tipificação penal em homicídios de trânsito discussão...

28
REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 . Página 208 Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão acerca do dolo eventual e da culpa consciente 1 Cassio Henrique Faller 2 Resumo: O Brasil é um dos países com maior incidência de mortes no trânsito, sendo que grande parte desse triste dado é levado a efeito por motoristas que se encontravam sob efeito do álcool. Demais disso, na maior parte dos casos atinentes a essas mortes, os motoristas que provocaram os acidentes com vítimas fatais são denunciados e muitas vezes condenados pelo Tribunal do Júri, por terem praticado o delito de homicídio previsto no Código Penal. Entretanto, diante do exposto, deparamo-nos com uma questão não muito simples de ser resolvida, uma vez que não há um entendimento pacífico esclarecendo se se trata, realmente, de aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente, caso este que faria com que o delito fosse enquadrado como o homicídio culposo previsto no Código de Trânsito Brasileiro. Assim, se mostra necessário um estudo sobre esse assunto observando a teoria finalista da ação proposta por Welzel, a fim de que tenhamos uma maior aproximação do que realmente deve ser feito quando nos depararmos com casos concretos de homicídios de trânsito. Palavras-chave: Homicídio de trânsito. Finalismo. Dolo eventual. Culpa consciente. Resumen: Brasil es uno de los países con la mayor incidencia de muertes de tráfico, y gran parte de esa triste realidad es llevada a cabo por los conductores que se encontraban bajo la influencia del alcohol. Además que, en la mayoría de los casos relacionados con estas muertes, los conductores que causaron los accidentes con víctimas mortales se han reportado y condenado por el jurado, por haber cometido el delito de asesinato en el Código Penal. Sin embargo, teniendo en cuenta lo anterior, nos encontramos ante una cuestión no muy fácil de resolver, ya que hay un entendimiento pacífico aclarar si esta es realmente la aplicación de cualquier engaño o culpa consciente de que este caso podría causar el delito se enmarca como homicidio en el Código de Tránsito Brasileño. Por lo tanto, si aparece necesario un estudio sobre este tema mediante la observación de la teoría finalista de la acción propuesta por Welzel, así que tenemos más de cerca de lo que realmente se debe hacer cuando nos encontramos con casos concretos de homicidio tránsito. Palabras clave: Tráfico homicidio. Finalismo. Dolo eventual. Culpa consciente. Introdução O presente artigo traz à tona uma questão atualmente muito discutida, no âmbito jurídico e também pela sociedade em geral. O foco principal é direcionado aos crimes de trânsito, na hipótese do condutor de veículo que causa acidente com vítimas encontrar-se sob efeito de álcool (considerando o índice de seis decigramas previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro) ou substâncias entorpecentes. 1 Artigo Científico apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Osório como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientado pelo Professor Mestre Vinícius Gil Braga. 2 Acadêmico de Direito.

Upload: dinhquynh

Post on 13-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 208

Tipificação penal em homicídios de trânsito – discussão acerca do dolo eventual e da culpa consciente1

Cassio Henrique Faller2

Resumo: O Brasil é um dos países com maior incidência de mortes no trânsito, sendo que grande parte desse triste dado é levado a efeito por motoristas que se encontravam sob efeito do álcool. Demais disso, na maior parte dos casos atinentes a essas mortes, os motoristas que provocaram os acidentes com vítimas fatais são denunciados e muitas vezes condenados pelo Tribunal do Júri, por terem praticado o delito de homicídio previsto no Código Penal. Entretanto, diante do exposto, deparamo-nos com uma questão não muito simples de ser resolvida, uma vez que não há um entendimento pacífico esclarecendo se se trata, realmente, de aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente, caso este que faria com que o delito fosse enquadrado como o homicídio culposo previsto no Código de Trânsito Brasileiro. Assim, se mostra necessário um estudo sobre esse assunto observando a teoria finalista da ação proposta por Welzel, a fim de que tenhamos uma maior aproximação do que realmente deve ser feito quando nos depararmos com casos concretos de homicídios de trânsito. Palavras-chave: Homicídio de trânsito. Finalismo. Dolo eventual. Culpa consciente. Resumen: Brasil es uno de los países con la mayor incidencia de muertes de tráfico, y gran parte de esa triste realidad es llevada a cabo por los conductores que se encontraban bajo la influencia del alcohol. Además que, en la mayoría de los casos relacionados con estas muertes, los conductores que causaron los accidentes con víctimas mortales se han reportado y condenado por el jurado, por haber cometido el delito de asesinato en el Código Penal. Sin embargo, teniendo en cuenta lo anterior, nos encontramos ante una cuestión no muy fácil de resolver, ya que hay un entendimiento pacífico aclarar si esta es realmente la aplicación de cualquier engaño o culpa consciente de que este caso podría causar el delito se enmarca como homicidio en el Código de Tránsito Brasileño. Por lo tanto, si aparece necesario un estudio sobre este tema mediante la observación de la teoría finalista de la acción propuesta por Welzel, así que tenemos más de cerca de lo que realmente se debe hacer cuando nos encontramos con casos concretos de homicidio tránsito. Palabras clave: Tráfico homicidio. Finalismo. Dolo eventual. Culpa consciente.

Introdução

O presente artigo traz à tona uma questão atualmente muito discutida, no âmbito

jurídico e também pela sociedade em geral. O foco principal é direcionado aos

crimes de trânsito, na hipótese do condutor de veículo que causa acidente com

vítimas encontrar-se sob efeito de álcool (considerando o índice de seis decigramas

previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro) ou substâncias

entorpecentes.

1Artigo Científico apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Osório como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientado pelo Professor Mestre Vinícius Gil Braga. 2Acadêmico de Direito.

Page 2: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 209

A partir disso e diante de todas as controvérsias existentes acerca do assunto em

tela, mostra-se necessária uma discussão sobre o correto enquadramento da

tipificação penal.

Conforme Lúcia Bocardo Batista Pinto e Ronaldo Batista Pinto, a questão do dolo

eventual, nos crimes de trânsito, é um debate que anima a doutrina, pois seu

reconhecimento tem uma repercussão gravíssima, tendo em vista que submete o

agente ao julgamento pelo Tribunal do Júri, com possibilidade de condenação pela

prática de homicídio doloso, o qual é muito mais grave levando-se em consideração

a pena destinada ao crime culposo.3

Atualmente, percebe-se um grande clamor da sociedade para que seja feito justiça

em caso de acidente de trânsito com vítimas fatais (principalmente em casos com

grande repercussão da mídia), onde o condutor que causou o sinistro se encontrava

sob efeito de álcool ou substâncias entorpecentes.

O Grupo Bandeirantes, inclusive, criou a campanha “Não foi acidente”4, passando a

veicular em sua grade de programação diversas reportagens sobre embriaguez no

trânsito. O objetivo principal da campanha é a coleta de assinaturas para

modificação da lei, a fim de tornar mais severa a punição a motoristas embriagados,

o que demonstra o grande clamor popular por uma maior rigidez na punição nestes

casos.

O Código de Trânsito Brasileiro e o Código Penal não trouxeram um dispositivo

próprio para tratar diretamente sobre esta questão, restando aos aplicadores da lei a

análise e solução do referido problema.

