theml, neyde. mito e rito de fundação da realeza dos macedônios
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7/17/2019 THEML, Neyde. Mito e Rito de Fundao Da Realeza Dos Macednios
1/10
HVMANITAS
Vol.XLVII (1995)
N E Y D E T H E M L
Universidade Federal do Rio de Janeiro
TEMENIDAS H E R O D O T I A N O :
M ITO E RITO
DE FUNDAO DA REALEZA DOS M AC ED NIOS:
O
PASSADO PRESENTE
Nas His t r i as , l i v ro VI I I , 137-138 , Herdo to
1
relata a fundao da
r e a l e z a d o s M a c e d n i o s . E l e a p r e s e n t a t r s i r m o s d a l i n h a g e m d e
Hracls , que fugindo de Argos para o ter r i tr io dos I l r ios , chegaram a
Lba ia , na
Macednia
Super ior (Argos Orest ikon) e a servi ram, ao re i
(|3a
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72 NEYDE THEML
refletia no cho:
O
misths merecido por vs este que vos dou
(Herdoto.VIII. 137. 20-21).
Os dois irmos mais velhos permaneceram imveis mas Prdicas,
que por acaso (zv ti) trazia sua faca (u m.p), aceitou a pro pos ta ecom
a ponta da faca traou um crculo em volta da mancha do sol no cho e
fez por trs vezes um gesto como se estivesse recolhendo os raios do sol
e os levasse para seu bolso, formado por sua tnica e a seguir se retirou
comseus irmos.
Aps a partida dos trs pastores, uma das pessoas presentes e prxi
mo do reichamou-lhe a ateno da gravidade do fato de o pastor ter rece
bido o presente.
O
rei transtornado mandou alguns cavaleiros perseguirem
e matarem os irmos pastores.
Existe, porm, naquele territrio um rio, o qual os descendentes
destes pastores, vindos de Argos e de Hracls, oferecem sacrifcios
como salvador (cxffrrrjpi). Este rio, logo que os Temnidas passaram, se
enchera de tal forma que impossibilitou os cavaleiros (innac,), de
Lbaia, passarem.
Os fugitivos chegaram a outra regio daMacednia e l se instala
ram perto dos jardins conhecidos por Jardms de Midas, onde crescem
rosas com sessenta ptalas cada uma mais perfumadas que as outras.
Nesses jardms, segundo contaram os macedonios para Herdoto, a fora
capturado Sileno. Acima dos jardms existe uma montanha chamada de
Bermion, onde um inverno perene a cobre de gelo e a torna inacessvel.
Os Temnidas conquistaram esta regio e subjugaram o resto da
Macednia.
Procuramos analisar este relato estabelecendo toda uma rede de
representaes culturais possveis que o texto pudesse remeter, a fim de
entendermos porque Herdoto escreve sobre a fundao da realeza dos
Macedonios.
Herdoto nos relata uma tradio mtica de fundao da realeza dos
Macedonios da casa dos Argeadae/Temenidae.
No texto esto presentes as foras da natureza, os gestos rituais, e os
valores culturais correspondentes a formao da realeza.
Tentaremos uma explicao do sistema cultural que este mito evoca,
pois consideramos que o aspecto religioso foi fundamental para garantir a
autoridade dos reis dos
Macedonios
e ao mesmo tempo possibilitava
Herdoto a operar com os elementos de identidade
helnica.
O
primeiro elemento do mito o Sol. A abboda celeste e a Terra
foram objeto de ateno dos Helenos e delas partiram as especulaes e
representaes simblicas.
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TEMENIDAS
HERODOTIANO:
MITO E RITO 73
Osigno solar
3
estabelece naturalmente uma rede simblica no imagi
nrio helnico.
O
Sol remete a
ideia
de crculo e de universalidade.
Atravs da presena do Sol, um grande crculo, se dava o dia e a luz, a
sua ausncia correspondia a noite e o escuro. Pela posio do Sol no cu
e seu caminho imortal do leste para o oeste o homem determinava a sua
prpria posio na Terra, estabelecendo a espacialidade e temporalidade
humana (alto/baixo - mortal/ imortal).
O Sol como um grande olho que tudo v e porque tudo v justi
ceiro, sbio e soberano. Os raios solares so resplandecentes, brilhantes,
preciosos como o ouro. Assim, o crculo solar remete a ideia de coroa e
diadema real. A cor prpura da aurora e do poente majestosa, soberana,
imortal, pois controla o despertar e o descanso dos homens, dos animais e
do ciclo das plantas.
