidente da entidade, Berto da Silva,ofereceu uma festa para a categoria e autoridades da cidade. 91 A criação de um novo estatuto para o sindicato, provavelmente, foi uma exigência do Ministério do Trabalho. A partir de 1930, por ocasião do decreto 19770 e de outros, o Governo Federal passou a regulamentar as atividades dos sindicatos.Era uma forma de controlá-los. Ao mesmo tempo em que o Governo garantia a classe trabalhadora à não discriminação salarial com base em sexo ou idade, salário mínimo regional, jornada de trabalho de 08 horas, descanso semanal remunerado, regulamentação de férias, proibição do trabalho para menores de 14 anos, instituição da carteira de trabalho, convenção coletiva, voto feminino, entre outros direitos, na outra ponta, criava mecanismos que controlava a atividade do sindicato, que prendia organicamente o movimento sindical aos interesses do Estado. O Decreto 19770 previa a presença de delegados do Ministério do Trabalho nas assembléias sindicais e acompanhamento trimestral das finanças da entidade; aplicação da legislação social só para os sindicatos reconhecido pelo Ministério; Proibição de atividades ideológicas, proibição dos funcionários públicos se associarem em sindicato; criação de colégio eleitoral para escolher o presidente da entidade; criação de estatuto padrão para todos os sindicatos, entre outras iniciativas, claramente reacionárias. Alguns sindicatos foram á luta.Não seguiram a orientação do Ministério do Trabalho que exigia das entidades que se subordinassem de alguma forma, aos interesses do Estado.O instrumento de cooptação era a famosa carta sindical, documento expedido pelo Governo que tinha como objetivo formalizar a existência da entidade. 90 Weingartner, Alisolete dos Santos .2001.op.cit.p .59 91 Weingartner, Alisolete dos Santos .2001.op.cit.p 3

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O novo estatuto do Sindicato da Construção Civil definia o sindicato como uma entidade voltada para “defender os direitos de seus associados e da classe(...) e colaborar com o Estado no estudo e solução dos problemas que, direta ou indiretamente se relacionam com os interesses da profissão. Para ser sócio do sindicato era necessário ser apresentado a entidade por um outro sócio, bem como satisfazer as exigências da lei e do estatuto, salvo falta de idoneidade comprovada. O sócio que atrasasse a sua mensalidade ou desrespeitasse a assembléia geral, a comissão executiva ou os seus membros seria excluído do quadro de sócios. O artigo XXXII “vedava toda e qualquer propaganda de ideologias sectárias e de caráter político ou religioso, bem como de candidaturas de cargos eletivos estranho a natureza e os fins do sindicato”92 O sindicato da Construção Civil de Campo Grande fazia imenso esforço para fomentar atividades desportivas e educativas para seus sócios. O Operário Esporte Clube, orgulho de parte importante da população de Campo Grande, nasceu nesse sindicato, em 1938. Trabalhadores de varias categorias se cotizaram para criar seu clube de Futebol. Não é mera coincidência o fato do nome da agremiação começar com adjetivo operário. Na rua Maracajú, na sede do sindicato, foi criada uma sala de aula para alfabetizar os operários e seus familiares. No início, os professores eram os próprios trabalhadores93. O sucesso dessa experiência, aliado a necessidade da categoria por formação e informação, ensejou que, em 1933, a pequena sala de aula se transformasse na Escola Municipal Humberto de Campos. Em 1936 esse sindicato, era dirigido pelo senhor Leonardo Bescaja Garrudio. Em 1937, entretanto, estava à sua frente o senhor Castelo Alxego. Pelos sobrenomes é possível que ambos fossem estrangeiros ou descendente. O advogado trabalhista Celso Pereira contou ao autor que ouviu na década de setenta antigos sócios do sindicato comentarem que os velhos dirigentes desse sindicato, principalmente Rafael Peres, cobrava os direitos dos trabalhadores junto as empresas na “ponta” do punhal. Ele chegava no escritório da empresa e fazia questão de mostrar que estava armado, que carregava na cintura um punhal.Como não existiam ainda as leis trabalhistas dos nossos dias, o punhal, parece, fazia às vezes de advogado.Não era uma boa alternativa, mas, de acordo Celso Pereira94, o método funcionava. Pelo menos para o pessoal da construção civil. O Sindicato da Construção Civil tornou-se uma das entidades mais combativa do Sul de Mato Grosso.As principais iniciativas na área trabalhista eram realizadas

92 Estatuto do Syndicato dos Operários da Construção civil e do Mobiliário de Campo Grande aprovado em 10 de Novembro de 1936. 93 Weingartner. Alisolete. 2001.op.cit. p.41. 94 Entrevista concedida ao autor em 14 de Abril de 2004

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com o apoio, ou com a direção dessa entidade. As lideranças da construção civil não faziam apenas o trabalho sindical propriamente dito.Participavam também da vida política do Estado e da cidade. A “revolução constitucionalista ” de 1932 Em 1932 a burguesia paulista combateu em armas o governo liderado por Getúlio Vargas. Esse evento ficou conhecido como revolução constitucionalista e, tinha como objetivo tirar Vargas do poder e reinstalar a política do café com leite, de triste memória. Alguns políticos e lideres sindical do Sul de Mato Grosso participaram dessa “revolução” ao lado dos paulistas. Lideranças dos trabalhadores da Construção Civil e da Associação dos Garimpeiros do Rio Aquidauna estiveram diretamente envolvidas na luta. Provavelmente achavam as lideranças sindicais que estavam participando de uma revolução de cunho popular que culminaria com a derrota de Getúlio Vargas e a separação da região Sul de Mato Grosso do Norte. Ledo engano. Apenas uma parte muito pequena dos combatentes tinha projeto emancipatório. Os demais sonhavam mesmo com a possibilidade de retornar ao poder. No máximo, podiam até pensar em mudar a capital de Cuiabá para Campo Grande. Tanto isso é verdade que, anos depois, os revoltosos do Sul do Mato Grosso exerceram cargos importantes no comando do aparelho do Estado e não fizeram absolutamente nenhum esforço para que essa proposta fosse materializada.O Estado foi dividido em 1977 muito mais por questões econômicas e de geopolítica do que pela ação das lideranças sulinas. Do município de Rochedo partiu um pelotão de garimpeiros, liderado pela Associação dos Garimpeiros do Rio Aquidauna. Os homens do garimpo foram comandados pelo capitão do Exército João Pessoa Cavalcanti95 e tiveram a missão de vigiar a fronteira de Coxim com Cuiabá. A idéia era evitar que tropas da capital do Estado, Cuiabá, leais ao Governo Federal, atingissem Campo Grande. Os revoltosos do Sul de Mato Grosso conseguiram sublevar algumas unidades militares do Sul de Mato Grosso. Permaneceram fieis ao Governo Federal as unidades de Corumbá, Porto Murtinho e Bela Vista.O médico Vespasiano Barbosa Martins assumiu a direção do governo do provisório do “Estado” de Maracajú.Com a derrota, a rigor, vieram, as prisões, cassações, expulsões, entre outras iniciativas não menos severas.Os principais líderes da intentona fugiram para a República do Paraguaio. O movimento sindical não escapou das punições. De acordo com Alisolete dos Santos os coronéis cuiabanos, representando a legalidade, prenderam ou

95 Martins,Demóstenes.Memórias:A poeira da jornada.São Paulo. Resenha Tributária.1980. p. 102

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mandaram eliminar alguns líderes do sindicato96. Não foi possível encontrar documentos ou fonte orais que confirmasse a morte de sindicalistas da Construção Civil nesse evento.O que existe são informações sobre algumas prisões de lideranças sindicais e políticas. . Porém, passados pouco mais de três anos da chamada revolução constitucionalista, período, talvez, suficiente, para que os dirigentes sindicais e outros retornassem a cena política, curassem as feridas, eis que dirigentes sindicais de Campo Grande e de outras cidades do Estado estão envolvidos em outra tentativa de golpe contra Getúlio Vargas . A intentona comunista de 1935 no Sul de Mato Grosso Algumas lideranças sindicais e políticas do Estado de Mato Grosso se filaram a ALN - Aliança Libertadora Nacional. Essa entidade, criada em 1934, tinha como objetivo suspender definitivamente o pagamento da dívida externa; nacionalizar as empresas imperialistas;proteger os pequenos e médios produtores do campo; ampliar as liberdades civis e instaurar um governo popular. Em pouco tempo a ALN fincou raízes por todo Brasil. Uma Parte importante dos quadros políticos dessa agremiação eram egressos das forças armadas e seguiam a liderança de Luis Carlos Prestes. A ALN também contava com a participação de intelectuais, estudantes, comunistas e sindicalistas. Era uma frente política que comportava velhos adversários de Getulio, comunistas, nacionalistas, entre outros. Faziam parte da ALN em Campo Grande, lideranças da construção civil, dos padeiros, hotéis e similares, alfaiates e ferroviário97. O presidente do sindicato dos Ferroviários da Noroeste do Brasil, José Duarte, filiado ao PCB, era o responsável pela seção sindical da ALN no Sul de Mato Grosso. Para animar a militância e divulgar os objetivos da agremiação os sindicalistas faziam reuniões e comícios nas principais cidades do Estado. Nem sempre suas pregações eram tranqüilas. O governo Federal, em função do crescimento da ALN, começou a criar alguns problemas objetivando inibir a ação política dessa entidade. Em comício realizado em Campo Grande, na rua XV de novembro, os aliancistas tiveram problemas para discursarem. “José Duarte não conseguiu discursar devido às evoluções que aviões militares da 9º região executavam sobre a massa aglomerada em verdadeira festa popular”.98 Para ajudar o trabalho de José Duarte, o PCB, mandou para o Sul de Mato Grosso os jovens comunistas Ruvião Agricola, estudante, morador em São Paulo,

96 Weingartner,Alisolete dos Santos.2001.op.cit.p. 58 97 Weingartner, Alisolete dos Santos .2001..op cit..p.67. 98 Momeso, Luis. José Duarte, um maquinista da História . São Paulo. Editora oito de março. 1998.p. 68

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e Rádio Maia, sargento do exército, lotado no Rio de Janeiro. O primeiro tinha como missão organizar os camponeses para participarem do levante nacional que estava sendo preparando pela ALN. A missão do segundo era conquistar a adesão de quadros das forças armadas para o referido levante. Existia no Estado alguns militares da ativa simpáticos as idéias políticas de Luis Carlos Prestes. Era nesse filão que Rádio Maia deveria trabalhar. Em 23 de novembro 1935, lideranças da Aliança Nacional Libertadora e do PCB, deflagraram o movimento insurrecional. Algumas praças de guerra foram tomadas na região Nordeste. Registraram-se combates também no Rio de Janeiro. Em menos de três dias o Governo Federal já tinha o controle da situação. E mais: já tinha identificado e preso uma parte dos insurretos. Não foram poucos os erros cometidos pelos comunistas e aliancistas nesse episódio. Faltou uma radiografia mais consistente do momento político. Apesar do heroísmo de alguns esse evento foi uma mistura de amadorismo, voluntarismo e esquerdismo. Só para se ter uma idéia do grau de ingenuidade de alguns dirigentes, um dos grupos selecionados para combater o Governo Vargas, no Sul de Mato Grosso, foi liderado por Selvino Jaques. Selvino, na verdade, era um mister de comerciante e fazendeiro, porém, nas horas vagas, costumava cometer assassinatos a pedido dos coronéis da fronteira. Contra ele também havia muitas denuncias de roubo de gado e outras mercadorias. Ademais, em 1932, Selvino combateu em armas os constitucionalistas, ou seja, possuía ligação política com partidários de Getúlio Vargas. Ruvião Agricola chegou a Campo Grande em agosto de 1935. Além da vontade de participar de uma revolução popular, ele trazia uma longa carta com orientações políticas, isto é, como proceder no Sul de Mato Grosso onde a coluna Prestes deixou muitos simpatizantes. Entre outras coisas a carta dizia que “cada revolucionário, principalmente cada membro da coluna, precisa organizar um grupo e começar a luta pelos interesses da massa pobre do campo.A coluna ressurgirá, multiplicada, e com um programa claro.Este é o apelo que formulo, por teu intermédio, aos revolucionários de Mato Grosso e muito especialmente aos ex-combatentes da coluna que por lá encontrares”99. Agricola e Radio Maia, depois de alguns dias em Campo Grande, seguiram viagem para Ponta Porã e Bela Vista. Na cidade de Bela Vista eles ouviram falar de Selvino Jaques.Depois de analisar o perfil do bandoleiro resolveram procurá-lo. Sem muita dificuldade Selvino concordou em participar do levante. Inclusive se dispôs a contratar 300 homens. “O levante foi marcado para dia 24 de setembro;

99 Citado Por Viana Marly de Almeida Gomes .Revolucionarios de 35: Sonho e realidade. São Paulo. Companhia das letras . 1992. 141.

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como um dos implicados, Selvino, de Bela Vista, ficasse doente, adiaram, a revolta para o dia 30”100 A “doença” do Selvino pode ter sido uma boa desculpa para prender o jovem Agricola e, assim, mostrar sua fidelidade ao Presidente da República e aos altos interesses da pátria. Era uma ótima oportunidade para surgir como um implacável caçador de comunista. No dia combinado, seguiu agricola para encontrar-se com o grupo, levando vários folhetos e proclamação aos soldados. Afinal, esse era um dia muito especial para o jovem revolucionário. Porém, algumas horas antes de começar a revolta, o principal chefe militar, Selvino, desistiu da empreitada.Mandou dissolver o grupo composto por 300 homens e prendeu o jovem Agricola. Naquele mesmo dia o militante do PCB foi entregue ao batalhão do exército de Aquidauna, antes, o bandoleiro aplicou-lhe uma violenta surra. Anos mais tarde Agricola explicou em carta a confusão que se meteu na fronteira de Mato Grosso do Sul “ Aceitei tudo porque não havia outro jeito. Além do mais, o Selvino tinha grande prejuízo, pois distribuiu suas mercadorias com as famílias dos camponeses que iam lutar, chegando até a vender uma boiada. Sua denúncia contra mim foi me entregando ao destacamento como comunista e entregando ao comandante os boletins de apelos aos soldados que levei, referentes á organização dos camponeses e da guerrilha. A repressão contra os revolucionários do Sul de Mato Grosso não foi pequena. De acordo com Alisolete, “a intentona comunista fracassou e interferiu profundamente na organização e funcionamento do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil onde os comunistas ficaram proibidos de atuar. O que se constata na documentação encontrada referente ao ano de 1935 e 36 é que o movimento operário foi duramente atingido. Totalmente desorganizado pela repressão e pela atuação dos interventores(...)”101. O presidente do sindicato dos Trabalhadores da Noroeste do Brasil, José Duarte, foi um dos presos. Outros trabalhadores da ferrovia também tiveram que amargar alguns anos de cadeia.102.Duarte foi obrigado a ficar um ano longe da atividade sindical. Em pleno carnaval, no município de Água Clara, José Duarte foi localizado e preso. 103 A pressão sobre Duarte vinha desde o ano de 1934. Os trabalhadores da ferrovia vinham fazendo algumas reinvidicações junto à diretoria da empresa exigindo

100 Viana Marly de Almeida Gomes. 1992.op.cit.p. 169 101Weingartner, Alisolete dos Santos .2001..op cit.p. 67 102 Valdemir Vieira.op.cit.p106. 103 Valdemir Vieira .op. cit . 107

