there isn’t any political interest and, moreover, the ... · a carta de 1967 proporcionou a...
TRANSCRIPT
1
A CRIAÇÃO DE NOVOS MUNICÍPIOS NO BRASIL1
Arinos Fonseca
Fundação Carmelitana Mário Palmério (FUCAMP)
Resumo: O processo de criação de Municípios no Brasil sempre existiu, alternando períodos de
maior ou de menor intensidade, em conformidade com cada momento histórico, político, econômico
e social. Teve seus períodos de maior intensidade durante a Constituição de 1946 e após a
Constituição de 1988. O processo de emancipação político-administrativo de Municípios no Brasil
estava suspenso desde a Emenda Constitucional 15/1996. Recentemente foi aprovado pelo
Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar do Senado (PLS 98/2002) fixando novas regras
para a criação, desmembramento, fusão e incorporação de Municípios. O presente trabalho tem como
objetivo analisar os novos critérios definidos no Projeto de Lei. No referido PLS estão sendo
contemplados aspectos técnicos e não somente e não somente interesses politico-eleitoreiros. O
processo foi encaminhado ao Executivo e diferentemente do que se esperava, ou seja a sanção
presidencial, o mesmo foi vetado. O prazo final para o Congresso Nacional derrubar o veto encerra-
se em 18 de dezembro de 2013, o que nos leva a crer que o mesmo não será derrubado, uma vez que
não há interesse político, além dos nossos políticos já estarem mais preocupados com o recesso
parlamentar que se aproxima.
Palavras-chave: Criação de Municípios. Projeto de Lei. Veto presidencial.
Abstract: The process for the creation of Municipalities has always existed been common practice in
Brazil, with periods of higher or lower intensity, according to the historical, political, economical and
social moment. It had its, moments of high intensity during the force of 1946 Constitution and after
the 1988 Constitution. The process of political-administrative emancipation of Municipalities in
Brazil was suspended from the Constitutional Amendment 15/1996. A Complimental Law Project
was recently approved by the National Congress (PLS 98/2002), by setting new rules for the
creation, dissolution, merger and incorporation of Municipalities. This study aims to analyze the new
criteria defined in the Draft Law. The referred PLS contemplates technical aspects and not only
political and electoral interests as it was practiced previously. The process was sent to Presidential
sanction and to the surprise of the political class it was vetoed. The deadline for the Congress to
nullify the veto is December 18, 2013, which makes us believe the veto will not be nullified, since
there isn’t any political interest and, moreover, the politicians are more concerned with the
parliamentary recess which is coming soon.
Key words: Creation of Municipalities. Law Project. Presidential Veto.
Introdução.
No ordenamento jurídico brasileiro o Município pode ser conceituado como pessoa jurídica
de direito público interno (CC, art. 41, III), dotado de capacidade civil plena para exercer direitos e
1 Artigo aprovado, apresentado e publicado nestes Anais do I Seminário Sociedade, Política e Direito, da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Uberlândia (FADIR-UFU). Publicado em: 06.07.2014.
2
contrair obrigações em seu próprio nome, respondendo por todos os atos de seus agentes (CF, art. 37,
§ 6º).
A criação de Municípios no Brasil sempre existiu, alternando períodos de maior intensidade
com outros de menor intensidade, em conformidade com cada momento histórico, político,
econômico e social. O Município ganhou uma expressão ainda maior a partir da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 quando foi elevado a condição de ente federado juntamente
com a União, Estados e o Distrito Federal.
Desde a Emenda Constitucional 15/96 o processo de criação de novos Municípios estava
paralisado, exceto por ocasião da criação de “Municípios putativos”, com a possibilidade ser
retomado com a aprovação do Projeto de Lei Complementar em tramitação desde 2002.
O presente trabalho tem como objetivo analisar o Projeto de Lei Complementar que dispõe
sobre os critérios para criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios no Brasil, bem
como suas consequências no caso do mesmo ser sancionado ou vetado pela Presidente da República.
A respeito da metodologia utilizada, o trabalho foi realizado utilizando o método teórico que
consistiu na análise de obras doutrinária, artigos e documentos eletrônicos que tratam do assunto,
além da pesquisa na legislação constitucional e infraconstitucional.
O primeiro capítulo traz uma caracterização e evolução histórica do Município ao longo das
Constituições brasileiras, cuja importância efetiva se deu a partir da Constituição de 1998 com a
elevação do mesmo ao status de ente federativo.
No segundo capítulo foi feita uma abordagem do processo de criação de Municípios, em
especial durante a vigência da Lei Complementar nº 1/67 com critérios rígidos e após a Constituição
de 1988 com a devolução aos Estados para o estabelecimento de critérios visando a continuidade do
processo emancipatório.
Na sequência, o terceiro capítulo verifica-se a viabilidade da criação de Municípios, uma
vez que muitos são criados apenas para atender aos interesses políticos sem, entanto possuir
condições mínimas de sobrevivência.
Por último no quarto capítulo é analisado o Projeto de Lei Complementar aprovado pelo
Congresso Nacional para regulamentar o art.18, § 4º, CF/88 com o objetivo de criação, fusão,
incorporação e desmembramento de Municípios no Brasil.
1. O município nas Constituições brasileiras
O modelo de Município adotado em Portugal seguiu o modelo Romano, em consequência
da ocupação da Península Ibérica, da qual Portugal faz parte, por parte do Império Romano. Durante
3
o período colonial, o Brasil obedeceu à legislação adotada em Portugal, sob a vigência das
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas até a independência ocorrida em 1822.
Assim que o Brasil tornou-se independente do domínio português foi outorgada a
Constituição de 1824, que definia em seu art. 167 “Em todas as Cidades e Villas ora existentes, e,
nas mais, que para o futuro se crearem haverá Camaras, às quaes compete o Governo economico e
Municipal das mesmas Cidades e Villas”.
É importante observar que conforme Castro (2006, p. 14) “Durante o Império a diferença
entre cidade e vila identificava-se apenas pelo critério democrático e pela composição dos membros
das Câmaras Municipais”. As Câmaras das cidades eram compostas de nove membros, além do
secretário, e as vilas, de sete. A eleição municipal fazia-se de quatro em quatro anos, com domicílio
eleitoral das Assembleias Paroquiais.