Assim, na hipótese de acidente de trânsito que alcançou o resultado morte, no qual

o condutor de veículo automotor, responsável pelo mesmo, encontrava-se com

concentração de álcool no sangue acima do limite de 6 decigramas, índice este

previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, ou sob efeito de substâncias 3 PINTO, Lúcia Bocardo Batista; PINTO, Ronaldo Batista; GOMES, Luiz Flávio (Org.). Legislação

criminal especial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1084. 4 CREATIVE COMMONS. Não foi acidente. Disponível em: <http://naofoiacidente.org/blog/>. Acesso

em: 07 jun. 2012.

Page 3: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 210

entorpecentes, dito condutor incorrerá nas sanções do artigo 121 do Código Penal,

pela aplicação da teoria do dolo eventual, ou do artigo 302 do Código de Trânsito

Brasileiro, por homicídio culposo?

Essa é uma discussão que há anos vem sendo debatida pela jurisprudência, mas

que ainda não encontrou uma solução pacífica. Embora a maioria dos doutrinadores

de renome do Direito Penal entendam pela inaplicabilidade do dolo eventual em

caso de acidente de trânsito em que o causador estava sob efeito de substâncias

entorpecentes ou com concentração de álcool no sangue acima de 6 decigramas,

isso não é o que acontece na maioria dos casos, onde o causador do acidente

acaba denunciado como incurso nas sanções do artigo 121 do Código Penal,

podendo posteriormente ser julgado pelo Tribunal do Júri.

Desse modo, diante dessa não pacificação de entendimento até os dias de hoje,

mostra-se necessária a análise do tema sob a ótica da teoria do delito. Ou seja,

interessante se mostra o estudo da tipicidade do delito a fim de se verificar qual o

meio mais correto de aplicação da lei.

A realização do presente trabalho terá uma grande importância, tanto para

conhecimento pessoal, como também para se buscar uma melhor aplicação da lei

neste assunto tão polêmico. Por meio da elaboração do presente artigo científico,

buscar-se-á encontrar um modo para que as dúvidas sejam dirimidas, com vistas à

obtenção de uma solução tranquila, que no futuro possa ser pacificada.

Conforme Cezar Roberto Bitencourt e Francisco Muñoz Conde, enquanto no dolo

eventual o agente anui ao advento do resultado (proibido), e assume o risco de

produzi-lo, ao invés de renunciar à ação; na culpa consciente, diferentemente, o

agente repele a hipótese de superveniência do resultado, com a esperança de que

este não ocorrerá.5

Demonstrada a diferença entre os institutos, percebemos a grande injustiça que

pode ocorrer, caso a conduta seja descrita de modo errôneo. Ou seja, caso utilizada

5 BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. São Paulo:

Saraiva, p. 215.

Page 4: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 211

a teoria do dolo eventual, o réu poderá ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri

e ser condenado a uma alta pena.

Por outro lado, com a utilização do dispositivo do Código de Trânsito, será aplicada

uma pena baixíssima, o que, segundo as representações sociais e midiáticas sobre

o tema, deixaria a sociedade muito insegura, uma vez que o número de mortes no

trânsito, em nosso país, tem estatística semelhante a de guerras. Pesquisa realizada

pelo Ministério da Saúde, no ano de 2010, apontou que 40.610 pessoas perderam a

vida no trânsito, o que significa um aumento de 25% em relação às mortes no

trânsito ocorridas no ano de 2002.6

Conforme aludido, nosso país acumula altos índices de mortes no trânsito, podendo

ser feita uma comparação, inclusive, à estatística de mortes de países em guerra.

Diante disso, a sociedade, sempre com a forte influência da mídia, acaba por clamar

por justiça, sendo o dolo eventual o modo pelo qual o Estado passou a utilizar para

tentar estancar o número de óbitos no trânsito.

Ou seja, verifica-se que nos dias atuais, o Estado, para tentar reprimir a soma de

álcool e direção, valeu-se de forma imoderada do instituto do dolo eventual, punindo

com grande rigor o responsável pelo acidente com vítimas, portanto, no mais das

vezes, sem uma profunda análise da questão.

Desse modo, percebemos claramente que o presente estudo buscará compreender

os critérios jurídicos que orientam o devido enquadramento penal nos crimes de

trânsito, o que, consequentemente, visa estabelecer uma contribuição à aplicação

do direito em relação ao tema. Analisar-se-á também, inevitavelmente, o aspecto

social, mais precisamente o clamor público, conforme já mencionado, como padrão

crítico para buscar a forma mais coerente de aplicação da lei penal.

Atualmente, é grande a discussão acerca da possibilidade de aplicação do dolo

eventual quando da ocorrência de acidentes de trânsito com vítimas. Percebe-se um

6G1. Mortes no trânsito têm alta de 25% em 9 anos, aponta ministério. Brasília, 04/11/2011.

Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/11/mortes-no-transito-sobem-25-em-9-anos-em-2010-40-mil-morreram.html. Acesso em: 02 jun. 2012.

Page 5: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 212

grande clamor da sociedade por justiça, com uma espécie de pressão ao Poder

Judiciário. A sociedade, para tanto, levanta a questão da impunidade para buscar

rigor na aplicação da lei penal.

Na maioria das vezes, a opinião pública, em razão da forte influência midiática,

acaba por culpar o causador do acidente sem ter o mínimo conhecimento do caso

concreto, os motivos que deram causa ao acidente. Assim, surgiu o desejo de

aprofundar o estudo sobre o assunto, com a análise doutrinária e jurisprudencial, a

fim de esclarecer qual o meio mais correto para enquadramento do fato. Por

homicídio doloso, com a aplicação do dolo eventual, ou como homicídio culposo no

trânsito, com a aplicação do dispositivo do Código de Trânsito Brasileiro.

Trata-se de esclarecer as categorias, do dolo eventual e da culpa consciente, em

nível de dogmática penal, com vistas à solução concreta de casos. Portanto, ao

verificar de forma clara os requisitos dogmáticos, poderemos alcançar, caso a caso,

a solução mais justa.

Entretanto, trata-se de um assunto muito contraditório e polêmico. Como exemplo

que demonstra quão intrincada é essa questão, podemos mencionar o fato de

diversos autores defenderem a inviabilidade, inclusive, da tentativa no dolo eventual,

sendo que na jurisprudência há diversos casos de condenação por homicídio

tentado no trânsito, com a utilização do dolo eventual.

Será necessário, também, um breve estudo acerca das teorias causalista e finalista

da ação, a fim de que seja verificada a diferença entre ambas, bem como qual delas

terá uma melhor aplicabilidade no presente artigo. Desde já, necessário se mostra

explicar que a tendência para desenvolvimento do trabalho é a utilização do

finalismo, de acordo com a doutrina de Welzel, servindo tal teoria como a base

essencial para se levar a efeito uma linha de raciocínio.

1 A ação de acordo com as teorias causalista e finalista

Page 6: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 213

Em nosso Código Penal, o artigo 187 é o dispositivo legal que dispõe acerca do dolo

e da culpa, distinguindo os dois conceitos. Ainda, é importante a análise do artigo

1218 do Código Penal, que trata do homicídio, e do artigo 3029 do Código de

Trânsito Brasileiro, que trata do homicídio culposo no trânsito. A partir de agora, tais

dispositivos legais devem ser levados em consideração, pois se estudará a sua

possibilidade de aplicação metodológica, com base nas teorias essenciais da ciência

penal.

