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Material para estudo que traz todos os tipos de Titulos de Crédito.

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  • Parte III - Ttulos de crdito FAPI 4P. - DTO Empresarial

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    1. TEORIA GERAL DOS TTULOS DE CRDITO SUMRIO: 1.1 Introduo 1.2 Conceito de ttulo de crdito 1.3 Caractersticas dos ttulos de crdito: 1.3.1 Cartularidade; 1.3.2 Autonomia; 1.3.3 Literalidade 1.4 Classificao 1.5 Espcies de ttulo de crdito 1.6 Regime jurdico dos ttulos de crdito.

    1.1 Introduo

    O crdito, entendido em seu aspecto econmico como a troca de um bem presente por outro futuro, sempre foi fundamental para o desenvolvimento da atividade empresarial, na medida em que o empresrio pode utilizar-se de um bem que no lhe pertence, especialmente recursos financeiros, aplicando-o em seu ofcio. Como resultado dessa operao, tem-se a viabilidade do desenvolvimento de determinada atividade econmica, cujo capital o empresrio, a princpio, no detinha. Um dos pressupostos fundamentais do crdito a confiana1 que o credor tem no devedor e nos instrumentos jurdicos que amparam seu direito creditcio, dando-lhe a necessria segurana quanto ao recebimento, no futuro, do bem confiado ao devedor.

    O crdito de fundamental importncia para a implementao das mais variadas atividades econmicas. Para o comerciante, a possibilidade de oferecer seus produtos mediante pagamento a prazo significa facilitar, em muito, o poder de compra de seus clientes, fazendo com que suas vendas aumentem. Para o industrial, obter crdito perante uma instituio financeira ou de fomento significa a viabilizao de um empreendimento que, com recursos prprios, no teria condies de desenvolver. Para o agricultor, a possibilidade de tomar emprstimo para custear a lavoura, com o objetivo de pag-lo com os frutos da colheita, significa a oportunidade de ampliar em muito sua capacidade de produo. Enfim, no difcil verificar que o crdito instrumento essencial para o crescimento da economia.

    Diante de to importante instrumento econmico, tornou-se necessria a criao de um instituto jurdico apto a garantir os direitos do credor, diante da eventualidade do no pagamento por parte do devedor. Surge, ento, o ttulo de crdito. Diante da facilidade com que circulam, os ttulos de crdito foram recepcionados no meio

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    empresarial como uma forma gil e razoavelmente segura de realizar negcios, facilitando e potencializando a circulao de riquezas.

    Antigamente, o crdito era tido como uma obrigao pessoal entre credor e devedor, em que o credor detinha direitos perante a prpria pessoa do devedor, pois no havia separao entre a pessoa como sujeito de direitos e obrigaes e seu patrimnio. Muitas vezes, a obrigao era satisfeita com a prpria vida do devedor, ou com sua liberdade o devedor poderia ser morto ou transformado em escravo diante da impossibilidade de adimplir as dvidas contradas. Superado esse perodo obscuro, ao admitir-se a separao entre a pessoa do devedor e seu patrimnio, surgiu a possibilidade de transmitir o crdito por meio da sua cesso, figura jurdica tpica do direito civil, que, como tal, resguarda a caracterstica de no permitir a livre circulao do crdito, como ocorre com os ttulos de crdito, sujeitos aos princpios do direito cambirio, conforme veremos a seguir.

    Os ttulos de crdito, conforme nos ensina Fbio Ulhoa Coelho,2 diferenciam-se dos demais documentos representativos de obrigaes pelo fato de no comportarem nenhuma outra obrigao, a no ser aquela relativa ao pagamento de determinada quantia. No se admite que um ttulo de crdito determine a obrigao de entregar determinada coisa, de fazer ou no fazer, conforme ocorre com as obrigaes de um modo geral. Assim, enquanto temos ttulos de crdito que to somente representam a existncia de uma relao de crdito entre credor e devedor, vislumbra-se tambm a hiptese da existncia de contratos que no so ttulos de crdito que obrigam algum a realizar alguma tarefa, a entregar um determinado bem ou a no executar um ato especfico. Alm disso, os ttulos so de fcil executividade a cobrana do crdito em juzo, por lei, no necessita de uma ao de conhecimento prvio, pois so considerados ttulos executivos extrajudiciais, nos termos do art. 585, I, do Cdigo de Processo Civil e esto sujeitos a um regime legal que propicia sua livre circulao, de forma a possurem alta negociabilidade, a ponto de se dizer que os ttulos de crdito so criados para circularem e no para permanecerem nas mos do credor primitivo. Tais caractersticas no se verificam nos chamados instrumentos de crdito civis.

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    1.2 Conceito de ttulo de crdito

    Entre todos os estudiosos que se ocuparam em conceituar ttulo de crdito, coube a Vivante aquela definio que tida como a mais completa e que tem o seguinte enunciado: Ttulo de crdito o documento necessrio para o exerccio do direito, literal e autnomo, nele mencionado. Este conceito praticamente repetido pelo art. 887 do CC. 3

    De fato, nessa definio podemos vislumbrar as principais caractersticas desse instrumento: o ttulo de crdito um documento, ou seja, dever ele estar escrito, gravado em um meio material, normalmente papel, no se admitindo a existncia de ttulo de crdito que no esteja escrito, documentado em meio fsico. Esse documento necessrio para o exerccio do direito nele mencionado, significando dizer que somente com a apresentao do documento que o direito creditcio nele encerrado poder ser efetivamente exigido. Dever o ttulo de crdito mencionar qual o direito a que faz jus o seu portador, em especial a qualificao do devedor seu emitente , a quantia devida, a data em que dever ser paga e em que local praa de pagamento , entre outras informaes.

    O direito mencionado no ttulo de crdito literal e autnomo. Literal porque somente vale o que nele estiver escrito, de forma a impossibilitar que seu portador venha a exigir qualquer outra obrigao que nele no esteja expressamente grafada. A mencionada autonomia, por outro lado, refere-se ao fato de que cada pessoa que assume uma obrigao no ttulo o faz de forma autnoma em relao aos demais participantes, de maneira que se, por acaso, se verificar qualquer tipo de vcio relacionado queles que anteriormente se obrigaram no ttulo, tal defeito no poder ser utilizado pelos demais obrigados como fundamento para o no cumprimento de suas respectivas obrigaes. Por ser direito materializado no documento, com vnculo distinto daquilo que lhe deu causa, o ttulo de crdito garante a livre circulao do direito que representa, de forma a garantir ao seu tempo o cumprimento da obrigao, sem a necessidade de o credor ter de se preocupar com o fato gerador do crdito. Pode ser que este tenha se originado de um emprstimo pessoal ou de uma compra e venda de mercadorias; entretanto, o que importa que o ttulo de crdito representa autonomamente o direito nele impresso.

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    1.3 Caractersticas dos ttulos de crdito

    A evoluo e a larga utilizao do ttulo de crdito somente se verificou diante de suas caractersticas essenciais. Essas caractersticas permitem a sua circulao, podendo passar pelas mos de uma quantidade significativa de pessoas, e, ao contrrio dos demais instrumentos representativos de obrigaes, desvincula-se da causa que lhe deu origem e passa a incorporar o direito nele expresso, independentemente de sua origem. Melhor explicando: em se tratando, por exemplo, de um contrato de compra e venda de um automvel, que contm clusula em que o comprador do veculo dever pagar o preo em uma determinada data futura, se houver interesse do vendedor em ceder o crdito advindo daquele contrato, poder faz-lo a outra pessoa, que, por sua vez, tambm poder ced-lo a terceiro e assim sucessivamente (A compra o automvel de B, que cede seu direito de crdito perante A para C, que, por sua vez, cede este mesmo direito de crdito para D). Ocorre que, caso o adquirente do automvel (A) no efetue o pagamento do preo ajustado por conta da verificao de vcio oculto, pleiteando a resciso do contrato de compra e venda, nos termos do art. 441 do CC,4 o crdito representado por aquele contrato no ser satisfeito, e o seu terceiro portador neste caso, D no poder cobrar de A, B ou C o adimplemento do contrato que se rescindiu por conta da constatao de vcio oculto no objeto transacionado. No entanto, se, com a compra e venda exemplificada, B vendedor tivesse solicitado a A comprador a emisso de um ttulo de crdito em seu favor, representativo do valor que deveria ser pago no futuro, e se este ttulo fosse passado para C, que por sua vez o teria entregado a D, D poderia cobrar o ttulo, em seu vencimento, tanto de A quanto de B ou C, que no poderiam alegar, como motivo para o no pagamento, a resciso do contrato de compra e venda em decorrncia de vcio oculto descumprimento por parte do credor original da obrigao assumida na relao causal, qual seja a obrigao de entregar o veculo em perfeitas condies de uso.

    Tais caractersticas so classificadas pela doutrina mediante a utilizao dos seguintes princpios: cartularidade; literalidade e autonomia. Vejamos cada um deles.

    1.3.1 Cartularidade

    Sendo o ttulo de crdito um documento necessrio para o exerccio do direito nele mencionado, fundamental estar o credor de posse da crtula (documento

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    representativo do ttulo). A cartularidade, portanto, essencial e permite a ampla negociabilidade do ttulo. Assim, sem o documento (crtula) no pode ser exercido o direito nele incorporado. Ao tempo do credor exigir seu crdito, deve ele apresentar o original com a finalidade de que a obrigao nele transcrita possa ser satisfeita. Significa dizer: o possuidor do ttulo de crdito, aos olhos do devedor e de terceiros, representa o real credor. Salienta-se, por ora, que o crdito transmitido com a mudana de titularidade do documento que o representa. Dessa forma, o devedor no estar, em princpio, obrigado a adimplir a obrigao se o ttulo de crdito no for apresentado. Somente aquele que possui o ttulo pode exigir o direito nele gravado. Deve-se registrar que nossos tribunais, no entanto, tm entendido que poder ser substitudo o original do ttulo por cpia autenticada, isso quando aquele anteriormente j tenha figurado em outro processo ou, por qualquer motivo, se tenha dissipado.