Os artigos 168 e 169 definiam como seriam formadas as Câmaras, bem como as funções
municipais que deveriam ser regulamentadas por lei regulamentar, e de acordo com Meirelles (2008,
p. 38):
Durante a vigência da lei regulamentar de 1828 os municípios não passaram de uma
divisão territorial, sem influência política e sem autonomia na gestão dos seus
interesses, ante a expressa declaração daquele diploma legal de que as Câmaras
eram corporações meramente administrativas.
Um novo componente, para Janotti (1981) foi introduzido na vida política do país que era:
“eleições para escolha dos membros componentes dos Conselhos Gerais nas Províncias (atuais
Estados) e da Assembleia-Geral, dividida em Câmara dos Deputados e Senado”. Por outro lado, o
voto não era universal, estando restrito aos cidadãos que fossem detentores de propriedades ou que
tivessem uma determinada renda.
Durante o período de vigência da Constituição Imperial (1824-1891), vários foram os Atos
Institucionais editados para alterar o texto da referida Carta. Mesmo assim, os Municípios
atravessaram o Império sem rendas próprias para prover as suas demandas e sem possibilidade de
exercício autônomo do poder de polícia.
O centralismo provincial não confiava nas administrações locais. E poucos foram os atos de
autonomia praticados pelas Municipalidades, que longe do poder central e sem ajuda deste, ficavam
isolados. Enquanto os presidentes provinciais cortejavam o Imperador, e o Imperador desprestigiava
os governos regionais, na ânsia centralizadora que impopularizava o Império.
A Constituição de 1891 trouxe alterações tais como: a forma de governo que passou de
Monarquia para República; o sistema de governo, de parlamentarista para presidencialista e a forma
de Estado foi convertida de unitária para federal. Aquela Carta em seu art. 68 definia: “Os Estados
4
organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios, em tudo quanto respeite
ao seu peculiar interesse”. É possível observar que, pela primeira vez, há de se falar em princípio da
autonomia municipal, onde deveria ser respeitado o peculiar interesse dos Municípios.
De forma contrária, Meirelles (2008) esclarece que durante a vigência da referida
Constituição não houve autonomia municipal no Brasil, uma vez que o hábito do centralismo, a
opressão do coronelismo e a falta de cultura do povo transformaram os Municípios em áreas de
domínio dos políticos truculentos, que mandavam e desmandavam como se fossem propriedades
particulares.
Para Leal (2012, p. 44):
O coronelismo é, sobretudo, um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder
público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes
locais, notadamente dos senhores de terras. Não é possível, pois, compreender o
fenômeno, sem referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de
sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior do
Brasil. Esse sistema foi muito utilizado durante a República Velha (1889 a 1930)
onde não havia voto secreto. O título de coronel, nesse caso, não tinha nenhum
vinculo à patente das Forças Armadas, mas sim a influência política e financeira
sobre as pessoas de um determinado território em localidade interioranas do Brasil.
Com a Revolução de 1930 e a queda dos homens da República Velha, a corrente social-
democrática influenciou na elaboração do texto da Constituição de 16 de julho de 1934. Essa
Constituição, em seu art. 13, trouxe novos parâmetros para a autonomia municipal como a eleição de
prefeitos e vereadores.
Além disso, foi atribuída, ao Município, renda própria podendo o mesmo decretar seus
impostos e taxas, a arrecadação e aplicação de suas rendas, bem como a organização de serviços de
sua competência. Pode-se dizer que essa Constituição foi inovadora afastando as ingerências dos
Estados que oprimiam os Municípios. Não foi possível verificar os resultados práticos dessa
constituição, em razão da sua curta duração, ou seja, apenas três anos.
Na opinião de Faveiro (2004), com o golpe de Getúlio Vargas em 1937, impôs-se novo
regime político no Brasil. A ditadura e consequentemente uma nova Constituição foi outorgada em
10 de novembro de 1937. Essa constituição ficou conhecida como “constituição polaca”, numa
alusão à Constituição autoritária da Polônia. Todas as atribuições estavam restritas ao Prefeito, sendo
estes nomeados pelos Governadores dos Estados (Interventores). A previsão de eleição para
vereadores apenas ilustrou o texto constitucional que nunca foi obedecido.
Além disso, segundo, Leal (2012) a distribuição dos tributos arrecadados era feita de forma
desigual favorecendo os Estados e os Municípios mais ricos, ficando os demais numa situação de
miséria, o que dificultava o desenvolvimento dos Estados e Municípios mais pobres.
5
Houve, nesse período, ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo
concentrado nas mãos do Presidente da República que legislava por meio de decretos-leis que ele
próprio criava e depois aplicava como órgão do Executivo.
Deposto o Governo Ditatorial, em 1945, fez renascer o movimento democrático que
culminou com a Constituição de 1946, a qual contou com uma maior participação das correntes
populares e nacionalistas, assegurando, em seu art. 28, uma maior autonomia política, financeira e
administrativa. Para Meirelles (2008), além das rendas exclusivas, previstas no art. 29, ainda coube
aos Municípios a participação em alguns tributos da esfera federal e estadual (art. 15, §§ 2º e 4º, 20,
21 e 29).
Em 1964, com o Golpe Militar que se caracterizou pela centralização do poder, houve um
enfraquecimento dos poderes locais com os Municípios perdendo autonomia, além da criação de
Municípios tidos por relevantes para a segurança nacional e a proliferação daqueles considerados
estâncias hidrominerais.
A Carta de 1967 proporcionou a ampliação das atribuições da União, criando a figura do
decreto-lei que possibilitava ao governo federal editar as leis de seu interesse através de decretos. A
característica básica dessa Constituição foi à centralização do poder que viveu basicamente sob o
domínio dos atos institucionais.
Uma das alterações mais significativas da Carta de 1967 foi a implantação de exigências
para a criação de novos Municípios significando uma perda para os Estados-membros até então
detentores de tal prerrogativa.
