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A REGULAMENTAÇÃO GENÉRICA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Carla Beatriz de Faria Universidade Federal de Viçosa Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Direito

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A REGULAMENTAÇÃO GENÉRICA DOSTÍTULOS DE CRÉDITO NO NOVO CÓDIGO

CIVIL BRASILEIRO

Carla Beatriz de FariaUniversidade Federal de Viçosa

Centro de Ciências Humanas, Letras e ArtesDepartamento de Direito

CARLA BEATRIZ DE FARIA

A REGULAMENTAÇÃO GENÉRICA DOS TÍTULOS DECRÉDITO NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Monografia apresentada àUniversidade Federal de Viçosa comoexigência da disciplina DIR-499 –Monografia II para a conclusão docurso de Direito.

Professor orientador: GeraldoHonorário de Oliveira Neto

VIÇOSAJANEIRO DE 2003

ii

SUMÁRIO

FOLHA DE APRESENTAÇÃO................................................................................... iFOLHA DE ROSTO.................................................................................................... iiSUMÁRIO................................................................................................................... iiiRESUMO................................................................................................................... v1 - INTRODUÇÃO..................................................................................................... 012- A HISTÓRIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO ....................................................... 03

2.1 – Surgimento dos Títulos de Crédito ....................................................... 032.2 – A Letra de Câmbio e a sua Origem ...................................................... 04

2.2.1 -. Primeiro Período: Italiano........................................................ 052.2.2 – Segundo Período : Francês .................................................... 062.2.3 – Terceiro Período : Alemão....................................................... 07

2.3 – A Disciplina Jurídica da Letra de Câmbio e Demais Títulos de Crédito 082.3.1. A Unificação do Direito Cambiário............................................. 082.3.2. A Disciplina Jurídica no Direito Brasileiro ................................. 09

3 – DAS DECLARAÇÕES CAMBIAIS..................................................................... 113.1 – Títulos Cambiais ................................................................................... 113.2 – O Saque ................................................................................................12

3.2.1 - O Tomador................................................................................ 123.2.2 – Requisitos ............................................................................... 13

3.3 – O Aceite ................................................................................................ 143.3.1 - Quem Pode Aceitar ................................................................. 153.3.2 - Apresentação do título para o Aceite........................................ 163.3.3- Prazo para a Apresentação do Título........................................ 16

3.4 – O Endosso............................................................................................. 173.4.1 – Endosso em Preto .................................................................. 183.4.2 – Endosso em Branco ............................................................... 18

3.5 – O Aval .................................................................................................. 193.5.1 – Obrigações e Direitos dos Avalistas ....................................... 20

4– TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO................................................. 214.1 - O Crédito ............................................................................................... 21

4.1.1. A Confiança .............................................................................. 224.1.2. O Tempo ................................................................................... 22

4.2 – O Conceito dos Títulos de Crédito ........................................................ 234.3 - Natureza Jurídica dos Títulos de Crédito .............................................. 244.4 - Princípios Aplicáveis .............................................................................. 24

4.4.1 - Princípios Essenciais ............................................................... 254.4.1.1 – Cartularidade ....................................................................... 254.4.1.2 – Literalidade ........................................................................... 254.4.1.3 – Autonomia ............................................................................ 264.4.2 - Princípios Não-essenciais ........................................................ 28

4.4.2.1 – Independência ........................................................... 284.4.2.2 – Legalidade ................................................................. 284.4.2.3 – Abstração .................................................................. 304.4.2.4 – Causalidade .............................................................. 31

4.5 - Tipos de Título de Crédito ..................................................................... 324.5.1 - Títulos de Crédito Abstratos ................................................... 33

iii

4.5.2 - Títulos de Crédito Causais .................................................... 344.5.3 - Títulos de Crédito Impróprios ................................................ 354.5.4 - Títulos de Crédito Próprios ................................................... 37

4.6 - Classificação dos Títulos de Crédito .................................................. 374.6.1 - Títulos Nominativos .............................................................. 384.6.2 - Títulos à Ordem .................................................................... 394.6.3 - Títulos ao Portador ............................................................... 39

5 - A NOVA REGULAMENTACÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO...................... 415.1 – Considerações Gerais sobre a Regulamentação Genérica .............. 415.2 – Os Títulos de Crédito no Novo Código Civil brasileiro ...................... 43

5.2.1 – Endosso .............................................................................. 455.2.2 – Aval ..................................................................................... 455.2.3 – Cláusulas Proibitivas ........................................................... 455.2.4 – Considerações Finais .......................................................... 46

6 -CONCLUSÃO .................................................................................................. 477 -REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 50.

iv

RESUMO

O presente trabalho trata da regulamentação genérica dos títulos decrédito no Novo Código Civil brasileiro, Lei 10.406 de 10/01/2002. Trata-se dequestão inovadora para o nosso ordenamento jurídico, já que entre nós, até então,não existia uma lei geral. Como é sabido, o Novo Código Civil, após longo períodode espera foi promulgado no dia 10 de janeiro de 2002 e entrou em vigor no dia11/01/2003. O título VIII do livro I da parte especial é dedicado à disciplina dos títulosde crédito. Com essa regulamentação, o Novo Código Civil brasileiro se insere nosistema de normas sobre títulos de crédito. Após um estudo preliminar sobre aevolução histórica dos títulos de crédito, cuida-se dos conceitos básicos sobre asdeclarações cambiais e de expor um resumo da teoria geral dos títulos de crédito.Segue um estudo sobre as inovações trazidas a respeito do aval, do endosso, entreoutras. Diante da nova disciplina, a criação de títulos de crédito será livre, o quepoderá levar à criação de títulos de crédito atípicos, que podem impulsionar aindamais a circulação do crédito.

v

Ao meu pai, José Maria, exemplo de homem,pai e profissional que sempre me apoiou, nãomedindo esforços para que alcançasse o idealacalentado; à minha mãe, Maria das Graças,mulher de fibra e renúncia, cujo apoioincondicional foi fundamental para quechegasse até aqui; aos meus irmãos, Flávia,Herbert e Henrique, que, à sua maneira,sempre me apoiaram e incentivaram, fazendo-me acreditar que podia alcançar o meuobjetivo; a Anderson, cujo amor e apoio foramfundamentais; ao Dr. Bento Chiapeta, cujoprofissionalismo e amizade foram essenciais; àProfessora Dayse, que sempre demonstroudisponibilidade quando procurada; ao ProfessorGeraldo Honório Neto, que me deuensinamentos preciosíssimos sobre o tema; porfim, à minha sobrinha, Anna Luiza, que, apesarda tenra idade, parecia advinhar o cansaço dalonga jornada e com um simples olhar, sorriso eabraço, era capaz de tornar as coisas maisfáceis.

Agradeço principalmente a Deus, responsávelpela minha caminhada; a turma de 1998, pelareceptividade; em especial às minhas amigasLívia, Conceição e principalmente a Jucélia,pelo carinho e atenção a mim dispensados; atodos os professores do Departamento pelaconfiança e pelo estímulo, que foramessenciais para a conquista do ideal por mimalmejado.

1 - INTRODUÇÃO -

O presente trabalho tem como objeto a análise da regulamentação geral

dos títulos de crédito trazida pelo Novo Código Civil brasileiro. Após longo período

de tramitação, ele foi aprovado em 10 de janeiro de 2002, na forma da lei 10.406,

tendo sido publicado no Diário Oficial da União em 11 de Janeiro do mesmo ano e

entrou em vigor um ano depois.

O diploma legal revogou expressamente o Código Civil de 1916 e a

primeira parte do Código Comercial que trata do comércio em geral, inovando o

ordenamento jurídico, já que nele foram inseridas normas relativas ao direito

comercial1.

A disciplina genérica dos títulos de crédito, o que interessa a este estudo,

encontra-se regulada pela parte especial, título VIII, mais precisamente nos Artigos

887 a 926 do Novo Código Civil brasileiro. Pode-se afirmar que tal disciplina é uma

regulamentação genérica dos títulos de crédito atípicos, em contraposição às regras

específicas de cada título de crédito.

Esta regulamentação não revogou as normas relativas aos títulos de

crédito típicos. No direito brasileiro encontra-se em vigência o Decreto 57.663, de 24

de janeiro de 1966 – Lei Uniforme de Genebra – que regulamenta a letra de câmbio

e a nota promissória, o Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908, além de

diversas outras leis que tratam dos títulos de crédito típicos. O Decreto 57.663 é

aplicado nas hipóteses em que o Brasil não reservou tratamento por norma do

Decreto nº 2.044, de 31/12/1908.

Antes de adentrar na análise da regulamentação geral, é necessário

estudar pormenorizadamente o instituto do Título de Crédito, tal como o apresenta a

doutrina tradicional. Analisar-se-á a evolução histórica dos títulos de crédito, em

particular da letra de câmbio, as declarações cambiais e a sua teoria geral dos

títulos de crédito. Esses estudos serão fundamentais para entender a nova

regulamentação e suas inovações.

1 Ao direito comercial aplica-se princípio impostos por exigências jurídicas e econômicas que não estão presenteno direito civil. A atividade empresarial reveste-se de contornos institucionais específicos que o distingue daatividade civil comum. Não foi objetivo do diploma em questão a unificação do direito privado. O que seelaborou foi a consolidação e aperfeiçoamento do que já estava sendo seguido no País, ou seja, a unidade doDireito das Obrigações. Mas o presente trabalho não objetiva tratar de tema tão complexo.

1

O título de crédito, obra da criatividade do comerciante, depois tipificada

pelo legislador, surgiu como instrumento de solução para os problemas existentes

acerca da circulação dos créditos, tornando-a possível com maior segurança e

agilidade. Sua evolução histórica, sintetizada em três períodos, coincide com a

evolução da regulamentação da letra de câmbio. Inicialmente ela era utilizada como

mero meio de transporte de dinheiro de um lugar a outro, operando, a própria

circulação da moeda (período italiano). Depois, no período francês, percebe-se uma

pequena evolução. A letra de câmbio, além de servir como meio de transporte de

dinheiro de um lugar a outro, passou a ser utilizado por outras pessoas, além do

banqueiro, como meio de pagamento. Foi neste período que surgiu a cláusula à

ordem, o endosso e o aceite. Por fim, no período alemão (a partir do séc. XIX), o

título de crédito passou a constituir por si mesmo um valor (MARTINS, 1999, v1:28-

32). A criatividade do comerciante no aperfeiçoamento do instituto, foi a principal

causa desta evolução.

A regulamentação geral dos títulos de crédito pelo Novo Código Civil visa

exatamente servir de base jurídica para criação de novos atípicos. Isto porque, os

requisitos que estes títulos devem conter para que seja considerado como tal são

mínimos: a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere e a

assinatura do emitente.

A nova regulamentação ainda traz inovações consideráveis com relação

às declarações cambias, de modo que estabelece regras mínimas para suprir

omissões contidas nas leis específicas.

A possibilidade ou não de criação e emissão de títulos de crédito atípicos,

diante das normas contidas no Novo Código Civil brasileiro, é questão que

certamente será objeto de calorosas discussões jurídicas. Da nossa parte

entendemos que deixa de haver a vedação à criação de títulos inominados,

tornando-se então impertinente no novo sistema a alegação de que os títulos de

crédito são numurus clausus.

Em suma, o trabalho procura traçar os contornos gerais desta

regulamentação, da sua finalidade bem como, a possibilidade de criação de títulos

atípicos.

2

2 - A HISTÓRIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

2.1 – Surgimento dos Títulos de Crédito

Antes de começar a discorrer sobre o surgimento do título de crédito,

cumpre ressaltar a importância de tal instrumento e, para tanto, basta recorrer aos

dizeres do tratadista Tullio Ascarelli que assevera:

“Si nos perguntassem qual a contribuição do direito comercial na formaçãoda economia moderna, outra não poderíamos apontar que mais tipicamentetenha influído nessa economia do que o instituto dos títulos de crédito“(ASCARELLI, 1943:3).

Pode-se afirmar que a intensificação do tráfico mercantil na Idade Média,

exigiu a criação de instrumentos que facilitassem a circulação do crédito de forma

que os riscos diminuíssem e atribuíssem certeza e segurança às atividades

mercantis (Cf. MARTINS, 1999, v. 1 : 4).

Os primeiros títulos de crédito apareceram na Idade Média como papéis

que incorporavam direitos do credor em face do devedor. A princípio os títulos de

crédito visavam apenas resolver problemas práticas do comerciante, principalmente

em termos de segurança no desenvolvimento de suas atividades sem haver

preocupações com problemas jurídicos que poderiam advir desta utilização (Cf.

MARTINS, 1999, v. 1:4).

Nesta fase, os títulos de crédito incorporavam direitos que só poderiam

ser exercidos pelos credores originários, isto é, cujos nomes constassem no

documento, não havendo a possibilidade de transferência.

Posteriormente, à medida que foram surgindo as necessidades, os títulos

de crédito adquiriram a faculdade de circulação que possibilitavam aos credores -

proprietários dos documentos2 - transferirem a outrem os seus direitos. Essa

possibilidade de transferência somente tornou-se possível com o surgimento da

cláusula à ordem3 (Cf. MARTINS, 1999, v. 1:4).