    Com o avano da tecnologia, especialmente no que se refere facilidade e rapidez na transmisso e armazenamento de dados por meio de redes de computadores, aliado ao volume cada vez maior de operaes de crdito, mediante a massificao das relaes comerciais, no podemos deixar de assinalar o fenmeno crescente da criao e transmisso do crdito por meio magntico, a desafiar a tradicional disciplina dos ttulos de crdito. Os autores modernos que se debruam sobre as consequncias da informtica na teoria dos ttulos de crdito so unnimes em afirmar a necessidade de se repensar os princpios informativos dos ttulos de crdito, em especial o princpio da cartularidade, na medida em que convivemos com ttulos criados em meio eletrnico, como o caso frequente e cada vez mais disseminado da duplicata virtual, criada em meio magntico pelo empresrio-credor, que a transmite, tambm em meio magntico, via internet, ao banco para que este proceda cobrana. Diante da ordem de cobrana da duplicata virtual, o banco gera um documento que no o ttulo de crdito, mas to somente um documento que faz referncia a sua existncia e serve para aparelhar o pagamento chamado boleto, que enviado por correio para o endereo do devedor, que, de posse dele, efetua o pagamento em qualquer agncia bancria. Veja-se que em nenhum momento a duplicata chegou a se materializar em meio papel, permanecendo todo o tempo de sua existncia no formato magntico.

    Nosso sistema jurdico caminha a passos largos para a regulamentao dessa nova forma de representao de alguns ttulos de crdito forma magntica. Verifique-se a

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    Lei 9.492/97, que regula o regime relativo ao protesto de ttulos e documentos e, no pargrafo nico de seu art. 8., estabelece que podero ser recepcionadas as indicaes a protestos das Duplicatas Mercantis e de Prestao de Servios, por meio magntico ou de gravao eletrnica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalizao das mesmas. O Cdigo Civil, no 3. do art. 889, contempla a existncia de ttulos criados em meio magntico, ao regrar que o ttulo poder ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio tcnico equivalente e que constem da escriturao do emitente, observados os requisitos mnimos previstos neste artigo.

    Como se percebe, estamos prximos de uma nova concepo acerca dos ttulos de crdito, mitigando e minimizando a necessidade de sua apresentao em meio papel. Quanto mais se desenvolva sistemas seguros acerca da identificao (assinatura virtual) do emitente do ttulo e de todos aqueles que por ele se obriguem, mais fcil concebermos a apresentao de ttulos de crdito em meio magntico.

    1.3.2 Autonomia

    A autonomia dos ttulos de crdito verifica-se em funo de que cada obrigao a eles relacionada no guarda relao de dependncia com as demais. Significa dizer que aquele que adquire o ttulo de crdito passa a ser titular autnomo do direito creditcio ali mencionado, sem que exista qualquer interligao com os adquirentes anteriores. Essa caracterstica do ttulo de crdito que o torna apto a circular entre inmeras pessoas, mantendo hgido o direito que dele emerge. Referida autonomia das obrigaes assumidas pelos diferentes agentes que tenham grafado suas assinaturas no ttulo que gera a segurana do cumprimento dessas obrigaes: Quanto mais o ttulo circule, recebendo assinaturas, tanto mais segurana ter o portador de que, no momento aprazado, poder reembolsar-se da importncia mencionada no documento, facultando-lhe a lei receb-la no apenas do obrigado principal mas, na falta desse, de qualquer dos que lanaram suas assinaturas no ttulo e, assim, assumiram a obrigao de pag-lo, se a isso forem justamente chamados.5

    Em decorrncia desse princpio, surgem dois outros subprincpios: o da inoponibilidade das excees ao terceiro de boa-f e o da abstrao.6 A inoponibilidade das excees ao terceiro de boa-f quer significar que, quando o

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    devedor principal venha a ser instado a pagar o valor ao qual se obrigou quando da emisso do ttulo, no poder alegar, para se esquivar do pagamento, possveis excees relacionadas com a relao causal que deu origem dvida consubstanciada no ttulo; ou seja, se o ttulo se originou de um negcio de compra e venda, o emitente do ttulo devedor, portanto no poder alegar ao terceiro de boa-f, ao vir este lhe apresentar esse ttulo para pagamento, que o objeto adquirido apresentou-se em desconformidade com as qualidades que dele se esperavam. Nesse caso o pagamento dever ser feito, podendo o adquirente procurar o vendedor para obter ressarcimento dos danos que foi obrigado a suportar. Por outro lado, nesse caso, se o ttulo de crdito no circular, permanecendo nas mos do vendedor/credor, quando da apresentao para pagamento poder o comprador/devedor excepcionar o pagamento com base no descumprimento da obrigao assumida em decorrncia da relao causal, qual seja a entrega, pelo vendedor/credor, de um bem da forma prometida, justamente porque o vendedor/credor no terceiro, mas sim um dos partcipes da relao causal ensejadora do ttulo.

    A inoponibilidade das excees est positivada na Lei Uniforme (Dec. 57.663/66) em seu art. 17, que estabelece: As pessoas acionadas em virtude de uma letra no podem opor ao portador excees fundadas sobre as relaes pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor. O Cdigo Civil, em seu art. 916, igualmente determina: As excees, fundadas em relao do devedor com os portadores precedentes, somente podero ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o ttulo, tiver agido de m-f.

    O subprincpio da abstrao, derivado da autonomia da obrigao cambial, refere-se ao fato de que, quando o ttulo passa a circular, encontrando-se nas mos de algum que no participou da relao causal-base que lhe deu origem, ele se desvincula por completo do negcio que ensejou sua criao. Em decorrncia disso, o ttulo de crdito no depende de nenhum outro documento para que seu titular exera o direito creditcio dele emergente, bastando sua apresentao. Essa caracterstica acaba por gerar a segurana necessria a respeito do ttulo de crdito, podendo este circular livremente, sem a necessria investigao das causas de seu surgimento.

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    1.3.3 Literalidade

    A literalidade significa que somente considerado aquilo que no ttulo est expresso, ou seja, no se levam em conta os atos gravados em outro documento que no no prprio ttulo, mesmo sendo a ele referido. Portanto, s vale o que no ttulo est escrito. O direito incorporado ao ttulo de crdito literal. Diante disso, aquilo que nele est expresso proporciona ao ttulo seu contedo, extenso e modalidades dos direitos incorporados no documento. Sendo assim, somente tem relevncia jurdica o teor do que est escrito no ttulo, aquilo expressamente desejado pelo emitente do documento.

    Diante desse princpio, aquele que adquire o ttulo adquire o direito tal como est inserto literalmente na crtula, na medida em que nela e somente nela que se especificam os direitos e obrigaes emergentes de sua emisso, com os acessrios e limitaes que porventura dela possam resultar.

    O princpio da literalidade tem razo de ser, na medida em que propicia segurana jurdica para o adquirente do ttulo. Esclarecendo: o ttulo est destinado a circular tal como se encontra redigido, sendo a aquisio do direito nele estampado fundamentada to somente nos termos do que nele vem redigido, de forma que seu adquirente, de posse do ttulo, tem plenas condies de identificar seu contedo, extenso e modalidade dos direitos que representa. Assim, se um aval for dado em documento apartado do ttulo, este ser considerado inexistente como aval, visto que, para ser considerado, dever constar no prprio ttulo a assinatura do avalista.

    Outro exemplo o da quitao parcial do ttulo. Se referida quitao parcial no constar do prprio ttulo, mas sim de recibo apartado, este no poder surtir qualquer efeito perante terceiros de boa-f. Nesse caso, o recibo parcial vlido somente entre credor e devedor original. Na medida em que o ttulo de crdito circula, ou seja, passa pelas mos de terceiros, a quitao parcial no mais poder ser alegada pelo devedor em seu favor, a menos que tal quitao esteja inscrita na prpria crtula. Deve-se lembrar, no entanto, que os documentos que forem produzidos de forma apartada, ou seja, cujos termos no tenham sido apostos no prprio ttulo, perdem sua eficcia perante terceiro, mas permanecem vigorando perante seus signatrios originais, como qualquer obrigao de natureza civil, neste caso completamente desvinculada dos princpios bsicos dos ttulos de crdito.

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    1.4 Classificao

    Encontramos na doutrina diversas classificaes relativas aos ttulos de crdito. Merece especial destaque aquela que analisa os ttulos quanto ao modo de circulao, podendo ser ao portador ou nominativos.

    So ao portador os ttulos nos quais no consta o nome do beneficirio, do titular do direito nele incorporado nesse caso, a pessoa que detm a sua posse quem incorpora as obrigaes dele emergentes. Normalmente, em tais ttulos encontramos a expresso Pague-se ao portador deste.

    Os ttulos nominativos, por sua vez, so aqueles nos quais se verifica o nome do credor, sendo que, para que essa espcie de ttulo circule, necessrio o endosso, que se faz pelo antigo credor ao seu sucessor. Nesses encontra-se a expresso Pague-se a Fulano de Tal a quantia.

    Os ttulos nominativos, por sua vez, podem apresentar-se na modalidade ordem ou no ordem.

    A clusula ordem encontrada em ttulos nominativos, emitidos em favor de determinada pessoa, passveis de serem transferidos por endosso, instrumentos de natureza tipicamente cambiria, conforme veremos adiante. Nesse caso encontra-se no ttulo a expresso Pague-se a Fulano de Tal, ou sua ordem, a quantia. Excepcionalmente, porque destoa da vocao dos ttulos de crdito, podemos encontrar ttulos com a clusula no ordem, significando que seu titular no poder endoss-lo fato este que limita a possibilidade de sua circulao. Cabe ressaltar a lio de Fran Martins,7 que nos ensina: A adoo da clusula ordem foi o fato mais importante na evoluo dos ttulos de crdito, por possibilitar, mediante o endosso, a rpida transferncia dos direitos incorporados nos documentos. Tambm foi mencionado que certos ttulos admitem a clusula no ordem, o que, de certo modo, parece ferir a natureza desses ttulos, cujo escopo a circulao. Tal, entretanto, no acontece, pois o documento, em si, permanece como um ttulo de crdito, j que atesta uma operao em que a confiana requisito principal. Mas, fazendo com que o ttulo no circule livremente, a clusula no ordem retira do mesmo uma das suas principais funes, permitindo que o crdito no seja facilmente usado pela circulao atravs do endosso. Entretanto, o ttulo no ordem tambm pode circular; apenas essa circulao se faz atravs de uma cesso, que requer um

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    termo de transferncia, assinado pelo cedente e pelo cessionrio. E, como consequncia da cesso, o cedente se obriga apenas com o cessionrio, no em relao aos posteriores possuidores do ttulo. Contudo, o direito de crdito, incorporado ao ttulo, permanece.