A nomeação dos prefeitos das capitais e das estâncias hidrominerais, pelo Governador do
Estado, antes facultativa, passou a ser obrigatória. Permaneceu a nomeação dos Prefeitos dos
Municípios declarados de interesse de segurança nacional, cujos nomes deveriam ser aprovados pelo
Presidente da República e posteriormente aprovados pelo Governador do Estado.
É importante observar que, uma parcela significativa da população foi privada de exercer o
direito de voto, em razão dessas cidades, em especial as capitais, possuírem grandes contingentes
populacionais. Já a Emenda Constitucional (EC) n° 1 de 1969, considerada por muitos doutrinadores
como uma nova Constituição, não trouxe alterações significativas em relação aos municípios.
A Constituição Federal promulgada em 1988 teve como um dos princípios fundamentais o
destaque para a Federação, que é constituída pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios. O Município passou a ser um ente federativo, diferentemente das Constituições
anteriores.
Para Faveiro (2004) a consequência de o Município ser elevado ao status de ente federativo
teve como consequência o reconhecimento de sua capacidade de auto-organização, mediante o poder
6
de elaborar sua Lei Orgânica Municipal, vota em dois turnos, com o interstício, mínimo de dez dias, e
aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendendo os princípios
estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos, de
conformidade com a CF/88, art. 29, caput.
A Constituição de 1988 concedeu múltiplas competências em comum com a União e os
Estados, bem como de forma privativa, nos aspectos administrativos, políticos e
econômico/financeiro. Além disso, devolveu aos Estados a competência para fixar os critérios de
criação de novos municípios, que foram estabelecidos no art. 18, § 4°.
A partir de 1988 a nomeação de prefeitos foi proibida, sob qualquer hipótese. Os prefeitos
passariam a ser eleitos pelo voto direto e simultâneo, realizado em todo o país, a exemplo do que já
ocorria com os vereadores, conforme art. 29, I, CF/88. O Município passou a ter maior participação
nos impostos federais e estaduais.
2. A criação de municípios no Brasil
O ordenamento jurídico e constitucional brasileiro prevê a Federação como forma de
Estado. De acordo com o art. 1º da Constituição de 1988, é formada pela união indissolúvel dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, concedendo aos Municípios um status de unidades
política-administrativas dentro da organização do Estado brasileiro, fato até então
desconhecidos nas Constituições anteriores.
Aos Municípios foi outorgada autonomia política, administrativa e financeira.
Conforme Meirelles (2008) a autonomia política é a capacidade de auto-organização expressa
no caput do art. 29, CF/88, ao passo que a autonomia administrativa está estampada na CF/88,
art. 30, IV, V, VI, VII, VIII e IX, e, por último, a autonomia financeira é a possibilidade de
decretação de tributos e aplicação das rendas municipais, contemplada no art. 30 CF/88.
No Brasil, o Município surge sempre a partir do território de um ou mais Municípios,
desde que dentro do mesmo Estado, por meio de desmembramento, anexação, incorporação e
fusão. em conformidade com o art. 18, § 4º, Constituição Federal de 1988.
Sobre as diferentes formas de criação do Município ensina-nos Meireles (2008, p. 68-
69):
Desmembramento é a separação de parte de um Município para se integrar
noutro ou constituir um novo Município. Anexação é a junção de parte
desmembrada de um território a Município já existente, que continua com sua
personalidade anterior. Incorporação é a reunião de um Município a outro,
perdendo um deles a personalidade, que se integra a do território incorporador.
Fusão é a união de dois ou mais Municípios que perdem, todos eles, sua
primitiva personalidade, surgindo um novo Município.
7
Dentre as modalidades previstas para a criação de municípios no Brasil a mais comum
ou usual é o desmembramento, por meio da emancipação de Distrito (circunscrição administrativa,
não possuindo personalidade jurídica, e sua existência se justifica, como unidade administrativa do Município,
no atendimento a princípio da desconcentração dos serviços públicos) de um município ou de Distritos
de vários municípios, dotando-o de autonomia e elevando à categoria de pessoa jurídica de
Direito Público Interno, em consonância com o art. 41, II, Código Civil.
O processo de criação de Municípios no Brasil a partir de 1940, conforme Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, tem sido acelerado, exceto durante os períodos
ditatoriais (Constituições de 1937 e 1967 e EC 1969).
De 1940 a 2005, o número de Municípios no Brasil cresceu aproximadamente 253%,
passando de 1.574 Municípios para 5.565. Os períodos de maior intensidade de surgimentos de
novos Municípios foram a década de 1960 e o início da década de 1970 e após a promulgação
da Constituição de 1988, conforme podem ser observados na tabela 1, abaixo.
Tabela 1 – Brasil: Municípios instalados (1940-2005)
Ano Nº de Municípios Novos Municípios Variação (%)
1940 1.574 --- ---
1950 1.889 315 20,01
1960 2.766 877 46,43
1970 3.952 1.186 42,88
1980 3.992 39 0,99
1988 4.121 130 3,26
1990 4.491 370 8,98
1993 4.974 483 10,75
2000 5.507 533 10,71
2005 5.565 58 1,05
FONTE: IBGE (2010). Elaboração: FONSECA, Arinos (2013).
Na avaliação de Pinto (2003) uma das causas para a intensa criação de municípios durante a
vigência da Constituição de 1946 estaria relacionada ao sistema de tributos, onde os Municípios mais
pobres foram favorecidos com as cotas de Fundo de Participação dos Municípios - FPM, uma vez
que as cotas eram iguais para todos os Municípios. Com isso cada governo estadual estimulava a
criação de Municípios para atrair mais recursos do governo federal para o seu Estado.
O FPM corresponde a 23,5% da arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do
Imposto de Renda (IR) repassada pela União aos Municípios, de acordo com a população de cada Município.
Criado pela Lei 5.172/1966 – Código Tributário Nacional. Em 1969 o percentual era de apenas 5,0%
chegando a 16,0% em 1985 e vem sofrendo reajuste até chegar ao patamar de 23,5% desde 2008.