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melhores salários e condições de trabalho. Em função desse fato a empresa tomou os cuidados necessários para evitar qualquer possibilidade dos operários pararem.No entanto, Duarte, na condição de presidente do sindicato, através de boletins e discursos nas estações conclamava a categoria a entrar em greve. Esse fato criava algumas dificuldades entre ele e a alta direção da empresa. A sua transferência de Bauru,São Paulo,para Água Clara, Mato Grosso, no inicio de 1935, foi parte do processo de punição. Uma circular da empresa mostra muito bem como estava o clima no interior da Noroeste: “ circulam, há vários dias, rumores relativos a um movimento grevista com pretensões à solidariedade dos que servem na Noroeste”.104 No dia 19 de janeiro de 1934 a greve que vinha sendo costurada no seio da categoria dos ferroviários foi deflagrada. Eis o que diz um relatório da diretoria. ´´ verificou-se, na manhã de hoje, nas oficinas de Bauru, um pequeno e inexpressivo movimento de fomentação grevistas``, diz Fernandes, acrescentando quer a intervenção da diretoria e da policia ´´ repôs ,desde logo, as coisas em seus devidos lugares , de sorte a permanecer no trabalho quase a totalidade dos operários ali descartados``, informa-se também que desde o dia anterior a policia mantinham presos alguns empregados da estrada, supostos lideres do movimento , o diretor insiste ainda em que a greve ´´ se anunciou `` mais ´´ não existe ``, visto que, tanto em São Paulo como em Mato Grosso, ´´todos os serviços (...) correm normalmente`105` O primeiro de Maio de 1935 No dia 1º de maio de 1935, alguns meses antes dos principais dirigentes da construção civil e dos ferroviários serem presos, por conta da intentona, realizou-se em Campo Grande uma das maiores festas de trabalhadores daquela década.Os ferroviários do Sul de Mato Grosso decidiram comemorar o dia do trabalho.Era uma tradição da categoria concentrar as atividades em uma cidade. A repercussão era maior e permitia melhor integração entre os trabalhadores e suas respectivas famílias. Nesse caso, a direção da Noroeste liberava gratuitamente alguns vagões para que o pessoal se deslocasse até o local da festa . Logo pela manhã chegou à estação da avenida Calogeras, de Campo Grande, um trem, vindo de Porto Esperança trazendo trabalhadores e familiares dos municípios de Miranda e Aquidauna.De Três Lagoas saiu outro trem trazendo o pessoal de Água Clara e da Lagoa Rica. Na estação de Campo Grande havia centenas de pessoas esperando chegar os trabalhadores e convidados. A comemoração tinha o 104 Cimo, Paulo.1999.op.cit p. 72 105 (Circular n 405,de 19.1.1934). Citado por Cimó Paulo.1999.op.cit.p. 72

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apoio da prefeitura Municipal e dos demais sindicatos, inclusive, o patronal, ligado aos criadores de gado.A programação era extensa. Além da solenidade formal na própria estação e no sindicato da construção civil teve um torneio esportivo envolvendo atletas de Aquidauna, Três Lagoas e Campo Grande. Ainda na estação, por volta das 09 horas da manhã, o presidente do sindicato dos ferroviários da Noroeste do Brasil, José Duarte, fez uma saudação aos convidados e ao povo de Campo Grande oportunidade que teceu varias considerações sobre a importância do 1º de Maio para os trabalhadores do mundo inteiro106. Diretores da Noroeste e autoridades do município também saudaram os presentes. Após a solenidade, no pátio da estação, os convidados se dirigiram ao sindicato dos trabalhadores da Construção civil, localizado na Avenida Maracajú, para dar prosseguimento a programação. No Sindicato da Construção civil a comitiva foi recebida pelo presidente da entidade, Nestor Campos, e pelo vice-presidente do sindicato da Noroeste para o Sul de Matogrosso, Manoel Garcia de Sousa que, entre outras coisas, convidou os presentes para conhecer a sub-sede do sindicato dos ferroviários que ficava na Rua Antonio Maria Coelho. Além dos sindicalistas laboral, também discursou para os presentes, o Presidente do Sindicato dos Criadores de Campo Grande,Dolor de Andrade, e o Presidente da Associação Comercial Ranulfo Correia107. Por volta do meio dia foi servido churrasco para os presentes, no próprio sindicato; mais tarde, alguns atletas se deslocaram para a praça de esportes Belmar Fidalgo para participarem de um torneio esportivo. A comemoração encerrou com um baile. O Jornal do Comercio dedicou quase uma pagina a cobertura desse evento. Em 1935, no mês de maio, os compradores de Diamante do Rio Aquidauna criaram o seu sindicato. Eles estavam com uma demanda junto ao Governo de Mato Grosso que exigia muito esforço da categoria.Naquele ano estava sendo votada a nova lei das Minas, ou seja, o Estado queria disciplinar a extração de minérios. Nesse caso alguns garimpos poderiam ser fechados e outros impedidos de ser aberto. O Rio Aquidauna era objeto de preocupação do governo em face da exploração desordenada que estava sendo feita ali. Também, em 1935, foi criada a Associação dos Trabalhadores em Veículos de Tração Animal; a Associação dos Oficiais Cabeleireiros e Similares, e a Associação dos Padeiros. Em 1937 um pequeno grupo de engenheiros criou, em 21 de dezembro, a Associação dos Engenheiros e Construtores de Campo Grande. Em 1939, foi fundada a Associação Mato Grossensse de Cirurgião Dentista.A

106 Jornal do Comercio.Campo Grande.05/05/ de 1935 107 Jornal do Comercio.Campo Grande.04/04/ de 1935.

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entidade era presidida na época pelo senhor Serafim de Gusmão.108Algumas dessas categorias, como podemos ver, em decorrência de exigência formal adotavam a denominação de Associação. Esse procedimento perdurou até a constituição de 1988 quando foi eliminada a figura de associação. Os comerciários vão à luta Em 1935 foi formada em Campo Grande a Associação dos Trabalhadores no Comercio de Campo Grande e classes anexas, ou seja, categorias que não possuía ainda uma representação formal e, por isto, preferiram ser representadas pela Associação dos Comerciários. O comercio era uma força econômica forte. As principais lojas ficavam na 14 de Maio, porém, tanto na avenida Calógeras como na rua 13 de maio existiam armazéns de secos e molhados. O processo de criação do Sindicato dos comerciários seguiu, no essencial, o caminho que as demais entidades sindicais trilhou. De 1935 a 1939 a entidade funcionou como Associação Sindical. Em 1939, no dia 05 de julho, o representante do Ministério do Trabalho, da Industria e do Comércio entregou a carta sindical da entidade. Antes, porém, foi aprovado o novo estatuto que seguia a orientação padrão do Ministério do trabalho. No capitulo I desse estatuto reza que o sindicato “tem o intuito de colaborar com poderes públicos e as demais associações, no sentido da solidariedade profissional e de sua subordinação aos interesses nacionais”. Também informa que o sindicato deve fundar cooperativas de consumo e de crédito, manter serviços de assistência judiciária, e fundar e manter escolas, especialmente de aprendizagem e instituição de assistência social. No capitulo V, o estatuto veda a participação do sindicato em qualquer organização internacional. Já no capitulo III, que trata do direito de voto, é “vedado votar e ser votado naquele que professar ideologias incompatíveis com as instituições ou com os interesses da Nação”. Ainda nesse mesmo capitulo é proibido a estrangeiro, mesmo radicado, ocupar a presidência do sindicato. “Esse é um cargo exclusivo de brasileiros nato”. O capitulo VII, que trata da aprovação das eleições, deixa claro que a diretoria só será empossada depois de aprovada a respectiva eleição pelo Ministério do Trabalho, Industria e Comercio.Um item interessante nesse estatuto era a forma como se escolhia o presidente. Primeiro os sócios escolhiam seis nomes entre aqueles em condições de ser votados.Depois, entre os seis, se escolhia o presidente. O sócio não votava diretamente no presidente. Esse estatuto foi elaborado pelo Ministério do Trabalho e espelha muito bem o grau de controle desse Ministério sobre as entidades. Aliás, o controle sobre os sindicatos foi uma base de apoio muito importante para o famigerado golpe de 1937. 108 Jornal do Comercio.05/09/1939

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O golpe de 1937 e os sindicatos O Golpe de 1937 se ancorou numa vergonhosa farsa.Em um embuste que ficou tristemente conhecido como plano Cohen.Uma armação de meia dúzia de militares em conluio com os integralistas.Diziam os golpistas que os comunistas estavam organizando uma ação para matar dirigentes políticos, padres, empresários, militares e até o Presidente da República. Foi essa história que “justificou” o golpe. Porém, na verdade, os motivos eram outros. Parte importante dos militares ligados a Getulio e ele mesmo não queriam sair do poder. O período que vai de 1937 a 1945 foi marcado por forte repressão aos movimentos sociais. O Governo Vargas vivia um forte dilema. Os comunistas queriam Vargas fora do poder. Em varias oportunidades tentaram lhe derrubar, inclusive pelas armas. Os integralistas, de Plínio Salgado, também queriam o comando do governo. Agiam perigosamente pela direita, ou seja, representavam o fascismo no Brasil.Além destes, também se apresentava como alternativa de poder, no campo da oposição, o ex-governador de São Paulo, Sales de Oliveira. Como candidato da situação, Getulio poderia lançar o paraibano José Américo.Aliás, inicialmente ele era o nome de consenso.Mas, com o tempo, Vargas resolveu vetá-lo. Estava convencido que deveria continuar a frente do governo. Para isso precisava do Golpe. Após o golpe uma poderosa máquina de comunicação e repressão foi montada, no seio do governo objetivando controlar os movimentos sociais e políticos. Em meio a um formidável crescimento econômico, calcado na força da própria nação, iniciativa que permitiu começar a industrialização efetiva do país e consolidar um conjunto de leis trabalhistas claramente avançadas, verificou-se, também, um forte refluxo na relação do governo com o movimento operário, principalmente aquele mais combativo. O espaço para atuação do chamado sindicalismo de luta ficou muito restrito.Parte importante das lideranças sindicais ficou de fora dos sindicatos. Alguns presos.Os principais sindicatos estavam sob intervenção federal. No vácuo, brotou o sindicalismo chapa branca vinculado de alguma forma aos interesses do Governo. Os Círculos Operários são exemplos do sindicalismo amarelo, pelego, como ficou conhecido. A leitura dos documentos sindicais gerados no Sul de Mato Grosso no final da década de 1930, mostra que os temas tratados nas assembléias eram relativamente triviais. Na prática os sindicatos passaram atuar de forma clientelista. Não foram poucas as festas, bailes, churrascos, entre outras programações festivas.

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Poe outro lado, no dia 22 de agosto de 1939, o funcionário do Ministério do Trabalho Juvenildo Alves de Mello, foi convidado para participar de uma reunião com sindicalistas na sede da Associação Comercial. As lideranças sindicais estavam solicitando mais empenho daquele órgão com o objetivo de forçar os empresários a registrarem seus empregados. Queriam também debater a contribuição sindical. Depois de muita conversa o representante do Ministério do Trabalho relatou as dificuldades que estava enfrentando para realizar suas obrigações, pois, por absoluta falta de pagamento do aluguel do imóvel a representação do Ministério do Trabalho, naquela data, estava funcionando em sua casa, em um quarto, tirando toda sua privacidade109. Essa situação favorecia os maus patrões. Em 1940, o Governo Federal proibiu que funcionários públicos ou de autarquias fossem filiados a sindicato. Com esse ato de força, o Governo desmantelou completamente o que ainda restava de sindicalismo combativo.Eis o relato de Guarino Fernandes dos Santos, dirigente sindical dos ferroviários: Através da arma do Decreto-lei, fechavam-se os sindicatos mais combativos da época: dos marítimos, dos portuários, e dos ferroviários, alegando-se que essas categorias exerciam atividades de interesse público110. De 1937 a 1945 pouca coisa de importante aconteceu na área sindical no Sul de Mato Grosso. A maioria dos sindicatos ou aderiram à política sindical do Governo ou fecharam suas portas. Não foram poucos os que passaram a atuar de forma cartorial. Essa situação só mudou na virada de 1945 para 1946, quando sopraram os primeiros ventos da democracia.

109 Jornal do Comercio.05/09/1939 110 Santos,Fernandes Guarino. Nos bastidores da luta sindical. São Paulo..Ícone .editora. 1987.P.19

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REDEMOCRATIZAÇÃO E SINDICALISMNO NO SUL DE MATOGROSSO O processo de redemocratização que o Brasil experimentou no pós Segunda Guerra abriu um novo espaço político para a reorganização do movimento sindical. A anistia conquistada no final do Governo Vargas permitiu que parte importante das lideranças sindicais que estavam fora do sindicato, presa, exilada ou mesmo impedida de exercer sua atividade sindical, voltassem para os sindicatos. Esse foi um momento especial para os movimentos sociais de uma forma geral. Ganhar a Guerra. Derrotar o nazi-fascismo era tarefa de todos os democratas do mundo. Não é por menos que vários presos políticos, muitos ligados a intentona de 1935, inclusive Luis Carlos Prestes, se perfilaram ao lado de Getúlio Vargas para lutar contra os fascistas e por uma Constituição que expressasse o novo momento que o Brasil e o mundo vivia. Em campo Grande, antes mesmo do anuncio formal do fim da guerra, exultantes com as constantes vitórias que as forças democráticas vinham conseguindo no teatro de guerra, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Campo Grande transformou as comemorações do dia 1ºde Maio de 1945, num ato pela paz. O discurso do presidente da entidade José Bissoli deu o tom dos debates nesse dia. “ Mais uma vez os trabalhadores se reúnem para celebrar a magna data. Este 1º de Maio, porém, não é um de maio igual aos outros. Todos os trabalhadores do mundo não comemoram apenas a vitória do proletariado. Comemora-se também a vitória da democracia, a vitória dos homens decentes esmagando, no seu covil de fera, o nazismo. Para nós Brasileiros, que aplaudimos do fundo do coração, as vitórias dos nossos pracinhas no campo de batalha.”111 Participaram dessa festa outros sindicalistas e políticos da cidade como Argemiro Fialho e o historiador e advogado Paulo Coelho Machado que, a exemplo do presidente da entidade, também fizeram uso da palavra e pediram o fim da guerra. A solenidade encerou com um baile na sede social do sindicato. 111 Jornal o Progressista. Campo Grande.MS. 03 de maio de 1945

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Os estudantes tiveram papel muito importante na luta pela democracia. Em varias praças do mundo os jovens desfraldaram suas bandeiras pedindo paz, democracia e justiça social. Muitos foram para o teatro de guerra oferecer sua vida por um mundo melhor. Por isso, mesmo, eles tomaram as ruas de Campo Grande no dia 06 de maio, para comemorar com a população as vitórias que as forças aliadas vinha conseguindo sobre o inimigo. A festa foi organizada pela Associação Campo Grandense de Estudantes em frente ao prédio da Rádio PRI.7112, O clima de vitória estava no ar. Em Maio de 1945 a guerra já tinha acabado em varias partes do mundo. Os bolsões de resistência estavam apenas no pacifico. Os japoneses procuravam uma saída honrosa. Assim, aos poucos, tomando jeito, conhecendo o terreno, velhos e novos sindicalistas voltaram para suas entidades.. O ex-presidente do Sindicato dos Ferroviários da Noroeste, José Duarte, que se encontrava preso no litoral do Rio de Janeiro, foi um dos beneficiados com a anistia. Logo que chegou a Bauru onde funcionava a antiga sede do sindicato, Duarte buscou contato com os antigos companheiros objetivando criar a Associação dos Ferroviários da Noroeste, pois, por força de lei, não era possível recriar o sindicato. Paralelo a construção da associação, Duarte, também estava engajado na construção do Movimento Unificador dos Trabalhadores - MUT. Nesse sentido, “em cada estação até Três Lagoas ele ia criando as delegacias e orientando a eleição de seus dirigentes. Ao mesmo tempo desenvolvia o trabalho partidário”.113 Duarte era filiado ao PCB e estava empenhado na reorganização desse partido . A fundação da Associação dos Ferroviários, embora não tivesse representação sindical formal, se converteu num instrumento importante da luta sindical dos ferroviários no Sul de Mato Grosso com reflexos positivos para as demais categorias que, mesmo sendo formalmente sindicato, ainda estavam presa à lógica sindical anterior a 1945. A luta contra o nazi-fascismo serviu também de elemento para juntar sindicalistas, comunistas, religiosos, militares e outros segmentos sociais. Durante algum tempo foi possível ver, em Campo Grande forças sociais com interesses diferentes discutindo os rumos do Brasil e do mundo. Também se iniciou nessa conjuntura a reorganização dos partidos. O partido Comunista Brasileiro, seção de Campo Grande, que estava proscrito, reuniu seus filiados e simpatizantes em Agosto de 1945, na sua sede social, rua 13 de Maio, 717, para discutir o retorno à legalidade e sua organização no Sul de Mato Grosso. Estiveram presentes nessa reunião um representante do MUT,