    Os ttulos de crdito so tambm classificados, quanto hiptese de emisso, em abstratos e causais.

    So abstratos os ttulos que se desvinculam completamente da causa que lhes deu origem, ou seja, a relao fundamental no tem relevncia diante do terceiro de boa-f, mas to somente entre credor e devedor originais. So exemplos de ttulos abstratos o cheque, a nota promissria e a letra de cmbio. Os ttulos causais, tambm chamados de imprprios ou imperfeitos, ao contrrio, vinculam-se necessariamente s causas que lhes deram origem, ao negcio jurdico fundamental, porque somente podem ser emitidos quando da realizao de um determinado negcio jurdico, nos termos determinados em lei. A duplicata um exemplo tpico dessa espcie de ttulo de crdito ttulo causal , na medida em que somente poder ser emitida diante da compra e venda de mercadorias ou da prestao de servios que lhe d origem.

    Os ttulos de crdito podem se apresentar, quanto natureza do crdito de que se revestem, em prprios e imprprios.

    So prprios aqueles ttulos que corporificam uma verdadeira operao de crdito, entendida como tal aquela em que uma pessoa empresta a outra uma determinada quantia para pagamento no futuro. A letra de cmbio e a nota promissria so exemplos de ttulos de crdito prprios.

    Imprprios so os ttulos que no representam uma operao de crdito, ou seja, o seu pagamento no se difere no tempo. o caso do cheque, que uma ordem de pagamento vista mesmo que nele conste uma data de vencimento posterior, poder ser apresentado para pagamento logo aps a sua emisso.

    Quanto ao modelo, os ttulos de crdito podem ser divididos em vinculados e livres. So vinculados aqueles ttulos cujo formato obedecem a padres previamente fixados, no podendo as partes alter-los, sob pena de sua invalidade. Como exemplo tem-se o cheque e a duplicata.

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    So ttulos de crdito livres, por outro lado, aqueles cujo formato no segue um rigor absoluto, podendo ser confeccionados, quanto a sua forma, da maneira que melhor atenda aos interesses das partes. So exemplo desses ttulos a nota promissria e a letra de cmbio. Veja-se que, enquanto para se utilizar do cheque seu emitente, obrigatoriamente, dever utilizar o ttulo fornecido pelo banco, no caso da nota promissria poder ela ser confeccionada em qualquer tipo de papel e formato, bastando que conte com os requisitos indispensveis, nos termos que veremos quando tratarmos dessa espcie de ttulo de crdito.

    1.5 Espcies de ttulo de crdito

    Vrias so as espcies de ttulo de crdito. Entre as mais conhecidas podem-se destacar:

    a) letra de cmbio;

    b) nota promissria;

    c) cheque;

    d) duplicata;

    e) conhecimento de transporte;

    f) warrant;

    g) ttulo de crdito rural;

    h) ttulo de crdito industrial;

    i) ttulo de garantia imobiliria.

    Alguns autores incluem entre as espcies de ttulos de crdito os valores mobilirios emitidos pelas sociedades annimas, tais como suas aes, debntures, partes beneficirias e bnus de subscrio. Discordamos dessa posio, pois em nosso entender os valores mobilirios emitidos pelas companhias no representam to somente um crdito a que tem direito seu titular mais que isso, representam um ttulo de investimento em uma determinada atividade econmica, cuja liquidao est direta ou indiretamente ligada ao sucesso do empreendimento. O crdito advindo da

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    aquisio de um valor mobilirio no nasce, como ocorre com os ttulos de crdito, de uma operao de compra e venda, de prestao de servio ou de crdito propriamente dito, mas advm de um investimento realizado por seu adquirente na sociedade annima que fez a emisso de referido valor mobilirio. Veja-se que, enquanto, por exemplo, uma nota promissria representa a obrigao de seu emitente de efetuar o pagamento de uma determinada quantia na data fixada, e nada mais que isso, a ao de uma sociedade annima traz ao seu titular diversos direitos inerentes qualidade de scio, quais sejam o de participar dos lucros sociais, se verificado lucro no exerccio social; participar do acervo da companhia, em caso de sua liquidao; fiscalizar a gesto dos negcios sociais; direito de preferncia e direito de recesso. Assim, muito embora possam ser identificadas certas caractersticas comuns entre os valores mobilirios e os ttulos de crdito, certamente no podemos inclu-los sob o manto de um mesmo instituto jurdico. Sobre esse assunto tivemos a oportunidade de nos manifestar no Captulo 22 da Parte II, item 22.1, para onde remetemos o leitor.

    Neste curso, levando em conta seus objetivos didticos, trataremos to somente daqueles ttulos mais utilizados, quais sejam a letra de cmbio, a nota promissria, o cheque e a duplicata.

    1.6 Regime jurdico dos ttulos de crdito

    Os ttulos de crdito, no direito brasileiro, tiveram sua primeira regulamentao com o Cdigo Comercial de 1850. Os arts. 354 a 427 tratavam das letras de cmbio, notas promissrias e crditos mercantis de um modo geral, regra que perdurou at o advento do Dec. 2.044, de 1908, que regula a letra de cmbio e a nota promissria. Com a disseminao dos ttulos de crdito por todo o mundo civilizado, em especial no comrcio internacional, vrias foram as tentativas de criar uma regra uniforme entre os Estados soberanos para regular os ttulos de crdito. Depois de inmeras tentativas, a Liga das Naes, sob o argumento de evitar as dificuldades originadas pela diversidade da legislao nos vrios pases em que os ttulos de crdito circulavam e aumentar, assim, a segurana e rapidez das relaes de comrcio internacional, promoveu as conferncias internacionais de Genebra de 1930 e 1931, de que resultaram algumas convenes assinadas por diversos pases, entre eles o Brasil. Em 1930 foram assinadas as seguintes convenes: a) conveno para adotar uma lei uniforme sobre letras de cmbio e notas promissrias; b) conveno relativa

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    aos conflitos de leis em matria das letras de cmbio e nota promissria; e c) conveno sobre selos em letra de cmbio e nota promissria. O Congresso Nacional (Dec. Leg. 54, de 1964) aprovou as aludidas convenes, que entraram em vigor pelo Decreto do Presidente da Repblica 57.663, de 1966. A partir de ento, tivemos como normas vigentes a respeito da letra de cmbio e da nota promissria a chamada Lei Uniforme, resultante da supracitada Conveno de Genebra, e, naquilo em que no contrariava referida Lei Uniforme, o Dec. 2.044, de 1908.

    Em 1931 foram assinadas as seguintes convenes: a) conveno para adotar uma lei uniforme sobre cheques; b) conveno destinada a regular certos conflitos de leis em matria de cheques; e c) conveno relativa ao imposto do selo em matria de cheques e protocolo. Essas convenes internacionais foram introduzidas no direito brasileiro pelo Dec. 57.595/66. Hoje o cheque regulado pela Lei 7.357/85, diploma este que incorpora integralmente as disposies da Lei Uniforme.

    Fruto da tentativa de unificao do direito civil e comercial num mesmo diploma legal, surge o Cdigo Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002), cujo anteprojeto foi elaborado por uma comisso de juristas coordenada pelo Prof. Miguel Reale, que, aps 27 longos anos de tramitao no Congresso Nacional, passou a regular, a partir de janeiro de 2003,8 uma srie de institutos do direito comercial, entre eles os ttulos de crdito. No Livro I da Parte Especial do Cdigo, que trata do direito das obrigaes, o legislador inseriu o Ttulo VIII Dos ttulos de crdito, que, por sua vez, conta com quatro captulos: Captulo I Disposies gerais; Captulo II Do ttulo ao portador; Captulo III Do ttulo ordem; e Captulo IV Do ttulo nominativo.

    Com essa nova realidade, cabe destacarmos o problema sobre o qual j se debruaram doutrina e jurisprudncia, que se refere possibilidade ou no de lei interna vir a revogar tratado internacional. Segundo os estudiosos adeptos da teoria monista, da qual so defensores, entre outros, Hans Kelsen, Haroldo Vallado, Oscar Tenrio, Celso de Albuquerque Mello e Marotta Rangel, o direito interno e o direito internacional so ramos integrantes de um nico sistema, diante do qual as normas internacionais prevalecem sobre as internas. Assim, os tratados internacionais devidamente referendados e promulgados contam com precedncia hierrquica sobre as leis internas, podendo ser revogados somente pela denncia e jamais por norma interna. Em contraposio a essa teoria, encontramos os adeptos da teoria dualista. Autores como Triepel, Anzilotti e Amilcar de Castro defendem a existncia de duas

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    ordens jurdicas independentes, uma interna e outra internacional. As normas de direito internacional, segundo esse pensamento, disciplinam as relaes entre os Estados e entre estes e os demais protagonistas da sociedade internacional; por sua vez, o direito interno rege as relaes intraestatais, sem qualquer conexo com elementos externos.

    Aps profunda discusso do tema nos meios jurdicos, onde se entrechocaram posies radicalmente antagnicas, sobreveio o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no RE 80.004,9 segundo o qual, embora a Conveno de Genebra tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, no se sobrepe ela s leis do Pas, restando possvel que lei interna disponha de modo diverso daquele estabelecido em tratado internacional. L-se nas razes de voto do Ministro Cunha Peixoto: Com efeito, se a Lei Uniforme transformou-se em direito positivo brasileiro, evidente que pode ser modificada ou revogada, como qualquer outro diploma legal. Do contrrio, transformar-se-ia qualquer lei que procedesse de algum tratado em superlei, em situao superior prpria Constituio Brasileira. () Do contrrio, teramos, ento e isto, sim, seria inconstitucional , uma lei que s poderia ser revogada pelo Chefe do Poder Executivo, atravs da denncia do tratado. Destacamos, no entanto, que as normas relativas aos ttulos de crdito trazidas pelo Cdigo Civil somente sero utilizadas na hiptese em que no venham a contrariar a lei especial, e em particular os tratados internacionais que disciplinam essa matria. O art. 903 disciplina que, salvo disposio diversa em lei especial, regem-se os ttulos de crdito pelo disposto neste Cdigo.

