títulos de crédito - rl.art.br · b) competências • elaboração de análises jurídicas, de...
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títulos de créditoprofessor: Cássio MaChado Cavalli
ROTEIRO DE CURSO2008.2
2ª edição
SumárioTítulos de Crédito
1. InTRODUçãO ..............................................................................................................................................................................3
2. PlanO DE aUlaS .........................................................................................................................................................................5
AULA 1. Caracterização do mecanismo jurídico comum de financiamento da empresa pela mobilização de créditos. ............................................................................................................ 6 BLOCO DE AULAS 2 – Caracterização do mecanismo jurídico cambiário de financiamento da empresa pela mobilização de créditos ...........................................................................17 AULA 2. Identificação de títulos de crédito típicos e atípicos ....................................................... 18 AULA 3: A circulação dos títulos de crédito como coisas móveis .................................................. 20 AULA 4: Direitos cambiários emergentes do título ...................................................................... 27 AULA 5: A legitimação cambiária ................................................................................................ 32 AULA 6: A solidariedade cambiária ............................................................................................. 60 AULA 7: Características do mecanismo jurídico cambiário de financiamento da empresa pela mobilização de créditos ........................................................................................................... 62 AULA 8: Caracterização do mecanismo jurídico cambiário de financiamento da empresa pela mobilização de créditos ........................................................................................................... 64 AULA 9. Classificação das declarações cartulares .......................................................................... 68 AULA 10. Causalidade e abstração das declarações cambiárias ..................................................... 70 AULA 11. Securitização de ativos ................................................................................................. 82
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TíTulOs DE cRéDITO
1. introdução
1.1. Visão geral
O objeto da disciplina de títulos de crédito consiste na investigação dos instru-mentos jurídico-dogmáticos utilizados para o atendimento da necessidade econô-mica de mobilização dos créditos como mecanismo de financiamento do exercício da atividade empresária.
1.2. objetiVos pedagógicos da disciplina
a) Habilidades
• Desenvolverhabilidadesanalíticasrelacionadasàcompreensãocríticadate-oria geral dos títulos de crédito.
• Desenvolverhabilidaderelacionadaàcompreensãoeutilizaçãodosmecanis-mos jurídicos de mobilização de créditos.
b) competências
• Elaboraçãodeanálisesjurídicas,depareceresepeçasprocessuaisqueenvol-vam o tema de direito cambiário.
• Reflexãoeanálisedadogmáticacambiária.• Identificaçãodetítulosdecrédito.• Identificaçãodosobrigadospelopagamentodeumtítuloeosdiversosregi-
mes obrigacionais aplicáveis.
c) atitudes
• Enfrentamentoproativodosdesafiosapresentados.• Organizaçãodeagendaparadistribuiçãoadequadadovolumedeleiturase
tarefas.
1.3. Metodologias
De acordo com o objetivo pedagógico de cada aula e com as dinâmicas prepa-radasparaaaula,serãoadotadasdiferentesmetodologias,comométodocaso,aulasocrática,role playing,etc.
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1.4. Métodos de aValiação
A avaliação será realizada de acordo com os seguintes critérios:
• Preparaçãoeparticipaçãoemaula–20%daprimeiranota.• Exercícios–30%daprimeiranota.• Elaboraçãodeparecer–50%daprimeiranota.Oparecercomeçaráaser
elaboradonaaula7,duranteadinâmicadeaula,edeveráserentreguenodiada aula 8.
eMenta
Títulos de crédito: cessão de créditos; circulação dos títulos de crédito. Identi-ficação dos títulos de crédito: títulos de créditos típicos e atípicos. Fundamentos e características da circulação dos títulos de crédito. A obrigação cambiária. Causa-lidadeeabstraçãonos títulosdecrédito.Garantiascambiáriasecambiariformes.Securitização de ativos.
Negotiableinstruments:transferofcredits;transferofnegotiableinstruments.Identificationofnegotiableinstruments:negotiableinstrumentstypical;negotiableinstrumentsatypical.Fundamentalsandcharacteristicsofthetransferofnegotia-bleinstruments.Obligationsinnegotiableinstruments.Causalityandabstractioninnegotiableinstruments.Guaranteesofnegotiableinstruments.Securitizationofassets.
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2. Plano de aulas
Bloco de aulas 1. MecanisMos jurídicos de financiaMento da eMPresa Pela MoBilização de créditos
introdUção ao bloco de aUlas 1
Oblocoéformadopelaaula1.
objetiVo do bloco de aUlas 1
Compreensão analítica e crítica das características da mobilização dos créditos pela cessão civil de créditos.
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aula 1. caracterização do MecanisMo jurídico coMuM de financiaMento da eMPresa Pela MoBilização de créditos.
objetiVos pedagógicos da aUla 1
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático do debate teórico.
–EspecíficasCompreender como ocorre o financiamento da empresa pela mobilização dos
créditos.Construir os contornos dogmáticos da cessão civil de créditos.Construçãocríticadosóbicesqueamobilizaçãodoscréditospelacessãocivil
pode acarretar ao financiamento da empresa.
c) conteúdos
1. Circulação comum dos créditos por cessão. 1.1.Regradalivrecessibilidadedoscréditos(CódigoCivil,art.286).1.2.Regraordináriadeteoriageraldodireitoprivadoacercadatransmissãodas
obrigações:Nãosepodecedermaiscréditosdoqueosdequeseétitular–nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat –eaaquisiçãoderivadadoscré-ditos.Acessãoénegóciojurídicopeloqualocedenteatribuiaocessionárioosseusdireitos,pretensõeseações.Osdireitos,pretensõeseaçõescedidosaocessionáriocontinuamlimitadospelasmesmasexceçõesqueeramoponíveisaocedente(Códi-goCivil,art.294)–Acessãodecréditoscomoumacaixadesurpresas.
1.3.Regraordináriadeteoriageraldodireitoprivadoacercadalegitimação(art.6ºdoCódigodeProcessoCivilc/cart.308doCódigoCivil).Oprincípiodare-latividadedoscontratoseocontratodecessãodecréditos.Acessão,parasereficazemrelaçãoaodevedor,deveseraestenotificada(CódigoCivil,art.290),sobpenadeesteexonerar-sepagandoeficazmenteaocedente(CódigoCivil,art.292).Nacessão,alegitimaçãoéordinária(CódigoCivil,art.308,c/cCódigodeProcessoCivil,art.6º).Ocessionáriodevedemonstrarasuatitularidadeeadaquelesquelheprecederamparaexercerodireito.Odevedorpodeoporaocessionárioafaltadetitularidadedequemlhetransmitiuocrédito(CódigoCivil,art.308).
1.4.Regraordináriadeteoriageraldodireitoprivadoacercadaausênciadesoli-dariedade(CódigoCivil,art.265).Aplicaçãodestaregraàcessãocivildecréditos:o
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cedentenãogaranteaocessionárioasolvênciadodevedor,masapenasaexistênciadocréditonomomentodacessão(CódigoCivil,arts.295e296).
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leitura prévia de texto de apoio da Aula 1.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Quaisosmecanismosjurídicosdequesepodedisporparafinanciaroexercícioda atividade empresária? Como a cessão civil dos créditos pode servir ao financia-mento da empresa? Quais as características dogmáticas da cessão civil dos créditos? Quaisasconseqüênciasqueestascaracterísticasdogmáticasacarretamnocustodofinanciamento da empresa pela mobilização de créditos?
Metodologia da aUla 2
Aula socrática.
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debate com a classe.
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
GOMES,Orlando.Obrigações.RiodeJaneiro:Forense.Capítulo22–“Cessãode Créditos”.
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texto de apoio da aUla 1
necessidade de financiamento da empresa
É o instituto dos títulos de crédito decorrente da necessidade econômica de realizarumaeficientealocaçãoderecursosprodutivos,medianteapossibilidadedeutilização,nopresente,deriquezasfuturas.Aempresa,situaçãojurídicacomplexaformadaporumfeixedecontratospertinentesaummesmosujeitoque lhesdádestinação unitária1,pressupõe,paraquepossasubsistir,umadeterminadacadênciaentreasrelaçõesjurídicasqueaconformam.Nistoconsisteatarefadeorganizaçãodoempresário.Assim,aovendermercadoriasouprestarserviçosaprazo,realizaoempresáriooperaçõesdecrédito,istoé,realizaumesforçoeconômicoatualmedian-teumacontraprestaçãofutura.Noentanto,enquantonãorecebeopagamentodoquelheédevido,necessitaelecumprirnopresentediversasprestaçõesdecorrentesdeoutrasrelaçõesobrigacionais,como,porexemplo,pagarosaláriodefuncioná-rios,osfornecedoreseostributosgeradosemrazãodaatividadeexercida.Setivesseoempresárioquefinanciarsuaatividadeapenascomrecursospróprios,certamenteteriaquereduziraquantidadedebensadquiridosparaofertá-losnomercado,comaconseqüentediminuiçãodovolumedesuaatividade.Teria,porconseguinte,maiordificuldadeemobterescalaparadiluiroscustosdasuaatividade,esuasmercadoriasseriamofertadasaummaiorpreço,commanifestoprejuízoaosclientes2e,acimadetudo,aodesenvolvimentoeconômico.
Tome-se o seguinte exemplo para ilustrar a necessidade de financiamento da em-presa.AsociedadeempresáriaXComérciodeAparelhosEletrônicosS.A.atuanomercadodevendaavarejodeaparelhoseletrônicos.Possuiemseuestoquequinhen-tos notebooks e oitocentos desktops,cujosvaloressomadosperfazemaimportânciadeR$2.300.000,00.Paraconseguircompetircomoutrasempresasqueatuamnomesmoramo,porocasiãodasfestasnatalinas,pretendeaXComérciodeAparelhosEletrônicosS.A.organizarumagrandepromoção,pelaqualasmercadoriascom-pradaspoderãoserpagasemdozevezesmensais,sementrada,sendoqueaprimeiraprestaçãodeveráserpagaemtrêsmesesdadatadacompra.
Estima-sequeapromoçãoseráumsucessoeque,emmenosdeummês,terãosidovendidostodososaparelhosqueaempresapossuiemestoque.Contudo,apósa promoção, a sociedade empresáriaXComércio deAparelhosEletrônicos S.A.necessitaráadquirirmaismercadoriaspararevenda,mas,atéqueos seusclientescomecem a realizar os pagamentos, a sociedade não terá recursos próprios parainvestir.Dessemodo,anteaprojetadaausênciademercadoriaspararevendereaimpossibilidadedeadquirirnovasmercadoriascomrecursospróprios,umaalter-nativaqueseapresentaéfecharasportasportrêsmeses,atéqueseinicieofluxodepagamentosdovalordasvendasrealizadas.Essaalternativa,noentanto,nãoéviável,poistodososmesesdeveasociedadeempresáriafazerfrenteacustosfixosevariáveisnosquaisincorremesmosenãoexerceraatividade,como,porexemplo,ossaláriosdosfuncionários,ostributosrelacionadosàsuaatividadeeascontasdeáguaeluz.Poroutrolado,impõe-seanecessidadedeserealizarumapromoçãomuito
1 sobre a construção de um conceito jurídico de empresa a partir de uma análise econômi-ca do direito, ver cássio cavalli, Reflexões sobre empresa e economia: o conteúdo jurídico da empresa sob uma análise econômica do direito. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, v. 44, p. 250-256, 2006; e, também, calixto salomão Filho. O novo direito societário. são Paulo: Malheiros, 1998, pp. 31 e ss.
2 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: sa-raiva, 1943, p. 12.
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atraenteparaosclientes,sobpenadeperder-seomercadoparaoutrosconcorren-tes,queestãoadotandoestratégiasdevendasmuitoagressivas.Apresenta-se,aqui,portanto,anecessidadedeseobterrecursosparafinanciaroexercíciodaatividadeempresária.
Mecanismos jurídicos de financiamento da empresa
Desponta,assim,otemadofinanciamentodaempresa:comopodeoempresárioquenãodispõederecursospresentesfazerfrenteàsobrigaçõesquecontraiuouquenecessitacontrairparaexerceraempresa?Paracumprirpontualmentesuasobriga-çõesoureunirgrandevolumederecursos,podeoempresáriorecorreraexpedien-tesdediversanatureza,consistentesemnegóciosjurídicosdefinanciamentopelosquaistomarecursosalheiosnecessáriosàsatisfaçãodesuasnecessidades.
Dessemodo,podeoempresárioadquirirdeseufornecedormercadoriasaprazo,obterempréstimobancárioouperanteinvestidoresprivados.Naprimeirahipótese,emqueoempresárioadquiremercadoriasaprazo,apenassetransfereanecessidadedefinanciaraatividadeaofornecedordoempresário,quedeverá,porsuavez,en-quantonãorecebeopagamentodopreçocorrespondenteàvenda,obtermeiosparafinanciarsuasdespesas.Senãodispuserderecursosprópriosenãotiverquemlheforneçainsumosacrédito,teráasmesmasdificuldadesdescritasacimaparamanterouaumentarsuaescaladeprodução.Nasegundahipótese,dofinanciamentodaempresaporintermediaçãobancária,freqüentementeoscustosdecaptaçãoeinter-mediação de recursos pelo banco tornam o valor das taxas de juros cobradas pouco atraentes para os empresários.Na hipótese em que se viabiliza o financiamentodaempresaporempréstimosdiretosdeinvestidoresprivados,quantomaiorforoperíododeduraçãodoempréstimo,menorseráonúmerodepessoasdispostasainvestir.
Éevidentequetodasestasmodalidadesdefinanciamentodaempresasãorele-vanteseconstituemimportantesinstrumentosjurídicosàdisposiçãodosempresá-rios.Sóque,aqui,interessa-nosidentificarsuperficialmentesuasdesvantagens,paraquesepossadestacaraimportânciadamobilizaçãodecréditos,notadamentepelostítulosdecrédito,paraofinanciamentodaempresa.
crédito
Emtodososmecanismosjurídicosdefinanciamentodaempresaacimaindica-dos,encontra-sepresenteofenômenocreditício.Umarelaçãodecréditopressupõenecessariamenteoelementoconfiança,evidenciadonaprópriaraizetimológicadapalavra3. Ademais, quem concede crédito realiza um esforço econômico presen-temedianteapossibilidadedeobterumacontraprestaçãofutura.Comefeito,háoperação econômica de crédito sempre que alguém, por confiar noutro sujeito,entrega-lhe,nopresente,umdeterminadobemeconômicomedianteaconfiançadequereceberáumacontraprestaçãofutura.Daífalar-sequecrédito,emeconomia,consiste em uma dilação ou alargamento da troca.
3 A palavra “crédito” encontra sua origem etimológica no vo-cábulo latino creditum, credere, e assume o significado de con-fiança. Nesse sentido, confere crédito aquele que crê na pala-vra alheia.
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Contudo,aquelequeconcedecréditonãorealizaaoperaçãoapenasporconfiarqueodevedorrealizaráaprestaçãoemummomentofuturo.Concedecréditopoissabequesuapretensãoétuteladajuridicamenteporumpáliodeinstitutosjurídi-cos4queasseguramàquelequeoconcedeapossibilidadederealizaçãofuturadocréditoconferido.Osignificadojurídicodocréditoconsiste,pois,navinculaçãodoativopatrimonialdodevedoràsatisfaçãodointeressedocredor(CódigoCivil,art.391,eCódigodeProcessoCivil,art.591),queétitulardafaculdadedeagir(facultas agendi)sobreopatrimôniododevedor,pormeiodoexercíciodaação.Odireitotraça,assim,oscontornosdasrelaçõesdecorrentesdenegóciosjurídicosou de outros atos jurídicos lato sensu,utilizadosparaarealizaçãodeoperaçõesdecrédito.Parareforçar-seatutela jurídicadocrédito,sóitambémvincular-seumdeterminadobemdo ativopatrimonial dodevedor à satisfaçãodo crédito, pormeiodegarantiasreais,ouvincular-seoativopatrimonialdeumterceiro,quenãoodevedororiginal,àsatisfaçãodaobrigação,pormeiodegarantiasfidejussórias.Damesmamaneira,muitasvezesutiliza-seumtítulodecréditocomafunçãodegarantia do crédito5 para outorgar ao credor determinadas ações sobre o patrimô-niododevedordequenãodisporiacasonãofosseaobrigaçãorepresentadaemumtítulodecrédito.Nestaperspectiva,destaca-secomoumadasfunçõeseconômicasdos títulos de crédito assegurar-se ao credor exercer ações mais enérgicas sobre o patrimôniododevedor;funçãoestaque,noentanto,nãoéexclusivaaostítulosdecrédito,masprópriaadiversosinstitutosjurídicosquecuidamdatutelajurídicado crédito.
A realização do crédito, porém, pressupõe o elemento temporal6. Assim, pormaisenérgicasquesejamasaçõesconferidasaocredorpararealizarsuapretensão,deveráeleaguardarummomentofuturoemquepoderáexerceraação.Esselapsotemporalquedeveaguardarocredordesestimulaarealizaçãodeoperaçõesdecré-dito,emrazãodosriscosquepodemseconcretizarantesdadatadoadimplemento.Comefeito,aquelequeconcedecrédito“ficarátantomaisàvontadequantomaisfacilmentepuder,defuturo,encontrarquemeventualmentetomeseulugar”7,demodoquedespontamparaasatisfaçãodaexigênciaeconômicadofinanciamentodaempresaaquelesinstitutosjurídicosquecuidamdapossibilidadedemobilização do crédito.
Mobilização do crédito
Parafinanciaroexercíciodaempresa,aoinvésdeadquirirmercadoriasaprazo,tomarempréstimobancárioouperante investidoresprivados,podeoempresáriotransferir a terceiros o créditoquepossui contra seus clientes.Dessemodo, porexemplo,sepretendeadquirirmercadoriasperanteseufornecedor,poderáemcon-traprestaçãooferecer-lheocréditoquepossuicontraclienteseu.Comisto,teráob-tidoasmercadoriasdequenecessita,aopassoqueseufornecedorterárecebidoumbem–consistentenocréditoqueselhetransferiu–,emcontraprestação.Quandodovencimentodaobrigação,onovocredorcuidarádeexigirdodevedorovalorcorrespondente.Mas, se tiver a necessidade de obter recursos imediatamente, o
4 Quanto à tutela jurídica do crédito, ver Fernando Noronha, Direito das obrigações. são Pau-lo: saraiva, 2003, p. 133 e ss.; e Juan carlos Palmeiro, Tutela ju-rídica del crédito. Buenos Aires: Astrea, 1975.
5 Acerca da criação de cambial com função de garantia, ver An-tonio Pavone la Rosa, La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, pp. 301 e ss.
6 sobre o lapso temporal de duração do crédito disse com-parato: “A importância consi-derável que assumiu o crédito na economia contemporânea é medida não somente em valor, mas também em duração – pe-los prazos cada vez mais longos que vão sendo praticado – em volume – pelo número cres-cente de operações a crédito concluídas – e em extensão – pela sua aplicação a todos os setores da vida econômica, da produção ao consumo.” Fábio Konder comparato, O seguro de crédito. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 9.
7 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 12. No mesmo sentido, mas sob a ótica do financiamento das sociedades anônimas pela negociabilidade de ações, afirmou clark que a “chief function of the free trans-ferability of corporate shares is to promote investor liquidity, and thus, indirectly to facilitate the capital formation process.” Robert charles clark, Corporate law. Boston: little, Brown & company, 1986, p. 14.
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novocredorpoderáigualmentetransferirocréditoaterceiro,eassimsucessivamen-te.Poresteexpediente,osagenteseconômicospodemfinanciaroexercíciodesuasatividadesacustosfreqüentementeinferioresaosincorridosnasoutrasmodalidadesde financiamento da empresa.
É,pois,daperspectivadamobilizaçãodocrédito–i.é,dacirculaçãodosdireitos–quesehádeinvestigarateoriageraldostítulos,tendoemvistaqueaprimordialfunçãoeconômicadostítulosdecréditoconsisteemfacilitaraobtençãodocrédito,pela possibilidade de sua rápida e segura mobilização8.Servem,pois,ostítulosdecréditoàeconomiaparapossibilitararápidacirculação,comcertezaesegurança,doscréditos–certezaquantoàsuaexistênciaesegurançaquantoàsuarealização9. É que“direitoincerto”,disseTullioAscarelli,“édireitoineficaz,elementoperturbadordasrelaçõesjurídicas,esãoportantobenéficososesforçostendentesatorná-locertoe eficaz”.10
lei de circulação de bens
Deregra,todososbens (sejammateriais,comoosbensmóveisouimóveis,sejamosimateriais,comoosdireitoscreditícios)sãotransmissíveis.Ouseja,sãosuscetí-veisdecirculaçãodeumpatrimônioparaoutro.Asregrasquedisciplinamatrans-missão de um bem do ativo patrimonial de um sujeito para o ativo patrimonial de outrosujeitoformamaquiloquesedenomina lei de circulação.Porlei de circula-çãoentenda-se,portanto,aqueleconjuntodeinstitutosjurídicosquedisciplinamatransmissãodeumbemdaesferadetitularidadepatrimonialdeumsujeitoparaaesferadetitularidadepatrimonialdeoutrosujeito.
A lei comum de circulação dos bens móveis consistenatradição(i.é,naentrega)feitapeloproprietário,conformearegrageralnemo dat quod non habet,istoé,nin-guémtransfereaquiloquenãopossui(CódigoCivil,arts.1.267e1.268).Alei de circulação dosbensimóveisconsistenoregistrodotítuloaquisitivonoRegistrodeImóveis,consoantedispõeoart.1.245doCódigoCivil.
Os direitos creditícios constituem igualmente bens; portanto, são igualmentetransmissíveis.Cumpre,destemodo,identificarqualalei de circulação quediscipli-na a transmissão dos créditos.
a mobilização de créditos pela cessão civil
Atentoàsnecessidadeseconômicasdefinanciamento da empresa pela mobilização de créditos,contemplanossoordenamentoasduasprincipaisformasjurídicasdecircu-lação de créditos: a cessão comum de créditos e a circulação cambiária dos créditos.
Acompreensãodoinstitutodacessãodecréditoséfundamentalparaquesepos-saentenderodireitodostítulosdecrédito,pois,nascidanodireitocomum,acessãodecréditosengastouasbalizasapartirdasquais,porcontraposição,desenvolveu-seo direito cambiário11.
Muitoantesqueogêniodoscomerciantesmedievaisdesenvolvessegradativa-menteoinstitutodostítulosdecrédito,nasceunodireitoromanoomecanismo
8 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: sa-raiva, 1943, p. 16, nota 1.
9 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: sa-raiva, 1943, p. 5.
10 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 5.
11 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 18.
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jurídicoda cessão civil de créditospara atender ànecessidade econômicadefi-nanciar a atividade econômica pelamobilizaçãode créditos. Por largoperíodo,noentanto,nãoconheceuodireitoromanooinstitutodacessãodecréditos,emrazãodocarátereminentementesubjetivoqueeraatribuídoaocrédito,demodoavincular-sequasequeindissociavelmenteapessoadocredoràdodevedor12. Mes-moemRoma,noentanto,aexigênciaeconômicadefinanciamentodaatividadeeconômica pela mobilização de créditos estimulou o desenvolvimento de negócios indiretos13 como a procuratio in rem propriam ouocontratoemfavordeterceiro.
Contribuiu para o desenvolvimento do instituto da cessão de créditos a obje-tivação da noção de crédito14, como que se afirmou gradativamente a regra dalivrecessibilidadedoscréditos,queestabeleceapossibilidadedeocredororigináriotransferirlivrementeocréditoaumterceiro,salvoseaistoseopuseremalei,ana-turezadaobrigaçãoouaconvençãocomodevedor,regraatualmenteencontradano art. 286 do Código Civil.
Consisteacessãodecréditosemnegóciojurídicobilateral,peloqualocredororiginário–chamadocedente–contratacomumterceiro–cessionário–atransfe-rênciaaestedocréditodequeeratitularcontraodevedor.
São,fundamentalmente,trêsosrasgoscaracterísticosdacessão:aaquisiçãoderi-vadadecréditos,alegitimaçãoordináriaeaausênciadesolidariedadedocedente.
aquisição derivada de crédito
Aaquisiçãodocréditoporcessãodá-sedeformaderivada. Isto significa dizer que,sendoformadaarelaçãojurídicaobrigacionalpordireitos,pretensõeseações,detitularidadedocredorprimitivo,epordeveresobrigaçõeseexceções,detitulari-dadedodevedor,otitulardocrédito–cedente–transfereouatribuiaonovocredor–cessionário–osmesmosdireitos,pretensõeseaçõesdequeeratitular,aosquaiscontinuamacorresponderosmesmosdeveres,obrigaçõeseexceçõesdetitularidadedo devedor. O crédito do cessionário é derivado do crédito do cedente consoante a regra nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat.Emoutraspalavras,nãosepodecedermaiscréditosdoqueosdequeseétitular.“Nacirculaçãoporces-são”,registrouWerterFaria,“transfere-seocréditotalcomoexistianocedente”15. Assim, se os direitos, pretensões e ações do credor originário forempassíveis desofrer exceçõesporpartedodevedor, o cessionário,novo titulardo crédito,poradquirirderivadamenteestesdireitos,pretensõeseaçõesqueanteseramdetitulari-dadedocredororiginário,sujeitando-seàsmesmasexceçõespreviamenteoponíveisaocedente.Comefeito,odevedorpodeoporaocessionárioasmesmasdefesasqueeramoponíveisaocedenteaotempoemquesedeuciênciaaodevedordacessãorea-lizada,deacordocomodispostonoart.294doCódigoCivil.Aquisiçãodecréditosporcessãoequivale,pois,nafelizfiguradelinguagemutilizadaporTullioAscarelli,auma“caixadesurpresas”16,pois“odireitodocessionárioficarásubordinadoàexis-tênciadodireitodocedenteepassíveldeexceçõesoponíveisaeste,exceçõescujoalcancee,algumasvezes,cujaprópriaexistênciaocessionáriodificilmentepoderáavaliar”17.Comefeito,podeodevedoroporaocessionárioexceçõesdepagamento,
12 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 9 e ss.
13 sobre o significado de negó-cio indireto, ver Tullio Ascarelli, O Negócio Indireto, In: Proble-mas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. são Paulo: saraiva, 1945. p. 99-175
14 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. são Paulo: saraiva, 1947, p. 96 e ss. Para Rubens Requião, “o crédito che-gou a ser na economia moderna um objeto de comércio, um valor patrimonial suscetível de troca, e que se retrocederia no processo histórico, que produziu esse resultado, se se devolvesse aos contratantes a faculdade de vincular o crédito à pessoa do credor” (Curso de direito comer-cial. 20. ed. são Paulo: saraiva, 1995, v. 2. p. 290).
15 Werter Faria, Ações cambiá-rias. Porto Alegre: sAFe, 1987, p. 37.
16 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. são Paulo: saraiva, 1947, p. 97. Tullio As-carelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 8.
17 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 9.
