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VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 .
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O direito à informação como instrumento consumerista para a efetivação da proteção à saúde dos doentes celíacos
Juliana Favero Guilherme1
Resumo: O presente trabalho busca discutir um dos principais direitos do consumidor, o direito à informação, reconhecido em nossa legislação, mas não efetivado na prática consumerista, como exemplarmente evidenciaremos no caso concreto dos doentes celíacos, que necessitam mais do que a informação do conteúdo, o alerta dos riscos de que um produto com glúten, por exemplo, representa à sua saúde. Palavras-chave: direito do consumidor - direito à informação - doença celíaca – glúten - proteção à saúde. Abstract: This paper discusses one of the main consumer rights, the right to information, recognized in our legislation, but not effected in consumerist practice, as exemplarily evidenced in the concrete case of celiac patients who need more than information of the content, the warns of the risks that a product with gluten, for example, represents to their health. Keywords: consumer right - right to information - celiac disease – gluten - health protection.
Introdução
O direito à informação é reconhecido em nossa legislação como um dos principais
direitos do consumidor, sendo elevado, até mesmo, ao patamar de direito
fundamental. Esse reconhecimento decorre basicamente da verificação de que o
consumidor é, antes de tudo, pessoa humana, e como tal não pode ser considerado
apenas na sua esfera econômica.
O dever de informar consiste num meio de proteção do consentimento, das
expectativas geradas, da confiança empreendida, que ganha ainda mais destaque
quando a parte credora da informação apresenta traços de uma vulnerabilidade
maior que o normal, como é o caso dos consumidores especiais (hipervulneráveis),
que dependem da informação para se manterem saudáveis.
O direito a uma informação suficiente, veraz e adequada de um produto é um direito
fundamental de qualquer consumidor. Porém, há um grupo especial de
consumidores que para garantirem sua integridade física reclamam ainda mais esse
1 Bacharel em Direito pela FACOS/CNEC.
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direito: aqueles que a ingestão de certos alimentos – ou grupo de alimentos –
produzem uma reação adversa: ao invés de contribuir para a manutenção e higidez
do corpo, agem exatamente ao contrário, como são os casos, por exemplo, da
intolerância à lactose, ao glúten. Estes, caso ingiram qualquer alimento que
contenha a proteína chamada glúten, podem sofrer várias alterações que causem
danos a sua saúde.
No âmbito da proteção à vida e à saúde do consumidor, o direito à informação é
essencial para que se cumpra esta obrigação de segurança, a qual deve ser
observada pelos fornecedores e fiscalizada pelo Estado.
Em nosso país, são inúmeras as leis que defendem o direito à informação. Na
Constituição Federal, na seção dos direitos e garantias fundamentais, o direito à
informação está estabelecido no artigo 5°, incisos XIV e XXXIII. No Código de
Defesa do Consumidor está inserido no capítulo dos direitos básicos do consumidor,
mais precisamente no art.6° inciso III. No plano internacional, a resolução da ONU
de n° 39/248 de 10 de abril de 1985 e as diretivas das ordens supranacionais
afirmam também o reconhecimento da natureza fundamental do direito à
informação.
Nessa perspectiva, a Lei 10.674, de 16 de maio de 2003, estabeleceu ser dever dos
fornecedores de alimentos industrializados informar, em rótulos e embalagens, se o
alimento contém ou não contém glúten, tornando obrigatória a expressão “contém
glúten” ou “não contém glúten”, conforme o caso.
Este estudo, portanto, propõe-se a analisar se a simples indicação – no rótulo dos
produtos industrializados – de conter glúten, efetivamente contempla a necessidade
de informação do consumidor, tornando-se, para este, efetivação do direito
assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Para tanto, inicialmente se abordará a doença celíaca, sua caracterização e suas
implicações, bem como a estimativa da doença; ainda, se falará sobre a
vulnerabilidade desse consumidor, destacando-se a importância do Código de
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Defesa do Consumidor para proteção do consumidor enquanto cidadão
(hiper)vulnerável e sujeito ao mercado de consumo. Em um segundo momento,
discorrer-se-á sobre o direito do consumidor à informação adequada, correta e clara,
analisando a importância dessa informação no rótulo dos produtos para o
consumidor celíaco, na exata medida em que esta o capacita a ser agente
consciente e crítico em suas escolhas. Por fim, o último capítulo discutirá sobre a
efetividade ou não dos dizeres “contém glúten” ou “não contém glúten” como
mecanismo de efetivação do direito à informação e apontará outros instrumentos
disponíveis na legislação consumerista para que esse direito ocorra em plenitude.
Aspectos técnicos acerca da doença celíaca
A doença celíaca foi descrita pela primeira vez em 1888, com o nome de afecção
celíaca, por Samuel Glee2. Caracteriza-se por uma inflamação crônica que acomete
e danifica as vilosidades do intestino delgado, prejudicando a absorção dos
alimentos3. É desencadeada apenas pela ingestão de uma proteína chamada
“glúten”.
O glúten é uma substância fibrosa, elástica, de coloração âmbar, formado quando a
farinha de trigo, por exemplo, é misturada com água e submetida à mistura
mecânica4. É formado por um conjunto de proteínas insolúveis em água, presentes
no trigo, aveia, cevada e centeio.5 É amplamente utilizado na composição de
alimentos, medicamentos, bebidas industrializadas, assim como cosméticos e outros
produtos não ingeríveis, o que é um risco constante ao portador da doença celíaca6.
Os sintomas e manifestações clínicas da Doença Celíaca são muito variáveis entre
os indivíduos afetados. A forma clássica - caracterizada por má-absorção dos
2 CONNON, J. Joseph. Doença Celíaca. In: SHILS, Maurice E. (Coord.) et al. Tratado de Nutrição
moderna na saúde e na doença. 9. ed. São Paulo: Manole, 2003. P. 1243-1248
, p. 1243. 3
PICOLLOTO, Fabiana M. Bertoni Bonetti. Determinação do teor de glúten por ensaio imunoenzimático em alimentos industrializados. Disponível em: <HTTP://cutter.unicamp.br/ document/?code=000253131&fd=y>. Acesso em: 04 maio 2012.
4 O QUE é glúten? Disponível em:
<HTTP://www.ufrgs.br/alimentus/pao/ingredientes/ing_farinha_gluten.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012. 5 PICOLLOTO, op. cit., p. 3.