2 A respeito da titularidade do direito de crédito contido no título, ASCARELLI (1943:260) afirma que o titulardo direito é proprietário do título.3 Cf. MARTINS (1999, v 1 : 30) o surgimento da cláusula à ordem marcou o início de uma fase importantíssimapara a economia dos povos, que é a circulação dos créditos.

3

Surgem então novos meios e regras que visavam garantir os direitos

incorporados nos títulos de crédito, dando-lhe melhor forma (Cf. MARTINS, 1999, v.

1:4).

Não há dúvida que os títulos de crédito são um dos instrumentos mais

importantes e marcantes do sistema jurídico, contribuindo para o desenvolvimento e

progresso econômico, pois, em razão de conter em si determinados e certos valores,

facilitam a circulação de crédito oferecendo maiores garantias às pessoas

envolvidas na relação. É um documento mais seguro que um mero instrumento

probatório de uma relação jurídica, porque contém o direito. Em suma, não é simples

instrumento probatório de uma relação jurídica4.

2.2- A Letra de Câmbio e sua Origem

A letra de câmbio é o mais importante título de crédito, sendo a base da

elaboração da teoria geral desses documentos.

Muito se discutiu acerca da origem remota da letra de câmbio. Apesar de

alguns doutrinadores afirmarem que a letra de câmbio era conhecida em Roma e

entre os assírios, a mesma só adquiriu estrutura na Idade Média, mais precisamente

nas cidades italianas com o objetivo de facilitar operações comerciais (MARTNS,

1999, v1 : 29). Hoje é ponto pacífico que esse instituto teve origem na Idade Média

como produto da criatividade dos comerciantes. Suas primeiras disposições

legislativas e rudimentos doutrinários encontram-se nas comunas italianas

(BORGES, 1972 : 36) .

Pode-se afirmar que a letra de câmbio surgiu como instrumento hábil a

facilitar e diminuir os riscos da remessa de dinheiro de um lugar a outro, tornando

possível, ainda, a realização de transações comerciais entre cidades e Estados que

possuíam moedas diversas o que demonstra a fundamental importância de tal

instrumento (BORGES, 1972: 37).

A letra de câmbio, desde a sua origem, passou por três fases bem

assinaladas. Cada uma apresentou um peculiar caráter econômico e jurídico. Estes

períodos são a seguir analisados pormenorizadamente.

4 A respeito da natureza jurídica do título de crédito do conteúdo nele contido, veja o nº 4, Teoria Geral dosTítulos de Crédito

4

2.2.1- Primeiro Período : Italiano – (1300 à 1700)

A palavra câmbio, adveio do termo cambium que designava, à época

qualquer espécie de troca, em especial a permuta de dinheiro, sendo subdividido em

duas outras espécies: câmbio manual ou real (cambium minutum sine litteris) e o

câmbio para transporte de dinheiro (cambium trajecticium). A primeira espécie

consistia na simples troca imediata de moedas diferentes5, sem contudo existir o

fator distância que é ponto diferenciador deste com o cambium trajecticium. Neste, o

banqueiro recebia de outrem determinada quantia – depósito6 – e obrigava-se a

restituí-la em moeda e lugar diversos, dando origem a um contrato de câmbio. O

fator distância é elemento essencial para a formalização deste contrato e a sua

ausência levava à caracterização do cambium seco, punido pela legislação canônica

que o definia como mera simulação. BORGES, 1943: 38).

O contrato de câmbio materializava-se através do cautio, um instrumento

lavrado por tabelião, que continha o reconhecimento da dívida com a obrigação de

pagar por si ou via mandatário. O cautio é origem do cambium trajecticium, que

caracterizava-se por uma troca de moeda presente por moeda futura (BORGES,

1943:38).

No século XIII, a promessa do banqueiro de efetuar o pagamento da

soma recebida juntou-se a uma carta que era expedida pelo banqueiro a um

correspondente seu – que encontrava-se no local designado para o pagamento –

incumbindo de efetuar o pagamento da quantia ao portador do documento. Esta

carta recebia a denominação de ordem de pagamento, originando a letra de câmbio

(BORGES, 1943:38).

O cautio, por ser um instrumento público, demorado e dispendioso,

acabou por ser considerado supérfluo diante do significante crescimento das

operações de câmbio e caiu assim no inteiro desuso, surgindo a letra de câmbio

(littera cambium) , que se conserva até os dias atuais (BORGES, 1943: 39).

Pode-se afirmar que a littera di pagamento é a forma primitiva da nota

promissória e o cautio é a forma primitiva da letra de câmbio. A nota promissória

5 Essa troca de moeda, muitas vezes, não resolvia os problemas das pessoas que tinham de se locomover de umlugar a outro de posse de avultadas quantias.6 Cf. ASCARELLI ( 1943:463) O procedimento de depósito em banco veio solucionar o problema referente ao transporte de dinheiro em matéria, fazendo-o de forma mais simples, segura e econômica.

5

(littera di pagamento) representava o câmbio seco que era rejeitado e condenado e

por esse motivo teve sua evolução retardada por muito tempo (BORGES, 1943: 39).

A letra de câmbio, na forma como existia, comportava a existência de três

sujeitos; o banqueiro sacador, o contratante tomador e o correspondente sacado.

Analisando rapidamente cada um deles, pode-se dizer que o banqueiro era a pessoa

que recebia a soma do dinheiro – depósito – e sacava a letra de câmbio dando a

ordem ao seu correspondente, também banqueiro; o sacado era a pessoa contra

quem era emitida, ou seja, a quem a ordem era dada. O tomador era quem efetuava

o depósito, recebendo a letra de câmbio em troca. Era o beneficiário da ordem

(BORGES, 1943:40).

Pode-se dizer, por fim, que a letra de câmbio surgiu para solucionar

problemas relativos a grande diversidade de moedas existentes na idade Média,

sendo necessário que as mesmas fossem trocadas de forma a possibilitar a

realização dos negócios, esta operação, denominada de câmbio manual, era feita

por banqueiro ou cambistas.

Segunda doutrina Fran Martins:

Esse primeiro estágio de desenvolvimento da letra de câmbio, denominadoperíodo italiano, caracterizava-se, assim, por ser a letra um instrumentopara a troca e remessa de dinheiro de um lugar para outro, não havendo, detal modo, uma verdadeira operação de crédito. ( MARTINS, 1999, v 1:29).

2.2.2 - Segundo Período : Francês (1700 a1848)

No Código francês de 1808 a letra de câmbio deixou de ser mero

instrumento de troca e remessa, passando a ser utilizado como instrumento de

pagamento. Adquirida esta característica, a letra de câmbio passou a ser emitida em

outras situações. A emissão da letra de câmbio não era precedida necessariamente

de depósito nas mãos do banqueiro, passando a ser utilizada por outras pessoas,

além do banqueiro.

Neste período surgiram: a cláusula à ordem, o endosso e o aceite, o que

veio facilitar a circulação do título de crédito. A primeira permitiu que o título fosse

transferido a qualquer pessoa sem necessidade do prévio consentimento do

sacador. O novo beneficiário do título era investido de todos os direitos constantes

do documento. A transferência era feita através da assinatura do tomador no verso

do título, surgindo o endosso. Assim é correto afirmar que a cláusula à ordem só se

justifica pelo endosso.

6

Pode-se dizer, ainda, que nesse período houve a libertação do possuidor

das exceções que não lhes fossem pessoais ou inerentes à própria letra de câmbio,

aparecendo, nesta oportunidade, a codificação da letra de câmbio (MENDONÇA,

1938:154).

Nesta época, era necessário a apresentação do título ao sacador que

deveria dar o aceite, dando maior garantia ao tomador.

2.2.3 - Terceiro Período: Alemão – (a partir do séc. XIX)

Neste período a letra de câmbio não era mais considerada mero meio de

transporte de dinheiro ou instrumento de pagamento, passou a ser considerada,

conforme conceitua Karl Einert, apud MARTINS (1999, v 1 :31), como “um

verdadeiro título que vale por si próprio de acordo com a vontade manifestada pelo

subscritor.”

Foi neste período que a letra de câmbio passou a ser considerada título

de crédito, nascendo do ato unilateral de vontade do sacador com manifestação

expressa de seu conteúdo e, desde que, cumpridas as formalidades legais, vale o

que está contido no documento. Trata-se de direito autônomo e abstrato, não sendo

oponíveis exceções aos possuidores.

Com todas as características adquiridas ao longo do tempo, a letra de

câmbio passou a atender às necessidades do comércio, sendo dotada de inúmeras

garantias, passando a ser um documento formal, literal e abstrato.

A letra de câmbio a partir de então passou a utilizada tanto por

comerciantes quanto por pessoas não comerciantes.

Todas as etapas da letra de câmbio foram brilhantemente sintetizadas

pelo ilustre Whitaccker, apud BORGES (1972 : 42) que afirma: “(...) no primeiro

período, a letra operava a circulação de dinheiro; no segundo, a circulação de

valores; no terceiro, passou a constituir por si mesma um valor”.

2.3 – A Disciplina Jurídica da Letra de Câmbio e dos Demais Títulos de Crédito

Inicialmente a letra de câmbio era regulada pelas normas costumeiras

que, aos poucos, foram se emancipando do direito romano-canônico. A mais remota

7

norma deste instituto foi a de Bolonha, que data de 1569, tendo sido seguida de

diversos outros ordenamentos, tais como Pragmáticas Napolitanas, de 1607; código

Savary, de 1673; código francês, de 1808; e a lei alemã, de 1848. Esta última foi de

tão grande importância que marcou a última etapa da evolução da letra de câmbio,

tendo influenciado, inclusive, o Decreto nº 2.044 de 31 de dezembro de 1908, que

será analisado posteriormente (BORGES, 1972:41).

2.3.1 – A Unificação do Direito Cambiário

Devido ao intenso desenvolvimento das relações comerciais e ao

aparecimento de novos meios de transporte, tornou-se necessário que se

estabelecessem regras uniformes sobre a letra de câmbio, à qual deveriam aderir os

governos interessados (MARTINS, 1999, v. I:34).

A letra de câmbio, por servir como meio de pagamento internacional,

levou à realização de várias conferências. Em 1869, foi realizado o 1º Congresso

0das Câmaras de Comércio Italianas, em Gênova, no qual foi aprovada a idéia da

existência de uma lei cambial universal. Já em 1885, realizou-se em Antuérpia,

Bélgica, o Congresso Internacional Comercial, onde foi discutido e aprovado o

projeto de lei cambial internacional, emendado posteriormente no Congresso de

Bruxelas, em outubro de 1888 (MARTINS, 1999, v I:34-35).

Diversas foram as tentativas de alcançar a unificação das legislações

pertinentes, muitas sem qualquer sucesso.

Foram nas duas Convenções realizadas em Haia (23 de junho de 1910 e

15 de junho de 1912) que alcançaram a elaboração de um anteprojeto, uma

convenção internacional e um projeto de lei uniforme, sendo esses dois últimos da

segunda convenção que, mais tarde deram origem ao decreto nº 3.756, de 27 de

agosto de 1919. Ressalta-se que a Convenção de Haia foi paralisada devido à

ocorrência da Primeira Guerra Mundial (BORGES, 1972:43).

Passada a Primeira Guerra Mundial, mais precisamente em 13 de maio

de 1930, foi convocada a Conferência realizada em Genebra, à qual compareceram

o Brasil e mais 30 países. Após a realização de vários estudos e debates, em 7 de

junho de 1930, foram realizadas três Convenções: a primeira relativa à Lei Uniforme

– letra de câmbio e Nota Promissória -;a segunda sobre conflitos em relação aos

8

institutos mencionados e a terceira sobre selos na letra de câmbio e nota

promissória (BORGES, 1972:43).

A lei uniforme de Genebra foi alvo de inúmeras críticas, porém sua

importância deve ser ressaltada, como assevera o professor João Eunápio Borges:

(....) a maior realização no sentido da unificação internacional, pois permitiuapresentar o sistema continental como um bloco, em face do sistema anglo-americano, ensejando novos estudos de direito comparado, que servirão debase a uma futura lei uniforme universal (BORGES, 1972:44).

2.3.2 –A Disciplina Jurídica no Direito Brasileiro

No direito pátrio, as primeiras normas sobre letra de câmbio encontravam-

se inseridas no Código Comercial de 1850, mais precisamente nos Artigos 314 a

427, que seguiu a orientação do Código francês de 1808. Porém, devido à

fragilidade da disciplina, tornou-se necessária a sua alteração. Esta necessidade

ficou mais patente após a manifestação do tratadista José Antônio Saraiva que, em

1905, publicou o livro Direito Cambial Brasileiro, defendendo a adoção da lei alemã.

Em 1906, foi apresentado pelo deputado federal Justiniano de Serpa um

projeto de lei que alterava as regras de alguns artigos do Código Comercial. No

entanto, mais uma vez, percebeu-se que as modificações a serem introduzidas não

eram suficientes, o que levou à elaboração de mais um projeto, desta vez de autoria

de João Luiz Alves, com o apoio do professor José Antônio Saraiva. Esse projeto

culminou no Decreto 2.044, de 31/12/1908, que revogou as normas relativas aos

títulos de crédito contidas no Código Comercial; e o direito brasileiro abandonou o

modelo francês até então seguido.