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compensação,deinadimplemento,adimplementoruim,etc.,queantesdacessãoeramoponíveisaocedente.Essacaracterísticadacessãodecréditosacabaporfazercomqueasexceçõesoponíveisaocessionáriosemultipliquemacadanovacessãore-alizada,doquedecorreumagravedificultaçãodapossibilidadedecirculaçãodessescréditos,pois,quantomaisforumcréditotransferido,emmaiornúmeroserãoaspossíveis“exceçõese,nãosendodadoacadacessionárioconhecertodasasexceçõeseventualmentejáexistentes,teriaodireitocirculado,afinal,quasecomoumacaixadesurpresas,deconteúdodesconhecido”.18
Imagine-se o exemplo seguinte. A vende para B umaparelhodetelevisãoacré-dito pelo valor x.Emrazãodocontratodecompraevenda,A se torna credor do pagamentodopreço.Noentanto,oaparelhodetelevisãoentreguepossuidefeitodefabricação,quefazcomqueapareçanocantodireitodatelaumafaixaescura.Estedefeitonãoretiraporcompletoautilidadedobem,masadiminuisensivelmente.Destemodo,B poderá opor ao direito de A uma exceçãodeadimplementoruim,consistentenodefeitodefabricaçãodobem,demodoapagarx – y; onde y é o valor correspondenteàexceção.Suponha-sequeA,antesdeterconhecimentodaexceçãodeadimplementoruim,cedaparaCocréditoquepossuicontraB.Ocessionário,queadquiriuderivadamenteocréditodocedente,esperanovencimentoreceberx. Noentanto,quandoexerceaaçãocontraB,estelheopõeaexceçãodeadimplemen-toruimquepossuicontraA,demodoapagaraC o valor x – y.Agora,suponha-sequeC,aoinvésdecobrarovalordeB,cedaocréditoparaD.Suponha-seigualmen-tequeB era credor de C pelo valor z,emrazãodeumcontratodemútuo.Onovocredor,D,quandoexerceraaçãocontraodevedor,B,paraobteropagamentodovalorx,correspondenteaocréditoqueadquiriuporcessão,sesujeitaráàsexceçõesqueB possuía contra A e C.Noutraspalavras,B poderá opor ao credor D as exceções deadimplementoruim(novalordey)edecompensação(novalordez).Comore-sultado,D conseguirá cobrar apenas x – y – z.Ouseja,quantomaiorforumcréditocedido,maioressãoaspossibilidadesdeseacumularemexceçõesqueolimitam.
legitimação ordinária e titularidade
Uma dos problemas de maior relevância no direito privado consiste no da titu-laridade e da legitimação. A titularidade diz respeito a uma relação de idoneidade entreumsujeitoedeterminadoobjetojurídico,enquantoalegitimaçãodizrespeitoa“considerarquem,efrenteaquem,podecorretamenteconcluironegócioparaqueessepossa irradiarosefeitos jurídicosconformesàsuafunçãoecongruentescom a intenção prática normal das partes”.19Destemodo,diz-sequeocredoréotitulardodireitodecrédito,queoproprietárioétitulardodireitodepropriedadeequeoempresárioétitulardoestabelecimentoempresarial.
Já a legitimação cuidade identificarquempode exercerdeterminadodireito.Normalmente,quem“pretendeexercerumdireitodevecomeçarporprovarquetaldireitolhecorresponde”.20Ouseja,somenteselegitimaaexercerumdireitoquemdemonstrarserseutitular.Nestecaso,emquetitularidadeelegitimaçãocoincidememummesmosujeito,diz-sequehálegitimação ordinária.Pelobinômioformado
18 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. são Paulo: saraiva, 1947, p. 97.
19 Emilio Betti, Teoría general del negocio jurídico. Madrid: Edito-rial Revista de Derecho Privado, 1959. p. 177
20 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958. p. 17.
14FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
pelosarts.6ºdoCódigodeProcessoCivile308doCódigoCivilsintetiza-se,emnossodireitopositivo,aregradalegitimação ordinária,pelaqualseestabelecequem pode cobrar e a quem se deve pagar.Lê-se,noart.6ºdoCódigodeProcessoCivil,aregrageraldeque“ninguémpoderápleitear,emnomepróprio,direitoalheio,salvoquandoautorizadoporlei”.Logo,somentesepodeexerceremnomeprópriodireitopróprio.Deregra,pois,quem“pretendeexercerumdireitodevecomeçarporpro-varquetaldireitolhecorresponde”.21Poroutrolado,paraliberar-sedaobrigação,odevedordevepagarapenasaotitularouaquemdedireitoorepresente,consoantearegraatualmenteencontradanoart.308doCódigoCivil.Noutraspalavras,paga-mentofeitoaquemnãoétitularnãoirradiaeficácialiberatóriaaodevedor.
Imagine-se o seguinte exemplo: A empresta o valor x para B.Porestarazão,B torna-se devedor de A,queétitulardodireitodecrédito.Dessemodo,umavezexi-gívelocrédito,apenasA se legitima a exercer a ação contra B; e B deve pagar apenas para A. Se pagar para C,opagamentonãoteráeficácialiberatória,eB continuará obrigadoapagar.Daí,inclusive,obrocardo:quempagamalpagaduasvezes.
Aregradalegitimaçãoordinária,noentanto,acarretaalgunsembaraçosquandose está a tratar da transmissão de direitos mediante a cessão de créditos.
Emprimeirolugar,legitima-seaexerceraaçãotão-somenteaquelequeprovarqueéocredor(i.é,provarserotitulardodireito),e,comonemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat,seocedentenãoeratitulardodireito(istoé,nãotinhaodireito),ocessionárioigualmentenãooserá,demodoquepodeodevedor,inclusive,oporaocessionárioexceçãofundadanafaltadetitularidadedequemlhetransmitiu o crédito.
Emsegundolugar,porsernegóciocelebradoentrecedenteecessionário,semaparticipaçãododevedor,acessão,emrelaçãoaeste,éres inter alios acta.Manifesta-se,aqui,oprincípiogeraldarelatividadedoscontratos,peloqualocontratovinculaapenas aqueles que o celebraram,não aproveitandonemprejudicando terceiros.Daídecorrearegraencontradanoart.290doCódigoCivil,segundoaqualacessãoéineficazemrelaçãoaodevedorenquantonãoforaelenotificada.Dessemodo,comodonegóciodecessãodecréditosparticipamapenascedenteecessionário,odevedornãoéafetadodeimediatopelacessão;masnãopodeodevedoropor-seàcessão,jáqueélivreacessibilidadedoscréditos(CódigoCivil,art.286).Ouseja,acessãoéapenasineficazemrelaçãoaodevedor,atéqueeletenhaciênciadesuaocorrência,pelanotificação(CódigoCivil,art.290).Umaveznotificadoodevedor,saberáelequenãodevemaispagaraocredorprimitivojáqueháumnovocredoraquemdeverealizaropagamento.Enquantonãofornotificadoodevedor,seráacessãoineficazemrelaçãoaele,demodoque,sepagaraocredororiginário–quenãoémaiscredorporquetransferiuocréditoaocessionário–,pagarácomeficácialiberatória.Aquiseexcetuaaregradalegitimaçãoordináriaparatutelar-seaboa-féqueodevedor,quedesconheceacessão,depositanaaparênciadetitularidadequeapresentaocedente.Poristo,nestecaso,alegitimaçãoé extraordinária.Ocedente,justamenteportercedidoocrédito,nãoémaiscredor,mas,aosolhosdodevedorignarodacessão,permaneceaparentementecomocredor.Ese,deboa-fé,odevedorignarodacessãopagaaocedente(i.é,pagaaquemnãoémaiscredor),pagabem,
21 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 17.
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comeficácialiberatória.Eestepagamentocomeficácialiberatóriaconsisteemex-ceçãooponívelaocessionário,consoantearegradoart.292doCódigoCivil.Distodecorreumduploriscoaocessionário.Porumlado,ficasualegitimaçãoadependerdanotificaçãododevedor.Poroutro,enquantonãonotificadoodevedor,poderãonascernovas exceções em relaçãoao cedente,que serãooponíveis ao cessionário(CódigoCivil,art.294),inclusiveaexceçãodepagamentofeitoaocedente(CódigoCivil,art.292).
Anotificaçãododevedor,dispõeoart.290doCódigoCivil,deveserrealizadaporqualquermeiopeloqualseproveinequívocadaçãodeciênciaaodevedordaocorrênciadacessãodecréditos.Noutraspalavras,exige-sequeseprovetersidoinequivocamenteinformadoodevedordeque,emrazãodacessãorealizada,háumnovocredor.Comovistoacima,édeinteressedocessionárionotificarimediatamen-te o devedor para evitar o surgimento de novas exceções e para também legitimar-se acobrá-lo.Destemodo,anotificação,aotornareficazacessãoemrelaçãoaodeve-dor,cumpreumaduplafunção.Aprimeiraconsisteemdelimitarasexceçõesqueodevedorpodeoporaocessionário,àmedidaqueaestesomentepodemseropostasaquelasexceçõesque,nomomentoemqueveioaterconhecimentodacessão,tinhaodevedorcontraocedente.Asegundafunçãoconsisteemdarciênciaaodevedordequeháumnovotitulardocrédito,quedestemodoselegitimaráaoexercíciodestecréditopelafacilitaçãodaprovadesuatitularidade.
ausência de solidariedade
Nodireitobrasileiro,háregraadisporacercadaausênciadesolidariedadenasobrigações,encontradanoart.265doCódigoCivil,ondeselê:“Asolidariedadenãosepresume;resultadaleioudavontadedaspartes.”Estaregra,transpostaaoâmbito da cessão de créditos, resulta no fato de que, salvo estipulação em con-trário, o cedentenão garante ao cessionário a solvênciadodevedor,mas apenasa existência do crédito nomomento da cessão (CódigoCivil, arts. 295 e 296).Istoporque,comonacessãodecréditosocorreumaatribuiçãoaocessionáriodocréditooriginalmentedocedente,aquelepassaaocuparaposiçãocreditíciaantesocupadaporeste,demodoqueocorre tão-somentecomoqueuma substituiçãonopóloativodarelaçãojurídicaobrigacional,quepermaneceinalterada.Noutraspalavras,retira-seocedenteeingressaocessionárionarelaçãoobrigacional.Dessemodo,ocessionário,porseronovocredor,encontraapenasnoativopatrimonialdodevedoragarantiadesatisfaçãodeseucrédito.Seopatrimôniododevedorforinsolvável,ocessionárioserátitulardeumcréditoquenãocorrespondeabenssufi-cientesdodevedor.E,comoocedentenãoédevedor,nemgarantidordasatisfaçãodocrédito,nãohá,deregra,comocobrá-lopeladívida.Paraqueocedentegarantaasolvabilidadedodevedoraocessionário,assegurando-lhedireitoderegresso,háanecessidadederealizaçãodeumpactoacessórioàcessãodecréditos,consistenteemcláusuladepromessadeato-fato–i.é,opagamento–dodevedor,terceiroemrelaçãoàcessão,pelaqualseestabeleçaumaobrigaçãodegarantia.
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Formação da taxa de juros cobrada na aquisição de créditos por cessão civil
Astrêscaracterísticasacimadescritasdocontratodecessãodecréditos(aquisiçãoderivadadecréditos,legitimaçãoordináriaeausênciadesolidariedadedocedente)refletemdiretamentenataxadejuroscobradapelosagenteseconômicosqueadqui-remcréditosporcessão.Osjuros,aqui,sãocobradospor dentro,nosentidodeque,seocessionárioadquirecréditodevalorx,pagaaocedentepelocréditoadquiridox-y,sendoyataxadejuroscorrespondenteaoperíodofaltanteparaovencimento.Novencimento,cobraráocessionáriododevedorx,comoqueembolsarávalorsuperioraoquedesembolsouparaadquirirocrédito.Nistoconsisteomecanismoderemuneraçãopelaaquisiçãodecréditos.
Quantomaioresosriscossofridospelocessionáriodeteroseudireitolimitadoouextintopordefesasquedesconhece,porseremfundadasnasrelaçõesdodeve-dorcomocredororiginário,maioresserãoastaxasdejuroscobradasnaaquisiçãode créditos por cessão, demodo a diluir, na pluralidade de créditos adquiridosporcessão,osriscoscorrespondentes.Osagenteseconômicosquehabitualmenteexercematividadedefomentoempresarialpelaaquisiçãodecréditosdispõemdemecanismosestatísticosparadeterminaropercentualdedevedoresque,emmédia,nãosatisfarãoaobrigação.Estataxaderiscoacabaporcomporataxadejurosco-brada,comoconseqüenteaumentodocustoparaofinanciamentodaempresapelamobilização de créditos.
Ademais, seumempresáriopretendefinanciaro exercíciode sua atividadepelamobilizaçãodecréditosmediantecessãodoscréditosquepossui,ocessionáriocuidarádenotificarosdevedores.Noentanto,quantomaiorforonúmerodecréditoscedidoseadquiridosporcessãodecréditos,maiorseráonúmerodenotificaçõesquedeveráre-alizarocessionário.Enotificarpressupõeorganizarinformaçõesacercadoendereçododevedor,confeccionaroinstrumentodenotificaçãoecontrolarseelafoiconcretizada.Estaorganizaçãoacarretaumcustoaocessionárioquenecessariamenteserárepassadoao cedente por meio de sua incorporação na taxa de juros cobrada pela cessão.
Porfim,anteofatodeque,viaderegra,ocedentenãogaranteaocessionárioasolvabilidadedodevedor,hámaiorriscoaocessionáriodenãoobterasatisfaçãodeseucrédito,eestemaiorrisco,quantificadoeconomicamente,seráincorporadoàtaxadejuroscobradapelaaquisiçãodecréditosporcessãocivil.
Quantomaiorforataxadejuroscobradapelocessionárioparaadquirircréditosporcessão,maiorseráadificuldadedeosempresáriosrecorreremaofinanciamentodaempresapormobilizaçãodecréditos.E,senãohouverdisponibilidadedeoutrosmecanismosacessíveisdefinanciamentodaempresa,necessariamenteteráoempre-sárioqueexercersuaatividadecomcapitalpróprio,comconseqüentediminuiçãodoritmodaatividade,aumentodosvalorescobradosaosconsumidoresedesestí-mulo ao desenvolvimento econômico.
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TíTulOs DE cRéDITO
Bloco de aulas 2 – caracterização do MecanisMo jurídico caMBiário de financiaMento da eMPresa Pela MoBilização de créditos
introdUção ao bloco de aUlas 2
Oblocoéformadopelasaulas2a8.
objetiVo do bloco de aUlas 2
Compreensão analítica e crítica d as características da mobilização de créditos pelos títulos de crédito.
18FGV DIREITO RIO
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aula 2. identificação de títulos de crédito tíPicos e atíPicos
objetiVos pedagógicos da aUla 2
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasIdentificar documentos cambiários
c) conteúdos
1. Identificação do título de crédito. Títulos típicos e atípicos. 1.1. Listagem dos títulos de crédito previstos no ordenamento brasileiro. Títulos
obrigacionais,reaisesocietáriosoudeparticipação.
• Duplicata–Leinº5.474/68• DuplicataRural–Decreto-leinº167/67• Cheque–Leinº7.357/85• NotaPromissória–Decretonº57.663/66• NotaPromissóriaRural–Decreto-leinº167/67• LetradeCâmbio–Decretonº57.663/66• CédulaRuralPignoratícia–Decreto-leinº167/67• CédulaRuralHipotecária–Decreto-leinº167/67• CédulaRuralPignoratíciaeHipotecária–Decreto-leinº167/67• NotadeCréditoRural-Decreto-leinº167/67• Conhecimentodedepósito–Decretonº1.102/1903• Warrant–Decretonº1.102/1903• CéduladeCréditoIndustrial–Decreto-leinº413/69• LetradeCréditoImobiliário–Leinº10.931/04• CéduladeCréditoImobiliário–Leinº10.931/04• CéduladeCréditoBancário–Leinº10.931/04
1.2.Identificaçãodotítulodecréditotípico.Rigorformal.Modelagemlegaldotítulo.Requisitosextrínsecos,ouformais,ouessenciais.Duplicata,Leinº5.474/68,art.2º,§1º(cf.Resoluçãonº102,de07.11.1968,doBancoCentraldoBrasil).DuplicataRural,Decreto-leinº167/67,art.48.Cheque,Leinº7.357/85,art.1º(cf.normasdoBanco
19FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
CentraldoBrasilcompiladasnoManualdeNormaseInstruções–MNI).NotaPromis-sória,Decretonº57.663/66,art.75.NotaPromissóriaRural,Decreto-leinº167/67,art.43.LetradeCâmbio,Decretonº57.663/66,art.1º.CédulaRuralPignoratícia,Decreto-leinº167/67,art.14.CédulaRuralHipotecária,Decreto-leinº167/67,art.20.CédulaRuralPignoratíciaeHipotecária,Decreto-leinº167/67,art.25.NotadeCréditoRural,Decreto-leinº167/67,art.27.CéduladeCréditoIndustrial,Decreto-leinº413/69,art.14.Conhecimentodedepósito,Decretonº1.102/1903,art.15,§1º.LetradeCrédi-toImobiliário,Leinº10.931/04,art.12,§1º.CéduladeCréditoImobiliário,Leinº10.931/04,art.19.CéduladeCréditoBancário,Leinº10.931/04,art.29.
1.3.Acártulacomodeclaraçãoassinada.Sançãolegalemcasodeinfração.Re-quisitosinsupríveisesupríveis.Conceitos.
1.3.1.Cambial incompletaou embranco:LeiCambiária, art.3º (reservadoart.3ºdoA-IIaoart.10doDecretonº57.663/66).Súmulanº387doSTF:“Acambialemitidaouaceitacomomissões,ouembranco,podesercompletadapelocredordeboa-féantesdacobrançaoudoprotesto.”
1.3.2.Pactodepreenchimento–LeidoCheque,art.16.1.4.Títuloscambiáriosetítuloscambiariformes.
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leituraprévia:nãohá.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Como identificar se um documento é um título de crédito?
Metodologia da aUla
Socrática.
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debate com a turma.
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
CHATEAUBRIANDFILHO,Hindemburgo.Liberdadedecriaçãodetítulosdecrédito atípicos e fattispecie cartular. Revista dos Tribunais,SãoPaulo,v.723,p.99-106,jan.1996.
20FGV DIREITO RIO
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aula 3: a circulação dos títulos de crédito coMo coisas Móveis
objetiVos pedagógicos da aUla 3
a) competências
Reflexãoeanálisedogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.Aplicar conceitos dogmáticos.
–EspecíficasAvaliar o impacto prático da circulação cambiária de créditos sobre os mecanis-
mos econômicos de financiamento da empresa.
c) conteúdo
1. Circulação cambiária dos créditos. 1.1.Direitos reais sobre títulos de crédito. 1.1.1.Coisificaçãoemobilizaçãodocrédito(entenda-sedeveres,obrigaçõese
exceções).Precedênciadosdireitosreaisobrigacionaisnacirculaçãocambiária.Di-reitoaotítulo(“Recht am papier”).Títulodecréditocomodocumento.
1.1.2.Circulação da propriedade cambiária.Aplicação, aoDireitoCambi-ário,daregramedievalEn fait des meubles, possession de bonne foi vaut titrê. A regraposse+boa-fé+ leide circulação=melhor títulodepropriedade– art.16,2ªalínea,doAnexoIdoDecretonº57.663/66;art.24daLeinº7.357/85.Leisdecirculaçãodostítulosdecrédito–aoportador,àordemenominativos.Incorporação desta regra pelo art. 1.268 doCódigoCivil, aplicável às coisasmóveisemgeral.Intransmissibilidadedosvíciosnaaquisiçãodacártula,apro-teçãoda aquisição anon domino, a irreivindicabilidadeda cártula – facetadaautonomia–autonomiadotitulardodireitocartular(AnexoIdoDecretonº57.663/66,art.16,2ªalínea;CC,art.896;CCitaliano,art.1.994;art.24daLeinº7.357/85).
1.1.2.1.Atradiçãoeaaquisiçãodapropriedadecartular.Análisecrítica.1.1.2.2.Oendossoeaaquisiçãodapropriedadecartular–art.8.ºdoDecretonº
2.044/08,art.17daLeinº7.357/85,art.11doAnexoIdoDecretonº57.663/66.Análise crítica.
21FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leitura prévia do texto de apoio da Aula 3.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Pelamobilizaçãocambiáriadoscréditos,oquesetransfere?
Metodologia da aUla
Aula expositiva e socrática
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
Nãohá.
22FGV DIREITO RIO
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texto de apoio da aUla 3
a mobilização cambiária dos créditos
Nasceuodireitodostítulosdecréditodentrododireitocomercial.Historica-mente,odireitocomercialcumpriuafunçãodeadaptarinstitutosdedireitocivilconformeasnecessidadeseconômicasdoscomerciantes;função,esta,descritaporTullioAscarellicomosendo“quasequedebandeirante”22 dentro do direito privado. Porestarazão,paraatenderànecessidadedefinanciamentodaatividadeeconômicapelamobilizaçãodecréditos,odireitocambiárioabsorveuinstitutosdodireitocivileostransfigurouprofundamente.Paraafastarasdificuldadesdecirculaçãodedirei-tosinerentesàcessãociviledotarodireitotransferidodesuficientecerteza,quantoàsuaexistência,esegurança,quantoàsuarealização23,foi-seconstruindogradativa-mente o direito cambiário como um meio de financiar a atividade econômica pela mobilizaçãodecréditos.Emboraoinstitutodostítulosdecréditocompartilhecoma cessão civil amesmafinalidade econômica, suas características dogmáticas sãodelineadas notadamente por um contrasteemrelaçãoàsregrasquecaracterizamacessão de créditos24.Comefeito,teveodireitocambiárioquesuperarosembaraçoseconômicosdecorrentesdecadaumadascaracterísticasdacessãocivildecrédito,quaissejamaaquisiçãoderivadadecréditos,alegitimaçãoordináriaeaausênciadesolidariedadedequemtransmiteocrédito.
AimportânciaparaaeconomiadodesenvolvimentododireitocambiáriofoidetalmodorelevantequelevouPontesdeMirandaaafirmarqueo“tráficocambiárioécomoosangueparaoorganismoanimal,eaevoluçãodas formaseconômicasobriga ao fluxo rápido do crédito, das remessas de numerários sob a concepçãocambiária”.25
O instituto da cessão civil de créditos cuida da disciplina da circulação dos di-reitos creditícios. Sua primeira característica consiste em que, por um lado, emrazão da regra nemo plus, ocedentetransfereaocessionárioexatamenteodireitoquepossuíacontraodevedor(direitoeste,portanto,quecontinualimitadopelasmesmasexceçõesexistentesantesqueodevedortenhaconhecimentodacessão),e,poroutrolado,queocessionárioadquire derivadamenteodireitoqueanteseradocedente(oquefazcomqueocessionáriofiquesujeitoàsexceçõesqueodevedorpossuíacontraocedente).Estascaracterísticas,sintetizadasnobinômionemo plus –aquisiçãoderivadadecréditos,nãosãoaplicáveisàmobilizaçãocambiáriadecré-ditos.Cumpre,portanto, identificar-seosexpedientesdogmáticosquemarcamadisciplina cambiária de mobilização dos créditos.
direitos reais cambiários
É certoquepela circulação cambiária dos créditosnãoocorreuma aquisiçãoderivadadocrédito,masumaaquisiçãooriginária. Isto sedeveàpeculiar formapelaqualodireitocambiárioregulaamobilizaçãodecréditos.Deve-se,portanto,delinear os contornos da lei de circulação aplicável aos títulos de crédito.
22 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. são Paulo: saraiva, 1947, pp. 43-44.
23 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, pp. 11 e 12.
24 Ascarelli afi rma que o “proble-Ascarelli afirma que o “proble-ma dos títulos de crédito é, mais que qualquer outro, um proble-ma de técnica jurídica, pois, com freqüência, a dificuldade não reside na interpretação da nor-ma ou na individuação do fim visado pelo legislador, mas na coordenação da norma no siste-ma geral. E justamente por isso lembramos que o problema dos títulos de crédito tem origem no contraste entre as exigências da circulação e as regras de direito comum.” (Tullio Ascarelli, Teoria geral dos títulos de crédito, são Paulo: saraiva, 1943, p. 18.)
25 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, v. 34, § 3.834, n. 2, p. 54. No mesmo sentido, Giorgi afirmou que os “cambios son en el comercio lo que en el cuerpo humano la circulación de la sangre; así como el cuerpo se sostiene por la circulación y, cuando está interrumpida, lan-guidece y se corrompe, del mis-mo modo, tampoco los comer-cios, si se elimina la circulación de los cambios, podrán florecer.” Giorgio Giorgi, Teoria delle obli-gazioni, vol. VI, p. 246, Turín, 1927, apud Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky, Titulos circu-latorios, Buenos Aires: Victor P. de Zavalía, 1974, p. 16.
23FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Ostítulosdecrédito,compreendidoscomodocumentos,consistemembens mó-veis,nosquaisseencontraincorporado um direito26,medianteassinaturadeprópriopunholançadapelodevedor.Ouseja,ocorreoquesedenominoudecoisificaçãooumaterialização dos créditos27.Destemodo,conquantocontenhaotítulodecréditoumdireito,oquecirculaéotítuloemsi,enquantobemmóvel.Comefeito,emdireitocambiárionãoháatransmissãodecréditospropriamenteditos,masacircu-lação de coisasmóveis.ConformePaoloGuida,nestecaso,“acirculaçãodizrespeitodiretamente ao título como coisa e indiretamente ao direito nela incorporado”28. NomesmosentidoéaliçãodePavoneLaRosa:“Aleidecirculaçãodostítulosdecrédito,comosesabe,assemelha-seàquegovernaacirculaçãodosbensmóveis.Aextensãodetalleiàtransferênciadosdireitoscartularessefezpossívelpelafunçãoinstrumentalqueaessefimcumpreodocumento.Entreotítuloearelaçãonelemencionada existe um vínculo jurídicoemrazãodoqualatransferênciadosegundoseoperamediantea transferênciadoprimeiro.Emvirtudedesse fenômenocon-corrente, chamadode ‘incorporação’de créditonodocumento,obtém-se aquelasegurançanacirculaçãoqueéprópriadaleidecirculaçãodosmóveis,istoé,deumaleiqueparasuaaplicaçãopressupõeapresençadeumaentidadematerialsuscetívelde entrega e posse”.29
A regra comum de circulaçãodas coisasmóveis é aquela encontradanos arts.1.267 e 1.268 do Código Civil: nemo dat quod non habet.Ouseja,háanecessidadede tradição feita pelo proprietário para transferir-se a propriedadede uma coisamóvel ao adquirente, pois, feita por quemnão seja proprietário, a tradição nãotransfereapropriedade.Portanto,emnossodireito,deregranãohácomoalguémadquirirapropriedadedeumbema non domino,istoé,mediantetradiçãofeitaporquemnãoéproprietário.
Imagine-se o seguinte exemplo: A é proprietário de um relógio. B furtaoreló-gio de A.ComonãohouvetradiçãodacoisafeitaporA,proprietário, para B,estenãoadquiriuapropriedade.Dessemodo,A continua a ser o proprietário da coisa móvel.Suponha-sequeB venda este relógio para C,quedesconheceofurto.ComoB nãoeraproprietário,atradiçãofeitaporelenãotransfereapropriedade,ouseja,C nãoadquiriuapropriedade.Aéquemcontinuaasertitulardodireitodepro-priedade.Comoconseqüênciadisso,A tem o direito de reaver o bem objeto de sua propriedade de C,medianteoexercíciododireitodeseqüela,quesedápelaaçãoreivindicatória(CódigoCivil,art.1.228).