O Sol soberano, a direita, o masculino, o pai e celestial.
Sendo assim a representao do crculo e da cruz gamada para direita, que
aparece na cermica dos stios de Vergina, solar, soberana, real e conota
movimento.
O crculo associado ao Sol representa: medida, ordem, harmonia,
vigilncia, justia, soberania, fertilidade e fecundidade.
O sol que entrava pela chamin por onde saa a fumaa da casa nos
indica a presena do fogo da casa (Htia domstica), lugar central, lugar
de unio dos membros da famlia, lugar sagrado (dentro - fora).
O rio est ligado, ao mesmo tempo, as representaes da terra
(baixo) e as guas (movimento, purificao)
4
. Os dois elementos unidos
reforam a ideia de fertilidade, fecundidade, purificao, comunicao e
limite. Devemos nos lembrar que os ritos de purificao eram realizados
com gua pura ou fogo puro.
Os jardins remetem imediatamente aos perfumes. O perfume repre
senta a sublimao da matria, a presena concreta do invisvel, do ina
cessvel e a expanso das coisas infinitas
5
.
Os odores suaves permitem pressentir uma terra bem-aventurada, de
eterna primavera e ao mesmo tempo se relacionam com os deuses e seus
alimentos divinos, o nctar e aambrosia perfumadas.
3
Hesodo. T.D. v.383,395,575,585; Heraclito. Frag. 67,94,100,101,103,120;
Parmnides. Frag. l.IX-X;Homero.Iliade.X XI.80-81.
4
Hesodo.T.D.v. 755-760.
5
Anacreonte. IX, XX XIX ; Plato.Fedro230b.; Plato.
Timeu
66-67; Heraclito.
Frag. 98;
Xenfanes
de
Colofon.
1 D; Aristfanes.As Aves. (d. Garnier. p. 311-312).
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O perfume das rosas, associado a Sileno, companheiro de Dionisos,
evoca o vinho e os odores embriagantes. Entendia-se que os odores das
flores, dos frutos e do vinho penetravam nos sentidos, incitavam a imagi
nao, liberavam a alma e a tornavam leve como os pssaros
6
. Herdoto
faz uma associao entre os nomes dos pastores
com
duplo de aves:
mocho, abelheiro e perdiz.
Os perfumes ainda propiciam por sua seduo a embriaguez, a distin
o e o reconhecimento do eu e do outro.
Os perfumes purificam, embelezam, despertam os sentidos e sedu
zem. Os jardins com rosas reafirmam e ratificam a mensagem dos odores
e, ao mesmo tempo, as rosas remetem a
ideia
de crculo, e as ptalas a de
raios solares.
O
sol e as rosas associados tornam os perfumes mais fortes
e reforam o carter solar da soberania real de um reino forte, frtil sobre
a orientao de Apolo e Dionisos.
Herdoto poderia somente relacionar os Jardins de Midas com o rapto
de Sileno que j nos induziria as relaes de perfume, alteridade e presen
a do invisvel. Mas o historiador reforou a imagem dos odores atravs
das rosas extraordinariamente grandes e as mais perfumadas. Com isso ele
entrelaa os elementos do mito: Sol, crculo, perfume e anuncia o invis
vel,
o outro, o que est por se criar: o reino e a realeza dos Macednios.
Continuando a anlise relacional do mito dos Temnidas herodotiano,
que pretende mostrar que cada elemento evoca o outro, formando um rela
to cuja mensagem era imediatamente compreendida, por seus contempor
neos. Vimos que Prdicas por acaso trazia a sua faca e com ela fez um cr
culo no cho e por trs vezes levou os raios solares para seu bolso. Com
este gesto ele subtraa a soberania do rei de Lbaia. Um companheiro do
rei compreendeu a linguagem gestual e advertiu ao rei. Prdicas, o irmo
mais moo, se apossava dos atributos solares ritualmente e se investia reli
giosamente de autoridade e soberania. Para garantir estes poderes ao irmo
mais moo, o rio o protegeu enchendo-se e impedindo a passagem dos
companheiros do rei de Lbaia, marcando para o Temnida a primeira
fronteira do novo reino que fora anteriormente anunciado.
Os nomes dos trs pastores significavam aves e unidos aos animais
domsticos, responsveis pela riqueza, poder e nutrio qualificavam a
atividade pastoril: mocho/cavalo; abelheiro/boi e perdiz/ovelha-cabra. Este
conjunto nos remete ao cu e a terra, a cultura e a natureza, o domstico e
o selvagem.