Conforme os autores Zaffaroni e Pierangeli, a doutrina brasileira, em quase todas as

obras elaboradas com a vigência do código de 1940, sustentou a teoria causalista,

sendo que, após, com o ocaso do código, surgiu a estrutura finalista como uma

melhor metodologia analítica. Nesse sentido, embora diversos autores não tenham o

mesmo ponto de partida quanto à teoria do conhecimento, estão eles acordes numa

única sistemática.10

Eugênio Raúl Zaffaroni prevê que, tanto nos delitos dolosos como nos culposos, nos

ativos e omissivos, o que a lei proíbe é uma conduta final. Ação e omissão não são

7Art. 18 - Diz-se o crime: Crime doloso - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco

de produzi-lo; Crime culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. 8Art 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o

agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo futil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. § 4

o No homicídio culposo, a pena é

aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. 9Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a

quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. 10

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 1, p. 380.

Page 7: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 214

formas de conduta. Todos são, na verdade, quatro técnicas legislativas diferentes

para individualizar ações proibidas11.

Acerca da teoria do delito, verifica-se que a antijuridicidade e a culpabilidade

oferecem características peculiares em cada tipo penal. Zaffaroni opta, ao analisar o

tema, pela consideração sucessiva da tipicidade, da antijuridicidade e da

culpabilidade, destacando em cada nível as diferenças estruturais e as modalidades

impressas por elas, em vez de analisar cada uma das modalidades típicas

juntamente com as características que imprime a antijuridicidade e a culpabilidade.

Faz tal escolha porque oferece a vantagem de mostrar em conjunto a função

fixadora indiciária da tipicidade, o desvalor da antijuridicidade e a reprovação da

culpabilidade, isso sem perder de vista o critério sistemático básico exposto para a

análise.12

Assim, se mostra interessante, antes de iniciarmos um estudo sobre o dolo e da

culpa, fazermos uma análise, mesmo que superficial, das teorias causalista e

finalista. Welzel e Mir Puig são os autores que serão estudados a fim de analisar tais

teorias. Tal análise é necessária, pois teremos, assim, uma visão mais clara do que

realmente ocorre nos casos de homicídios no trânsito, onde se “opta” pelo dolo

eventual ou pela culpa consciente.

Welzel aduz que a ação humana é o exercício da atividade finalista, sendo um

acontecer “finalista”, e não apenas “causal”. Na finalidade ou atividade finalista da

ação, o agente, de acordo com seu conhecimento causal, pode prever, em

determinada escala, as consequências possíveis de uma atividade futura, propondo

objetivos de diversa índole e pode dirigir sua atividade segundo um plano tendente a

obtenção desses objetivos. Ou seja, o autor poderá, antevendo um evento futuro,

optar pelo modo como agirá.13

11

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 83. 12

Ibidem, p. 84. 13

WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 39.

Page 8: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 215

Segundo Mir Puig, um dos grandes idealizadores dessa teoria finalista é justamente

Welzel, doutrinador o qual passou a defender essa tese no ano de 1930. Welzel teria

analisado a ação de um ponto de partida metódico, sendo que Mir Puig aduz que a

ação final não é a base da doutrina de Welzel, não sendo mais que uma das

consequências de sua metodologia na dogmática penal.14

Ainda, a doutrina final da ação não é a única manifestação da metodologia finalista.

Nesse sentido, Mir Puig salienta que essa é uma questão pouco estudada, mas que

é necessário ter insistência. Junto à finalidade da ação, a concepção da essência da

culpabilidade como reprovabilidade quando o autor do delito podia ter agido de outro

modo, constitui o segundo pilar da teoria do delito de Welzel.15

Hanz Welzel discorre que a finalidade é um ato dirigido conscientemente desde o

objetivo, enquanto a pura causalidade não está dirigida desde o objetivo, resultado

dos componentes causais circunstancialmente concorrentes. Em razão disso, o

renomado autor cita que, graficamente, a finalidade é “vidente”, enquanto a

causalidade é “cega”.16

A finalidade, ainda segundo Welzel, se embasa na capacidade do desejo de prever

uma determinada escala de consequências da intervenção causal, e com ela dirigir-

se a um plano para obtenção do objetivo, que é a vontade consciente do objetivo,

sendo que a vontade consciente do objetivo, que dirige a um acontecimento causal,

é a espinha dorsal da ação finalista. Entretanto, a atividade finalista não compreende

apenas a finalidade da ação, mas também os meios secundários e as

consequências secundárias, necessariamente vinculadas.17

As ações finalistas, cuja vontade de concretização está dirigida para a realização de

resultados socialmente negativos, são qualificadas de antijurídicas pelo direito penal

14

MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: Euros editores, 2002, p. 225. 15

Ibidem, p. 227. 16

WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 39. 17

Ibidem, p. 40.

Page 9: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 216

nos delitos dolosos. O dolo é a vontade jurídica finalista de ação que está dirigida

para a concretização das características objetivas de um tipo de injusto.18

Esse poder agir de forma diversa constitui uma estrutura lógico-objetiva, ancorada

na essência do homem, como um ser responsável caracterizado pela capacidade de

autodeterminação final em curso. Desse modo, o finalismo não é somente uma

doutrina da ação, nem uma sistemática dos caracteres do delito, mas sim algo mais:

é um reflexo na dogmática jurídico-penal de uma atualidade epistemológica.19

Com isso, verifica-se que não é lícito afirmar, como muitas vezes é feito, que todo

aquele que incluiu o dolo no tipo é, por isso só, finalista, da mesma forma de que,

como é evidente, não basta reconhecer o caráter final da ação para poder receber

aquela qualificação.20

Ainda, segundo Welzel, as ações que, contempladas em suas consequências

causais, não observam o mínimo juridicamente indicado de direção finalista, são

compreendidas pelos tipos dos delitos culposos como “lesões imprudentes ou

negligentes de bens jurídicos”. Nesses tipos, as consequências são irrelevantes

para o direito penal, e não são descritas nos tipos de forma concreta, sendo que seu

tipo de injusto consiste em determinadas lesões causais de bens jurídicos,

ocasionadas pelas ações que não levam consigo a quantidade de diligência

necessária para intercâmbio de direção finalista.21

Assim, conforme Welzel, mesmo o sujeito que limpa seu fuzil, o qual não está

descarregado, e sem querer mata outra pessoa, realiza uma ação finalista (limpeza

do fuzil), a qual originou causalmente a morte da vítima. Entretanto, nesse exemplo,

não seriam necessárias as consequências finalistas, mas as consequências causais,

tendo em vista que o agir, em sua atividade finalista, que foi a de limpar o fuzil, não

18

WELZEL, Hanz. Derecho penal parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 43. 19

MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: Euros editores, 2002, p. 227. 20

Ibidem, p. 228. 21

WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 43.

Page 10: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 217

forneceu o mínimo juridicamente necessário de direção finalista para evitar o

resultado.22

Com o passar dos anos, submergiu na ciência do direito penal a teoria que dividiu a

ação em duas partes distintas: o processo causal exterior, por um lado, e o conteúdo

puramente subjetivo da vontade, por outro. Segundo esta, a ação é um puro

processo causal, que se origina da vontade no mundo exterior, sem considerar se é

querido ou se poderia ser somente previsto. Assim, segundo Welzel, o conteúdo

subjetivo da vontade é, para a ação, “sem significado”.23

Welzel direciona diversas críticas ao conceito causal da ação, sustentando que o

conceito mais adequado deve ser o finalista. Isso porque aquela desconhece o

conteúdo decisivo do injusto nos delitos culposos, confundindo os conceitos

ontológico e real.24

Nesse sentido, Zaffaroni aduz que com a incorporação do dolo ao tipo, o primitivo

cancelamento da legalidade por meio da causalidade regressiva foi definitivamente

resolvida, pois esse era o mais grosseiro de todos os problemas da causalidade e

sua relevância típica. Isso ainda sem contar que não eram resolvidas as questões

dos tipos culposos.25

Por fim, Welzel destaca que nos delitos dolosos, a relação finalista, com o resultado

penalmente essencial, não é proibida, mas concretizada. Já nos delitos culposos, a

relação finalista, penalmente decisiva para evitar o resultado não desejado, é devida,

mas não concretizada.26

22

WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 44. 23

Ibidem, p. 44. 24

Ibidem, p. 47. 25

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 465. 26

WELZEL, Hanz. Derecho penal, parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 48.