A necessidade e o interesse na adoção de uma lei uniforme levaram o

Brasil a participar das Convenções realizadas em Haia, em 1910 e 1912, bem como

da Convenção de Genebra, em 1930. Nesta última, o Brasil comprometeu-se a

adotar a Lei Uniforme sobre as letras de câmbio e a Nota Promissória. Entretanto,

apesar da Convenção ter-se realizado em 1930, o Brasil somente aderiu à Lei em

1942, quando depositou, perante o Secretário Geral da Liga das Nações, a “Nota” de

adesão às Convenções de Genebra, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional

em 8 de setembro de 1964, na forma do Decreto Legislativo nº 54. O governo

brasileiro, depois, determinou através dos Decretos nº 57.595 (7 de janeiro de 1966)

e 57.663 (24 de janeiro de 1966) que a Lei fosse adotada com reservas relativas às

normas internas.

9

Os doutrinadores e Tribunais divergiam sobre a integração ou não da Lei

de Genebra no direito interno, chegando a questionar qual das leis estaria em

vigência: a Lei 2.044, de 31 de dezembro de 1908, ou a Lei Uniforme de Genebra.

Não resta dúvida alguma que no direito cambiário brasileiro encontram-se

em vigência a Lei Uniforme de Genebra e o Decreto nº 2.044, de 31/12/1908, porém

este é aplicado em razão das reservas constantes do Anexo II da Lei Uniforme de

Genebra, feitas pelo Brasil.

3 – DAS DECLARAÇÕES CAMBIÁRIAS

3.1 – Títulos Cambiais

O capítulo anterior foi dedicado ao estudo do caminho percorrido para a

regulamentação das cambiais – letra de câmbio e nota promissória. Inicialmente,

viu-se que tal instrumento era utilizado como mero meio de transporte de dinheiro de

um lugar a outro; posteriormente foi-se evoluindo até alcançar o grande valor que

estas desempenham nas atividades mercantis.

Os títulos de crédito corporificam o direito, possibilitando a sua circulação

e podem ser transferidos a outras pessoas, como se verá no capítulo dedicado à sua

classificação.

A nota promissória (promessa de pagamento) e a letra de câmbio (ordem

de pagamento) são títulos cambiais próprios. A primeira teve lenta evolução por ser

considerada inicialmente como instrumento do câmbio seco; a segunda firmou-se e

desenvolveu-se rapidamente, possuindo grande importância nos primeiros séculos.

Eram largamente utilizadas (BORGES, 1972:47) .

Segundo João Eunápio Borges, “a letra de câmbio cria-se pelo saque,

completa-se pelo aceite (ou eventualmente, a intervenção), transfere-se pelo

endosso e é garantida pelo aval” (BORGES, 1972:48).

Pode-se afirmar que a declaração originária de uma cambial é o saque

(letra de câmbio) ou a emissão (nota promissória). As demais declarações são

denominadas eventuais ou sucessivas. A ausência destas últimas não torna o título

inexistente, como ocorre na ausência daquela.

10

Infelizmente não será possível, neste trabalho, tecer comentários

pormenorizados sobre cada um dos títulos cambiais, pois, se assim o fizesse,

estaria fugindo do objetivo primordial, que consiste no estudo da regulamentação

dos títulos de crédito no Novo Código Civil brasileiro.

3.2 – O Saque

O saque corresponde à declaração originária da letra de câmbio, que,

desde que formalmente válida, está apta a atribuir ao pedaço de papel a qualidade

de letra de câmbio, independentemente das outras declarações (aceite, endosso e

aval) (BORGES, 1972:53).

Os requisitos da letra de câmbio estão elencados no Artigo 1º da Lei

Uniforme de Genebra, quais sejam a palavra “letra” inserta no próprio texto do título

e expressa na língua empregada para a redação desse título; o mandato puro e

simples de pagar uma quantia determinada; o nome do sacado; a época do

pagamento; a indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento; o nome da

pessoa ou à ordem de quem deve ser paga; a indicação da data e do lugar em que a

letra é passada e a assinatura do emitente.

O documento para ser válido, deve conter expressamente a menção da

denominação “letra de câmbio”, que é insubstituível por qualquer outra

nomenclatura. Esta expressão permite a identificação deste título rigoroso e formal,

onde todos os signatários se obrigam ao adimplemento da obrigação. Consistirá

sempre do pagamento de determinada, líquida e certa quantia em dinheiro, que

constará claramente na cártula.

Na hipótese de haver divergência entre o valor lançado em algarismo e

aquele lançado por extenso, prevalecerá o valor lançado por extenso (Art. 6º da Lei

Uniforme de Genebra), seja ele maior ou menor.

3.2.1 – O Tomador

Tomador é o beneficiário da ordem ou promessa de pagamento.

O tomador pode ou não estar identificado na própria cártula. Caso não

haja no título o nome do beneficiário, ter-se-á o título ao portador. Deve-se ressaltar

11

que a Lei Uniforme de Genebra veda a emissão originária de título ao portador,

quando em seu Artigo 1º, n. 6, determina que a letra conterá o nome da pessoa a

quem ou à ordem de quem deve ser paga, (MARTINS, 1999 v 1:88).

Quanto à possibilidade de haver pluralidade de tomadores, a lei é silente.

Para Fran Martins, é possível, desde que sejam solidários, (MARTINS, 1999, v 1 :

89).

3.2.2 – Requisitos

A assinatura é o requisito essencial da letra de câmbio, sem ela o título

não chega sequer a existir. A assinatura deve ser de próprio punho, feita pelo

sacador ou por alguém que tenha poderes especiais para tanto. A assinatura a rogo

não é admissível. Caso não saiba escrever, deve o sacador, por intermédio de

instrumento público, constituir mandatário.

A letra de câmbio existirá mesmo que a assinatura do emitente seja falsa

ou lançada por incapaz. Nessas hipóteses, o emitente não será obrigada a efetuar o

pagamento. Devido à autonomia das obrigações e de acordo com a regra do Artigo

7º da Lei Uniforme de Genebra, as obrigações assumidas por outros signatários

continuarão a ter validade.

O Artigo 1º da Lei Uniforme de Genebra prescreve quais são os requisitos

da letra de câmbio e, de acordo com o Artigo 2º, a ausência de alguns deles acarreta

a não-produção do efeito da letra.

Diante das duas regras, é possível determinar quais são os requisitos

essenciais e os não-essenciais. São essenciais da letra de câmbio: a denominação

“letra” inserta no próprio texto do título e na língua empregada na sua redação; o

mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada; o nome daquele que

deve pagar; o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem a letra deve ser paga; a

indicação da data em que a letra é passada; e a assinatura do sacador (Art. 1º, ns.

1, 2, 3, 6 e 7 -1ª parte- e 8).Já os não-essenciais são: a época do pagamento; a

indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento; e a indicação do lugar da

emissão ( Art. 1º, ns. 4, 5 e 7 (2ª parte).

O Artigo 75 do mesmo diploma legal prescreve os requisitos da Nota

Promissória, e o Artigo 76 diz que a ausência de alguns deles leva à não-produção

do efeito da nota promissória. Pode-se afirmar que são requisitos essenciais:

12

denominação “nota promissória” inserta no próprio texto do título e expressa na

língua empregada para a sua redação; a promessa pura e simples de pagar uma

quantia determinada; o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser

paga; e a assinatura do emitente. (Art. 75, ns. 1,2,5 e 7). E os requisitos não-

essenciais são: a época do pagamento; a indicação do lugar em que se deve efetuar

o pagamento; e a indicação da data e do lugar onde a Nota Promissória é passada

(art. 75, ns. 3,4 e 6).

A ausência de qualquer um dos requisitos não-essenciais não

descaracteriza a letra de câmbio e a nota promissória como títulos de crédito

(Artigos 2º e 76 da Lei Uniforme de Genebra).

3.3 – O Aceite

Aceite é o ato formal através do qual o sacado se obriga a efetuar o

pagamento na data do vencimento (MARTINS, 1999, v 1 : 135).

O sacado é a pessoa a quem é dada a ordem, ou seja, o destinatário da

carta de câmbio, devendo o seu nome constar da letra, observando que, o

lançamento do nome no final do contexto é vedado legalmente.

Enquanto o sacado não aceitar o título, lançando a sua assinatura na

cártula, não será obrigado a efetuar o pagamento, apesar de seu nome constar no

documento. De acordo com o prescrito no Artigo 25 da Lei Uniforme de Genebra, o

aceite é escrito na própria letra, podendo exprimir-se pela palavra “aceito” ou outra

expressão equivalente, bem como por meio de uma mera assinatura lançada no

título (Art. 25 da Lei Uniforme de Genebra).

A partir do momento que o sacado aceita cumprir a obrigação, passa a

ser considerado aceitante e não mais sacado, tornando-se o devedor principal. Os

demais que lançarem os seus nomes na cártula só serão chamados a cumprir a

obrigação se o aceitante não o fizer.

O Artigo 3º, al. 2, da Lei Uniforme de Genebra prescreve que o sacador

pode ainda designar a si mesmo como sacado. Tal possibilidade já era discutida pela

doutrina e estava explícita no Decreto nº 2.044, de 31/12/1908 (MARTINS, 1999, v.

1: 85).

13

O aceite pode ser dado por mandatário que possui poderes para tanto. O

mandatário assume obrigações em nome do mandante, sendo este o responsável

por cumpri-las.

Pode o aceite ser dado de forma limitada ou modificada. Na primeira

hipótese, o aceitante fica responsável somente pela parte que aceitou. A segunda

ocorre quando o aceitante, ao lançar o seu aceite, o faz mencionando que o aceita

de outra forma. Porém, os efeitos dos aceites limitado e modificado equiparam-se

aos efeitos produzidos pela recusa do aceite (MARTINS, 1999 v 1: 145-146).

Dessa forma, aplica-se, na hipótese de aceite limitado ou modificado, o

disposto no Artigo 43 e 44, ambos da Lei Uniforme de Genebra. O Artigo 43

prescreve que o portador da letra pode exercer os direitos de ação contra os

endossantes, sacador e outros coobrigados, antes mesmo do vencimento, na

hipótese de recusa total ou parcial. Já o Artigo 44 determina que a recusa deve ser

comprovada por um ato formal, ou seja, por protesto.

Dúvida existe quando o sacado lança o aceite e logo após o risca. A

norma contida no Artigo 29 da Lei Uniforme de Genebra determina que, se o sacado

riscar o aceite antes de restituir a letra, será considerado recusado o aceite, porém,

após comunicado por escrito ao portador ou qualquer outro signatário que aceita, o

sacado fica obrigado nos termos da letra (Art. 29 da Lei Uniforme de Genebra).

O Decreto 2.0447, de 31/12/1908, previa a possibilidade da indicação de

mais de uma pessoa como sacado. O Decreto nº 57.663, de 24/01/1966, é silente a

respeito.

3.3.1 - Quem Pode Aceitar

A letra de câmbio, por ser uma ordem de pagamento, deve ser aceita pelo

sacado indicado no documento. Junto ao nome do sacado, deve constar o seu

endereço, pois tal fato possibilita ao portador saber da intenção do cumprimento ou

não (MARTINS, 1999, v 1:136).

7 A possibilidade da existência de vários sacados pode ser depreendida do Artigo 10 do Decreto 2.004/1908, queprescreve: “Sendo dois ou mais sacados, o portador deve apresentar a letra ao primeiro nomeado; na falta ourecusa de aceite, ao segundo, se estiver domiciliado na mesa praça; assim sucessivamente, sem embargo daforma da indicação na letra dos nomes dos sacados.” Pode-se citar, ainda, os §2º do Artigo 20 e §1º do Artigo 39,ambos do mesmo diploma.

14

Em alguns casos, em vez de constar apenas o nome de um sacado,

consta o nome de vários, hipótese em que prevalecerá a regra do Artigo 10 do

Decreto nº 2.044, de 31/12/1908. O título deve ser apresentado ao primeiro

nomeado e, somente na hipótese de falta ou recusa deste, deve ser apresentado ao

segundo, e assim sucessivamente.

A lei permite, ainda, que o aceite seja feito por um terceiro, que será

denominado terceiro interveniente. Tal aceite só será possível, se o portador, diante

da recusa ou falta do aceite, protestar o título e estiver de acordo com a intervenção.

O aceite ocorrido desta maneira é denominado aceite por intervenção (MARTINS,

1999 v 1 : 137).

Destarte concluir-se que o aceite prescinde da capacidade daqueles que

se obrigam, e a incapacidade de um não torna o título inexistente, pois as

obrigações são autônomas e independentes.

3.3.2 – Apresentação do Título para o Aceite

A letra de câmbio para circular, mobilizando o crédito, não necessita do

aceite imediato do sacado, pois está, desde o início, garantida pelas assinaturas

lançadas no título. No entanto, em alguns casos, o título, para ter vida normal,

necessita do aceite, o que ocorre com as letras passadas a tempo certo da vista.

Nestas letras, o vencimento depende do momento do aceite (MARTINS, 1999, v 1 :

138).