Noentanto,existeumadisciplinaespecialdecirculaçãodascoisasmóveis,apli-cadaexcepcionalmenteemnossodireito, sintetizadanaregraen fait des meubles, possession de bonne foi vaut titrê.Estaregra,surgidanasfeirasmercantis,tinhaporobjetivo promover a pax mercatorum30,abaladapelofatodeque,muitasvezes,fur-tadoresdemercadoriasiamvendê-lasnasfeiras,demodoqueoadquirentea non domino sujeitava-searestituí-lasaoproprietárioespoliado,que,combasenodireitodeseqüela,legitimava-seaoexercíciodaaçãoreivindicatória.Dessemodo,orien-tadopeloespíritopráticoquesemprenorteouaatividadedoscomerciantes,comopropósitodeestimulararealizaçãodetrocas,criou-searegraqueatribuimelhortítulodepropriedadeàquelequeadquirisse,deboa-fé,apossedemercadoriacom-
26 A rigor, não deveria falar-se em coisificação de créditos, pois, como consubstanciam as decla-rações cambiárias de vontade negócios jurídicos unilaterais, no título materializam-se os deveres, obrigações e exceções cambiários. Ou seja, os títulos de crédito, vistos da perspectiva do pólo obrigacional que neles se consubstancia, são títulos de débito.
27 “O título de crédito visa justa-mente à transformação do cré-dito e coisa móvel, mercadoria, para o fim de circulação. Daí a preponderância do elemento real, que não deve, no entanto, ser exagerada a ponto de sacri-ficar a declaração de vontade que o título consubstancia. Este contraste entre o direito real e a declaração de vontade é justamente o que empresta ao direito cambiário um caráter específico a requerer disciplina original.” (Paulo J. da silva Pinto. Direito cambiário Rio de Janeiro: Forense, 1948, p. 3.)
28 Paolo Guida, comentário ao art. 1994 do Codice Civile, In: Giancarlo laurini (org.), I titoli de credito, Milão: Giuffrè, 2003, p. 40.
29 Antonio Pavone la Rosa. La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 301-302.
30 Paul Rehme. Historia universal del derecho mercantil. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1941, p. 90.
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TíTulOs DE cRéDITO
prada emuma feiradequem se apresentassepublicamenteproprietário,mesmoqueproprietárionãofosse31.Aregramedieval,emsíntese,asseguraaaquisiçãodapropriedademesmoaoadquirentea non domino.Estaregra,queatéoadventodoCódigoCivilde2002,tinhasuaaplicaçãorestringidaaostítulosdecréditoàordemenominativos,tornou-se,porinfluênciadodireitoitaliano,regraaplicávelàscoisasmóveisemgeralnodireitobrasileiropeloart.1.268doCódigoCivil,deseguinteredação:“Feitaporquemnãosejaproprietário,atradiçãonãoalienaaproprieda-de,exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono”.Estedispositivoestabelece,emsuasegundaparte,hi-pótesedeaquisiçãoorigináriadapropriedade,poisfazcomqueoterceirodeboa-féadquira apropriedade independentementedo fatodeo alienantenão ser titulardapropriedade.Aaquisiçãodapropriedadedoadquirentedeboa-fénãodecorredatradição–ouseja,nãoéderivadadapropriedadedoanteriorproprietário,quetradiçãonãorealizou–,masdaposseobtidadeboa-féemrazãodaaparênciadepropriedadedoalienante–ouseja,dá-seoriginariamente.
Adisciplinadostítulosdecréditoévoltadaàfacilitaçãodamobilizaçãodoscréditos. Isto se obtém mediante a tutela do terceiro portador de boa-fé,que,pre-cisamente por ser tutelado, predispõe-semais facilmente a adquirir títulos decrédito,comoqueseestimulaamobilizaçãodoscréditos.Dessemodo,entreasduasregrasdecirculaçãodascoisasmóveisacimaindicadas,acomum e a especial,odireitocambiárioadota,viaderegra,estaúltima.Comefeito,é irrelevanteaocorrência da tradição feita pelo proprietário para a aquisição da propriedadedeumtítulodecrédito.Noentanto,odireitocambiárioadotouaregraposse de boa-fé vale títuloadaptando-aàsualógica32.Assim,adquireapropriedadedeumtítulodecréditoaquelequereúneposse,deboa-fé,consoantea lei de circulação do título.Nessesentido,estabeleceoCódigoCivil,emseuart.896,queo“títulodecréditonãopodeserreivindicadodoportadorqueoadquiriudeboa-féenaconformidadedasnormasquedisciplinamasuacirculação”.33 A mesma regra é tambémencontradanoart.16,2ªalínea,daLeiUniformedeGenebra(Decretonº57.663/66,AnexoI,doravantedenominadadeLUG),enoart.24daLeidoCheque(Leinº7.357/85).Afirma-se,dessemodo,aregraqueprotegeoadqui-rente a non domino,pelaintransmissibilidadedosvíciosnaaquisiçãodacártula.Aconseqüênciadaproteçãodoadquirentea non domino consiste na irreivindicabi-lidadedacártulapeloproprietárioespoliado,emrazãodaqueletermelhortítulodepropriedade.Estanormarelaciona-seaodenominadoprincípiodaautonomiaou,maisprecisamente,consoanteaexpressãodeAscarelli,àautonomia do titular do direito cartular34.
classificação dos títulos de crédito de acordo com suas leis de circulação
Quantoàleidecirculação,classificam-seostítulosdecréditoemtítulosàor-dem,nominativoseaoportador.
31 Relevante parcela da doutrina cambiária, contudo, entende que “o princípio ‘a posse de boa-fé vale título’ tem um regime muito mais recente. Tal princípio se vem consolidando, segundo as opiniões mais acreditadas, por efeito da elaboração à qual é submetido o instituto da Gewere na literatura alemã dos 800.” (Antonio Pavone la Rosa. La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 25).
32 “la ley de circulación del cré-“la ley de circulación del cré-dito cambiaria resulta, entonces, de la combinación de las reglas de derecho común, que discipli-nan la circulación de los bienes muebles, con las disposiciones particulares dictadas para la transferencia de los títulos a la orden.” (Antonio Pavone la Rosa. La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 302.)
33 A redação do dispositivo da lei brasileira é inspirada no art. 1994 do código civil italiano, que dispõe: “chi ha acquistato in buo-na fede il possesso di un titulo di credito, in conformità delle norme che ne disciplinano la circolazione, non é soggetto a rivendicazione.”
34 Tullio Ascarelli (Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: sa-raiva, 1943. p. 279) afirma que “é nesta acepção que, a meu ver, se deve entender a autonomia do titular de um título de crédito”, pois não é em razão do princípio da autonomia que se restringem as exceções subjetivas indiretas, mas em razão da abstração do direito cartular, face à constitui-ção desse direito pela declaração cambiária de vontade, distinto do direito fundado na relação fundamental, que é eminente-mente causal. contudo, o reno-mado mestre italiano afirma que é “evidente que o problema da autonomia do titular do direito cartular, que, por seu turno, se prende ao da proteção do ad-quirente no caso de aquisição a non domino, é diferente do da autonomia (se, acaso, se quiser usar a mesma palavra) do direito cartular, isto é, da sua distinção com as convenções extra-car-tulares” (op. cit., p. 283), admi-tindo, claramente, que o vocá-bulo “autonomia”, feita a devida distinção entre autonomia do direito cartular e autonomia do titular do direito cartular, possa ser utilizado para descrever tanto a proteção do adquirente a non domino como da proteção do portador a exceções estranhas ao título.
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TíTulOs DE cRéDITO
títulos à ordem
Sãoexemplosdetítulosàordemocheque(Leinº7.357/85),aduplicata(Leinº5.474/68),anotapromissóriaealetradecâmbio(LUG).Ostítulosàordemsãoaquelesquecontêmacláusula“àordem”;títulosquesedevepagaraumsujeitodeterminadoouàsuaordem,ouseja,aquemosujeitodeterminadoordenar.Pelanotapromissória,porexemplo,osubscritorprometequepagarádeterminadaquan-tiaaobeneficiário,ouaquemeleordenarquesejafeitoopagamento.Estaordemérealizada por meio do endosso,declaraçãocambiáriaque,lançadanoversodotítulo,representa a transferênciada cártula aonovoproprietário.Comefeito, dispõeoart.8ºdoDecretonº2.044/1908queo“endossotransmiteapropriedadedaletradecâmbio”.Nomesmosentido,dispõeoart.17daLeidoChequequeo“chequepagávelapessoanomeada,comousemcláusulaexpressa‘àordem’,étransmissívelporviadeendosso”,eoart.11daLUG,quetodaletradecâmbioétransmissívelporviadeendosso.Porém,nãosepodedizerqueéoendosso,porsisó,quetrans-fereapropriedadecártula.Oendossoéumdoselementosintegrantesdosuportefáticonecessárioàaquisiçãodapropriedadedotítulo,juntamentecomaposseeaboa-fé35.
Assim,lançadooendossonacártula,onegóciojurídicodeendossopassaaexistir,masatransferênciadapropriedadedacártulasomenteocorrerásetam-bémestiverempresentesaposseeaboa-fédoendossatário.Seoproprietáriodacártulalançaroendossoepermanecernasuaposse,poderáelecancelar,riscar,apagaroendosso,ouseja,revogaradeclaraçãounilateraldevontadecambiáriaqueéoendosso36enãotransferirapropriedade.E,casooproprietárioquelan-çouoendossonotítulodemonstrarqueonovopossuidorestádemá-fé,poderáelereivindicarotítulo(art.16,2ªalínea,daLUG;art.24daLeidoCheque;art.896doCódigoCivil).Essasduasúltimasassertivascomprovamqueoen-dosso,semqueaelesesomem(a)aposse(b)deboa-fédonovopossuidor,nãotransfere a propriedade da cártula; ele somente, como integrante do suportefáticodatransferênciadapropriedadedacártula,indicaapessoaaquemseirátransmiti-la.
Oendossoqueintegraosuportefáticodaaquisiçãodapropriedadedeumtítulodecréditoàordemdeveserinseridoemumasérieininterruptadeendossos.Daío princípio da continuidade dos endossos37,asignificarquealeidecirculaçãodostítulosàordemconsistenumasérie ininterrupta de endossos.Destemodo,seA cria umtítulodecréditoemfavordeBouàsuaordem,estepoderáendossarotítulopara C.Este,porsuavez,poderáendossarotítuloparaD,eassimsucessivamente.Adeclaração cambiáriade endossodeve ser atribuída àquele quefigura comooúltimodestinatáriodotítulo.Noentanto,asérieininterruptadeendossosdeveseravaliada“exclusivamenteemseuaspectoextrínseco,nosentidodequebastaasuaregularidadeformal.Éporestarazãoqueaincapacidadedealgumdosendossantes,atransmissãofraudulenta,ouafalsidadedasassinaturas,nãoafetaaregularidadedos endossos”.38
35 “O endosso não transfere, o endosso é elemento do suporte fático para que a transferência se opere”. (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. 33, § 3.797, n. 2, p. 275.)
36 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. 33, § 3.797, n. 2, p. 275.
37 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 31.
38 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 31.
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TíTulOs DE cRéDITO
títulos nominativos
Conformedispõeoart.921doCódigoCivil,“étítulonominativooemitidoemfavordepessoacujonomeconstenoregistrodoemitente”.Sãoexemplosdetítulosnominativos as ações nominativas das sociedades anônimas. O capital de uma so-ciedadeanônimaédivididoemfrações,representadasporações.Umavezcriadas,impõe-seoregistrodestasaçõesnolivrode“RegistrodeAçõesNominativas”(Leinº6.404/76,art.31c/cart.100,I).Paratransferir-seumaaçãonominativa,deve-selavrartermonolivrode“TransferênciadeAçõesNominativas”,consoantearegraencontradano§1ºdoart.31daLei6.404/76.Destemodo,acirculaçãodostítulosnominativosocorrepelaposse,deboa-fé,deacordocomumregistronoslivrosdoemitente.
títulos ao portador
Sãoexemplosdetítulosaoportadorostítulosdadívidapúblicaeosbilhetesdeloteria.Aocontráriodosdemaistítulosdecrédito,circulamostítulosaoportadorpelatradiçãofeitapeloproprietário,conformeselênoart.904doCódigoCivil:“Atransferênciadetítuloaoportadorsefazporsimplestradição”.AtéaentradaemvigordonovoCódigoCivil,regia-seacirculaçãodostítulosaoportadorpelodis-postonoart.622doCódigoCivilde1916,que,emsuaprimeiraparte,dispunha“feitaporquemnãosejaproprietário,atradiçãonãoalheiaapropriedade.”
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TíTulOs DE cRéDITO
aula 4: direitos caMBiários eMergentes do título
objetiVos pedagógicos da aUla 4
a) competências
Reflexãoeanálisedogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.Aplicar conceitos dogmáticos.
–EspecíficasAvaliar o impacto prático da circulação cambiária de créditos sobre os mecanis-
mos econômicos de financiamento da empresa.
c) conteúdo
1.1.Direitoscambiáriosemergentesdotítulo–(“Recht aus dem Papier”)1.1.1.Otítulodecréditocomodocumentoconstitutivodoprópriodireito–
por isso, asobrigações cartulares,quedecorremdedeclarações cartulares, viaderegra,sãorealizadasnotítulo–separaçãoentrearelaçãocausalearelaçãocartular–aaquisiçãoorigináriadodireitocartular,por issosedizautônomo–odireitodoproprietáriodotítulonãoéderivadododireitodosanterioresportadores–aliteralidade comodelimitadordo conteúdoe extensãododireito constituídoouemergentedotítulo.Nessesentido,consistemnaautonomiadodireitocartularainoponibilidadedeexceçõespessoaisindiretas(art.17doAnexoIdoDecretonº57.663/66;art.25daLeinº7.357/85)eaabstraçãocambiária–inaplicabilidadeaos títulos de crédito da regra nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat.
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leitura prévia do texto de apoio da Aula 4.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Pelamobilizaçãocambiáriadoscréditos,oquesetransfere?
28FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Metodologia da aUla
Aula expositiva e socrática
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
Nãohá.
texto de apoio da aUla 4
direitos cambiários emergentes do título – o direito cartular
Amobilizaçãocambiáriadoscréditos,comoseviu,caracteriza-seporumpecu-liarexpedientedogmáticoquecuida,primeiramente,dacirculaçãodapropriedadedos títulos de crédito enquanto coisasmóveis. Só indiretamente é que ocorre atransferênciadedireitoscreditícios.Daíarazãopelaqualseafirma,emdireitocam-biário,aprecedênciadosdireitosreaissobreosobrigacionais.Maisprecisamente,istosignificadizerque,emprimeirolugar,deve-severificarqueméoproprietáriodeumtítulodecrédito,enquantocoisamóvel,parasomenteapósdeterminarqueméotitulardodireitocreditícioincorporadoaotítulodecrédito.Équeostítulosdecréditosãodocumentosconstitutivosdoprópriodireito.Ou,noutraspalavras,sãodocumentosdosquaisemergeoprópriodireito.Destemodo,atitularidadedodireito constituído pelo título decorre do direito real de propriedade exercido sobre otítulo,enãodeumcontratoouumnegócio39. É precisamente em razão deste mecanismodogmáticoqueostítulosdecréditonãosesubmetemaobinômionemo plus – aquisição derivada de créditos e, portanto, possibilitamumamobilizaçãosegura dos créditos.
Tome-se o seguinte exemplo: A compra de B uma fazendade1.000hapelopreçodeR$1.000.000,00.Ovendedor,B,torna-secredordopagamentodopreçodoimóvelvendido.Noentanto,aorealizarumlevantamentotopográfico,ocom-prador,A,descobrequeafazendaadquiridapossuiapenas850ha.Assim,emrazãododispostonoart.500doCódigoCivil,assisteaocompradoraexceçãodeabaterproporcionalmentedopreçoamedidafaltante,demodoqueovendedor,B,rece-beráapenasR$850.000,00.
Pararepresentarsuaobrigaçãodepagaropreço,A subscreve e emite uma nota promissóriaemfavordeBnovalordeR$1.000.000,00.SeB exercer a ação contra A,sejacombasenocontratodecompraevenda,sejacombasenanotapromissó-ria,A poderá opor exceção ex empto,demodoapagarapenasR$850.000,00.Maisprecisamente,ocredorétitulardeumdireitodereceberR$1.000.000,00menosovalor correspondente ao abatimento.
Noentanto,seovendedorB endossar a nota promissória a um terceiro portador deboa-fé,oqueterácirculadoéanotapromissória,enquantocoisamóvel,enão
39 Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Titulos circulatorios. 4. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalía Editor, 1974, p. 67.
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TíTulOs DE cRéDITO
odireitodereceberestaouaquelaquantia.Oterceiro,sereunirposse de boa-fé de acordo com a lei de circulação,tornar-se-áoproprietáriodotítulodecrédito.Epre-cisamenteporadquirirapropriedadedotítulodecréditoéquesetornarátitulardodireito creditício emergente do título.
Odireitocartularnãoéderivadododireitodosanteriorestitulares,demodoqueéumdireitoconstituídooriginariamentepelotítulo.Nestesentido,diz-sequeodi-reitoconstituídopelotítuloéumdireitoautônomo.Ademais,odireitoconstituídoporumtítulodecréditocorrespondeàqueleliteralmentemencionadonotextodoprópriotítulo.Nestesentido,diz-sequeodireitoconstituídopelotítuloéliteral.Refere-se, aqui, aosprincípiosda autonomia eda literalidade, ambos voltados aemprestar maior segurança na mobilização cambiária dos créditos.
Oexpedientedogmáticopeloqualoterceiroportadordeboa-fédeumtítulodecréditoadquireumdireitoquenãoéderivadododireitodosportadoresante-riores–odireitoé,portanto,originário–relaciona-seaodenominadoprincípiodaautonomia.Adquire-seatitularidadedodireitocreditíciomencionadonotítulodecréditopelaaquisiçãodapropriedadedotítulodecréditoenquantobemmóvel.ÉoquantoensinamGiuseppeGualtierieIgnacioWinizky:“odireitocartularincor-porado no título está destinado a encontrar seu titular em um sujeito determinável em virtude da relação [de direito] real existente entre este sujeito e o documento”.40 Destemodo,odireitoconstituídopelotítulonãoéderivadododireitodosante-rioresportadores,poisemergedoprópriotítulo.Diz-se,assim,queodireitoconsti-tuídoporumtítulodecréditoéautônomo.Comisso,seobtémisolarodireitodoterceiroportadordeboa-fédodireitodosanterioresportadores,quepoderiaestar,eventualmente,sujeitoaexceçõesquelhereduzissemoconteúdoeaextensão.
Jáqueodireitodoterceiroportadordeboa-fénãoderivadodireitodosportado-resanteriores,cumpredelimitarem-lheoconteúdoeaextensão.Aclaradelimitaçãododireitomencionadoemumtítulodecréditoéfundamentalparafacilitarqueseatendaànecessidadedemobilizaçãodosdireitos41.Enquantoacessãodecréditosconstituiuma “caixade surpresas”,no sentidodequeo cessionário sujeita-se àsdefesasqueodevedorpossuicontraocedente,semquelhesejadadoconheceratodas,acirculaçãocambiáriadoscréditos,peloprincípiodaliteralidade,asseguraaoterceiroportadordeboa-féquenãolheserãoopostasdefesasqueeledesconheça,ouseja,quenãoresultemdoteorliteraldotítulo.ConformeensinaTullioAsca-relli,a“explicaçãodaliteralidade,queadoutrinaelevaacaracterísticoessencialdotítulodecrédito,estánaautonomiadadeclaraçãomencionadanomesmotítulo(declaração cartular)enafunçãoconstitutivaque,arespeitodadeclaraçãocartularedequalquerdassuasmodalidades,exercearedaçãodotítulo;essadeclaraçãoestá,pois,submetidaexclusivamenteàdisciplinaquedecorredascláusulasdoprópriotítulo”.42
Afirma-se a literalidade com o propósito de se proteger o terceiro portador de boa-fé,pelaproibiçãodeoposiçãodedefesasextracartulares,ecomopropósitodeprotegerodevedor,peladelimitaçãodeseudever.Noprimeirosentido,pelaliterali-dadetutela-seaboa-féqueoterceiroportadordotítulodepositanaaparêncialiteraldotítulo,nosentidodeque,aoadquiri-lo,acreditaqueaquelesqueosubscreveram
40 Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Títulos circulatórios. 4 ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalía Editor, 1974, p. 66.
41 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito são Paulo: saraiva, 1943, p. 53.
42 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito, são Paulo: saraiva, 1943, p. 56.
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TíTulOs DE cRéDITO
pagarãoaquantiaalimencionada.Comestatutela,empresta-semaiorsegurançaaoterceiroportadordeboa-fé,quesabequenãoserásurpreendidopordefesasquenãolhesãodadoconhecer,emquepeseaopiniãodeAscarelli,paraquemnãosepodejustificaraliteralidadecombasenoprincípiodatuteladoterceiroqueconfianaaparência43,pois,seseinvocaaaparênciacomofundamentodaliteralidade,elasomentepoderiaatuaremfavor,enuncacontra,oterceiro44.
Oprincípio da literalidade, ademais, consiste em um importante critério deinterpretação das declarações cambiárias de vontade. Ao contrário da regra geral encontradanodireitocivil,segundoaqualnainterpretaçãodasdeclaraçõesdevon-tade deve-se levar em conta a intenção subjetiva do declarante em detrimento do sentidoliteraldalinguagem(CódigoCivil,art.112),nodireitocambiárioaregraéinvertida.Ouseja,aointerpretar-seumadeclaraçãocambiáriadevontadeleva-seem consideração o sentido literal da linguagem em detrimento da intenção subje-tiva do declarante. Desta regra interpretativa pode-se abstrair uma regra mais geral aplicávelaostítulosdecrédito,consistentenaquelaemquenãosepodeoporater-ceirosportadoresdeumtítulodecréditodefesasextracartulares,ouseja,defesasquenãoresultemdoteorliteraldotítulo.Oprincípiodaliteralidadequersignificarque“odireitodecorrentedotítuloéliteralnosentidodeque,quantoaoconteúdo,àex-tensãoeàsmodalidadesdessedireito,édecisivoexclusivamenteoteordotítulo”.45 Ou,consoanteafórmulasintéticadeFranMartins,porliteralidadeentende-se“ofatodesóvalernotítulooqueneleestáescrito”.46
Nessesentido,acaracterísticadaliteralidadeexerceumaduplafunçãonostítu-losdecrédito:delimitaroconteúdoeextensãododireitoconstituídooriginaria-mentepelotítulo,nosentidodequeelementosextracartularesnãointerferem,ouaomenosnãodeveminterferir,nodireitoconstituídopelotítulo.Poroutrolado,a literalidadecumpretambémafunçãoprobatória,nosentidodequeelementosextracartularesnãofazemprovadodireitocartular.
Aos princípios da literalidade e da autonomia assoma-se o da inoponibilidade dasexceçõespessoais indiretas,positivadonoart.17daLUG:“Aspessoasacio-nadasemvirtudedeumaletranãopodemoporaoportadorasexceçõesfundadassobreasrelaçõespessoaisdelascomosacadoroucomosportadoresanteriores,amenosqueoportadoraoadquirir a letra tenhaprocedidoconscientementeemdetrimentododevedor.”Nomesmosentido,lê-senoart.25daLeinº7.357/85:“Quemfordemandadoporobrigaçãoresultantedechequenãopodeoporaopor-tadorexceçõesfundadasemrelaçõespessoaiscomoemitente,oucomosporta-doresanteriores,salvoseoportadoroadquiriuconscientementeemdetrimentododevedor.”Adoutrina italiana, a exemplodeTullioAscarelli47 e de Giuseppe Gualtieri e IgnacioWinizky48, fundamenta a inoponibilidade de exceções fun-dadas em elementos extracartulares ao proprietário ignaro de tais exceções com base na característica da literalidade49.Adoutrinabrasileira,noentanto,preferederivar o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais indiretas do princípio da autonomia50.Neste sentidoéa liçãodePontesdeMiranda,queafirmouser“típicadacirculaçãocambiáriaaatribuição,acadaumdospossuidoressucessivosdo título cambiário,dosdireitos respectivos,porémcom inteira autonomia,de
43 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito, são Paulo: saraiva, 1943, p. 59 e ss.
44 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito, são Paulo: saraiva, 1943, p. 59.
45 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito, são Paulo: saraiva, 1943, p. 51. Em igual sentido, ver Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Títulos cir-culatórios, 4. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalía Editor, 1974, p. 65.
46 Fran Martins, Títulos de cré-dito, 3. ed. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 8.
47 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito, são Paulo: saraiva, 1943, p. 51.
48 Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Titulos circulatorios . 4. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalía Editor, 1974, p. 66.
49 Neste sentido, a literalidade constitui o aspecto passivo da autonomia, afigurando-se uma categoria supérflua, que diria respeito apenas às defesas ditas objetivas fundadas em relações mencionadas no título. Giuse-ppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Titulos circulatorios. 4. ed. Bue-nos Aires: Victor P. de Zavalía Editor, 1974, p. 66.
50 Ver, por exemplo, Rubens Re-quião. Curso de direito comercial. 20. ed. são Paulo: saraiva, 1995, v. 2. p. 296.
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modoquenãohásomenteaautonomiadasobrigaçõescambiárias,existetambémaautonomiadosdireitoscambiários,donderesultaoprincípio da inoponibilidade das objeções ou exceções”.51
51 Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Ja-neiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 18.
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TíTulOs DE cRéDITO
aula 5: a legitiMação caMBiária
objetiVos pedagógicos da aUla 5
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasAvaliar o impacto prático da legitimação cambiária sobre os mecanismos econô-
micos de financiamento da empresa.Compararosdiferentesmecanismosdelegitimaçãoparaoexercíciodeação.
c) conteúdos
1. Titularidade e legitimação. 1.1.Titularidade–relaçãodeidoneidadeentreosujeitoeoobjetojurídico.1.2.Legitimação–posiçãodeumsujeitoparaconcluirumnegóciojurídico.1.2.1.Problemadalegitimação.1.2.2.Espéciesdelegitimação(a)ordinária,emquecoincidemnamesmapessoa
otitulardodireitoeolegitimado,eparaquehajalegitimaçãoaoexercíciododirei-toháanecessidadedeprovadatitularidade;(b)indireta,emqueolegitimadoatuaem virtude de um poder de representação convencional ou legal outorgado pelo titular;ashipóteses(a)e(b)sãoasprevistasnoart.6ºdoCódigodeProcessoCivilc/coart.308doCódigoCivil;e(c)extraordinária,emqueolegitimado,combasenaaparênciadetitularidade,atuaemnomeprópriocomeficácianaesferajurídicado titular; exemplo: arts. 309 e 1.268 do Código Civil.
1.3. Dissociação entre titularidade e legitimação. 1.3.1.Relaçãoentreapropriedadedotítuloeatitularidadedodireitoconstitu-
ído pelo título. 1.3.2.Oprincípiodacartularidade,ouincorporação,oulegitimaçãocambiária
–relaçãoentreapossequalificadaealegitimaçãoaoexercíciododireitomencio-nadonotítulo–,ainvestiduraformalnapossedotítulooupossequalificadapelaleidecirculaçãodotítulo(art.16,1ªalíneadoAnexoIdoDecretonº57.663/66;art.22daLeinº7.357/85),arelaçãoentrea legitimaçãoeaaparência.Apossecomofatodeapropriaçãoexclusivasobreacoisaealegitimação(art.32,§1º,doDecreto-leinº413/69;art.31,§1º,doDecreto-leinº167/67).Eficácialiberatóriadopagamentofeitopelodevedoraoportadorlegitimado(art.40,3ªalínea,doAne-
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TíTulOs DE cRéDITO
xoIdoDecretonº57.663/66;art.39daLeinº7.357/85).Contudo,obancoquepagachequeendossadoporpessoajurídicadeveconferirseapessoaqueendossouocheque tinhapoderesprevistosnoestatuto social:REsp280.285-SP, rel.Min.Sálvio de Figueiredo Teixeira,EREsp2080.285,rel.Min.NancyAndrighi e REsp171.299-SC,rel.Min.SálviodeFigueiredoTeixeira.