Page 11: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 218

Desse modo, analisadas as características básicas das duas teorias, finalista e

causalista, percebe-se que a linha teórica mais correta para analisar a questão do

dolo eventual nos crimes de trânsito é a primeira.

2 Aspectos gerais da culpa

No que tange ao estudo da culpa, inicialmente, interessante se mostra referir que

esta tem relação com o dever de cuidado, motivo pelo qual não individualiza a

conduta pela finalidade, conforme já analisado. O agente, ao agir culposamente,

poderá estar levando a efeito sua conduta por meio da imprudência, negligência ou

imperícia.

Nesse sentido, conforme Zaffaroni, a primeira impressão a respeito da tipicidade

culposa, é que esta é uma característica que não necessita da finalidade para sua

comprovação, ou seja, que o tipo culposo não leva em conta a finalidade para

individualizar a conduta proibida.27

E conclui:

Si el tipo no tomase en cuenta la finalidad para individualizar la conducta prohibida, esto no significaría que el legislador supone que la conducta no tiene finalidad, sino simplemente, que no le otorgaría allí relevancia típica individualizadora. Más esto no es verdad, porque el tipo culposo necesita conocer la finalidad de la conducta para individualizarla. Por cierto que en su estructura la finalidad cumple su cometido individualizador de manera diversa e como lo desempeña en el tipo doloso, pero su necesidad se nos hace incuestionable.

28

Claus Roxin destaca que em todos os delitos culposos de lesão, segundo a

concepção de Welzel, para a realização do tipo é suficiente a mera causa do

resultado descrito na lei penal, na medida em que este resultado esteja conectado

de maneira adequada e previsível com a ação. Assim, quem atropela com um

automóvel uma criança que se joga em frente ao carro, de forma que nem mesmo o

27

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 87. 28

Ibidem, p. 88. Tradução: Se o tipo não tomasse em conta a finalidade para individualizar a conduta proibida, isso não significaria que o legislador supõe que a conduta não tem finalidade, mas simplesmente, que não lhe outorgaria relevância típica individualizadora. Mas isso não é verdade, porque o tipo culposo necessita conhecer a finalidade da conduta para individualizá-la. Por certo que em sua estrutura a finalidade cumpre a sua tarefa individualizadora de maneira diversa à desempenhada no tipo doloso, mas a sua necessidade parece inquestionável.

Page 12: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 219

mais experiente condutor pudesse ter evitado tal acidente, realiza um tipo de lesão

culposa, na medida em que somente existe uma causalidade adequada.29

Ainda segundo Roxin, tendo em vista que o comportamento do homem pode

produzir efeitos lesivos de bens jurídicos distantes do que se abstrai a direção

causal do agente, que não se podem evitar nem com a melhor boa vontade, nem

utilizando extraordinário cuidado, a lesão ao bem jurídico não pode ser considerada

como antijurídica. Isso porque o juízo de antijuridicidade expressa sempre a

desaprovação de uma ação em uma relação da conduta juridicamente prevista. Por

essa razão, os delitos culposos são de um tipo “aberto”.30

O objeto da repreensão da culpabilidade é a vontade antijurídica da ação, devendo

ser o dolo adequado ao tipo ou a lesão não dolosa de diligência. Mas sempre, deve

ser considerado o elemento da ação antijurídica. Nesse sentido, Welzel aduz que o

mais fácil ao autor é a possibilidade de uma autodeterminação adequada ao sentido,

quando ele conhece positivamente a antijuridicidade, sendo indiferente que conheça

o momento da comissão do fato que pode instantaneamente ser atualizado. Se ele

podia conhecer o injusto, recorrendo a consciência, então ele também pode

censurar. Por isso que na lesão não dolosa de diligência, a pena poderá ser

atenuada, adequadamente, observando-se o grau de reprovabilidade da conduta.31

O tipo culposo requer uma conduta que viole um dever de cuidado, cause um

resultado lesivo a um bem jurídico e que a violação do dever seja determinante para

o resultado. Quando um sujeito prevê a causalidade a partir do fim proposto,

prevendo que esta poderá culminar em um resultando lesivo, mas confia que ela não

ocorrerá, trata-se de culpa consciente. Quando ele não prevê essa possibilidade, e a

faz, trata-se de culpa inconsciente.32

29

ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal: tipos abiertos e elementos del deber jurídico (em espanhol (trad. Enrique Bacigalupo)). Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1979, p. 18. 30

Ibidem, p. 18. 31

WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 175. 32

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 89.

Page 13: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 220

Conforme Zaffaroni, geralmente, a culpa é dividida em consciente ou com

representação e culpa inconsciente ou sem representação. Na primeira, o agente

representa a possibilidade de produção de resultado e, na segunda, o agente pensa

ter o conhecimento da situação, mas não o atualiza e não o representa, acabando

por não ter a consciência do perigo.33

Somente com esta constatação básica, podemos começar a pensar no

enquadramento de uma conduta no elemento imprudência, abrangido pela culpa. A

maioria dos delitos de trânsito são configurados a partir disso, como por exemplo,

dirigir em alta velocidade, realizar ultrapassagem em local proibido, etc.

Nesse sentido, Zaffaroni aduz que a culpa temerária pode ser confundida com o dolo

eventual, quando é consciente, o que é o objeto do presente trabalho, motivo pelo

qual é necessário manter no injusto a distinção com a culpa inconsciente.34

Ainda, deve-se levar em consideração o dever de cuidado para se definir o tipo

culposo. E, mais ainda, a finalidade, para uma completa relação entre a culpa e o

dever de cuidado. Zaffaroni define que cada conduta corresponde a um dever de

cuidado. Devemos, então, ater-nos ao fim, devendo levar isto em consideração para

conhecer a conduta de que se trata.35

3 Do dolo

Analisando a obra “Derecho Penal, Parte General”, de Eugenio Raúl Zaffaroni36,

verifica-se que o renomado doutrinador destaca que os tipos dolosos desejam filtrar

maior poder punitivo que os culposos, pelo qual constituem uma forma de imputação

subjetiva com maior tradição histórica. Assim, verifica-se uma ligação direta ao

presente trabalho, ao fazermos uma analogia à questão do tipo doloso nos crimes

de trânsito, pois com sua utilização, será levada a efeito uma maior punição. Nos

33

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 550. 34

Ibidem, p. 550. 35

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 444. 36

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 520.

Page 14: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 221

dizeres de Zaffaroni e Pierangeli, o dolo é o querer do resultado típico, a vontade

realizadora do tipo objetivo37.