A Constituição de 1967 caracterizou-se pela centralização de poder, com destaque para o
artigo 14 que definia: “Lei complementar estabelecerá os requisitos mínimos de população e renda
8
pública e a forma de consulta prévia às populações locais, para a criação de novos Municípios”. O
art. 2° da Lei Complementar n° 1/67, que regulamentou o mencionado art. 14 da Constituição:
Art. 2° - Nenhum Município será criado sem a verificação da existência, na respectiva
área territorial, dos seguintes requisitos: I - população estimada, superior a 10.000
(dez mil) habitantes ou não inferior a 5 (cinco) milésimos da existente no Estado; II -
eleitorado não inferior a 10% (dez por cento) da população; III - centro urbano já
constituído, com número de casas superior a 200 (duzentas); IV - arrecadação, no
último exercício, de 5 (cinco) milésimos da receita estadual de impostos. § 1º - Não
será permitida a criarão de Município, desde que esta medida importe, para o
Município ou Municípios de origem, na perda dos requisitos exigidos nesta Lei. § 2º -
Os requisitos dos incisos I e III serão apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, o de nº II pelo Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado e o de
número IV, pelo órgão fazendário estadual. § 3º - As Assembleias Legislativas dos
Estados requisitarão, dos órgãos de que trata o parágrafo anterior, as informações
sobre as condições de que tratam os incisos I a IV e o § 1º deste artigo, as quais serão
prestadas no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data do recebimento.
O conjunto de regras dificultava a emancipação de Municípios, em especial nos aspectos
arrecadação e naqueles onde os Municípios de origem ficassem sem as condições mínimas exigidas
em lei. Durante o regime militar foram poucos os Municípios criados, em razão do rigor da referida
lei complementar.
Tão logo findou o período da ditadura militar, foi promulgada a Carta de 1988, em que o
constituinte, após anos de repressão e imbuído de ideais descentralizadores, alterou de forma
significativa esse cenário devolvendo aos Estados a competência para fixar os critérios de criação de
novos municípios, o que foi estabelecido pelo art. 18, § 4°:
Art. 18, § 4°: a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de
Municípios preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente
urbano, far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em Lei
Complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às
populações diretamente interessadas.
Conforme Lorenzetti (2003) com a cessação da interferência do Poder Central, a criação de
novos entes federados mostrou-se danosa onde, via de regra, os critérios foram definidos a fim de
atender a interesses políticos e não técnicos. Com isso muitos dos novos Municípios não possuíam
rendas próprias, o que os tornava dependentes de repasses de recursos estaduais e federais, o que
evidenciava o empobrecimento de todos a partir da criação de novos entes políticos em razão dos
aumentos dos integrantes para dividir o “mesmo bolo”.
A onda emancipacionista não foi um fenômeno nacional, em virtude da concentração em
alguns Estados, o que pode ser comprovado por Tomio (2002, p. 48):
9
Em termos proporcionais, a maioria dos Estados das regiões Norte e Centro-Oeste,
se destacam, mas, quantitativamente, as emancipações nessas regiões não são tão
relevantes. O pequeno número de municípios em 1988, as características de fronteira
e a criação de novos Estados devem ter, juntamente com as determinações
institucionais, motivado o altíssimo índice relativo de emancipações nessas regiões.
O surgimento de novos Municípios, como de se esperar, ocorreu nos Estados criados a partir
de 1960 (Acre, Mato Grosso do Sul, Rondônia) e os criados pela Constituição de 1988 (Tocantins,
Amapá e Roraima). A exceção ficou por conta do estado do Rio Grande do Sul onde o número de
Municípios praticamente dobrou.
Em relação ao Rio Grande do Sul esse aumento, segundo Bauer (2009) se deu em virtude da
legislação gaúcha ser altamente favorável à criação de novas unidades. Entre os requisitos previstos
naquela legislação podem ser citados: população mínima de 5.000 habitantes ou 1.800 eleitores; 150
casas em núcleo urbano já constituído ou 250 na área a ser emancipada. Além desses, apresentava
um critério bastante subjetivo que era as condições reais de desenvolvimento a serem avaliadas
justificadamente pela Assembleia Legislativa Estadual.
O Congresso Nacional, consciente de que a situação estava atingindo níveis insuportáveis,
aprovou a Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996, validada constitucionalmente
pelo STF por meio da ADI nº 2.395/DF – Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão 09/05/2007. Com a
referida Emenda o art. 18, § 4º da Constituição Federal de 1988 passou a ter a seguinte redação:
Art. 18, § 4°: a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios,
far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar
Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos
Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal,
apresentados e publicados na forma da lei.
De acordo com Lorenzetti (2003) a partir dessa data a criação de novos Municípios passou-
se a exigir, além da lei estadual e do plebiscito, também uma lei complementar federal, para
determinar o período de tempo no qual será admitido qualquer um desses processos. Ainda, previa o
disposto constitucional uma lei para disciplinar a elaboração dos Estudos de Viabilidade Municipal.
A respeito da consulta prévia, mediante o plebiscito, às populações dos Municípios
diretamente envolvidos, significa para Moraes (2011) populações dos Municípios diretamente
interessados e afasta a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de consultar somente
a população da área a ser desmembrada.
Em sentido contrário e a fim de dirimir eventuais dúvidas quanto a quem deveria ser
consultada por ocasião dos plebiscitos, o art. 7º da Lei 9.709/98 esclareceu que a população
10
diretamente interessada é tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto à do território que
sofrerá desmembramento, isto é o remanescente.
A elaboração dos Estudos de Viabilidade Municipal é, sem dúvida, o aspecto mais
complexo na criação de novos Municípios, em razão dos estudos de viabilidade serem de ordem
econômica, financeira e técnica, não atendendo a critérios e interesses políticos e eleitoreiros. Os
referidos Estudos, provavelmente, chegarão a conclusão de que a maioria dos pretendentes à
emancipação não conseguiriam sobreviver somente com a arrecadação própria, ficando na
dependência dos repasses de verbas estaduais e federais.
Moraes (2011, p. 311) afirma que:
“proclamado pelo TRE o resultado negativo da consulta, a decisão tem eficácia
definitiva e vinculante da Assembleia Legislativa, impedindo a criação do
Município projetado, sob pena de inconstitucionalidade por usurpação da
competência judiciária. O plebiscito deverá ser realizado somente após a conclusão
desses estudos”.