1.3.3.Alegitimaçãocedefaceàdemonstraçãodafaltadetitularidade.Háumainversãodoônusdaprovaquantoàpresunçãodapresençadeboa-fé,queconduzaumapresunçãodetitularidade.Porisso,diz-setitularidadeaparente.
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leitura prévia obrigatória de:–TextodeapoiodaAula5.–EREsp280285/SP,queseencontranoAnexoIdestaaula.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Namobilizaçãocambiáriadoscréditos,quempodeexercerodireitoeaquemse deve pagar?
Metodologia da aUla
Aula expositiva e socrática
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debate com a classe.
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
FARIA,WerterR.Ações cambiáriasPortoAlegre:Safe,1987.pp.31-35.
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TíTulOs DE cRéDITO
texto de apoio da aUla 5
titularidade e legitimação
Osconceitosdetitularidadeelegitimaçãosãodistintos.Enquantoatitularidadeconsisteemumarelaçãodeidoneidadeentresujeitoeobjetojurídico,alegitima-ção“resultadeumaposição,istoé,deummododeserparacomosoutros”52. No entanto,deregra,alegitimaçãoaoexercíciodeumdireitopressupõe,porpartedosujeitoquepretende exercê-lo, aprovadeque é titulardestedireito.Verifica-se,assim,aregradalegitimaçãoordinária ou comum,pelaqualsomenteotitulardodireito legitima-se a exercê-lo. A legitimação ordinária evidencia que, conformeensinaTullioAscarelli,um“dosproblemasmaisdelicadosdosistemajurídicoéoda demonstração da identidade do titular de um direito subjetivo ou de um poder jurídico”.53
Conquantoseja,atodaevidência,amaisfreqüente,alegitimação ordinária–istoé,aquelaemquecoincidemnamesmapessoaotitulardodireitoeolegitimado54,eparaquehaja legitimaçãoaoexercíciododireitoháanecessidadedeprovadatitularidade–,nãoconsistenaúnicaespéciedelegitimação.Existemduasoutrashipótesesemqueselegitimaaoexercíciodeumdireitosujeitodiversodotitulardestedireito.Naprimeirahipótese,ocorreachamadalegitimaçãoindireta,emqueo legitimado atua em virtude de um poder de representação convencional ou legal outorgadopelotitulardodireitoouemrazãodalei;nasegundahipótese,háale-gitimação aparente, extraordinária ou excepcional55,emqueolegitimado,combasena aparênciadetitularidade,atuaemnomeprópriocomeficácianaesferajurídicado titular.Tantona legitimaçãoordinária comona indireta,háumnexocomatitularidade.Contudo,enquantoalegitimaçãoordináriaocorreapenasseosujeitoquepretendeexercerodireitodemonstrarqueétitular,a legitimação indireta,ealiçãoédeFrancescoCarnelutti,“funda-senãopropriamentenasituaçãoinicial,masnumasituaçãoconexaouaelaligada,resolvendo-se,porisso,nacoincidênciaentreoagenteouopacienteeosujeito,nãodasituaçãoinicialmasdeumasituaçãoconexa com a situação inicial”.56
Interessa-nos,aqui,emespecial,ainvestigaçãoacercadalegitimaçãoaparente,queéaespéciedelegitimaçãoaplicávelaostítulosdecrédito.Oordenamentojurí-dico,emcircunstânciasexcepcionais,concedeaquemnãoétitulardodireitoapos-sibilidadedelegitimar-seaoexercíciodestedireito.Éoquantoocorre,porexemplo,comalegitimaçãoparadispordapropriedadedeumbemmóvel.Enquantoaregrageral de circulação das coisas móveis é representada pelo brocardo nemo dat quod non habet,ouseja,somenteselegitimaaalienarapropriedadedeumbemmóvelpelatradiçãoquemforoseuproprietário,existehipóteseemquesepermiteaquemnãoéproprietáriotransferirapropriedadedebemmóvelpelatradição,desdequeoalienantenãoproprietário,emdeterminadascircunstâncias,aparente,aosolhosdoadquirentea non domino edacoletividade,serproprietáriodacoisatransferida,consoantearegracontidanoart.1.268doCódigoCivil,segundaparte.Damesmaforma,enquantoopagamento,para irradiareficácia liberatóriadodevedor,deve
52 Francesco carnelutti, Teoria Geral do direito, são Paulo: sa-raiva, 1942, p. 364.
53 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 223.
54 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurídico. 2. ed. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 177.
55 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurídico. 2. ed. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 178.
56 Francesco carnelutti. Teoria geral do direito. são Paulo: sa-raiva, 1942, p. 367.
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serfeitosomenteaotitulardocrédito,háhipóteseexcepcionalpelaqualsepermitequeopagamentofeitoaquemnãosejaproprietáriolibereodevedor.Estaúltimahipóteserespeitaaochamadocredorputativo,cujaprevisãolegalseencontranoart.309 do Código Civil.
Todasashipótesesemquesedáalegitimaçãoaparentepossuememcomumofatodequeaquelequeselegitimaaoexercíciododireitonãoéotitulardodireito,masaparentaserotitulardodireitoaosolhosdeterceiros.Assim,apossibilidadedeumnão-titular legitimar-se ao exercíciodeumdireito cuida, emverdade,detutelaraos“terceirosdeboa-féquedepositaramsuaconfiançanalegitimaçãoapa-rente do autor do negócio”.57 A legitimação aparente relaciona-se diretamente com ateoriadaaparência58,pois,comoensinaFrancescoCarnelutti,a“legitimaçãoédosinstitutosemquemelhorseapreciaovalordoprincípiodaaparênciajurídica,dequenosúltimostempossetemfaladomaisdoqueasuasimplicidadepedia.Nadamaissetratadoquedeatribuir,paratuteladaboa-fé,osefeitosdasituaçãojurídicaàsituaçãomaterialque lhecorresponde,prescindindodaexistênciarealdosseuselementosjurídicos,desdequedelesexistapelomenosaparência.Poroutrolado,comoamaispersuasivaaparênciadopoderjurídicoéadadapeloprevalecimentoefetivodointeresseacujatuteladopodersedestina,sãomanifestososlaçosqueunemoprincípiodaaparênciaaoinstitutodaposse,aqualporexcelênciarepresen-taasituaçãodefatoquemaisaparênciatemdesituaçãodedireito”.59
legitimação cambiária
É a legitimação aparente a espécie de legitimaçãoquemarca a disciplina dostítulos de crédito60,sintetizadanoprincípiodacartularidade,tambémchamadodeprincípio da incorporação61.Esteprincípioafirmacomoumtraçocaracterísticodacirculaçãocambiária,equeadistinguedacirculaçãopelacessãocomumdedireitos,justamente,apossibilidadedeumterceiroportador(ouosimples“detentordeumaletra”,nadicçãodoart.16,1ªalíneadaLUG.),quenãoooriginaltitulardodireitocartular,exercerodireitocartularemrazãodasimplespossequalificadapelaleidecirculaçãodotítulo.Assim,enquantoatitularidadedodireitoconstituídoporumtítulodecréditopressupõeapropriedadedestetítulo,aqualporsuavezdecorredapossedeboa-fédeacordocomaleidecirculação,alegitimaçãocambiáriaprescin-dedaprovadatitularidadedodireito(edapropriedadedotítulo,portanto),paracontentar-seapenascomaaparênciadetitularidade,queseverificapelaaparênciadepropriedadedotítulo.Maisprecisamente,paraalguémexercerodireitomen-cionadoemumtítulodecrédito,dispensa-seaprovadatitularidade,poisbastaaaparênciadetitularidade.Cumpre,pois,determinarquaisoselementosqueconfor-mamestaaparênciadetitularidade.
A titularidade do direito constituído por um título de crédito decorre da pro-priedade do título. A propriedade do título de crédito decorre da reunião da posse deboa-fédeacordocomaleidecirculação.Destestrêselementos,apenasaposseealeidecirculaçãosãoaparentes,umavezqueaboa-fé,aquientendidasubjetiva-mente,nãopossuimanifestaçãoexterior.Dessemodo,sãoelementosaparentesda
57 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurídico. 2. ed. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 180.
58 Francesco carnelutti. Teoria geral do direito. são Paulo: sa-raiva, 1942, p. 362 e ss., Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 18 e ss., e Emilio Bet-ti. Teoria general del negocio jurídico. 2. ed. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 166 e ss.. Todos esse autores explicam o princípio da legitimação com base na teoria da aparência. Tullio Ascarelli (Teoria geral dos títulos de cré-dito, pp. 223 e ss., notadamente na p. 230), contudo, critica a vinculação da explicação do princípio da legitimação à teo-ria da aparência, pois, conforme entende, para que se possa explicar a legitimação com base na aparência, seria necessário que o documento de legitima-ção fosse reconhecido por nor-ma legal, conclusão que “não se coadunaria com o pacífico reconhecimento da função de legitimação em muitos docu-mentos (p. ex., fichas de vestiá-rio de teatro, etc.) ignorados por qualquer disposição legal.” (op. cit., p. 231, nota 1)
59 Francesco carnelutti. Teoria geral do direito. são Paulo: sa-raiva, 1942, p. 373-374.
60 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurídico. 2. ed. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 180; e Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 19.
61 Eunápio Borges, Títulos de crédito, Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 12.
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propriedade de um título a posse de acordo com a lei de circulação. Quem as tiver aparentaráserproprietáriodotítulo,logotambémaparentarásertitulardodireito.Daíporquesedizqueélegitimadoaoexercíciododireitomencionadoemumtí-tuloquemestiverformalmenteinvestidonapossedotítuloou,emoutraspalavras,tiverapossequalificadapelaleidecirculaçãodotítulo(art.16,1ªalíneadoAnexoIdoDecretonº57.663/66;art.22daLeinº7.357/85).Daídizer-sequeostítulosde crédito são documentos de apresentação62,poissomenteaquelequeestiveremcondiçõesdeapresentá-loaodevedoréqueselegitimaráaoexercíciodaação.Porestarazão,“acópiacomum(documentoprobatório)nuncasubstituiacópiacambi-ária(documentolegitimador)”.63Somentequemtiverapossedooriginaldotítulodecréditoselegitimará,portanto,aoexercíciododireitomencionadonotítulodecrédito.
Alegitimaçãoaoexercíciododireitocartularcombasena investidura formalnapossedo títuloé,portanto,distintadahipótesede legitimaçãoordinária,emquesomenteselegitimaaoexercíciododireitoquemdemonstrarseroseutitular.Ocorre,pois,emdireitocambiário,umadissociaçãoentretitularidadeelegitima-ção,pois,conformealiçãodeWerterFaria,a“titularidadedodireitodecréditoealegitimaçãooracoincidem,oranão,poisaquelaserelacionacomapropriedadedodocumentoeesta,comaposse.Oproprietárioe,porconseqüência,titulardodireito,podecarecerdelegitimaçãoparaexigiraprestação”.64
Partedadoutrinacambiáriaentendeua legitimaçãoextraordináriaqueocorrenos títulos de crédito como um fenômeno processual em que há uma inversãodo ônus da prova65quantoàpresunçãodapresençadeboa-fé,queconduzaumapresunção de titularidade. Por isso, diz-se titularidade aparente emque há umapresunção iuris tantum atitularidade,comoqueselegitimaoportadoraoexercíciododireito.Istoquerdizerquealegitimaçãocedefaceàdemonstraçãodafaltadetitularidade.ParaTullioAscarelli,noentanto,encontrarofundamentodalegitima-çãocambiárianainversãodoônusdaprovacaptamaisoresultadopráticodotema,semevidenciarosfundamentospelosquaisainversãodoônusdaprovadecorreriada legitimação cambiária66.Éque,emverdade,ofundamentodalegitimaçãoresidenapossibilidadedeexoneraçãododevedorquepagasemfraudeouculpaaolegiti-mado,semprequeessaexoneraçãoforprevistaporlei67.
Destemodo, enquantoa regradedireito comum indicaqueodevedor,parapagarcomeficácialiberatória,deverealizaropagamentoaocredor–leia-setitu-lar–ouaquemdedireitolherepresente,nodireitocambiário,aregrainverte-se,poisbastaaodevedorpagaràquelequeaparentasertitulardodireito.Comefeito,porumlado,legitima-seativamenteaoexercíciododireitoaquelequeseencontraformalmenteinvestidonaposse,independentementedeserotitulardodireito,poroutrolado,odevedorque,deboa-fé,pagaaquemaparentarsertitular,pagacomeficácialiberatória,consoanteodispostonoart.art.40,3ªalínea,daLUGenoart.39daLeinº7.357/8568.Contudo,obancoquepagachequeendossadoporpessoajurídicadeveconferirseapessoaaquemseatribuioendossonochequetinhapo-deresprevistosnoestatutosocial,conformereiteradosarestosdoSuperiorTribunaldeJustiça69.
62 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Ja-neiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 11.
63 Werter R. Faria. Ações cambi-árias. Porto Alegre: safE, 1987, p. 12.
64 Werter R. Faria. Ações cambi-árias. Porto Alegre: safE, 1987, p. 31.
65 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 21.
66 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 228.
67 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 228 e ss.
68 REsp 60.088-MG, rel. Min. carlos Alberto Menezes Direito e REsp 21.024-PR, rel. Min. Dias Trindade.
69 REsp 280.285-sP, rel. Min. sálvio de Figueiredo Teixeira, EREsp 2080.285, rel. Min. Nancy Andrighi e REsp 171299-sc, rel. Min. sálvio de Figueiredo Teixeira.
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anexo i – eresp 280.285/sp
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA:MINISTRANANCYANDRIGHIREL.P/ACÓRDÃO:MINISTROANTÔNIODEPÁDUARIBEIROEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:GUILHERMEPIMENTADAVEIGANEVESEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS
EMENTADireitocomercialedireitoprocessualcivil.Cheque.Irregularidadedosendos-
sos.Responsabilidadedobancointercalar.DivergênciaentrejulgadosdasTurmasquecompõemaSegundaSeção.
I–Obancoapresentantedochequeàcâmaradecompensaçãotemodeverdeverificara regularidadedasucessãodosendossos.Deve,pois, tomaracauteladeexigirprovadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cópiadocontratosocialdaempresa,quandootítulofornominalapessoajurídica.
II–Embargosdedivergênciaconhecidos,masrejeitados.
ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos os autos emque são partes as acima indicadas,
acordamosMinistros da SEGUNDASEÇÃOdo SuperiorTribunal de Justiça,prosseguindonojulgamento,apósovoto-méritodoSr.MinistroCesarAsforRo-cha,rejeitandoosembargosdedivergência,ovotodoSr.MinistroAriPargendler,recebendo-os emparte,o votodoSr.MinistroCarlosAlbertoMenezesDireito,acolhendo-os,eovotodoSr.MinistroAldirPassarinhoJúnior,rejeitando-os,pormaioria,vencidososSrs.MinistrosCesarAsforRochaeAldirPassarinhoJúnior,conhecerdosembargos;nomérito,vencidosaSra.MinistraNancyAndrighieosSrs.MinistrosCastroFilho eCarlosAlbertoMenezesDireito e, emparte,oSr.MinistroAriPargendler,osrejeitar.
LavraráoacórdãooSr.MinistroAntônioePáduaRibeiro.Napreliminar,foramvotosvencedoresaSra.MinistraRelatoraeosSrs.Minis-
trosCastroFilho,AntôniodePáduaRibeiro,SálviodeFigueiredoTeixeira,RuyRosadodeAguiar,AriPargendlereCarlosAlbertoMenezesDireito.
Nomérito,foramvotosvencedoresosSrs.MinistrosAntôniodePáduaRibeiro,SálviodeFigueiredoTeixeira,CesarAsforRocha,RuyRosadodeAguiareAldirPassarinhoJúnior.
NãoparticipoudojulgamentooSr.MinistroFernandoGonçalves(art.162,§2º,doRISTJ).
Ausente,justificadamente,aSra.MinistraNancyAndrighi.Brasília,25dejunhode2003(DatadoJulgamento).MinistroAntôniodePáduaRibeiroRelator
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eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIOCuida-sedeembargosdedivergênciaemfacedeacórdãoproferidopela4ªTur-
maqueproveuorecursoespecialparareconheceraresponsabilidadedainstituiçãofinanceirapelaverificaçãodaregularidadedasériedeendossos,nostermosdoart.39daLein.7.357/85,emchequedeemissãodeterceiro,nominalàempresaFA-ZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.,quefoiendossadoirregularmenteporex-gerentedesta,emseubenefícioeemdetrimentodaempresaautora.
Aementadoacórdãoembargadofoilavradanosseguintestermos:
“DIREITOPROCESSUALCIVILECOMERCIAL.NEGATIVADEPRES-TAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. CHEQUE. ENDOSSO VICIADO.RESPONSABILIDADEDOBANCO,QUERECEBEOCHEQUEPARADE-PÓSITOSEMCONFERIRALEGITIMIDADEDOENDOSSANTE.PRECE-DENTEDATURMA.DOUTRINA.RECURSOPROVIDO.
I–Consoante jáproclamouprecedentedaTurma (REspnº171.299-SC,DJ5.10.98),oestabelecimentobancárioestádesobrigado,nostermosdalei(art.39daLeidoCheque),averificaraautenticidadedaassinaturadoendosso.Poroutrolado,todavia,talnãosignificaqueainstituiçãofinanceiraestariadispensadadeconferiraregularidadedosendossos,aíincluídaalegitimidadedoendossante.
II–Obanco,aoaceitarchequesendossados,devetomaracauteladeexigirpro-vadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cópiadocontratosocialdaempresa,quandonominalapessoajurídica.Seassimnãoseentender,estar-se-áapermitirqueterceirospossamendossaremseuprópriofavor,emmanifestolocuple-tamento indevido. ...”
AdivergênciaésuscitadacomamparonoREsp21024,Rel.Min.DiasTrindade,DJde22-06-1992enoREsp43.510,Rel.Min.CláudioSantos,DJde05-02-1996,cujasementassão,respectivamente,asseguintes:
“COMERCIAL.CHEQUE.ENDOSSO.PAGAMENTOAOPORTADOR.Oestabelecimentobancárioestadispensadodeconferiraautenticidadedaassi-
naturadeendossantedechequenominal,parapagamentoàvista,masapenasasuaregularidadeformal(art.39-lei7.357/85).”
“RESPONSABILIDADECIVIL.BANCOAPRESENTANTEDOCHEQUEACOMPENSAÇÃO.ENDOSSOFRAUDULENTO.
I.Obancoapresentantedochequeacompensaçãoestáobrigadoapenasacon-feriraregularidadedaseriedosendossos.Nãoaautenticidadedasassinaturasdosendossantes.
II.Aexigênciadeendossoempreto,nominativo,não temrelevâncianocasodosautos,considerando-sequeoschequesforamdepositadosnacontacorrentedopróprioagentefraudadordoendosso.
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III.Divergênciajurisprudencialnãocomprovada.IV.Recursoespecialnãoconhecido.”
Narraoembargante,BANCOITAÚS/A,queosacadoestáobrigadoaverificararegularidadedasériedeendossos,masnãotemodeverlegaldeanalisaraauten-ticidadedaassinaturadosendossantes,nostermosdoart.39daLein.7357/85,dianteda teoriadaaparênciacambiária;quea responsabilidadedobancoé,nostermosdaSúmulan.28/STF,pelopagamentodechequefalsooualterado,quenãoéahipóteseexaminada.
Alegaque:
“Ov.arestoembargado, todavia,põeumadistinçãoentrea ‘autenticidade’daassinaturadoendossanteeasua‘legitimidade’pararepresentar(melhordito,para‘presentar’)apessoajurídicabeneficiáriadocheque.
Emúltimaanálise,oBancoestaria,emhomenagemaoprincípiodaplenacircu-laçãodostítulosdecrédito,dispensadodaperquiriçãomenosdifícil;nãoobstante,seriaobrigadoacumprirumaexigênciabemmaisdifícileformalista!
...27.Ponderamos,noazoque:a)épraticamenteimpossívelaumbancoexigirqueosapresentantesdetaische-
ques cheguemaos seus guichêsportando, comodeterminouo v. aresto,umaviadocontratosocialoudoestatutodapessoajurídicaendossante,certamentecomaexigênciacomplementardequetaisdocumentosestejamdevidamenteautenticadosporcertificaçãotabelioa,ecertamentetambémcomaprovaatualizadadoregistrodoscontratoscomerciaisnaJuntaComercialoudosestatutosnoRegistroCivildePessoasJurídicas,maisadevidapublicaçãonaimprensaoficial.
Nãohá,cumpreconvir, formadeconsiderartaisexigênciascomocompatíveiscom a celeridade das operações bancárias de rotina e com a operacionalidade ineren-teàsordensdepagamentoàvista”.
Admitidososembargosdedivergência,oembargadoapresentousuaimpugna-çãopelarejeiçãodorecurso,invocandoparecerdeFÁBIOKONDERCOMPARA-TO,publicadonaRT531/36,noqualháaressalvadeque:
“Tratando-se,noentanto,deliquidaçãodechequepelacompensaçãobancária,aregulamentaçãoemanadadoBancoCentraldoBrasil,porforçadodispostonoart.11,VI,daLein.4.595/64,tornaresponsávelobancoremetentedochequeàcompensaçãopelavalidadeeautenticidadedoúltimoendosso.”
É o relatório.
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eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)
VOTODiscute-sesearesponsabilidadedobancoapresentantedochequeàcâmarade
compensaçãoincluiaobrigaçãodeverificaçãodeautenticidadedoúltimoendossoquandooseucorrentistanãoéindicadonochequenominal.
A controvérsia é patente, como pode ser notado pelo julgamento do AgAg381311,Rel.Min.CarlosAlbertoMenezesDireito,DJde24-09-2001,noqualécitadooREsp171.299,Rel.Min.SálviodeFigueiredoTeixeira,DJde05-10-1998,quepontuaqueadispensadeverificaçãodeautenticidadedaassinaturadoendossonãoexcluiaobservânciadaregularidadedosendossos“incluindoalegitimidadedoendossante”.
Aevoluçãodopensamentoda4ªTurma,porpartirdomesmoraciocínioinicial–dequeaverificaçãodeautenticidadedaassinaturadoendossonãoexcluiaob-servânciadaregularidadedosendossos–,jásemostraaptaaconfigurarodissensointerno,quandoavançaeinovaemconstruçãojurisprudencialnãoreconhecidaemhipótesesanteriores.Ainovaçãonalinhadepensamentoda4ªTurmaconsistirianaassertivadequeobanco,“aoaceitarchequesendossados,devetomaracauteladeexigirprovadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cópiadocontratosocial da empresa”, enquanto a Jurisprudência da 2ª Seção tem se orientadonosentidodequeoestabelecimentobancárionãoestáobrigadoaconferiraautentici-dadedaassinaturadoendossantedechequenominalparapagamentoàvista,mas,apenas,asuaregularidadeformal.
Como a única imposição legal, com amparo em iterativa Jurisprudência de ambas as Turmas do STJ, é no sentido de obrigação da instituição financeira de simples confe-rência da regularidade formal da série de endossos, o acórdão embargado que elastece a tese anterior, para reconhecer “a cautela de exigir prova da legitimidade do endossante, como, por exemplo, cópia do contrato social da empresa”, advém da avaliação de situa-ção fático-jurídica semelhante.
Dodoutovotodoi.Relatordoacórdãoembargado,consta,logoapósareferên-ciaaoart.39daLeidoCheque:
“Consagra essa regra o princípio da aparência, em favor da circulabilidade edanegociabilidadedocheque,querestariaobstaculizadosenecessáriooexamedeautenticidadeda assinatura do endosso pelo estabelecimentoperante o qual é omesmoapresentadoparasaqueoudepósito.
ATerceiraTurma,emcasosassemelhados,adotouessamesmaorientação,comosevêdasseguintesementas:
...Emsuma,oestabelecimentobancárioestádesobrigado,nostermosdaleieda
jurisprudência,averificaraautenticidadedaassinaturadoendosso.4.Poroutrolado,todavia,talnãosignificaqueainstituiçãofinanceiraestaria
dispensadadeconferir‘aregularidadedosendossos,aíincluídaalegitimidadedoendossante’.Com efeito, o banco, ao aceitar cheques endossados, deve tomar acauteladeexigirprovadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cópia
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docontratosocialdaempresa,quandonominalapessoajurídica.Seassimnãoseentender,estar-se-áapermitirqueterceirospossamendossaremseuprópriofavor,comoocorreunaespécie,emmanifestolocupletamentoindevido.”
Emquepeseasistematizaçãodeumarotinabancáriapelodoutoacórdãoem-bargado,derelevantecunhosocial,poisaptaapreveniramanipulaçãodecréditosalheios por terceiro demá-fé, fez-se uma exceção à dicção do art. 39 da Lei n.7357/85quetransferiuumaresponsabilidadenãodecorrentedaleiàsinstituiçõesfinanceiras.
Realmente, há mitigação da circulabilidade e da negociabilidade do cheque,quandoseexigeoexamedeautenticidadedaassinaturadoendossopeloestabeleci-mentoperanteoqualéomesmoapresentadoparasaqueoudepósito.Aleinãodes-tacou,nasoperaçõesdecompensaçãobancária,qualquerônusdeconferênciasejadeautenticidadesejadelegitimidadedoúltimoendossopelobancosacado(comosepontuouquedetalmododeveriasernoREsp304192,DJde25-06-2001)oupelobancoapresentante(comosediscutenahipóteseemtela).
NoREsp171.299,DJde05-10-1998,tratou-sedesituaçãoanáloga(intermediárioquenãorepassouovalordoschequesparaopagamentodedívidadoemitente),masquetambémteveentreseusfundamentosaexistênciadeóbicedaSúmulan.7/STJ.
Acontrovérsiaémesmomanifesta,tendoa3ªTurmanojulgamentodoAgAg381311,Rel.Min.CarlosAlbertoMenezesDireito,DJde24-09-2001,firmadooentendimentodequeadispensadeverificaçãodeautenticidadedaassinaturadoendossonãoexcluiaobservânciadaregularidadedosendossos,“incluindoalegiti-midadedoendossante”.Naquelaoportunidade,oTribunalestadualtambémhaviaesposadoatesedeque“paraserochequepagoàpessoaindicada-comonocasoconcretoemqueotítuloeranominalaoApelado/Autor–énecessárioqueoBancosacado–Apelante/Réu–confiranãosóaregularidadedocheque,comotambém,seapessoaqueoestárecebendo,éamesmaindicadanominalmenteouseestapes-soaindicadanominalmente,endossouocheque,conferindo-lheaassinatura”.EstatesefoirechaçadanojulgamentofeitonoAgAg381.311(nomesmosentido:REsp60.088,DJde19-05-1997).
OsaudosocomercialistaFRANMARTINS,emseu“OChequesegundoaNovaLei”,p.108,Forense,1986,jálecionavaque:
“Parapagarumchequesacadoterá,naturalmente,queverificaraassinaturadoemitenteeosacadopelaqualesteseobrigaapagaroschequesdaquele.Se,porémochequefoiendossadocabeaosacadoverificarapenasaregularidadedasucessãodosendossos,masnãoaautenticidadedasassinaturas.Oqueosacadodesejasaberéseoportadorestálegitimadonapossedotítulopararecebê-lo.Havendoumasérieregulardeendossos,cabeaosacadopagar,aodetentorlegitimadodocheque,aim-portânciadomesmo,aindaqueasassinaturasdealgunsendossantessejamfalsasoude pessoas incapazes de se obrigar...”.