Para Zaffaroni, “finalidade” e “dolo” são conceitos diferentes. Enquanto a finalidade

se encontra em todas e em cada uma das condutas humanas, o dolo não é mais do

que a captação que eventualmente há na lei dessa finalidade para individualizar uma

conduta que proíbe. Ou seja, nos tipos dolosos, o dolo é a finalidade tipificada. A

conduta com finalidade típica é dolosa. O dolo é um conceito jurídico, enquanto a

conduta é um fazer voluntário, particular e concreto.38

Ainda, conforme o mesmo autor, puramente, o dolo está no tipo e não na conduta, já

que somente pode apresentar o caráter de dolosa quando a sua finalidade é a

realização do aspecto objetivo de um tipo doloso.39

Na explanação de Sebastian Soler, toda decisão voluntária pressupõe a violação de

um complexo de consequências e, assim, haverá dolo direto quando esse complexo

de consequências ilícitas, concebido como necessária, seja direta e querida.

Entretanto, nem sempre o dolo se apresenta com tão nítidos caracteres, pois nem

sempre o fim principal a que a vontade pretendia constitui um evento ilícito. Muitas

vezes, um fim diretamente querido é um fim lícito, cuja realização aparece em

conexão com outro evento ilícito. Para resolver tais questões, propõe o autor ser

necessária a criação de uma teoria distinta.40

Jiménez de Asúa explica que os clássicos dividiam o dolo por sua intensidade e

duração em dolo de ímpeto ou passional, dolo repentino, dolo com simples

deliberação e dolo premeditado. Já os italianos dividiram o dolo em direto, indireto,

alternativo e eventual. O autor finaliza referindo que, atualmente, somente podem e

devem se distinguir quatro classes de dolo: o dolus directus, o dolo com intenção

37

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 419; 38

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 85. 39

Ibidem, p. 86. 40

SOLER, Sebástian. Derecho penal argentino. Actualizado por Guillermo Fierro. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992, p. 151.

Page 15: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 222

ulterior ou "dolo específico", o dolo de consequências necessárias e o dolo

eventual.41

Jiménez de Asúa ainda faz uma distinção entre o dolo eventual e o dolo de

consequências necessárias, referindo que neste a produção de efeitos não é

aleatória, mas sim irremediável. Como exemplo, o renomado autor cita o caso de um

anarquista que deseja a morte de um monarca e, para consumar o fato, põe uma

bomba no automóvel em que viajam o rei, seu subordinado e o motorista. Assim, a

morte destes dois últimos é absolutamente necessária para o homicídio do monarca,

motivo pelo qual podem ser imputadas ao anarquista, uma vez que necessária para

a produção desejada pelo sujeito que lança a bomba.42

Analisando nosso Código Penal, percebemos que o dolo é dividido em duas

espécies: o dolo direto e o dolo indireto. O primeiro se configura quando o agente

quer, efetivamente, cometer a conduta descrita no tipo, conforme descrito na parte

inicial do artigo 18, inciso I, do Código Penal.43

Já o dolo indireto, considerado como a segunda espécie, é subdividido em

alternativo e eventual, sendo este o analisado neste trabalho. Como exemplo do

dolo alternativo, para nível de comparação, Galvão e Greco citam o caso do agente

que efetua disparos contra a vítima querendo feri-la ou matá-la. Assim, verifica-se

que o dolo alternativo seria uma mistura entre o dolo direto com o dolo eventual.44

De acordo com Sérgio Salomão Shecaira, a distinção entre o dolo direto e o indireto,

ou eventual, tem suas origens remotas no trabalho de São Tomás de Aquino. Na

referida obra constava que, o sujeito que manda açoitar outrem, ainda que

expressamente proíba que este seja morto, ou seja, mutilado de algum membro,

torna-se irregular, caso o mandatário, em atitude de excesso dos termos do

41

JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 365. 42

JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 366. 43

GALVÃO, Fernando; GRECO, Rogério. Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 133. 44

Ibidem, p. 134.

Page 16: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 223

mandato, mutilar ou assassinar aquele que deveria açoitar, se, no cumprimento do

mandado, agir com culpa e supor que aquilo poderia acontecer.45

Zaffaroni e Pierangeli definem dois aspectos compreendidos pelo dolo: o aspecto de

conhecimento e o aspecto de querer, ou volitivo do dolo. No que se refere ao

conhecimento efetivo, este é indispensável à configuração do dolo, tendo em vista

que a mera possibilidade de conhecimento não pertence ao dolo.

Os autores tratam também de um grau de atualização do conhecimento necessário

para configuração do dolo. Ou seja, não é necessário um conhecimento atual, pois

também podem ocorrer conhecimentos atualizáveis de algo, sendo que a mera

possibilidade de conhecimento não pertence ao dolo, como já referido46.

Já o aspecto volitivo tem relação com o artigo 18 do Código Penal, com a

consciência ou conhecimento da antijuridicidade. Entretanto, nossa codificação não

segue o critério com a necessidade de conhecimento da antijuridicidade.47

4 Do dolo eventual

O dolo eventual ocorre quando o agente, embora não querendo praticar a infração

penal, assume o risco de produzir o resultado, o qual já havia sido previsto e

aceito.48 Conforme Zaffaroni e Pierangeli, no dolo direto, o resultado é querido

diretamente. Mas isso é diferente de querer um resultado quando o aceitamos como

uma possibilidade, sendo este o dolo eventual.49

Sebastian Soler aduz que nem sempre a intenção principal que a vontade pretendia

levar a efeito iria se constituir em um evento ilícito. Por vezes, o feito diretamente

querido é lícito, mas sua consecução aparece em conexão com um evento ilícito.

45

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda a expansão do direito penal: o papel do dolo eventual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, fevereiro de 2007. v. 64, p. 222/238. 46

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 1, p. 459. 47

Ibidem, p. 422. 48

GALVÃO, Fernando; GRECO, Rogério. Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 134. 49

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 434.

Page 17: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 224

Também, nem sempre os resultados acessórios do fato ilícito são representados

como necessários, e nem sempre o fato fundamental em si mesmo é ilícito, embora

sua produção esteja vinculada a um evento ilícito não diretamente querido.50

Conforme Jiménez de Asúa, o dolo eventual era de difícil construção com a teoria da

vontade, pois se querer o resultado fosse o caráter próprio de dolo, nessa espécie

em que se quer de uma maneira subordinada e de segunda linha, a infração

intencional resultava duvidosa. Assim, pode-se afirmar que a teoria da

representação é a única apta para embasar o dolo eventual.51

Nesse sentido, de Jiménez de Asúa ainda explica que é ainda mais incompleta a

doutrina da representação, uma vez que a culpa com previsão se identificaria com o

dolo eventual, pois em ambas se representa ao sujeito a possibilidade da produção

de um resultado. Entretanto, o dolo eventual será a representação da possibilidade

de um resultado, cujo advento ratifica a vontade, o que é diferente da culpa com

previsão. Ou seja, na culpa, há a representação do resultado, e no dolo eventual, a

representação da possibilidade do resultado. No dolo eventual, caso o sujeito

estivesse seguro da produção do resultado, ele não prosseguiria com sua conduta e,

na culpa com previsão, o sujeito espera de sua habilidade que o resultado não

sobrevenha. 52

Na obra “Tratado de Derecho Penal”, Zaffaroni refere que:

Cuando nos encontraremos con la producción de un resultado típico concomitante que como posible fui abarcado por la voluntad realizadora, se tratará de dolo eventual. Cuando la finalidad se dirija directamente a la producción del fin típico habrá dolo directo.

53

O mesmo autor, com Pierangeli, ainda define o dolo eventual como a conduta

daquele que diz a si mesmo “que aguente”, “que se incomode”, “se acontecer, azar”,

50

SOLER, Sebástian. Derecho penal argentino. Actualizado por Guillermo Fierro. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992, p. 150. 51

JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 367. 52

Ibidem, p. 367. 53

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 87. Tradução: Quando nos encontramos com a produção de um resultado típico que como possível foi coberto pela vontade realizadora, se tratará de dolo eventual. Quando a finalidade se dirigir diretamente à produção de fim típico, haverá dolo direto.