Outro aspecto relevante consiste em que a consulta a toda a população já torna um fator de
limitação do processo emancipacionista, uma vez que a maioria da população interessada reside no
território remanescente.
Após a Emenda Constitucional 15/1996 foram criados 57 Municípios chamados de
putativos, cuja expressão “município putativo” foi utilizada pelo Ministro do Supremo Tribunal
Federal Eros Grau, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI
2240/BA, numa analogia ao casamento putativo, onde um cidadão casa ou constitui uma sociedade
de fato, sem validade jurídica, mas se sua constituição for de boa-fé, em homenagem ao princípio da
segurança jurídica, a justiça acaba lhe conferindo validade.
Em função da inexistência da Lei Complementar Federal, vários estados da Federação
legislaram sobre o tema e diversos municípios foram efetivamente criados após a EC nº 15/96,
violando frontalmente a regra do dispositivo constitucional, razão pela qual foram interpostas várias
Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADI, junto ao Supremo Tribunal Federal – STF. Ao final
dos julgamentos das ADIs o Tribunal julgou procedente as ações para reconhecer a mora do
Congresso Nacional estabelecendo prazos entre 18 e 24 meses para que este adotasse todas as
providências legislativas ao cumprimento da norma constitucional imposta pelo art. 18, § 4º, CF/88.
Diante da decisão do STF, o Congresso Nacional, em 18 de dezembro de 2008, aprovou a
Emenda Constitucional nº 57/2008, que dispunha em seu artigo 1º:
11
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido
do seguinte art. 96: Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e
desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro
de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à
época de sua criação.
A criação da referida Emenda foi, na verdade, um paliativo para a situação que ainda não
havia sido solucionada, tendo como origem a não promulgação de Lei Complementar Federal
relacionada ao $ 4º, art. 18, CF/88. O teor da Emenda apenas convalida os Municípios putativos, ou
seja, aqueles criados após a Emenda Constitucional 15/96 e até 31 de dezembro de 2.006.
O procedimento para a elaboração de uma Emenda Constitucional é muito mais complexo
do que o de uma Lei Complementar Federal. Para a aprovação desta última exige-se a aprovação da
maioria absoluta dos deputados e senadores, conforme disposto no art. 69, CF/88, enquanto que na
primeira “a proposta será discutida e vota em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, e
aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”, conforme o art. 60,
§ 2°, CF/88.
Para o Congresso Nacional obter quórum necessário à aprovação da Lei Complementar
necessita da concordância de 257 deputados e 41 senadores, ao passo que a Emenda Constitucional
requer a concordância de 308 deputados e 49 senadores, isto é, uma diferença de 59 membros, sem
considerar os demais requisitos legais.
3. A viabilidade de criação de novos municípios no Brasil
A criação de novos Municípios é um processo sem fim. O mesmo encontra-se paralisado em
virtude do Congresso Nacional ainda não ter criado a Lei Complementar Federal a que se refere o
art. 18, § 4º da CF/88. Na eventualidade de criação da referida lei muitos Distritos estarão se
articulando tendo em vista a possibilidade de tornar entes federados.
Em estudo realizado em 2008 pela Confederação Nacional dos Municípios – CNM junto as
Assembleias Legislativas de todo o país, foi constatado que existia na data da EC 15/96 418 Distritos
que pretendiam se emancipar legalmente tornando Municípios.
De acordo com Bremaeker (2002) existem, nos meios acadêmicos, políticos, técnicos e
midiáticos, muitas justificativas contrárias ao processo de emancipação de novos Municípios, entre
as quais estão a inviabilidade financeira e o alto custo que os mesmos representam para o País. Se
por outro lado for analisada a situação de cada comunidade interessada no processo verifica-se uma
opinião favorável.
Bremaeker (2001), em outro estudo, analisa que são diversas as causas que levam os
distritos a buscarem a sua emancipação política. Entre elas estão: a) os interesses político-
12
eleitoreiros, voltados para a obtenção de votos por parte dos defensores da emancipação; b) o
descaso por parte da administração do município de origem, que muitas vezes priva seus distritos de
serviços básicos como saneamento, postos de saúde, iluminação pública, energia elétrica e habitação;
ou ainda, contrapondo-se, a essa visão anterior; c) a existência de uma forte atividade econômica
local e uma infraestrutura de serviços tão satisfatória que já não se justifica a subordinação desse
distrito ao governo do município a que pertence e para a qual contribui com recursos próprios.
Ainda segundo o referido autor, que realizou outra pesquisa junto a Municípios e também
com aqueles de onde se originaram os novos Municípios mostra que em mais de 75% dos casos a
comunidade estava insatisfeita com a atenção que lhe era dada pelo Município de origem. A
emancipação pode representar para muitas comunidades o real acesso a diversos serviços a que
dificilmente teriam acesso.
O mesmo autor em outro estudo (Apud NUNES, 2001, p. 113) enfatiza que:
os pequenos Municípios brasileiros, até 10 mil habitantes, que constituem mais da
metade do total, ficam dependentes dos repasses das receitas do Governo Federal e
dos estaduais. O FPM é a principal fonte de receita de 73,9% dos Municípios de
pequeno porte, e para 14,2% o ICMS é a principal fonte de receita. Os pequenos
Municípios possuem uma receita tributária municipal pequena, devido ao fato de
suas populações serem predominantemente rurais e de os tributos passíveis de
cobrança serem eminentemente urbanos. Tributos como ISS, IPTU, ITBI, taxas e
contribuição de melhoria somente encontram significado em um ambiente urbano
expressivo.
Grande parte dos recursos financeiros municipais, sejam eles próprios ou repassados, são
gastos para manter a máquina administrativa ficando uma parcela insignificante para fazer frente a
novos investimentos em educação, saúde, infraestrutura, entre outros, a fim de possibilitar uma
melhoria na qualidade de vida da população.
A parcela do FPM destinada aos Municípios vem sofrendo constantes aumentos passando
de 5,0% em 1969 aos 23,5% desde 2008, inclusive encontra em estudo visando ser votada em breve
no Congresso Nacional uma proposta de elevação em 2% na parcela do referido fundo destinado aos
Municípios.