A apresentação do título para aceite, em alguns casos, será obrigatória

(quando o vencimento depender dela), em outras é facultativa.

A letra vencível à vista não necessita de ser apresentada para o aceite,

porém, para não tornar o prazo do vencimento indefinido, o Artigo 34 da Lei

Uniforme determina que deve ser apresentada dentro do prazo de um ano, contado

a partir da data da emissão. De acordo com o mesmo artigo, pode o sacador reduzir

este prazo ou estipular outro mais longo.

15

3.3.3 – Prazo para a Apresentação do Título

O prazo para apresentação das letras com vencimentos em dias certos ou

com termo certo da data não oferece maiores dificuldades, pelo fato de ser

facultativa.

Independentemente de ser facultativa ou obrigatória, o sacador pode

impor uma data-limite à apresentação e pode também proibi-la, excetuando as

hipóteses da letra a certo termo da vista, pagável em domicílio de terceiro ou em

domicílio diverso do domicílio do sacado.

De acordo com o prescrito no Artigo 22 da Lei Uniforme de Genebra, o

sacador pode proibir a apresentação da letra ao aceite, salvo nas hipóteses

previstas no mesmo artigo. O sacador pode estipular que a apresentação ao aceite

não ocorra antes de uma certa data. Por fim, o endossante pode estipular que a letra

seja apresentada ao aceite, com ou sem fixação de prazo, salvo se ela tiver sido

declarada não-aceitável pelo sacador (Art. 22 da Lei Uniforme de Genebra).

A letra a certa termo da vista deve ser apresentada ao aceite dentro do

prazo de um ano, contado da sua data de emissão, podendo este prazo ser reduzido

ou prolongado pelo sacador, conforme consta do Artigo 23 da Lei Uniforme de

Genebra.

3.4 – O Endosso

O endosso é uma das formas de transferência dos títulos de crédito, que

é usado para transferir a propriedade da letra de câmbio, conforme prescreve o

Artigo 11 da Lei Uniforme de Genebra.

O endosso consiste na simples assinatura do proprietário no verso ou

anverso do título, mencionando ou não o nome do novo beneficiário. A pessoa que

o faz é denominada endossante, e, quem o recebe, endossatário, seja este

determinável ou determinado.

Quando se tratar de endosso completo, pode ser feito no verso ou

anverso, porém, quando o endosso consistir na simples assinatura do endossante

(endosso em branco), deve ser feito no verso, para não ser confundido com o aceite

ou aval.

16

Da mesma forma que ocorre com o aceite e o saque, o endosso pode ser

feito por mandatário com poderes especiais devendo ser precedido de declaração

que o faz por mandato, tais como: endosso a.., por endosso a ...., a..., etc.

A capacidade do endossante deve ser analisada, porém a incapacidade

de um não torna sem efeito as obrigações decorrentes dos demais assinantes, da

cártula.

Não é admissível a existência de endosso parcial, o que é proibido pelo §

3º do Artigo 8º da Lei Interna e do Artigo 12 da Lei Uniforme.

De acordo com o Artigo 11, 2ª alínea, da Lei Uniforme de Genebra,

quando constar no título a cláusula não à ordem, ou expressão equivalente, só será

o título transferido através de cessão ordinária de créditos.

Através do endosso, transferem-se apenas a obrigação principal do título

e todos os seus acessórios, já que deve ser feito pelo seu legítimo proprietário.

3.4.1 – Endosso em Preto

Ocorre endosso em preto quando o endossante (proprietário do título) o

transfere a uma outra pessoa cujo nome é indicado na própria cártula

(endossatário). Com esse endosso, o novo proprietário do título é perfeitamente

identificável.

Deve o endossante, ou seu mandatário, lançar, de próprio punho, o seu

nome no verso ou anverso do documento. A assinatura será precedida da

declaração “pague-se a”, que pode ser aposta por meio mecânico ou por terceira

pessoa.

Muito se discute acerca da necessidade ou não de lançar, na cártula, a

data do endosso. Tem prevalecido o disposto no Artigo 20, 2ª alínea, da Lei

Uniforme, ou seja, que o endosso será considerado feito antes de expirado o prazo

para o protesto.

Na hipótese de títulos nominativos à ordem, onde consta o nome do

beneficiário ou tomador, deverá ser este, necessariamente, o primeiro endossante,

podendo o endosso ser em branco ou em preto.

17

3.4.2 – Endosso em Branco

Consiste na assinatura do proprietário ou mandatário, no verso ou

anverso do documento8, sem a indicação do nome da pessoa a quem se transfere.

Com o endosso em branco, o título passa a ser semelhante a um título ao

portador, porém não se confundem, pois o endosso pode ser transferido por mera

tradição manual, considerando o possuidor seu legítimo proprietário.

O portador do título em branco pode completá-lo, tornando-o endosso em

preto.

Além do endosso em preto e em branco, encontram-se, na legislação

vigente, outras espécies, quais sejam endosso posterior ao vencimento, tardio ou

póstumo (transferido por intermédio de cessão); endosso-mandato (feito pelo

mandatário que possui todos os direitos e poderes do mandante); endosso caução

(que não foi tratado pela Lei Interna, já que a caução nos títulos cambiais deve ser

feita por intermédio de instrumento à parte); e endosso fiduciário (encontra respaldo

na Lei 4.728, de 14/07/1965).

3.5 – O Aval

É a garantia cambial na qual o avalista fica obrigado e responsável pela

quitação do débito nas mesmas condições do avalizado. (MARTINS, 1999, v.I : 153).

Pode ser lançado no verso ou no anverso do documento.

O aval e a fiança não se confundem. Esta consiste numa garantia

obrigacional e não cambial, como é o caso daquele. No aval, o avalista assume a

mesma obrigação que o avalizado, podendo o credor acionar qualquer um deles9.

Na fiança, ocorre o contrário, isto é, pode o fiador alegar o benefício da ordem para

que o devedor seja acionado primeiramente (MARTINS, 1999, v 1: 157).

A garantia do aval pode ser dada por terceiro ou até mesmo por um

signatário da letra, conforme consta na segunda parte do Artigo 30 da Lei Uniforme

de Genebra.

8 É aconselhável que o endosso em branco seja lançado no verso do documento para que não seja confundidocom o aval.

9 Cf. BORGES (1972:90) O credor pode exigir de qualquer um dos avalistas, independentemente da ordem queocupam, o cumprimento da obrigação.

18

Pode o aval ser simples ou não. Quando o avalista lança sua assinatura

na cártula, precedida ou não de declaração formal, sem, contudo, indicar o nome do

avalizado, é um aval simples. Ao contrário, o avalista indica o nome do avalizado,

não deixando dúvida quanto à relação avalizada e sua extensão.

De acordo com o Artigo 30 da Lei Uniforme de Genebra, o aval pode ser

total ou parcial, o que é uma inovação no sistema jurídico, trazida pelo advento da

Lei Uniforme.

O lançamento de aval após a data do vencimento do título é vedado por

lei, porque com o vencimento cessa o ciclo cambial.

Segundo doutrina Waldirio Bulgarelli, o aval pode ser dado antes do

aceite ou do endosso, tendo em vista a autonomia das obrigações cambiais. No

entanto, deve-se observar se a assinatura garantida por aval está firmada no título;

em caso negativo, o avalista não terá responsabilidade nenhuma se for a hipótese

de aval em preto. Em caso de aval em branco seguirá o disposto na Lei Uniforme,

ou seja, será considerado avalizado o sacador, conforme determina o Artigo 31 o

aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-á

pelo sacador) (BULGARELLI, 2001: 181).

3. 5. 1 – Obrigações e Direito dos Avalistas

O avalista de um título obriga-se a cumprir obrigação idêntica à do

avalizado, portanto, liberam-se da mesma forma. Prescreve o Artigo 32 da Lei

Uniforme de Genebra que “O dador de aval que paga a letra fica sub-rogado nos

direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e

contra os obrigados para com esta em virtude da letra.” Pago o débito, o avalista

adquire o direito de acionar os subscritores anteriores e até mesmo o avalizado.

4 – TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

4. 1 – O Crédito

Inicialmente, cabe salientar que a denominação crédito originou-se

etmologicamente da palavra creditum, credere. O crédito é um ato de fé, de

confiança (REQUIÃO, 1995, v.2:290).

19

O crédito pode ser definido como a negociação de uma obrigação futura.

Utiliza-se da obrigação futura para a realização de um negócio atual (BORGES,

1972:7).

O crédito, ainda, pode ser definido como a confiança que uma pessoa

deposita em outra que, no futuro, esta cumprirá uma obrigação assumida no

presente. O crédito facilitou consideravelmente as operações comerciais significando

um vantajoso desenvolvimento na área.

No passado, chegaram a cogitar a hipótese de que o crédito criava

capitais10, o que não condiz com a verdade. A função do crédito pode ser definida

como a criação de riquezas, pois injeta, antecipadamente, recursos nas atividades

econômicas (BULGARELLI, 2001: 17). A importância dos créditos é reconhecida

tanto pelos juristas quanto pelos economistas, que ressaltam sua responsabilidade

no crescimento da economia das nações.

Com o surgimento do crédito, as transações tornaram-se mais amplas e

rápidas, passando a ser utilizadas em massa principalmente pelos banqueiros e

pelas instituições financeiras. Isso porque o crédito possibilita o indivíduo gozar de

dinheiro presente com pagamento futuro. Tal possibilidade trouxe considerável

benefício para o comércio.

Porém, mesmo com toda essa facilidade, segundo ressalta Fran Martins

“(....) desde o início foi evidenciado um problema relativo à circulação dos direitos

dos créditos, problema que, de fato, só veio a ser solucionado com o aparecimento

dos títulos de crédito”. Todo impasse só foi solucionado com o surgimento do título

de crédito, que representa a incorporação do direito do credor em face do devedor

(MARTINS, 1999, v 1 :3).

No crédito, encontram-se dois elementos essenciais e caracterizadores,

que serão rapidamente analisados.

4.1.1. A Confiança

Indiscutivelmente, a confiança é elemento essencial do crédito. Isso

porque a pessoa que aceita a promessa de pagamento futuro em troca de dinheiro

ou mercadoria presente confia no devedor, certa de que este cumprirá a obrigação

10 De acordo BORGES (1972:8), os benefícios trazidos pelo crédito são indiscutíveis, ainda que, não criecapitais, pois permite a melhor utilização e disseminação dos capitais existentes.

20

assumida. A confiança pode ser pura e simples ou acompanhada de garantias reais

ou pessoais que devem ser oferecidas pelo devedor. Estará o crédito munido de

garantia real quando o devedor apresentar um penhor, hipoteca, etc., e terá garantia

pessoal quando for oferecido avalista ou fiador. Essas garantias tornaram-se

necessárias à medida que se intensificaram a concessão de crédito, levando à

adoção de normas de garantia preestabelecidas (BULGARELLI, 1985:21).

4.1.2. O Tempo

O crédito pressupõe um lapso temporal entre a data da entrega do bem

ou dinheiro pelo credor e a data do cumprimento da obrigação assumida pelo

devedor. Segundo João Eunápio Borges, é o intervalo entre a prestação presente e

a prestação futura (BORGES, 1972:7).

Os dois elementos do crédito são essenciais à sua caracterização, a falta

de qualquer um deles leva, por conseguinte, à sua inexistência.

O professor Waldirio Bulgarelli vê no crédito a existência de três acepções

básicas. a primeira é a moral, que encontra razão de ser na própria origem da

palavra creditum, credere, que significa crença, confiança, sendo o creditor aquele

que tem fé. Tal acepção pode ser encontrada no Código Comercial brasileiro de

1850, v. g. em seu Art. 6º11; a segunda acepção é a econômica, que subdivide-se em

duas concepções: uma do ponto de vista do beneficiário – que usa e goza da

riqueza econômica – e outra como uma reação a essa, vendo o crédito como uma

relação bilateral e não unilateral; a terceira e última é jurídica, que resume o crédito

como o direito à prestação do devedor. A acepção jurídica emprega o termo crédito

nas três acepções, porém possui conceito preciso e próprio (BULGARELLI, 2001:19-

20).

11 A acepção moral pode ser encontrada no Artigo 6º do Código Comercial que determina “O tribunal, achandoque o suplicante tem capacidade legal para poder comerciar, e goza de crédito público, ordenará a matrícula, aqual será logo comunicada a todos os Tribunais do Comércio, e publicada por editais e pelos jornais, onde oshouver, expedindo-se ao mesmo suplicante o competente título”.

21

4.2 – O Conceito dos Títulos de Crédito

Objetiva-se, neste tópico, conceituar os títulos de crédito, tarefa que

torna-se mais fácil porque a doutrina já esgotou a matéria notadamente na “Teoria

Geral dos Títulos de Crédito”, de Ascarelli.

O título de crédito pode ser considerado como o instituto que mais

influenciou na economia moderna, como muito bem ressalta o doutrinador Tullio

Ascarelli : “a vida econômica moderna seria incompreensível sem a densa rede de

títulos de crédito”(ASCARELLI, 1943:3).