Nãohádúvidasdequeoex-gerentedaembargadaFAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.estavalegitimadoareceberascártulasedarquitaçãoàqueles
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queoprocuraramparapagamentodecarnêsdeparcerianaaquisiçãodelotesdegado,e,aprincípio,eraportadorlegitimadodotítulodecrédito.Estefatonãoseconfundecomodesviodasparcelaspecuniáriasrecebidasporatoilícitodorepre-sentantecomercialautônomo,ex-gerentedaembargada,poratopessoal,queorigi-naconseqüênciasprópriasnaesferaindividualcivilepenal.
Conclui-se,pois,quenemobancosacadonemoapresentanterespondemporqualquerpagamentode cheque transferidomediante endosso falso e,damesmaforma,medianteendossoirregulardequemnãodetenhapoderesderepresentaçãodapessoa jurídica indicadanominalmente comobeneficiária.Seo endosso falsonãogeraobrigaçãode indenizarda instituiçãofinanceira,oendosso irregularoudefeituoso,queéum minusemrelaçãoaoendossofalsonãotransfereidênticares-ponsabilidade.
Fortenestasrazões,ACOLHOosembargosdedivergência.É o voto.
certidão de jUlgaMentosegUnda seção
NúmeroRegistro:2001/0122422-7ERESP 280285 / SPNúmeroOrigem:200000995207PAUTA:27/02/2002JULGADO:13/03/2002
RelatoraExma.Sra.MinistraNANCY ANDRIGHI PresidentedaSessãoExmo.Sr.MinistroBARROSMONTEIRO Subprocurador-GeraldaRepúblicaExmo.Sr.Dr.ROBERTOCASALI SecretáriaBelaHELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVA
aUtUaçãoEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:ATHOSGUSMÃOCARNEIROEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS ASSUNTO:Civil-ResponsabilidadeCivil-Indenização-AtoIlícito-Dano
Moral
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SUSTENTAÇÃO ORALSustentaramoralmente,peloembarganteeembargado,respectivamente,osDrs.
AthosGusmãoCarneiroeLuizAntônioSampaioGouveia.
CERTIDÃOCertificoqueaegrégiaSEGUNDASEÇÃOaoapreciaroprocessoemepígrafe,
emsessãorealizadanestadata,proferiuaseguintedecisão:ApósovotodaSra.Ministra-Relatora,conhecendodosembargoseosacolhen-
do,noque foiacompanhadapeloSr.MinistroCastroFilho,pediuVISTAoSr.MinistroAntôniodePáduaRibeiro.
AguardamosSrs.MinistrosSálviodeFigueiredoTeixeira,CesarAsforRocha,RuyRosado deAguiar, Ari Pargendler,Carlos AlbertoMenezesDireito e AldirPassarinhoJunior.
Oreferidoéverdade.Doufé. Brasília,13demarçode2002 HELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVASecretária
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA:MINISTRANANCYANDRIGHIEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:ATHOSGUSMÃOCARNEIROEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS
EMENTADireitocomercialedireitoprocessualcivil.Cheque.Irregularidadedosendos-
sos.Responsabilidadedobancointercalar.DivergênciaentrejulgadosdasTurmasquecompõemaSegundaSeção.
I–Obancoapresentantedochequeàcâmaradecompensaçãotemodeverdeverificara regularidadedasucessãodosendossos.Deve,pois, tomaracauteladeexigirprovadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cópiadocontratosocialdaempresa,quandootítulofornominalapessoajurídica.
II–Embargosdedivergênciaconhecidos,masrejeitados. VOTO-VISTAO EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Trata-se de
embargosdedivergênciaopostospeloBancoItaúS/AcontraacórdãodaQuartaTurma, que deu provimento ao recurso especial ajuizado pela embargada, Fa-zendasReunidasBoiGordoLtda.Estapostulouindenizaçãoemvirtudedeterobancoembarganteaceitadoodepósitodechequessemconferiraregularidadedos endossos.
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Odissídioestácaracterizado.Sobrebasesfáticassemelhantes–depósitodeche-quenominalcomendossoirregular–foramdadassoluçõesdivergentes,orapelaresponsabilidadedobanco,orapelaausênciadesta.Oacórdãoembargadoenten-deuqueobanco,adespeitodenãoterdeanalisaraautenticidadedaassinaturadosendossos,deveaveriguarseapessoaqueendossouemnomedapessoajurídicatempoderespararepresentá-la,exigindo,porexemplo,cópiadocontratosocialdaem-presa.Emnãoofazendo,responsabiliza-sepelosdanosdaíadvindos.
Os julgados colacionadospelo embargante, a seu turno, encampama tesedequeainstituiçãofinanceira,alémdenãoterdeexaminaraautenticidadedasassi-naturas,nãoestáobrigadaaverificaralegitimidadedoendossantepararepresentarapessoajurídicabeneficiáriadocheque.Obanco,portanto,nãotemobrigaçãodeindenizar.
AeminenteRelatora,MinistraNancyAndrighiacolheuosembargos,entenden-doque,“seoendossofalsonãogeraobrigaçãodeindenizardainstituiçãofinancei-ra,oendossoirregularoudefeituoso,queéum‘minus’emrelaçãoaoendossofalsonãotransfereidênticaresponsabilidade”.
Consoanteseverifica,tantonoacórdãoembargadocomonosjulgadoscolacio-nadospeloembargante,sufragou-seatesedequea instituiçãobancárianãotemodeverdeconferiraautenticidadedasassinaturasdosendossos,maslhecumpreconferiraregularidadeformaldestes.Odissenso,porém,estáemque,paraojulga-doembargado,énecessárioqueobancoverifiqueseoendossantetempoderespararepresentarapessoajurídica,sobpenadearcarcomeventuaisprejuízos,enquantoosparadigmassãonosentidodequea instituiçãofinanceiranãoprecisaexigiraprova da aludida representação.
Deacordocomoarestoembargado,osbancosnãotêmodeverdeverificaraautenticidadedaassinaturadoendossoemcheque,masnãoestãodispensadosdeconferiraregularidadedosendossos,“aíincluídaalegitimidadedoendossante”(fl.542);aoaceitarchequesendossados,“devetomaracauteladeexigirprovadalegi-timidadedoendossante,como,porexemplo,cópiadocontratosocialdaempresa,quandonominalapessoajurídica”(fl.542).
Nessecontexto,tenhoqueasoluçãoalvitradapeloacórdãoembargadoéamaisadequadaparaocasoemexame.AsseverouoRelator,MinistroSálviodeFigueiredoTeixeira,que,apesardoprincípiodaaparênciaedadesnecessidadedeverificaçãodaautenticidadedaassinaturadosendossos,ainstituiçãofinanceiranãoestádispensa-dadeconferiraregularidadedosendossos,aíincluídaalegitimidadedoendossante(fl.531).
Emverdade,tem-seque,nocasoconcreto,emmomentoalgumsequestionouaautenticidadedaassinaturadoendossante.Este,antigofuncionáriodoembargado,endossouochequenominaleodepositouemsuaprópriaconta.Opontoéincon-troverso,nãohouvefalsificaçãodeassinaturas,àsquais,portanto,nãosepodedizerfaltarautenticidade.
Ocorrequeodepositantenãotinhalegitimidadeparaendossarocheque–no-minal ao embargado–poisnão se lhehavia conferidopoderespara tanto.Ora,seaobancoembargantenãocabiaconferirseodepositantepoderiaendossarem
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nomedoembargado,emquesentido,então,sedizqueainstituiçãofinanceiradeveconferiraregularidadedosendossos?Ressalte-sequemesmonoREsp.nº43.510/SP,apontadocomoparadigma,oMinistroRelator,CláudioSantos,destacouque“obancoapresentantedochequeàcompensaçãoestáobrigadoexclusivamenteaconferiraregularidadenasériedeendossos,masnãoaautenticidadedasassinaturasdosendossantes”(fl.579).
Aassinaturadoendossanteeraautêntica,maselenãotinhalegitimidadeparaoendosso.E,conformebemdestacadonojulgadoembargado,alegitimidadedoendossanteécondiçãoparaaregularidadedosendossos.ÉcomolembramPauloSérgioRestiffeePauloRestiffeNeto:
“Oart.35daLeiUniformeestabeleceduasregrasemrelaçãoaopagamentopelosacadodechequeendossável:a)obrigaçãodeverificararegularidadedasucessãodosendossos;b)desobrigaçãodeverificaraautenticidadedaassinaturadosendossantes.Ambosforamacolhidasnoparágrafoúnicodoart.39daLei7.357.
Noprimeirocaso,cabe ao sacado constatar se o portador pode ser considerado legítimopossuidor,integradonasérieininterruptadeendossos(art.19daLeiUni-forme),eoutrosaspectospertinentesàregularidadedasucessãodosendossos,comoapossedemá-fé(art.21daLeiUniforme)”(LeidoCheque,EditoraRevistadosTribunais,4.ªedição,2000,p.244,grifei).
Otrechoserefereaobancosacado,masseaplicatambémaobancointercalar,casodoembargante.Assim,“seosacadonãotemaobrigaçãodeverificaraauten-ticidadedaassinaturadosendossantes,está,entretanto,obrigadoaverificararegu-laridadedasucessãodosendossos.Idem,obancoapresentante”(Ob. cit.).Sequemendossounãopodiafazê-lo,équebradaasériedeendossos.
Ressalte-sequetalentendimentonãoéinfirmadopelofatode,nocasoconcreto,terexistidoapenasumendosso.Houvessemmaisendossos,asérieseria irregulardesde o princípio.
Alémdisso,comadevidavênia,pensoquenãosetratadeconsideraroendossoirregular um minusemrelaçãoaoendossofalso.TalcomoentendeuaRelatora,seoendossofalsonãoensejaodeverdobancodeindenizarosprejudicados,oendossoirregular também não ensejaria.
Ocorrequeodeverdeverificararegularidadedosendossoséimposiçãolegal,aopassoqueaanálisedaautenticidadedasassinaturaséônusquealeinãoim-pôs à instituiçãofinanceira.Enão impôsporquenãopossuindoo sacado–ouapresentante–“afichadefirmadequemnãosejaseucliente,nãopodeverificaraautenticidadedaassinaturae,conseqüentemente,responderporeventualinauten-ticidade”(Ob.cit.).
Ademais,aindaquesesustentearesponsabilidadedopróprioembargadopelosatosdeseupreposto,tem-seque,nocaso,acausadeterminantedosprejuízosale-gadosdecorredeatodobancoembargante.RelevanteaobservaçãodoMinistroAldirPassarinho,emvoto-vogalnoacórdãoembargado:Seopreposto“assinouosdepósitospelasFazendasReunidasBoiGordoedepositounaprópriaconta,issoé
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umprocedimentoinusuale,defato,caberiaaoBanco,pelomenos,levantaressaquestãodaverificação”(fl.540).
Anteoexposto,emconclusão,conheçodosembargosdedivergência,masosrejeito.
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)
VOTOO SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: PeçovêniaàMinistra-RelatoraeaoMinistroCastroFilhoparaacompanharadi-
vergênciainiciadapeloMinistroAntôniodePáduaRibeiro,nosentidodeconhecerdosembargos,masrejeitá-los,nostermosdovotoqueproferiquandodaapreciaçãodorecursoespecial,acórdãooraembargado,nestestermos:
“3.Asinstânciasordinárias,combasenoart.39daLeidoCheque,entenderamqueobancocobradorouapresentante,nocasoorecorrido,estariaimunederespon-sabilidade,porquantoaelenãocompetiriaverificaraautenticidadedaassinaturadoendossanteapostanascártulas.Apropósito,dispõereferidanorma:
‘Art.39.Osacadoquepagaochequeàordeméobrigadoaverificararegularidadedasériedeendossos,masnãoaautenticidadedasassinaturasdosendossantes.Ames-maobrigaçãoincumbeaobancoapresentantedochequeàCâmaradeCompensação.
Parágrafoúnico.Ressalvadaaresponsabilidadedoapresentante,nocasodapartefinaldesteartigo,obancosacadorespondepelopagamentodochequefalso,falsifi-cadooualterado,salvodoloouculpadocorrentista,doendossanteoudobeneficiá-rio,dosquaispoderáosacado,notodoouemparte,reaveroquepagou’.”
Consagraessaregraoprincípiodaaparência,emfavordacirculabilidadeedanegociabilidadedocheque,querestariaobstaculizadosenecessáriooexamedeau-tenticidadedaassinaturadoendossopeloestabelecimentoperanteoqualéomes-moapresentadoparasaqueoudepósito.
ATerceiraTurma,emcasosassemelhados,adotouessamesmaorientação,comosevêdasseguintesementas:
“Comercial.Cheque.Endosso.Pagamentoaoportador.Oestabelecimentobancárioestádispensadodeconferiraautenticidadedaas-
sinaturadoendossantedechequenominal,parapagamentoàvista,masapenasasuaregularidadeformal(art.39–Lei7.357/85)”(REspn.21.024-PR,DJ22.6.92,relator: Ministro Dias Trindade)
“1.NaformadeprecedentesdaCorte,oestabelecimentobancárionãoestáobri-gadoaconferiraautenticidadedaassinaturadoendossantedechequenominalparapagamentoàvista,mas,apenas,asuaregularidadeformal”(REspn.60.088-MG,DJ19.5.97,relator:MinistroMenezes Direito).
“Responsabilidadecivil.Bancoapresentantedochequeàcompensação.Endossofraudulento.
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I.Obancoapresentantedochequeàcompensaçãoestáobrigadoapenasacon-feriraregularidadedasériedosendossos.Nãoaautenticidadedasassinaturasdosendossantes”(REspn.43.510-SP,DJ5.2.96,relator:MinistroCláudio Santos).
Emsuma,oestabelecimentobancárioestádesobrigado,nostermosdaleiedajurisprudência,averificaraautenticidadedaassinaturadoendosso.
4.Poroutrolado,todavia,talnãosignificaqueainstituiçãofinanceiraestariadis-pensadadeconferiraregularidadedosendossos,aíincluídaalegitimidadedoendos-sante.Comefeito,obanco,aoaceitarchequesendossados,devetomaracauteladeexigirprovadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cópiadocontratosocialdaempresa,quandonominalapessoajurídica.Seassimnãoseentender,estar-se-áapermitirqueterceirospossamendossaremseuprópriofavor,comoocorreunaespécie,emmanifestolocupletamentoindevido.”
Emcasosemelhante,estaTurma,nojulgamentodoREspn.171.299-SC(DJ5.10.98),teveoportunidadedeementar:
“I–Oestabelecimentobancárioestádesobrigado,nostermosdalei(art.39daLeidoCheque),averificaraautenticidadedaassinaturadoendosso.Entretanto,talnãosignifica,porsisó,queestariaainstituiçãofinanceiradispensadadeconferiraprópriaregularidadedosendossos,incluindoalegitimidadedoendossante”.
Naocasião,comorelator,adoteicomorazãodedecidirosfundamentoslançadosnasinstânciasordinárias,assimredigidos:
“Fácilperceber,queoapelanteacreditaestarimunedetodaequalquerresponsa-bilidade,porquantoaelenãocompetiaverificaraautenticidadedaassinaturaapos-tas na cártulas.
Todavia,nomeusentir,nãosetratavadeverificarseautênticasasfirmas,mas,sim,seoportadordotítulodispunhadepoderesparaendossá-lo.Ora,senominaisoscheques,oendossosópoderiaserfeitopelobeneficiário,in casu,pelaProjesul,oupor seu representante legal.
Hánormalegalnosentidodequeochequenominativocomcláusulaàordem,somenteétransmissívelporviadeendossodapessoaindicadaaquemdevaserpago(Lein.2.591,art.3º).TambémoproclamaaLeiUniformerelativaaocheque,emseu art. 14 e seguintes.
(...)Certoéqueobroucommanifestanegligênciaorecorrente,aoaceitaroendosso
dochequepeloportador,quandoessenãopoderiafazê-lo,poisochequenãoeraaelenominal,tampoucodetinhamandatoexpressoparatanto.Enemsedigadaexistênciadeummandato tácito,pois ainda assim,nãopoderiaobanco agirdomodocomoagiu.Bemanotouadignasentencianteaosalientarque‘éinadmissívelqueainstituiçãofinanceiradescontechequesnominaisaempresas,indevidamenteendossados,apenasporqueoendossatárioeraintermediáriodestas’.
(...).
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Demonstradaaexistênciadoscheques,écorretodizer-sequeoBancoopagouapessoaquenãoeraolegítimobeneficiário.Permitiu-se,naverdadeoendossodecártulaporquemnãotinhalegitimidadeparatanto,assimcomoodepósitonacontadequemaportava”.
OSupremoTribunalFederal,mutatis mutandis,decidiudamesmaforma,aoas-sentarque“quempaganãoéobrigadoaverificaraautenticidadedosendossos,salvoodoúltimo”(RE88.030-RJ,DJ9.5.80,relatoroMinistroDécio Miranda).
Adoutrinanãoéabundantenotema.Nela,noentanto,Paulo Sérgio Restiffe e Paulo Restiffe Neto,emcomentáriosaoreferidoartigo,ensinam:
“Oart.35daLeiUniformeestabeleceduasregrasemrelaçãoaopagamentopelosacadodechequeendossável:a)obrigaçãodeverificararegularidadedasucessãodosendossos;b)desobrigaçãodeverificaraautenticidadedaassinaturadosendossantes.Ambosforamacolhidasnoparágrafoúnicodoart.39daLei7.357.
Noprimeirocaso,cabeaosacadoconstatarseoportadorpodeserconsideradolegítimopossuidor,integradonasérieininterruptadeendossos(art.19daLeiUni-forme),eoutrosaspectospertinentesàregularidadedasucessãodosendossos,comoapossedemá-fé(art.21daLeiUniforme).
Nosegundocaso,nãopossuindoosacadoafichadefirmadequemnãosejaseucliente,nãopodeverificaraautenticidadedaassinaturae,conseqüentemente,res-ponderporeventualinautenticidade.Mesmoporqueoendossoéfatodopassadonavidadocheque,noqualosacadonãotevenenhumainterferência.
MasnadadisseaLeiUniformequantoaigualresponsabilidadedobancoapre-sentante(ouintercalar,oucobrador).FoiaLei7.357/85queaestendeunapartefinal do caputdoart.39: ‘amesmaobrigaçãoincumbeaobancoapresentantedochequeàcâmaradecompensação’,impondo-lhe,outrossim,responsabilidade(iníciodoparágrafoúnicodomesmoart.39).”
FábioKonderComparato,notema,emparecerpublicadonaRT531/36,aoresponderasperguntasformuladosnaconsulta,porsuavez,anotou:
“Emconclusão,examinadaaquestãoàluzdosdispositivosprópriosdoDireitoBancário,nãoháporquerecusararesponsabilidadedobancoremetentedochequeàcompensaçãopelafalsidadedoendosso.E,aindaqueseafastasseaaplicaçãodoDireitoBancário,naespécie,teríamosque,peranteoDireitocomumdaresponsa-bilidadecivil,houveculpadobanconoacolhimentodotítuloemcontadodepo-sitante.
Istoposto,passoaresponderaosquesitosformuladosnaconsulta.1.OendossofeitoaobancoY,emboracontendoocometimentoaobancode
creditarovalordochequeemdeterminadaconta,nãoconfigura,nadisciplinalegaldocheque,oúltimoendosso?
Sim,poisaremessadechequesàcompensaçãobancária,comoexplicado,éfeitasemendosso,deacordocomasnormasestabelecidaspeloBancoCentraldoBrasil.
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2.Nãoestáobancoobrigadoaverificaraautenticidadedoúltimoendosso?ODireitobrasileiro,seguindoosistemadaLeiUniformedeGenebra,nãoimpõe
aobancosacadoodeverdeverificaraautenticidadedosendossos,nocheque.Trata-sedenormaprópriadeDireitoCambiário,quenãoexclui,comoéóbvio,aaplica-çãodoDireitocomumdaresponsabilidadecivilcomculpaprovada.Tratando-se,noentanto,deliquidaçãodechequepelacompensaçãobancária,aregulamentaçãoemanadadoBancoCentraldoBrasil,porforçadodispostonoart.11,VI,daLei4.595/64,tornaresponsávelobancoremetentedochequeàcompensaçãopelavali-dadeeautenticidadedoúltimoendosso.
3.Nocasoderespostasafirmativasàsperguntasanteriores,nãoseconfigura,nahipóteseemexame,aresponsabilidadecivildobancoY,cujanegligência,deixandodeapuraraautenticidadedoendosso,acarretouaoemitenteaobrigação,deindeni-zarabeneficiáriadocheque?
Nocaso,houve,ameuver,culpaprofissionaldobancoquerecebeuochequeparacréditoemcontadofalsário,pelaausênciadasprecauçõeselementaresnaveri-ficaçãodaautenticidadedoendossodacompanhiatomadoradotítulo.
Éóbvioque,tendohavidodesviodochequeemitidopelaconsulente,deixoueledeservircomoinstrumentodepagamentodacompanhiaindicadacomobeneficiá-ria;oqueobrigouaconsulenteanovodesembolsoparaessepagamento.
Emconseqüência,apretensãoindenizatórianãopodeserafastada,emtese”.
Aindanoplanodoutrinário,édeanotar-sequeoparadigmacolacionouposiçãodeLauroMunizBarreto,segundoaqual“nasoperaçõesdecompensaçãoosbancoscobradores verificarão, sob sua responsabilidade, a identidadedobeneficiárioouúltimoendossante”(Direito Bancário,Liv.UniversitáriadeDireito,1975,p.310).
Earecorrenteaindailustrousuasrazõescomaliçãoquesesegue:
“Obanqueiro,aquemochequeécruzado,deveteremconsideração,queoche-queentregueparacobrançatalveznãopertençaaoportador,que,porexemplo,podeseropresidentedeumasociedade,afavordequemfoiemitidoocheque,aocréditodecujacontadeve,nestecaso,serlevadoorecebimento.Omesmo,énocasodopor-tadorfigurarnochequecomomembrodeumafirmasocial,aquemessepertence.
Obanqueiro,quehajatomadotodasasprecauçõesconcernentesàvalidadeex-trínsecadotítuloeàlegitimaçãodoseupossuidor,nãopodeserprejudicado,nematingido,pelosprejuízosdecorrentesdemodoirregular,fraudulentoouclandestino,peloqualopossuidor,ouumdeseusantecessoresotenhaadquirido”(Manuel do Banqueiro,1919,ThiersVellozo,TypographiaBaptistadeSouza,página241).
Ademais,pertinenteateoriadoriscoempresarial,jáqueobanco,atravésdesuaatividade,colheproveitoseconômicos,peloquedeveresponderpelosriscosassumi-dos,comoobservaMárciaReginaFrigeri:
“Obanco representaumaempresaespecializada,que sededicaàprestaçãodeserviçosmedianteremuneraçãoadequada.
50FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Aorganizaçãoecapacidadetécnicadosbancososdistanciadosclientes,quesãoleigosedesconhecedoresdessefuncionamentoadministrativointerno.Destarte,im-portaestatuirumaresponsabilidademaioraosbanqueiros,baseadanateoriadoriscoempresarial,tambémconhecidapor‘culpadeserviço’.
AteoriadoriscoprofissionaltememJosserandeSalleilesseusprecursores.Duassãoascircunstânciasdateoriadoriscoprofissionalqueimpelemobanco
àreparaçãododanoindependentementedeculpa:a)previsão legal;b)quandoobanco,autordodano,atravésdesuaatividade,criaumriscomaiorparaterceiros.
Acolhidooriscoempresarial,obanqueiro,queretiraproveitodosriscoscriados,devearcarcomasconseqüênciasde sua ilicitude.Comisso,avítima libera-sedaprovadasubjetividade,poisquenãosequestionaodoloouaculpadobanco”(Res-ponsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários,Forense,p.9)
Maisadiante,tratandoespecificamentedaresponsabilidadedainstituiçãofinan-ceirapelopagamentodechequesfalsosefalsificados,assinalaareferidaAdvogadagaúcha:
“Éateoriapelaqualsepresumearesponsabilidadedoestabelecimentodecré-dito.
A propósito são apontados diversos argumentos neste sentido.a)Foiobancoenãoocorrentistaqueminventouosistemadechequee,portan-
to,nãopodetransferiraoproprietáriodotalonárioosefeitosdanososdesseinstru-mento,queéobrasua.
b)Obancoéinstituiçãopoderosa,queextrailucrocomosistemadecheques.Ademais,obancosóentregatalãodechequesaoclientedesdequeesteefetueumdepósito preliminar ou firme um contrato de abertura de crédito.
c)Avantageméparaoprópriobanco,poisestabelecidaaresponsabilidadedosacado,aconfiançaneledepositadaficaráacrescida.
d)Asomadechequesviciados,namassageraldoschequesdiariamentepagospelobanco,éinsignificante,demodoqueoprejuízosofridopelaempresabancária,comindevidopagamentodessescheques,representaumamodestacifranocômputodeseuslucros,oqueparaosparticularespoderiaserumdesastre”(ob.cit,p.34).
Éderegistrar-se,porfim,que,nostermosdoparágrafoúnicodoart.39daLeideCheque,obancopodereaverdobeneficiário,quandopresenteculpaoudolodeste,comonocaso,opagamentoqueefetuouindevidamente.
5.Emfacedoexposto,conheço do recurso e dou-lhe provimento para julgar procedenteopedidoindenizatório,condenandooréu,orarecorrido,aopagamentodoschequesdesviadosdaautorapeloseuantigofuncionário,indevidamentepagosecompensados,tudoaserapuradoemliquidaçãodesentençaporartigos.
Despesasprocessuaisehonoráriosadvocatíciosacargodoréu,fixadosestesem10%(dezporcento)sobreovalordacondenaçãofinal,nostermosdo§3ºdoart.20,CPC.
51FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
CERTIDÃODEJULGAMENTOSEGUNDA SEÇÃONúmeroRegistro:2001/0122422-7ERESP 280285 / SPNúmeroOrigem:200000995207PAUTA:27/02/2002JULGADO:26/06/2002
RelatoraExma.Sra.MinistraNANCY ANDRIGHIPresidentedaSessãoExmo.Sr.MinistroBARROSMONTEIROSubprocurador-GeraldaRepúblicaExmo.Sr.Dr.FRANCISCOADALBERTONÓBREGASecretáriaBelaHELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVA AUTUAÇÃOEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:ATHOSGUSMÃOCARNEIROEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS ASSUNTO:Civil-ResponsabilidadeCivil-Indenização-AtoIlícito-Dano
Moral CERTIDÃOCertificoqueaegrégiaSEGUNDASEÇÃO,aoapreciaroprocessoemepígrafe
nasessãorealizadanestadata,proferiuaseguintedecisão:Prosseguindonojulgamento,apósosvotosdosSrs.MinistrosAntôniodePádua
RibeiroeSálviodeFigueiredoTeixeira,conhecendodosembargosmasosrejeitan-do,pediuVISTAoSr.MinistroCesarAsforRocha.
AguardamosSrs.MinistrosRuyRosadodeAguiar,AriPargendler,CarlosAl-bertoMenezesDireitoeAldirPassarinhoJunior.
Oreferidoéverdade.Doufé. Brasília,26dejunhode2002 HELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVASecretária
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)
EMENTAEMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DISSÍDIO NÃO CARACTERIZADO.
52FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Distintasasbasesfáticas,nãoseconfiguradivergênciaautorizativadosembargos.Embargosdedivergêncianãoconhecidos. VOTO-VISTA(PRELIMINAR)VENCIDOEXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:ÉocasoemqueasFazen-
das Reunidas Boi Gordo Ltda. reclamam indenização do Banco Itaú por ter aceitado odepósitodechequessemconferiraregularidadedosendossos.
Ov.acórdãoembargado,darelatoriadoeminenteMinistroSálvio de Figueire-do Teixeira,concluiupelaresponsabilidadedobanco,dadoodeverdeaveriguarseoendossante,emnomedapessoajurídica,teriapoderespararepresentá-la.
Aem.Relatora,MinistraNancy Andrighi,votoupeloacolhimentodosembar-gos,noquefoiacompanhadapeloem.MinistroCastro Filho,aduzindoque,“seendossofalsonãogeraobrigaçãodeindenizardainstituiçãofinanceira,oendossoirregularoudefeituoso,queéum‘minus’emrelaçãoaoendossofalsonãotransfereidênticaresponsabilidade”.
O em. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, em judicioso, comodehábito,voto-vista,divergiu,rejeitandoosembargos.Assimtambémoem.MinistroSálvio de Figueiredo Teixeira.
Pedivistaparamelhorrefletirsobreacontrovérsia.Sr. Presidente, tenho paramimque é cabível questionarmos sobre a questão
doconhecimentodosembargosdedivergência.Équeestahipóteseguardaumapeculiaridade.Nocaso,ochequeeranominalàpessoajurídica,nãofoi,porém,de-positadonacontadesta,masnadoprópriofuncionárioendossante,quenãotinhapoderes para o endosso.
Parece-mequeosacórdãostrazidosàcomprovaçãodadivergêncianãoguardamtalespecificidade.EssafoiamotivaçãodestacadapeloSr.MinistroAldirPassarinhoaoproferirvotovogalnojulgamentodorecursoespecial,quandoS.Exa.sedisseimpressionadoporessascircunstâncias.Ecreioqueéexatamenteessaparticulari-dadequeconduziuaTurmaavotarnosentidodeatribuiraresponsabilidadeaoBanco.
PeçolicençaaoeminentePresidenteparalevantaressapreliminardenãoconhe-cimentodosembargos,pornãoestarconfiguradoodissídio,poisasbasesfáticassão distintas.
certidão de jUlgaMento
SEGUNDASEÇÃONúmeroRegistro:2001/0122422-7ERESP 280285 / SPNúmeroOrigem:200000995207PAUTA:27/02/2002JULGADO:12/03/2003
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TíTulOs DE cRéDITO
RelatoraExma.Sra.MinistraNANCY ANDRIGHI
PresidentedaSessãoExmo.Sr.MinistroBARROSMONTEIRO
Subprocurador-GeraldaRepúblicaExmo.Sr.Dr.FRANCISCOADALBERTONÓBREGA
SecretáriaBela.HELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVA
aUtUaçãoEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:GUILHERMEPIMENTADAVEIGANEVESEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS ASSUNTO:Civil–ResponsabilidadeCivil–Indenização–AtoIlícito–Dano
Moral CERTIDÃOCertificoqueaegrégiaSEGUNDASEÇÃO,aoapreciaroprocessoemepígrafe
nasessãorealizadanestadata,proferiuaseguintedecisão:Prosseguindonojulgamento,apósovoto-vistadoSr.MinistroCesarAsforRo-
cha,suscitandopreliminardenãoconhecimentodosembargosdedivergência,eovotodaSra.Ministra-Relatora,mantendoposiçãoanterior,pediuVISTAoSr.MinistroCastroFilho.
Aguardam,quantoàpreliminar,osSrs.MinistrosAntôniodePáduaRibeiro,SálviodeFigueiredoTeixeira,RuyRosadodeAguiar,AriPargendlereCarlosAl-berto Menezes Direito.
Ausente,ocasionalmente,oSr.MinistroAldirPassarinhoJunior.Oreferidoéverdade.Doufé. Brasília,12demarçode2003HELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVASecretária
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA:MINISTRANANCYANDRIGHIEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:GUILHERMEPIMENTADAVEIGANEVESEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS
54FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
VOTO-VISTAO EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO: Trata-se de embargos de di-
vergênciaopostosporBANCOITAÚS/AcontraacórdãoproferidopelaQuartaTurma, relatorMinistro Sálvio de FigueiredoTeixeira, assim ementado, no queinteressa:
“DIREITOPROCESSUALCIVILECOMERCIAL.NEGATIVADEPRES-TAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. CHEQUE. ENDOSSO VICIADO.RESPONSABILIDADEDOBANCO,QUERECEBEOCHEQUEPARADE-PÓSITOSEMCONFERIRALEGITIMIDADEDOENDOSSANTE.PRECE-DENTEDATURMA.DOUTRINA.RECURSOPROVIDO.
I–ConsoantejáproclamouprecedentedaTurma(REsp.n.º171.299-SC,DJ5.10/98),oestabelecimentobancárioestádesobrigado,nostermosdalei(art.39daLeidoCheque),averificaraautenticidadedaassinaturadoendosso.Poroutrolado,todavia,talnãosignificaqueainstituiçãofinanceiraestariadispensadadeconferiraregularidadedosendossos,aíincluídaalegitimidadedoendossante.
II–Obanco,aoaceitarchequesendossados,devetomaracauteladeexigirpro-vadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cópiadocontratosocialdaempresa,quandonominalapessoajurídica.Seassimnãoseentender,estar-se-áapermitirqueterceirospossamendossaremseuprópriofavor,emmanifestolocuple-tamento indevido.
III–omissis.”
AsseveraoembargantequeoentendimentosupradissentiudosprecedentesdaTerceiraTurmadestaCorte–REsp’snºs21.024/PR,relatorMinistroDiasTrindade(DJde22/06/92),e43.510/SP,relatorMinistroCláudioSantos(DJde05/02/96)–,quedispuseram,emsíntese,queobancoapresentantedochequeacompensaçãonãoestáobrigadoaconferiraautenticidadedasassinaturasdosendossantes,mas,tão-somente,aregularidadedasériedeendossos.
Eeminenterelatora,MinistraNancyAndrighi,nasessãode13/03/2002,conhe-ceueproveuosembargos,concluindo,emseuvoto“quenemobancosacadonemoapresentanterespondemporqualquerpagamentodechequetransferidomedianteendossofalsoe,damesmaforma,medianteendossoirregulardequemnãodetenhapoderes de representação da pessoa jurídica indicada nominalmente como benefici-ária.Seoendossofalsonãogeraobrigaçãodeindenizaçãodainstituiçãofinanceira,oendossoirregularoudefeituoso,queéum‘minus’emrelaçãoaoendossofalsonãotransfereidênticaresponsabilidade”.
Naoportunidade,voteiacompanhandoarelatora,tendooMinistroAntôniodePáduaRibeiropedidovistadosautos.
Aoproferirseuvoto,suaExa.conheceudosembargos,masdivergiuquantoaomérito,tecendoasseguintesconsiderações:
“...tenhoqueasoluçãoalvitradapeloacórdãoembargadoéamaisadequadaparaocasoemexame.AsseverouoRelator,MinistroSálviodeFigueiredoTeixeira,que,
55FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
apesardoprincípiodaaparênciaedadesnecessidadedeverificaçãodaautenticidadedaassinaturadosendossos,ainstituiçãofinanceiranãoestádispensadadeconferiraregularidadedosendossos,aíincluídaalegitimidadedoendossante(fl.531).
...................................................................................................Ocorrequeodepositantenãotinhalegitimidadeparaendossarocheque–no-
minal ao embargado – pois não se lhe havia conferido poderes para tanto.Ora,seaobancoembargantenãocabiaconferir seodepositantepoderiaendossaremnomedoembargado,emquesentido,então,sedizqueainstituiçãofinanceiradeveconferiraregularidadedosendossos?Ressalte-sequemesmonoREsp.n.º43.510/SP,apontadocomoparadigma,oMinistroRelator,CláudioSantos,destacouque‘obancoapresentantedochequeàcompensaçãoestáobrigadoexclusivamenteaconfe-riraregularidadenasériedeendossos,masnãoaautenticidadedasassinaturasdosendossantes’(fl.579).
Aassinaturadoendossanteeraautêntica,maselenão tinha legitimidadeparaoendosso.E,conformebemdestacadono julgadoembargado,a legitimidadedoendossante é condição para a regularidade dos endossos.”
...............................................................................................“Ocorrequeodeverdeverificararegularidadedosendossoséimposiçãolegal,
aopassoqueaanálisedaautenticidadedasassinaturaséônusquealeinãoimpôsàinstituição financeira.”
.................................................................................................“RelevanteaobservaçãodoMinistroAldirPassarinho,emvoto-vogalnoacórdão
embargado:Seopreposto‘assinouosdepósitospelasFazendasReunidasBoiGordoedepositounaprópriaconta,issoéumprocedimentoinusuale,defato,caberiaaoBanco,pelomenos,levantaressaquestãodaverificação’(fl.540).
Anteo exposto, emconclusão, conheçodos embargosdedivergência,masosrejeito.”
O Ministro Sálvio de Figueiredo votou ratificando seu entendimento. Na oca-sião,solicitouvistaoMinistroCésarAsforRochaque,conquantotenhavotadopelarejeiçãodosembargos,naesteiradosvotosdissidentes,levantoupreliminardenãoconhecimentodorecurso,argumentandoque,nocasodosautos,existepeculiaridadequeparecetercontribuídoparaasoluçãoalvitrada,qualseja,ofatodeochequesernominalàpessoajurídicaetersidodepositadonacontadoendossante,quenãotinhapoderesparaoendosso,circunstânciaausentenosarestostrazidoscomoparadigmas.
Emrazãodessapreliminar,soliciteivistadosautos,paraconferirasimilitudedoscasosconfrontados.
Entendoque,in casu, datavenia, estáconfiguradaadivergência.Noprimeiroacórdão–REsp.n.º21.024/PR-,cuidava-sedeaçãodeindeniza-
çãopropostapelaEmpresadeTransportesAtlântidaLtda.contraomesmoBancoItaúS/A,ochequetambémeranominalàpessoajurídica,edovotodorelator,Mi-nistroDiasTrindade,constouaafirmaçãodeque“nãocabiaaobancoexigirprovadequeautorizadaapessoaqueassinouapraticaroendosso,porquantodispensadodeconferiraprópriaassinatura...”(fl.574).
56FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Nosegundoparadigma–REsp.43.510/SP–,oendossofraudulentofoifeitoporex-empregadodaempresaautora, emchequesadministrativosemitidospeloBancoGeraldoComércioLtda.,depositadosnacontacorrentepessoaldoendos-sante.Norecursoespecialdiscutia-seexatamenteaco-responsabilidadedobanco,porpermitirqueoempregado“depositasseoschequesemsuaagênciasemexigircomprovantedequetinhapoderesparaassinaroendossocomorepresentantedaempresaemcujonomeseencontravaocheque”(fl.577).
Portanto,bemcaracterizadaadivergênciaentreashipótesesconfrontadas,co-nheçodosembargos.
É como voto.MINISTROCASTROFILHO
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA:MINISTRANANCYANDRIGHIEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:GUILHERMEPIMENTADAVEIGANEVESEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS
VOTO-PRELIMINAREXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO:Sr.Presidente,
conheçodosembargos.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 280.285 - SP (2001/0122422-7)
PRELIMINAR SUSCITADA VOTO-VENCIDO EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente,
peçovêniaparadivergir.Lembro-me,nitidamente,do julgamento,e,naTurma,oSr.MinistroBarrosMonteiroeeunosfixamosnocomportamentoenasituaçãodorepresentantedaempresa,que,recebendovárioscheques,depositava-osemsuaprópria conta bancária.
Naocasião,foidestacadaapeculiaridadedeeledepositaroschequesnaprópriaconta.Seacircunstânciafático-jurídicanãoforamesma,nãohácomosediscutiratese,porque,evidentemente,oDireitoaplicadoserádiferente.OqueponderoestádestacadonosvotosdoSr.MinistroBarrosMonteiroenomeu.DisseoSr.MinistroBarrosMonteiro:
“Sr.Presidente,omeuvotoétambémnessesentido,atéporque,nestecasoespe-cífico,comooschequesforamemitidosnominaisàordemdasFazendasReunidas,normalmentedeveriamserdepositadosnacontadelaenãonadofuncionário.”
57FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Penso,então,quehouvefalhadobancoemnãoperquerirarespeitodaeventualirregularidade nesse passo. O meu voto diz o mesmo em relação a isso. Não se dis-cute,emsi,seateseteriaounãoqueverificaraseqüênciadeendosso.
Osembargosdedivergênciasãoparafirmartesedentrodesituaçõesidênticascomsoluçõesdiversas,oque,nocaso,nãomepareceestarcaracterizado.
Peçovêniaparanãoconhecerdosembargos.
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA:MINISTRANANCYANDRIGHIEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:GUILHERMEPIMENTADAVEIGANEVESEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS 2ªSeção11-06-2003 VOTO-MÉRITO ANTECIPADO O MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr.Presidente,acompanhoovotodoSr.MinistroSálviodeFigueiredo,conhe-
cendodosembargosdedivergência,masrejeitando-ospelasrazõesexpostasnovotodaQuartaTurma,referidopeloSr.MinistroAldirPassarinhoJunior.
CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEGUNDA SEÇÃONúmeroRegistro:2001/0122422-7ERESP 280285 / SPNúmeroOrigem:200000995207PAUTA:27/02/2002JULGADO:11/06/2003
RelatoraExma.Sra.MinistraNANCY ANDRIGHI
PresidentedaSessãoExmo.Sr.MinistroBARROSMONTEIRO
Subprocurador-GeraldaRepúblicaExmo.Sr.Dr.FRANCISCOADALBERTONÓBREGA SecretáriaBela.HELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVA
58FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
AUTUAÇÃOEMBARGANTE:BANCOITAÚS/AADVOGADO:GUILHERMEPIMENTADAVEIGANEVESEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTÔNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS
ASSUNTO:Civil–ResponsabilidadeCivil–Indenização–AtoIlícito–DanoMoral
CERTIDÃOCertificoqueaegrégiaSEGUNDASEÇÃO,aoapreciaroprocessoemepígrafe
nasessãorealizadanestadata,proferiuaseguintedecisão:Prosseguindono julgamento, apóso voto-vistadoSr.MinistroCastroFilho,
conhecendodosembargosdedivergência,noquefoiacompanhadopelosSrs.Mi-nistrosAntôniodePáduaRibeiro,SálviodeFigueiredoTeixeira,RuyRosadodeAguiar,Ari Pargendler eCarlosAlbertoMenezesDireito, a Seção, pormaioria,vencidososSrs.MinistrosCesarAsforRochaeAldirPassarinhoJunior,conheceudosembargos.Emseguida,foicolhidoovoto-méritoantecipadodoSr.MinistroRuyRosadodeAguiarque,acompanhandoosvotosdosSrs.MinistrosAntôniodePáduaRibeiroeSálviodeFigueiredoTeixeira,rejeitouosembargosdedivergência.FoideterminadaaremessadosautosaoSr.MinistroCesarAsforRochaparaprepa-rarseuvotoquantoaomérito.
AguardamosSrs.MinistrosAriPargendler,CarlosAlbertoMenezesDireitoeAldirPassarinhoJunior.
Oreferidoéverdade.Doufé.Brasília,11dejunhode2003HELENAMARIAANTUNESDEOLIVEIRAESILVASecretária
eMbargos de diVergÊncia eM resp nº 280.285 - sp (2001/0122422-7)
EMENTAEMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO BANCO.
CHEQUE. ENDOSSO IRREGULAR. ILEGITIMIDADE DO ENDOSSAN-TE. EMBARGOS CONHECIDOS, MAS REJEITADOS.
VOTO-VISTAEXMO. SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Superada a preliminar de
nãoconhecimentodosembargos,lembroque,nocaso,asFazendas Reunidas Boi Gordo Ltda. reclamam indenização do Banco Itaú por ter aceitado o depósito de chequessemconferiraregularidadedosendossos.
Ov.acórdãoembargado,darelatoriadoeminenteMinistroSálvio de Figueire-do Teixeira,concluiupelaresponsabilidadedobanco,dadoodeverdeaveriguarseoendossante,emnomedapessoajurídica,teriapoderespararepresentá-la.
59FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Estouconvencidodesseentendimento,data venia. Alegitimidadedoendossanteécondiçãoparaaregularidadedoendosso,eaveri-
ficaçãodesta,ateordoartigo35daLeiUniforme,cabeaosacado,mas,porexpressaressalvadapróprialei,nãoquantoàautenticidadedaassinaturadoendossante.
Nocaso,ochequeeranominalàpessoajurídica,nãofoi,porém,depositadonacontadesta,masnadoprópriofuncionárioendossante,quenãotinhapoderesparaoendosso.Daíafaltadobanco.
Comessasbrevesconsideraçõeserenovadavênia,votopelarejeiçãodosembargos.
60FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
aula 6: a solidariedade caMBiária
objetiVos pedagógicos da aUla 6
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasAvaliar o impacto prático da solidariedade cambiária sobre os mecanismos eco-
nômicosdefinanciamentodaempresa.Compararosdiferentesmecanismosdere-gulação da solidariedade passiva.
c) conteúdos
A solidariedade cambiária1.1.Asolidariedadecambiária.Reforçodegarantiasoutorgadosaoportador–o
endossocomogarantia(art.15daLUG).Asdeclaraçõescambiáriascomofontesde obrigações.
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leitura prévia de Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. 34, §§3.853.
pergUntas preparatórias
Comoseregulaasolidariedadecambiária?Qualadiferençaentreasolidariedadecomum de direito civil e a solidariedade cambiária?
Metodologia da aUla
Aula expositiva e role playing.
61FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debate com a classe.
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
FARIA,WerterR.Ações cambiáriasPortoAlegre:Safe,1987.pp.63-68.
62FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
aula 7: características do MecanisMo jurídico caMBiário de financiaMento da eMPresa Pela MoBilização de créditos
objetiVos pedagógicos da aUla 7
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasConstruir sínteses jurídicas. Formular crítica a conceitos jurídicos.
c) conteúdos
Princípiosoucaracterísticasdedireitocambiário.
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Os alunos deverão levar para a aula livros sobre títulos de crédito disponíveis na biblioteca.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Quais os princípios ou características do direito cambiário?
Metodologia da aUla
Brainstorming e aula socrática.
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debatecomaclassepautadopela leituradepassagensde livrosreferentesaosprincípios de direito cambiário.
63FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
Nãohá.
64FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
aula 8: caracterização do MecanisMo jurídico caMBiário de financiaMento da eMPresa Pela MoBilização de créditos
objetiVos pedagógicos da aUla 8
a) competências
Diagnóstico jurídico.Redaçãodeparecer.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasAplicar estruturas legais de mobilização de créditos para solução de caso
c) conteúdos
Oqueétítulodecrédito?
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leitura prévia da narrativa do caso dos Cheques ISL - Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Identifiquequemfoiproprietáriodoscheques.Identifiquequemfoititulardodireito constituído pelos cheques. Quem era legitimado ao exercício do direitomencionadonostítulos?OBancoItaúdeveriaterpagooscheques?Quemeraobri-gadoequemnãoeraobrigadoapagarotítulo?Quaisdefesasaspessoasacionadaspelolegitimadopoderiamoporequaisnãopoderiamopor?
Metodologia da aUla
Método caso.
65FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debate com a turma. Avaliação 1.
apÊndice i - caso dos cHeQUes isl – grÊMio70
Emdezembrode1999,oConselhoDeliberativodoGrêmioFoot-BallPortoAlegrense aprovou a assinatura do contrato de parceria do clube com a empresa suíçademarketingInternationalSportsLeisure–ISL.
Ocontrato,queteriaduraçãodedezanos,prorrogáveispormaiscinco,previaqueoGrêmioreceberia50milhõesdedólareslogonoprimeiroano.Menosdeumanoapósacelebraçãodocontrato,em10deagostode2000,aISL,presentadaporseudiretor,WesleyCardia,emitiutrêschequesnominaisaoGrêmio,novalordeR$555.799,00,valorcorrespondentenaépocaaUS$309.000,00,pagáveisnaagência2901doBancoItaú,noRiodeJaneiro.
OstrêschequesteriamsidocriadoseemitidosparaqueoGrêmio,quehaviasolicitadoaentregadosvalores,pagassemultasporatrasodepagamentonascon-trataçõesdeAmato,AstradaePauloNunes.AsmultasestariamsendocobradaspeloGlasgowRangers,RiverPlateePalmeiras.
Emmarçode2001foidecretadaafalênciadaISL.Oadministradordamassafalida,osuíçoThomasBauer,descobriu,contudo,queosreferidosclubesjamaiscobrarammultasdoGrêmio,poisasequipesdeondevieramostrêsnegaramtercobradoasquantias.Bauerafirmouqueocasoteveiníciocomascorrespondên-ciasenviadaspeloclubegaúchosolicitandoaverba.Ascartasseguintesindicavamsucessonasnegociaçõescomosclubes.Odinheiro,contudo,jamaisfoiregistradonacontabilidadedoclube.“EntãoaISLBrasilpagoupormeiodoschequeseodinheirosumiu”,disseBauer.Noentanto,apesardeovalornãochegaraoseudes-tino,odinheirotambémnãoentrounoscofresdoGrêmio.Nascartasendereçadasaoclubenesteanoeantesdisso,aISLpediaesclarecimentossobreopagamentodassupostasmultas,masnãoobteveresposta.Aindaem2001,amassafalidadaISLajuizouaçãonoTribunaldoCantãodeZug,naSuíça,exigindodoGrêmioadevoluçãododinheiro.
OpresidentedoGrêmioàépocadosfatos,JoséAlbertoGuerreiro,afirmouqueaempresaespanholaBahiaTorneosyConciertos,queintermediouanegociaçãodosatletas,recebeuoschequesdaISLparaentregá-losaoGrêmioenãoosentregou.FalandoaoConselhoDeliberativo,opresidentedoclubenaépocadaparceriacomaISL,JoséAlbertoGuerreiro,alegounãoterrecebidooscheques.Parademonstraraverdadedaafirmação,JoséAlbertoGuerreiroapresentouumfaxemqueopresi-dentedaempresaintermediáriacomunicaissoaoGrêmio.Nofax,opresidentedaBahia,JoaquinDeDomingo,afirmaternegociadocomGlasgowRangers,RiverPlateePalmeirasasmultasrelativasaostrêsjogadores.
Contudo,oMinistérioPúblicoobteveacópiadeumrecibodeumapassagemaérea,datadadodia10deagostode2000,mesmodiaemqueforamemitidosos
70 A narrativa apresentada foi formulada com base em excertos extraídos de notícias veiculadas nos jornais Zero Hora e Correio do Povo.
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TíTulOs DE cRéDITO
trêschequesquederamorigemàsinvestigações.AviagemocorreudoRiodeJa-neiro–sededaISLBrasil–paraPortoAlegreeexisteasuspeitadequeodonodapassagemteriasidooresponsávelpelaentregadostrêschequesdaISLaoGrêmionaocasião.Ademais,orepresentantebrasileirodaempresaespanholaBahiaTorneosyConciertos,DodySirena,combaseemlaudospericiais,afirmouqueofaxéfalso.Seuadvogado,OswaldoLiaPires,afirmou:“Éumamontagem.Ocabeçalhoédeumacoisaeotextoédeoutra,eninguémdaempresaBahiareconheceaassinaturacontidanele.”Segundooadvogado,ainformaçãoàISLsobreaexistênciademultaspartiudedentrodoGrêmio.Sirenanegaterendossadooscheques.Mesmodizendotrabalhar exclusivamente comespetáculosmusicais,Sirena confirma ter assinadoemnomedoGrêmioo acordode transferênciado centroavanteGuilherme, em1997.“Eleobteveumaprocuraçãodoclubeparaassinar.ComooGrêmiotinhapressaparatrazerojogadoregastariamuitotempoviajandoàEspanha,solicitouaDodyqueorepresentasse”,afirmouLiaPires.Alémdisso,afirmouoadvogadoqueosperitosArturSaldanhaMenezesJr.eAidaTerezinhaAlvesSchmitt,doDeparta-mentodeCriminalísticadoEstado,jáconstataram“tratar-sedeumamontagem”.Tambéméfalsa,dizLiaPires,aassinaturaqueapareceendossandoostrêscheques,atribuídaaDody.Afalsidade,dizoadvogado, foiconstatadapelosperitosOttoRodrigueseJoãoHenriqueRodrigues.
OsconselheirosdoGrêmiotêmcertezadeosendossosnãoforamfeitosporGuer-reironemporJuarezAickeleMartinhoFaria,osdoisvicesdefinançasdoclube.
Somenteastrêspessoasestavamautorizadasaassinardocumentosemnomedoclube.Apolícia,assim,foiacionadaparainvestigarodesvio.DepoisdeemitidospelaISLBrasil,ostrêschequesnominaisreceberam,cadaum,umendosso.Emdoisdoscheques,osendossosresultavamdeassinaturaidêntica,masqueatéagoranãoseconseguiuidentificardequemseja.Nooutrocheque,constavaoutraassinatura,tambémnãoidentificávelatéagora.Emdoisdoscheques,aassinaturadeendossofoicolocadaacimadosdizerescarimbadoscomonomedo“GrêmioFoot-BallPor-to-Alegrense”.Asaparênciasindicamqueessecarimbofoimandadofazerapenasparaessestrêsatosdoendosso,porqueseuusonãofoilocalizadoemnenhumoutrodocumentodoclube.NosdemaiscarimbosemusonoGrêmio,aexpressão“Porto-Alegrense”jamaisapareceempalavrascompostasseparadasporhífen.
UmlaudopericialformuladonainvestigaçãoapontadiferençasnasassinaturaslançadasnostrêschequesemitidospelaISL.Odocumentoconfirmaquenãohouveaidentificaçãodosendossosnoversodoscheques,massimdeumadasassinaturas.Alémdaperícia feitapelo InstitutoGeraldePerícias (IGP),houve tambémumlaudo realizado por partes envolvidas no caso.
Oscheques,que eramnominais aoGrêmio, foramendossados edepositadosemumacontadeBrasíliaeoutraemBlumenau.Feitaacompensação,odinheirofoisacado–pelospróprios“laranjas”–eentregueaosdoleiros.Estesnãolembramaquemfoientregueo“produto”final.Os“laranjas”receberamsuasmódicasco-missões.Ocasodo“laranja”EmersonBorgesdeJesustemasingularidadedequeumanovacontabancária,emnomedele,foiaberta,emBlumenau,parareceber,exclusivamente,odepósitodeumdostrêscheques.
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TíTulOs DE cRéDITO
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
Nãohá.
68FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
aula 9. classificação das declarações cartulares
objetiVos pedagógicos da aUla 9
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasCompreender os pressupostos para o exercício da ação cartular.
c) conteúdos
1. Classificações das declarações cambiárias.1.1.Declaraçãocartularorigináriaedeclaraçõesseguintes,subsidiárias,indiretas
ou regressivas.1.1.1.Criação:saqueousubscrição.1.1.2.Sucessivas:endosso,avaleaceite.2.Principalobrigadoecoobrigadosregressivos.2.1.STF,Súmula600–“Cabeaçãoexecutivacontraoemitenteeseusavalistas,
aindaquenãoapresentadoochequeaosacadonoprazolegal,desdequenãopres-crita a ação cambiaria.”
