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Recife 2015 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Considerações acerca da Constitucionalidade dos Requisitos Legais impostos para o gozo da Imunidade Tributária das Entidades Beneficentes de Assistência Social THAMINNE NATHÁLIA CABRAL MORAES E SILVA

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Recife 2015

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Considerações acerca da Constitucionalidade dos Requisitos Legais impostos para o

gozo da Imunidade Tributária das Entidades Beneficentes de Assistência Social

THAMINNE NATHÁLIA CABRAL MORAES E SILVA

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Recife 2015

THAMINNE NATHÁLIA CABRAL MORAES E SILVA

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Considerações acerca da Constitucionalidade dos Requisitos Legais impostos para o

gozo da Imunidade Tributária das Entidades Beneficentes de Assistência Social

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito. Área de concentração: Jurisdição e Processo Constitucional. Linha de pesquisa: Estado, Constitucionalização e Direitos Humanos. Orientador: Prof. Dr. Francisco Ivo Dantas Cavalcanti.

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Catalogação na fonte Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832

S586p Silva, Thaminne Nathália Cabral Moraes e

Princípio da legalidade: considerações acerca da constitucionalidade dos requisitos legais impostos para o gozo da imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social. – Recife: O Autor, 2015.

145 f. Orientador: Francisco Ivo Dantas Cavalcanti. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.

Programa de Pós-Graduação em Direito, 2015. Inclui bibliografia. 1. Legalidade (Direito) - Brasil. 2. Legislação - Brasil. 3. Direito tributário -

Brasil. 4. Brasil. [Constituição (1988)]. 5. Imunidade tributária - Brasil. 6. Assistência social - Legislação - Brasil. 7. Associações sem fins lucrativos - Brasil.

8. Contribuições para a seguridade social - Brasil. 9. Previdência social - Legislação - Brasil. 10. Direito constitucional - Brasil. 11. Fundações e instituições beneficentes - Brasil. I. Cavalcanti, Francisco Ivo Dantas (Orientador). II. Título.

343.8104 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2015-002)

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Thaminne Nathália Cabral Moraes e Silva

“Princípio da Legalidade Considerações acerca da Constitucionalidade dos Requisitos

Legais Impostos para o Gozo da Imunidade Tributária das Entidades Beneficentes da

Assistência social”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências

Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco PPGD/UFPE,

como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Ivo Dantas Cavalcanti.

A banca examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,

submeteu o candidato à defesa, em nível de Mestrado, e o julgou nos seguintes termos:

MENÇÃO GERAL: APROVADA

Prof. Dr. Francisco Ivo Dantas Cavalcanti (Presidente/UFPE)

Profa. Dra. Ingrid Zanella Andrade Campos (1ª Examinadora externa/UFPE)

Julgamento: APROVADA Assinatura: ____________________________________

Prof. Dr. Sérgio Torres Teixeira (2ª Examinador externo/UFPE)

Julgamento: APROVADA Assinatura: ____________________________________

Prof. Dr. Michel Zaidan Filho (3ª Examinador interno/UFPE)

Julgamento: APROVADA Assinatura: ____________________________________

Recife, 30 de janeiro de 2015.

Coordenador Prof. Dr. Cláudio Roberto Cintra Bezerra Brandão.