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    QUADRO SINTICO

    DOUTRINA COMPLEMENTAR

    FBIO ULHOA COELHO (Curso, p. 452), com relao ao que chama de desmaterializao dos ttulos de crdito, assinala: O registro da concesso e circulao do crdito em meio magntico tornou obsoletos os preceitos do direito cambirio intrinsecamente ligados conCartularidade, literalidade (em certa medida), distino entre atos em branco e em preto representam aspectos da disciplina cambial desprovidos de sentido, no ambiente informatizado. Sobre o regime dos ttuloassinala (p. 450): O Cdigo Civil de 2002 contm normas sobre os ttulos de crdito (arts. 887 a 926) que se aplicam apenas quando compatveis s disposies

    DOUTRINA COMPLEMENTAR

    HOA COELHO (Curso, p. 452), com relao ao que chama de desmaterializao dos ttulos de crdito, assinala: O registro da concesso e circulao do crdito em meio magntico tornou obsoletos os preceitos do direito cambirio intrinsecamente ligados condio de documento dos ttulos de crdito. Cartularidade, literalidade (em certa medida), distino entre atos em branco e em preto representam aspectos da disciplina cambial desprovidos de sentido, no ambiente informatizado. Sobre o regime dos ttulos de crdito no Cdigo Civil, assinala (p. 450): O Cdigo Civil de 2002 contm normas sobre os ttulos de crdito (arts. 887 a 926) que se aplicam apenas quando compatveis s disposies

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    HOA COELHO (Curso, p. 452), com relao ao que chama de desmaterializao dos ttulos de crdito, assinala: O registro da concesso e circulao do crdito em meio magntico tornou obsoletos os preceitos do direito

    dio de documento dos ttulos de crdito. Cartularidade, literalidade (em certa medida), distino entre atos em branco e em preto representam aspectos da disciplina cambial desprovidos de sentido, no

    s de crdito no Cdigo Civil, assinala (p. 450): O Cdigo Civil de 2002 contm normas sobre os ttulos de crdito (arts. 887 a 926) que se aplicam apenas quando compatveis s disposies

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    constantes de lei especial ou se inexistentes estas (art. 903). De modo sumrio, so normas de aplicao supletiva, que se destinam a suprir lacunas em regramentos jurdicos especficos. De qualquer modo, so normas que no revogam nem afastam a incidncia do disposto na Lei Uniforme de Genebra, Lei do Cheque, Lei das Duplicatas, Decreto 1.103/1902 (sobre warrant e conhecimento de depsito) e demais diplomas legislativos que disciplinam algum ttulo particular (prprio ou imprprio).

    FRAN MARTINS (Ttulos, p. 4) ensina: Com o aparecimento dos ttulos de crdito e a possibilidade de circulao fcil dos direitos neles incorporados, o mundo na verdade ganhou um dos mais decisivos instrumentos para o desenvolvimento e o progresso. Quanto s caractersticas dos ttulos de crdito, aduz (p. 11): No so apenas os princpios acima enunciados que caracterizam os ttulos de crdito. Indispensvel se torna que o documento se revista de certas exigncias impostas pela lei para que tenha a natureza de ttulo de crdito e assegure ao portador os direitos incorporados no mesmo. E, assim, o formalismo o fator preponderante para a existncia do ttulo e sem ele no tero eficcia os demais princpios prprios dos ttulos de crdito. Tanto a autonomia das obrigaes como a literalidade e a abstrao s podero ser invocadas se o ttulo estiver legalmente formalizado, donde dizerem as leis que no tero o valor de ttulo de crdito os documentos que no se revestirem das formalidades exigidas por ditas leis. Cada espcie de ttulo possui, assim, uma forma prpria. Isso se obtm atravs do cumprimento de requisitos, expressamente enumerados na lei. Devem, desse modo, tais requisitos constar obrigatoriamente dos ttulos, e do modo preconizado na lei.

    LUIZ EMYGDIO F. DA ROSA JR. (Ttulos, p. 60) expe: O ttulo de crdito documento capaz de realizar imediatamente o valor nele mencionado, ou seja, o portador pode receber a soma cambiria antes do vencimento atravs de operaes de desconto, e, por isso, o ttulo de crdito nasce para circular e no para ficar imvel entre as partes primitivas. O pagamento do ttulo, ocorrendo no vencimento, extingue a sua vida cambiria, e, assim, o ttulo de crdito ttulo de resgate porque nasce para ser transformado em dinheiro e exaurir-se a relao cambiria, no sendo ttulo de permanncia, como, por exemplo, a ao de sociedade annima. Tratando-se de ttulo de resgate, o devedor, quando paga a soma cambiria, tem direito de receber o ttulo quitado, e se essa entrega no for possvel, tem direito de receber a quitao em documento separado. Em seguida, menciona (p. 67): Quanto distino entre a relao causal e a relao cartular, o fundamento do princpio da autonomia reside na

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    constatao de que a obrigao cambiria resulta de declarao unilateral de vontade por parte do subscritor do ttulo, e no de contrato celebrado com o beneficirio. Por isso, quando algum subscreve ttulos de crdito, gerando o seu nascimento, faz uma promessa abstrata de pagamento, que se dirige no apenas ao seu beneficirio mas tambm a outrem por sua ordem, pessoa indeterminada, que ser quem no vencimento tiver o ttulo em mo. Isso porque a funo do ttulo de crdito a sua circulabilidade, e, assim, nasce para circular e no para ficar imvel, entre as partes originrias. O objeto da circulao o ttulo e no o direito abstrato que nele se contm. As relaes causal e cartular no se confundem, embora coexistam harmonicamente porque a criao do ttulo de crdito no implica em novao no que toca relao causal, vez que esta no se extingue. Por outro lado, a possibilidade legal do devedor poder opor exceo pessoal ao credor, com quem se relaciona diretamente no ttulo, no implica em negao da autonomia cambiria. (Decreto 2.044, de 1908, art. 51, LUG, art. 17 e LC, art. 25). Tal oposio se justifica pelo princpio da economia processual, para evitar que o devedor cambirio, aps pagar o valor do ttulo na ao cambiria, tenha de mover contra o credor do ttulo uma ao extracambiria para recuperar o valor pago, fundada na relao causal, quando o mencionado credor tenha descumprido a obrigao assumida na relao causal.

    NEWTON DE LUCCA (Aspectos, p. 57), sobre o princpio da cartularidade, argumenta: O fenmeno da cartularidade decorre da literalidade e da autonomia. em razo de ser o direito mencionado no ttulo literal e autnomo que a apresentao da crtula torna-se necessria para o exerccio desse direito. Cartularidade , para ns, portanto, a necessidade de apresentao do documento para o exerccio do direito. Com este conceito no estaremos esgotando, verdade, as diferentes acepes em que se emprega o termo. claro que num determinado sentido (sentido etimolgico chartula) a crtula corresponde simplesmente carta, ao pedao de papel. Em outro sentido, comum referir-se crtula procurando designar o direito cartular, isto , o direito emergente da crtula. () Com efeito, se considerarmos que o documento necessrio para o exerccio do direito (com este sentido explicamos a cartularidade), como entender-se que o direito esteja e ao mesmo tempo no esteja incorporado no ttulo de crdito? Se aceitamos o argumento de Vivante, segundo o qual o direito no se incorpora no ttulo j que, uma vez perdido o ttulo, no est perdido o direito, havendo meios processuais para readquiri-lo ou anul-lo se o direito, enfim, algo que est fora do ttulo de crdito, como explicar, ento, essa ntima

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    conexo entre direito e ttulo de tal sorte que no se pode exercitar um sem que o outro esteja presente? () Parece-nos que a verdadeira explicao do problema ainda no foi dada. Os adeptos da incorporao do direito no ttulo embaraam-se, por um lado, na tentativa de refutar o argumento de Vivante. O fenmeno da cartularidade, por outro, est a exigir de ns uma razo que justifique a ntima conexo a que nos referimos entre direito e ttulo. A doutrina no chegou a um consenso e tudo est a indicar que no h qualquer perspectiva de que possa ser alterado o presente quadro. De nossa parte, acreditamos que a resposta questo esteja no uso indevido da palavra direito. Sem maiores pretenses cientfico-doutrinrias, ousamos afirmar que no se atentou para o fato de que, sendo a palavra direito uma palavra multvoca e multvoca analgica, sob sua amplitude conceitual encobriram-se duas situaes que, na verdade, em nada se assemelham. Expliquemo-nos: quando dizemos que estando perdido o ttulo no est perdido o direito, estamos dando expresso direito um sentido diverso daquele com que procuramos designar a relao jurdica emergente de um ttulo. O direito de recuperar um ttulo perdido, assim, no se funda obviamente na existncia de um ttulo de crdito anterior. Funda-se, isto sim, na existncia de um vnculo entre um credor e um devedor. Estamos verificando, pois, que a utilizao da expresso direito tanto para designar o direito cartular como para indicar o direito que tem o sujeito ativo de uma relao obrigacional, falseia a realidade de duas situaes que, embora afins, no correspondem exatamente.

    RUBENS REQUIO (Curso, p. 456) explica: Sem dvida, devido criao dos ttulos de crdito, os capitais, pela rpida circulao, tornam-se mais teis e, portanto, mais produtivos, permitindo que deles melhor se disponha, a servio da produo de riqueza. Compreende-se, assim, a enorme importncia que adquiriram os ttulos de crdito na economia atual, tornando seu estudo um dos pontos altos do moderno direito comercial. E, ainda, menciona (p. 466): Um dos aspectos mais curiosos do direito relativo aos ttulos de crdito resulta da debatida questo de se saber se, incorporado um ttulo de crdito ao ttulo, esse direito se extingue pela novao, ou subsiste de forma latente. () Se o ttulo de crdito engendrasse novao de crdito antigo, exigindo-o, no se poderia cogitar da ao de locupletamento ou enriquecimento sem causa, a que expressamente alude o art. 48 do Decreto 2.044, quando permite que, sem embargo da desonerao da responsabilidade cambial, o sacador ou aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma

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    com a qual se locupletou custa deste, nem se admitiria a oponibilidade das excees fundadas em direito pessoal do devedor contra o portador, que, como se estudou, podem ser opostas nas relaes diretas entre um e outro (Decreto 2.044, art. 51). A inclinao do Supremo Tribunal Federal considerar o pagamento feito por ttulo de crdito como pro solvendo, como se v no julgamento do RE 14.065, de 1951, relatado pelo Min. Nlson Hungria (Revista Forense, 140/175).