6
Alcman Frag. 6 (92 d); Apolodoro. Biblioteca I. 9.11, Hesodo. TD . v.
564/575;
675/680; 800/805.
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TEMENIDASHERODOTIANO: MITO E RITO 75
As aves, na cul tura
helnica ,
eram associadas ao cu. As asas eram
s m b o l o s d e p u r e z a , v e r t i c a l i z a o , c o m u n i c a o ( s a g r a d a e p r o f a n a ) ,
t ranscendncia e de conhecimento de acontecimentos distantes.
O voo dos pssaros era um indicat ivo das estaes do ano, constan
t es , simtr icas, reversveis e c i rculares. As asas e a ver t ical izao refor
am as imagens do cu, do Sol , do fa lo e do pr incpio mascul ino.
A montanha pe renemente ge l ada marcava o segundo l imi t e na tu r a l
do reino: um obstculo , uma f rontei ra in t ransponvel
7
. A montanha a inda
conota dois t ipos de
ideias,
de um lado: abrigo e refgio, e de outro: sel
vagem, est rangeiro e fora da ordem cul tural . Como o re la to t ra ta de t rs
pas to r es , a montanha passa t ambm a se r en tend ida como lugar de encon
t ro .
Devemos lembrar que as t r ibos de pastores macednicos eram t ransu-
man tes , v ivendo duran te o ve ro nas montanhas e no inverno d i sper sos
nas plancies
(X-VIII sc .
a.C) . A t r ansumnc ia pas to r i l l evava os pas to
res a protegerem seu gado durante o vero nas montanhas propiciando o
encontro e a reunio dos diversos grupos. Neste aspecto a cabra foi o ani
mal de escolha sacr i f ic ia l na medida que une a montanha e a p lancie .
A cabra o nico animal que vive tanto nas a l tas col inas quanto na plan
cie . A cabra no rela to est l igada a Prdicas, por tanto o pastor que faz a
un io . Mas aque la montanha pe renemente ge l ada e r a uma f ron te i r a .
At ento o re la to jogou com as re laes ent re o homem e a natureza:
cu, Sol (alto) , r io, terra (baixo), na mesma diviso espacial: aves e gado.
Herdoto, porm, incluiu e lementos cul turais ta is como : os nmeros,
a faca e o po.
As rosas possuam sessenta ptalas , v imos acima as l igaes das f lo
res com os per fumes, as rosas e as ptalas com o c rculo , com o Sol e com
o diadema real . Todos estes s mbolos l igam a soberania do rei soberania
celeste , mascul ina, capaz de promover a fer t i l idade e fecundidade eterna.
(Na verdade as regies entre os r ios
Axios
e Hal icmon so r icas. )
A espec i f i cao das sessen ta p t a l as co inc ide com o conhec imen to
que se tem hoje , de que na
Macednia
as rosas so grandes e que pos
suem t r in t a p t a l as
8
. S e n d o a s s i m , H e r d o t o u s o u o n m e r o com u m
valor qual i ta t ivo. Conhecendo a matemt ica e a geometr ia p i tagr ica , quis
passa r a mensagem de va lo r e no de quan t idade . Pa ra os p i t agr i cos
9
o
7
Plato.Timeu 59 d; Aristfanes.Acarnianos (Gamier p. 11).
8
N.G.L. Hammond. The Macedonian State: The origins, Institutions and
History. Oxford: Clarendon Press Oxford. 1989. pp. 4-8.
9
Antoine Fabre-D Olivet. Les Vers dors de Pythagore. Paris: Henri Veyrier,
1991, pp. 24-29; Plato. Timeu. 57 d/58, 62d/63d; Aristteles. Sur la Nature. 3.
194b.16; 9. 199b. 34.20.
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nmero estabelece a percepo das relaes entre as coisas e as
ideias.
Atravs dos nmeros o homem obtm a noo de relao, proporo, har
monia, ritmo e forma. Os nmeros eram princpios eternos, agentes de
liberao, iniciao, beleza e justia.
Atravs dos nmeros se constri formas tais como: o crculo, o trin
gulo,
o quadrado e se produz sons e ritmos. A msica como os perfumes
seduz, embriaga, libera o homem das sanes e interditos.
Dos quatro raios do crculo se obtm a cruz gamada para direita, sm
bolo da realeza dos Macednios. Este smbolo era um referencial espacial-
temporal solar, indicando as quatro direes e as quatro estaes do ano
10
.