Essa crescente evolução nos percentuais é caracterizada como uma das razões pelo interesse
no processo de emancipação de Distritos. Por outro lado, quando se cria um novo Município faz-se
uma redivisão do montante de recursos a ser repartido, o que evidencia um valor menor a ser
recebido pelos demais. A criação de novos entes federados provoca um empobrecimento de todos.
Os pequenos Municípios contribuem muito pouco para a geração do FPM e acabam se
apropriando de parte substancial deste, em detrimento daqueles municípios que efetivamente
13
colaboraram para a composição do montante. Aqui há um aspecto interessante que é a transferência
de renda dos Estados e Municípios mais ricos para os mais pobres.
Recentemente o governo federal tem reduzido ou isentado o IPI sobre alguns produtos
industrializados, especialmente automóveis e eletrodomésticos da linha branca. Esse fator repercute
diretamente nas finanças dos Municípios menores e consequentemente os mais pobres, em razão da
redução no repasse do FPM. Isso mostra a fragilidade da saúde financeira desses Municípios cujo
recurso é a principal fonte de renda.
Como exemplo da viabilidade de criação de Municípios muitos políticos tem como
referência a criação do município de Juatuba, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte
(MG). No então distrito de Juatuba está instalada uma unidade da Cervejaria Brahama (atual AB-
Inbev) que contribuía com metade do orçamento de todo o município de Mateus Leme, por meio da
arrecadação do ICMS.
O novo Município foi criado em 1992 ficou com parcela significativa da arrecadação
deixando Mateus Leme numa situação critica e que só agora conseguiu recuperar sua economia. Esta
é uma situação de exceção, pois a regra geral é de criação de Municípios que não conseguem
sobreviver sem os recursos transferidos.
Em situação contrária, alguns pequenos Municípios dependem unicamente de uma atividade
econômica, seja turismo, mineração, agropecuária, etc. Entre esses Municípios está Fortaleza de
Minas (MG) com aproximadamente 4.000 habitantes, cuja atividade econômica principal é a
exploração de níquel, pertencente ao Grupo Votorantim. Em setembro de 2013 a empresa suspendeu
as atividades alegando redução nas exportações, em especial para a Finlândia e demitiu 400
funcionários, o que trará um prejuízo enorme nas finanças municipais, para o comércio local, além
do aspecto social com esse alto número de desempregados.
A composição das receitas municipais é bastante diferente segundo o tamanho de sua
população. Bremeker, (2013) observou em seu estudo que quanto menor a população do Município
maior é a dependência de transferência de recursos, seja do Governo Federal ou Estadual. Os
Municípios com população inferior a 50.000 habitantes dependem em 80% ou mais dos repasses de
recursos.
Outro aspecto que tem fomentado críticas é o fato de que o acesso indiscriminado aos
recursos do Governo Federal tem restringido os esforços das administrações municipais em atuarem
de maneira mais eficaz na expectativa de ampliar suas fontes de receitas, evitando-se o desgaste de
uma tributação mais ajustada. A criação de novos tributos pode tornar-se medida impopular e muitos
administradores não o fazem, em razão da possibilidade de perder votos em eleições futuras.
14
4. A proposta de criação de novos municípios no Brasil.
Desde a aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional 15/1996 o processo
de criação de novos municípios está praticamente paralisado.
Em 2002 começou a tramitar no Senado Federal o projeto de lei de autoria do Senador
Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Esse projeto já sofreu várias alterações visando a atender as
reivindicações da Confederação Nacional dos Municípios e recentemente foi aprovado pelo
Congresso Nacional, sendo enviado em seguida à Presidência da República para a sanção
presidencial.
O Projeto de Lei Complementar dispõe sobre o procedimento para a criação, a incorporação,
a fusão e o desmembramento de Municípios, cujo objetivo é regulamentar o § 4º do art. 18 da
Constituição Federal, merece destaque em alguns artigos.
4.1 Principais aspectos da Lei Complementar.
Após a sanção presidencial deverão ser observados os seguintes requisitos para a criação,
desmembramento, fusão ou incorporação de Municípios:
Conforme o art. 2º Lei Complementar:
Art. 2º: A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios
dependerão da realização de Estudos de Viabilidade Municipal – EVM e de consulta
prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, e far-se-ão
por lei estadual, obedecidos os prazos, procedimentos e condições estabelecidos
nesta Lei Complementar.
O plebiscito só poderá ser realizado após os Estudos de Viabilidade Municipal com parecer
conclusivo sobre a comprovação da existência das condições que permitem a consolidação e o
desenvolvimento dos Municípios envolvidos, conforme previsto no art. 6º.
Para dar início ao processo, o art. 5º dispõe:
Art. 5º: Os procedimentos para a criação, a incorporação, a fusão e o
desmembramento de Municípios terá inicio mediante requerimento dirigido à
Assembleia Legislativa do respectivo Estado, subscrito por, no mínimo:
I) 20% (vinte por cento) dos eleitores residentes na área geográfica diretamente
afetada, no caso da criação ou desmembramento de Municípios; e
II – 10% (dez por cento) dos eleitores residentes em cada um dos Municípios
envolvidos, no caso de fusão ou incorporação dos Municípios;
Parágrafo único. A base de cálculo dos eleitores residentes será o cadastro do
Tribunal Superior Eleitoral – TSE referente ao número total de eleitores cadastrados
na última eleição.
15
É imprescindível a realização de Estudo de Viabilidade Municipal conforme previsto no art.
7º:
Art. 7º - A elaboração dos EVM será precedida da comprovação, em relação ao
Município a ser criado e ao Município pré-existente, do cumprimento das seguintes
condições:
I – que tanto os novos Municípios quanto os Municípios pré-existentes possuam
população igual ou superior ao mínimo regional, apurado da seguinte forma:
a) verificação da média aritmética da população dos Municípios médios brasileiros,
excluindo-se do cálculo:
1. os 25% (vinte e cinco por cento) dos Municípios brasileiros com menor
população;
2. os 25% (vinte e cinco por cento) dos Municípios brasileiros com maior
população;
b) a partir da média aritmética nacional apurada com base na alínea “a” deste inciso,
consideram-se mínimos regionais:
1. regiões Norte e Centro-Oeste: 50% (cinquenta por cento) daquela média;
2. região Nordeste: 70% (setenta por cento) daquela média; e
3. regiões sul e sudeste: 10% (cem por cento) daquela média;
....