Page 18: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 225

“não me importo”. Ou seja, não há uma aceitação do resultado como tal, mas sim a

aceitação de sua possibilidade.54 O exemplo citado por estes célebres doutrinadores

é o de mendigos russos, que amputavam braços e pernas de seus filhos a fim de

obter esmolas de transeuntes. Entretanto, em certas ocasiões, as crianças iam a

óbito, sendo que os mendigos sabiam dessa possibilidade e a aceitavam.

Bitencourt e Conde referem que haverá dolo eventual quando o agente não quiser

diretamente a realização do tipo, mas a aceitar como possível ou até provável,

assumindo o risco da produção do resultado.55 Já o autor Jiménez de Asúa refere

que “Hay dolo eventual cuando el sujeto se representa la posibilidad de un resultado

que no desea, pero cuya producción ratifica en última instancia.”56

Ainda, a essência e a vontade, que representam a essência do dolo, também devem

estar presentes no dolo eventual. Insuficiente, desse modo, a mera ciência da

probabilidade do resultado ou a atuação consciente da possibilidade concreta da

produção desse resultado, mas sim, uma relação de vontade entre o resultado e o

agente.57

Conforme Hans Welzel:

En la culpa consciente el autor prevé las consecuencias posibles de su hecho. En la característica del conocimiento del tipo, no se distingue, por lo tanto, La culpa consciente del dolus eventualis, sino solamente en la decisión de acción (en la voluntad de concreción). Ésta comprende, en el dolus eventualis, también las consecuencias posibles del hecho; el autor quiere concretar el hecho de todos modos, también con inclusión de las consecuencias conocidas como posibles. En cambio, en la culpa consciente le falta esa voluntad incondicionada de concreción; actúa solamente porque cuenta con la no presentación de las consecuencias adecuadas al tipo. El conocimiento del tipo, vale decir, el conocimiento de las consecuencias posibles, es en el último caso exclusivamente un elemento de la reprochabilidad, y no ya de La voluntad de acción.

58

54

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 434. 55

BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 160 56

JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 367 57

BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 160. 58

WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956. p. 170.

Page 19: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 226

Com todo o exposto, percebemos que o dolo eventual, quando aplicável no caso de

homicídio no trânsito, retorna a seu papel histórico. Essa é a conclusão de Sérgio

Salomão Shecaira ao aduzir que o dolo eventual nasceu dentro de um contexto

religioso para aumentar o grau de punição aos clérigos, e nos tempos atuais, serve

como modo de controle do Estado-penal, ou seja, como um instrumento de

contenção social dentro de um processo de desconstrução simbólico da sociedade

iluminista. Desse modo, não seria necessário comprovar a existência do dolo

eventual no crime de trânsito, bastando apenas que o fato exista.59

Analisando de forma concreta, percebemos existir uma grande divergência sobre o

assunto. Por exemplo, no HC nº 199100/SP60, do STJ, restou firmado o

entendimento de que a análise sobre dolo eventual ou culpa consciente caberia ao

Tribunal do Júri. Diferente é entendimento que se verifica do HC nº 44015/SP61, do

59

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda a expansão do direito penal: o papel do dolo eventual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, fevereiro de 2007, v. 64, p. 222/238, 60

HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO SIMPLES A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. VIA INADEQUADA. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. ORDEM DENEGADA. 1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade. É o mandamento do art. 408 e atual art. 413 do CPP. 2. O exame da insurgência exposta na impetração, no que tange à desclassificação do delito, demanda aprofundado revolvimento do conjunto probatório, já que para que seja reconhecida a culpa consciente ou o dolo eventual, faz-se necessária uma análise minuciosa da conduta do recorrente, procedimento este inviável na via estreita do habeas corpus. 3. Afirmar se agiu com dolo eventual ou culpa consciente é tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da denúncia e com o auxílio do conjunto fático-probatório produzido no âmbito do devido processo legal, o que impede a análise do elemento subjetivo de sua conduta por este Sodalício. 4. Na hipótese, tendo a decisão impugnada asseverado que há provas da ocorrência do delito e indícios da autoria assestada ao agente e tendo a provisional trazido a descrição da conduta com a indicação da existência de crime doloso contra a vida, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da sua motivação, não se evidencia ilegalidade na manutenção da pronúncia pelo dolo eventual, que, para sua averiguação depende de profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente sopesadas pelo Juízo competente no âmbito do procedimento próprio, dotado de cognição exauriente. 5. Ordem denegada. [BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 199100/SP. Quinta Turma. Relator: Ministro JORGE MUSSI. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=912060&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1.> Acesso em: 22 maio 2012. 61

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOLO EVENTUAL. COMPARAÇÃO ENTRE A NARRATIVA MINISTERIAL E A CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA. ELEMENTO VOLITIVO NÃO CARACTERIZADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. TIPO PENAL CULPOSO. NEGLIGÊNCIA. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA NÃO CONFIGURADO. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. REMESSA DOS AUTOS A UMA DAS VARAS CRIMINAIS. ORDEM CONCEDIDA. Hipótese em que o paciente foi denunciado pela suposta prática de homicídio qualificado por motivo torpe, em decorrência da morte de jogador do São Caetano Futebol Ltda.. A doutrina penal brasileira instrui que

Page 20: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 227

mesmo Tribunal Superior, o qual entendeu pela impossibilidade de julgamento do

caso pelo Tribunal do Júri, onde foi ainda ordenada a remessa dos autos à vara

comum.

Para resolver essa questão de discussão acerca do dolo eventual e da culpa

consciente, Soler cita a criada Fórmula de Frank, que prevê que “hay dolo eventual,

cuando la convicción de la necesidad del resultado previsto como posible no habría

hecho desistir al autor”. De acordo com essa fórmula, segundo Soler, a maneira de

delimitar os casos dolosos e não dolosos, consiste em que o juiz se coloque na

totalidade do complexo determinante e veja se o sujeito teria ou não desistido de sua

ação. Utiliza, assim, o método da supressão mental hipotética para verificar se, para

o autor, a produção do evento teria sido ou não decisiva para abster-se de praticá-