É inegável que os títulos de crédito tiveram origem na Idade Média e

nasceram da prática dos comerciantes. Os doutrinadores contribuíram muito para a

sua sistematização.

O conceito de título de crédito, adotado de forma incontestável pela

maioria das legislações e doutrinadores, é o da autoria de Vivante, apud ASCARELLI

(1943: 26), que o define como “o documento necessário para o exercício do direito

literal e autônomo nele mencionado”. Cabe ressaltar que foi essa a definição

acolhida pelo Novo Código Civil brasileiro. em seu artigo 887.

Para Ascarelli, o título de crédito “(...) é submetido a condições de forma,

estabelecidas justamente para identificar com exatidão o direito nele mencionado”

(ASCARELLI, 1943:30). Do conceito de Vivante, podem ser extraídos os princípios

essenciais aplicáveis12 ao título de crédito: a cartularidade, literalidade e autonomia,

que dão ao título de crédito capacidade de circulação. A ausência de qualquer um

dos requisitos essenciais leva à sua nulidade, podendo ser oposta a qualquer

portador por qualquer devedor. Estes requisitos devem coexistir no momento da

invocação do direito cartular.

4.3 – Natureza Jurídica dos Títulos de Crédito

Os direitos incorporados nos títulos de crédito podem ser classificados em

causais e abstratos.

12 Sobre os princípios essenciais aplicáveis, veja o item 4.4.1.

22

Os títulos de crédito abstratos são aqueles que não dependem de

qualquer causa ou origem, ou seja, depreendem-se do negócio ou relação que lhe

deu causa. Conforme salientado por Fran Martins:

(....) ao portador ou qualquer obrigado não é permitido inquirir a causa dotítulo, já que vale por si mesmo, é per se stante, sendo os direitos neleincorporados limitados apenas pela literalidade, isto é, valendo no título oque nele está escrito, nem mais nem menos.(MARTINS, 1999, v. I :21)

São exemplos dos títulos de crédito abstratos a nota promissória e a letra de

câmbio.

Ao contrário dos anteriores, os títulos de crédito causais são aqueles que,

mesmo após sua criação, permanecem vinculados à sua origem ou ao negócio que

lhe deu causa, influenciando na sua própria existência. É exemplo desta modalidade

a duplicata.

Os títulos de crédito abstratos e causais serão analisados mais

pormenorizadamente quando forem objeto de estudo o princípio da abstração e a

causalidade.

4.4 – Princípios Aplicáveis

Pode-se afirmar que os títulos de crédito são instrumentos quase

perfeitos. Possibilitam a circulação dos créditos, facilitam as atividades econômicas

e mobilizam os créditos, permitindo que um grande número de pessoas o utilizem.

Os títulos de crédito somente conseguem cumprir esse papel de

fundamental importância graças a certos princípios que os caracterizam.

Esses princípios podem ser essenciais – ou ordinários, como preferem

alguns doutrinadores – e não essenciais – ou extraordinários. São essenciais

aqueles indispensáveis à promoção da circulação, sendo comum a todas as

modalidades dos títulos de crédito. Estes princípios são extraídos do próprio

conceito de Vivante quais sejam: cartularidade, literalidade e autonomia. Os não

essenciais recebem esta denominação por não integrarem o conceito de Vivante;

são eles: independência, tipicidade e abstração. Cabe ressaltar que, mesmo não

sendo essenciais, são de fundamental importância.

23

4.4.1. Princípio Essenciais

4.4.1.1 –Cartularidade

De acordo com o conceito de Vivante, título de crédito é o documento

necessário ao exercício do direito (...), assim, a cartularidade13 é a materialização do

direito em um papel ou documento.

Diante dessa característica, duas observações podem ser feitas: a

primeira refere-se ao fato da aquisição legítima do documento dar ao adquirente o

direito de exigir a prestação; a Segunda é que o titular só pode exercer o direito

quando estiver de posse do documento. O devedor só estará obrigado a cumprir a

obrigação se lhe for apresentado o documento (BORGES, 1972:12-13).

O Art. 909 do Novo Código Civil brasileiro prevê a hipótese da obtenção

de novo título, em juízo, em caso de extravio ou destruição, quando prescreve que:

“O proprietário que perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado dele,

poderá obter novo título em juízo, bem como impedir que sejam pagos a outrem

capital e rendimento.”

4.4.1.2 – Literalidade

De acordo com o conceito de Vivante, o título de crédito é o documento

necessário ao exercício do direito literal (....). Assim, a literalidade, como já

adiantado, é um princípio essencial já que é extraído do conceito aceito no País.

A literalidade consiste no fato de valer no título o que nele está escrito.

Trata-se de um atributo comum a toda e qualquer espécie de título de crédito.

Ressalta-se que o teor do título de crédito é decisivo porque a declaração nele feita

é autônoma e exerce uma função constitutiva e não confessória, como acontecia em

tempos remotos.

Segundo Tullio Ascarelli, a literalidade possui duas direções opostas:

positiva e negativa: a primeira é considerada positiva porque o subscritor não pode

opor qualquer exceção decorrente de convenção que não conste do próprio título; a

segunda é negativa porque o portador tem que se limitar ao contido no documento,

13 Para MARINTS (1999, v I : 7), são princípios indispensáveis : a literalidade, autonomia e abstração. Pode-seconcluir, portanto, que a cartularidade não é um princípio essencial na sua concepção. Segundo BORGES (1972 : 3), esse princípio é denominado Incorporação.

24

não podendo exercer outras pretensões ou recorrer a elementos extra cartulares.

(ASCARELLI, 1943: 52). Considera-se válido tudo que consta no título; o que não

consta, não pode ser alegado. A ausência desse princípio levaria à possibilidade de

o portador do título gozar de direitos diversos contidos nele. Tal fato causaria

insegurança no mundo jurídico. Desta forma, a literalidade é um formalismo

necessário para assegurar a boa fé desimpedida da circulação dos títulos.

Há que se ressaltar, também, que a literalidade diverge do princípio da

independência14, porque o título de crédito pode fazer referência a outro documento,

valendo as cláusulas através da referência feita. Porém, dúvidas podem ser

suscitadas quanto às cláusulas que devem ou não ser incluídas no título e aquelas

que, embora mencionadas no documento, não serão dotadas da eficácia cartular,

tudo isto considerando as imposições da lei à possibilidade de ser modificado o

contexto típico dos vários títulos de crédito, (ASCARELLI, 1943:58).

Uma vez mencionado que os títulos de crédito devem obedecer aos

requisitos impostos pela lei, cumpre ressaltar que, de acordo com o Art. 889, caput,

do Novo Código Civil brasileiro, são requisitos obrigatórios dos títulos a data da

emissão, a indicação dos direitos que confere, e a assinatura do emitente. Tal

questão será objeto de estudo posteriormente.

4.4.1.3 – Autonomia

É um princípio. Fundamental para a circulação dos títulos.

Segundo Tullio Ascarelli, o seu surgimento deu-se no fim do século XVI,

fato que marcou sensivelmente a história dos títulos de crédito, e se firmou na

ordenança de câmbio germânica de 1848, onde foi consagrado, (ASCARELLI, 1943:

286).

O título de crédito serve como meio hábil à realização e circulação do

direito, desempenhando assim uma importante função. Diante desta fundamental

importância, as normas do direito comum relativas à cessão dos créditos não eram

suficientes para assegurar a certeza e segurança da circulação, daí tornarem-se

necessárias normas disciplinadoras da criação e circulação dos títulos de crédito, e

14 A respeito do princípio da independência, veja o item 4.4.2.1.

25

a mais importante é a que assegura autonomia ao direito cartular (BORGES,

1972:14).

Há dois aspectos na autonomia: a) a relação do título com a causa que

lhe deu origem. Inicialmente, o titulo de crédito era um documento simplesmente

probatório da relação que lhe deu origem, no entanto, com a sua evolução, este

instituto passou a ser um documento constitutivo de direito novo, denominado direito

cartular. Tornou-se direito autônomo, guardando apenas uma conexão com a causa

que lhe deu origem. Essa autonomia existia tão somente no plano nominal, já que o

devedor podia paralisar o direito autônomo com a oposição de uma exceção

referente ao negócio que deu origem ao título; b) a relação entre o devedor e o

terceiro, em que a autonomia é nítida e plena. É sob esse aspecto que se encontra a

autonomia do direito do titular do título de crédito.

O Artigo 17 da Lei Uniforme de Genebra prescreve que a pessoa

acionada para efetuar o pagamento de uma letra não pode opor ao portador

exceções fundadas sobre as relações pessoais entre ela e o sacador ou com

relação a possuidores anteriores, exceto quando o portador tiver agido de má fé (Art.

17 da Lei Uniforme de Genebra). Tal regra justifica-se já que o direito de cada um

dos possuidores é autônomo e independente da relação fundamental.

O princípio da autonomia faz com que a circulação do título de crédito

seja distinta da circulação da cessão de direitos. Na cessão de direito, o cessionário

adquire justamente o direito encartado no título, de forma que a posição do devedor

não se altera diante das cessões, podendo o cessionário opor exceções que podiam

ser opostas ao primeiro credor.

Após a análise dos dois aspectos do princípio da autonomia, pode-se

concluir que o adquirente do título de crédito passa a ser titular de um direito

autônomo e independente da relação anterior.

De acordo com a consideração feita por Vivante (autor do conceito de

título de crédito aceito por nossa legislação), o título de crédito é autônomo porque o

possuidor de boa fé exercita um direito próprio ao qual não podem ser opostas

restrições ou ser destruído em virtude das relações anteriores, conforme regra do

Artigo 1507 do Código Civil de 1916.

26

Na regulamentação contida no Novo Código brasileiro encontra-se

dispositivos sobre o assunto em tela nos Artigos 893 e 896. No Artigo 893 encontra-

se normas referentes à transferência do título de crédito, que implica a transferência

de todos os direitos que lhes são inerentes; já no Artigo 896 estão as normas de

proteção ao terceiro de boa fé adquirente do título.

4.4.2. – Princípios Não-essenciais

Ao lado dos princípios essenciais, estão os princípios não-essenciais que,

também, são de suma importância.

4.4.2.1 - Independência

Não é uma característica geral de todas as modalidades de títulos de

crédito, daí ser considerado como princípio não-essencial.

Antes de discorrer sobre o princípio da independência, serão dedicadas

algumas linhas à dependência do título de crédito. Diz-se que o título é dependente

quando necessita de outros documentos, não sendo bastante em si mesmo. A

dependência do título de crédito pode: a) decorrer da vontade das partes, quando

constar no documento a existência de outros documentos; b) decorrer da

determinação legal, quando é a lei que determina a dependência; c) resultar da

própria substância ou confirmação do negócio e do título.

A independência, por sua vez, é um princípio que decorre de uma

exigência legal. Para alguns títulos, a lei determina qual é o seu conteúdo, devendo

constar do título só aquilo que a lei determina.

Com esse princípio, o título é bastante em si mesmo, não podendo

recorrer a elementos extracartulares. São exemplos de títulos dotados desta

característica a nota promissória e a letra de câmbio, reguladas pelo Decreto 2.044,

de 31 de dezembro de 1908, e pelo Decreto 57.663, de 24 de janeiro de 1966.

4.4.2.2 – Legalidade

O princípio da legalidade ou tipicidade - como preferem alguns tratadistas-

consiste na impossibilidade de serem criados títulos que não sejam previamente

definidos ou disciplinados por lei. De acordo com esse princípio, os títulos de crédito

27

são numurus clausus, não havendo a possibilidade de serem criados títulos sem

prévia definição legal.

Diversos são os títulos de crédito encontrados no ordenamento jurídico

brasileiro, todos disciplinados por leis específicas. Há que se ressaltar que, até a

aprovação do Novo Código Civil brasileiro, não existia uma disciplina geral.

São modalidades de títulos de crédito e respectivas legislações:

a) Letra de câmbio : Decreto nº 2.044, de 31/12/1908, e Decreto 57.663

de 21/01/1966 (Lei Uniforme de Genebra);

b) Nota Promissória : Decreto nº 2.044, de 31/12/1908, e Decreto 57.663

de 21/01/1966 (Lei Uniforme de Genebra);

c) Cheque: Lei 7.357, de 2/09/1985;

d) Duplicata : Lei 5.474, de 18/07/1968, e alterada pelo Decreto-lei 436

de 27/01/1969;

e) Títulos de Crédito Rural: Decreto-lei 167, de 14/02/1967;

f) Warrant : Lei 1.102, de 21/11/1903;

g) Conhecimento de transporte: Decreto 19.473, de 10/12/1930. e

Decreto 20.454 de 1931;

h) Letra Imobiliária: Lei 4.380, de 21/08/1964;

i) Letra hipotecária : Lei 7.684, de 02/12/1988;

j) Títulos de Crédito Industrial : Decreto-lei 413, de 09/01/1969;

k) Certificado de depósitos e de investimentos : Decreto 4.728/1965;

l) Títulos de Crédito à exportação : Lei 6.313, de 16/12/1975; circular do

BCB 7.586, de 25/10/1977;

m) Título Comercial : Decreto 6.840, de 03/11/1980;

n) Debêntures : Lei 6.404, de 15/12/1976;

o) Certificado de depósito de ações : Lei 6.404, de 15/12/1976.