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Sonhos não têm líderes. Têm, às vezes, arquitetos do imaginário, (ir)responsáveis a criar possibilidades que podem, ou não, incendiar a imaginação de outros construtores de imaginários, e fazer-lhes dedicar anos, às vezes décadas, de suas vidas, a possíveis futuros. Os sonhadores, em coletivo, podem tornar possíveis as mais delirantes e improváveis imaginações. Nada resiste ao trabalho - e à persistente paciência - dos sonhadores. Nada. Mesmo que eles desapareçam; como todos os humanos, finitos, somem algum dia, mas seu sonho fica. Apropriado por quem um dia, também, sonhou que podia. Fazer, até porque não sabia que era impossível. Pequenos conjuntos de atores, periféricos às vezes, mas dedicados a causas nas quais acreditam piamente, causas-sonho, são os motores das mudanças do mundo. Até porque, ingênuos e inocentes, na maioria das vezes, não sabiam, quando o sonho estava desembarcando de suas consciências, que era impossível fazer. Às vezes, era impossível começar. Sem saber, começaram e tentaram tanto, com tanto afinco, que chegaram lá. Em algum lugar”. Silvio Meira.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me proporcionado sabedoria e tranquilidade nas horas mais difíceis. A meus pais, meus pilares, meus espelhos, pelo grande amor, esforço e dedicação para que eu pudesse concluir todas as etapas da minha vida da melhor forma possível, pela confiança e orgulho depositados em mim a cada vitória e, principalmente, pelo dom da vida. A minhas irmãs, meus alicerces, minhas amigas, meus amores, que Deus colocou ao meu lado para me ensinar e para aprenderem comigo, a quem tanto amo e admiro, e a quem tanto quero bem. A toda a minha família, pelo carinho e apoio nos momentos mais difíceis, pelos incentivos que sempre me deram para que eu me tornasse uma pessoa feliz e bem sucedida. A Zezé, por ter me tornado uma pessoa de bom caráter (julgo eu), por ter me mostrado que também podemos sentir amor de pai e mãe por quem nos cria com tanto amor como ela o fez. Por ter abdicado de sua vida para cuidar de mim, das minhas irmãs e dos meus pais. A ela, que vou carregar para sempre em meu coração, o meu eterno obrigada e eterna saudade. Ao meu marido Emmanuel, pela paciência, companheirismo e amor. Pelas horas despedidas me auxiliando na concretização desse estudo, pela seriedade e importância com que tratou essa etapa em minha vida, por todos os esforços feitos para me ajudar. Pelos conselhos nas horas mais difíceis e pelo incentivo e apoio dado para que eu concluísse meu Mestrado. Ao meu orientador, Prof. Dr. Ivo Dantas, não apenas orientador, mas amigo e conselheiro, a quem muito respeito e admiro, pelo ombro amigo, por todos os ensinamentos e conhecimentos partilhados, pela confiança que depositou em mim, pelo incentivo e apoio dado para que eu pudesse concluir mais esta etapa da minha vida e, ainda, pela ajuda em trabalhos que ainda estão por vir. A minha querida amiga Gina Gouveia, amiga de todas as horas de momentos, que também me ajudou enormemente a ingressar na vida acadêmica, e tanto me apoiou e apoia em todos os trajetos da vida. A todos os meus professores, pela contribuição com minha formação como pessoa e como profissional, por terem me ajudado a formar novos valores e aprender a ver o mundo de uma forma mais crítica. A todos aqueles que de alguma forma contribuíram com a minha formação, me apoiando, incentivando e auxiliando nas várias fases e etapas de conclusão de minha pós-graduação.

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RESUMO

Silva, Thaminne Nathália Cabral Moraes e. Princípio da legalidade: Considerações acerca da constitucionalidade dos requisitos legais impostos para o gozo da imunidade tributária das Entidades Beneficentes de Assistência Social. 2015. 145f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.

Esta dissertação tem como objetivo principal estudar o princípio da legalidade. Foi realizada uma análise de sua evolução no mundo e no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os seus desdobramentos e algumas críticas ao princípio. A seguir, se estudaram as regras que compõem o processo legislativo: os seus sentidos; como as leis são criadas; e, ao final, foram analisadas as espécies legislativas das quais trata a Carta Magna de 1988. Foi focado especificamente o estudo das leis ordinária e complementar, com todas as suas similitudes e diferenças, bem como seus campos material e formal, analisando a possível hierarquia que há entre ambas e o entendimento majoritário da doutrina sobre o assunto. Foi realizada a análise de um caso concreto, para estudar a possibilidade de a imunidade tributária das Entidades Beneficentes de Assistência Social quanto às Contribuições para a Seguridade Social, que é limitação constitucional ao poder de tributar, ser disciplinada mediante lei ordinária, ou se deve obedecer aos ditames do artigo 146, inciso II, da Constituição Federal, devendo ser regulada por lei complementar. Se analisou a necessidade e obrigatoriedade de as entidades beneficentes de assistência social serem portadoras do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social para a fruição do benefício, mesmo sendo elas criadas por lei, como ocorre com as Organizações Sociais, analisando, ainda, o Parecer nº GQ – 169, do Ministério da Previdência Social. Todas estas questões foram estudadas de forma sucinta, chegando, ao final, a conclusão bastante elucidativa e que, possivelmente, ajudará na análise dos casos concretos cujas demandas ocupam os Tribunais pátrios.

Palavras-Chave: Princípio da Legalidade, Imunidade Tributária, Contribuições para a Seguridade Social.

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ABSTRACT

Silva, Thaminne Nathália Cabral Moraes e. Principle of Legality: Considerations about the constitutionality of the legal requirements imposed to the enjoyment of the tax immunity of Charitable Entities of Social Assistance. 2015. 145f. Dissertation (Master’s Degree of Law) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.