    WALDIRIO BULGARELLI (Ttulos, p. 53), quanto s caractersticas dos ttulos de crdito, assevera: Como j visto, os ttulos de crdito representam o principal instrumento de circulao da riqueza. Entretanto, para que possam cumprir sua funo eficazmente, devem ser dotados de certos requisitos que os caracterizam perante os demais documentos. Diversamente dos quirgrafos comuns, que so meramente probatrios, os ttulos de crdito so constitutivos de um direito distinto da sua causa, e por isso as normas que os regem, chamadas em conjunto de direito cambial ou cambirio, so especficas e, em alguns casos, constituem at mesmo derrogaes do direito comum. A explicao do fato encontra-se na necessidade de atribuir segurana e certeza na circulao desse direito que deve ser gil e fcil, o que no ocorre com os direitos de crdito representados pelos documentos comuns. Dificilmente circulam os crditos de contratos em geral, devido insegurana decorrente da forma clssica de cesso, que arrasta com ela a possibilidade de o devedor invocar contra os cessionrios as defesas pessoais e decorrentes do prprio negcio, em relao ao credor originrio. Trata-se de uma verdadeira caixa de surpresas, conforme alude Ascarelli, pois o cessionrio de um crdito dificilmente poder saber das excees que o devedor possa ter contra o cedente, ou seja, o credor originrio. Essa a justificativa principal da elaborao do direito cambirio que, destinando-se, precipuamente, a possibilitar a circulao dos ttulos de crdito, procura cerc-la de segurana e certeza. Menciona, adiante (p. 55): Por derradeiro cabe destacar que o ttulo de crdito considerado coisa mvel (arts. 47 e 48 do Cdigo Civil) ]arts. 82 e 83 do CC/2002], constituindo verdadeiro direito ob rem ou propter rem, em favor do possuidor do documento. A incorporao do direito no documento, considerado este como coisa mvel, f-lo refugir da cesso de direito e cair na regra da circulao das coisas mveis, em que prevalece a divisa en fait de meuble possession vout titre. Aduz, tambm, sobre o conceito, assim definindo (p. 56): A criao ou emisso de um ttulo de crdito direito corporificado em um documento gera obrigao a bem dizer objetiva, desde que circule, isto , seja

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    transferido pelo beneficirio original. como se o devedor, ao emitir o ttulo, tivesse assumido uma dvida impessoal, obrigado a pagar a quem lhe apresentar o ttulo, portanto, sem titular determinado.

    2. LETRA DE CMBIO SUMRIO: 2.1 Noes gerais 2.2 Histrico e regime legal 2.3 Conceito 2.4 Requisitos essenciais 2.5 A cambial incompleta ou em branco.

    2.1 Noes gerais

    A letra de cmbio no foi a primeira espcie de ttulo de crdito a surgir antes dela havia a nota promissria. No entanto, tendo em vista sua larga utilizao no perodo de construo e sedimentao de toda a teoria que envolve os ttulos de crdito, alm de sua estrutura peculiar, foi a letra de cmbio eleita, pela unanimidade dos autores que tratam desse assunto, o ttulo que melhor serve como padro para o estudo dos fundamentos bsicos dos ttulos de crdito, de um modo geral. Seguindo essa recomendao de ordem didtica, tomaremos a letra de cmbio como base para nossos estudos. Sendo assim, no presente captulo estudaremos essa espcie de ttulo de crdito e, em seguida, todos os institutos ligados aos ttulos de crdito de forma generalizada, entre eles o aceite, o endosso, o aval, o vencimento, o pagamento e o protesto, para, no final, tratarmos dos demais ttulos de crdito.

    2.2 Histrico e regime legal

    Muito embora existam algumas manifestaes dando conta da existncia de rudimentos da letra de cmbio no direito romano, certo que foi na Idade Mdia que esse instituto efetivamente ganhou relevncia econmica e se desenvolveu. A Itlia daquela poca, especialmente suas cidades martimas, era um importante polo de operaes mercantis. Os mercadores de ento, no entanto, enfrentavam srias dificuldades no que se refere moeda utilizada para a aquisio das mercadorias. O primeiro obstculo dizia respeito ao risco que significava o transporte de valores de uma cidade para outra, e o segundo referia-se ao fato de que cada cidade cunhava

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    sua prpria moeda, cabendo ao mercador efetuar a troca da moeda de sua localidade pela moeda do local onde estava efetuando a aquisio de mercadorias.

    A simples operao de cmbio de troca de uma moeda por outra , chamada de cmbio manual, resolvia o problema relacionado com a diversidade de moedas entre as vrias cidades; no entanto, permanecia o inconveniente de o mercador obrigar-se a viajar transportando valores e correndo o risco de sofrer assaltos. Como forma de soluo desse problema surge, ento, a operao chamada de cmbio trajectcio, operao pela qual o cambista (banqueiro da poca) obrigava-se a entregar a moeda em local diverso daquele onde a transao de cmbio estava sendo efetuada. Assim, junto com a cautio (instrumento lavrado pelo tabelio que indicava a obrigao do banqueiro de pagar o equivalente de uma moeda em outra, no prazo e tempo estabelecidos) era anexada uma carta do banqueiro emissor para o banqueiro receptor, ou seu correspondente, no lugar onde o pagamento deveria ser feito, com instrues para o pagamento de determinada quantia em moeda local. Era a chamada lettera di pagamento di cambio, que mais tarde passou a ser chamada apenas de lettera di cambbi. Entretanto, devido grande quantidade de cmbio que era efetuado e tambm demora considervel que esse aparato necessitava, a cautio caiu em desuso, restando letra de cmbio prova inconteste da obrigao assumida pelo banqueiro de pagar, em outra praa, o valor correspondente em moeda corrente da praa do pagamento.

    Por serem as feiras e os mercados pontos de encontro entre os comerciantes, nelas estavam sempre presentes os banqueiros, responsveis pelo pagamento e recebimento de tais letras de cmbio. Note-se que nessa operao havia: a) o banqueiro (sacador-subscritor-emitente), que recebia o dinheiro em depsito e emitia a letra de cmbio; b) a pessoa que entregava o dinheiro (tomador-beneficirio) ao banqueiro e recebia a carta; e c) a pessoa que estava encarregada de efetuar o pagamento do dinheiro ou a quem a ordem de pagamento era dirigida (sacado). Muitas vezes, o sacado era mandatrio do sacador. Com o passar dos tempos, o sacado no estava mais vinculado ao sacador, e, para que se fosse provado que deveria pagar pela quantia, criou-se o instituto do aceite, que nada mais que a expresso da vontade do sacado, assunto este que ser tratado em seguida. Foi pelo aceite que o tomador passou a poder exigir do sacado a quantia em dinheiro que lhe era devida. A letra de cmbio requer trs pessoas um sacador (subscritor-emitente), um tomador (beneficirio) e um sacado , no sendo, necessariamente, pessoas

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    diferentes. Nesse sentido esclarece o art. 3. da Lei Uniforme sobre letras de cmbio (Dec. 57.663/66): a letra pode ser ordem do prprio sacador, pode ser sacada sobre o prprio sacador e pode ser sacada por ordem e conta de terceiro.

    Passada essa sua primeira fase consubstanciada no perodo italiano, surgiu, em 1650, uma segunda fase da letra de cmbio, a do direito francs, no qual ela representava apenas um contrato de compra e venda que advinha de uma relao de delegao ou mandato. Em 1848, com o surgimento da lei cambial alem, inicia-se a terceira fase da letra de cmbio perodo alemo , em que efetivamente construda a teoria sobre a letra de cmbio, tal qual a conhecemos hoje.

    2.3 Conceito

    A letra de cmbio uma ordem de pagamento que determinada pessoa passa a outra, perante a qual detm crdito, para que pague, a um terceiro, a soma em dinheiro nela indicada. Verifica-se nessa espcie de ttulo de crdito a existncia de trs pessoas: a) o sacador, tambm chamado de emitente ou subscritor, que a pessoa que emite, que saca a ordem de pagamento; b) o sacado, tambm conhecido como aceitante ou principal obrigado, pessoa para quem a ordem dirigida; e c) o tomador, beneficirio ou credor, pessoa a favor de quem o ttulo passado.

    Ordinariamente, a letra de cmbio se presta para que o sacador, em vez de efetuar o pagamento de uma determinada dvida diretamente ao tomador seu credor , em vista de ter crdito perante o sacado, opta por emitir uma letra de cmbio, por meio da qual ser satisfeito seu crdito perante o sacado, bem como o crdito do tomador perante o prprio sacador. Exemplificando: imagine-se que Joo credor de Pedro e devedor de Jos, exatamente na mesma quantia e com vencimento na mesma data. Em vez de Joo, vista do vencimento das obrigaes, receber o valor devido de Pedro e, em seguida efetuar o pagamento a Jos, resolve, com a emisso da letra de cmbio e mediante uma nica operao, liquidar as duas outras relaes de crdito e dbito. Nesse caso, com a emisso da letra, Joo (sacador) d ordem a Pedro (sacado) para que pague o valor, que, a princpio, lhe devido, diretamente a Jos (tomador).

    Nada impede, no entanto, que sacador e tomador sejam a mesma pessoa. Imaginemos que Pedro deve a Joo determinada quantia. Nada impede que Joo

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    (sacador) saque uma letra de cmbio, dando ordem a Pedro (sacado) que efetue o referido pagamento a ele prprio Joo (tomador).

    Menos comum, mas tambm possvel, a hiptese de sacador, sacado e tomador serem a mesma pessoa. Nesse caso, a letra emitida com o objetivo nico de circular e representar uma dvida que o sacador/sacado/tomador tem perante um terceiro, com quem fez o desconto do ttulo. Em seu vencimento, o portador do ttulo ir procurar o sacado, para que seja efetuado o pagamento do mesmo.