6 ASSOCIAÇÃO DOS CELÍACOS DO BRASIL – RS (ACELBRA). Disponível em:
<HTTP://www.acelbra.org.br/textos/gluten.html>. Acesso em
: 10
ago. 2012.
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alimentos, perda de peso progressiva, evacuações volumosas e amolecidas – é a
mais frequentemente descrita. As manifestações são gastrointestinais e começam
entre 6 e 24 meses de idade, após a introdução do glúten na dieta. Tipicamente, as
crianças apresentam diarreia crônica, distensão abdominal, hipotrofia muscular,
irritabilidade7. Nos casos com grave má-absorção intestinal pode ocorrer a
desnutrição aguda, que pode levar o paciente à morte na falta de diagnóstico e
tratamento.
A prevalência estimada dessa doença na Europa, América do Sul, Austrália e EUA
mostra um predomínio de 0,5 a 1% nestas populações, o que a torna uma das
doenças crônicas de maior prevalência na infância, pois é nessa fase que é
estabelecido o maior número de diagnósticos. No entanto, a grande maioria dos
casos permanece não diagnosticada.
No Brasil, segundo estudo feito pela Universidade de Brasília, em 2001, havia
aproximadamente 300 mil brasileiros com a doença, e, de acordo com pesquisa
publicada pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)8, verificou-se a
incidência de um celíaco para cada grupo de 214 adultos residentes em São Paulo,
numa amostra de três mil pessoas.
Não obstante, naqueles que são parentes de primeiro grau de celíacos, a frequência
é até 100 vezes maior do que nos demais, e na metade dos casos, a doença é
assintomática9.
Mesmo sendo uma doença pouco conhecida, a doença celíaca pode ser
considerada, mundialmente, como um problema de saúde pública, devido à alta
prevalência, à frequente associação à morbidade variável e não específica e à
probabilidade aumentada de aparecimento de complicações graves a longo prazo10.
7 BAPTISTA, Márcia Luiza. Doença Celíaca: uma visão contemporânea. Disponível em
<http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1189.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2011. 8 FENACELBRA. Doença Celíaca – DC. Disponível em:
<http://www.doencaceliaca.com.br/doencaceliaca.htm>. Acesso em: 3 abr. 2012. 9
CONNON, J. Joseph. Doença Celíaca. In: SHILS, Maurice E. (Coord.). et al. Tratado de Nutrição moderna na saúde e na doença. 9 ed. São Paulo: Manole, 2003. p. 1243-1248.
10 PRATESI, R.; GANDOLFI, L. Doença celíaca: a afecção com múltiplas faces. J. Ped. v. 81, n. 5, p.
357-358, 2005.
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Assim, por ser uma enfermidade que afeta vários sistemas e ser desencadeada pela
ingestão de glúten, o tratamento dietético é fundamental e consiste na exclusão total
dos alimentos que contenham glúten durante toda a vida11. Torna-se obrigatória,
portanto, a retirada de massas, pães, biscoitos, bolos e cervejas, elaborados com os
cereais já referidos: o que torna algo simples de ser prescrito, mas, ao mesmo
tempo, difícil de ser obedecido12.
A sensibilidade dos celíacos ao glúten varia entre os indivíduos e, até mesmo, nas
diferentes fases da vida. É preciso destacar que a intolerância é qualitativa e, por
conseguinte, qualquer quantidade da proteína nociva pode provocar alterações
histológicas13.
A exclusão do glúten da dieta requer mudanças definitivas nas práticas alimentares
e na qualidade de vida daqueles que aderem à terapia dietética, bem como o
conhecimento dos ingredientes que compõem as preparações alimentares e a
realização de leitura minuciosa dos ingredientes e outras informações disponíveis
nos rótulos dos produtos industrializados14.
O prognóstico da doença celíaca varia de acordo com o tempo de atraso no
diagnóstico, a apresentação clínica – forma clássica, atípica ou silenciosa – e a
aderência à dieta isenta de glúten15. Embora a doença celíaca seja uma doença
aparentemente simples, é de fato bastante agressiva ao organismo do portador se
11
PICOLLOTO, Fabiana M. Bertoni Bonetti. Determinação do teor de glúten por ensaio imunoenzimático em alimentos industrializados. Disponível em: <HTTP://cutter.unicamp.br/ document/?code=000253131&fd=y>. Acesso em: 04 maio 2012. 12
LAUREANO, Álvaro , Macedo. Análise da presença de glúten em alimentos rotulados como livres de glúten através de ensaio imunoenzimáticfo e de fitas imunocromatográficas. 2010. Dissertação (Mestrado de Ciências em Gastroenterologia) – Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, 2010. 13
AMBRÓSIO, Valéria Laguna Salomão; CONTINI, Andréia Aparecida. Nutrição na Doença Celíaca. In: MONTEIRO, Jacqueline Pontes; CAMELO JÚNIOR, José Simon (Coords.). Caminhos da nutrição e terapia nutricional: da concepção à adolescência. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 535-553. 14
ARAÚJO, H.M.C. Impacto da doença celíaca na saúde, nas práticas alimentares e na qualidade de vida de celíacos. 2008. 49 f. Dissertação (Mestrado em Nutrição - Programa de Pós-Graduação em Nutrição Humana) - Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília. 15
PELLEGRIN, Christine Prim de. Avaliação do conhecimento sobre doença celíaca e seu tratamento e da observância à dieta isenta de glúten entre os associados da ACELBRA/SC. Disponível em: <http://www.bibliomed.ccs.ufsc.br/PE0537.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012.
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não tratada. Por conta disso, o celíaco torna-se (hiper)vulnerável, necessitando da
proteção do Estado, para garantir o direito à informação referente aos alimentos que
venha a consumir.
Código de defesa do consumidor e a (hiper)vulnerabilidade do consumidor celíaco
O Direito do Consumidor é obra relativamente recente na Doutrina e na Legislação.
Tem seu surgimento como ramo do Direito, principalmente, na metade do século
passado16, originando-se dos chamados direitos de terceira geração17.
A proteção do consumidor no Brasil antecede ao Código de Defesa do Consumidor,
uma vez que já havia, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a
preocupação do legislador com a proteção do cidadão exposto às relações de
consumo18.
Essa proteção foi positivada constitucionalmente com a sua inserção entre as
garantias individuais dos cidadãos (art.5.°, XXXII, CF)19 e como princípio da ordem
econômica (art.170, V, CF)20.