As modalidades acima mencionadas fazem parte do grande arcabouço

dos títulos de crédito típicos existentes e disciplinados por lei específica.

A possibilidade ou não de criação de títulos de crédito atípicos, ou seja,

sem previsão legal específica, é muito discutida. Na doutrina italiana, a criação de

títulos de crédito atípicos é totalmente possível, existindo, atualmente, uma lei geral

regulamentadora, ( BULGARELLI, 2001: 73).

28

O Novo Código Civil brasileiro, em seu Artigo 887, prescreve que o título

de crédito só produzirá efeito quando preenchidos os requisitos legais, e o Artigo

889, por sua vez, diz quais são os requisitos: a data da emissão, indicação precisa

dos direitos que confere e a assinatura do emitente. Diante de tais dispositivos,

parece que o Novo Código Civil brasileiro adotou a liberdade de criação de Títulos

de Crédito, trazendo uma disciplina genérica. No transcorrer deste trabalho,

pretende-se elucidar a questão, de forma a esclarecer sobre a possibilidade ou não

da criação de títulos de crédito atípicos.

4.4.2.3 – Abstração

Os títulos de créditos, considerados num aspecto geral, são emitidos em

razão de alguma causa, decorrendo de um negócio, como a compra e venda, mútuo,

etc. (BULGARELLI, 2001:67). A causa que deu origem ao título de crédito pode ou

não ser mencionada na cártula. Quando a causa não é mencionada, diz-se que o

título de crédito é abstrato (cautio indiscreto), circulando o título isolado e

desprendido da causa que lhe deu origem.

O princípio da abstração consiste justamente no fato do título de crédito

desprender-se da causa que lhe deu origem, não constando no documento qualquer

menção a este fato. São exemplos de títulos de crédito abstratos a letra de câmbio e

a nota de promissória, lembrando-se que a estas não podem ser opostas exceções

ao credor, principalmente por não constar do título a causa.

O principal objetivo desse princípio é garantir a circulação - função

primordial - dos títulos de crédito, protegendo, desta maneira, o terceiro que não foi

parte da relação ( BULGARELLI, 2001:68).

Para Tullio Ascarelli, a abstração da obrigação cambiária possui uma

regra constante e única, que resulta no princípio do caráter pessoal - extracartular -

das exceções causais, que somente podem ser opostas ao portador sujeito da

respectiva relação (ASCARELLI, 1943:109).

Este princípio é totalmente justificado, porque na realidade os títulos de

crédito não foram criados para vincular apenas as partes. Seu objetivo primordial é

servir o comércio. Segundo Pedro Barbosa Pereira, o título tanto mais vale quanto

mais circula (PEREIRA, 1969: 137).

29

Se os contratantes analisarem a função econômico-jurídica

subjetivamente, verão que essa função representa a intenção típica e constante da

conclusão dos negócios, visando realizar uma troca, efetuar um ato de liberalidade,

etc (ASCARELLI, 1943: 86).

A vontade privada no direito moderno é capaz de produzir conseqüências

jurídicas não só quando se realizam negócios previamente regulados por lei, mas

toda vez que visa um fim lícito, preenchendo uma função considerada lícita também

pela consciência social. É por isso que se encontram negócios mistos e inominados,

cuja, causas decorrem de uma combinação de várias outras causas não previstas

por lei específica (ASCARELLI, 1943:86-87).

O fato de não serem especificadamente regulados em lei não significa

que os negócios não exercem uma função, porque têm as funções de mobilização e

circulação da riqueza.

Tullio Ascarelli já demonstrava a possibilidade de realização de negócios

atípicos, cujo elemento distintivo seria apenas a forma, desde que fossem lícitos.

Para tal possibilidade, faz-se necessária uma lei geral, o que parece, foi a intenção

do Novo Código Civil brasileiro.

4.4.2.4 – Causalidade15

Ao contrário do princípio da abstração, a causalidade ocorre justamente

porque na declaração cartular há referência ao negócio que lhe deu origem. Devido

à conexão e à dependência entre o título e a relação de sua origem, os títulos

causais não podem circular de forma autônoma. A menção da causa no próprio título

é denominada cautio discreta .

Com a causalidade, além das funções típicas do título, relativas ao

negócio fundamental, encontra-se a referência a um negócio fundamental típico

distinto em cada título; em virtude deste negócio, vários títulos causais

(conhecimento de transporte, de depósito, duplicata, etc) poderão ser distinguidos e

disciplinados.

A duplicata de mercadorias é um exemplo de títulos de crédito causais.

No Brasil, é disciplinada pela Lei 5.474, de 18 de julho de 1968 e Lei 6.458, de 1º de

15 A causalidade não é um princípio, porém, sua análise é necessária diante do estudo do princípio da abstração.

30

novembro de 1977. A duplicata de mercadorias deve corresponder à efetiva entrega

das mercadorias pelo vendedor ao comprador, de forma que a ausência ou o vício

da entrega do negócio fundamental poderá dar ensejo à oposição via exceção

cartular.

Se, por um lado, os títulos de crédito abstrato possuem uma possibilidade

de circulação de riquezas vantajosa, por outro, a causalidade dos títulos de crédito

afasta os diversos problemas práticos, devido à falta de conexão com o negócio

fundamental. Isso porque, apesar de garantir segurança aos títulos abstratos, podem

ensejar negócios imorais acobertados pela impossibilidade da indagação da causa.

Muitas vezes, os Tribunais, visando fazer justiça, afastam do título a sua abstração

para ver a sua causa determinante, reduzindo, assim, a abstração dos títulos

(BULGARELLI, 2001:20-51). O direito leva em consideração não só a causa do

negócio, mas, também, a intenção das partes ao praticá-lo, avaliando a licitude e

ilicitude.

A causalidade não exclui a possibilidade de serem reconhecidos, no

sistema jurídico, os negócios abstratos. No entanto, nos títulos de crédito causais, o

vício causará a sua nulidade ou a redução do negócio.

Após realizada a análise de todos os princípios aplicáveis aos títulos de

crédito e da causalidade16, deve-se ressaltar a importância do cumprimento do

formalismo exigido. Isso porque, de acordo com a própria definição do título de

crédito, ele é o documento necessário ao exercício literal e autônomo nele contido,

somente produzindo efeito quando preenchidos os requisitos da lei.

Com a análise da causalidade, passa-se ao estudo dos tipos de títulos de

crédito: abstratos, causais, próprios e impróprios.

4.5 – Tipos de Títulos de Crédito

Os tipos de títulos de crédito podem ser: abstratos ou causais, próprios ou

impróprios. Analisar-se-á a seguir cada um detalhadamente.

16 A causalidade dos títulos de crédito ficará mais evidenciada no item 4.5.2.

31

4.5.1 – Títulos de Crédito Abstratos

Os títulos de crédito abstratos caracterizam-se pelo fato de não

dependerem do negócio jurídico que lhess deu causa, valendo por si mesmo . Os

direitos nele incorporados limitam-se pela literalidade, ou seja, vale o que consta no

título, nem mais nem menos. São modalidades de títulos de crédito abstratos17 a

nota promissória e a letra de câmbio, que são disciplinados por leis específicas

(MARTINS, 1999, v 1:10).

Segundo ensinamentos de Rubens Requião, os títulos de crédito

abstratos são os mais perfeitos, pois neles não se indaga a sua origem (REQUIÃO,

1995. v 2 :299).

A abstração da obrigação cambiária foi um processo lento, no entanto

seguro. Ao mesmo tempo que a abstração foi se firmando, deparou-se com o rigor

formal da cambial. O legislador em suas enunciações determinava o que podia ou

não constar na cambial. Tal rigor é perfeitamente entendido na exigência da

expressão da denominação cambial, adotado tanto pelos sistemas alemão e italiano,

quanto pela Convenção de Genebra, que incluiu tal exigência no rol dos requisitos

essenciais (ASCARELLI, 1943: 99). O rigor formal cambiário é distinto da abstração,

porém esta prende-se pela prática e política.

Questão de suma importância nos títulos de crédito abstratos é a

inoponibilidade das exceções. Na legislação brasileira, diversos são os dispositivos

que demonstram a consagração da inoponibilidade das exceções, tais como o Artigo

1507 do Código Civil brasileiro de 1916, que determina que ao portador não pode o

emissor ou subscritor opor exceções, salvo aquelas relativas à nulidade interna ou

externa do título; ou em direito pessoal; o Artigo 906 do Novo Código Civil brasileiro

determina que o devedor só pode opor ao portador as exceções relativas a direito

pessoal ou nulidade da obrigação. A inoponibilidade das exceções, na maioria das

vezes, possui um caráter sancionador, pois, se não fosse abstrato, encontraria no

documento, mediata ou imediatamente, a causa.

A exceção extracartular, mencionada quando da análise do princípio da

abstração, somente pode ser oposta pelos que participaram da convenção a eles

17 Cf. ensinamentos de MARTINS (1999, v1:10), a maioria dos títulos de crédito ao portador é consideradatítulos de crédito abstrato. No entanto, não é correto afirmar que todos os títulos de crédito ao portador sejamtítulos de crédito abstratos.

32

mesmos. É comum a existência de diversas convenções extracartulares. O

participante de uma não se responsabiliza pela outra de que não tenha participado.

Ao terceiro de boa fé são inoponíveis as exceções ex causa (extra-

cartular), sendo protegido pela lei, conforme visto nos dispositivos aduzidos. Esta

proteção abrange tanto a inoponibilidade quanto a existência de vícios de

constituição do direito cartular.

Os títulos de crédito abstratos, por não dependerem da causa que lhes

deu origem, apresentam uma certa vantagem em relação aos títulos de crédito

causais: nestes a menção à causa é obrigatória e o seu vício conduzirá à nulidade

ou a redução do negócio.

4.5.2 – Títulos de Crédito Causais

Os títulos de crédito causais são assim denominados porque

correspondem a um negócio determinado. Na cártula, há menção ao negócio

fundamental que lhes deu origem e dessa forma, só podem ser opostas exceções

cartulares (BULGARELLI, 2001:71).

As exceções cartulares podem ser: a) derivadas dos vícios da relação que

foi objeto da declaração e b) divergências decorrentes da relação fundamental e a

manifestação contida na declaração cartular.

Pode-se afirmar que os títulos causais possuem uma causa necessária,

somente existindo em função de determinado negócio fundamental, e este influencia

a sua própria existência. Acrescenta-se que, por serem considerados títulos de

crédito, devem conter as características inerentes a estes.

O doutrinador Tullio Ascarelli ressalta que a liberdade de emissão dos

títulos de crédito só pode ser proposta em relação aos títulos causais, já que era

inadmissível a criação de obrigação abstrata fora das hipóteses legalmente

previstas, princípio esse aceito em regra (ASCARELLI, 1943:159).

Para o tratadista Fran Martins, os títulos de crédito causais são, em regra,

títulos de crédito impróprios18 (que serão objeto de estudo) por estarem vinculados

ao negócio que lhes deu origem. Tais títulos encontram-se em proliferação diante do

18 ASCARELLI (1943 : 254) entende que os títulos de crédito impróprios não são títulos de crédito. Veja o item 4.5.3

33

desenvolvimento considerável das atividades econômicas, estando garantidos por

muitos dos princípios dos títulos de crédito próprios (MARTINS, 1999, v I :21).

Os títulos de crédito causais são suscetíveis de circulação por endosso,

levando consigo a obrigação corporificada na cártula.

Dada à segurança jurídica da qual é revestida, os títulos de crédito

causais têm sido adotados pelos comércios nacional e internacional, que recorrem à

criação de títulos causais, visando a facilitar a circulação das mercadorias

(ASCARELLI, 1943: 159).

É exemplo claro de títulos de crédito causais a duplicata de mercadorias,

disciplinada pelas Leis 5.474, de 18 de julho de 1968, e 6.458 ,de 1º de novembro de

1977, pois a sua emissão deve corresponder necessariamente à efetiva entrega da

mercadoria ao comprador. Se não houver a entrega da mercadoria ou houver vício

no negócio fundamental, pode o sacado (comprador), como exceção cartular, opor

ao sacador (vendedor). Os Artigos 7ºe 8º da Lei 5.474, de 18 de Julho de 1968,

alterada pela Lei 6.458, de 1º de novembro de 1977, tratam da hipótese de o sacado

recusar-se legitimamente a aceitar a duplicata. mesmo que o sacador disponha de

comprovantes da entrega da mercadoria, o sacado não pode intentar ação

executiva, devendo utilizar-se das vias ordinárias.

Tullio Ascarelli cita, ainda, como modalidade de títulos de crédito causais,

os títulos de crédito marítimos privilegiados, constante do Art. 670 do Código

Comercial, tendo em vista que se trata de um privilégio legal ligado a uma causa

determinada (ASCARELLI, 1943: 195-196).