112 Jornal do Comercio.Campo Grande.MS. 09 de maio de 1945 113 Momesio, Luis. 1998.op.cit. 92

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Bento de Matos, e o radialista Rádio Maia114. Um detalhe importante foi o fato da Rádio PRI-7 ter feito a cobertura do evento ao vivo. O próprio Rádio Maia era um dos locutores. Nessa reunião ficou decidido que o PCB ia intensificar suas ações junto ao movimento sindical. Nesse sentido foi destacado um militante para ajudar a reconstruir o Sindicato dos Trabalhadores do Garimpo do Rio Aquidauna, bem como apoiar a luta dos camponeses no município de Terenos.115 Os gráficos sob influencia do PCB, criaram a Associação profissional dos Trabalhadores Gráficos em Outubro de 1946, numa reunião na sede social do Sindicato da Construção Civil. Bento de Matos foi escolhido presidente da entidade. Os contadores, por sua vez, criaram a Associação dos Profissionais em Contabilidade de Campo Grande em 1945. Em Julho de 1946, por ocasião de um enorme aumento no preço do bilhete de entrada do cine Alhambra, que foi majorado, em media, de três para cinco cruzeiros, os estudantes, sob a liderança da Associação Campo Grandense de Estudantes decretaram um boicote a esta casa de espetáculo. Alguns estudantes ficaram em frente ao cinema, com faixas e cartazes, objetivando inibir a entrada de outros colegas. Depois de alguns dias de greve o proprietário do empreendimento resolveu fazer um acordo com os estudantes e baixar o preço da entrada.116 O jornal O Progressista, de 14 de Janeiro de 1948, publicou uma carta do Sindicato dos Rodoviários de Corumbá parabenizando o trabalho que os Rodoviários de Campo Grande vinha fazendo em defesa da categoria. Também em 30 de Outubro de 1947, lideranças da UDN de Campo Grande ofereceram aos sócios do Sindicato dos Comerciários um churrasco acompanhado de muita cerveja e música.117 Provavelmente, esse churrasco, fez parte de algum compromisso político. Naquele tempo, como nos dias de hoje, principalmente em época eleitoral, os políticos são muito generosos. Não são poucas a vacas que morrem para serem trocadas por votos. O período que vai de 1945 a 1947, no geral, permitiu que o movimento sindical se reorganizasse, embora, tivesse que conviver com varias dificuldades, por exemplo, a proibição de funcionários públicos se filiar em sindicato, bem como o controle do ministério do Trabalho sobre os sindicatos. Eurico Gaspar Dutra e o sindicalismo

114 Jornal o Progressista . Campo Grande.MS. 30/08/1945 115 Jornal O Progressista . Campo Grande.MS.07/08/1946 116 Jornal O Progressista. Campo Grande.MS 07/07/1946. 117 Jornal o Progressista . Campo Grande.MS. 30/10 /1947

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A vitória da democracia ensejou que o mandato de Getúlio Vargas fosse abreviado, porém, antes de voltar para São Borja, Rio Grande do Sul, Vargas arquitetou uma reforma partidária. Criou o PTB-Partido Trabalhista Brasileiro e o PSD- Partido Social Democrático. As forças de oposição também criaram seus partidos. Os comunistas legalizaram o PCB. As forças mais conservadoras, lideradas por Carlos Lacerda criaram A UDN- União Democrática Nacional . Em 1945 foram realizadas eleições para Presidente da República e para o Congresso Nacional. O general Eurico Gaspar Dutra foi eleito Presidente da República, pelo PSD. Seu Governo foi marcado por imensa perseguição aos comunistas e ao movimento sindical. Em 1947, ancorado numa criminosa armação política, o Congresso Nacional caçou o registro político do PCB. Luis Carlos Prestes e outros parlamentares perderam seus mandatos. Ainda em 1947, o Governo Federal interviu em 143 sindicatos e cassou mais de 400 direções sindicais consideradas independentes. A recém fundada CGTB – Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil foi fechado. O alinhamento com a política americana e o clima de Guerra Fria que o mundo vivia foi a desculpa que Dutra usou para perseguir os sindicatos e os comunistas 118. A política repressiva do governo Federal chegou ao Sul de Mato Grosso. Nem bem os sindicatos conquistaram o direito de atuar como entidade sindical, de verdade, com liberdade e autonomia, vem o decreto de 07 de maio de 1947, autorizando o Ministério do Trabalho a intervir nos sindicatos que não se afinassem com a política oficial. Esse ato, nefasto em todos os sentidos, cortou no nascedouro o progresso dos sindicatos.O prejuízo foi imenso. Uma liderança não nasce de um dia para outro. Leva tempo para consolidar-se enquanto tal. O líder sindical ou político não é formado em universidades ou escolas especificas. Sim. Na luta política do dia-a-dia. Isso significa que um bom quadro sindical precisa viver momentos de educação política. Se esses momentos não existem, provavelmente, também não existirão bons sindicalistas. Nesse clima só os sindicalistas mais conscientes e comprometidos continuavam a frente dos sindicatos. As atas do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil e no Mobiliário de Campo Grande referente ao ano de 1947, tratam apenas de assuntos relativamente triviais : “necessidade de organizar a burocracia, os acertos dos balancetes, as prestações de conta, campanha de novos associados, anistia para os filiados afastados por falta de contribuição., bem como a tentativa de reativar a cooperativa dos trabalhadores”119. Nada de critica a política do Governo federal, estadual ou municipal. O clima, pelo que se vê nos documentos era de medo ou de colaboração. 118 Barros, Luis de Edgard. O Brasil de 1945 a 1964. São Paulo. Editora Contexto. 1999. p.26. 119 Weingartner ,Alisolete dos santos . 2001.op.cit. p..92

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Esse claro refluxo da atividade sindical no Brasil e em Campo Grande contrastava, diretamente, com o razoável crescimento econômico que a cidade vivenciava. Novos prédios, casa comercial e industrias estavam surgindo na cidade Morena. Com isso brotava novas demandas por mão-de-obra qualificada. Campo Grande, no final da década de 1940, tinha uma população de 49.629 pessoas.Existia no município 61 indústria: Cerâmica Santo Antonio, Sapataria Candia, Vasquez & Companhia, Carpintaria São José, Estevão & Thurstein, Tinturaria Tókio, Auto Gelo, Missel & Irmãos, Padaria Esperança, Laboratório Raul Luti, Granitos Afonso Jeordani, Frigorífico Otto Riestri, Laboratório Xavier, Gráfica Progressista, Fábrica de Refrigerante Mandeta, Café Suave, Matadouro Municipal, Casa de Móveis Cruzeiro e Thomé & Irmãos. Essas industrias empregavam 748 trabalhadores. O advento da Segunda Guerra Mundial (1939/1945) provocou carência de produtos industrializados, portanto, o caminho era fazer no Brasil e no Sul de Mato Grosso parte importante dessas mercadorias. Nesse sentido necessitava-se de trabalhadores com algum grau de conhecimento técnico-industrial. Empresários da área industrial e também alguns políticos de Campo Grande se uniram para trazer uma unidade do SENAI- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial para a cidade. Era um dos caminhos para aproveitar a potencialidade industrial da região. A falta de qualificação profissional constituía um grande gargalo para o pleno desenvolvimento das atividades industriais. Portanto, instalar uma unidade do SENAI em Campo Grande passou a ser uma tarefa das mais importantes para a sociedade local. Era, em particular, o sonho do trabalhador e do empresário. O primeiro teria condições de colocar os filhos para aprender uma profissão. O segundo melhoraria a performance da sua empresa com a criação de produto com maior valor agregado. Em Maio de 1949 foi inaugurado oficialmente o SENAI. Coube a prefeitura municipal selecionar, através de edital público, estudantes de 14 e 16 anos que comporiam a primeira turma 120. Nessa escola os alunos aprendiam entre outras coisas a profissão de serralheiro, mecânico de automóveis, eletricista, carpinteiro, pedreiro e outros cursos noturnos de aperfeiçoamento121. Em 1948 aproveitando o espaço ocioso de uma escola que existia na cidade, foi fundado o embrião do SESI- Serviço Social da Industria que começou como uma escola voltada para atender o público feminino. “A escola era destinada para as dependentes dos operários da industria e também era aberta à comunidade. Tinha os cursos de: economia doméstica, arte culinária, corte e costura, bordados à 120 Eciso, Oliva. Mato Grosso do Sul . Minha terra. Campo Grande.FIEMS. 2004..p.83 121 Enciso, Oliva.2004. op cit, p.82/83

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máquina, trabalhos manuais, pequenas indústrias, confecção de flores e noções de higiene, enfermagem, puericultura, com suas aulas praticas na maternidade”122. O esforço da professora Oliva Enciso foi fundamental para que essas entidades se instalassem na cidade morena. SINDICALISMO NA DÉCADA DE 1950 Ao longo da década 1950 novas entidades sindicais foram criadas e outras foram reorganizadas. A conjuntura política permitia que os sindicalistas atuassem com mais desenvoltura. Ademais, o novo Presidente do Brasil, Getúlio Vargas, buscava se aproximar dos movimentos sociais, Não é demais lembrar que Getúlio estabelecia relações com os sindicatos que variavam a cada momento histórico. Quando necessitava se aproximar dos trabalhadores, para neutralizar alguma ação da oligarquia ou de outras classes sociais, ele usava, inteligentemente, os mecanismos que favoreciam essa operação. Uma imensa burocracia formada ao longo do seu primeiro governo 122 Oliva Enciso.2004. op.cit. p.100

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operacionalizava essa aproximação ou, em outros casos, também operava eventual afastamento estratégico. Nos anos 1950, claramente, Getúlio, articulava uma nova aproximação, inclusive, como forma de sustentar politicamente seu governo que, aos poucos, começava a enfrentar dificuldade, em face da ação organizada e radical dos seus opositores. As eleições de 1950, em Mato Grosso, trouxe esperanças para a sociedade civil. Foi eleito naquele ano para o Governo do Estado o médico Fernando Correia da Costa.Para prefeito de Campo Grande, foi eleito o também médico Ari Coelho de Oliveira. Ari Coelho não chegou a terminar o seu mandato. Foi assassinado no dia 21 novembro de 1952, em Cuiabá, pelo funcionário público estadual Alci Pereira Lima, num episodio com todas as características de crime político. Aproveitando esse novo momento político, ou seja, a posse do prefeito e do Governador, os professores da cidade morena, a exemplo de outras categorias, criaram, em maio de 1952 a Associação Campo Grandense de Professores- ACP. A categoria de professores e demais funcionários da educação pública reclamavam da falta de dialogo entre eles e o poder público principalmente quando necessitavam discutir as condições de trabalho: atraso de salário, baixa remuneração, planos de cargos e salários e outras reinvidicações típicas da atividade. A educação em Campo Grande e no Estado era incipiente .Era grande o número de professores leigos, contratados, no geral, por mera indicação política. Esse não era um quadro apenas da educação de Mato Grosso. Era a realidade do Brasil. Aliás, em nossos dias, não são poucos os professores considerados leigos que estão nas salas aula em varias comunidades do país. Eis o depoimento da professora Zonir Freitas sobre as condições de trabalho dos professores do Mato Grosso . “ Normalmente, quem lecionava era o leigo, só com curso primário ou, quando muito , o curso ginasial. A minha turma de normalistas, quando nos entramos no primeira série do normal, todos nós fomos convidados a lecionar porque faltavam pessoas habilitadas e nós, também , não éramos habilitadas. Éramos leigas, mas por estarmos entrando no curso de magistérios , fomos convidadas e , então começamos a lecionar ; isto em 1962, sem ter o curso normal. Como se vê , nas escolas , a maior parte eram pessoas não habilitadas , leigas , com poucas condições de lecionar’’123 . Um outro problema era questão dos salários.Era comum o professor e demais funcionários do poder público ficar longo período sem receber o seu salário. 123 Wilson, Valentim Biasoto,Tetila José Laerte.O movimento reivindicatório domagisterio público estadual de Matogrosso do Sul. Campo Grande .UFMS.1991.p. 14

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“ Nós passávamos ás vezes três ,quatro,cinco meses sem receber , porque não havia dinheiro ; simplesmente quem era nomeado ficava esperando seis meses até que Cuiabá se dignasse a mandar a portaria de vencimentos. O início daqui foi assim. AS gente vivia sem dinheiro e continuava trabalhando. Não parava de trabalhar. Olha , eu fiquei seis meses sem receber, esperando. Lutava com dificuldades, não parava . 124 A primeira presidente da Associação Campo Grandense de professores foi a senhora Alinor Lima de Bastos. Na sua gestão os professores desenvolveram formas criativa e moderna de comunicação que, logo foram copiadas por outras categorias. O boletim informativo foi uma dessas iniciativas. Através dele, a categoria, mesmo na zona rural, ficava informada sobre o que estava acorrendo no âmbito do seu sindicato. Em 1955, já soube a direção da professora Maria da Glória Sá Rosa, a entidade conseguiu um programa semanal de Rádio, apresentado pela própria Gloria de Sá, onde eram debatidos problemas ligados a educação e outros. A ACP, ao longo dos anos, se consolidou como um das mais importantes entidades sindicais do Sul de Mato Grosso. Muitos dos seus dirigentes tornaram-se destacados quadros da política e da burocracia regional e local. A atual sede da entidade, localizada na rua 07 de setembro foi palco de grandes debates. Em dezembro de 1953, em Campo Grande, realizou-se eleição para a presidência da Associação dos Motoristas. Era uma eleição muito concorrida em que ambas as chapas disputavam com chances de vitória. A plataforma política da chapa de situação chamava a atenção pela forma como a política partidária era tratada. O presidente da entidade, em nota a imprensa, deixou claro que não aceitaria interferência política no seio da sua entidade.“Não permitiremos movimentos políticos no seio da associação, de movimento de natureza política partidária. Colaboraremos com as autoridades constituídas e defenderemos com intransigência os direitos dos nossos companheiros devidamente sindicalizados”125.Dois anos depois, reeleito, o inflamado discurso do presidente da Associação dos Motoristas mudou. Através de gestões políticas a Assembléia Legislativa Estadual aprovou uma ajuda de 50.000,00 mil cruzeiros para a construção da sede social da entidade. É bem provável que algum político tinha ido a entidade para avisar da generosidade dos deputados. Em 1956 a Associação dos Motoristas comandou uma greve com o objetivo de protestar contra a portaria municipal que proibia chofer de caminhão transportar passageiros.A Câmara de Vereadores teve que intermediar o conflito. Os ânimos