Nessa seara, a nova ordem jurídica constitucional, com fundamento nos artigos
supramencionados, preocupou-se, nitidamente, em proteger os direitos individuais,
coletivos e individuais homogêneos, bem como aqueles em que o legislador
16
PEDRON, Flávio Quinaud, CAFFARATE, Viviane Machado. Da evolução histórica do direito do consumidor. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/Publicacoes/Publicacoes_Discente/DA%20 EVOLU%C7%C3O%20HIST%D3RICA%20DO%20DIREITO%20DO%20CONSUMIDOR.htm>. Acesso em: 05 mar. 2012. 17
BARBOSA, Fernanda Nunes. Informação: direito e dever nas relações de consumo. São Paulo. Ed. RT,V.37, 2008.p.29. 18
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. 3 ed.revisada e atualizada. Curitiba: Juruá, 2011. p. 17. 19
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII- o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (...).BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2011. p11. 20
Art. 170- A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor; (...).Ibidem, p. 166.
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determinou à equiparação, ampliando com isso o campo de incidência, atingindo
diversas relações jurídicas.21
Cretella Júnior entende que o fato de a proteção do consumidor estar disposta
expressamente na Constituição Federal é determinante para a função do Estado em
intervir em situações de desigualdade e desequilíbrio social que não poderiam ser
satisfatoriamente acomodadas ou corrigidas com o uso de instrumentos meramente
políticos ou econômicos22.
Cuida-se, em verdade, de tutelar uma relação fática que, anteriormente, era
despercebida, na qual se entende que um dos pólos da relação jurídica apresenta-
se em situação de desvantagem, desprotegido, mas que, a partir da nova
concepção, merece guarida, posto que “as questões relativas ao agora já catalogado
mercado de consumo eram resolvidas em âmbito civil ou comercial” 23.
Nesta medida e em consonância com a previsão do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, a Lei 8078/1990 (Código de Defesa do Consumidor –
CDC) foi criada, dispondo em seu art.1° que suas normas são de ordem pública e
interesse social. Ao prever normas de ordem pública e interesse social – isto é,
impositivas, de natureza cogente – o Código de Defesa do Consumidor tem por
objetivo reger as relações de consumo dentro do equilíbrio necessário para o
desenvolvimento da sociedade brasileira. Aplicadas suas normas, a despeito da
vontade das partes, as desigualdades entre consumidor e fornecedor acabam
minimizadas. Como destaca Efing, a aplicação do Código sobrepõe-se à vontade
das partes, não cabendo a elas a derrogação de tais preceitos cogentes contidos no
Código de Defesa do Consumidor24.
21
DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e tabagismo no código de defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 43. 22
CRETELLA JÚNIOR, José et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 4-5. 23
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano; PINTO SERRANO, Yolanda ALVES. Código de defesa do consumidor interpretado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 2. 24
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. 3 ed.revisada e atualizada. Curitiba: Juruá, 2011.p.36.
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Como se pode perceber, o poder constituinte originário consagrou entre os direitos e
garantias individuais um dever estatal de proteção ao consumidor, uma vez que este
detém uma presunção de vulnerabilidade na relação de consumo25.
Leonardo Bessa esclarece que o conceito de vulnerabilidade é de caráter material,
visto que todo consumidor é reconhecidamente vulnerável no mercado de consumo,
por força do art.4.°, I, do Código de Defesa do Consumidor26. Para o autor, a
vulnerabilidade dos cidadãos no mercado de consumo é também hoje resultado do
emprego de tecnologias avançadas, que não são do domínio da maior parte dos
consumidores e vai além de mero reflexo da desigualdade econômica entre o
empresário e o adquirente final do produto, refletindo igualmente a carência de
informações sobre os bens e produtos (dia após dia mais complexos)27.
Assim, da interpretação do Código de Defesa do Consumidor pode-se concluir que
uma vez enquadrado no conceito de consumidor – estabelecida a relação de
consumo – o sujeito (sem análise do aplicador do direito, e pelo reconhecimento
expresso do referido Código) é considerado vulnerável28.
Contudo, é necessário observar que a vulnerabilidade poderá ser percebida de
diferentes formas e, devido às mudanças cotidianas na tecnologia, novas formas de
vulnerabilidade poderão ser acrescidas como características ao consumidor, que
poderá ser vulnerável no mercado pela sua exposição, pela maciça oferta de
produtos e serviços e pelo excesso ou pela falta de informação.
Claudia Lima Marques afirma que a vulnerabilidade informacional representa hoje o
maior fator de desequilíbrio na relação, já que os fornecedores são os únicos
detentores da informação.
25
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano; PINTO SERRANO, Yolanda ALVES. Código de defesa do consumidor interpretado. São Paulo: Saraiva, 2003. p.2. 26
BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de consumo e aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. Revisada e atualizada. São Paulo: Ed. Rt, 2009. p. 41-42. 27
Ibidem, p.41. 28
Conferir também: EFING Antônio Carlos; BLAUTH, Flávia Noemberg Lazzari. Analfabetismo jurídico e vulnerabilidade: desafios do direito do consumidor na sociedade da informação. Anais do XIX Congresso Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010.
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A falta de informação vem sendo reconhecida como uma vulnerabilidade nova do
consumidor e pode ser assim descrita segundo a autora:
Esta vulnerabilidade informativa não deixa, porém, de representar hoje o maior fator de desequilíbrio da relação vis-à-vis os fornecedores, os quais, mais do que experts, são os únicos verdadeiramente detentores da informação. Presumir a vulnerabilidade informacional (art. 4º, I, do CDC) significa impor ao fornecedor o dever de compensar este novo fator de risco na sociedade. Aqui, mais do que técnica, jurídica ou fática, esta vulnerabilidade é essencial à dignidade do consumidor, principalmente enquanto pessoa física.
29
Apesar do reconhecimento da vulnerabilidade de todos os consumidores, há grupos
que demonstram uma fragilidade ainda maior em relação aos fornecedores de
produtos e serviços: os hipervulneráveis. Estes, representam aqueles que, em razão
de sua especial condição, como idosos, crianças, deficientes mentais, analfabetos e
semianalfabetos, possuem uma maior fragilidade na relação de consumo. Nesse
grupo, é importante acrescentar aqueles que, por razão genética ou não,
apresentam enfermidades que possam ser manifestadas ou agravadas pelo
consumo de certos produtos ou serviços livremente comercializados inofensivos à
maioria das pessoas, mas que, em particular aos consumidores que sofrem de
doença celíaca, por exemplo, significam um grande risco à saúde.