2.2. O direito de regresso e sua natureza.2.3.Perdadodireitoderegresso.
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
JoãoEunápioBorges.Títulos de crédito.2.ed.RiodeJaneiro:Forense,1972,p.47-52.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Quais os pressupostos para o exercício da ação cartular?
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TíTulOs DE cRéDITO
Metodologia da aUla 9
Aula expositiva e socrática.
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debate com a classe.
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
Nãohá.
70FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
aula 10. causalidade e aBstração das declarações caMBiárias
objetiVos pedagógicos da aUla 10
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasCompreender o significado da causalidade e da abstração no direito cambiário.
c) conteúdos
1. A delimitação da obrigação cambiária.1.1. A relação cambiária e a relação causal.1.2.Bi-instrumentalizaçãodocrédito.1.3.Súm.27doSTJ–“Podeaexecuçãofundar-seemmaisdeumtítuloextra-
judicial relativo ao mesmo negócio.” 2. A convenção vinculativo-cambiária.2.1.Aausênciadenovaçãodarelaçãofundamentalpelosurgimentodarelação
cambiária.3. Causalidade e abstração nos títulos de crédito.3.1. Títulos abstratos e causais.3.2. Abstração. Característica não essencial.3.3.Títulosabstratos–abstraçãoda“causadebendi”emum“papel-direito”.3.4.Títuloscausais–abstratizaçãodacausapelacirculação.4.Exceçõesinoponíveis.4.1. Subjetivas indiretas.4.1.1.Subespéciedassubjetivasindiretas:aexceçãocausal,quandoopostaater-
ceiro(oponibilidade,porém,entrepartesemcontatocambiáriodireto).4.2. Fundamentos da inoponibilidade.4.3. Análise crítica.5.Exceçõesoponíveis.5.1.Subjetivasdiretas.Partesemcontatodireto.5.2. Objetivas. 5.3. Exceptio doli.
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TíTulOs DE cRéDITO
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
Leitura prévia obrigatória do Texto de apoio da Aula 10.
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Noqueconsisteacausalidadeeaabstraçãodostítulosdecrédito?
Metodologia da aUla 10
Aula expositiva e socrática.
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Debate com a classe.
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
Tullio Ascarelli. Causalidade e abstração na duplicata. Revista Forense, Rio deJaneiro,v.43,n.108,p.231-236,nov.1946.
texto de apoio da aUla 10
Aduplicatamercantiltemseuembriãonoinstitutodasfaturasoucontasassi-nadadoart.219dovetustoCódigoComercialde1850,queobrigavaovendedor,noatodaentregadasmercadorias, aapresentaraocomprador,porduplicado,afaturaoucontadosgênerosvendidos,asquaisdeveriamserporambosassinadas.Ocréditodecorrentedavendamercantileradesta formadocumentadoemumaconta líquidacomopropósitodefacilitar-lheacobrançapormeiodaaçãoàépocachamadadecendiária.Referidafatura,nostermosdoart.427doCódigoComer-cial,eraequiparadaàsletrasdecâmbioe,porisso,cumpriaigualmenteafunçãodeservirdeinstrumentodemobilizaçãodocrédito.Em1908,comapromulgaçãodoDec.2.044,dedicadoaregularasletrasdecâmbioeasnotaspromissórias,foramrevogadas as disposições do Código Comercial relativas aos títulos de crédito previs-tasnosarts.354a427,comoqueoinstitutodasfaturasassinadasperdeuamparolegislativoparacircularporendossoe,destemodo,deixoudeseraceitoadescontopelas casas bancárias.
Onovomodelodedireitocambiárioqueseadotava,deforteinspiraçãonomo-delojurídicoítalo-germânicodaletradecâmbio,contudo,nãoagradouaocomér-
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TíTulOs DE cRéDITO
cio,acostumadoafazerrepresentaroscréditosdecorrentesdasvendasnasfaturasassinadasparaapóslevá-lasadescontobancário.Nessecontexto,emrazãodane-cessidadedecriar-seuminstitutovoltadoàmobilizaçãodocréditodecorrentedasvendasmercantis,nasceu“umdosmaisbrasileirosdosinstitutos,aduplicata mer-cantil,aquemuitosedevequantoàdifusãodocomércioacrédito.”1Aduplicata,destaforma,“foicriadaporforçadeumanecessidadeeconômica.”2
Comotítulodecrédito,afunçãoeconômicadaduplicataconsisteem(a)em-prestarcertezaaocréditodecorrentedasvendasmercantisparafacilitar-lheaco-brançae(b)amobilização3.Acertezaquantoàexistênciadocréditoobtém-seme-dianteaaceitaçãoforçadadotítulo4.Afunçãodemobilizaçãoobtém-semedianteaequiparaçãodaduplicataàletradecâmbio.Nestesentido,diz-sequeaduplicataconsisteemtítulodecréditocambiariforme,poradotarasdisposiçõesreferentesàletradecâmbio,conformedispõeoart.25daLei5.474/68.Seuesquemadesaque,assim,assemelha-seaodaletradecâmbioàprópriaordem5.Assim,naduplicata,apessoadosacadorconfunde-secomadotomadoredoprimeiroendossante.Parainstrumentalizarseucréditodecorrentedeumacompraevendaacrédito,ovende-dor(=sacador)sacaumaduplicatacontraocomprador(=sacado)emseuprópriofavor(=tomador).ConformeregistraAscarelli,o“vendedoremitentedaduplicataassumeafinalumaposiçãocorrespondenteaosacadordeumaletradecâmbioàsuaprópriaordem;ocompradorassumeposiçãocorrespondenteàdosacadodeumaletrade câmbio e,desdeque reconheça a exatidãodaduplicata, assumeposiçãocorrespondenteàdeumaceitante.Ovendedormobiliza,portanto,oseucrédito,endossandoaduplicata,oquepodefazerantesdoreconhecimentodesta”6.
Contudo, a aproximação coma letra de câmbio encontra limitesnosprópriostraçoscaracterísticosherdadospeladuplicatadoinstitutodasfaturasassinadas,pois,apesardasinúmerastransformaçõeslegislativasquealteraramsuafeição7,otítulocon-servou“suaessência”8.Diz-se,assim,queé“umtítulosui generis”9,razãopelaqualduplicataéumdostítulosquemaioresdesafiospráticosapresentamnapráticaforenseenasuaconseqüentesistematizaçãoemsededeteoriageraldostítulosdecrédito.
Umdostraçosconstantesdaduplicataconsistejustamentenofatodequeparaasuacriaçãoháanecessidadedeumaprovisão,ouseja,deumarelaçãodecompraevendaemqueasmercadoriastenhamsidoefetivamenteentreguespelovendedoraocomprado.Istoporque,comoaduplicataéumtítulocriadopeloprópriocredordopreçorelativoàvendademercadoriaseemseuprópriofavor,háanecessidadedaexistênciade“umasituaçãodedesequilíbrioadanodosacadorvendedorque,tendoexecutadoaprestaçãoquelheincumbiacontratualmente,nãoconseguesemunirdeumcorrespectivodocumentoprobatórioparafacilmenteapurarseucrédito,pelahabitualresistênciadocompradoraoaceite.”10Estetraçocaracterísticodaduplicataé tomado como o ponto de partida para as investigações acerca deste título. Con-formeafirmaPena,não“sepode,portanto,fugiràcompreensãoinicialdequeelarepresenta,exatamente:o preço das mercadorias, o débito do comprador para com o sacador, correspondente àquele preço. É o primeiro ponto estabelecido.”11
Desta forma,afirmadaàbasedaduplicataumarelaçãodedesequilíbrioentrevendedor, que já adimpliu, e comprador, que ainda está a dever adimplemento
1 PONTEs DE MIRANDA, F. c. Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 11 e 12.
2 PENA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 15.
3 REsTIFFE NETO, Paulo. Novos rumos da duplicata. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 7.
4 PENA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 49, nota de rodapé 65.
5 PENA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 47.
6 AscAREllI, Tullio. Ensaios e pareceres. são Paulo: saraiva, 1952, p. 35.
7 REsTIFFE NETO, Paulo., Novos rumos da duplicata. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 4.
8 REsTIFFE NETO, Paulo., Novos rumos da duplicata. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 4.
9 PENA, Fábio O., Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952. p. 46.
10 ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: sarai-va, 1977. p. 27.
11 PENA, Fábio O., Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952 p. 82.
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TíTulOs DE cRéDITO
correspondenteaopagamentodopreço,permite-seacriaçãodotítulopormeiodeumaordemdadaporaqueleaeste.Destaforma,o“saquepelopreçodavendacons-titui,emsimesmo,umsaquedefundoexistente;nãoacriaçãodeumaobrigaçãoesim para a comprovação dela”12,detalmaneiraqueaduplicataécriadaapartirde“umsaquefundado,representativoecomprobatóriodecréditopreexistente.”13
Comafinalidadedeassegurarefetividadeàordemdadapelosacador-tomadoraosacado,quesefundaemumaefetivaprovisão,obriga-seoaceitepelosacado.Nistoconsistemaisumaoriginalidadedaduplicataemrelaçãoà letradecâm-bio14.Pode-seencontraraorigemdaobrigatoriedadedoaceitenoinstitutodasfaturasoucontasassinadas,emqueovendedorenviavaaocompradorfaturasemduplicado,paraqueocompradorambasassinasseedevolvesseumaaovendedor.ParaNelsonAbrão,contudo,háobrigatoriedadedoaceiteemrazãodaexistênciadaprovisãodecorrentedaentregademercadorias.Assim,conformeafirmaoau-tor,resulta“facilmentecompreensívelacompulsoriedadedoaceitenaduplicata,seencaradacomotítulosujeitoàdisciplinadorigorcambial.Lastreadanavendaeefetivaentregademercadoria,geralmenteaprazo,temsuacausalidadeassegu-radapelaexistênciadeprovisão,apesardeserevestirdoformalismodostítuloscambiários.”15
Umavezafirmadaanoçãodeobrigatoriedadedoaceite,háviabilizar-seasuaconcretizaçãono título.Daí a importância que aLei dasDuplicatas atribui aosprocedimentos de remessa do título a aceite e a sua correspectiva devolução. Origi-nalmente,aobrigatoriedadedoenviodaduplicataparaocompradordecorriadofatodequeduplicataexercianãosomentefunçãodetítulodecrédito,mastam-bémcumpriaopapelqueatualmenteécumpridopelasnotas-fiscais-fatura,ouseja,constituía a duplicata em sua origem um instrumento de exação fiscal16,peloqualrealizava-se a cobrança do imposto do selo.
Umavez lançadooaceitenotítulo,aduplicataabstratiza-sedesuacausa,demodo que a diferença havida com a letra de câmbio “é, praticamente, pequenadepoisdoaceitedacambial,pois,emvirtudedele,deumlado,osacadoseobrigaparacomotitulardacambial,e,deoutro,opagamentodestaporpartedosacadoextinguirá também o débito do mesmo para com o sacador.”17Contudo,adiferençaemrelaçãoàletradecâmbioé“muitosensívelantes do aceite da cambial.”18
Conquantoseafirmequeaduplicatacumpreafunçãoeconômicadefacilitaramobilizaçãodoscréditosdecorrentesdasvendas,deve-senotarquearegulaçãoacerca desta mobilização é bastante reduzida na Lei das Duplicatas. O dispositivo quepraticamenteconcentratodaadisciplinadamobilizaçãodaduplicataconsistenoart.25daLei5.474/68,quedeterminaaplicar-seàduplicataasdisposiçõesre-ferentesàcirculaçãodaletradecâmbioencontradasnaLeiUniformedeGenebra(Dec.57.663/66).
Noentanto,asexigênciasdecorrentesdanoçãodesaqueprovisionadodadu-plicata impõem “o estabelecimento de princípios diversos para regular a suacirculação.”19Pode-seafirmar,destemodo,queaestruturadaLeidasDuplicataséfundamentalmentevoltadaparaaobtençãodoaceitedotítulo,que,pelaestruturadareferidaLei,deveantecedereventualendossodotítulo.
12 PENA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952. p. 17.
13 PENA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952. p. 17. Nelson Abrão, A duplicata sem aceite, p. 16.
14 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. são Paulo: saraiva, 1963. v. 10, p. 184.
15 ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: saraiva, 1977. pp. 15-16. No mesmo sentido, cf. Ascarelli, para quem, no “direito brasi-leiro e português é obrigatória, quando ocorram os requisitos exigidos, quer a emissão, quer o aceite do título, visando-se, de um lado, facilitar a mobilização dos créditos comerciais e, de outro lado, combater os títu-los sem provisão” AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revista Forense, 108/231.
16 PENA, Fábio O., Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952 p. 135.
17 AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 64, nota 1.
18 AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 64, nota 1.
19 PENA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 60.
74FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
Contudo,se,porumlado,osprocedimentosderemessaeenviodaduplicataparaaceiteprevistosnaLeitendemàafirmaraabstraçãodaduplicata,demodoafacilitar-lheacirculação,poroutrolado,estesmesmosprocedimentosdificultamao sacador da duplicata atenda a exigência econômica quemotivou o saque daduplicata:amobilizaçãorápidadeseucrédito.Istoporqueamaioriadasoperaçõesrepresentadasporduplicatapossuemumcurtoprazodevencimento(p.ex.,30ou60dias),eoprocedimentoderemessaedevoluçãodestaduplicatapodedemorarperíodopraticamenteequivalenteaoprazodevencimentodotítulo.Ouseja,aguar-dar-se a concretização dos procedimentos de envio e devolução da duplicata podem tornar desinteressante ao sacador do título uma eventual mobilização do crédito. Porestarazão,écomumverificar-senapráticaeconômicaacriaçãodeduplicatasquesãoimediatamentedescontadas,semquetenhamsidoapresentadasaaceite.
Poroutro lado,ossacadoscomumenteapresentavam-serenitentesemdevol-ver o título após realizar a declaração cambiária de aceite20.Porestarazão,foramdesenvolvidosdiversosexpedienteslegislativosquebuscavamprotegerosacador-tomador das duplicatas em seu interesse de obter uma representação segura de seu créditoquelhepermitisseumacobrançaenérgicaeumamobilizaçãorápida.Paraforçaroaceitedotítulo,criaram-semedidas“terapêuticas,nosentidoderemovero inconveniente”21dafaltadeaceite.Assimfixou-seaimposiçãodemultaaosa-cadoqueinjustificadamenteserecusasseaaceitar,ou,atémesmo,aimposiçãodeprisão pela indevida retenção do título pelo sacado.22Destaforma,favorecido“oinstitutodafaturaedaduplicatacomesseconjuntopreceitual,maiortranqüilida-deterãoosquelidaremcomessespapéis:vendedores,compradores,instituiçõesfinanceiras.”23
Estasmedidas,contudo,nãosurtiramefeitospráticos,atémesmoporqueoem-presário sacador-tomador da duplicata almeja a mobilização rápida de seu crédito enãooutrosprocedimentosquepoderiamretardaramobilizaçãoeacobrançadaduplicatacomo,p.ex.,aprisãodeseudevedor.
Dosdiversosexpedientescriadosparatutelar-seosacador-tomadordaduplicata,destacam-seoinstitutodoaceitefictoeoinstitutodoprotestoporindicação(queequivalia,originalmente,aoprotestoporfaltadedevoluçãodotítulo).
Pelochamadoaceiteficto,vincula-seaopagamentodaduplicataosacadoque,não tendo assinadono título, comprovadamente recebeu amercadoria,quenãocontinhadefeitos,efoiintimadoapagarovalordacomprarepresentadonadu-plicatapeloprotestodotítulo(Cf.art.15,II,daLei5.474/68).ConformeNelsonAbrão,conferir-seexecutividadeàduplicataaindaquenãoaceita,“vemaexcep-cionaraoprincípiodorigordoaceite,tradicionalemnossoordenamentojurídicopositivo”24,pois,tradicionalmente,aobrigaçãocambialsóresultadeumaassinaturalançada no título25.
Jápelo chamadoprotestopor indicaçãodaduplicata, buscava-se excepcionaroutracaracterísticatradicionaldodireitocambiário:acartularidade.Éque,seháanecessidadedeumainvestiduraformalnapossedotítuloparalegitimar-seopor-tadoraoexercíciodaaçãocambiária,osacador-tomadorquepretendaexercerestedireitodeveestarformalmenteinvestidonapossedotítulo.Isto,contudo,nãoera
20 Nelson Abrão, ao registrar das medidas repressivas à falta de aceite, refere-se à “omissão quase instintiva do sacado em aceitá-lo, forrando-se assim a uma cobrança enérgica e pronta por decorrência da executivida-de. Procura o sacado, com tal expediente, fugir a uma even-tual abertura de procedimento falimentar” ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: saraiva, 1977. p. 17.
21 ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: sarai-va, 1977. p. 17.
22 ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: sarai-va, 1977. p. 17. A previsão de multa estava no art. 30 da lei 187/36. A duplicata, registrou PENA, “é título característico de mobilização de capital. A penalidade do artigo é simples-mente de caráter fiscal, e não obsta à responsabilidade do faltoso pelos danos que causar a sua abstenção ou negligência, impedindo ou prejudicando aquela mobilização.” PENA, Fábio O. Da duplicata. Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 315-316. A prisão não era bem uma pena. “Na sistemática legal brasileira prevalece ainda um preceito sui generis, tendente a impor a prisão àquele que “recebeu título para firmar o aceite ou efetuar o pagamento e se recusou a entregá-lo”, edi-tado pelo código de Processo civil de 1939, ora revogado, mas reproduzido pelo art. 885 do vigente diploma processual civil.” ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: saraiva, 1977. p.19.
23 MARTINs, Osmar José; AI-QuEl, Angelito A. Comentários à lei de duplicatas. 4. e.d são Paulo: saraiva, 1979. p. 4.
24 ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: sarai-va, 1977. p. 16.
25 REsTIFFE NETO, Paulo. Novos rumos da duplicata. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 8.
75FGV DIREITO RIO
TíTulOs DE cRéDITO
possívelnahipóteseemqueotítuloeraremetidoaosacadoparaaceiteeindevida-menteretido.Porestarazão,criou-seochamadoprotestoporfaltadedevoluçãodotítulo,realizadopelosacador-tomadormedianteadescriçãodotítulo(i.é,fazindicações)aotabeliãodeprotestos,comopropósitodeobtertítuloexecutivoex-trajudicialindependentementedeseencontrarnapossedotítulo(cf.art.15,§2.°,daLei5.474/68).
Assim,na“sistemáticadodireitocambiáriocomum,afaltaourecusadeaceitesomente se prova pelo protesto; também neste passo a nova lei adotou igual crité-rioemseuart.13,declarandoqueaduplicataéprotestadaporfaltadeaceiteoudevolução.”26
Napráticaeconômica,autilizaçãodosinstitutosdoaceitefictoedoprotestoporindicaçãoacabaramportransformarprofundamenteodireitodaduplicata,quefoigradativamentesendoafastadododogmadaobrigatoriedadedoaceite.Istoporque,nashipótesesemqueoempresáriocriadordaduplicatapretendeapenasobterumtítuloexecutivoextrajudicialpara realizarumacobrançaenérgicade seucrédito,comumenteaduplicatasóécriadaquandodanecessidadedeaparelhamentodoprocessodeexecução,poisoprocedimentodecriação,envioedevoluçãodadupli-cataacarretacustosquesãodesnecessáriosaoexercíciodaatividadeeconômicadoempresário.
Poroutrolado,nashipótesesemqueoempresáriopretendemobilizaroseucré-dito,elecuidarádefazê-loimediatamente,semaguardarodemoradoprocedimentoderemessaedevoluçãodotítulo.Paratanto,utilizam-seosempresáriosdosavançosalcançadospelarevoluçãotecnológicadosúltimostempos.Aoinvésdecriaremadu-plicata,osempresáriospreenchemoschamadosborderôsdecobrança,eosenviamainstituiçõesfinanceiraspormeioinformático.Ouseja,sequercriamaduplicata.Asinstituiçõesfinanceiras,porsuavez,aoreceberemasinformaçõesacercadaduplicatadescontada,emitemumboletobancárioqueéenviadoaosacadodotítuloparaquerealizeopagamentoemdeterminadaépoca.Casoosacadonãorealizeopagamento,asinstituiçõesfinanceiraslançammãodoprotestoporindicação,realizandoindica-çõesaostabelionatosdeprotestopormeioinformatizado.Note-sequeaduplicata,nestahipótese,jamaisfoicriada,razãopelaqualnãosepodefalarqueoprotestoporindicaçãocumpreafunçãodedocumentaraindevidaretençãodotítulopelosacado.Destaforma,oprotestoporindicação,inicialmentepensadoparacertificarainde-vidaretençãodotítulo,passouaserummeiopeloqualomeioempresarial,aliadoàpráticabancária,obtémagilizaroprocessodemobilizaçãodoscréditos.
Estefato,seporumladofacilitaavidadosempresários,poroutro,podegerarsituaçõesconflituosas.Istoporque,muitasvezes,ocorreosaquededuplicatasfrias,quecarecemdeumacausaparaasuacriação.Porestarazão,osacado,quenãoacei-touotítulo,igualmentenãopretendepagá-lo.Contudo,nestahipótese,necessitaainstituiçãofinanceiradoprotestoparaquepossaexerceraçãoregressiva.Assim,surgeumimpasse:porumlado,háosacado,quenãoaceitouaduplicataequenãopretendesofrerosdissaboresdoprotesto;poroutro,háoterceiroportadordeboafé,quenãopretendecausarnenhumdanoaocréditodoprotestado,masnecessitado protesto para exercer a ação regressiva.
26 MARTINs, Osmar José; AI-QuEl, Angelito A. Comentários à lei de duplicatas. 4. e.d são Paulo: saraiva, 1979. p. 27.
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Assim,adoutrinaprocurouabreviaroimpassepormeiodediversaspropostas.Nelson Abrão27,p.ex.,invocandooexemplocolombiano,propôsqueaapresentaçãodotítulopormeiodeumbancoequivalesseaoprotesto,desdequeainstituiçãofi-nanceiracuidassedeanotaranegativadoaceiteoudopagamento.CelsoBarbiFilho,porsuavez,propôsqueostabelionatosdeprotesto,nestecasos,cuidassemdelavraroprotestoapenasporfaltadeaceite,oquenãoacarretariadanoalgumàimagemcreditícia do sacado28.Denossaparte,propusemosquefossesuprimidaanecessidadedoprotestoparaqueoportadordaduplicataexercesseaaçãoregressiva29.
Contudo,éajurisprudênciaqueestáaconsolidarosinstrumentosque,median-teumasuperaçãodostradicionaisdogmasdodireitodasduplicatas,afirmamumanova forma de conceber-se o instituto em consonância com as novas realidadestecnológicas e econômicas.
Emlinhasgerais,asoluçãoadotadapelostribunais,conquantonemsemprere-alizeexpressamençãoaotema,passapelaafirmaçãodequeaduplicatanãoaceita,quandoendossada,acarretaumacessão da sua provisão30.
O papel da provisão na teoria dos título de crédito pressupõe a afirmação das dis-tinçõesexistentesentretítuloscausaisetítulosabstratos,que,nodireitocambiáriobrasileiro,dadaadifundidautilizaçãodaduplicata,relaciona-sediretamentecomo tema da causalidade e da abstração na duplicata31. A distinção entre obrigações causais e abstratas atua como uma sintonia fina doprincípiodaliteralidade,quedizrespeitoàdelimitaçãododireitodoportadordaduplicatae,portanto,àdelimitaçãodasexceçõesquelhesãooponíveis.
Enquantoaletradecâmbioconsisteemumtítuloabstrato,ouseja,umtítuloquenãonecessitadeumacausaespecíficaparasercriada,ecujafunçãoeconômicaemrelaçãoàsuacausaédeterminadapelaconvençãoexecutiva,tambémdenomi-nadadeconvençãovinculativo-cambiária,aduplicata,porsuavez,consisteemumtítulocausal,cujacriaçãoévinculadaaumaespecíficacasa,ecujafunçãoeconômi-caemrelaçãoàsuacausaédeterminadapelapróprialei.
Anecessidadedaabstraçãonostítulosdecrédito,–emalguns,nãoemtodos,–relaciona-secomanecessidadeeconômicadeumarápidaeseguramobilizaçãodoscréditos,medianteumamaiordelimitaçãododireitomencionadonotítulodecrédito.Assim,comopropósitodefacilitar-seamobilizaçãodocrédito,delimita-seo direito cartular com maior rigor com o propósito de tutelar-se o terceiro portador dotítulo.ParaPontesdeMiranda,a“proteçãodopossuidordeboaféobrigouadoutrinadospovosdegrandeculturadedireitoprivadoareconheceraabstraçãocambiária.”32
Contudo,otemadacausalidadeeabstraçãonostítulosdecréditonãoéuní-voco,daíporqueAscarelliafirmouqueaabstraçãodacambialé“maispressupostaquedemonstrada.”33Demodoanálogo,sobreaabstração,dissePontesdeMirandatratar-se de um conceito sutil34.Demesmaforma,otemadacausalidadenostítulosdecréditoconsisteemproblema“obscuroedescuidado.”35
Adelimitaçãododireitoconstituídoporumtítulodecréditoérealizada,emumprimeiromomento,pelacaracterísticadaliteralidade,traçocomumatodosostítulosdecrédito.Contudo,emalgunstítulosdecrédito,adelimitaçãododireito
27 ABRÃO, Nelson. Duplicata sem aceite. 2. ed., são Paulo: sarai-va, 1977.
28 BARBI FIlHO, celso. Protesto de duplicata simulada e proce-dimentos judiciais do sacado. Revista dos Tribunais, são Paulo, v. 754, p. 45-71, ago. 1998.
29 cAVAllI, cássio Machado. A supressão de previsão norma-tiva de protesto como pres-suposto do direito de ação do portador contra o primeiro en-dossante da duplicata. Revista da AJURIS, Porto Alegre, n. 78.
30 conforme Ascarelli, “a cons-ciência social reage vivamente contra o desconto de saques que não representam uma operação comercial real. é por isso que a lei interveio, às vezes, tornando obrigatório o aceite do saque ou admitindo, no caso de saque não passível de aceite, a cessão da provisão, até em pa-íses que repelem esse instituto em caráter geral”. AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito são Paulo: saraiva, 1943, p. 124, continuação da nota 2 da p. 123.
31 sobre o tema, vide AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 231-236, nov. 1946.