124 Wilson, Valentim Biasoto,Tetila José Laerte Tetila .1991.op.cit.p.15 125 Jornal do Comercio.Campo Grande .19/12/1953

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estavam exaltados. 126. O motivo da proibição tinha base real. Uma portaria nacional proibia que esse tipo de transporte fosse em caminhão Essa era a justificativa formal que a autoridade pública apresentava, porém, o motivo principal, de acordo com os motoristas, era a pressão exercida pelas empresas de ônibus que estavam perdendo passageiros para os caminhões. Essa Associação Sindical gostava de uma boa “briga” Em dezembro 1959, por exemplo, expediu telegrama ao Governador Ponce de Arruda e colocou nota na imprensa solicitando a exoneração do diretor de serviço de transito de Campo Grande. Provavelmente se tratava de uma disputa política, pois, acompanhou a correspondência ao Governo uma simpática sugestão de um outro nome para ocupar o referido cargo. Essa era uma prática muito comum.Os políticos quando queriam substituir um funcionário solicitavam que uma entidade, ou uma pessoa influente, fizesse alguma critica ao profissional. Assim, ficava mais fácil removê-lo do cargo sem muitas explicações. Aliás, esse método continua em moda. A Associação dos Motoristas também se preocupavam com a fé dos profissionais do volante. Todo ano era realizada um passeio pela cidade, com centenas de caminhões, com o objetivo de agradecer a São Cristóvão, padroeiro dos motoristas, a proteção que ele oferecia a classe. Em 1954 realizou-se eleição para renovação da diretoria da Associação Profissional dos Condutores de Veículo de Tração Animal de Campo Grande.Essa era uma entidade considerada forte.A principal proposta apresentada pela nova diretoria era a construção de uma ferraria127. A ferraria era muito importante, pois os animais que puxavam charretes precisavam de ferradura para proteger seus cascos. Na década de 1950 a charrete era um meio de transporte muito popular. Parcela importante da população se deslocava nelas para fazer sua compra ou mesmo para passear. A senhora Lurdes de Brito Curvo contou ao autor que, quando criança, adorava andar de charrete pela cidade. O ponto principal dos charreteiros era nas proximidades da estação ferroviária, na avenida Calogeras. Essa Associação recebeu sua carta sindical em 1958. A comemoração pelo feita foi na sede da Associação Comercial de Campo Grande com a presença de sócios, companheiros de outros sindicatos e autoridades da cidade. Ainda em 1954, no mês de janeiro, foi fundada a Associação Profissional dos Condutores de Veículos Rodoviários de Aquidauna. Também foi formada nesse ano a Associação Medica de Campo Grande, cujo primeiro presidente foi o médico Valfrido Arruda. Luta pela terra 126 Correio do Estado.Campo Grande . 25/05 de 1956 127 Jornal do Comercio .Campo Grande . 08/01/1954

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Em 1954 foi criada a Associação Baiana de Amparo aos Nordestinos. Essa entidade tinha como objetivo prestar apoio aos nordestinos que chegavam ao Estado. Também divulgava as tradições nordestinas. Era numericamente forte. Inicialmente, ainda nos anos 1930, algumas famílias chegaram do Nordeste e ocuparam terras na região de Terenos e de Rochedo. Por ocasião da construção da ferrovia Noroeste do Brasil, o Ministro José Américo, nordestino, conseguiu empregar centenas de nordestino nas obras dos trechos de São Paulo e de Mato Grosso. Depois, na década de 1940, com o processo de colonização promovido no Governo Getulio Vargas na região da Grande Dourados vieram outros grupos. Em 1943 foi criada a Colônia Agricola de Dourados, em terras devolutas do Estado que, por muito tempo, foram exploradas pela companhia Mate –laranjeira. A idéia do Governo Federal era criar em algumas áreas do Centro Oeste espaços agrícolas onde pudesse assentar famílias para produzir e viver na região. Logo que os camponeses ocuparem os lotes começaram os problemas. Alguns fazendeiros estavam de olho nas terras. Por isso, mesmo, iniciaram todo tipo de intimidação para que os colonos abandonasse os lotes .As ameaças, no inicio, eram veladas, porém,com o tempo, foram aumentando até chegar as via de fato.Os fazendeiros, através dos jagunços, queimavam suas roças e casas para forçá-los a sair da área.Em função dessa situação um deputado federal da Paraíba denunciou no Congresso Nacional, em Abril de 1956, que famílias de nordestinos estavam sendo escravizados em Mato Grosso. Essa noticia teve ampla repercussão. O Governador do Estado, Ponce de Arruda, mandou apurar os fatos. Passado algum tempo foi divulgada uma nota oficial afirmando que a denuncia de escravidão de nordestino no Estado de Mato Grosso não procedia, era coisa da oposição. Nesse caso, provavelmente, o governador não viajou para visitar os pontos de conflitos que existiam no Estado. Por outro lado, ainda hoje, não são poucas as denuncias de escravidão branca em MS. Na Colônia Agrícola Federal de Dourados a situação era mais do que grave. È possível avaliar a partir de um artigo assinado pelo padre José Danilo, publicado em 17/04/1956, no Jornal Correio do Estado. O vigário denunciava que a maioria do povo da (colônia) passa a milho cozido e água. Diz ele que chegou em uma casa com muita fome e pediu alguma coisa para comer. A dona de casa explicou que não tinha nada para o vigário comer. “Só tenho milho para uns dias e depois tudo terminará”. Ainda de acordo com o padre, um dos problemas que colaborava para que a colônia passasse por momentos de grandes dificuldades, entre outros, era a luta constante pela posse da terra . O vigário encerra o texto afirmando “que os colonos estão sendo escorraçados de um canto para outro. Apareceu seu fulano (coronel) e intimidou os colonos a abandonar a casa e a lavoura sob pena de morrer”.

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No município de Coxim, Mato Grosso, em Janeiro de 1959, 300 lavradores da Colônia Taquari fizeram um levante para garantir seu direito de posse, de alguns lotes que tinham sido ocupados.Armados de foice e facão os camponeses foram para ruas da cidade, protestar, contra um cidadão que, pela força, queria ocupar a terra que já estava limpa e pronta para ser plantada.128.No município de Rio Brilhante, em fevereiro de 1959, o Jornal Correio do Estado noticiou que um grupo de trabalhadores rurais tinham invadido uma fazenda em Rio Brilhante, e que os mesmos já tinham iniciado a derrubada do mato e construção de “ ranchos como se entrassem em terras de ninguém.Ainda de acordo com o mesmo Jornal, edição de 17/07/1956, 146 trabalhadores armados de enxadas, facões e facas, tinham invadido uma fazenda no município de Corumbá e estavam fazendo roças e loteando a área entre o grupo invasor . No dia 05/01 de 1956 o Jornal Correio do Estado anunciou que na região da grande Dourados os colonos estavam invadindo as fazendas que se limitavam com a Colônia Agrícola Federal. A Associação dos Criadores do Sul de Mato Grosso e a Associação Rural lançaram em março de 1963 um longo manifesto contra o plano de reforma agrária de João Goulart129. O deputado Federal Dollor de Andrade, ligado aos ruralistas, foi outro que se manifestou por diversas vezes na imprensa local contra o projeto de reforma agrária do Governo Federal.Semanalmente, algum ruralista, escreviam artigos na imprensa de Campo Grande condenando o projeto de reforma agrária do Governo Federal. Ademais, no município de Terenos, na Colônia velha, existia uma velha disputa entre camponeses e fazendeiros. Em 1944, de acordo com o Jornal do Comercio, edição de 29/02, a fazendeira Ana Leme Resende cercou um córrego com arame farpado com o objetivo de impedir que os camponeses usassem a água para suas tarefas domesticas e uso dos animais. O jornalista Escobar Filho escreveu varias reportagens sobre esse caso. Na zona urbana o conflito entre capital e trabalho não era menor. Em junho de 1954 trabalhadores da construção civil procuraram apoio junto às autoridades do município para coibir os abusos provocados pela Empresa Brasileira de Construção. Essa empresa estava há dois meses sem pagar o salário dos trabalhadores 130. Um outro fato que levou os trabalhadores da Construção Civil as ruas de Campo Grande, para denunciar a falta de segurança dos trabalhadores, foi a morte, decorrente de um acidente de trabalho, de um pedreiro, em 1957. O acidente aconteceu num canteiro de obra no centro da cidade. A construção não oferecia as condições mínimas de segurança.O sindicato notificou o dono da empresa e o

128 Correio do Estado.Campo Grande /MS 28/02/1959. 129 Correio do Estado. Campo Grande .MS 26/03/1964 130 Jornal do Comercio. Campo Grande.MS. 24/06/1956.

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representante do Ministério do Trabalho, no entanto, nada foi feito, ou seja, a empresa não tomou as providencias cabíveis. Pela manhã, um operário caiu do andaime. Morreu instantaneamente. O pessoal do sindicato e os seus colegas de trabalho, de acordo Epaminondas Lemos, diretor do sindicato, “ pegaram o corpo e saíram pelas ruas mostrando a população os riscos que o trabalhador estava correndo. O povo acompanhou o cadáver. “Fazíamos discursos contra as autoridades da cidade e do Estado que tratavam um cachorro melhor do que um trabalhador. De repente chegou políticos e algumas autoridades para ficar do nosso lado, para protestar também. Eu me lembro que a rua Maracajú ficou lotada de gente”. O jornal Correio do Estado circulou no dia 30/04 e 1956 com um inusitado editorial. Tratava da importância do capital e do trabalho caminharem juntos. “ Queremos lembrar a passagem de Leão XII em sua Rerum Novarum falando sobre empregadores e empregados, ricos e pobres, destinados pela natureza a se unirem harmoniosamente e mutuamente se manterem num perfeito equilíbrio. Imperiosa necessidade tem um do outro. Não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital”. Por outro lado, o Jornal do Comercio, mantinha uma coluna que tratava de temas trabalhistas. O titular da coluna era o advogado Antonio Teófilo da Cunha . Os temas abordados eram problemas salariais, hora de trabalho, aposentadoria,participação nos lucros, entre outros. Em 1º de Maio de 1957, circulou na imprensa de Campo Grande uma carta de um ex-empregado da Noroeste do Brasil, comentando sobre a importância desse dia para os trabalhadores de todo mundo. O autor era um ex-funcionario da NOB.“Nesta consagrada data do trabalhador, aproveito a oportunidade para saudar sensibilizadamente os meus companheiros da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil-Bolivia atirados impiedosamente a rua da amargura...”131. Pelos termos da carta, presume-se que o missivista tinha conhecimento de política sindical. Era comum nessa empresa lideranças serem punidas por sua atividade política. Em outubro de 1959 uma comissão de lideranças sindicais da Noroeste do Brasil foi ao Rio de Janeiro, a sede da empresa, para solicitar as autoridades a volta ao trabalho de 23 ferroviários dispensados por atividade sindical132. O caminho, nesses casos, era procurar algum padrinho político para intermediar o pleito. O envolvimento político da Noroeste do Brasil era enorme. Pouca coisa acontecia no interior dessa empresa que não tivesse alguma interferência política. O deputado Filadeldo Garcia, homem de confiança de Filinto Muller, tinha o efetivo controle dos principais cargos da empresa. No geral a política da empresa estava submetida aos interesses estratégicos do PTB. No entanto, quando a política mudava de lado, como foi o caso da eleição de Jânio Quadros, em 1961, houve intensa perseguição aos funcionários ligados ao PTB. 131 Correio do Estado. Campo Grande.MS .02/05/ 1957 132 Correio do Estado.Campo Grande. MS.26/10/1959.

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Os trabalhadores da Noroeste, por formarem uma categoria com grande número de profissionais, seus votos eram disputado a peso de ouro. A maioria dos políticos desejava ser representante da categoria. Nesse sentido, não mediam esforços para tentar tornar realidade as reinvidicações dos ferroviários. Não são poucos os discursos feitos na capital federal por senadores e deputados defendendo as propostas dos homens e mulheres da ferrovia. José Vasconcelos, Ex -funcionário da Noroeste do Brasil, explica como eram resolvidas as pendências e demandas trabalhistas da empresa: “as divergências mais fortes eram resolvidas através de canais políticos no Rio de Janeiro. Nos casos menores, simplesmente demitia o trabalhador. Principalmente se ele não tivesse um bom padrinho. Padrinho valia muito, era ouro, naqueles tempos de Filadelfo e Filinto”133. O número de acidentes de trabalho na ferrovia era alto.Essa não era uma situação nova. Os horários de saída e chegada dos trens também não eram respeitados. A empresa escondia esses fatos da população para não desgastar a sua imagem. O jornal Correio do Estado de 23/071959 fez a seguinte denuncia sobre o problema dos acidentes “A Noroeste do Brasil costuma esconder os acidentes de trabalho. Tem medo que a imprensa divulgue. Essa não é a melhor forma de tratar a população”. A administração do engenheiro Pedro Pedrossian a frente da Noroeste do Brasil permitiu, pelo que se vê, melhorar consideravelmente a relação da empresa com a comunidade e com os funcionários. No inicio da década de 1960, a empresa se engajou num intenso processo de alfabetização, em parceria com o MEB- Movimento de Educação de Base. Havia uma orientação do Governo Federal para que suas empresas participassem do processo de alfabetização de jovens e adultos no Brasil. Assim, alguns vagões foram transformados em sala de aula e mobilizados para alfabetizar homens e mulheres ao longo dos trilhos, inclusive funcionários e seus familiares. Por outro lado, no inicio da década de 1960, os juizes de Mato Grosso entraram em greve. Em agosto de 1961 as principais comarcas do Estado fecharam suas portas. Era ano eleitoral e o pessoal da UDN ficou com medo que a greve tivesse repercussão eleitoral. “Pediu-me Fernando Correia da Costa, relata Demóstenes Martins, que colaborasse com ele no sentido de obter-se uma solução para o caso que estava preocupando grandemente, máxime, por tratar-se de ano de eleição.134” A alternativa encontrada foi aumentar o imposto estadual de vendas e consignação em 1% o que deu para cobrir o aumento dos magistrados . Com isso,

133 Entrevista com José Vasconcelos .02/05 / 2004 134. Martins , Demosthenes .op.cit p. 230.

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os juizes voltaram ao trabalho. A imprensa noticiou o caso com muito espanto135. Afinal, não é comum magistrado fazer greve. A Associação dos Marítimos de Corumbá realizou em 02/04/1958 o Primeiro Congresso Estadual dos Trabalhadores em Transporte Fluvial. O evento aconteceu na sede da Associação Comercial de Corumbá. No último dia de trabalho foram eleitos os senhores Odair Eugenio da Silva e Otavio Hernani delegados ao Congresso Brasileiros dos Marítimos. O centro da discussão do congresso foi à equiparação salarial dos empregados privados com os estatais136. Em 1958, em Campo Grande, foi criada a Associação dos viajantes e representantes comercial de Mato Grosso. Essa entidade era liderada pelos representantes de medicamentos. Ademais, em 05 de maio de 1959 foi formada a Associação Profissional dos bancários de Campo Grande.A iniciativa partiu de um grupo de jovens trabalhadores vindo de São Paulo. Eles perceberam que a cidade já possuía um bom numero de profissionais, assim, aos poucos foram formando o embrião do sindicato. O primeiro presidente da Associação dos bancários foi o senhor Dirceu Alves do Prado e o secretario geral foi o senhor Manoel Lourenço. Lourenço nos conta como formaram a Associação e o Sindicato dos bancários. . “ Nos éramos um grupo de jovens. Já conhecíamos alguns aspectos da luta sindical pois éramos filiados no Sindicato dos Bancários de São Paulo. Portanto,em 1959, resolvemos criar a nossa associação em Campo Grande. Era eu, Carlos do Vale, Mario Soares e César Correia Lopes.Apesar do nosso esforço a associação não ia para frente. Era tudo difícil. Porém,em 1962, recebemos um grande reforço. Foi transferido para Campo Grande Lafayete Câmara, do Banespa, que tinha jeito para trabalhar com sindicato.Era um sindicalista nato. Assim,ainda em 1962, recebemos a nossa carta sindical que foi assinada pelo Ministro Almino Afonso. O suicídio de Getúlio Vargas e sua repercussão em Campo Grande Logo após a posse Getúlio Vargas já teve que enfrentar a ação da oposição liderada por Carlos Lacerda. A plataforma política do novo Governo era claramente anti-imperialista. Os discursos e a ação do presidente atingia diretamente parte dos interesses americanos no Brasil. A decisão do Governo Federal de monopolizar o petróleo, criando a Petrobrás e a Eletrobrás, gerou novos inimigos no front interno e externo. No entanto, para agravar mais o quadro, no dia 05 de agosto de 1954, pistoleiros ligados ao segurança de Getúlio, Francisco Fortunato, feriram mortalmente o guarda costas de Carlos Lacerda, Major Paz, da aeronáutica. Em decorrência dessa morte, um parte da oficialidade das três armas exigiram a renuncia do presidente. Para não se submeter a mais 135 Correio do Estado. Campo Grande/MS 22/03/1961 136 Correio do Estado. Campo Grande/MS 02/04/1958