Neste aspecto, encontra-se nas palavras de Claúdia de Lima Marques, o que se
pode chamar de uma hipervulnerabilidade. Os consumidores hipervulneráveis são
os que possuem uma vulnerabilidade agravada, conforme seguinte disposto pela
autora:
Identifica-se hoje também uma série de leis especiais que regulam as situações de vulnerabilidade potencializada, especial ou agravada, de grupos de pessoas (idosos, crianças e adolescentes, índios, estrangeiros, pessoas com necessidades especiais, doentes, etc.), e estes grupos de pessoas também atuam como consumidores na sociedade, resultando na chamada hipervulnerabilidade
30.
Esses grupos de consumidores, para garantirem sua integridade física, reclamam
ainda mais esse direito, uma vez que podem sofrer várias alterações que causem
danos à sua saúde e, por isso, tem no Código de Defesa do Consumidor a proteção
de que necessitam. 29
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.320/321. 30
MARQUES, Claudia Lima. Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.41
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A esse respeito, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin se manifesta no
seguinte sentido:
Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna
31.
Sobre o tema, o STJ já se manifestou, ao julgar o REsp nº 722.940/MG, tendo o
eminente relator, ministro Castro Meira, destacado:
São exatamente os consumidores hipervulneráveis os que mais demandam atenção do sistema de proteção em vigor. Afastá-los da cobertura da lei, com o pretexto de que são estranhos à 'generalidade das pessoas, é, pela via de uma lei que na origem pretendia lhes dar especial tutela, elevar à raiz quadrada a discriminação que, em regra, esses indivíduos já sofrem na sociedade. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador
32.
Dessa forma, a hipervulnerabilidade implica a necessidade de uma maior proteção
na relação de consumo. Promover a proteção e defesa de todos contra agressões
alheias, notadamente contra aqueles que atuam com objetivo de lucro, é um dever
do Estado. Mas, esse dever toma proporções ainda maiores quando se trata de
proteger os hipervulneráveis. Nesse sentindo, o direito à informação possui enorme
relevância como fator de proteção.
O direito à informação no código de defesa do consumidor
A resolução n.30/248 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16.04.1985,
determina em seu artigo 3º que é necessário promover o acesso dos consumidores
à informação. Uma das formas de atendimento a essa resolução é o Código de
Defesa do Consumidor, uma vez que este garante ao consumidor o acesso à
informação adequada.33
31
Superior Tribunal de Justiça. Resp 586.316/MG. 2ª Turma Civ. Rel. Ministro Herman Benjamin, J. 17/04/2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 04 jun. 2012. 32
Superior Tribunal de Justiça - REsp 722.940/ MG. Rel. Ministro Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 23/04/2010. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 04 jun. 2012. 33
Depreende-se do Código de Defesa do Consumidor como direitos básicos em seu art.6º: (...);
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A informação é, assim, elemento central na sociedade de consumo, uma vez que
capacita o consumidor com os subsídios necessários à tomada de decisão quanto
aos produtos que irá adquirir para consumo. O consumo consciente, neste sentido,
somente é possível por meio da informação adequada e da educação corretamente
disponibilizada ao consumidor, conforme determina o art. 6.°, II e III, do Código de
Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, a informação e a educação caminham juntas, uma vez que com a
informação, o consumidor consegue conhecer e entender a respeito do serviço
fornecido e, recebida a informação, confere-se ao consumidor, pela educação, uma
capacidade de escolha racional, ficando menos suscetível de ser manipulado na
manifestação de sua vontade34.
Sob este viés, a informação é a base para o consumo consciente – para tornar a
aquisição do produto livre de qualquer vício de orientação – já que, para ser
consciente, o ato de consumo deve ser devidamente pensado e repensado,
subsidiado com dados verdadeiros. Com isto, a importância fundamental do direito à
informação consiste no poder que se concede ao consumidor de saber exatamente
o que está adquirindo, e retrata a livre consciência de consumir e ser agente crítico
do consumo.
O direito à informação adequada, suficiente e veraz é um dos pilares do direito do
consumidor. O dever de informar só se concretiza quando a informação é repassada
ao consumidor preenchendo os seguintes requisitos: adequação, suficiência e
veracidade35. Estes se interligam e, caso haja a falta de algum desses elementos,
pode-se considerar que a informação não cumpriu com o seu dever.
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (...).BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Senado Federal, 2011. p.856. 34
A esse respeito também Alexandre David Malfatti, quando explica que o princípio da informação contém dois elementos que se completam: educação e informação. MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Alfabeto Jurídico, 2003. p.82. 35
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2796>. Acesso em: 03 maio 2012.
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A adequação diz respeito à relação que há entre os meios de informação utilizados
pelo produtor e o conteúdo do produto fabricado (ex. na embalagem está
especificado Não contém Glúten” e o produto realmente está isento da proteína
Glúten); a suficiência condiz com a necessidade de completude e integralidade da
informação fornecida (ex. especificar a quantidade exata de glúten dos alimentos
que possuem baixo teor dessa proteína); a veracidade corresponde a toda
informação que declare a real característica do produto, seja pela composição,
quantidade, prazos ou riscos36.
Não se pode esquecer, também, que para atender os requisitos informacionais, a
informação deve levar em conta que a variedade de pessoas e, por consequência,
de capacidade de entendimento, é muito ampla em nosso país, necessitando uma
informação que seja mais ostensiva, como prevê Zelmo Denari37, para o qual, uma
informação é ostensiva, e, portanto, adequada, “quando se exterioriza de forma tão
manifesta e translúcida que uma pessoa, de mediana inteligência, não tem como
alegar ignorância ou desinformação”.
Portanto, para que uma informação seja verdadeiramente adequada deve se
coadunar à efetiva possibilidade de assimilação de seu receptor – e, no caso do
cidadão brasileiro, é de conhecimento notório que o seu nível de educação não
permite que seja tratado pelo parâmetro do homem médio do paradigma liberal38.
Neste sentido, para a informação ser devidamente assimilada por este cidadão –
reforça-se: reconhecidamente vulnerável – é necessário que seja linguagem fácil,
diferenciada e não técnica.