This dissertation has as main objective to study the principle of legality. It was realized an analysis of its evolution in the world and the Brazilian legal system, as well as their offshoots and some criticism at first. Then, it was studied the rules that make up the legislative process: your senses; how laws are created; and, in the end, legislative species were analysed of which deals with the Magna Carta of 1988. Was focused specifically the study of ordinary and complementary laws, with all their similarities and differences, as well as its material and formal fields, analyzing the possible hierarchy between both and the majority understanding of doctrine on the subject. It was made an analysis of a concrete case, to study the possibility of the tax immunity of Charitable Social assistance Entities with regard to Social Security Contributions, which is limiting the constitutional power to tax, be disciplined by ordinary law, or whether to obey the dictates of article 146, paragraph II, of the Federal Constitution, and should be regulated by complementary law. It was analyzed the need and obligation to Charitable Entities of Social Assistance to have the Charitable Entity Certificate of Social Assistance for the enjoyment of the benefit, even though they created by law, as with Social Organizations, analyzing also the Parecer nº GQ-169, of the Ministry of Social Welfare. All these questions were studied succinctly, coming at the end, the conclusion quite informative and that, possibly, will help in the analysis of concrete cases whose demands occupy the pátrios Courts. Keywords: Principle of Legality, Immunity Tax, Contributions for the Social Security.

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LISTA DE SIGLAS

- CF/88 – CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

- CEBAS – CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

- CNAS – CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

- CTN – CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

- LC – LEI COMPLEMENTAR

- OGMO – ÓRGÃO GESTOR DE MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR PORTUÁRIO

- OS – ORGANIZAÇÃO SOCIAL

- OSCIP – ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO

- RICD – REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

- RISF – REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL

- SEBRAE – SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICROS E PEQUENAS

EMPRESAS

- SENAC – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL

- SENAI – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL

- SENAR – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL

- SENAT – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM DO TRANSPORTE

- SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

- SESI – SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA

- SEST – SERVIÇO SOCIAL DO TRANSPORTE

- TRF – TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL

- STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

- STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .............................................................. 14

1.1 EVOLUÇÃO ...................................................................................................................... 15

1.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ... 28

1.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SEUS DESDOBRAMENTOS .................................. 32

1.4 CRÍTICAS .......................................................................................................................... 37

CAPÍTULO II – DO PROCESSO LEGISLATIVO: ASPECTOS GERAIS .................... 42

2.1 SENTIDOS ......................................................................................................................... 42

2.2 TÉCNICA LEGISLATIVA ................................................................................................ 43

2.3 CONCEITO DE LEI E REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS ......... 48

2.4 DAS ESPÉCIES LEGISLATIVAS .................................................................................... 52

2.4.1 Emendas à Constituição .................................................................................................. 53

2.4.2 Lei Delegada .................................................................................................................... 56

2.4.3 Medida Provisória ........................................................................................................... 58

2.4.4 Decreto Legislativo e Resolução ..................................................................................... 63

CAPÍTULO III – LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR .................................... 66

3.1 A LEI ORDINÁRIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: CONCEITO DE

PROCESSO LEGISLATIVO ................................................................................................... 66

3.2 A LEI COMPLEMENTAR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: CONCEITO E

PROCESSO LEGISLATIVO ................................................................................................... 72

3.3 LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR: HIERARQUIA?..................................... 77

3.4 RECEPÇÃO LEGISLATIVA E RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR ...................... 81

3.5 A LEI COMPLEMENTAR NA ESFERA TRIBUTÁRIA: O CASO DA IMUNIDADE

TRIBUTÁRIA DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ........... 86

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DO CASO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS

ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL QUANTO ÀS

CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL .................................................... 91

4.1 CONCEITO, ABRANGÊNCIA E ALCANCE DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS ... 91

4.2 CONCEITO E ALGUNS EXEMPLOS DE ENTIDADES BENEFICENTES DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL ......................................................................................................... 96

4.3 IMUNIDADE DOS IMPOSTOS DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL ....................................................................................................... 105

4.4 IMUNIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL DAS

ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E LEGISLAÇÃO

COMPETENTE PARA REGULAR AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER

DE TRIBUTAR ...................................................................................................................... 107

4.5 O QUE ENTENDEM OS TRIBUNAIS PÁTRIOS ......................................................... 121

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 131

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 136

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INTRODUÇÃO

O objeto da presente dissertação é a análise do Princípio da Legalidade e do Processo

Legislativo e, especificamente, das leis ordinária e complementar, tratando, ao final, de um

estudo de caso, através do qual será visto se há a obediência ao princípio aludido pelas Leis

nºs 8.212/91 e 12.101/2009, que regulam os arts. 146, inciso II e 195, §7º, da Constituição

Federal de 1988 – CF/88.