4.5.3 – Títulos de Crédito Impróprios

Neste caso segue-se o posicionamento do tratadista Tullio Ascarelli, por

ser a mais acertada. A doutrina diverge a respeito do assunto.19

De acordo com os ensinamentos deste doutrinador, os títulos impróprios

não devem ser considerados títulos de crédito, o que justifica a orientação da

doutrina italiana, que se recusa a incluir os títulos impróprios na categoria dos títulos

de crédito. Segundo a mesma doutrina, somente são considerados títulos de crédito

19 Cf MARTINS (1999, v I : 19), são títulos de crédito impróprios aqueles que “não representam uma verdadeiraoperação de crédito mas, que, revestidos de certos requisitos dos títulos de crédito propriamente ditos, circulamcom as garantias que caracterizam esse papel.”

34

aqueles documentos que “(....)além de preencherem uma função de legitimação e

serem necessários para o exercício do direito, incorporam um direito literal, cujo

título é autônomo, independentemente da titularidade do seu antecessor”

(ASCARELLI, 1943: 254).

Assim título impróprio é aquele documento que se reveste do princípio da

autonomia. Trata-se apenas de um documento probatório de uma relação jurídica ou

um fato, constituindo simples documento de legitimação, ou seja, prova que pode

exercer um direito, mas não constitui um direito. Exemplos de títulos impróprios são:

a passagem de ônibus interurbano, o passe de ônibus urbano; um cartão de crédito,

etc. (ASCARELLI, 1943: 246)

De acordo com Tullio Ascarelli, os títulos de legitimação e comprovante de

legitimação são, também, espécies de títulos impróprios. Estes são caracterizados

pelo fato de o devedor poder efetuar a prestação ao apresentante do documento

legítimo como titular originário ou como adiectus solutionis causa. O direito não

deriva do documento, mas sim do próprio contrato (ASCARELLI, 1943:231).

As passagens ferroviárias, os recibos de depósito, dentre outros, são

documentos probatórios da causa da obrigação e que dão ao possuidor legitimação

como titular do direito.

Existem regras que são próprias dos títulos de crédito impróprios e que.

juntamente com a função destes, servem para distinguí-los dos títulos de crédito

próprio. São elas:

a) O direito do portador encontra sua disciplina no contrato originário já

que os títulos de crédito impróprios consistem em documentos de

declaração probatória e não incorporam nenhuma declaração

autônoma de vontade.

b) Pode o titular originário opor-se à execução da prestação a favor do

legitimado, provando que não é titular originário nem cessionário, nos

casos de comprovantes de legitimação e títulos de legitimação,

respectivamente.

A maioria dos doutrinadores concorda com a doutrina italiana, que se

recusa a incluir os títulos de crédito impróprio no rol dos títulos de crédito. Os títulos

de crédito deveriam restringir-se àqueles que, além de preencherem uma função de

35

legitimação e serem necessários para o exercício do direito, corporificam um direito

literal, sendo o seu titular autônomo, independentemente da titularidade do sucessor.

Essa alegação faz sentido quando se leva em consideração a própria finalidade da

criação dos títulos de crédito, ou seja, a circulação do direito.

4.5.4 – Títulos de Crédito Próprios

Títulos de crédito próprios são aqueles sobre os quais incidem os

princípios essenciais dos títulos de crédito. Nos títulos de crédito próprios, o

elemento fundamental é a confiança entre os que participam do negócio – portanto

elemento pessoal - e é com base nessa confiança que se dá a circulação com maior

ou menor facilidade.

Como exemplo de títulos de crédito próprios podem-se citar a nota

promissória e a letra de câmbio, reguladas pelos Decretos nº 2.044, de 31/12/1908,

e 57.663. de 21/01/1966 (Lei Uniforme de Genebra). Tais títulos consistem na

promessa ou na ordem de pagamento de uma pessoa à outra. Será promessa

quando tratar-se de nota promissória e ordem de pagamento quando for letra de

cambio. A circulação das duas modalidades ocorre levando-se em consideração as

pessoas que nelas se obrigam, podendo os títulos serem passados a terceiros que

podem transferi-los a outrem, até mesmo se coobrigando pelo pagamento do débito.

Pode-se afirmar que os títulos de créditos próprio são os mais puros e

perfeitos desses documentos.

4.6 – Classificação dos Títulos de Crédito

Analisar-se-á neste tópico a classificação dos títulos de crédito quanto à

sua circulação. Tal estudo é extremamente necessário, tendo em vista a própria

finalidade dos títulos de crédito.

Os títulos de crédito foram criados para possibilitar a circulação de

riquezas. São documentos que incorporam direitos que podem passar de mãos em

mãos. Considera-se titular aquele que estiver na sua posse.

A forma de circulação dos títulos pode ser determinada pela própria lei ou

pela vontade das partes. A nota promissória e as ações de sociedade são

36

modalidades de títulos, cujo modo de circulação é imposto pela lei: aquela será à

ordem e esta, nominativa (BORGES, 1972:33).

Os títulos de crédito classificam-se quanto ao modo de circulação em :

títulos nominativos, à ordem e ao portador.

Veja a seguir cada título de forma detalhada.

4.6.1 – Títulos Nominativos

O Novo Código Civil brasileiro, em seu Artigo 921. prescreve que os

títulos de crédito serão nominativos quando emitidos a favor da pessoa cujo nome

conste no registro do emitente.

Consideram-se títulos de crédito nominativos aqueles cuja transferência

opera-se mediante termo de cessão ou de transferência. São denominados

nominativos os que trazem na cártula o nome do beneficiário, que somente pode

transferi-lo na forma acima mencionada.

As ações das sociedades anônimas são consideradas títulos nominativos,

devendo o nome do beneficiário constar de registro em livro próprio do nome da

pessoa que o emitiu.

Os títulos de crédito nominativos tornam segura a circulação, entretanto,

dificultam-na diante das exigências a que estão submetidos para tornar perfeita a

transferência.

Esses são semelhantes aos títulos à ordem, porém, não se confundem

por diversos motivos. Nos títulos nominativos, necessariamente há o registro da

emissão do emitente, não havendo a necessidade de registro dos títulos à ordem. É

comum, ainda, nos títulos nominativos a expressão da cláusula “não à ordem”,

quando só serão transferidos os direitos via cessão (MARTINS, 1999, v 1 :15).

Diferem-se, ainda, pela forma de transferência do direito neles incorporado. O título

nominativo transfere-se via termo de cessão ou de transferência, já o título à

ordem20, por simples endosso.

Os títulos nominativos estão disciplinados nos Artigos 921 a 926 do Novo

Código Civil brasileiro.

20 Nos títulos à ordem o nome do beneficiário, também, consta do documento. Porém, o mesmo pode sertransferido pelo simples endosso , lançando, o beneficiário, a assinatura no verso ou anverso da cártula. Vejamais detalhes sobre os títulos à ordem no item 4.6.2

37

4.6.2 – Títulos à Ordem

A cláusula à ordem foi um dos mais importantes fatos ocorridoS na

evolução do instituto dos títulos de crédito. Essa cláusula permite e possibilita a

circulação dos direitos incorporados nos títulos.

Essa modalidade de título de crédito consiste no fato de constar no

documento o nome do beneficiário com menção de uma cláusula esclarecendo a

possibilidade de transferência a outra pessoa (MARTINS, 1999, v I :15).

A circulação dos títulos de crédito tornou-se mais célere por meio do

endosso21, com a adoção da cláusula à ordem. Através do endosso, o beneficiário,

com uma simples assinatura no verso ou no anverso, pode transferir o título.

A letra de câmbio, por força da lei, necessariamente pertence a essa

modalidade de títulos, já que o Artigo 11 da Lei Uniforme de Genebra determina que,

independentemente de expressar a cláusula à ordem, será a letra de câmbio

transferida por meio de endosso.

A cláusula não à ordem prejudica a própria natureza dos títulos de crédito,

qual seja a circulação. Entretanto, não tira do documento a condição de título de

crédito, pois a operação dá-se com base no elemento confiança (MARTINS, 1999, v.

I :18).

Os títulos à ordem estão disciplinados nos Artigos 910 a 920 do Novo

Código Civil brasileiro.

4.6.3 – Títulos ao Portador

São denominados títulos ao portador aqueles em que não constam o

nome do beneficiário da prestação. Tal modalidade é perfeitamente compreensível,

dada a própria finalidade dos títulos de crédito, a circulação.

Os títulos de crédito não foram criados para vincularem apenas as

pessoas que participaram da relação; visam também atingir a coletividade de

pessoas que, no futuro, podem fazer parte ou tornarem-se legitimamente

proprietários do título.

21 Antigamente o endosso só poderia ser dado no verso dos títulos, donde chamar-se endosso, de in dorso, nas costas. (MARTINS, 1999, vI: 15).

38

Será considerado proprietário do título aquele que estiver na sua posse

legitimamente, conforme determinação legal, o que é perfeitamente entendido, dada

à própria natureza do título.

Uma questão de extrema relevância é a legitimidade do proprietário, isto

porque se o possuidor, detentor do título, for ilegítimo (roubo, furto, extravio, etc), o

seu direito iria de encontro ao direito do verdadeiro proprietário, causando-lhe injusto

prejuízo.

Mais uma vez, deve-se observar que a lei protege os interesses do

terceiro de boa-fé, de forma que, se este adquiriu um título de um proprietário

ilegítimo, mesmo assim será legítima a sua posse.

Os títulos de crédito são considerados coisas móveis – res - e, por isso,

sua circulação dá-se por mera tradição manual.

Deve-se acrescentar que o título ao portador, cujo beneficiário é

indeterminado, pode tornar-se nominativo à ordem, onde o beneficiário se tornará

determinado e vice-versa.

Normalmente, nos títulos ao portador constam, expressamente, a cláusula

“pague ao portador...”, no entanto, algumas vezes, o espaço do nome do beneficiário

fica em branco. O título à ordem pode transformar-se em título ao portador, bastando

que o endossatário lance sua assinatura, sem indicar o nome do novo beneficiário.

Os títulos ao portador são ágeis, facilitando a circulação das riquezas,

porém torna insegura a relação, dada a possibilidade de furto ou roubo.

O Novo Código Civil brasileiro, nos Artigos 904 a 909, disciplinam os

títulos ao portador. Novidade existe na regra do Art. 907, que veda a emissão de

títulos ao portador sem prévia autorização legal.

5 - A NOVA REGULAMENTACÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

5.1 – Considerações Gerais sobre a Regulamentação Genérica

Pretende-se desenvolver o estudo da Regulamentação Genérica dos

Títulos de Crédito no Novo Código Civil brasileiro.

Esta questão é inovadora no direito pátrio, já que na legislação brasileira

houve a inclusão de normas do direito comercial no bojo do Código Civil, bem como

39

nunca existiu um regulamentação genérica. A regulamentação genérica terá uma

importância fundamental e poderá marcar significativamente a história dos títulos de

crédito brasileiros.

Os títulos de crédito foram criados com o objetivo de solucionar

problemas, com a circulação dos créditos. Com o seu surgimento, a circulação das

riquezas passou a ser possível, contribuindo muito para o desenvolvimento da

atividade mercantil como um todo. Através dos títulos de crédito pode o indivíduo

valer-se de dinheiro presente com pagamento futuro.

Os títulos de crédito, quando da sua criação, possuíam a forma de títulos

atípicos já que não existiam normas especiais regulamentadoras. Assim, não há

porque ficarem limitados às modalidades dos títulos típicos, ou seja, criados por leis

específicas. Antes da vigência do Novo Código, poder-se-ia dizer que eram os títulos

numurus clausus .

No direito brasileiro, a criação de títulos de crédito, antes da nova

regulamentação, devia ser precedida de lei que os define, portanto, só existiam

títulos de crédito típicos. Várias são as modalidades de títulos de crédito no direito,

(algumas foram previamente citadas).

O professor Mauro Brandão Lopes22, responsável pela redação inicial da

parte relativa aos títulos de crédito no projeto do Código Civil, em palestra ministrada

no Ciclo de Conferência sobre o Novo Código Civil brasileiro, demonstrou com

clareza a grande importância de uma lei geral, evidenciando o objetivo da inclusão

da disciplina no Novo Código Civil brasileiro. Os próximos parágrafos terão como

base tal palestra.

Diante da explanação do ilustre professor, pode-se afirmar que a

existência de uma norma geral será de grande importância, já que não existia no

ordenamento brasileiro lei geral sobre os títulos de crédito, ficando estes limitados à

disciplina específica. A lei geral terá, dentre outras finalidades, a de suprir as falhas

contidas nas leis especiais.

O professor ressaltou, ainda, que duas seriam as hipóteses possíveis

para uma disciplina geral. A primeira seria tornar a disciplina um repositório de todas

as disposições comuns aos títulos de crédito, de forma a notar a congruência básica

22 A explanação do professor Mauro Brandão Lopes, acerca da nova regulamentação, foi fundamental para odesenvolvimento desta parte do trabalho, bem como para que chegasse às conclusões.

40

entre todas as modalidades, tornando-se uma disciplina única com caráter supletivo.

A segunda seria uma regulamentação genérica, traçando normas básicas sobre os

títulos de crédito, determinando regras mínimas para a sua existência. Essa hipótese

levaria à possibilidade de criação de títulos atípicos, ou seja, de títulos destituídos de

lei específicas.