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uma renuncia, Getúlio desfere contra seu próprio peito, na noite de 24 de Agosto de 1954, um tiro mortal . Antes, porém, redigiu uma carta que é hoje um dos mais importantes documentos da história do país. “Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo.tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”. A morte de Getúlio causou enorme comoção na população brasileira. Imediatamente, o povo, em vários Estados da Federação, passou a buscar os culpados pelo suicídio do presidente. No Rio de Janeiro, as redações do Jornal o Globo e Jornal Última foram apedrejadas. O mesmo aconteceu com a embaixada americana e seus consulados. O jornal do PCB, que circulava com criticas a Getúlio, foi recolhido as pressas. A morte de Getúlio causou enorme comoção em Campo Grande.Parte dos trabalhadores da construção civil suspenderam seu trabalho e, em grande número, vieram se concentrar no sindicato para ouvir (havia um rádio no sindicato ) as notícias. O exército preocupado com a possibilidade de acontecer alguma manifestação pelas ruas da cidade colocou uma patrulha de prontidão nas proximidades do sindicato137. Em 1955 Juscelino Kubitschek se elegeu presidente do Brasil. O centro da política de JK foi a combinação de um intenso processo de substituição de importações com abertura do mercado para o capital internacional. Nessa política, muitas vezes contraditória, pois nem sempre os interesses nacionais foram contemplados, brotaram iniciativas em todas as áreas que oxigenaram as forças vivas da Nação. O rompimento do Brasil com o FMI- Fundo monetário internacional, a construção de Brasília que permitiu maior integração e desenvolvimento da região Centro Oeste, o plano de metas, entre outros, permitiram que o Brasil continuasse crescendo. A decisão de romper com o FMI contou com o apoio de parte destacada da sociedade brasileira. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e do Mobiliário de Campo Grande enviou uma carta parabenizando o Presidente da República por ter rompido as relações econômicas e políticas com aquela instituição financeira. A carta foi assinada pelo seu presidente José de Sousa Reis. Em 1960 realizou-se a eleição para Presidente da República. O candidato vitorioso foi Jânio Quadros, do PST- Partido Social Trabalhista, apoiado pela UDN. Jânio ganhou com larga margem de voto do candidato apresentado pelo PTB - Marechal Henrique Teixeira Lott. Oito meses depois Jânio renunciou o seu mandato. O fato criou uma profunda crise política. Os partidários de Carlos Lacerda não queriam que João Goulart, vice de Jânio, assumisse o comando do 137 Weigarthner, Alisolete Santos.2001. opcit. 100

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governo.Em mais um golpe branco criaram a solução parlamentarista, com Tancredo Neves de primeiro ministro. Passado pouco mais de dois anos, João Goulart conseguiu, através de um plebiscito, mudar a forma de Governo e voltar ao Presidencialismo. Jango possuía uma relação muito estreita com os sindicatos. Em Campo Grande a maioria dos dirigentes sindicais eram simpáticos ao Governo Goulart. Através do CGT – Comando geral dos Trabalhadores os sindicatos se comunicavam com área sindical do Governo Jango.O sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e o Sindicato dos Bancários eram filiados a essa entidade, inclusive, representantes dos trabalhadores da construção civil participaram do Congresso do CGT, em 1962, em São Paulo, no período de 16 a 18 de agosto. Greve Geral dos bancários Por ocasião da tentativa de greve geral programada para Setembro de 1962, pelo CGT, os principais sindicatos de Campo Grande se organizaram para tentar parar algumas atividades econômicas . Na reunião de preparação da greve, realizada no Sindicato da Construção Civil, foram definidos os seguintes passos : “ a) ficar em assembléias permanentes; b) promover passeata dos trabalhadores (em conjunto com os camponeses da Mata do Jacinto, Terenos e demais patriotas, e povo em geral; e c) solicitar solidariedade dos vereadores a apoiar a greve geral”138. Em que pese haver disposição das lideranças sindicais para ir a greve ela não aconteceu. Foi abortada pelo comando do CGT. Essa foi à segunda oportunidade que os trabalhadores de Campo Grande tentaram fazer uma greve geral.A primeira foi em 1953. Não teve sucesso. Não havia condições reais.A segunda, em 1962, em melhores condições, também não foi realizada. Em julho de 1962 o diretor do Sindicato dos Bancários de Campo Grande, Manoel Lourenço, participou como delegado da convenção nacional dos bancários que foi realizada na cidade de Tupã, São Paulo139 Nessa convenção, por iniciativa de Manoel Lourenço, entre outras coisas, foi aprovada uma moção de apoio em favor da construção do asfalto ligando São Paulo com Campo Grande.Esse detalhe é importante porque mostra que a preocupação do sindicato não era apenas com as questões trabalhistas especificas, mas, também, com as questões mais gerais do Estado e de Campo Grande. Por outro lado, em 1962, os bancários de Campo Grande elegeram uma nova diretoria. O presidente escolhido foi Lafayete Câmara de Oliveira funcionário do banco Banespa e integrante do CGT. Nesse ano, também, foi criada a Associação dos bancários de Corumbá. Em 1963 a Associação dos Bancários recebeu sua carta sindical. Foi feita uma grande festa com direito a discursos e muito churrasco para comemorar o feito. 138Weingartner , Alisolete dos Santos.2001.op cit. P. 111 139 Ata do sindicato dos bancários do dia 02/06/1962.

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Entre os oradores da festa estava o presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que representava também o CGT. O representante de São Paulo defendeu as reformas de base e o apoio ao Governo Federal de João Goulart. Já o discurso do presidente do Sindicato dos Bancários de Campo Grande, Lafayete Coutinho, seguiu o caminho do primeiro orador. Disse ele:“ os bancários estão ao lado do CGT pela reforma bancaria, progressista com solidariedade do crédito, reforma bancária para melhor produção agrícola e pastoril, reforma tributária e administrativa140 Em setembro de 1963, os bancários do Sul de Mato Grosso realizaram sua primeira greve. Antes, porem, funcionários do Banco do Brasil já tinha efetuado pequenas paralisações. No dia 06/09, em assembléia geral, os bancários aprovaram greve geral. A idéia era começar a meia noite do dia 10/09. Os preparativos para a greve foram ultimados. As famosas comissões de piquete e outras foram formadas. A votação da assembléia apresentou o seguinte placar: 54 votos a favor e 50 votos contra a greve. Ainda durante a assembléia circularam boatos que o banco financial e o banco lavoura estavam pressionando seus trabalhadores para não participarem da greve. Era uma forma que os bancos adotavam e adotam para quebrar a resistência dos trabalhadores. Meia noite, quando os “piqueteiros” já se encontravam nas portas dos bancos, para impedirem os companheiros de entrarem, bem como outras providencias típicas de greve, eis que chega um telegrama do comando nacional de greve informando que a paralisação tinha sido abortada. Que os banqueiros tinham decidido oferecer um aumento que variava entre 30% a 35% . O telegrama trouxe alivio e frustração. Os mais exaltados queriam participar da greve de qualquer forma. Afinal de conta essa era a primeira greve geral da categoria em Campo Grande. Do outro lado, os que foram contra a greve ficaram aliviados por não terem que ouvir impropérios dos colegas e,eventualmente, terem os dias parados descontados. Assim, mesmo com a orientação do comando nacional dos bancários de que a greve foi abortada, ou seja, que todos deveriam voltar para o trabalho, um grupo de bancários do Banco do Brasil, seguiu adiante com a greve. Não respeitaram a liderança do comando.Na verdade, os trabalhadores do Banco do Brasil tinham uma orientação do comando de greve do próprio banco, daí, essa celeuma,os bancos privados funcionando normalmente e o banco do Brasil parado. José Santa Rosa que participou ativamente da organização dessa greve, relatou como aconteceu o movimento paredista. “Houve a greve dos bancários que eu acho que foi a primeira de Campo Grande. Um fato interessante é que quando o comandante do exército resolveu colocar a tropa na porta dos bancos, para evitar piquete, os 140 Ata do sindicato dos bancários do dia 09/06/1963

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trabalhadores já haviam resolvido voltar ao trabalho, acabar com a greve. Ai foi àquela coisa ridícula. Um monte de policial na rua, armados, e o banco trabalhando normalmente. Ninguém entendia o que eles estavam fazendo ali. Tava tudo normal” . Protesto estudantil Além da atividade sindical, havia, também, no sul do Estado um briguento e competente movimento estudantil. Era influenciado diretamente pelo sucesso político e cultural alcançado pela UNE - União Nacional dos Estudantes. Essa entidade, através do CPC - Centro Popular de Cultura, criou uma estrutura volante para difundir cultura e política por todo país. O movimento estudantil do Sul de Mato Grosso tinha raízes antigas. Data dos anos 1930, no Rio de Janeiro, quando um grupo de jovens resolveu organizar uma entidade de estudantes universitários. Entre as atividades desse grupo destacou-se a campanha pela emancipação do Sul de Mato Grosso, através da liga Sul matogrossesse. Em agosto de 1959, na cidade de Aquidauna, centenas de estudantes desfilaram pelas principais ruas da cidade protestando contra o aumento do preço da entrada do cinema.Ao final da passeata se concentraram em frente ao cine Gloria. O protesto ganhou a adesão de professores e de lideranças política da cidade141. Um “cordão humano” foi feito em torno da entrada do cinema. O movimento só foi encerrado quando o proprietário do estabelecimento resolveu cancelar a majoração. O que aconteceu em aquidauna não foi algo isolado. Estava vinculado a uma luta mais geral que se travavam em todo país contra o aumento do custo de vida, da carestia, como era chamado na época . Em Campo Grande, em outubro de 1959, os estudantes também foram para as ruas para protestar contra o aumento do preço do ingresso do cinema. O movimento concentrou-se em frente ao cine alhambra. A polícia foi chamada para reprimir a manifestação.Os estudantes não recuaram.Não entrava ninguém nessa casa de espetáculo. O prefeito da Cidade Wilson Barbosa Martins foi chamado para mediar o conflito142. Depois de muita negociação a direção do cinema Alhambra recuou do aumento. Na verdade, existia um velho contencioso entre a direção desse cinema e os estudantes. Na década de 1940, por exemplo, os estudantes protestaram varias vezes contra a majoração dos preço do ingresso desse cinema. Também, em 1959, estudantes e professores fizeram vários protestos nas principais cidades do Estado contra a mudança no calendário escolar estadual daquele ano. Uma reunião com professores e representantes dos alunos foi realizada no sindicato dos trabalhadores da Construção Civil de Campo Grande para debater a mudança no calendário. O clima de greve estava no ar. O 141 Correio do Estado. 02/09/1959 142 Correio do Estado. Campo Grande.MS. 06/10/1959

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governador do Estado, Ponce de Arruda, em passagem por Campo Grande, ficou sabendo do impasse e da possibilidade de greve. Imediatamente chamou a Secretaria Estadual de Educação, Oliva Enciso, e determinou que fosse discutido um novo calendário escolar com professores e alunos. Com a formatação do novo calendário evitou-se a greve. Por outro lado, em 1960, um grupo de estudante de Campo Grande resolveu participar da política do Estado. Para isso, criaram um partido político com o sugestivo nome de Partido Estudantil de Mato Grosso. Não conseguimos maiores informações sobre a vida e a ideologia dessa agremiação, mas, o primeiro presidente da agremiação foi o jovem Ademar Guedes tendo como vice presidente José Inácio143. Em maio de 1960, por sua vez, uma caravana de estudantes secundarista de Campo Grande deslocou-se até Cuiabá para participar do Congresso Estadual dos Estudantes Secundarista. A disputa por uma vaga para participar do encontro não foi pequena. A direção da UCE- União Campo Grandense de Estudantes foi responsável pela eleição dos delegados e organização da comitiva. Foram eleitos para participar do congresso os jovens Manfredo Alves Correia, Jô Duarte, Vicente Surubi e Cícero Lacerda144. Uma outra atividade que contou com o apoio dos estudantes foi um programa de alfabetização para jovens e adultos implantado em alguns municípios do Mato Grosso, em 1962, por iniciativa do MEB- Movimento Eclesial de Base e Governo Federal. Essa experiência começou na região Nordeste e rapidamente se espalhou para outros estados da federação. Parte importante do conteúdo do curso era transmitido pela Radio Educação Rural, de Campo Grande, ligada a Igreja Católica, que estava interligada ao SIREMA- Sistema Radiofônico de Mato Groso145. As aulas eram gravadas no Rio de Janeiro, por professores contratados pelo MEC. Os professores ou monitores do projeto eram escolhidos na própria comunidade. A tarefa deles era tirar as duvidas, selecionar os alunos, e organizar a sala de aula que, a rigor, tinha que estar dotada de um rádio. O processo de seleção dos alunos exigia que o professor saísse pelos bairros das cidades e pela zona rural, cadastrando pessoas. Esse trabalho representou uma grande colaboração no sentido de diminuir o numero de analfabetos no Estado. Luta contra a inflação em Campo Grande A luta contra os preços dos gêneros de primeira necessidade ganhou, em Campo Grande, a exemplo do que vinha ocorrendo em outras cidades do Brasil, a adesão

143 Correio do Estado. Campo Grande /MS.18/031960 144 Correio do Estado.Campo Grande /MS 13/06/1959 145 Correio do Estado.Campo Grande.MS .13/10/1962

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das donas de casa. Desde o ano de 1955 que grupos de sindicalistas e políticos vinham denunciando a carestia na cidade. O Jornal Correio do Estado também vinha denunciando a majoração dos preços. A comemoração do dia 1º de Maio de 1956, por iniciativa de donas de casas e sindicalistas, foi marcado por fortes protestos contra a alta de preços.146. A luta contra a majoração dos preços atingiu também a área de prestação de serviços. Parcela importante da população de Campo Grande e de Corumbá estava contrariada com o precário fornecimento de energia elétrica oferecido pela CEMAT- Companhia de Energia Mato Grossensse. A principal queixa era contra as constantes interrupções e o preço da tarifa.A energia em Campo Grande era movida a motor e só era ligada algumas horas por dia. Em fevereiro de 1957, um grupo de mulheres de Campo Grande realizou uma manifestação no centro da cidade com objetivo de protestar contra o aumento de 65% na tarifa de energia elétrica147. No dia 08/03/1960, em Corumbá, o Sindicato dos Motoristas, em conjunto com o Sindicato dos Charreteiros, fizeram um protesto contra a CEMAT, denunciando a falta de energia elétrica e o preço cobrado por ela. Os protestos também migraram para outras cidades. Já o ano de 1960 foi marcado por fortes protestos contra a falta de energia em Campo Grande. Empresários da Associação Comercial, donas de casa, sindicalistas, entre outros, foram até a sede da empresa para protestar. O Jornal Correio do Estado,em varias edições, em 1956, estimulava a população a colocar uma placa na frente da casa com os seguintes dizeres : nessa casa não se paga luz. Em 28 de janeiro de 1959, o sindicato dos Motoristas enviou correspondência ao Presidente da República, Juscelino Kubitschek, denunciando o aumento generalizado dos preços em Campo Grande. Na mesma correspondência indagavam se o Governo Federal tinha decretado congelamento de preços no Brasil. Em caso afirmativo solicitava autorização para fiscalizar os preços, em Campo Grande148. É bem provável que, em função dessa correspondência, como agradecimento, Juscelino tenha enviado um simpático cartão de natal, para esse sindicato, com a seguinte mensagem: Apraz-me manifestar-lhe cumprimento de Boas festas e feliz ano novo. Presidente JK. O jornal Correio do Estado trouxe uma longa matéria analisando o aumento generalizado dos produtos de primeira necessidade em Campo Grande. Escreveu o articulista: “ Campo Grande, região cuja safra foi de milhares o feijão vem ordinário, misturado com quanta praga existe no campo e está sendo vendido a 40 cruzeiros o quilo. Sábado e domingo o leite escasseou na cidade. É a velha tática de forçar novos aumentos de preço de um alimento básico da dieta de uma

146 Correio do Estado. Campo Grande/MS 04/06/1959 147 Correio do Estado. Campo Grande /MS 27/021957. 148 Correio do Estado. Campo Grande/MS 31/01/1959

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criança e dos enfermos”. Ao final da matéria o jornal culpa os aumentos a ação dos tubarões do comércio.149 Em 04 de março de 1964, pouco dias antes do golpe, foi criado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Aparecida do Tabuado.O Governo Federal, através da SUPRA-Superintendência de Reforma Agrária150 estava estimulando a formação de sindicatos rurais no Sul de Mato Grosso. Valdemar Alves Barbosa foi o primeiro presidente dessa entidade.Ademais, em 1963,por iniciativa de pessoas ligadas a Igreja Católica foi criado o sindicato dos trabalhadores rurais do município de Coxim. O mês de Março de 1964 foi muito agitado para um grupo de jornalistas de Campo Grande que estavam envolvidos com a criação do sindicato dos jornalistas de Mato Grosso. O jornal O Mato Grosso de 20 de março de 1964 informa que um grupo de jornalistas, entre os quais Juvenal de Brito, Jurandir Marcos de Fonseca, Carlos Carvalho, chegaram de Cuiabá onde tratavam na capital da criação do Sindicato dos jornalistas. Não sabiam eles que, 10 dias depois dessa viagem as condições para organizar o sindicato ficaram bem mais difíceis. Em 04 de Março de 1964, em Campo Grande, houve um protesto que envolveu sindicalistas, donas de casa e estudantes contra o aumento da passagem de ônibus. A passagem custava 30 cruzeiros e foi majorada para 50 cruzeiros.Depois de dois dias de muito debate e protestos o prefeito convocou a empresa e os usuários para uma negociação. Ao final, ficou acordado que a empresa manteria o preço que vinha praticando anteriormente.151 Passados 27 dias desse protesto histórico, veio o golpe militar de 1964. Com ele, na verdade, também veio humilhação, prisão, assassinatos e atraso para o processo democrático do país. No próximo capítulo analisaremos esse golpe no Sul de Mato Grosso.