§ 1º - A revisão do limite populacional mínimo previsto no inciso I do caput será
realizada com base na taxa média geométrica de crescimento anual, considerando as
informações dos 2 (dois) últimos levantamentos censitários realizados pelo IBGE.
...
§ 4º - A comprovação do cumprimento das condições referidas no caput é requisito
indispensável para a realização dos EVM e para o prosseguimento do processo de
criação, incorporação, fusão e desmembramento dos Municípios.
Considerando a população brasileira divulgada pelo IBGE, Censo Demográfico de 2010, de
aproximadamente 190 milhões de habitantes, a população mínima exigida para a criação de
Municípios de acordo com o art. 7º, “b” seria de 6 mil, 8,4 mil e 12 mil, respectivamente, de acordo
com estudo realizado pela Câmara dos Deputados.
O surgimento de um novo Município pode inviabilizar o Município preexiste ou
remanescente nos aspectos populacionais e econômicos, razão pela qual a Lei Complementar proíbe
tais situações. Houve uma melhoria significativa em relação ao projeto de lei original que estabelecia
números absolutos de população.
O art. 8º dispõe:
Art. 8º - Os EVM devem abordar os seguintes aspectos em relação ao Município a
ser criado e ao Município preexistente:
I – viabilidade econômico-financeira;
II – viabilidade político-administrativa; e
III – viabilidade socioambiental e urbana.
§ 1º - A viabilidade econômico-financeira deverá ser demonstrada a partir das
seguintes informações:
I – estimativa projetada para o exercício de realização do estudo e para os 2 (dois
seguintes de:
16
a) receitas de arrecadação própria, considerando apenas os agentes econômicos já
instalados, com base na arrecadação dos 3 (três) anos anteriores ao da realização do
estudo, atestadas pelo Tribunal de Contas competente;
b) receitas de transferências federais e estaduais, com base nas transferências
recebidas nos 3 (três anos anteriores ao da realização do estudo, atestadas pelo
Tribunal de Contas competente; e
c) despesas com pessoal, custeio e investimento, dividas vencidas e restos a pagar,
com base nas despesas realizadas nos 3 (três) anos anteriores ao da realização do
estudo, atestadas pelo Tribunal de Contas competente; e
d) resultado primário, com base nos resultados dos 3 (três) anos anteriores ao da
realização do estudo;
II – indicação, diante das estimativas de receitas e despesas, da possibilidade do
cumprimento de aplicação dos mínimos constitucionais nas áreas de educação e
saúde e de atendimento na prestação dos serviços públicos de interesse local; e
III – indicação, diante das estimativas de receitas e despesas, da possibilidade do
cumprimento dos dispositivos da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000,
inclusive limites da dívida e das despesas com pessoal, pagamento de restos a pagar
e realização de gastos mínimos com saúde e com educação.
...
§ 3º - A análise de viabilidade político-administrativa deve observar a proporção
entre o número de servidores e a população estimada na área territorial dos
Municípios envolvidos, a partir das seguintes informações:
...
III – estimativa dos servidores permanentes lotados em unidades situadas na área a
ser desmembrada ou emancipada que serão transferidos ao novo Município;
§ 4º A viabilidade socioambiental e urbana deverá ser demonstrada a partir do
levantamento dos passivos e dos potenciais impactos ambientais e das seguintes
informações e estimativas, definindo-se preliminarmente qual Município deverá
assumir esses passivos:
...
II – diagnóstico da situação de continuidade da mancha de ocupação urbana e
dependência funcional entre os núcleos urbanos dos Municípios envolvidos;
...
V – perspectiva de crescimento demográfico;
VI – estimativa de crescimento da produção de resíduos sólidos e efluentes;
VII – identificação do percentual da área ocupada por áreas protegidas ou de
destinação específica, tais como unidades de conservação, áreas indígenas,
quilombolas ou militares; e
VIII – proposta de compartilhamento dos recursos hídricos e da malha viária
comum.
O projeto estabelece que os Estudos de Viabilidade Municipal devem demonstrar indicadores
objetivos que permitem aferir a viabilidade autônoma, a partir de critérios sócio-econômicos,
político-administrativos e socioambientais. Nos indicadores há a nítida preocupação com a qualidade
de vida da população, bem como o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Outro aspecto relevante é o que tem previsão no art. 9º, § 1º onde os EVM deverão ser
realizados, preferencialmente, por instituições públicas de comprovada capacidade técnica. Houve
uma preocupação importante no tocante à capacidade técnica, que provavelmente poucas
Assembleias Legislativas devem possuir.
17
4.2 Veto presidencial
De acordo com a CF/88, art. 66, caput o Projeto de Lei foi enviado à Presidente da República
para a sanção no caso de aquiescência. Para surpresa no meio político houve o veto total, onde a
Presidente considerou o projeto contrário ao interesse público, conforme dispõe o art. § 1º, do
mesmo artigo. Conforme previsão constitucional (art. 66, § 1º, parte final) a Presidente da República
enviou ao Presidente do Senado Federal, dentro do prazo de quinze dias úteis, mensagem
comunicando os motivos do veto, conforme publicada no Diário Oficial da União – DOU de
13.11.2013, Edição extra.
A Presidente da República após ouvir o Ministério da Fazenda manifestou-se pelo veto ao
projeto de lei complementar conforme as seguintes razões:
“A medida permitirá a expansão expressiva do número de Municípios no país,
resultando em aumento de despesas com a manutenção de sua estrutura
administrativa e representativa. Além disso, esse crescimento de despesas não será
acompanhado por receitas equivalentes, o que impactará negativamente a
sustentabilidade fiscal e a estabilidade macroeconômica. Por fim haverá maior
pulverização na repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios –
FPM, o que prejudicará principalmente os Municípios menores e com maiores
dificuldades financeiras”.