Parece que, no Novo Código Civil brasileiro, a primeira hipótese não teve

acolhida, pois não visa apenas a reunião das normas comuns. Assim, a inclusão da

regra genérica no Novo Código Civil brasileiro parece visar a segunda hipótese, ou

seja, traçar normas básicas para os títulos de crédito e não disciplinar os já

existentes.

A regulamentação geral servirá, também, para suprir a ausência de

disciplina específica. Antes da vigência do Novo Código Civil brasileiro, não existia

no sistema jurídico brasileiro uma norma geral, o que levava a recorrer à Lei

Uniforme – que disciplina as cambiais – para a solução de alguns impasses, porém,

nem sempre a lei é aplicável ou suficiente.

Segundo Mauro Brandão, a disciplina geral dos títulos de crédito possui

duas funções: criação de base mínima para o funcionamento do título, dando

possibilidade e capacidade para a criação de novos títulos; e a remissão aos títulos

de criação legislativa.

Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que uma lei geral, tal como

regulamentada no Novo Código Civil brasileiro, serve como base para a criação de

títulos atípicos, que, apesar de serem menos seguros do que os títulos típicos,

poderão perfeitamente cumprir a função dos títulos de crédito, qual seja, a

circulação. Os títulos atípicos funcionam como um ponto intermediário entre os

títulos típicos e os créditos regidos pelo direito comum.

A nova regulamentação genérica servirá, também, como disciplina geral

que poderá ser aplicada aos títulos típicos, caso a lei disciplinadora específica seja

omissa em algum ponto. Veja um exemplo: imagine que um título X seja disciplinado

por uma lei Y, porém, essa lei nada menciona sobre a possibilidade do aval parcial.

Na vigência do Novo Código Civil brasileiro, será aplicada a esse título a regra geral

que determina a impossibilidade do aval parcial e não a regra contida na Lei

Uniforme, que disciplina a letra de câmbio e a nota promissória.

41

5.2 - Os Títulos de Crédito no Novo Código Civil brasileiro

Os títulos de crédito estão disciplinados no título VIII do Novo Código Civil

brasileiro, em seus Artigos 887 a 926. Os Artigos 887 a 903 prescrevem às

disposições gerais; os Artigos 904 a 909, os títulos ao portador; os Artigos 910 a 920

os títulos à ordem; e por fim, os Artigos 921 a 926, os títulos nominativos. Assim

disciplina o Novo Código as disposições gerais e as modalidades de circulação dos

títulos.

O Art. 887 do Novo Código Civil brasileiro prescreve que o título de crédito

é o documento necessário ao exercício literal e autônomo nele contido, somente

produzindo efeito quando preenchidos os requisitos da lei. Tal prescrição demonstra

claramente a adoção do conceito de Vivante, analisado anteriormente.

O documento para ser considerado título de crédito deverá conter os

princípios da cartularidade, literalidade e autonomia, conforme depreende-se do

Artigo mencionado.

A característica da cartularidade do título de crédito fica ainda mais

patente com a regra do artigo 899, que prescreve que a transferência do título de

crédito implica a transferência dos direitos inerentes a ele Assim, todos os direitos

constantes da cártula são transferidos juntos com o próprio título.

A autonomia dos títulos de crédito, mencionada no Artigo 887 é reforçada

pela regra do Artigo 888, que prescreve que a omissão de qualquer requisito legal

tira do documento a qualidade de título de crédito, porém o negócio continua a

existir. Tal norma demonstra a autonomia do título em relação ao negócio que lhe

deu origem. Com esta regra, se o título de crédito for inválido, ainda assim poderá o

credor ver satisfeito o seu crédito, utilizando-se, para isso, do procedimento

ordinário, servindo o título como mero meio de prova.

O princípio da autonomia encontra reforço, também, nas regras dos

Artigos 901 e 905 do mesmo diploma legal. O primeiro determina que o devedor

ficará desonerado com o pagamento do título ao seu legítimo portador; e o segundo

determina que o possuidor do título ao portador terá direito à prestação contida na

cártula mediante a simples apresentação deste.

42

Como mencionado, o Artigo 887 prescreve que somente produzirá efeitos

o título que preencher os requisitos legais. Por sua vez, os requisitos legais estão

prescritos no Artigo 889 do Novo Código Civil brasileiro, quais sejam a data da

emissão, a indicação precisa dos direitos e a assinatura do emitente.

A regra geral em questão traz uma regulamentação genérica a todos os

títulos de crédito, podendo ser aplicado aos antigos, caso necessário. Essa regra

proporcionará a liberdade de criação de títulos de crédito – títulos atípicos.

Os títulos atípicos, para serem válidos, deverão obedecer aos requisitos

elencados nesse diploma.

Diante dessas regras, pode-se perceber a simplicidade dos títulos de

crédito atípicos, que possuem a mesma natureza e o mesmo princípio dos títulos

típicos.

Deve-se ressaltar que o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho23 discorda de

toda a linha de raciocínio desenvolvida até o presente momento.

5.2.1 – O Endosso

O endosso já foi objeto de estudo no título das declarações cambiais,

oportunidade em que se ressaltou a regulamentação deste na Lei Interna – Decreto

2.044, de 31/12/1908 – e na Lei Uniforme, traçando os seus pontos principais.

O endosso na regulamentação geral traz uma inovação significante. O

Artigo 914 do Novo Código Civil brasileiro determina que o endossante não

responderá pelo pagamento do débito, salvo a existência de cláusula ao contrário. O

beneficiário, de acordo com esta regra, pode transferir o título a um terceiro, sem,

contudo, vincular-se à obrigação.

De acordo com o Artigo 15 da Lei Uniforme de Genebra, “O endossante,

salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da

letra”. Assim o endossante é solidariamente responsável pelo pagamento do débito.

23 Para COELHO (2002:384) as normas contidas no Novo Código Civil “de modo sumário, são normas deaplicação quase-supletiva. A rigor, se são aplicáveis apenas quando há normas compatíveis na lei especial, entãonem supletivas seriam, já que estas se destinam a suprir lacunas em regramentos jurídicos específicos.” Afirma,também, que as normas do Novo Código somente terá aplicabilidade se a lei específica tiver a mesma disciplina.O mesmo autor não vislumbra a possibilidade de criação de títulos atípicos.

43

5.2. 2 – O Aval

O Novo Código Civil brasileiro, em seu Artigo 889, equipara o avalista

àquele cujo nome esteja indicado no título ou, na falta de indicação, equipara-se ao

devedor final ou emitente.

Ainda com relação ao aval, encontra inovações nas regras do parágrafo

único dos Artigos 897 e 900.

Pelo Artigo 897 fica vedada a existência do aval parcial, que, até então,

era aceita pelo do Artigo 30 da Lei Uniforme.

O Artigo 900 prevê a hipótese da existência de aval póstumo, ou seja,

após o vencimento, atribuindo-lhe qualidade de garantia cambial de pagamento, o

que até então não era previsto.

5.2. 3 – Cláusulas Proibitivas

A regulamentação geral dos títulos de crédito no Novo Código Civil

brasileiro prescreve, no Artigo 890, as cláusulas proibitivas:

Cláusula de juros; cláusula proibitiva de endosso; cláusula excludente da

responsabilidade pelo pagamento ou por despesas; cláusula que dispense a

observância de termos e formalidades prescritas; e cláusula que exclua ou restrinja

direitos e obrigações além dos limites fixados em lei.

A cláusula de juros é aceita restritivamente pela Lei Uniforme. De acordo

com a primeira parte do Artigo 5º, na letra de câmbio pagável a vista ou a um certo

termo da vista pode ser estipulado o vencimento de juros, porém a segunda parte

prescreve que, em qualquer outra letra, a estipulação de juros será considerada

como não-escrita.

Como se viu, quando da análise da classificação dos títulos acerca da

circulação, há títulos que permitem a inserção da cláusula não à ordem. Porém, no

novo Código, tal cláusula será vedada.

De acordo com a regra geral, não pode o endossante incluir no título

cláusula excludente de responsabilidade pelo pagamento ou despesa, o que não vai

ao encontro do Artigo 15 da Lei Uniforme, que prevê a hipótese de proibição de novo

endosso no caso em que se responsabilizará pelo pagamento.

44

Essa cláusula se justifica porque os títulos atípicos são dotados de menos

segurança que os títulos típicos, porém de maior segurança que os créditos regidos

pelo direito comum.

5.2.4 – Considerações Finais

Vale observar que muitas regras do diploma são semelhantes às normas

da Lei Uniforme e/ ou ao Decreto nº 2.044, de 31/12/1908, que foram analisadas ao

longo de todo o trabalho.

Uma última observação, no entanto, deve ser feita quanto à norma do

Artigo 907, que prescreve a nulidade do título ao portador emitido sem autorização

de lei especial. Consiste essa regra na única vedação à criação de títulos atípicos.

45

6 - CONCLUSÃO -

Durante todo o desenvolvimento deste trabalho, ficou totalmente

evidenciada a fundamental importância do instituto dos títulos de crédito para o

direito, bem como para a sociedade de modo geral.

Os títulos de crédito criados, inicialmente, como mero meio de transporte

de dinheiro, visando atender aos anseios dos comerciantes, evoluíram até atingir o

papel importantíssimo desempenhado nas atividades mercantis. O título de crédito é

o mais importante e interessante instrumento de mobilização de economias e de

conversão em capital produtivo, fruto da própria criatividade dos comerciantes.

Dada a fundamental importância deste instituto, várias normas foram

criadas, visando a sua regulamentação.

O Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908 – Lei Interna -, que

disciplina a nota promissória e a letra de câmbio, possui grande importância e muitas

das suas regras encontram-se ainda em vigência no ordenamento jurídico brasileiro.

Os títulos de crédito, com o tempo, como mencionado no curso do

trabalho, passaram a ser utilizados no comércio internacional, o que tornou

imprescindível a adoção de normas uniformes. Tal necessidade culminou, após a

realização de várias conferências internacionais, na promulgação do Decreto

57.663, de 24 de janeiro de 1966.

No ordenamento jurídico brasileiro, o Decreto nº 57.663/66 é aplicável

com observância das normas do Decreto nº 2.044, de 31/12/1908, o que leva a

afirmar que ambas estão em vigor. Porém, o Decreto nº 2.044, de 31/12/1908, é

aplicado em razão das reservas constantes do anexo II da Lei Uniforme de Genebra

feita pelo Brasil.

Ao lado das duas disciplinas, encontram-se diversas outras leis

específicas que visam a regulamentação dos títulos de crédito típicos.

Apesar de todo o arcabouço jurídico sobre os títulos de crédito, não havia

no ordenamento jurídico brasileiro uma regulamentação genérica que disciplinasse

os títulos de crédito de uma forma geral.

46

A nova regulamentação, objeto de estudo, estabelece regras básicas para

a criação e emissão de títulos de crédito. Não é seu objetivo dar nova disciplina aos

títulos já existentes – titulo típicos -; estes continuarão a ser regidos pelas leis que os

criaram. Servirá a nova regulamentação como regra geral.

O objetivo da nova regulamentação é criar regras básicas para a criação

de novos títulos de crédito que não foram objeto de lei específica – títulos atípicos -.

Será aplicada a regulamentação genérica quando ausentes leis específicas, pois

essas excluem a aplicação daquela.

A regulamentação geral poderá, ainda, ser aplicada supletivamente aos

demais títulos, que aproveitará quando for possível. Com isso, quer-se dizer que, em

caso de omissão de determinada questão sobre um título típico esta, será suprida

pela regra genérica.

Com a regulamentação genérica contida no Novo Código Civil brasileiro,

será possível a emissão de títulos de crédito atípicos, ou seja, títulos que não são

disciplinados por leis específicas. Os títulos atípicos deverão preencher os requisitos

previstos pela nova lei, quais sejam a data da emissão, a indicação precisa dos

direitos que confere, e a assinatura do emitente.

Diante da nova regulamentação, é possível imaginar um título de crédito

atípico, exemplo: as notas de uma padaria, contendo os requisitos mencionados,

serão considerados títulos de crédito atípicos.

Os títulos de créditos criados com base nessa lei serão regulamentados

por ela. Assim, valerá o que ela prescreve quanto ao endosso, ao aval e às

cláusulas proibitivas. Essas normas, como mencionado, são inovadoras em relação

ao contido no Decreto 2.044, de 31/12/1908, e na Lei Uniforme de Genebra.

Fazendo-se uma análise comparativa entre os títulos de crédito, chega-se

à conclusão de que os títulos atípicos são dotados de menos segurança do que os

títulos típicos, porém são mais seguros que as relações creditícias regulamentadas

pelo direito comum .

A nova regulamentação trará grande inovação para o sistema jurídico

como um todo será um marco importantíssimo na história dos títulos de crédito

brasileira.

47

Por último, para que os títulos de crédito atípicos sejam facilmente

identificáveis, deveria a norma exigir que neles constem a denominação “título de

crédito”, tal como ocorre com a letra de câmbio e a nota promissória.

Diante da nova regulamentação, tal como analisado, pode-se concluir que

nada impedirá o surgimento de novos títulos de crédito, dando maior circulabilidade

aos créditos. Tal fato contribuirá ainda mais para o desenvolvimento das atividades

mercantis e, conseqüentemente, da economia brasileira.

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