149 Correio do Estado. Campo Grande /MS 18/08/1959 150 Correio do Estado. Campo Grande /MS. 20/03/1964 151 Jornal do Comercio. Campo Grande /MS 04/03/1964

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O GOLPE DE 1964 NO SUL DE MATO GROSSO No dia 01 de Março de 1964, um grupo de militares apoiados por uma parcela da sociedade civil e pela CIA americana, promoveu um golpe de estado no país.Colocou as forças armadas nas ruas e forçou o presidente eleito, João Goulart, e seus ministros a abandonarem o Brasil e se exilarem em outros países. Na seqüência, infelizmente, o que se viu no país e em Campo Grande foi a banalização da violência e a supressão das garantias constitucionais. Milhares de pessoas foram presas algumas mortas e outras tiveram que abandonar o país. O golpe militar representou um período nebuloso da nossa história com conseqüências nocivas que perduram até os nossos dias. Campo Grande, em que pese na época ser uma cidade relativamente pequena, vivenciou uma situação não muito diferente do que aconteceu no resto do país. Muita gente foi presa sem ter nada haver com comunismo. E mesmo os comunistas e nacionalistas foram presos apenas porque expressavam democraticamente a sua ideologia política, aliás, um direito inalienável da pessoa humana. No Sul de Mato Grosso, no início da década 1960, existia um grupo político que ficou conhecido na história regional como ADEMAT-Associação Democrática Mato Grossensse. Essa entidade era ligada a UDN-União Democrática Nacional e ao IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática. Seus militantes eram médicos, advogados, pecuaristas, comerciantes, professores, intelectuais, jornalistas, entre outros, mas, pelo que vemos com pouco sentimento humano.

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Pelo menos podemos concluir diante da quantidade de intrigas e ameaças feitas por eles, com o objetivo de contribuir, de alguma forma, com a instabilidade da política regional. Na prática, aplicavam no Estado de Mato Grosso a linha política do IBAD que pregava abertamente o golpe de estado como forma da UDN chegar à presidência do Brasil. Os militantes da ADEMAT diziam que agiam em defesa dos interesses da pátria e dos ideais democráticos, porém, não foi isso que se viu. Demóstenes Martins, um dos líderes da direita no Estado, por exemplo, desenvolveu especial apreço por cargos públicos que ofereciam a oportunidade de poder bisbilhotar a vida dos seus adversários.Não é por acaso que, no pós 1964, Demóstenes foi escolhido para dirigir as principais CGI-Comissão Geral de Investigação.Como sabemos essas comissões existiam para que o regime militar pudesse vasculhar a vida daqueles que eram considerados inimigos do regime. Em 1964, era muito comum ver os militantes da ADEMAT portando metralhadoras e outras armas de uso exclusivo do exército brasileiro, como se fossem militares de fato.Essa era uma tática muito usada para intimidar os adversários. O médico Alberto Neder conheceu de perto os militantes dessa entidade.Em entrevista ao Jornal Diário da Serra de 31/04/1994, ele declinou o nome de algumas lideranças da ADEMAT: “Munir Bacha, Cláudio Frageli, Agustinho Bacha, Osvaldo Baker e Ladislau Marcondes”. O jornalista Sérgio Cruz destacou outros nomes que participavam também dessa entidade: Rodolfo Andrade Pinho, Vicente Oliva, Italivio Coelho, Assis Brasil Correia, Lúdio Coelho, Roberto Spengler, Cândido Rondon, Irmão Bello, Daniel Reis, Cícero de Castro de farias, Annes Salin Saad, Eduardo Metelo e Cel. Câmara Sena”.152 Esse era o chamado núcleo duro, ou como diz Gramsci, os intelectuais orgânicos responsáveis pela formulação e aplicação da política de direita no Sul de Mato Grosso. Demóstenes Martins nunca escondeu que a ADEMAT tinha um caráter para-militar. Em seu livro (A Poeira da Jornada. 1980.p.239) ele afirma que “a ADEMAT, em 1963, ganhava prosélitos em todos os escalões da população, preparando-se para a luta, sem distinção de classes partidárias”. No mesmo livro, na pagina de número 251, Demóstenes escreve que “entrementes, na região do Sul, surgia a candidatura do empresário e destacado pecuarista Lúdio Martins Coelho, focalizada, especialmente pela ADEMAT, organização surgida para combater a ação comunizante do presidente João Goulart, inclusive no campo da luta armada”. O Partido Comunista Brasileiro, seção de Mato Grosso, embora pequeno numericamente, tinha quadros políticos com muita influência na sociedade. Eram intelectuais, empresários, profissionais liberais, bem como um time de 152 Cruz,Sergio.livro Datas e Fatos Históricos. (no prelo)p.63.

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sindicalistas formado, entre outros, por João Jovelino, Ezequiel Ferreira Lima, Epaminondas Lemos, Arcelino Granja, Lafayete Câmara, Durvalino Pereira Barros, Áureo Medeiros. Esse partido também possuía um Jornal dirigido pelo vereador por Campo Grande José Roberto de Vasconcelos. O Jornal era um instrumento importante de luta política, que, não raro, denunciava em seus editoriais as mazelas da política regional; a ação do coronelismo e da oligarquia bovina; bem como abria espaço para a opinião da sociedade civil. A linha editorial do jornal “O Democrata” era acompanhada de perto pelos militantes da ADEMAT. Os passos dos comunistas também. Em Janeiro de 1964 um grupo de militantes do PCB comemorava o aniversario de Luís Carlos Prestes.À noite, resolveram fazer algumas “pichações” na cidade, enaltecendo o cavalheiro da esperança, porém, pela madrugada, já cansados, em meio a pincel e tintas, chegou a policia acompanhada de algumas pessoas ligadas a ADEMAT. Por mais que os militantes explicassem que aquela ação era democrática, que os muros da cidade tinham inscrições de outros políticos, que eles eram bancários e estavam homenageando uma figura importante da Nação, entre outros argumentos, o grupo foi parar na cadeia. Foram presos José David, Ari Rodrigues, Arquimedes, Altino Dantas e Serafim. Para tentar libertar os bancários foi acionado o serviço do advogado Wilson Barbosa Martins, da UDN, porém, com relações de amizade com os comunistas. Ainda na mesma noite o grupo foi liberado, mas, como Wilson Barbosa era filiado à UDN, integrava a chamada ala democrática, foi duramente criticado por seus companheiros de partido, nos jornais da cidade, por ter patrocinado a libertação dos bancários153. Ademais, no inicio do mês de março de 1964,o Jornal O Democrata foi invadido e parte do seu parque gráfico foi danificado. Levantamento feito por peritos indicou que se tratava de uma ação política, provavelmente para calar a boca dos donos do jornal. Um grupo de sindicalistas denunciou o corrido, por meio de um manifesto, dirigido ao Governo do Estado, Fernando Correia da Costa, em que pediam a intervenção do Estado para que o caso fosse solucionado e os responsáveis presos. O manifesto foi assinado pelo Presidente do Sindicato da Construção Civil, Durvalino Pereira Barros; o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Veículos de Tração Animal, Arcelino Granja; o Presidente do Sindicato dos Bancários, Lafayete Câmara de Oliveira e o Presidente da Associação dos Trabalhadores no Comércio, Ebert Lago. A invasão do jornal e outras formas de intimidações perpetradas pelos representantes da direita, naquele mês de março de 1964, não podem ser creditados apenas a uma infeliz coincidência.Não é estranho pensar que os atos estavam devidamente articulado com outros, em outras cidades do país, eram 153 Jornal Correio do Estado. Campo Grande /MS. 04/01 de 1964

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fatos isolados que se somavam objetivando criar as condições objetivas e subjetivas para o Golpe. Golpe que veio no dia 31 de março. Os quartéis ficaram lotados de presos A o longo do mês de abril de 1964, foi grande o número de pessoas que foram presas em Campo Grande. Não havia critério para alguém ser preso. Muitas vezes, bastava apenas que um vizinho, um desafeto, ou mesmo um adversário político denunciasse o cidadão como comunista, ou mesmo como simpatizante de algum partido ligado à base do Governo deposto. Aliás, o denuncismo foi regra adotada em todo país. Por isso, as cadeias ficaram repletas de inocentes, de pessoas que nem mesmo conheciam a ideologia comunista. Que não sabiam por que estava presa . No dia 03 de abril o jornal Correio do Estado estampou uma inusitada manchete, a pedido do comando do exército, em que lia o seguinte texto: “ A ordeira e operosa população de campo Grande e de todo o estado de Mato Grosso pode confiar na ação patriótica do exercito Brasileiro, mantendo-se calma, prosseguindo em seus afazeres normais, certo de que a tropa da região militar lhe garantirá a tranqüilidade que todos almejamos, entretanto, se elementos mal avisados tentarem perturbar a ordem todas as medidas necessárias serão tomadas com o máximo rigor. General Barbosa Pinto comandante do exército”. Ao mesmo tempo em que saiu o comunicado, saíram, também, as viaturas para prender os democratas, nacionalistas, sindicalistas, inocentes e outros. O vice-prefeito de Campo Grande na época, Nelson Trad, advogado e militante do PTB, foi um dos primeiros a ser preso. Trad fazia parte de um grupo suprapartidário que existia na cidade, formado, entre outros, por Onofre Costa Lima, René Ned, Humberto Ned, Ràdio Maia, Euclides de Oliveira e Ezequiel Ferreira Lima, que se reuniam semanalmente para analisar a conjuntura nacional e tomar outras providências políticas. Como esse grupo tinha força política, contava, inclusive, com o concurso do prefeito da cidade, Humberto Canale, tornara-se muito visado. Relatou Nelson Trad, aos autores, que estava em casa, à procura de novas informações sobre o desenrolar do golpe, tentando conversar por telefone com o ministro da saúde Fadul Filho, porque tinha recebido a informação do chefe de gabinete do ministério da saúde, Carlos Bezerra, que existia a possibilidade de Goulart se dirigir à Campo Grande. Antes mesmo de receber qualquer informação concreta sobre as providencias adotadas por Goulart, os militares da segunda seção do exército chegaram a sua casa.“ Eles entraram e foram revirando as coisas. Nem os livros de sociologia da minha mulher eles deixaram em paz. Queriam

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documentos, armas, coisas que me ligassem com o comunismo. Fiquei um mês preso e incomunicável. Depois, sem aparente razão, eles me prenderam mais cinco vezes. Tinha dia que me prendiam de manhã e me soltavam a tarde”. O mais complicado, de acordo com Nelson, é que ele era o advogado de defesa da maioria dos presos políticos e, muitas vezes, não podia comparecer ao tribunal porque estava preso. Assim, a solução era solicitar o serviço de amigos advogados sensíveis à causa democrática. O médico, Alberto Neder, também foi preso. Logo que saiu a notícia do golpe, Neder procurou se refugiar em lugar seguro, pois sabia que era um dos procurados. Assim, procurou a fazenda de um amigo na região de Rio Brilhante, onde achava que estava seguro. Passados os primeiros dias, relaxado, Neder resolveu sair para tentar uma caçada. No meio do mato deu de cara com alguns caçadores liderado pelo fazendeiro Jairo de Castro. Castro, no mesmo dia, informou a policia onde o “perigoso” comunista Alberto Neder estava escondido.Eis como Neder descreve sua prisão“Eles estavam à procura do vereador Antônio Vasconcelos, que era muito atuante na época. Eu fui delatado quando caí na besteira de sair para caçar e um grupo de caçadores me viu e me delatou. Fui preso e conduzido para o Regimento de Cavalaria Mecanizada”154 O médico, Alberto Neder, foi levado, inicialmente, para a cadeia pública de Rio Brilhante e, de lá, transportado por avião para Campo Grande, onde ficou preso. Os militares responsáveis pela prisão de Neder desfilaram com ele algemado dentro de um jipe, pela a avenida Afonso Pena, com o intuito, talvez, de mostrar à população que o mais conhecido comunista de Campo Grande estava preso. O ex-deputado estadual Alarico Reis de Ávila, empresário, presidente na época do PTB, amargou trinta dias de prisão no mês de abril de 1964. O motivo principal, segundo ele, foi o fato de ter intercedido por um grupo de amigos do PTB de Rio Verde que foi preso. Esse grupo era formado por comerciantes, fazendeiros, dono de cartório, e não tinha absolutamente nada com comunismo. Alarico nos contou com muita ironia o que viu e o que sentiu nos primeiros dias do golpe em Campo Grande. “ A chamada revolução, aqui, foi um desastre, um choque muito grande, uma demonstração de pequenez dos nossos adversários, que, civis, passaram a sair de metralhadora na mão, apoiados pelos militares, prendendo pessoas conhecidas que não tinham nada a ver com política, só porque não gostavam do sujeito, por outras razões, ou era adversário político, mas nunca por problema de comunismo. Os comunistas aqui eram meia dúzia de pessoas, que não fazia ameaça a ninguém, como não faz hoje. Esse pessoal ia ameaçar as instituições. Claro que não. Eu fui informado que uns companheiros de Rio Verde estavam preso no exército. Imediatamente me dirigi para lá para saber os motivos da 154 Jornal Diário da Serra.Campo Grande/MS 31/04/ 1994,p.09).