Os pastores transumantesmacednicos possuam um calendrio bem
marcado, na lua nova em outubro, no outono os pastores migravam para
as plancies, na primavera eles saam dispersos na plancie e retomavam o
caminho das montanhas e a passavam o vero.
Os nmeros que encontramos nos relatos nos levaram a outras rela
es de equivalncia. Com a triangulao do crculo se obtm os polgo
nos e o hexgono a forma dos cristais , da neve na montanha perene
mente gelada.Com os nmeros se obtm os ritmos e os acordes musicais
que encantam e elevam o homem. A msica e a sonoridade esto ligadas
a palavra, a fala, a cultura e a comunicao. Apolo o deus da msica, da
palavra harmnica, da palavra oracular e deus
solar
lz
.
Apolo e Dionisos
se completam na mentalidade helnica e fazem parte da cultura dos
Macednios
13
.
Pelos atributos dos nmeros e sua vertente solar apolnea poderemos
entender as variantes do mito de fundao da realeza dos Macednios,
atravs dos relatos de Higino, Diodoro da Siclia e Justino, onde Apolo
oracular e o animal guia, a cabra, esto explcitos nestes textos.
O
outro elemento do mito ligado ao espao da cultura a faca.
A faca uma criao cultural, faz parte da esfera social. Ela a arma de
defesa do jovem que se prepara para o rito de passagem da juventude,
livre das regras e dos interditos para idade adulta, da obedincia e das
obrigaes. A faca por sua vez um instrumento de sacrifcios, que per-
10
Manol is Andro nicos.
Vergina. The royal tombs.
Athens: Ekdot ike Athenon
S.A. 1984. pp. 195/195.
11
Mati la C. Ghyka.
Le nombre
d or.
Paris: Gallimard, 1959, pp. 34/ 37.
12
Georges Dum zi l .
Apollon Sonore et autres essais:
Esquisses de Mythologie .
Paris:
Gallimard, 1982. pp. 23-41.
13
N.G.L . Hamm ond.
The miracle that was Macedonia.
New York: St . Mart in ' s
Press, 1991, p. 95.
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TEMENIDAS
HERODOTIANO:
MITO E RITO 77
mite criar um espao sagrado que possibilita o homem comunicar-se
com
o divino. A faca um utenslio de cozinha (cru e cozido) e propicia as
refeies comuns que por sua vez indica solidariedade, hospitalidade, inte-
rao e comunicao.
O ato ritual de Prdicas, o irmo mais novo, considerado pela his
toriografia como sendo aquele que possui funes religiosas enquanto que
o irmo mais velho teria funes guerreiras
14
. Pois bem, Herdoto descre
ve o rito de Prdicas que anunciava a fundao de Aigai. Ao recortar com
a faca trs vezes em crculos, os raios de sol e deles se apossar, Prdicas
realizava gestos, comunicando por mmica, que estava praticando um ato
religioso inaugural e transmitia que havia uma ideia anterior, a saber, a
manifestao e nomeao do reino que iria fundar. Isto significa que antes
de criar e nomear o reino, Prdicas o concebeu com o favor dos deuses, o
mostrou simbolicamente atravs de gestos reconhecveis por seus contem
porneos e concedeu aos seus gestos a autoridade necessria a fundao
do reino e ao exerccio do poder real. Em outros documentos textuais
observamos que mais tarde o protocolo ritual dos reis dos Macednios era
fundamental para manuteno da autoridade do rei e da casa real dos
Argeadae/Temenidae
l3
.
Finalmente o po que se duplica nas mos de Prdicas. O po nutre
o homem, graas a abundncia de Demter. O po estabelece e mantm
os laos de solidariedade social atravs das refeies que se fazem em
comum na famlia ou entre amigos e hspedes nos simpsios.O po est
na ordem da cultura, ele foi criado pelo homem, com a ajuda dos deuses,
assim como a domesticao das plantas, dos animais, da tecelagem, do
fogo,
da cermica e da fabricao dos metais. A dieta do po, do vinho,
do azeite e do cozimento dos alimentos indicava a identidade cultural com
os Helenos. Por esta razo Herdoto em outra passagem categrico em
afirmar que Alexandre I heleno assim como os Macednios.
A duplicao do po nas mos de Prdicas nos induz que o rei da
Macednia
unia suas atribuies
jurdicas-religiosas
s atribuies polti
cas. Ele alm de pr tudo em ordem, por tudo ver, propicia a unio e a
solidariedade social, a fertilidade e a fecundidade do reino.