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin afirma que o consumidor “não está
habilitado a conhecer a qualidade do bem ofertado no mercado, nem a obter por
36 Ibidem, p. 12. 37
DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antônio Herman V. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. vol. I, p.176. 38
Consoante estudo realizado pelo IBGE, 44% das pessoas entre 18 e 34 anos não possuem ensino completo. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais. Disponível em: <www.ibge.ov.Br/home/estatística/população/condicaodevida/indicadores minimos/sinteseindicsociais2010/SIS_2010.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2012.
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seus próprios meios, as informações exatas e essenciais. Sem informação útil e
completa, o consumidor não pode fazer uma escolha livre”39, aumentando,
sobremaneira, sua vulnerabilidade, uma vez que, como alerta Alexandre David
Malfatti40 não basta que a informação do fornecedor sobre seu produto seja
verdadeira, pois deve ser completa (preço, características, desempenho, etc.) e
adequada.
Nesse entendimento, o Código de Defesa do Consumidor realça a proteção do
consumidor por meio da informação, impondo ao fabricante o dever de fornecer
todas as informações relevantes que possa ter sobre o produto objeto da oferta41.
Enfim, o direito à informação constitui um dos pilares no qual se sustenta toda a
normativa referente à proteção e defesa do consumidor. É por meio da informação
que se alcança proteger outros direitos de caráter igualmente fundamental, como o
direito à saúde.
O rótulo como meio direto de acesso à informação
Importante traçar uma correlação entre o direito à informação do consumidor e os
rótulos dos produtos industrializados. Como já mencionado, constitui-se direito
básico do consumidor receber informação clara e adequada, inclusive quanto aos
riscos que apresentam determinados alimentos.
Nesse sentido, o rótulo representa o único meio direto através do qual o consumidor
tem acesso às informações de um produto e, por consequência, acaba por ser um
dos fatores que podem influenciar nas escolhas alimentares das pessoas42. Pode-se
dizer, então, que os rótulos melhoram o ambiente geral da informação, pois, através
deles consegue-se oferecer um nível de informação suficiente para a tomada de
39
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Das práticas comerciais. In: GRINOVER, Ada Pelegrini. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 251-503.p.284. 40
MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Alfabeto Jurídico, 2003.p.74 41
CAMPOS, Maria Luiza de Sabóia. Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. São Paulo: cultura paulista, 1996, p.290. 42
TEIXEIRA, Thais de Jesus; MEYBERG, Maíra Alcântara; HENRIQUES, Patrícia; CHIAPPINI, Claudete Corrêa de Jesus. Adequação à legislação vigente da rotulagem de biscoitos sem glúten. Disponível em <http://www.uff.br/geac/index.php?option=com_content&view =article&id=18&Itemid=41>. Acesso em: 10 maio 2012.
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decisão do consumidor, uma vez que os rótulos devem advertir, informar ou alertar o
consumidor sobre os aspectos de segurança e saúde envolvidos, de forma que a
comunicação seja eficaz.
Assim, o Código de Defesa do Consumidor traz em seu art.8º43 que os produtos
colocados para consumo não poderão acarretar riscos à saúde ou à segurança dos
consumidores e, em se tratando de produtos industrializados, as informações
deverão constar de impressos apropriados que devem acompanhar o produto.
João Batista de Almeida44 ensina a esse respeito que o consumidor deve conhecer
os dados indispensáveis sobre produtos ou serviços para atuar no mercado de
consumo e decidir com consciência. Ou seja, a partir do momento em que o
consumidor não é totalmente informado, a sua relação com o fornecedor será
viciada, pois este consumidor não terá outro meio de ter ciência do que consome,
senão pelo esclarecimento constante no rótulo.
Portanto, a informação deve fazer parte do rótulo desse produto para que o
consumidor possa distingui-lo de outros, passando, assim, a exercer o seu direito de
escolha entre os produtos ofertados. Principalmente, nos casos dos consumidores
hipervulneráveis (que possam ser afetados diretamente por riscos dos produtos ou
serviços colocados no mercado de consumo) como é o caso dos doentes celíacos.
A lei 10.674/200345 obriga os fornecedores de produtos alimentícios a informarem
sobre a presença de glúten nos rótulos dos produtos industrializados, como medida
preventiva e de controle da doença celíaca.
Art. 1°Todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e bula,
obrigatoriamente, as inscrições "contém Glúten" ou "não contém Glúten", conforme o
caso.
43
Art. 8°: Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Senado Federal, 2011. p.856. Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto. 44
ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4 ed., Saraiva, 2003, p.47 45 BRASIL, Lei 10.674 de 16 de maio de 2003.
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§ 1° A advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos
respectivos assim como em cartazes e materiais de divulgação em caracteres com
destaque, nítidos e de fácil leitura.
Antes dessa lei, não havia uma regra para a referência da presença de glúten nos
alimentos. Assim, quando era feita alguma alusão ao glúten nos rótulos, era de
forma confusa, pela diversidade de expressões utilizadas. Podia-se encontrar:
“isento de glúten”, “sem glúten”, “ausência de glúten”, “não contém glúten”.
Segundo Merino e Torres, no que se refere às embalagens de consumo, a
informação, além de persuadir e provocar o consumidor a adquirir um produto, deve
contribuir para advertir, informar ou alertar esse usuário sobre os aspectos de
segurança e saúde envolvidos, de forma que a comunicação seja eficaz46. Por sua
vez, quando esse consumidor possui uma doença como a intolerância ao glúten, a
necessidade de identificar e compreender as advertências dentre todos os
elementos gráficos existentes em uma embalagem de alimentos é ainda maior, pois
devido à doença, o mínimo contato com a proteína glúten poderá causar graves
danos à saúde desta pessoa.
Considerações sobre o conteúdo dos dizeres “contém glúten” ou “não contém glúten” nos rótulos dos produtos
A lei nº. 10.674, de 16 de maio de 2003, trouxe a determinação de proteger o direito
à informação dos doentes celíacos, pois obrigou todos os fornecedores de alimentos
industrializados a informarem sobre a presença ou ausência do glúten no rótulo e
bula, através da expressão: “contém glúten” ou “não contém glúten”, de acordo com
o caso. Dispõe o art. 1º, caput e §1º da Lei 10.674/03:
Art. 1º Todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e bula, obrigatoriamente, as inscrições "contém Glúten" ou "não contém Glúten", conforme o caso.