    2.4 Requisitos essenciais

    Alm daqueles requisitos exigveis em todos os negcios jurdicos, nos termos da lei civil, como o caso da capacidade das partes, objeto lcito e ausncia de vcios (fraude, dolo, simulao, erro ou coao), chamados de requisitos intrnsecos, a letra de cmbio deve preencher outros requisitos, os requisitos extrnsecos. So eles (LU, art. 1.):

    a) A palavra letra de cmbio inserta no prprio texto do ttulo e expressa na lngua empregada para a redao desse ttulo, sem que se permita a utilizao de expresso equivalente. Referida locuo dever estar expressa no prprio texto do ttulo, de forma que as pessoas que nele colocarem suas assinaturas tero plena cincia das consequncias inerentes a este ato.

    b) Ordem incondicional de pagar uma quantia determinada, no sendo possvel que conste no ttulo qualquer tipo de condio para seu pagamento, de forma que a eficcia da letra no dependa de qualquer fato estranho ao prprio ttulo, nos termos do que determina o princpio da literalidade. A quantia fixada no ttulo deve ser exata, no havendo como aceitar uma letra com indicao imprecisa do valor a ser pago o valor deve ser certo e expresso em moeda. No se admite que o pagamento se d mediante a entrega de qualquer outra coisa, seno uma determinada soma em dinheiro, isso para que todos aqueles que se vinculem ao ttulo tenham a exata noo de seu valor.

    Muito se discutiu a respeito da possibilidade de incluso no ttulo de clusula de correo monetria ou indicao de determinada moeda estrangeira como eventual instrumento de correo monetria formas de proteo utilizadas pelas partes contra os efeitos corrosivos causados pela inflao sobre o valor original lanado no

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    ttulo. Vozes levantaram-se contra essa possibilidade sob a alegao de que, ao se admitir qualquer espcie de correo do valor constante do ttulo, estar-se-ia ferindo o princpio da literalidade inerente aos ttulos de crdito, alm de contrariar o estabelecido nos arts. 1. e 75 da Lei Uniforme, que determinam que na letra de cmbio e na nota promissria dever constar mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada, sendo que, se for necessrio realizar qualquer clculo, qualquer operao aritmtica, como o caso da multiplicao por algum ndice de correo (IGP-M, INPC, cotao do dlar norte-americano etc.), tal quantia passa a ser determinvel e no determinada, impossibilitando inclusive sua execuo, na medida em que a dvida nela inscrita deixaria de ser lquida e certa, nos termos exigidos pelo art. 586 do Cdigo de Processo Civil.1 Em que pesem tais argumentos, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se em sentido contrrio, ou seja, a adoo de ndice de correo monetria no ttulo no o desnatura, mantendo atualizados o crdito e o dbito, no afrontando qualquer princpio de direito, muito menos norma expressa de lei, no tornando incerta nem ilquida a dvida.2-3 Hoje, no entanto, vige a Lei 10.192, de 14.02.2001, originada da Medida Provisria 1.053, de 30.06.1995, que, a pretexto de controlar o grave processo inflacionrio pelo qual nosso pas atravessava, veda, at os dias de hoje, qualquer estipulao de pagamento expressa em ou vinculada a ouro ou moeda estrangeira, bem como incidncia de correo monetria em periodicidade inferior a um ano. Dessa forma, conclumos que no mais possvel a emisso de qualquer ttulo de crdito em moeda estrangeira, mesmo que seu pagamento se d em moeda nacional, bem como que a insero de clusula de correo monetria somente possvel se entre a data de sua emisso e o vencimento transcorrer prazo superior a um ano.

    A propsito, cabe ressaltar que, nos termos da Lei 6.899/81, nas execues fundadas em ttulos de dvida lquida e certa, como o caso dos ttulos de crdito, o valor do dbito dever ser corrigido monetariamente, a contar do respectivo vencimento.

    Nos termos do que estabelece o art. 5. da Lei Uniforme, o sacador pode fazer constar da letra a incidncia de juros compensatrios4 sobre o valor a ser pago, desde que seu vencimento seja vista ou a certo termo da vista (LU, arts. 34 e 35). Essa estipulao, no entanto, deixa de ser possvel, pois o art. 890 do CC considera no escrita a clusula de juros inserta no ttulo. Se constar na letra de cmbio a quantia devida por extenso e em algarismos, e houver divergncia entre ambos, prevalecer a que estiver feita por extenso. Por outro lado, caso a quantia seja

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    indicada mais de uma vez em algarismos ou por extenso, prevalecer a indicao que contiver a menor quantia, tudo nos termos do art. 6. da Lei Uniforme.

    c) O nome de quem deve pagar o ttulo (sacado), que dever estar devidamente identificado, preferencialmente pelo nmero de sua cdula de identidade, inscrio no CPF ou CNPJ, ttulo de eleitor ou pelo nmero de sua carteira profissional. Cabe ressaltar que no com a simples emisso da letra que o sacado se obriga por ela dever ele proceder ao que se chama de aceite, ato pelo qual o sacado efetivamente se vincula letra e se torna seu devedor principal.

    d) O nome da pessoa a quem ou ordem de quem a letra deve ser paga (tomador), diante do que no existe a possibilidade de a letra ser emitida ao portador, devendo necessariamente conter o nome de seu beneficirio. Isso no significa que, na prtica negocial, a letra no seja criada sem o nome do tomador. Nesse caso, caber a complementao da letra antes de ser apresentada para protesto ou instruir eventual processo judicial de execuo.5 Por outro lado, essa exigncia fica bastante minimizada com a regra do art. 14 da Lei Uniforme, o qual preceitua que, havendo endosso em branco sem a indicao do endossatrio , a letra se transmite por simples tradio.

    e) A indicao da data em que a letra sacada. A importncia de se fazer referncia data em que a letra foi sacada est relacionada com a necessidade de saber se, quele tempo, seu emitente tinha capacidade jurdica para assumir a obrigao; qual o vencimento da letra sacada a tempo certo da vista; se a letra for pagvel vista, qual o termo inicial da contagem de um ano para o prazo de sua apresentao etc.

    f) A indicao do lugar onde a letra sacada, sendo que, nos termos do art. 2. da Lei Uniforme, na falta de referida indicao do lugar, considera-se como se a letra fosse sacada no lugar designado ao lado do nome do sacado. Por outro lado, na ausncia de indicao do lugar, nos termos do 2. do art. 889 do CC, considera-se lugar de emisso e de pagamento, quando no indicado no ttulo, o domiclio do emitente.

    g) A assinatura do sacador, vinculando-o letra e obrigao nela estampada. A assinatura dever ser feita de prprio punho, no sendo permitidas assinaturas litografadas ou processadas por qualquer meio mecnico. Tratando-se de pessoa jurdica, a assinatura dever ser daquela pessoa que tem poderes para represent-la nos termos de seus atos constitutivos, cabendo falar em assinatura por procurao,

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    ocasio em que um terceiro, munido de mandato outorgado pelo sacador, obriga-se em nome do mandante.

    O art. 1. da Lei Uniforme faz referncia, como requisito indispensvel da letra de cmbio, a indicao da poca do pagamento, ou seja, qual a data em que o ttulo dever ser pago. Esse requisito, no entanto, no indispensvel, na medida em que consta no 2. do art. 2. da Lei Uniforme que a letra em que se no indique a poca do pagamento entende-se pagvel vista; sendo assim, se no ttulo no constar a data de seu vencimento, a letra permanece vlida como ttulo de crdito, considerando-se seu vencimento vista. Esse dispositivo repetido pelo Cdigo Civil, no 1. do art. 889.

    2.5 A cambial incompleta ou em branco

    Nos termos do que estabelece o art. 10 da Lei Uniforme, bem como o art. 891 do CC, a letra que no contenha todos os seus requisitos necessrios poder t-los preenchidos pelo seu portador, ocasio em que ser considerado como mandatrio do devedor, se o fizer de boa-f. A propsito, a jurisprudncia firmou posicionamento no sentido de que a cambial emitida ou aceita com omisses, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-f antes da cobrana ou do protesto.6

    Sendo assim, o portador que recebe letra faltando qualquer de seus requisitos poder preench-la, presumindo-se estar praticando tal ato como procurador do sacador, desde que o faa de boa-f. Dessa forma, aquele ttulo que a princpio no continha todos os seus requisitos, e, se fosse apresentado para protesto ou cobrana, no teria os predicados inerentes aos ttulos de crdito, passa a conter todos os requisitos essenciais para tanto.

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    QUADRO SINTICO

    MODELO DE LETRA DE CMBIO

    SMULAS

    SMULA 387 STF: A cambial emitida ou aceita com omisses, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa

    ODELO DE LETRA DE CMBIO

    SMULA 387 STF: A cambial emitida ou aceita com omisses, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-f antes da cobrana ou do protesto.

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    SMULA 387 STF: A cambial emitida ou aceita com omisses, ou em branco, pode antes da cobrana ou do protesto.

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    SMULA 60 STJ: nula a obrigao cambial assumida por procurador do muturio vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste.

    DOUTRINA COMPLEMENTAR

    FBIO ULHOA COELHO (Curso, p. 457), com relao ao saque da letra de cmbio, ensina: O saque da letra, portanto, o ato de criao do ttulo de crdito. por meio dele que o sacador d nascimento letra de cmbio. A doutrina comercialista tradicionalmente distingue entre criao e emisso, ensinando que o primeiro ato corresponde confeco material do documento, que se conclui com a aposio da assinatura do sacador no papel; enquanto que o ltimo a entrega do documento ao tomador, ato pelo qual o ttulo efetivamente ganha importncia econmica e passa a gerar direitos (cf., por todos, Borges, 1971:21-24). A nica consequncia da distino entre esses dois momentos, contudo, diz respeito situao em que o ttulo j se encontra materialmente confeccionado, representando a declarao unilateral do sacador no sentido de favorecer o tomador com a ordem de pagamento, mas a entrega do documento a este feita contra a sua vontade.