O relato de Herdoto concedia ao rei dos Macednios poder e autori
dade para gerenciar os conflitos que advm da passagem de uma socieda-
14
V.V. Ivanov. L'asym trie des oppositions smiotiques universelles. In:
Travaux sur lessystmes de signes.
Bruxelles:
Editions
Complexes. 1976, pp.
52-53.
13
Carlo Ginzburg. Apontar e Citar: A verdade da Histria.
Revista
de
Histria.
Campinas, IFCH,n.2/3, 1991,pp. 91-106.
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de de chef ias para uma sociedade onde se processa a emergncia de uma
el i te ar is tocrt ica guer rei ra t radicional que se organiza pol i t icamente em
forma de realeza
1 6
. Estes conf l i tos aparecem pelas oposies: marginal iza-
o- in t eg rao , au tonomia-un i f i cao , pa r en tesco-comunidade , i gua ldade-
desigualdade e autor idade-subordinao, sagrado-profano
.
O
mito foi nar rado a Herdoto, na
M a c e d n i a ,
durante o re inado de
Prdicas I I , f i lho mais velho de Alexandre I . Nesta ocasio Prdicas I I
precisava reforar os laos de sol idar iedade social e manter unidos a casa
real dos Argeadae-Temenidae e o prpr io re ino.
Herdo to r esga ta a t r ad io macedn ica do mi to dos t r s i rmos pas
tores
18
, reforando a au to r idade dos r e is dos Maced n ios em to rno de
uma casa real , de descendncia herica-guerrei ra e c ivi l izadora.
Compreendemos o r e l a to de Herdo to como uma exp l i cao m t i ca
do
fenmeno
de passagem de uma soc iedade s imples o rgan izada em che
f ia para a emergncia de uma sociedade complexa em forma de realeza.
Na sociedade do t ipo t radicional s imples, as re laes sociais se pro
cessam por nveis de associaes no in ter ior da sociedade global com cen
t r o s p o l t i c o s m v e i s . S e n d o a s s i m , p o d e m o s i n t e r p r e t a r q u e o s t r s
i rmos pastores estar iam se re lacionando at ravs de a l ianas que se efetu-
aram
por ter os t rs i rmos conhecimento das tcnicas pastor is .
O
rei de
Lbaia ent regava a sua r iqueza (gado) e da comunidade homens reco
nhecidos como capazes de preserv- la e ampl i- la .
Os t rs Temnidas possuam uma si tuao de est rangeiros /a l iados/ ser
vidores/ pastores do rei at que o rei no cumpre sua obrigao pagando os
mistho, com isso, leva Prdicas a subtrair os raios de sol atingindo a sobe
rania real e t ransformando os t rs pastores em est rangeiros / in imigos
19
.
Devemos nos lembrar que a economia agro-pastor i l , nas sociedades
t radicionais s imples ou complexas, se desenvolve paralelamente a t iv idades
tcnicas re lacionadas a produo e a defesa. Ao lado da cr iao se estabe
lece tcnicas l igadas a reproduo dos animais , de tosquiamento, de cru
zamento, de cast rao, de tecelagem, de const ruo de cur rais , de estbu-
16
C. Renfrew.
L'nigm e indo-europenne : Archologie et langage.
Paris:
Flammarion, 1990,passim.
17
Barbara Cassin et
al.,
Gregos, Brbaros, Estrangeiros: A cidade e seus
outros.Rio de Janeiro: Editora 34,
1993.
passim.
18
Franoise Bad er. De la prhistoire l 'idolo gie tripartie: les travaux
d'Herakls. In: D'Herakls Posidon Mythologie et Protohistoire. Paris: Librairie
Champion, 1985, pp. 9-124.
19
Ibidem.
-
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TEMENIDAS HERO DOTIAN O: MITO E RITO 79
los, de atrelagem, de drenagem de pntanos, de irrigao, de fabricao de
queijos e iogurtes.
Paralelamente ao crescimento dos meios de produo, cresce a ativi-
dade guerreira, preparando a sociedade para defesa do animal nutridor,
contra roubo, contra animais ferozes, contra ocupao dos pastos. Logo,
os pastores guerreiros, armados, chefes de grupos ou tribos pastoreiam seu
gado e protegem as comunidades agrrias das plancies.
A atividade guerreira passa a servir e proteger a atividade produtora.
Sendo assim, os trs irmos pastores no seriam trs pessoas, mas trs
chefes de tribos que se deslocavam com seu rebanho e o aumentavam
atravs de prestao de servios criadores/agricultores.