lo.62

5 A questão do dolo eventual em homicídios de trânsito

O grande problema enfrentado no presente trabalho é a respeito da aplicação ou

não do dolo eventual em casos de homicídio de trânsito, quando o condutor estava

o dolo, ainda que eventual, conquanto constitua elemento subjetivo do tipo, deve ser compreendido sob dois aspectos: o cognitivo, que traduz o conhecimento dos elementos objetivos do tipo, e o volitivo, configurado pela vontade de realizar a conduta típica. Se o dolo eventual não é extraído da mente do acusado, mas das circunstâncias do fato, conclui-se que a denúncia limitou-se a narrar o elemento cognitivo do dolo, o seu aspecto de conhecimento pressuposto ao querer (vontade). A análise cuidadosa da denúncia finaliza o posicionamento de que não há descrição do elemento volitivo consistente em “assumir o risco do resultado”, em aceitar, a qualquer custo, o resultado, o que é imprescindível para a configuração do dolo eventual. A comparação entre a narrativa ministerial e a classificação jurídica dela extraída revela a submissão do paciente a flagrante constrangimento ilegal decorrente da imputação de crime hediondo praticado com dolo eventual. Afastado elemento subjetivo dolo, resta concluir que o paciente pode ter provocado o resultado culposamente. O tipo penal culposo, além de outros elementos, pressupõe a violação de um dever objetivo de cuidado e que o agente tenha a previsibilidade objetiva do resultado, a possibilidade de conhecimento do resultado, o “conhecimento potencial” que não é suficiente ao tipo doloso. Considerando que a descrição da denúncia não é hábil a configurar o dolo eventual, o paciente, em tese, deu causa ao resultado por negligência. Caberá à instrução criminal dirimir eventuais dúvidas acerca dos elementos do tipo culposo, como, por exemplo, a previsibilidade objetiva do resultado. Precedentes desta Corte no sentido de que é possível alterar a classificação jurídica de crime em sede de habeas corpus e de recurso especial, desde que comprovada, e livre de dúvida, flagrante ilegalidade. Reconhece-se a incompetência do Tribunal do Júri para processar e julgar o processo criminal instaurado em desfavor do paciente, eis que não configurado crime doloso contra a vida, cassando-se o acórdão recorrido e determinando-se a remessa dos autos a uma das varas criminais da Comarca de São Paulo. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. [BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 44015 / SP. Quinta Turma. Relator: Ministro GILSON DIPP. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/ jurisprudencia/doc.jsp?livre=247263&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 22 maio 2012. 62

SOLER, Sebástian. Derecho penal argentino. Actualizado por Guillermo Fierro. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992, p. 153.

Page 21: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 228

sob efeito do álcool. Já foram apresentados, inclusive, julgados com opiniões

divergentes sobre a mesma questão, sendo que em alguns casos é optado por

desclassificar o delito para o homicídio de trânsito, previsto no Código de Trânsito e

em outros casos, mantém-se a ideia de que se trata de homicídio previsto no artigo

121 do Código Penal, com o consequente julgamento pelo Tribunal do Júri, por se

tratar de crime contra a vida.

A cada dia, temos mais exemplos de pessoas “condenadas” pela mídia em razão de

terem cometido homicídios no trânsito, sem que se tenha analisado se o agente

possuía a intenção de cometer o fato, ou se assumiu o risco de produzi-lo. Aliás,

acerca dessa questão, preleciona Alexandre Wunderlich que em um planeta

extremamente motorizado, a expressão “assumir o risco”, empregada na legislação

brasileira, tornou-se inadequada, pois o simples fato de sentar na direção de um

veículo já seria o suficiente para assumirmos o risco. Por tal motivo, o referido autor

entende que é necessário mais do que isso, sob pena de ser dada demasiada

elasticidade ao conceito, onde o indivíduo que agiu com culpa pode ser punido com

o mesmo rigor daquele que agiu dolosamente.63

Em opinião totalmente divergente, Arnaldo Rizzardo, ao comentar o homicídio

culposo na direção de veículo automotor, crime este previsto no artigo 302 do CTB,

prevê que há dolo eventual, por exemplo, quando alguém arremete um veículo

contra outrem, ou quando o agente se imprime desenfreada velocidade em via

perigosa e com pedestres em seu leito, ou, ainda, quando o motorista se lança na

direção encontrando-se embriagado. Assim, para Rizzardo, o simples fato do agente

se encontrar embriagado seria o suficiente para levá-lo ao Tribunal do Júri para

julgamento, caso cometesse um homicídio.64

Sérgio Salomão Shecaira entende que com o passar do tempo, surgem novos

paradigmas normativos de análise jurídica, com a finalidade de repreensão penal.

Assim, criam-se novos tipos penais a fim de que o Estado possa mostrar o seu

63

WUNDERLICH, Alexandre – O dolo eventual nos homicídios de trânsito: uma tentativa frustrada. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1732/o-dolo-eventual-nos-homicidios-de-transito>. Acesso em: 01 jun. 2012. 64

RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 758.

Page 22: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 229

poder. Assim, o dolo eventual, atualmente, teria retornado ao seu papel histórico,

uma vez que nasceu dentro de um contexto religioso para aumentar o grau de

punição aos clérigos e agora, surge novamente como um instrumento de contenção

social. Essa seria, então, para o autor, a farsa do dolo eventual nos crimes de

trânsito.65

Conforme analisado no decorrer do presente artigo, sob a ótica da teoria finalista e

após um breve estudo acerca do dolo e da culpa, seria inviável se falar de dolo no

problema em tela. Ou seja, mesmo que o condutor do veículo esteja sob efeito de

álcool ou de substâncias entorpecentes, em que pese tenhamos que analisar

sempre o caso concreto para termos uma certeza do enquadramento penal, o mais

correto a fazer é enquadrar o condutor no tipo definido no Código de Trânsito

Brasileiro.

André Luís Callegari menciona que o Ministério Público utiliza, normalmente, como

critérios para estabelecer a responsabilidade do agente, a embriaguez do motorista,

o número de vítimas e a violência das lesões decorrentes do acidente. Percebe-se,

assim, que não há um estudo acerca do real dolo que o agente teve, de acordo com

todo o estudo até aqui já levantado.66

6 Considerações finais

Com a confecção do presente trabalho de conclusão de curso, obtivemos diversas

constatações de uma grande importância. A questão da discussão do dolo eventual

em caso de homicídios de trânsito é extremamente polêmica, pois a mídia, com seu

forte poder de influência, tenta sempre reprimir a conduta dos condutores que estão

sob o efeito do álcool.

Tal posição da mídia se dá em razão do alto número de mortes que ocorrem

atualmente em nosso país, onde grande parte delas é levada a efeito em razão de

condutores que se encontravam embriagados. Assim, para tentar reprimir a conduta 65

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda a expansão do direito penal: o papel do dolo eventual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, fevereiro de 2007, v. 64, p. 222/238. 66

CALLEGARI, André Luís. Dolo eventual, culpa consciente e acidente de trânsito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, São Paulo: Janeiro de 1996, v.13, p. 191.

Page 23: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 230

de tais condutores, a mídia busca uma alta punição a esses motoristas, fazendo com

que a sociedade clame por justiça.

Não há dúvidas de que a mistura de álcool e direção pode causar graves problemas.

Um motorista alcoolizado não consegue conduzir o veículo automotor em condições

normais, havendo grande probabilidade de ele causar um acidente. Para que essa

questão seja dirimida, necessitamos de políticas públicas que sejam capazes de

enfrentar o problema, a fim de que seja banida a presença de tais condutores em

nossas estradas. Ou, até mesmo, uma maior punição aos motoristas imprudentes,

levando-se em conta, logicamente, a proporcionalidade atinente ao excesso.

Entretanto, imputar a eles a conduta tipificada no artigo 121 do

Código Penal, de acordo com o estudo realizado, mostra-se inapropriado.

Primeiramente, buscou-se analisar qual a melhor teoria para embasamento do

estudo, sendo que, ante a forte influência de Hans Welzel, optou-se pela teoria

finalista.

Pela teoria finalista, o agente deve prever futuras consequências de sua ação, de

modo que pode agir de maneira diversa para evitar um resultado diverso do

pretendido. Essa teoria é a mais correta para aplicação do dolo eventual, pois este

instituto, inclusive, é aplicado, quando o agente prevê um resultado futuro, o aceita e

assume o risco de produzi-lo. Já a teoria causalista da ação não restou aplicada,

pois Welzel sustenta que ela desconhece o conteúdo decisivo do injusto nos delitos

culposos, motivo pelo qual se mostra mais adequado, no presente estudo, levar-se

em conta a teoria finalista.