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prisão.Fui atendido pelo coronel Viker. Expliquei para ele que estava ali para defender meus companheiros. Ele, então, falou assim: agora eles irão sair e você vai ficar. O que eu respondi na hora: é exatamente o que vim fazer aqui. Eu quero é tirá-los daqui porque eles não tem nada haver com comunismo. É pura intriga dos adversários.Com isso, eu fiquei trinta dias presos, sendo que os seis primeiros foram incomunicáveis ”. Ademais, os jornais da cidade passaram a divulgar comunicados com nome de pessoas que estavam presa. Assim, no dia 25 de Abril de 1964 saiu o seguinte comunicado no Jornal Correio do Estado : “o comando do Exercito informa que os senhores Alexandre Tognini, Diomedes Araújo, Radio Maia e Lafayete Coutinho estiveram detidos para serem averiguados e submetidos a verificação sobre suas atitudes e participação em atividades subversivas, tendo sido postos em liberdade em 20 de abril de 1964. Alerta, ainda, que os referidos senhores não poderão deixar a cidade. Em outro comunicado, o exército informou que “os senhores José Domingos, Heitor Samaniego, João de lima Couto, José Ribeiro de Melo, Edberto Celestino e Reginaldo de Oliveira estavam detidos no comando do exército para averiguação. Além das prisões, havia, também, muita fofoca aumentando ainda mais o grau de tensão no seio da sociedade. No inicio de abril de 1964, por exemplo, surgiu um boato dando conta que a água que abastecia a cidade de Campo Grande estava envenenada. Que um grupo de comunistas tinha colocado veneno no reservatório. Isso foi o suficiente para que uma parte da população iniciasse uma peregrinação rumo aos córregos e outros reservatórios para buscar água. Ninguém queria consumir a água fornecida pela prefeitura. O comandante do exército, preocupado com a situação, foi à imprensa afirmar que era pura mentira o boato de que a água estava contaminada. Que pesquisas tinham sido feitas pela prefeitura e não encontraram nada de anormal na água. Formalmente, ninguém foi acusado pelo ato “terrorista”, mas, com certeza, foi algo arquitetado para prejudicar os comunistas. Enquanto os quartéis ficavam lotados e os comunicados do exército se sucediam trazendo novas listas de prisioneiros, os homens da ADEMAT continuavam o rosário de provocação contra pessoas e propriedades. O jornal O Democrata, por exemplo, que dias antes tinha sido parcialmente destruído, mais uma vez foi invadido por gente armada de metralhadora, aos gritos, quebrando tudo que o via pela frente. As máquinas e outros equipamentos foram jogados dentro do córrego da rua Maracajú. O mesmo aconteceu com os documentos e livros.

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O Ato fascista ocorreu durante o dia e foi presenciado por populares e colaboradores do jornal que nada puderam fazer. O aposentado Manoel Silvestre, ex-taxista, amigo de muita gente que colaborava com o Democrata, presenciou a violência. Disse ele: “Aquilo foi uma coisa muito violenta. Aquele grupo de homens armados quebrando um jornal que só fazia defender o trabalhador. Foi horrível. Era um tempo sem lei. Eu conhecia aquele pessoal todo. Eram homens de bem que faziam aquele jornal. Não sei dessa história de comunista ”. O sindicalista Granja, presidente do Sindicato dos Carroceiros também foi preso. Ele encabeçava a lista dos mais procurados. O ex-bancário, Santa Rosa, que ficou preso no mesmo pavilhão com Arcelino conta que, logo após a chegada deles à cela, veio um militar e perguntou para o grupo se desejava pedir alguma coisa para a família. Ele se referia a coisas básicas como escova, colchão, lençol, remédio, entre outros. No entanto, de acordo com Santa Rosa, quando chegou a vez de Arcelino ele pediu uma caneta esferográfica e papel pautado. Quando o policial saiu o ex-deputado Valter Pereira, que estava também preso, espantado, perguntou a Granja porque ele pediu uma caneta e papel. Calmamente, ele explicou: meus filhos, eu conheço esse negocio, já fui preso varias vezes. Aqui a gente pode ficar três dias, pode ficar uma semana, um ano, três anos ou até 10 anos. Eu pedi a caneta e o papel pautado para requerer meu auxílio carcerário. A CLT assegura esse direito e eu vou fazer uso dele. Passado algum tempo, Arcelino foi beneficiado com referido o auxílio. Por absoluta falta de qualquer acusação formal, foi solto, porém, meses mais tarde, ele foi novamente preso. Nessa nova oportunidade o transferiram para São Paulo, onde ficou longo tempo preso. O ex-sindicalista rural, José Rodrigues, membro do antigo CGT - Comando Geral dos Trabalhadores, que também esteve preso, relatou como foi a prisão de Arcelino. “A policia levou Acelino para São Paulo num carro furgão, o tempo inteiro sem tomar água. Foram mais de 20 ou 30 horas de sede. Quando chegaram lá, durante um interrogatório, quebraram seu braço e o jogaram num canto igual a um trapo humano. Também bateram muito nos olhos dele. Eu vi ele praticamente cego. Fico com muita pena, pois Arcelino era um homem forte. Um homem muito trabalhador. Depois a gente trouxe ele para perto de nós para cuidarmos da sua saúde. Mais ai já não tinha mais aquela força, pois foi muito judiado”. Outro dirigente sindical que ficou muito tempo preso foi Ezequiel Ferreira Lima, militante do PCB, e presidente do Sindicato dos Trabalhadores e do Mobiliário de Campo Grande. Ezequiel, foi preso no dia 02 de abril 1964, nas dependências do sindicato. Os militares sabiam que naquele sindicato havia pessoas com razoável grau de consciência política. Não que tivessem condições de reagir, mas com condições de denunciar a farsa. Ademais existia a possibilidade de João Goulart resistir ao golpe. Nesse caso, orientado pelo Comando Geral dos Trabalhadores-

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CGT, os operários, em havendo condições, poderiam lutar para tentar garantir a legalidade.Com base nessa orientação geral alguns sindicalistas se dirigiram ao sindicato, e assim, tornaram-se presa fácil, pois, ao invés de armas, chegaram ao sindicato os carros do exército. A professora Alisolete Antônia dos Santos informa que o “ Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias da Construção Civil e do Mobiliário foi ocupado e os sindicalistas que se encontravam nas dependências foram presos”155 Ainda de acordo com Alisolete os documentos do sindicato e livros foram confiscados para serem submetidos a análise da comunidade de informação. Além do mais, a Escola Municipal Humberto de Campos, criada na década de trinta pela primeira geração de sindicalistas, que funcionava na sede do próprio sindicato desde sua fundação, em 1933, atendendo a centenas de alunos filhos dos trabalhadores da construção civil foi fechada nessa ocasião Além de ocupar o sindicato o Ministério do Trabalho também decretou intervenção. Uma junta governativa foi formada com o objetivo de dirigir os destinos da entidade. A presidência da junta foi entregue ao senhor Levindo Fortunato Monteiro. Para mostrar serviço, orientado pela Delegacia do Trabalho de Cuiabá, Fortunato, conhecido pela sua falta de escrúpulo, como diz Epaminondas Lemos, abriu um “inquérito” administrativo a fim de prejudicar politicamente e moralmente os diretores da entidade. Ancorado em meia dúzia de depoimentos, claramente orientados pelos advogados do Ministério do Trabalho, as lideranças Augusto Simão Loureiro,Ezequiel Ferreira Lima,Áureo da Silva,Durvalino Pereira de Barros, Francisco Pinto de Arruda e Izidoro da Luz foram “julgados” e culpados pelo desaparecimento de uma maquina de datilografia e outras bugigangas. No dia 11 de março de 1965 foi apresentada a assembléia o resultado do trabalho da comissão de sindicância. A leitura do veredicto foi feita pelo interventor da entidade Levindo Fortunato: “ Como nenhum dos acusados se apresentaram para fazer sua defesa, porque estavam consciente de culpa, sendo assim, peço a mesa e todos presentes que os elementos implicados em crime político e crime contra a economia do sindicato, ficassem eliminados definitivamente do quadro de associados deste sindicato”156. Assim, na base da fraude e da repressão, Fortunato e os burocratas do Ministério do Trabalho conseguiram expulsar do Sindicato lideranças trabalhistas com longa folha de serviço prestada aquele sindicato e a sociedade. Por outro lado, as reuniões do Sindicato da Construção Civil passaram a ser monitorada por militares da segunda seção do exército. Alguns sócios que foram presos mas que conseguiram provar que não tinham nada a ver com comunismo, ou com ações contra a pátria, foram liberados, no entanto, eram obrigados a

155 Weingartner,Alisolete Santos. 2001. op.citp.117 156 Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Campo Grande. Ata número 11º da reunião do dia 28 de março de 1965.

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comparecer as reuniões do sindicato para assistir palestras sobre “sindicalismo democrático” que eram proferidas por palestrantes simpáticos ao movimento de 1964. Era o que eles chamavam de lavagem cerebral. Pessoas ligadas ao governo proferiam longas palestras, condenando o comunismo e elogiando as vantagens do capitalismo e do regime “democrático”. Ezequiel Ferreira ficou, inicialmente, três meses preso, em campo Grande. Sua filha, Evanize Lima, historiadora, conta que esse período foi muito difícil para sua família. Seu pai, mesmo quando livre, tinha dificuldade para arranjar trabalho, pois, naquela época, era muito forte a propaganda contra os comunistas.Todo mundo tinha medo de oferecer um trabalho a alguém carimbado como comunista. Por outro lado, não parava de aparecer novas acusações contra Ezequiel. Ainda em 1964, por exemplo, ele foi acusado de organizar em Campo Grande uma guerrilha com o objetivo de invadir a República do Paraguaio e derrubar o presidente Alfredo Estrosener. Essa conversa foi muito divulgada na cidade, porém, com o tempo, as autoridades perceberam que era mais um devaneio do pessoal da ADEMAT para incriminar os comunistas e alguns paraguaios que moravam em Campo Grande e que lutavam contra a ditadura de Estrosener. O sindicalismo bancário era muito ativo em Campo Grande. Em 1963, no mês de outubro, por exemplo, eles conseguiram parar a maioria dos bancos da cidade.O principal líder dos bancários era Lafayete Câmara, funcionário do Banespa, e representante do CGT- Comando Geral dos trabalhadores. Por isso, naturalmente, Lafayete não podia deixar de ser um alvo importante da direita. No dia 04 de abril ele foi preso. Nessa primeira oportunidade ele ficou 16 dias, porém, outras vezes teve que comparecer ao quartel para oferecer explicações sobre sua atividade política. Lafayete nasceu no Rio de janeiro, em 1928. Era filho do Marechal do exército Edgar Câmara de Oliveira que, na década de 1940, comandou a 9ª região militar de Campo Grande. Por muitos anos ele foi funcionário do banco Banespa.faleceu em 1995.Ana Elisa Câmara, arquiteta, filha de Lafayete, relata o sofrimento da família com as prisões do pai. “ Nós éramos crianças. De repente chegou em nossa casa um grupo de policiais e começou a revirar tudo. Pegaram livros e outros documentos.Eles queriam alguma coisa que comprometesse o meu pai com o partido comunista.Eu me lembro que a minha mãe nos colocou na sala e começou a rezar um terço. Ela era muito religiosa e rezava para que aquela situação fosse logo resolvida. Só ela, com aquele grupo de meninas, cinco filhas,era muito difícil. A cena dos policiais entrando em nossa casa, armados, marcou muito. Até hoje eu tenho medo de policia. Tem uma outra história também. O meu pai tinha um cachorro que se chamava parlamento.De repente ele morreu. O meu tio que morava no Rio de Janeiro ligou para o meu pai e

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perguntou como estava o parlamento,ou seja,como estava o cachorro.Sem nenhuma razão aparente o telefone ficou mudo. O telefone estava grampeado.Pensavam que meu pai estava falando de política.Quando voltou a funcionar meu pai falou para o meu tio: o pessoal da comunidade de informação não sabe que parlamento é o meu cachorro”. Um outro fato inusitado aconteceu no dia 04 de abril de 1964, com o dirigente do sindicato dos corretores de imóveis de Campo Grande, Amaro de Costa Lima. A versão em foco foi contada por Valter Pereira. Amaro era um militante sindical muito ativo. Não perdia reunião política. Era o que podemos chamar de agitador político. Na primeira semana de Abril de 1964, estava Amaro no centro da cidade na rua 14 de Julho, quando foi informado por um amigo comum que o pessoal do exército e da ADEMAT estava à sua procura. De posse da informação, imediatamente, Amaro tomou o rumo da rua Barão do Rio e foi procurar um lugar para se esconder. Porém, quando deu alguns passos, rápidos, deu de cara com a polícia que já vinha em seu encalce. Sem demora, o sindicalista saiu em desembalada carreira. Pulou alguns muros e foi sair na Avenida Afonso Pena, em frente ao antigo quartel do exército. Lá chegando, muito cansado, pediu para que o sentinela de plantão chamasse o oficial de dia. Argumentou que era algo urgente. Quando este chegou, inadvertidamente, ele o informou que estava ali para se apresentar às forças da legalidade, queria armas e apoio para combater o pessoal da ADEMAT que estava lhe perseguindo, aí, o oficial informou para ele que às forças da legalidade, da qual ele dizia fazer parte estava quase toda presa. Naquele momento ele também foi preso – conta Valter Pereira. Caminhada da família com Deus Na semana que antecedeu o golpe, iniciou-se em Campo Grande os preparativos para a chamada caminhada com Deus e pela pátria.Era uma iniciativa de parte da Igreja Católica, do clero conservador, das madames e dos políticos direitistas, com o objetivo explícito de apoiar o golpe. No dia 08 de março tinha acontecido uma dessas caminhadas em São Paulo, com a presença de mais 500 mil pessoas; em outras cidades importantes do país também foram realizadas passeatas com esse intuito, inclusive havia um forte apelo para que as mulheres doassem suas jóias para serem vendidas e o dinheiro usado no combate ao comunismo. O processo de organização dessa passeata primou pelos mínimos detalhes. O sul de Mato Grosso foi “dividido”, ficando cada região com um responsável para organizar as delegações que viriam para Campo Grande. Nas cidades onde não foi possível organizar delegações foi recomendado que se realizasse uma missa. A direção geral do evento ficou a cargo do Bispo de Campo Grande, Carlos Shimit.O Deputado Federal, Rachid Saldanha Derzi, médico, líder da UDN, “preocupado” com os destinos do país, ao que parece, ficou responsável para organizar os fiéis na região da fronteira, em Ponta Porã e cidades próximas. O processo de

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divulgação e organização do evento foi extremamente profissional. O jornal Correio do Estado divulgou em matéria de capa o seguinte convite: “convida-se o povo de Mato Grosso para participar da “marcha da família com Deus e pela liberdade”, que terá lugar ás 16 horas do dia 02 de Abril partindo das proximidades do colégio estadual, a rua Juca Pirama, para 14 de Julho. A marcha é apartidária não sendo permitidas alusões em favor de candidatos ou contra as autoridades civis e militares. Venha conosco pela liberdade contra o comunismo”157 Na tarde do dia 02 de abril de 1964, a marcha foi realizada pelas principais ruas de Campo Grande. Quando passavam em frente ao Bar Esporte, na época, na esquina da rua 14 de julho com Afonso Pena, de acordo com Santa Rosa, o ex-deputado Rádio Maia, comunista, titular de um programa diário de radio de muito sucesso na cidade, transmitido geralmente de um bar, gritou em alto e bom som : “ essa passeata é a passeata das fezes”. Na hora não houve reação.A passeata seguiu serenamente seu itinerário.No final da tarde, anoitecendo, o ato foi encerrado com agitados discursos saudando o golpe militar, a família, os homens de bem e rogando a proteção de Deus.A professora Maria Gloria Rosa de Sá discursou em nome das mulheres de Campo Grande. Após a caminhada, quando alguns amigos se divertiam com Radio Maia, tecendo elogios a sua coragem e outros conversas de botequim, chegou um carro da polícia do exército e prendeu o descontraído radialista. A brincadeira de Maia lhe rendeu alguns dias na cadeia. Aliás, Radio Maia começou a ser preso por problemas políticos ainda em 1935, por ocasião da chamada Intentona Comunista. Radio Maia ficou preso no mesmo pavilhão que Santa Rosa e Valter Pereira. Um dia, contou Santa Rosa, no interrogatório diário, feito pela manhã, Maia foi questionado se sabia onde tinha armas. Os militares achavam que os comunistas tinham depósitos de armas em Campo Grande.Achavam que eles compravam no paraguaio e estocavam em algum esconderijo na cidade, ou na zona rural. Maia respondeu que sabia. O chefe do interrogatório se aproximou do preso e com cara de espanto, berrou: onde estão? Ràdio Maia, calmamente, explicou que as armas estão no poema de Camões, os Lusíadas, e começou a declamar “as armas e os barões assinalados ...”. O interrogatório nesse dia terminou mais tarde. Em Dourados, a situação também foi muito tensa. O fato de existir na região da Grande Dourados uma acirrada disputa pela terra, entre fazendeiros e colonos, ensejou que os latifundiários elaborassem um conjunto de acusações contra advogados e camponeses, com o objetivo explícito de, no primeiro momento, colocar os trabalhadores na cadeia e depois tomar suas terras. Era um velho plano dos fazendeiros que queriam tomar as terras da colônia agrícola de Dourados. 157 Correio do Estado. 03/03/1964