46
MERINO, Eugenio Andrés Díaz; TORRES, Maricel Karina López. Glúten: Usabilidade e advertência em embalagens. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. Disponível em: <http://www.ngd.ufsc.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=31&Itemid=4&limitstart=20>. Acesso em: 10 maio 2012.
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§ 1º A advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos respectivos assim como em cartazes e materiais de divulgação em caracteres com destaque, nítidos e de fácil leitura.
Entretanto, apesar de importante, o cumprimento desta lei não efetiva o preceituado
no art.6, inciso III e art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, pois apenas
informar “contém glúten” ou “não contém glúten” não se trata de informação
adequada, uma vez que não alerta para os riscos do consumo.
Para tanto, importante esclarecer que a obrigação de informação é desdobrada pelo
art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-
conteúdo (características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização
(como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (custo, formas e condições
de pagamento), e d) informação-advertência (riscos do produto ou serviço).
A obrigação de informar, estipulada pela lei 10.674/03 configura meramente uma
informação-conteúdo, pois somente salienta sobre a presença do elemento glúten,
estando ausentes quaisquer características de informação-advertência, vez que não
menciona os riscos oferecidos pelo produto, como acentua Antônio Herman de
Vasconcellos e Benjamin47 “nem toda informação configura advertência, que é uma
informação qualificada, haja vista que ela destaca-se na mensagem e chama
atenção do consumidor para algo importante a ser ressaltado”.
Com a ausência dessa advertência, a informação deixa de apresentar os requisitos
mínimos e obrigatórios do art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, e não se
mostra clara e precisa. Nesse sentido, sua eficácia fica maculada, uma vez que
dados relevantes acerca do bem oferecido foram suprimidos.
A respeito da eficácia da expressão “contém glúten” no julgamento do Recurso
Especial n. 586.316, o Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, explica
que ela precisa ser completa, como podemos ver abaixo:
No caso específico dos autos, qual a relevância de registrar apenas “contém glúten”? A esmagadora maioria dos consumidores (inclusive o próprio Relator deste Recurso Especial, que desconhecia a existência da doença
47
Superior Tribunal de Justiça. Resp 586.316/MG. 2ª Turma Civ. Rel. Ministro Herman Benjamin, J. 17/04/2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 04 jun. 2012.
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celíaca) certamente responderá: “E daí?” ou “O que eu tenho com isso?”. A utilidade, mais ainda em um País pouco educado em temas da saúde pública, só aparece quando a informação é vinculada à doença celíaca, que os fornecedores-associados da Impetrante pretendem, intencionalmente, omitir: “Contém glúten: a existência do glúten é prejudicial à saúde dos doentes celíacos”. Sem o referido complemento, a expressão “Contém glúten” propicia aos consumidores uma caricatura de informação, insuficiente para a finalidade que se justifica e legitima. É a subinformação do consumidor. Nem se diga, a latere, que a tarefa de educar – pela informação – essa grande massa de consumidores é tarefa exclusiva do Estado. É, em verdade, de todos, inclusive dos agentes econômicos
48.
Esse consumidor então não terá sido advertido conforme preconiza o Código de
Defesa do Consumidor e certamente não terá consciência sobre uma segura
utilização de qualquer produto, prevenindo danos a sua saúde e a sua integridade.
Dessa forma, apenas informar não cumpre o papel de instrumento garantidor de
proteção a esse consumidor. A informação sem advertência vai contra o que
preconiza o Código de Defesa do Consumidor quando estabelece a Política
Nacional de Relações de Consumo, como bem dispõe João Batista de Almeida:
Objetivo importante dessa política é também a postura do Estado de garantir a melhoria da qualidade de vida da população consumidora, quer exigindo o respeito à sua dignidade, quer assegurando a presença no mercado de produtos e serviços não nocivos à vida, à saúde e à segurança dos adquirentes e usuários, quer, por fim, coibindo os abusos praticados e dando garantias de efetivo ressarcimento, no caso de ofensa a seus interesses econômicos
49.
A Política Nacional das Relações de Consumo vem com o objetivo de disponibilizar
ao consumidor instrumentos capazes de colocá-lo em condições de igualdade
perante o fornecedor. A intenção foi fazer com que a defesa do consumidor
passasse a constituir-se em um meio de compatibilizar e harmonizar os interesses
envolvidos entre os sujeitos da relação de consumo, sem, no entanto, caracterizar-
se como um instrumento de confronto entre produção e consumo. Nesse sentido
explica José Geraldo Brito Filomeno:
Quando se fala em "política nacional de relações de consumo", por conseguinte, o que se busca é a propalada "harmonia". Além dos "princípios" que devem reger referida política, terão relevância fundamental os "instrumentos" para sua execução, e não apenas os institucionalizados, como os previstos pelo art. 5º do Código e pelos mencionados arts. 105 e
48
Superior Tribunal de Justiça. Resp 586.316/MG. 2ª Turma Civ. Rel. Ministro Herman Benjamin, J. 17/04/2007. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 04 jun. 2012.
49 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4 ed., Saraiva, 2003, p.14.
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106, como também os privados, consistentes na atividade das próprias empresas produtoras de bens e serviços
50.
Cabe ao Estado, então, eliminar ou reduzir conflitos, garantindo a melhoria da
qualidade de vida da população consumidora através de uma atuação articulada
com a sociedade civil. Pensando na efetivação dessa política é que o legislador
estabeleceu, no caput do art.4º, seus principais objetivos: atendimento às
necessidades dos consumidores; respeito à sua dignidade, saúde e segurança;
proteção de seus interesses econômicos; melhoria da sua qualidade de vida;
transparência e harmonia nas relações de consumo.
Especialmente, a Política Nacional das Relações de Consumo prevê a transparência
de conduta como princípio do vínculo entre os sujeitos da relação de consumo, ou
seja, entre consumidor e fornecedor. Essa transparência exige que as relações de
consumo sejam claras quanto às informações, tanto de forma quantitativa como
qualitativa.
Mais uma vez, percebe-se que a simples informação “contém glúten” ou “não
contém glúten” não efetiva a proteção do consumidor celíaco, uma vez que não
adverte dos riscos que a ingestão de certos alimentos pode ocasionar; não é uma
informação transparente como impõe o código e, portanto, não protege esse
consumidor vulnerável.