    FRAN MARTINS (Ttulos, p. 78-79), sobre as teorias a respeito da letra de cmbio, ensina: Dentre as principais teorias, duas se destacam para justificar a natureza do ato gerador de uma letra de cmbio: a teoria contratual, segundo a qual a criao da letra de cmbio est ligada a um contrato (inicialmente, um contrato de troca de moedas; posteriormente, um contrato relativo remessa de valores de um lugar para o outro); e a teoria que considera os direitos incorporados na letra como decorrentes de um ato unilateral de vontade do emissor, independentes, assim, da relao contratual que lhes deu origem. Segundo a primeira teoria, contratual, que foi aceita pelo Cdigo do Comrcio francs, h necessidade de proviso, ou seja, de depsito, por parte de sacador, em mos da pessoa a quem a ordem dada (sacado), de certa importncia em dinheiro, mercadorias, ou mesmo crdito, para que possa a ordem ser cumprida; indispensvel se faz, tambm, que a ordem seja dada de um lugar para outro (distancia loci), a fim de ser caracterizada a remessa de valores. J na segunda teoria, que justifica o nascimento dos direitos incorporados em uma letra de cmbio de um ato unilateral da vontade do sacador, no h necessidade de proviso nem de que a ordem seja paga em lugar diferente daquele em que foi dada. Baseia-se, assim, o ttulo, na confiana, no crdito que tem o sacador, acrescido pelo crdito daqueles que vo lanando suas assinaturas na letra, pois esse fato faz com que eles se

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    obriguem tambm pelo cumprimento da ordem. Essa teoria, como se v, justifica melhor a letra de cmbio como um ttulo destinado a mobilizar o crdito, j que a sua base repousa na confiana que os participantes do documento inspiram queles que se beneficiaro da ordem. Convm, contudo, esclarecer que essa teoria no desconhece o negcio contratual que deu lugar ao aparecimento da letra de cmbio; o que defende que tal negcio se abstrai para a existncia e validade do ttulo, podendo esse, assim, ser criado e posto em circulao sem ficar subordinado a um contrato original. A teoria do ato unilateral de vontade foi, inicialmente, aceita pelos alemes, passando depois a ser seguida por quase todos os pases do mundo. O Brasil, como um dos pases cuja legislao comercial se inspirou no Cdigo francs, adotou, a princpio, a teoria contratual (Cdigo Comercial, art. 366); mais tarde, entretanto, aderimos teoria alem, dando como justificativa para a validade dos direitos incorporados na letra um ato unilateral da vontade do sacador, conforme se v na Lei 2.044, de 1908. A Lei Uniforme, igualmente, segue a orientao de ser a letra criada por um ato unilateral de vontade.

    LUIZ EMYGDIO F. DA ROSA JR. (Ttulos, p. 112) conceitua a letra de cmbio como ttulo de crdito abstrato, correspondendo a documento formal, decorrente de relao ou relaes de crdito, entre duas ou mais pessoas, pelo qual o sacador, d ordem de pagamento pura e simples, vista ou a prazo, a outrem, denominado sacado, a seu favor ou de terceira pessoa (tomador ou beneficirio), no valor e nas condies dela constantes. A abstrao da letra de cmbio decorre de poder se originar de qualquer causa porque a lei no determina, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com a duplicata, que s pode ser extrada em decorrncia de compra e venda mercantil e de prestao de servios. A letra de cmbio documento formal porque s ser considerada como tal se observar os requisitos essenciais fixados em lei (LUG, art. 2., c/c art. 1., e CCB de 2002, art. 887). As figuras jurdicas envolvidas na letra de cmbio so o sacador, o sacado e o tomador, que podem se resumir a trs pessoas, a duas ou a uma nica pessoa, como demonstraremos no item seguinte. A ordem de pagamento dada pelo sacador ao sacado deve ser incondicional, porque as obrigaes cambirias no podem ter a sua eficcia subordinada ocorrncia de evento futuro e incerto, para no prejudicar a circulao do ttulo de crdito e no ferir o princpio da literalidade. O vencimento da letra pode ser vista, com data certa, tempo certo da data e tempo certo de vista (LUG, art. 33). O princpio da literalidade funciona como balizamento do exerccio dos direitos do credor e do cumprimento das

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    obrigaes pelos devedores cambirios, e, assim, o credor s poder deles exigir o que constar do ttulo. Finalmente, sobre a letra de cmbio expressa em moeda estrangeira, o autor argumenta (p. 129): Atualmente vigora o Decreto-lei 857, de 11.09.1969, cujo art. 1. considera nulo o ttulo que fixe pagamento em moeda estrangeira, salvo as hipteses mencionadas no art. 2.. O ttulo de crdito cujo valor esteja expresso em moeda estrangeira deve ser pago em moeda nacional, ao cmbio da moeda estrangeira no dia do vencimento. Existe deciso do STF entendendo que a moeda estrangeira serve apenas de critrio de cotao, de mero ndice, semelhante correo monetria, para enfrentar a desvalorizao da moeda.

    PONTES DE MIRANDA (Tratado, p. 206-207), sobre os ttulos em branco, afirma: A chamada essencialidade dos requisitos, inclusive o requisito maior, que o da assinatura do sacador, na letra de cmbio, ou do emitente, na nota promissria, cede diante dos postulados do direito cambirio. A aparncia impe os seus princpios e a autonomia, aliada solidariedade, leva s consequncias mais estranhas a exigncia absoluta dos requisitos essenciais do ttulo cambirio. A lei diz como o sacador deve redigir a letra de cmbio; mas a falta do sacador no poderia prejudicar aqueles que confiaram na aparncia. Da a afirmao de que, para o exerccio dos direitos cambirios, h de estar com todos os requisitos o ttulo cambirio, sem que seja ttulo nenhum a letra de cmbio em branco, ou a nota promissria em branco. Ttulo incompleto, incompleto o seu valor cambirio, mas s enquanto subsiste a incompletude. Demais, de mister distinguirem se o ttulo cambirio criado incompletamente e o ttulo cambirio que o criador ainda estava a criar. Ali, h vontade cambiariamente suficiente; aqui, no. Porm, proteo dos possuidores de boa-f indiferente a distino. A letra de cmbio em branco, sem ter havido aquela vontade de deix-la em branco, s atesta vontade contrria ao preenchimento dos claros, porm estaria gravemente ofendido o trfico, se tais indagaes de vontade fossem permitidas em relao aos possuidores de boa-f. H um ponto que merece toda a ateno: o terceiro de boa-f no pode ter tido de indagar se o ttulo fora assinado antes ou depois de ser completado ou enchido. () O ttulo cambirio sem a satisfao de outros requisitos que a denominao e a assinatura ttulo cambirio (teoria da existncia). O ttulo cambirio j existe; no nulo (teoria da nulidade): apenas ineficaz, ineficcia dependente de enchimento. A declarao unilateral de vontade foi feita, embora dela ainda somente haja a pele. Pode-se ir mais longe: quem assina papel em que pode ser impressa a denominao letra de cmbio, ou

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    nota promissria, declarou, unilateralmente, a vontade. No mesmo sentido, quem lana, no verso do ttulo cambirio no assinado pelo subscritor, a assinatura, declarou unilateralmente vontade em ttulo em branco: endossou ttulo que ainda vai ser criado. O endosso existe, porque h o princpio da independncia das declaraes unilaterais de vontade. O endosso existe, no nulo, ainda ineficaz.

    RUBENS REQUIO (Curso, p. 491) explica: Como a letra de cmbio se destina a dar ampla circulao ao crdito nela incorporado, deve revestir-se, por imposio da prpria lei, de absoluto formalismo. A forma do ttulo importantssima, sob pena de no ser considerado letra de cmbio. Assim, a lei exige que seja ela constituda de requisitos essenciais, de forma sacramental. Sendo um documento formal, como explica Whitaker, sua validade com efeito depende de nela existirem certos requisitos intrnsecos e extrnsecos, expressamente determinados na lei. Os requisitos extrnsecos referem-se letra, e os intrnsecos, obrigao contida na letra. Os requisitos intrnsecos so os comuns a todas as espcies de obrigaes, no sendo, portanto, matria cambiria, como, por exemplo, a capacidade e o consentimento; os requisitos extrnsecos so os que a lei cambiria indica para formalizar a validade do ttulo.

    WALDIRIO BULGARELLI (Ttulos, p. 141), quanto ao aspecto material da letra de cmbio, esclarece: Quanto ao aspecto material, a letra de cmbio consiste em um retngulo de papel escrito na frente (anverso) no sentido do seu cumprimento e atrs (verso) no da sua largura. Entretanto, pode ser de outros materiais, tais como a madeira, o pergaminho, a pedra, o marfim. Em geral, elas so impressas, podendo, porm, ser manuscritas, datilografadas, admitindo-se sejam escritas com tinta, lpis, sangue, cido etc. No obstante, essa possibilidade terica, pois que hoje elas so emitidas apenas em papel e geralmente mediante preenchimento de formulrios j impressos, os quais, alis, via de regra, contm clusulas desnecessrias, como a do valor recebido etc.

    3. ACEITE SUMRIO: 3.1 Noes gerais 3.2 Conceito 3.3 Apresentao para aceite 3.4 Limitao do aceite 3.5 Cancelamento do aceite 3.6 Recusa do aceite.

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    3.1 Noes gerais

    O aceite teve seu surgimento na Idade Mdia. Os banqueiros da poca se utilizavam desse mecanismo para garantir o pagamento da letra de cmbio. Eles interpelavam os sacados para saber se eles aceitavam ou no as letras, reconhecendo a obrigao pelo respectivo pagamento. No incio, o aceite era dado verbalmente, no necessitando da assinatura do sacado. Entretanto, para uma maior segurana, com o passar dos tempos o aceite passou a ser exigido no ttulo, ou seja, tornou-se necessria a assinatura do sacado na letra de cmbio, assegurando dessa forma seu pagamento, fornecendo uma maior garantia ao seu portador e fazendo com que a letra de cmbio pudesse circular com a garantia de que o sacado havia aposto sua assinatura nela e se comprometera a pag-la. Hoje, o propsito do aceite ainda o mesmo, no se modificou, na medida em que, quando o sacado coloca sua assinatura na letra de cmbio, ele se compromete com a dvida nela imposta, tornando-se seu principal devedor.

    3.2 Conceito

    O simples saque da letra, sem o aceite, em nada vincula o sacado, pois o fato de ter seu nome lanado no ttulo no significa que ele est automaticamente obrigado ao pagamento, uma vez que o aceite o ato por meio do qual o sacado passa a participar da relao cambiria, pois, quando o sacado lana sua assinatura no ttulo, passa a fazer parte dessa relao, tornando-se seu principal obrigado. por meio do lanamento de sua assinatura no ttulo que o sacado concorda com a ordem de pagamento dada pelo sacador em seu nome. Registre-se que o aceite dever ser aposto no prprio ttulo, desconsiderando-se para os efeitos cambirios declarao de aceite inserida em documento apartado.

    Nesses termos, podemos conceituar o aceite como uma declarao cambiria facultativa, eventual e sucessiva,1 por meio da qual o sacado se compromete ao pagamento da letra de cmbio de forma a tornar-se o principal devedor, em substituio ao sacador e endossantes.