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Assim, ainda nos primeiros dias de abril de 1964, prenderam o advogado dos trabalhadores rurais de Dourados, Harirson Figueiredo e mais oito camponeses. O grupo ficou preso na antiga delegacia de Dourados sem ter, pelo menos, o direito a tomar banhoi. Era pra quebrar a resistência dos presos. Para servir de exemplo para os demais camponeses. Nas cidades menores onde não existia unidade do exército eram os próprios fazendeiros que organizavam grupos de jagunços para intimidar e prender as pessoas indistintamente. Era o caos. Homens despreparados e rancorosos prendendo pessoas como se fossem autoridades. Alguns homens públicos, ou não, mesmo correndo risco de vida tiveram a coragem de agir em defesa daqueles que sofriam nos presídios por serem coerentes com as suas idéias.Claro que isso não foi um privilegio de Campo Grande. Vozes corajosas se levantaram por todo país para defender homens e mulheres da truculência militar e civil .Não são poucos os depoimentos que enfatizam o papel corajoso desempenhado pelos advogados sul-mato-grossenses Wilson Barbosa Martins, Nelson Trad, Armando Pereira Falcão, Harrison Figueiredo, Plínio Martins, entre outros, que não mediram esforços e cumpriram com sua missão profissional e social. Soma-se a esses o prefeito de Campo Grande, Antonio Mendes Canale, que, por várias vezes interferiu solidariamente junto às autoridades para libertar presos políticos ou mesmo para melhorar as condições da prisão. No dia 07 de setembro de 1964, Canale, corajosamente, montou um palanque na rua 14 de julho, separado do palanque dos militares, só para permitir que alguns políticos que estavam sendo discriminados pelos militares, participassem, num lugar especial, das festividades da pátria. Esse episódio criou uma certa rusga entre ele e o comando do exército o que gerou rumores que seria cassado. O golpe militar de 1964 foi um capítulo mais do que negativo na história do Brasil.Homens e mulheres foram humilhados, presos, mortos e exilados porque defendiam um caminho e uma ideologia diferente da chamada ideologia oficial.

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MOVIMENTO SINDICAL NO PÓS 1964 O fato das liberdades democráticas estarem suspensas em todo país representou um duro golpe para a ação dos sindicalistas. Só havia espaço de atuação para os sindicatos considerados pelegos, aqueles que faziam o jogo dos militares. Assim, na pratica, a maioria das entidades fecharam suas portas ou passaram a atuar precariamente.

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O Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e do Mobiliário de Campo Grande, Levindo Fortunato, por exemplo, fazia qualquer coisa para ficar de bem como os militares. Enquanto parcela importante das lideranças sindicais e políticas estavam lutando contra a ditadura militar, ele, sistematicamente, enviava ofício ao Comando da nona Região Militar de Campo Grande parabenizando os militares pelo Golpe Militar de 1964. Ofº 094/3/29. Do presidente da Junta Governamental. Ao IImo. Sr. General. D.D. Comandante da 9º região militar. Em Mato Grosso, Campo Grade. Senhor Comandante, “O Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias da Construção e do Mobiliário de Campo Grande. Por seu Presidente, tem a grata satisfação de enviar a V. Excia. como representante máximo em nosso Estado, das forças armadas, uma mensagem de solidariedade, pela comemoração do 3 aniversario da Revolução Democrática, que salvou a nossa querida Pátria das garras comunista, quando o nosso glorioso exército em boa hora agirem em favor dos direitos constitucionais, garantindo a democracia e participando ativamente da recuperação financeira do nosso País. Temos a certeza que o eminente Marechal Presidente, Costa e Silva, trará maiores benefícios e melhores dias para a nossa querida Pátria.”158 No ano anterior, em 1966, Levindo Fortunato também enviou um oficio ao comando da nona região militar, em nome do sindicato da Construção Civil, parabenizando o Governo Federal e os militares pelo Golpe. “Estamos certos que a revolução de 31 de março trará benefícios duradouros para a nossa querida Pátria .Todos contam com a sabia direção do eminente Marechal Presidente Castelo Branco para melhores dias com paz e esperança159. O Sindicato dos Bancários, por sua vez, não sofreu intervenção, porém, os novos dirigentes limitaram-se a fazer uma administração meramente burocrática. Já o Sindicato dos padeiros, cabeleleiro, garçom e motorista não tiveram condições de empreender ações sindicais mais ativas.Aos poucos essas entidades foram desativadas.

158 Sindicato dos Trabalhadores da Construção do Mobiliário de Campo Grande. Of. 094/03/29. Campo Grande. 28/março de 1967. 159 Sindicato dos Trabalhadores da Construção e do Mobiliário de Campo Grande.Campo Grande. Não foi possível identificar número e a data desse oficio. .

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Em 1969, por conta dos baixos salários pagos pelo Governo do Estado gestão Pedro Pedrossian, os professores do município de Dourados criaram a Associação Douradense de professores Primários- ADDP e a Associação Profissional de Professores Secundários -APPS. Em 1970 foi criada a Associação dos Professores de Corumbá.160 Essas entidades tiveram vida efêmera. Pouco tempo depois de formadas elas foram desativadas. Não conseguiram agregar os professores. É verdade que essa era uma época muito difícil para a atividade sindical. O final dos anos 1960 foi marcado por intensa movimentação estudantil e política em todo país. A passeata dos 100 mil realizada no Rio, e os protestos contra a morte e prisões de estudantes em todo país, ensejou, de acordo com os militares, a edição do decreto 477/69, proibindo as atividades políticas de estudantes e professores em todo território nacional. Uma parte dos estudantes, sem espaço para travar a luta política, optaram pela ação armada contra o regime. A ditadura respondeu com mais decretos que dificultavam ainda mais a atividade democrática. De 1968 a 1973 o espaço para a atividade sindical se reduziu ainda mais. Em 1974, o Sindicato dos comerciários iniciou movimentação para realizar a primeira convenção coletiva dos comerciários.Esse evento, siguinificou um passo muito importante para a reorganização do movimento sindical no Estado. Cornélio Silva, presidente dessa entidade em 1974, conta como foi o processo de negociação; “Aqui, nós do comercio, nunca tínhamos feito uma convenção coletiva. Nunca tínhamos feito curso de capacitação sindical.Em Salvador e outros Estados isso era comum”. Assim, em 1974, os comerciários de Campo Grande realizaram sua primeira convenção coletiva. A briga não foi fácil. Os patrões não quiseram negociar. Diziam que era coisa de comunista. Com a orientação da delegacia do trabalho protocolamos nossa pauta de reinvidicação e ganhamos o que estávamos pleiteando. Ganhamos o dissídio em São Paulo onde foi julgado”161.Essa foi uma grande vitória e abriu um novo espaço para o nosso sindicato e os demais. O sindicato do Comercio também desenvolveu campanhas contra a abertura de lojas e casas de comercio aos domingos.Nessa época foram oferecidos alguns cursos sindicais para os comerciários de Campo Grande ministrados por diretores do Sindicato dos Comerciários de São Paulo. Em 1976, José Rodrigues, dirigente nacional do CGT- Comando Geral dos Trabalhadores, foi preso, em Campo Grande, no centro da cidade.Ele foi delatado

160 Wilson, Valentim Biasoto,Tetila José Laerte.1991.op.cit.p. 28 161 Entrevista concedida ao autor em 06/05/2003

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pelo senhor Bichara. José Rodrigues era paranaense e vivia clandestinamente nessa cidade, desde de 1972. Rodrigues relatou ao autor como foi a sua prisão: “ Quando eu passava pela rua Barão do Rio Branco, pela manhã, um conhecido meu por nome de Bichara, aos gritos, me chamou. Falou-me que um delegado queria falar comigo. Não deu para eu fugir. Eu sabia que era algo grave. Logo eu vi o tal delegado. Fomos direto para a delegacia. O interrogatório começou ainda de manhã, e durou o dia inteiro. Eles me perguntaram se eu era comunista e eu falei que não. Se eu conhecia os comunistas de Campo Grande, eu falei que não, não tinha estudo para viver no meio de comunista. Ai eles abriram um livro onde constava toda minha vida. Que eu tinha sido líder sindical no interior do Paraná, que tinha sido do CGT, do PCB, entre outras entidades. Ai um engraçadinho falou assim: você sem saber ler já foi isso tudo, e se soubesse já tinha sido presidente da Republica. Passei dez dias na policia federal e depois eles me mandaram para um presídio no Paraná, em Curitiba. Eu tive um pouco de medo quando o avião começou a sobrevoar o mar. Ai eu perguntei para eles o que queriam fazer com o avião em cima do mar. Eu estava informado que estavam jogando companheiros vivos no mar. Eu fiquei com medo e protestei imediatamente.Eles me explicaram que era a rota do avião e outras coisas que eu não entendi. Lá, no Paraná, fiquei seis meses presos. Quando fui solto voltei para Campo Grande. Sim. Não me arrependo de nada. Estou com 81 anos e ainda luto pelos trabalhadores”. O sindicalista Euclides Bezerra, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e do Mobiliário de Campo Grande, relata que, em 1974, por ocasião da construção do estádio morenão, de Campo Grande, ocorreu um forte movimento paredista. “Uma empresa de construção civil São Paulo não pagou durante dois meses o salário dos trabalhadores. Aí nós fomos procurar os nossos direitos. Não fomos no sindicato, ele estava fechado, procuramos a imprensa e o prefeito. Na época era Levi Dias. Saímos um monte de peão pelas ruas. Depois de alguns dias de confusão o prefeito forçou a empresa a nos pagar. Ai começou minha liderança na categoria. Em 1979 nós tomamos o sindicato do invasor162 que há muitos anos ficava lá no sindicato sem fazer nada”. A criação do Estado de Mato Grosso do Sul, em 1977, ensejou que novas entidades de caráter Estadual e municipal fossem criadas. A conjuntura política no final da década de 1970 permitiu, de alguma forma, que a sociedade civil participasse mais ativamente da vida política. O processo de anistia, as greves dos metalúrgicos em São Paulo, aliado a situação de profundo descrédito dos militares,

162 Entrevista de Euclides Bezerra em 12/04/2003.

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pavimentou o caminho para a reorganização do movimento popular e sindical. Nesse sentido foram criadas duas importantes entidades de base estadual : A Fetagri/MS- Federação dos trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso do Sul e a Feprossul – Federação dos professores de Mato Grosso do Sul. Depoimento do advogado sindical João José de Sousa Leite, personagem importante na reconstrução dos sindicatos em MS, expressa muito bem qual era o nível de organização do movimento sindical. “O sindicalismo aqui no Mato Grosso do Sul, nos anos setenta e no inicio de oitenta, era ainda nascente, tanto na área urbana quanto na área rural e também na organização dos servidores públicos. Servidores públicos porque nós não tínhamos ainda o Estado de Mato Grosso do Sul formado, então, o que se tinha eram associações de professores municipais.Só com a criação do Estado é que surgiram as associações de servidores públicos com caráter estadual.O sindicalismo dos trabalhadores rurais também era nascente, porque, como no restante do Brasil, era um sindicalismo que retomava a partir do momento que José Francisco retomou a CONTAG da intervenção militar. Aí foi formada a FETAGRI-MS.” Outro relato importante sobre a reorganização do sindicalismo em Mato Grosso do Sul foi oferecido pelo ex-presidente do sindicato dos metalúrgicos de Campo Grande , senhor Ruis Dias. “Com a organização do nosso sindicato, metalúrgico de Campo Grande, em 1980, começamos a nos preparar melhor para a atividade sindical.Eu já tinha experiência por que tinha sido diretor do Sindicato dos Marítimos.No entanto, muitos companheiros que dirigiam sindicatos pouco sabiam sobre a legislação sindical e outros assuntos da mesma área.A situação era difícil e tudo fechado para a gente.Nós não tínhamos acessória nem jurídico nem sindical.Para resolver nossas dificuldades muitas vazes tivemos que procurar os velhos militantes comunistas para nos ajudar a interpretar as leis e traçar os planos sindicais do sindicato.Os que mais nos ajudavam eram o Arcelino Granja, ex-presidente do sindicato dos Charreteiros e Carroceiros de Campo Grande e antigo militante do PCB, e João Jovelino, ativista sindical da construção civil. Agora, no inicio de 1980, as coisas começaram a melhorar, pois um grupo de advogados recém saídos da universidade, como João José de Souza Leite, Marcelo Barbosa e Celso Pereira passaram a nos ajudar.” ²² Esse é um relato, despretensioso, do sindicalismo no Sul de Mato Grosso no período de 1920 a 1980. Tomara que tenhamos fôlego e parceiros para resgatar também a atividade sindical em MS no período de 1980 a 2000.Esse é um salutar desafio.

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Oficio de número 222 enviado ao Presidente do Estado de Mato Grosso. Durval Julião. Capitão- relatório apresentado à Câmara Municipal de Corumbá ,06 de nov. de 1922.livroB-3,ArqPMT. Citado por OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto. 2000. op.cit Capitão dos Portos de Mato Grosso. 20 de julho de 1925. Cx.1995.-A, Arq.PMT. Ata do sindicato dos bancários do dia 02/06/1962. Citado por OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto. 2000. op.cit Ata do Sindicato dos Bancários de Campo Grande do dia 09/06/1963. Alencastro, José Maria. Relatório presidencial apresentado a Assembléia Legislativa de Mato Grosso em 15,06,1882. NDHIT,UFMT. Citado por OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto. 2000. op.cit JORNAIS Jornal O Mato Grosso. Cuiabá /MT .18/05/1919. Jornal O Mato Grosso. Cuiabá /MT .18/05/1919. Jornal A Cidade .Campo Grande. MS 17/08/1921 Jornal do Comercio.Campo Grande.MS 04/05/1935. Jornal do Comercio.Campo Grande./MS 05/09/1939 Jornal do Comercio.Campo Grande /MS 05/09/1939 Jornal do Comercio.Campo Grande /MS . 09/05/ 1945 Jornal do Comercio. Campo Grande/ MS 27/021957 Jornal Correio do Estado. Campo Grande /MS . 24/06/1956. Jornal Correio do Estado. Campo Grande/ MS 02/04/1958 Jornal Correio do Estado. Campo Grande/ MS. 22/03/1961 Jornal Correio do Estado.Campo Grande.MS .13/10/1962 Jornal Correio do Estado. Campo Grande/ MS 04/06/1959 Jornal Correio do Estado. Campo Grande /MS. 26/03/1964 Jornal Correio do Estado. Campo Grande/ MS 02/09/1959 Jornal Correio do Estado. Campo Grande/ MS 31/01/1959 Jornal Correio do Estado. Campo Grande /MS 18/08/1959 Jornal Correio do Estado. Campo Grande /MS. 20/03/1964 Jornal do Comercio. Campo Grande /MS 04/03/1964 Jornal Correio do Estado. Campo Grande/ MS .03/03/1964 Jornal do Comercio.Campo Grande/ MS.19/12/1953 Jornal Correio do Estado.Campo Grande /MS 25/05/1956 Jornal Correio do Estado.Campo Grande /MS 28/02/1959. Diário da Serra. Jornal Campo Grande/ MS 31/04/ 1994 Jornal Diário da Serra. Campo Grande/ MS .10/08/1968 ENTREVISTAS : José Vasconcelos Euclides Bezerra de Sousa

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Valter Pereira de Oliveira José Santa Rosa Alarico Reis Ávila José Rodrigues Cornélio Silva Epaminondas Lemos Evanize de Barros Lima

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FOTOGRAFIA

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