Como consequência do princípio da vulnerabilidade do consumidor, faz-se
necessária a presença do Estado nessas relações, pois sempre que ocorrer a
vulnerabilidade – como no caso do celíaco –, o Estado deve ser chamado para
proteger esse consumidor, que é a parte mais fraca da relação de consumo. A
proteção pode ser efetivada tanto por meios legislativos, como judiciários ou
administrativos, com o intuito de garantir o respeito aos interesses dos
consumidores.
O Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 4.º, inciso II, prevê a presença do
Estado, no sentido de proteger efetivamente o consumidor: através de iniciativa
50FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 10 ed. São Paulo: Atlas. 2010. p. 61.
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direta, incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas,
presença do Estado no mercado de consumo e garantia dos produtos e serviços
com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.
Assim, os órgãos de vigilância sanitária passaram a integrar o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor (implementado por força do Código de Defesa do
Consumidor) com objetivo manter uma interligação com os órgãos diretos de defesa
do consumidor. Neste sentido Sueli Gandolfi Dallari informa que:
Essa integração tem caráter educativo. Entretanto, ela é indispensável ao órgão de defesa do consumidor, quando se trata de atuar o poder de polícia. Isso porque, ficando com exemplo da vigilância à saúde, o órgão de defesa do consumidor não é dotado de poder de polícia, necessitando, assim, notificar os órgãos competentes, tanto federais, quanto estaduais ou municipais, para que sejam adotadas as medidas cabíveis
51.
Com relação à iniciativa direta, o PROCON52 é o órgão que cuida, no plano local, da
fiscalização e controle da produção, industrialização, distribuição e publicidade de
produtos e serviços do mercado de consumo, assim como esclarece, conscientiza,
educa e informa o cidadão sobre seus direitos e deveres enquanto consumidores.
Para o cumprimento de suas funções, o Programa de defesa do consumidor pode
baixar normas no mercado de consumo, notificar os fornecedores para que prestem
informações sobre questões de interesse do consumidor e deixem de praticar
condutas proibidas pela lei de defesa do consumidor, bem como punir
administrativamente.
Neste sentido também se enquadra a ação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) que envolve um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir
ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes entre
outras da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da
saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se
relacionem com a saúde53.
51
DALLARI, Sueli Gandolfi. Vigilância Sanitária, Direito e Cidadania. In: Caderno de textos: conferência nacional de vigilância sanitária. Brasília: Editora ANVISA, 2001. p. 13. 52
PROCON - Orgãos públicos estaduais e municipais de defesa do consumidor integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor responsáveis pela fiscalização e regulação do mercado de consumo. 53
Conforme art.6º da Lei 9782 de 26 de janeiro de 1999.
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Com relação à fiscalização dos alimentos referente aos seus componentes e a sua
rotulagem, além de outros, a competência é da União, mas esta delega à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a responsabilidade conforme a lei
regulamentar 9.782/99 em seu art.2º e seguintes:
Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária: III - normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde; Art. 6º A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados (....). Art. 7º Compete à Agência (...): XIV - interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; XVI - cancelar a autorização de funcionamento e a autorização especial de funcionamento de empresas, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; XXVI - controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária
54.
No sentido da advertência dos consumidores celíacos, a ANVISA traz
regulamentação apenas em relação aos medicamentos, como destacamos de sua
resolução RDC n.137 (2003) que obriga os fornecedores de medicamentos em cuja
composição tenha glúten, a deixar visível a expressão “Atenção portadores de
Doença Celíaca ou Síndrome Celíaca: contém Glúten”, ou “Atenção: Este
medicamento contém Glúten e, portanto, é contra-indicado para portadores de
Doença Celíaca ou Síndrome Celíaca”.
Nota-se, pois, a presença da informação-advertência, que possui o condão de
advertir os doentes celíacos acerca da presença do componente glúten, conferindo
54
BRASIL, Lei 9782 de 26 de janeiro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9782>. Acesso em: 03 set. 2012.
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eficácia plena à informação, diferentemente do que traz a Lei n.10.674/03 que só
informa a expressão “contém glúten” ou “não contém glúten”.
Portanto, cabe ao poder público a fiscalização e o controle da produção,
industrialização, distribuição, publicidade dos produtos e serviços, no interesse da
preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do
consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias.
Cabe ressaltar que cabe aos fabricantes de produtos alimentícios uma fiscalização
interna de seus produtos, para que estes atinjam a qualidade necessária exigida em
lei, pois estes também possuem grande responsabilidade frente aos consumidores e
podem sofrer sanções na área cível, administrativa e penal.
Na esfera cível o Código de Defesa do Consumidor impõe ao fornecedor um dever
de qualidade e de segurança. Ou seja, aquele que coloca um produto no mercado,
tem a obrigação legal de ofertá-lo sem risco ao consumidor, no que diz respeito à
sua saúde, à sua integridade física e ao seu patrimônio.
Porém, sendo o bem nocivo ou perigoso à saúde do consumidor, isso deve ser
informado adequada e ostensivamente, para não gerar a responsabilidade do
fornecedor. O Código de Defesa do Consumidor criou para o fornecedor um dever
de segurança ao produto por ele lançado, respondendo, independentemente de
culpa, por eventual imperfeição do produto conforme demonstra os arts. 8º e
seguintes:
Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto. Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
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reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Frise-se que, no caso dos produtos perigosos ou que possam apresentar riscos à
saúde e segurança, a informação sobre a nocividade ou periculosidade deve ser
ostensiva e adequada, conforme dispõe o art. 9º do código de defesa do
consumidor.
Assim, o Código de Defesa do Consumidor obrigou o fornecedor a conjugar o
binômio segurança/qualidade, a fim de observar o que determina o artigo 4º
respeitando a dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses
econômicos e à melhoria da sua qualidade de vida55.
Na seara administrativa, os arts. 55 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor oferecem ampla visão sobre a estrutura do poder público na previsão,
imposição e imputação das sanções aos infratores. O artigo 56 traz as penalidades
possíveis, como multa e apreensão, entre outras56:
Para garantir a implementação dos direitos e deveres que o próprio Código cria, é
que previu, ao lado de sanções civis e administrativas, outras de cunho penal.
Importante destacar os arts. 63 e art. 6457 – dos que tratam das infrações penais –
relativos ao dever de informar no rótulo, como em especial no dever de advertir
sobre a presença do glúten ao portador dessa doença.