    Afirma-se que facultativa porque o sacado no obrigado a aceitar o ttulo a ele apresentado, no reconhecendo, por conseguinte, a obrigao nele estampada. eventual porque sua falta no desnatura a letra de cmbio, uma vez que no requisito necessrio para sua existncia. Sucessiva, porque a assinatura do sacado

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    lanada no ttulo aps a assinatura do sacador, ou mesmo aps a do tomador, quando este a endossa para terceiro.

    3.3 Apresentao para aceite

    A apresentao o meio pelo qual o portador ou o detentor do ttulo se vale para exibir a letra de cmbio ao sacado, para que este manifeste sua vontade de aceitar ou no a ordem de pagamento que lhe dada pelo sacador. No caso de ser positivo o aceite, os demais coobrigados desvinculam-se da responsabilidade como devedores principais, qualidade que o sacado passa a assumir. No caso de haver recusa, ou seja, se o sacado no aceitar a ordem de pagamento que lhe foi apresentada, o portador poder levar o ttulo a protesto e a partir desse momento poder exigir tanto do sacador como dos endossantes o valor da dvida, cujo vencimento se antecipa.

    Note-se que a regra geral a eventualidade da apresentao da letra de cmbio para aceite, ou seja, a princpio a letra somente ser apresentada para aceite caso assim queira o seu portador (A letra pode ser apresentada, at o seu vencimento, ao aceite do sacado LU, art. 21), e nada impede que o portador da letra a apresente ao sacado somente para o seu pagamento. Nesse caso, no entanto, o portador da letra e os demais obrigados (sacador, endossantes e avalistas) somente sabero se a letra ser paga pelo sacado no seu vencimento, diferentemente da hiptese em que a letra contenha o aceite do sacado, ato pelo qual este declara que reconhece a obrigao cambiria e a ela se vincula. Sendo assim, verifica-se que a letra com aceite tem maiores condies de circulao, na medida em que nela se verifica a declarao cambiria, advinda do sacado, de que este reconhece a dvida e, provavelmente, ir pag-la em seu vencimento.

    Existem casos, no entanto, em que a apresentao da letra ao aceite obrigatria. So eles: na hiptese em que o vencimento da letra a certo termo da vista,2 pois justamente da data do aceite que se inicia o prazo de seu vencimento (LU, art. 23); quando o sacador estipulou, na prpria letra, que ela deva ser apresentada para aceite, fixando ou no prazo para tanto (LU, art. 22). A clusula de apresentao obrigatria deve ser escrita na prpria letra de cmbio, no verso ou anverso do ttulo. Quando colocada no verso do ttulo, a declarao dever ser assinada pelo sacador, a fim de que se saiba que partiu dele essa exigncia, para que no se pressuponha que tenha sido inserida pelo endossante. Em conformidade com o art. 21 da Lei

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    Uniforme, o sacador poder fixar prazo para que seja efetuada a apresentao. No caso em que o portador no venha a cumprir tal determinao, perder ele o direito de cobrar a dvida dos devedores indiretos sacador e eventuais endossantes e avalistas. O art. 43 da Lei Uniforme, sobre esse assunto, assim determina: O portador de uma letra pode exercer os seus direitos de ao contra os endossantes, sacador e outros coobrigados: no vencimento; se o pagamento no foi efetuado; mesmo antes do vencimento: 1.) se houve recusa total ou parcial de aceite (). Logo, torna-se necessria a apresentao para aceite ao sacado no prazo estipulado e, no sendo esse prazo observado, perder o portador o direito de exigir, antes do vencimento, o valor da dvida, porque no procede o protesto por falta de aceite. O que houve foi falta de observncia do prazo determinado. Dessa forma, tornar-se- exigvel, no vencimento, a princpio, em face do sacado.

    O sacador pode tambm estipular que a apresentao ao aceite no poder ser efetuada antes de determinada data. Todo endossante pode estipular que a letra deve ser apresentada ao aceite, com ou sem fixao de prazo, salvo se ela tiver sido declarada no aceitvel pelo sacador.

    Conforme estabelecido no art. 23 da Lei Uniforme: As letras a certo termo de vista devem ser apresentadas ao aceite dentro do prazo de um ano das suas datas. O sacador pode reduzir este prazo ou estipular um prazo maior. Estes prazos podem ser reduzidos pelos endossantes. Dessa forma, pode-se dizer que as letras a certo termo de vista tero o fluir de seu prazo aps a apresentao para aceite ao sacado, respeitando o limite de um ano. Entretanto, esse prazo poder ser aumentado ou diminudo pelo sacador, muito embora ao endossante reste apenas diminuir esse prazo.

    A clusula que probe a apresentao, ou seja, aquela que determina ser a letra no aceitvel, somente poder ser aposta pelo sacador e tem a funo de evitar que, por falta de aceite, a letra tenha seu vencimento antecipado com relao ao sacador, endossantes e avalistas.

    Quando da apresentao da letra, existe a possibilidade de o sacado pedir que seja ela apresentada uma segunda vez (LU, art. 24). Porm, o portador no obrigado a deixar nas mos do aceitante a letra apresentada ao aceite. Entretanto, se assim o

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    fizer, e o aceitante no devolver a letra, poder o portador valer-se do art. 885 do CPC, requerendo a apreenso judicial do ttulo.

    3.4 Limitao do aceite

    O aceite, que exprime a vontade do sacado em aceitar uma ordem de pagamento que lhe foi dada pelo sacador, pode versar parcialmente sobre o montante exposto na letra, ou seja, quando o sacado aceitar a ordem, pode faz-lo total ou parcialmente, se considerar que somente parte do montante estampado no ttulo por ele devido. Quando o sacado fornecer o aceite de forma total, tornar-se- o principal devedor do montante integral da dvida. Entretanto, quando o aceite for dado de forma parcial, referindo-se parcela do valor determinado na letra, o sacado ficar, ento, obrigado at o montante do seu aceite, responsabilizando-se pelo restante os demais coobrigados (sacador, endossantes e avalistas). Nesse sentido dispe o art. 26 da Lei Uniforme: O aceite puro e simples, mas o sacado pode limit-lo a uma parte da importncia sacada. Qualquer outra modificao introduzida pelo aceite no enunciado da letra equivale a uma recusa de aceite. O aceitante fica, todavia, obrigado nos termos do seu aceite. Nesse caso, mesmo aceita parcialmente, a letra tem seu vencimento antecipado.

    3.5 Cancelamento do aceite

    O sacado, que aps seu aceite na letra de cmbio, poder, a qualquer momento, antes da restituio da letra, proceder ao seu cancelamento. O cancelamento do aceite pode ocorrer quando o sacado simplesmente risca sua assinatura que foi colocada no ttulo. Esse ato representa a sua no mais aceitao do pagamento da letra, e com isso desobriga-se do pagamento. O art. 29 da Lei Uniforme assim dispe: Se o sacado, antes da restituio da letra, riscar o aceite que tiver dado, tal aceite considerado como recusado. Salvo prova em contrrio, a anulao do aceite considera-se feita antes da restituio da letra.

    Entretanto, se tornou seu aceite conhecido ao portador ou a qualquer endossante, para com estes ainda resta responsvel. Significa isso dizer que o aceite que por outros meios se fez conhecer no poder ser revogado, mesmo que no conste do prprio ttulo. Se, por um lado, certo que o aceite somente ser considerado quando aposto no prprio ttulo, por outro, quando o aceite que foi dado no ttulo chegou ao conhecimento do portador ou endossante por outros meios ou documentos em

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    separado, mesmo aps revogar seu aceite, para com estes aos quais noticiou seu aceite ainda ficar comprometido. Tratamedida em que um documendo aceite.

    3.6 Recusa do aceite

    Se o aceite facultativo, nada impede que o sacado, vista da apresentao da letra, se recuse a aceit-la, deixando de assumir a responsabilidade cambiria. No se tratda simples falta de aceite, que se d com a impossibilidade de se encontrar o sacado ou na hiptese em que est ele impedido de proceder ao aceite, como no caso de sua interdio. A recusa refereao sacado e este no o aceita, por no considerar vlida a ordem de pagamento ou por no ter a inteno de se tornar o principal obrigado pela letra.

    A recusa deve ser comprovada pelo protesto, que dever ser feito nos para a apresentao do ttulo ao aceite (LU, art. 44). vista do protesto por falta de aceite, vencendo-se antecipadamente a letra, caber ao portador o direito de ao executiva contra o emitente da letra e os demais obrigados (endossantes

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    separado, mesmo aps revogar seu aceite, para com estes aos quais noticiou seu aceite ainda ficar comprometido. Trata-se de exceo ao princpio da literalidade, na medida em que um documento em separado poder ser fonte da obrigao advinda

    Se o aceite facultativo, nada impede que o sacado, vista da apresentao da letra, la, deixando de assumir a responsabilidade cambiria. No se trat

    da simples falta de aceite, que se d com a impossibilidade de se encontrar o sacado ou na hiptese em que est ele impedido de proceder ao aceite, como no caso de sua interdio. A recusa refere-se situao em que o ttulo foi efetivamente apresentadoao sacado e este no o aceita, por no considerar vlida a ordem de pagamento ou por no ter a inteno de se tornar o principal obrigado pela letra.

    A recusa deve ser comprovada pelo protesto, que dever ser feito nos para a apresentao do ttulo ao aceite (LU, art. 44). vista do protesto por falta de

    se antecipadamente a letra, caber ao portador o direito de ao executiva contra o emitente da letra e os demais obrigados (endossantes

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    separado, mesmo aps revogar seu aceite, para com estes aos quais noticiou seu se de exceo ao princpio da literalidade, na

    to em separado poder ser fonte da obrigao advinda

    Se o aceite facultativo, nada impede que o sacado, vista da apresentao da letra, la, deixando de assumir a responsabilidade cambiria. No se trata

    da simples falta de aceite, que se d com a impossibilidade de se encontrar o sacado ou na hiptese em que est ele impedido de proceder ao aceite, como no caso de sua

    se situao em que o ttulo foi efetivamente apresentado ao sacado e este no o aceita, por no considerar vlida a ordem de pagamento ou por no ter a inteno de se tornar o principal obrigado pela letra.3

    A recusa deve ser comprovada pelo protesto, que dever ser feito nos prazos fixados para a apresentao do ttulo ao aceite (LU, art. 44). vista do protesto por falta de

    se antecipadamente a letra, caber ao portador o direito de ao executiva contra o emitente da letra e os demais obrigados (endossantes e avalistas).

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