A preocupação da Presidente da República faz todo o sentido, uma vez que o próprio Senado
Federal estima que caso criada a nova Lei Complementar seriam aproximadamente 180 novos
Municípios, o que deveria gerar um impacto de R$ 9 bilhões de reais mensais aos cofres públicos,
recursos que sairiam do bolso do contribuinte já tão sacrificado pela alta carga tributária vigente em
nosso país.
Conclusão
A decisão da Presidente da República de vetar integralmente o Projeto de Lei
Complementar que regulamenta a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios
reacende o debate sobre um tema tão intrigante, que na realidade volta a estaca zero. Foi criada uma
expectativa muito grande no meio político e em diversas comunidades do país, diante da
possibilidade de emanciparem.
O veto presidencial teve o objetivo de evitar o surgimento de novos Municípios, que
acarretará mais despesas num momento que delicado que passa a economia brasileira, com
perspectivas de retomada da inflação e do baixo crescimento do Produto Interno Bruto.
É notório que a criação de novos entes federados traria benefícios aos partidos políticos, a
alguns grupos ou indivíduos que iriam ocupar um novo espaço no poder municipal. Em situação
18
contrária, a grande maioria da população seria penalizada, pois em última análise, seria a grande
responsável pela conta a ser paga.
Caberá ao Congresso Nacional, de acordo com a CF/88, art.66, § 4º, derrubar o veto no
prazo de 30 (trinta) dias contados a partir do seu recebimento, prazo este que se expira no próximo
dia 18 de dezembro. Não acreditamos que o Parlamento brasileiro adotará tal medida, considerando
que provavelmente estão mais preocupados com o recesso parlamentar que se aproxima.
Além disso, a derrubada do veto necessita de maioria absoluta dos integrantes da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, já que não há consenso entre os congressistas da real
necessidade de criação da lei abrindo a perspectiva de surgimento de novos Municípios.
Referências bibliográficas.
BAUER, Ana Patrícia. O processo emancipatório de Westfália (RS): o papel das lideranças políticas locais.
2009, 169 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2009.
BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Rio de Janeiro, 1824.
Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao> Acesso em: 10 out. 2013.
________. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Rio de
Janeiro, 1891. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao> Acesso em: 10 out.
2013.
_______. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil 1934. Rio de
Janeiro, 1934. Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao> Acesso em: 10 out.
2013.
_______. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Rio de Janeiro, 1937.
Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao> Acesso em: 10 out. 2013.
_______. Constituição (1946); Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Rio de Janeiro, 1946.
Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao> Acesso em: 10 out 2013.
_______. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Brasília. 1967.
Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao> Acesso em: 10 out. 2013.
_______. Constituição (1988); Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
Disponível em <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/constituicao> Acesso em: 10 out. 2013.
________ Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969. Brasília, 1969. Disponível em
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc1> Acesso em: 10 out. 2013.
________ Emenda Constitucional n° 15, de 12 de setembro de 1996. Brasília, 1996. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc15.htm. Acesso em: 23 nov. 2013.
19
________. Emenda Constitucional nº 57, de 18 de dezembro de 2008. Brasília, 2009. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc57.htm>. Acesso em: 28 nov. 2013.
______. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm. Acesso em: 19 nov. 2013.
_______. Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm. Acesso em: 23 nov. 2013.
_______. Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm>. Acesso em 30 nov. 2013.
_______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 20 nov. 2013.
______. Lei Complementar 01, de 09 de novembro de 1967. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp01.htm. Acesso em: 20 nov. 2013.
______. Mensagem nº 505, de 13 de novembro de 2013. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Msg/Vet/VET-505.htm>. Acesso em 25 nov.
2013.
______. Senado Federal. Substitutivo da Câmara ao Projeto de Lei do Senado nº 98, de 2002
(Complementar) (nº 416/2008 – Complementar, naquela casa). Disponível em
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=129649&tp=1. Acesso em 15 out. 2013).
BREMAEKER, François E. J. Alterações territoriais ocorridas em 2001. Série Base Territorial, nº 10. Rio
de Janeiro, IBAM, 2002.
______. Evolução do quadro municipal brasileiro no período entre 1980 e 2001. Série Estudos Especiais nº
20. IBAM, Rio de Janeiro. 2001.
______. Os Municípios brasileiros. Bremaeker serviços de consultoria em assuntos municipais Ltda. Disponível em
http://www.oim.tmunicipal.org.br/abre_documento.cfm?arquivo=_repositorio/_oim/_documentos/03D30F80
-953C-60C4-2457168B2D0B753A18102013050812.pdf&i=2540. Acesso em 01 dez. 2013.
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 6. ed., Belo Horizonte, Del Rei, 2006.
CNM. Emancipação político administrativa de distritos brasileiros – 418 distritos aguardam
emancipação. CNM. Brasília. 2008. Disponível em http://www.cnm.org.br> Acesso em 01 nov. 2013.
FAVEIRO, Edison. Desmembramento territorial: o processo de criação de Municípios - Avaliação a partir
de indicadores econômicos e sociais. 2004, 253 p. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2004.
IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em <http://www.censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em 20 nov.
2013.
20
JANOTTI, Maria de Lourdes M. O Coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo, Brasiliense, 1981.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o Município e o regime representativo no Brasil. 7. ed.,
São Paulo, Companhia das Letras, 2012.
LORENZETTI, Maria Sílvia Barros. Criação, incorporação, fusão e desmembramento de
Municípios. Consultoria Legislativa. Estudo Julho 2003. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003.
Disponível em <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-
pesquisa/publicacoes/estnottec/pdf/305317.pdf. Acesso em 29 nov. 2013.
MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16. ed., São Paulo, Malheiros, 2008.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed., São Paulo, Atlas, 2008.
NUNES, Marcos Antônio. Estruturação e reestruturações territoriais da região do Jequitinhonha em
Minas Gerais. 2001, 219 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências , Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.
PINTO, Georges José. Do sonho à realidade: Córrego Fundo – MG: Fragmentação territorial e criação de
municípios de pequeno porte. 2003. 248 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geografia,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2003.
TOMIO, Fabrício Ricardo de Limas. A criação de Municípios após a Constituição de 1988. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, vol. 17. nº 48. Disponível em
http://socialsciences.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&%20pid=S0102-
69092005000100008&%20lng=pt&%20nrm. Acesso em 30 nov. 2013.