A hiptese de trs tribos para os trs pastores tem como argumento a
indicao de Herdoto da organizao dos Drios (trs rArx) e no texto
que analisamos fica implcito o rito da criptia. A mesma concluso
encontramos nos historiadores Sergent e
Borza
20
.
A afirmao de que o relato trata da emergncia de uma elite herica
guerreira que promove a formao da realeza dos Macednios advm da
descendncia dos Temnidas.Hracls evoca a poca em que a criao de
gado passava da transumncia a sedentarizao.
O
processo de sedentariza-
o pressupe o conhecimento das tcnicas que citamos acima aliadas as de
adubar, irrigar, emprego de animal de tiro, preparao de farinhas, constru
o de casas ou seja im plica na especializao e diversificao social do tra
balho. A complexidade social por seu lado gera a necessidade da escolha de
um centro poltico e de uma nova forma de organizao do poder poltico.
Prdicas, sendo descendente de Hracls, heri civilizador, reativa o
mito dos estbulos de Augias, mas dando um novo significado ao exerc
cio do poder. No mito
Hracls
pastoreia o rebanho do rei em troca de
uma recompensa, segundo Apolodoro
21
este misths se traduzia no dzi
mo do rebanho ou numa parte do territrio. Hracls recebe do rei a re
cusa do pagamento e responde com o recurso da guerra. Prdicas diferen
temente de seu ancestral e por conhecer a tradio submete a atividade
guerreira ao poder simblico/religioso. Quando Prdicas aceita recolher os
raios de sol do rei de Lbaia, ele optou fazer a sntese dos poderes mili
tar/poltico/religioso.
20
B. Sergent . As primeiras civilizaes. Os
Indo-Europeus
e os Semitas.
Lisboa: Edies 70, 1990; E.N. Borza.
In
the shadow of Olympus. The emergence of
Macedon. Princeton: Princeton University Press, 1990, p. 84.
21
Apolodoro.Biblioteca. Livro II. 5.5.
-
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Sendo os Temnidas descendentes de Hracls, podemos ainda
encontrar aspectos interessantes de representao cultural.
Hracls
um
heri solitrio, caador, guerreiro, vencedor de monstros, vencedor de ani
mais selvagens, civilizador que combate com a fora de seus msculos, na
maioria de seus trabalhos. Sua panplia denota uma cultura anterior a da
utilizao dos metais. Hracls tem como virtudes a coragem, a fora e
seus trabalhos, em sua maioria estavam vinculados a implementao do
pastoreio e da agricultura. Numa de suas viagens a Rodes,Hracls desta
ca as relaes de equivalncia entre - Homem/ cultura/ sacrifcio/
22
.
Graas aHracls os homens reconhecem, pelos ritos de sacrifcio do
boi,
que so produtores de alimentos: cereais e carne de animal domsti
co.
Ao aprender a sacrificar os animais aos deuses, o homem se destaca
da vida selvagem e do nomadismo. Os ritos de sacrifcio dos animais
transformam a carne em alimento.O homem diante da fome produz e no
pilha. Para se alimentar cozinha e no devora.
Hracls, ao submeter a morte do animal domstico que trabalha no
campo ao lado do homem, s regras rituais, fez com que o homem reco
nhecesse ser um produtor de alimentos, um ser cultural e comunitrio.
Os Temnidas herodotianos, descendentes de Hracls, conotam uma
ao civilizadora entre populaes que habitavam as regies entre os rio
xios e Halicmon, isto , os Macednios pastores iniciaram um processo
de dominao/subordinao entre pastores e agricultores, centralizando a
autoridade de chefes locais em torno da Casa real dos Argeadae
/Temenidae , de descendncia ancest ra l , herica e c iv i l izadora .
Transformaram Aigai num centro poltico fixo e a cabra no animal de
sacrifcio comum.
Observamos atravs da anlise do relato de Herdoto relativo a fun
dao da realeza dos Macednios, que os elementos remetem a uma rede
interligada de conexes culturais helnicas que eram capazes de serem
compreendidas por aqueles que tiveram acesso ao relato por terem ouvido
ou lido. Por estas razes ficou claro para ns que a histria da fundao
da realeza dos Macednios foi compreendida pelos Helenos como sendo a
sua histria passada. A realeza do tempo dos ancestrais, herica, guerreira
e sagrada nada mais era que o passado presente, na
Macednia ,
dos
Helenos
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