32 PONTEs DE MIRANDA, F. c. Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 18.
33 AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito são Paulo: saraiva, 1943, p. 102 e 103.
34 PONTEs DE MIRANDA, F. c. Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 7.
35 AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 158.
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cartular,jáiniciadapelaliteralidade,vaialém,eoexpedientetécnicoutilizadoparaeste fim é a abstração.36 Com efeito, pelamaior delimitação do direito cartularlevadaacabopelaabstração,fortalece-seaposiçãodoterceiroportador.37 Isso por-que,emgeral,peladoutrinadasobrigaçõescausais,acausaintegraasobrigaçõesemanifesta-secomorequisitodevalidadedasobrigaçõesemgeral.Assim,poderáodevedordeobrigaçãocausalinvocarcontraocredororigináriooucontraqualquercredoreventualvíciodecausa,eissoseaplica,inclusive,àsobrigaçõescausaiscons-tituídas por declarações cartulares de vontade38.Dessemodo,apesardaafirmaçãodaliteralidadeparatodosostítulosdecrédito,hádeclaraçõesdevontadecujava-lidadeficaadependerdasuacausa.Ouseja,nostítuloscausaisoeventualvíciodecausaévíciocartular,nãoextra-cartular.39Porestarazãoque,nostítulosabstratos,“asexceçõescausaissãooponíveissomenteaosujeitodaconvençãoexecutiva,emgeral,masnãonecessariamente,otomadorimediato;nãosendoaotomadorime-diato pura e simplesmente.”40
Comomanifestopropósitode facilitaramobilizaçãorápidae seguradosdi-reitos,semquesesujeiteodireitodoterceiroportadordeboaféàregranemo plus iuris,háqueseextremarodireitocartular,–istoé,aqueleemergentedotítulo,–dodireitodecorrentedarelaçãofundamentalousubjacente.Éque,comonarelaçãosubjacenteencontram-seexceções,quedificilmentepoderiamserconhecidaseava-liadasporumterceirocredor,delimita-seodireitocartulardistinguindo-odonegó-ciofundamental.Eamedidadessadistinçãoédadajustamentepelacaracterísticadacausalidadeoudaabstraçãodostítulosdecrédito.Destaforma,afirmaAscarellique“odireitocartular,quandoabstrato,podetertitulardiversodaqueleaquemcabeodireitodecorrentedarelaçãofundamental,tendo,portanto,osdoisdireitos,umacirculaçãoindependente.Quando,aocontrário,odireitocartularéumdireitocausal,elevisa,comoveremos,adeclaraçãododireitodecorrentedarelaçãofunda-mentale,portanto,ambososdireitos,emboradistintos,circulamjuntos,perten-cendo necessariamente ao mesmo titular.”41
Nostítulosabstratos,faceàseparaçãoqueháentrerelaçãoobrigacionalcambiá-riaerelaçãoobrigacionalsubjacente,afirma-seachamadabi-instrumentalizaçãodocrédito.Assim,arelaçãoobrigacionalcartularabstratanãoémeroretratodarelaçãocausal42.
Destemodo, o primeiro critério para distinguir os títulos causais dos títulosabstratosconsistenarelaçãodotítulocomsuarelaçãofundamental.43Noentanto,háoutrossignificadosdogmáticosatribuídosàcausalidadeeàabstração.Fala-seemtítulos causais paradesignar(a)anecessidadedeexistênciadeumacausaespecíficaparaacriaçãodeumtítulo,–temaquefreqüentementeserelacionacomoconceitodeprovisão,cujaausênciadizrespeitoaotemada(b)causalidadedaobrigação car-tular,cujavalidade ficaadependerdaexistênciadeumaprovisãoespecífica,doquedecorre(c)umdiversoregimedasexceçõesoponíveispelodevedoraoterceiropor-tadordotítulo;(d)ofatodeotítulodecréditocausal,emrazãodanecessidadedemençãoemseutextoacercadasuacausa,consistiremumdocumentomeramentedeclaratóriodonegóciofundamental,doquedecorre(e)anaturezadaaçãocambi-áriaque,porsercausal,necessitadademonstraçãodesuacausaparaserproposta.
36 “A abstração, em substância, representa como que um passo ulterior no caminho em que a literalidade constitui já um pri-meiro passo, isto é, no caminho da sempre maior delimitação e objetivação do direito cartular; da sua sempre maior distin-ção do conjunto do ‘negócio’ economicamente havido entre as partes, e, isso, justamente à vista da sua circulação e da segurança desta.”AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 110.
37 “Diz-se abstrato, porque nele se abstrai da causa, não por-que a vontade privada o tenha imposto, e sim porque a lei o quer. é abstrato por força de lei. Assim, além de direito autôno-mo, que adquire o possuidor, tem ele direito abstrato, com que a sua posição se fortalece, fazendo-o livre do contágio de quaisquer causas das relações jurídicas em que estiveram os possuidores precedentes.” PON-TEs DE MIRANDA, F. c. Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 8 e 9.
38 AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 58.
39 Assim, conforme Ascarelli, para “que as exceções possam ser consideradas como deriva-das de uma relação extra-car-tular, é necessário que o direito seja abstrato; pois, como vere-mos, é nas obrigações abstratas que a causa, não faz parte da própria obrigação, mas decorre de um negócio distinto. Por isso é preciso considerar separada-mente a literalidade (peculiar a todos os títulos de crédito, ou, melhor, a todos os direitos car-tulares) e a abstração (peculiar somente a alguns).”AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 58.
40 AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 112.
41 AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 80.
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Emcontraposição,utiliza-seaexpressãotítulos abstratos paradesignar(a)ades-necessidadedeexistênciadeumacausaparaacriaçãodeumtítulo,– temaquetambémfreqüentementeserelacionacomoconceitodeprovisão,cujaausênciadizrespeitoà(b)abstraçãodaobrigação cartular,emqueaausênciadeprovisãoacarretaapenas a irregularidadedaobrigaçãoconstituídapelotítulo,doquedecorre(c)umdiversoregimedasexceçõesoponíveispelodevedoraoterceiroportadordotítulo,emrazãodaocorrênciadofenômenodaabstratização da causa;(d)ofatodeotítulodecréditoabstrato,quenãomencionaemseutextoasuacausa,constituirumdo-cumentoconstitutivodeumarelaçãocambiáriadistintadonegóciofundamental,doquedecorre(e)odiversocaráterdaaçãocambiáriaque,porseraobrigaçãoabs-trata,nãonecessitadademonstraçãodesuacausaparaserproposta.
Assim,parapôraquestãoaclaro,deve-sedistinguiracausalidadeouabstração do título do tema da causalidade ou abstração da obrigação decorrente do título.
Contudo,háapossibilidadedeumtítuloserconsideradocausal,anteanecessi-dadedeumacausaespecíficaparaasuacriação,semqueasobrigaçõesresultantesdasdeclaraçõescambiáriasnelerealizadassejamqualificadascomocausais.
ConformeregistrouAscarelli44,adoutrinabrasileiraentendepredominantementeseraduplicataumtítulocausal,nosentidodequedeveseprenderaumarelaçãocau-sal,atualmenteconsistenteemumaefetivavendademercadoriasounaefetivapresta-çãodeserviços.Conformeoautor,aduplicatanão“seinclui,portanto,entreostítulosabstratos,válidosporsimesmos,mercêdeseusrequisitosformaiseporefeitodasassi-naturas neles lançadas.”45Contudo,paraAscarelli46,adiferençaqueseestabeleceentreaduplicata,–títulocausalnosentidodequesedeveprenderaumarelaçãocausal,–ealetradecâmbio,–títuloabstratonosentidoquepodeseprenderaqualquerrelaçãocausal,–nãoésuficienteparacaracterizaranaturezadaobrigaçãodecorrentedotítu-lo.Deve-se,assim,indagar-seseasobrigaçõesresultantesdaduplicatasãocausaisouabstratas.ParaAscarelli,sãoabstratas,pois,conquantodevaaduplicataligar-seaumadeterminadarelaçãocausal,asobrigaçõesporeleconstituídasnãorestamprejudicadaspelainexistênciadareferidarelação47.Conformeafirma,distinguem-se,“nadoutrina,víciosqueafetamavalidadedaobrigaçãoevíciosqueinfluemapenasnasuaregula-ridade.Paraqueaobrigaçãosejacausal,émisterqueovíciodacausadigarespeitoàvalidadedaobrigação.Caso,entretanto,essevícionãoperturbeavalidezdaobrigação,emboraacarretandosançõesfiscaisoupenais,seráaobrigaçãoabstrata.”48
Adiferençaconsisteemqueainfluênciadovíciodacausanavalidadedaobriga-çãoacarretaumamaiortuteladodevedor,àmedidaqueconstitui,oupodeconsti-tuir,fundamentodedefesaoponívelaoterceiroportador49.Jánostítulosabstratos,comoovíciodarelaçãocausalnãoafetaavalidadedaobrigaçãocartular,afigura-se“absurdoautorizá-loaoporexceçãoaoterceiro,ouseja,afurtar-seaocumprimentodasuaobrigação!” 50
Assim,adiferençaqueháentretítuloscausaiseabstratospercebe-seemcasodevícionarelaçãocausal.Nestes,ovícionarelaçãocausalacarretaapenasairregula-ridadedeemissãodotítulo,daífalar-seemtítulosirregulares,semquesejaafetadaavalidadedasobrigaçõesassumidasnotítulo.Naqueles,ovícionarelaçãocausalacarreta a invalidade das obrigações assumidas no título.
42 “A questão de ser abstrato, ou não, o negócio cambiário, volta, a cada momento, à discussão. Quer isso dizer que se remon-ta, de quando em quando, ao problema inicial, – que se pro-vocam reexames, que a muitos pareceriam tardios, das teorias, velhas e novas, sobre a nature-za da cambial. Principalmente sobre o ponto da existência, ou não-existência, de negócio ju-rídico cambiário independente do negócio jurídico básico. Por vezes se entende reafirmar que se trata de grave confusão entre o negócio jurídico e a sua forma, ou, mais precisamente, a sua documentação. Falou-se, até em tomar-se o retrato pelo ho-mem, ou em se confundirem as vestes com o indivíduo.” PONTEs DE MIRANDA, F. c. Tratado de di-reito privado. 3.ed. Rio de Janei-ro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 19.
43 Fala-se em causalidade “dada a mais íntima conexão que en-tão se verifica entre o título de crédito e a relação fundamen-tal. Em outros casos, o título prende-se a qualquer relação, e nessa hipótese a doutrina fala em título abstrato.”AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 39.
44 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 233, nov. 1946.
45 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. são Paulo: saraiva, 1963. v. X, p. 183.
46 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 233, nov. 1946.
47 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 233, nov. 1946. cf. tb. AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 157 e 414.
48 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 234, nov. 1946.
49 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 234, nov. 1946.
50 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 234, nov. 1946.
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Airregularidadeemumaobrigaçãoabstratanãoacarretaasuainvalidade,massujeitaaquelequerealizaadeclaraçãodevontadequedáorigemàobrigaçãoasan-çõesdeordemfiscaloupenal.Éahipóteseprevistanoart.172doCódigoPenalqueprevêotipodocrimedeaceitaçãodeduplicatasemcausa.Ademais,acausali-dadeouabstraçãodaobrigaçãoconstituídapelotítulorespeita,também,aopapeldesempenhadopelotítulodecrédito,seumafunçãoconstitutiva,ouumafunçãomeramente declaratória.Dessa distinção decorre o diverso fundamento da açãocambiária, que seria abstrata na hipótese de desnecessidadede demonstraçãodacausa,nãodemonstradanotítulo,–paraoexercíciodaação,oucausal,emrazãodanecessidadededemonstraçãodacausaquevaideclaradanoprópriotítulo.ParaAscarelli,nestesentido,aduplicataseriaumtítulocausal51.
Assim,paraAscarelli,aquestãodedeterminar-seseanecessidadedeprovisãoparaosaquedaduplicataconsisteemrequisitoderegularidade ou de validade da obrigaçãodoaceitantedaduplicata.Otemanãoédesomenosimportância,pois“apresenta-se,comfreqüência,naprática,poisquenãosãorarasasduplicatasemi-tidasereconhecidasindependentementedacompraevendademercadorias(fala-senapráticade“papagaios”),oqueconstituifenômenoexatamentecorrespondenteaodacambialditadefavor,ouseja,sacadasemprovisão.”52
A relevância da distinção entre títulos causais e abstratos prende-se a um di-ferente regimedeoponibilidadedeexceções.Enquantoquenos títuloscausaisainexistênciadecausaconstituiexceçãooponívelaoterceiroportadorquesoubessepreviamentedainexistênciadeprovisão,nostítulosabstratosodevedordeveráde-monstrar,nostermosdoart.17daLUG,queoterceiroportadoragiuconsciente-menteemdetrimentododevedor,ouseja,deverádemonstrarque(a)oportadorconheciapreviamenteainexistênciadeprovisãoeque(b)adquiriuotítulocomopropósitodeimpedirqueodevedoropusessedefesacomessefundamento.
Assim,aquientraachaveparaarespostaacercadanaturezadasobrigaçõesincor-poradasàduplicata:oexamede“quaisasexceçõesoponíveispelodevedoraceitanteao terceiro portador.”53Porestarazão,medianteaidentificaçãodalinhadecisóriaadotadapreponderantementepeloSuperiorTribunaldeJustiça,pode-seindicaranatureza própria da duplicata.
Emsuasprimeirasdecisões,oSTJjulgavaasaçõesdesustaçãodeprotestodeduplicatasemcausaconformeaorientaçãodoutrináriaquelheemprestavaosigni-ficado abstrato54.Assim,pode-seafirmarqueoSTJentendiaabstratasasobrigaçõesincorporadasaotítuloendossadoaoterceiroportadordeboafé55,aindaqueotemanãofossetextualmentemencionado.
Gradativamente,contudo,oSTJ,influenciadopordecisõesdeTribunaisEsta-duais,apercebeu-sedoconflitohavidoentreointeressedoterceiroportadordeboafédeduplicatasfrias,quenecessitavadoprotestoparaexerceraçãoregressiva,eosacadodeduplicatasfriasouocas,quenãohaviaaceitado,tendoemvistaasinegá-veisconseqüênciasqueomeioempresarialemprestaaoprotesto56.Essaimportânciaseacentuoucomofatodainformatizaçãodasociedade,emqueempresasespecia-lizadas em serviçosde informaçãodeproteção ao crédito adquirem informaçõesdostabelionatosdeprotestodetítuloseasfornecemaosempresáriostomadoresdo
51 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 236, nov. 1946
52 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 235, nov. 1946. cf. tb. AscAREllI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. são Paulo: saraiva, 1943, p. 144.
53 AscAREllI, Tullio. causalidade e abstração na duplicata. Revis-ta Forense, Rio de Janeiro, v. 43, n. 108, p. 235, nov. 1946.
54 REsp n.° 505-RJ, Rel. Min. Athos carneiro, j. 11 de setem-bro de 1989. REsp n.° 596-Rs, Rel. Min. Athos carneiro, j. 10 de outubro de 1989.
55 REsp n.° 4.744-Rs, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 26 de março de 1991.
56 REsp n.º 10.542-sc, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 28 de junho de 1991.
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serviço.Assim,afirmou-secorrente jurisprudencialpelaqualpassou-seasustaroprotestomasaconservar-se,combasenopodergeraldecautela,aaçãoregressiva57. Destemodoencontraramostribunaiseqüitativasolução,pelaqualcontemplavamambos os interesses postos em causa.
ÉpelaanálisededecisõesdoSTJacercadaresponsabilizaçãopelaindenizaçãodedanosdecorrentesdoprotestoindevidodeduplicatasemcausaquesepodeafirmarocaráterdaobrigaçãoquecorrespondeaocréditodoendossatáriodeduplicata.Emverdade,oregimedeoponibilidadedeexceçõesdeduplicatasemcausa,oucujacausatenhasidodesfeita,atribuímaiortutelaaodevedorqueopróprioregimedeoponibilidadedeexceçõesafirmadodoutrinariamenteparaostítuloscausais.Éque,umavezafirmadaacorrente jurisprudencialquepermitiaasustaçãodoprotestocomaconservaçãododireitoderegresso,passou-seadecidirpelapossibilidadederesponsabilização civil pelos danos decorrentes de protesto de duplicata sem causa58. Passou-se,inclusive,emalgumasdecisõesdoSTJ,ainverterosignificadodaexpres-sãoterceirodeboafé59,paraindicar-seosacadoque,desconhecendoaexistênciadeduplicatafria,nadatinhaavercomotítulocriadoedescontado.Équeosacadodeduplicatasemcausa,oucujacausatenhasidodesfeitaemmomentoposterioraosaque,podeoporaobanco,terceiroportadordotítulo,exceçãofundadanaausên-ciadecausaourelacionadaàcausa,paraobterindenizaçãoemcasodeprotestodotítulo,nestahipóteseconsideradoabusivo60.
Contudo,ajurisprudênciapredominantedoSTJdistingueoscasosdeendossopleno em desconto de duplicatas e endosso-caução dos casos de endosso-mandato61. Há,porém,decisõesqueestendemaoendosso-mandatoomesmoregimederespon-sabilização civil62 dos demais tipos de endosso. Como excludente de responsabilida-de,podeobancoendossatário-mandatáriodemonstrarqueoendossante-mandantedeu ordem para o protesto63.Porisso,oSTJafirmaqueodeverdeprocederemfavordomandantenãoincluiodeverdeprotestarsemordemexpressa.
O regime da responsabilidade civil do banco por protesto indevido do título deve ser identificado64,poisdeledecorreaimportânciadedeterminar-seascausasexclu-dentesderesponsabilidade.Dessemodo,hádecisõesqueentendemseraresponsa-bilidadefundadanorisco65. A extensão do dano a ser reparado inclui os gastos com o processo66.Hádecisões,contudo,queentendemseraresponsabilidadefundadana culpa67.Podeaculpafundar-senonãoenviodaduplicataaosacadoparaaceite,pois o só envio do boleto não supre o envio da duplicata.68Estainvestigaçãoacercadanaturezadoregimederesponsabilidadecivildobanco,quedecorredoriscodeprotestarduplicatasemcausa,oudeprotestarsemobservarodeverdeverificararegularidade de criação do título, remete, embora não textualmente, ao tema dacausalidadeedaabstração,poisindicamqueapossibilidadedeobancoexercerdi-reitosrelacionadosaotítulodecorre,necessariamente,deumaverificaçãoacercadaexistênciaregulardonegócioquedeuorigemaotítulo.Pode-se,destemodo,afirmarqueoterceiroportadordeboafédeveverificaraexistênciadecausaregulardotítuloparapoderexercerosdireitosaelerelacionados.Emoutraspalavras,odireitodoterceiroportadordaduplicatanãodecorredotítuloemsi,ouseja,nãoéabstrato,masdecorredarelaçãofundamental.Daíporquepode,porexemplo,osacado,opor
57 REsp n.° 2.166-Rs, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 29 de maio de 1990, REsp 43.849-Rs, 38.517-MG, rel. Min. sálvio de Figueiredo; 63.212-MG, rel Min. costa leite, REsp n.° 63.212-MG, rel Min. costa leite, j. 8 de agos-to de 1995, REsp n.° 43.849-Rs, rel. Min. sálvio de Figueiredo, j. 28 de março de 1994.
58 REsp n.º 397.771-MG, rel. Min. Ari Pargendler, j. 02/06/2005. REsp n.° 161.913-MG, rel. Min. carlos Alberto Menezes Direito, j. 22 de setembro de 1998.
59 REsp n.º 185.296-sP, rel. Min. Waldewmar Zveiter, j. 25 de setembro de 2000 – Nesta decisão verifica-se a inversão do significado da expressão “ter-ceiro de boa fé”, que no acórdão foi utilizada para referir-se ao sacado, que em nada se rela-ciona com banco endossatário, pois “o endossatário do título, nessas circunstâncias [em caso de desconto bancário], assume risco próprio a seu negócio, não podendo valer-se das faci-lidades do direito cambial em prejuízo do terceiro de boa-fé.” REsp 185.269-sP, rel. Min. Wal-dewmar Zveiter.
60 REsp n.° 203.755-MG, rel. Min. sálvio de Figueiredo Teixei-ra, j. 27 de abril de 1999, REsp n.° 195.842-sP – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 11 de feve-reiro de 2002, REsp n.º 193.635-MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 2 de fevereiro de 1999, REsp 12.128 – RJ – 4.ª T. – j. 1.9.92 – rel. min. Athos carnei-ro – DJu 21.9.92, v.u. REsp n.° 38.517-MG, rel. Min. sálvio de Figueiredo, j. 14 de maio de 1996, REsp n.° 502-RJ, rel. Min. sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 20 de outubro de 1993.
61 REsp n.° 12.128-RJ, rel. Min. Athos carneiro, j. 1.° de setem-bro de 1992, REsp 57.097/MG, rel. Min. sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u., j. 26.5.1997. REsp n.º 549.733-RJ, rel. Min. cesar Asfor Rocha, j. 9 de março de 2004, REsp n.º 612.800-RO, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 6 de abril de 2004.
62 REsp n.° 259.277-MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 27 de junho de 2002. REsp n.° 285.732-MG, Rel. Min. cesar Asfor Rocha, j. 5 de dezembro de 2002.
63 REsp n.° 333.913-sP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 2 de abril de 2002.
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TíTulOs DE cRéDITO
aobanco,exceçãodepagamentofeitoaosacador-tomador69.Damesmaforma,daídecorreoregimedeoponibilidadedeexceçõesmaisfavorávelaodevedordoqueoregimedeoponibilidadedeexceçõesdos títuloscausais.Contudo,não seexigeaprovadequeoterceiroconhecesseanteriormenteàaquisiçãodotítuloaexistênciadeexceções,oquefazcomquenaduplicataocorranãoacirculaçãopelosmoldesdostítuloscausais,masapenasumacessãodaprovisão.
Contudo, conformeorientação jurisprudencialpredominante, tornam-se abs-tratas todas as obrigações da duplicata pelo aceite aposto no título pelo sacado70. Essaorientação jurisprudencial pode ser interpretada em sentidoque conduza àabstraçãoapenasdasobrigaçõesdecorrentesdaduplicataaceita,pois,comoaceitedaduplicata,gera-seapresunção,iuris tantum,dequeosacadoreconheceuare-gularidadedacriaçãodotítulo,demodoque,pordeclaraçãorealizadanotítulo,presume-searegularidadedarelaçãocausal.Estaaparentaserasoluçãoquemaissecoadunacomasafirmaçõesdanaturezadaduplicata realizadasacima,pois,osimplesaceitedaduplicatanãofazcomqueaduplicataseja,necessariamente,regu-lar,àmedidaqueháaschamadasduplicatasdefavor,emqueosacado,conluiadocomosacador-sacadortomadordaduplicata,lançaoaceiteparaconferiraotítuloaparênciaderegularidade,parafacilitar-lheodesconto.Oaceitededuplicatasemcausatambémconfigurailícitopenal,nostermosdoart.172doCódigoPenal,oquepermiteaconclusãodequepodehaverduplicatasemcausaaceita.
Ademais,ahipótesededuplicatanãoaceitaendossadaaterceiropermiteaode-vedoroporaoterceiroexceçãodepagamentofeitoaosacador-tomador-endossantedaduplicata.Essefatopermiteaconclusãodequenaduplicatanãoaceitaodireitoqueseexercenãoéodecorrentedotítulo,masdecorrentedaprovisão71,relacionadaao negócio de compra e venda.
Enfim,estasbrevesconsideraçõesacercadodireitodaduplicata,quenãopos-suemapretensãodeexclusividadeemsuasconclusões,buscamdemonstrarane-cessidadedeserealizaroesforçodeadequaçãoentreaconstruçãodoutrináriatradi-cionalacercadaduplicata,aevoluçãojurisprudencialeateoriageraldostítulosdecrédito,poisodireito,fenômenoculturalqueé,insere-seemumambientesocioe-conômicoemconstanteeaceleradatransformação,que,porsuavez,estáademan-daro constante esforçode sistematizaçãodas categorias jurídicaspara emprestarmaiorracionalidadeàargumentaçãojudicialquecaptaarealidadeeconômicapordiscursosencontradosemdistintasáreasdodireito,comoaresponsabilidadecivil,o processo civil e o direito cambiário.
64 REsp n.º 254.433-sP, rel. Min. castro Filho, j. 19 de fevereiro de 2004.
65 AgRg no Ag 605.134 / Rs, rel. Min Nancy Andrighi, j. 1.° de setembro de 2005, REsp 195.842-sP, rel. Min. Ruy Rosa-do de Aguiar, j. 11 de fevereiro de 1999, REsp n.° 296.805-AM, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 22 de março de 2001, REsp n.º 331.359-MG, Min. Rel. Ruy Ro-sado de Aguiar, j. 2 de abril de 2002, REsp 143.997-sP, rel Min. Ruy Rosado de Aguiar; 161.913-MG, rel. Min. carlos Alberto Menezes Direito; 144.585-sP, rel. Min. sálvio de Figueiredo Teixeira; AgRg 235.041-sP, rel. Min. carlos Alberto Menezes Di-reito, REsp 185.269-sP, 3.ª T. – j. 25.9.2000 – rel. min. Waldemar Zveiter – DJu 6.11.2000.
66 REsp n.° 327.828-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 7 de fevereiro de 2002.
67 REsp nº 663.731 – RJ – Min. Jorge scartezzini, REsp n.° 397.304-BA, Rel. Min. Aldir Pas-sarinho Junior, j. 17 de outubro de 2002, REsp n.° 481.929-MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 25 de novembro de 2003.
68 REsp n.º 499.516-RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 17 de junho de 2003.
69 REsp n.º 541.739-Rs, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 25 de maio de 2004.
70 sobre a ausência de responsa-bilidade do banco por protesto de duplicata simulada em caso de aceite do título, ver RT 785 (2001), pp. 423-427 – Ap. 1998.04.01.056132-0-0-PR – 3.ª T. j. 28.9.2000 – rel. juíza Vivian Josete Pataleão caminha – DJu 1.11.2000, v.u., – TRF 4.ª Região.
71 REsp n.° 143.997-sP, rel Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 30 de abril de 1998.
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aula 11. securitização de ativos
objetiVos pedagógicos da aUla 11
a) competências
Reflexãodogmática.
b) Habilidades
–GeraisConhecerodebatedogmático.Compreender o impacto prático de debate teórico.
–EspecíficasCompreender a estrutura da securitização de ativos.
c) conteúdos
1. Mecanismos de financiamento da empresa pela segregação de ativos.1.1. Cessão de créditos. 1.2. Securitização.2.Estruturadasecuritização.
atiVidades de preparação do alUno (leitUra obrigatória)
LeiturapréviaobrigatóriadoartigoLeiturapréviade:–SCHWARCZ,StevenL.,“TheAlchemyofAssetSecuritization”.StanfordJournalofLaw,Busi-ness,andFinance,Vol.1,p.133,1994AvailableatSSRN:http://ssrn.com/abstract=868520
pergUntas e proposiçÕes preparatórias
Porquerazãoadesintermediaçãofinanceiraauxiliaofinanciamentodaempresa?
Metodologia da aUla 11
Aula expositiva e socrática.
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TíTulOs DE cRéDITO
dinÂMica da aUla (atiVidade)
Socrática.
atiVidade coMpleMentar (leitUra)
Nãohá.
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CÁSSIO MaCHaDO CaVallIMestre em Direito pela Pontifícia universidade católica do Rio Grande do sul(2006), Graduado em ciências Jurídicas e sociais pela Pontificiauniversidade católica do Rio Grande do sul (1998). Atualmente é professor deDireito comercial da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação GetúlioVargas, professor do GVlaw da Escola de Direito de são Paulo da FundaçãoGetúlio Vargas, professor do curso Advogado cível da Fundação GetúlioVargas, professor da Escola superior da Magistratura - AJuRIs, professorpermanente do Pós-Graduação lato sensu em Direito Empresarial dauniversidade Federal do Rio Grande do sul. é associado ao InstitutoBrasileiro de Direito Empresarial (IBRADEMP). é autor de diversos artigosrelacionados a temas de Direito comercial.
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FICHA TÉCNICA
Fundação Getulio Vargas
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FGV DIREITO RIO
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Fernando PenteadoVIcE-DIRETOR ADMINIsTRATIVO
luís Fernando SchuartzVIcE-DIRETOR AcADÊMIcO
Sérgio GuerraVIcE-DIRETOR DE PÓs-GRADuAÇÃO
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Ronaldo lemoscOORDENADOR DO cENTRO DE TEcNOlOGIA E sOcIEDADE
Evandro Menezes de CarvalhocOORDENADOR AcADÊMIcO DA GRADuAÇÃO
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