Desse modo, considerando a teoria finalista da ação, percebe-se o quão difícil é o

enquadramento do agente nas condições acima descritas, imputando-lhe o crime de

homicídio. Fora aquelas hipóteses em que o agente já havia demonstrado intenção

efetiva de ceifar a vida da vítima, nesses casos em que ofendido e agente

sequer se conhecem, mostra-se complicado termos a certeza de que o condutor

assumiu, de fato, o risco de produzir um acidente com vítimas, prevendo a

possibilidade de que poderia matar alguém.

Page 24: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 231

Ou seja, considerado todo o estudo realizado, que atenta pela dificuldade de

enquadrar a conduta do agente como dolo eventual, percebe-se que a influência

exercida pela mídia tem um efeito muito forte, tanto que diariamente, presenciamos

nos mais variados meios de comunicação casos onde o próprio repórter que traz a

notícia já enquadra o fato como dolo eventual, referindo que o indivíduo agiu

“assumindo o risco de matar”.

Restou verificado, ainda, que a mídia está preparando um abaixo assinado a fim de

modificar a lei penal, a fim de que tenhamos penas mais severas à condutores de

veículos que se encontrem sob efeito de álcool e que causarem homicídio de

trânsito. Entretanto, tal medida se mostra uma afronta ao estudo doutrinário do

direito penal, pois deixa de considerar a essência teórica para tentar preencher uma

falha do Estado, que não consegue efetivar meios necessários de conscientização

da população e nem melhorar as condições das vias de tráfego.

O Ministério Público, órgão que age em defesa da sociedade, acaba quase sempre

tipificando o crime, ao oferecer a denúncia, como o homicídio descrito no Código

Penal em seu artigo 121. Tal atitude se mostra considerável, pois, como dito, age o

Órgão Ministerial como um defensor dos interesses da sociedade e este seria,

talvez, o único meio disponível para o Órgão Ministerial fazer valer sua obrigação.

Entretanto, na maioria das vezes o promotor não possui elementos suficientes a

demonstrarem sem sombra de dúvidas que o agente realmente agiu assumindo o

risco de produzir o resultado, conforme prevê o artigo 18, inciso I, do Código Penal,

podendo acarretar numa grande injustiça.

Durante a elaboração do trabalho foram estudadas as características do dolo e da

culpa, a fim de que fossem mais bem visualizadas, em um contexto geral, as

grandes diferenças existentes entre estes. Assim, conseguimos distinguir com

clareza os casos de incidência de um e de outro.

Após o breve estudo, com a exposição do entendimento de diversos autores

renomados no Direito Penal, observando-se a teoria finalista da ação, verificou-se

que é muito difícil constatar-se com clareza que um indivíduo que conduz veículo

Page 25: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 232

automotor sob influência de álcool e que causa acidente com vítima fatal possa vir a

ser denunciado por ter praticado o delito de homicídio que consta do Código Penal.

Ou seja, com a elaboração do presente artigo, verificou-se que seria muito difícil

termos a certeza de que o agente, nestas condições apostas, estaria agindo com

dolo, tanto em sua modalidade direta como na eventual, na qual o agente assume o

risco de produzir o resultado.

Embora a tendência da problemática estabelecida no presente trabalho de

conclusão tenha tomado este rumo, importante salientar que ainda há muito a ser

estudado acerca do dolo eventual e a culpa consciente nos casos de homicídio de

trânsito. O resultado aqui estabelecido como o melhor a ser tomado para se

evitarem injustiças está totalmente contrário ao que a “sociedade leiga” entende

como conceito de fazer justiça, o que demonstra a grande dificuldade de se tratar do

tema.

Ainda, deve ser considerado que é muito importante a análise do caso in concreto,

observando-se sempre o princípio do in dubio pro reo. Somente desse modo, com a

análise concreta do caso de acordo com as provas produzidas é que poderemos

emitir um juízo de opinião, podendo-se chegar ao mais correto enquadramento, mas

devendo sempre se ter muito cuidado para não confundir os institutos, pois isso

poderá dar causa a graves e irreparáveis consequências.

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito.

São Paulo: Saraiva, 2004.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte geral. 15. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010.

______. Tratado de direito penal – parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

Page 26: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 233

BRASIL. Lei Nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 20 maio

2012.

_______. Lei Nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o código de trânsito

Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>.

Acesso em: 20 maio 2012.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>.

Acesso em: 22 maio 2012.

BRUNO, Aníbal. Direito penal - parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

CALLEGARI, André Luís. Dolo eventual, culpa consciente e acidente de trânsito.

Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, São Paulo: Janeiro de 1996,

v.13, p. 191.

CREATIVE COMMONS. Não foi acidente. Disponível em: <http://naofoiacidente.

org/blog/>. Acesso em: 07/06/2012.

FRANCO, Alberto Silva . Código penal e sua interpretação jurisprudencial. Tomo

2. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. v.1.

G1. Mortes no trânsito têm alta de 25% em 9 anos, aponta ministério. Brasília,

04/11/2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/11/mortes-no-

transito-sobem-25-em-9-anos-em-2010-40-mil-morreram.html>. Acesso em: 02 jun.

2012.

GALVÃO, Fernando; GRECO, Rogério. Estrutura jurídica do crime. Belo

Horizonte: Mandamentos, 1999.

GÜNTHER Jakobs. La imputación objetiva en el derecho penal. Buenos Aires:

Ad-Hoc, 1997.

Page 27: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 234

HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio.Comentários ao código penal.

Tomo II. arts. 11 a 27. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. V. 1.

JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos

Aires: Editorial Sudamericana, 1958.

MIR PUIG, Santiago. Derecho penal: parte general. 7. ed. Buenos Aires: Euros

Editores S.R.L., 2005.

______. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: Euros

editores, 2002.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. 16. ed. São

Paulo: Atlas, 2000. v.1.

NASCIMENTO, Antonio Benedito do. Delitos de transito: culpa consciente ou dolo

eventual. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 715, p. 405-410, maio 1995. v. 84.

PINTO, Lúcia Bocardo Batista; PINTO, Ronaldo Batista; GOMES, Luiz Flávio (Org.).

Legislação criminal especial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

REALE JÚNIOR, Miguel . Instituições de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2004. v. 2.

RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais. 1998.

RÖHNELT, Ladislau Fernando; VARGAS, Zuleika Pinto Costa (Org.);

Apontamentos de direito penal. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas do

Tribunal de Justiça do RS, 2011.

ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal: tipos abiertos e elementos del deber

jurídico (em espanhol (trad. Enrique Bacigalupo)). Buenos Aires: Ediciones Depalma,

1979.

Page 28: Tipificação penal em homicídios de trânsito discussão ...facos.edu.br/publicacoes/revistas/direito_cultura_e_cidadania/... · grande repercussão da mídia), onde o condutor

REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .

Página 235

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda a expansão do direito penal: o papel do dolo

eventual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, fevereiro de 2007. v.

64, p. 222/238.

SILVA, Jose Geraldo da; BONINI, Paulo Rogério; LAVORENTI, Wilson

(coordenador). Leis penais especiais anotadas. 12. ed. Campinas: Millennium,

2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal

brasileiro. Parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1.

______. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011. v. 1.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho

penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III.

Buenos Aires: Ediar, 1981.

WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra.

Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956.

WUNDERLICH, Alexandre – O dolo eventual nos homicídios de trânsito: uma

tentativa frustrada. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1732/o-dolo-

eventual-nos-homicidios-de-transito>. Acesso em: 01 jun. 2012.