55
MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1993. v. 5. p.41. 56
Constituem-se, também penalidades: inutilização do produto, cassação do registro do produto junto ao órgão competente, proibição de fabricação do produto, suspensão de fornecimento de produtos ou serviço, suspensão temporária de atividade, revogação de concessão ou permissão de uso, cassação de licença do estabelecimento, interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade, intervenção administrativa, imposição de contrapropaganda.
57 Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas
embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. § 1° Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. § 2° Se o crime é culposo: Pena Detenção de um a seis meses ou multa. Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem
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Esses artigos fazem referência ao dever de informar que não foi cumprido; portanto,
são crimes omissivos ou relacionados à informação do consumidor, como bem
coloca Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin58: “os crimes omissivos são
aqueles relacionados à informação do consumidor, ao passo que decorrem dos
riscos de acidentes de consumo que produtos e serviços podem provocar”.
Assim, ao tipificar os crimes omissivos, o Código de Defesa do Consumidor o fez na
tentativa de salvaguardar os direitos básicos do consumidor (expostos no art.6º),
pois a garantia de informação plena do consumidor – tanto no seu aspecto sanitário
quanto no econômico – procura garantir, que certas informações positivas - deixar
de dizer algo que é, como, por exemplo, alertar sobre os riscos do produto ou
serviço - sejam efetivamente passadas ao consumidor59.
Cabe ressaltar que a ofensa ao dever de informar é possível também na tutela
coletiva, pelo dano à coletividade, pela exposição dos consumidores às informações
incompletas, servindo como prevenção de danos individuais. Por serem insuficientes
pode-se pugnar o seu cumprimento mediante ações judiciais, cuja obrigação será de
fazer, frente à omissão existente, conforme art.84 do Código de Defesa do
Consumidor, inclusive com imposição de multa, busca e apreensão, impedimento de
atividade, entre outras.
Portanto, o advento da proteção prevista no Código de Defesa do Consumidor
decorre do entrelaçamento dos aspectos administrativos, civis e penais, que, ao
estabelecer os direitos básicos do consumidor – como o direito à informação - visa a
sua completa efetividade, lembrando sempre que o Código de Defesa do
Consumidor encerra norma de ordem pública e interesse social60, ou seja, sua
deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo. 58 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Crimes de Consumo no Código de Defesa do Consumidor. http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/33257-42314-1-PB.pdf . 59
Ibidem, p.7. 60
Art. 1º da lei 8078 de 11 de setembro de 1990: o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art.48 de suas Disposições Transitórias.
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imperatividade e indisponibilidade são de medidas de extremo rigor e que não se
submetem à vontade das partes ou ao simples convencimento do julgador.
Tal rigor legal justifica-se, por óbvio, devido ao bem maior envolvido: a vida. Assim,
em função da relevância da informação correta e suficiente no rótulo dos produtos, a
lei busca assegurar, da forma mais eficiente possível, o direito à informação nas
relações de consumo. Entretanto, como foi destacado no decorrer deste trabalho – e
com maior aprofundamento conclusivo, a seguir –, nem sempre efetiva-se em
plenitude, deixando em vácuo perigoso à população suscetível à doença celíaca
quando esta não possui uma maior capacidade de entendimento.
Considerações finais
O presente estudo voltou-se à análise da informação para o consumidor celíaco,
tendo sempre por base a proteção constitucional do consumidor. Evidenciou-se que
as relações de consumo tendem a se maximizar para tutela dos cidadãos, visando
ao equilíbrio do mercado e primando pelo respeito ao cidadão, à sua dignidade e à
sua saúde. E, neste sentido, recebe especial importância o reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor que, muitas vezes, se vê impossibilitado de assimilar
crítica e livremente as informações que lhe são repassadas – de modo
preponderantemente inadequado – no mercado de consumo.
As conclusões obtidas junto ao presente estudo refutam a ideia de que o consumidor
celíaco será bem informado apenas com a indicação da ausência ou presença do
glúten nos rótulos dos alimentos industrializados, como exige a lei 10.674/2003. Ao
contrário, demonstra-se que mesmo com o advento dessa lei, a simples indicação
de conter ou não conter glúten – apesar de um grande avanço – é insuficiente para a
proteção desses consumidores tão vulneráveis, já que não traz consigo um dos
requisitos do art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, qual seja, a informação-
advertência. Somente está presente a informação-conteúdo, e essa lacuna deve ser
preenchida, de modo que os fornecedores cumpram sua obrigação positiva de
informar os consumidores adequadamente.
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Verificou-se que, ausente qualquer dos requisitos dos artigos 6º e 31 do Código de
Defesa do Consumidor – discutidos ao longo do trabalho – , a informação estará
maculada e não atingirá seus objetivos de proporcionar uma livre e consciente
escolha dos consumidores a respeito dos produtos a serem adquiridos e, sobretudo,
de evitar danos àqueles que vierem a adquirir os bens.
Só com a informação-advertência é que, de fato, os consumidores suscetíveis, como
os celíacos, por exemplo, estarão cientes da presença do glúten e de sua
prejudicialidade à saúde. Essa informação é tão importante que os fornecedores
podem ser responsabilizados por problemas relativos à informação, seja pela falta
dela ou mesmo por sua imprecisão ou não-veracidade. No caso analisado, a mera
informação “contém glúten”, nos rótulos dos alimentos industrializados, fica
incompleta e, desse modo torna-se ineficaz.
Portanto, a informação é o instrumento central para capacitar o consumidor a atuar
de maneira crítica e consciente. Entretanto, como buscou-se demonstrar, essa
informação precisa ser – para a sua efetividade – clara, correta, precisa, ou seja,
não basta ser uma informação–conteúdo – apenas menciona o produto –, e sim
uma informação–advertência: menciona o produto e alerta para os riscos.
Diante do que verificou-se, faz-se mister que haja uma fiscalização mais efetiva por
parte dos órgãos públicos, a fim de se fazer cumprir o Código de Defesa do
Consumidor e, sobretudo, garantir na sociedade maior transparência nas relações
de consumo, com observância a princípios constitucionais, em especial o princípio
da informação. Assim, a inefetividade do direito à informação, em decorrência da
falta (ou deficiência) de cobrança dos órgãos públicos responsáveis, implica ferir a
Política Nacional das Relações de Consumo tornando ineficaz o direito à informação
e, por consequência, trazendo prejuízos, por vezes irreparáveis justamente aos
consumidores que mais necessitam dessa proteção, como é o caso dos doentes
celíacos.
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