As normas jurídicas são essenciais para o convívio humano e, por isso, passaram e

continuam a ser aplicadas em todas as sociedades do mundo, com a finalidade de trazer paz,

segurança e justiça. Sendo assim, são aplicadas a todos, tanto aos cidadãos, quanto à própria

Administração Pública, como forma de estipular garantias e deveres a ambos.

No primeiro capítulo será estudado o Princípio da Legalidade, o qual é uma das

diretrizes do sistema jurídico brasileiro, e está contido, em sua forma geral, no inciso II do art.

5º da Carta Constitucional de 1988, através do qual se extrai que “ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

No entanto, o mencionado princípio pode ser encontrado também em sentido estrito,

nas mais diversas áreas do Direito, como ocorre com a penal (art. 5º, inciso XXXIX, da

Constituição Federal de 1988: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem

prévia cominação legal”), e com a administrativa (art. 37 da CF/88, para a qual a

Administração somente pode fazer aquilo que a lei autoriza).

Da mesma forma, existe também o princípio da legalidade tributária, ou, mais

precisamente, princípio da legalidade estrita, consubstanciado no art. 150, inciso I, da CF/88,

o qual defende que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir

ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, fundamento este corroborado

infraconstitucionalmente pelo Código Tributário Nacional – CTN, através do art. 97.

Como se sabe e será analisado no decorrer do presente trabalho, é possível estudar a

legalidade através de seus aspectos material e formal. Sob o primeiro prisma, será visto se o

conteúdo material trazido pelo ato normativo está totalmente de acordo com as normas

superiores, quais sejam, as constitucionais: se estiverem, o princípio da legalidade está

plenamente atendido e, assim, a norma goza de caráter de constitucionalidade, ao contrário do

que ocorre se afrontar a norma suprema, quando será vislumbrada a sua inconstitucionalidade.

No segundo aspecto, ou seja, sob o plano formal, o princípio da legalidade surge quando

observa atentamente a forma exigida para a sua existência e criação, ocorrendo o mesmo

quanto à análise de sua constitucionalidade ou não perante a norma suprema.

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Desta feita, se denota que as normas editadas pelo legislador infraconstitucional

devem respeitar o princípio da legalidade, seja no plano material quanto no formal. No

presente trabalho, será analisado mais precisamente o aspecto formal, ou seja, se a norma

obedece aos parâmetros estipulados pela Constituição Federal para a sua confecção,

analisando-se, assim, quanto ao estudo do caso concreto escolhido, a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade de algumas das restrições legais ao gozo da imunidade tributária, as

quais são estipuladas por lei ordinária.

No segundo e terceiro capítulos será analisado como se dá o processo legislativo no

Brasil. De início, se estudarão os sentidos do processo legislativo e a técnica legislativa

utilizada na confecção das normas. Serão vistas, ainda, mesmo que de forma sucinta, todas as

espécies normativas, principalmente as leis ordinária e complementar, suas similitudes e

diferenças.

Isso porque, no último capítulo, será analisado o caso do art. 146, inciso II, e do art.

195, §7º da Constituição Federal, que tratam da imunidade tributária das Entidades

Beneficentes de Assistência Social quanto às Contribuições para a Seguridade Social, a qual,

por ser uma limitação constitucional ao poder de tributar, deveria ser regulada através de lei

complementar. No entanto, não é o que vem ocorrendo na prática, já que a regulação da

matéria se deu pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91 e, atualmente, pela Lei nº 12.101/2009, que são

leis ordinárias, portanto, não adequadas ao caso, por flagrante inconstitucionalidade formal.

Como será estudado, a imunidade tributária é tratada pela Constituição Federal de

1988 e suas regras são dirigidas ao legislador dos entes políticos, delimitando o seu campo de

atuação, ao determinar que eles se abstenham de instituir tributos sobre determinadas

situações, bens ou pessoas. Há quem sustente que o instituto abarca somente os impostos, no

entanto, grande parte da doutrina, e mesmo a jurisprudência, já entendem que é extensivo a

todos os tributos.

A seguir, serão estudados o conceito e alguns tipos de entidades beneficentes,

caracterizando-se estas como toda pessoa jurídica que desenvolva, sem fins lucrativos, uma

ou mais atividades visando à concretização de um ou alguns dos objetivos enumerados no art.

203 da Constituição Federal de 1988. Por outro lado, se chegará à conclusão de que se

demonstram como tais não apenas os entes que fornecem seus serviços tão-somente de forma

gratuita, abrangendo também os que, embora requeiram o pagamento de uma contribuição por

parte de seus usuários, invistam todo o valor arrecadado para os seus fins institucionais,

caracterizando-se como entes sem finalidade lucrativa.

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O art. 195 da Carta Magna de 1988, em sua redação original, dispunha que a

seguridade social seria financiada por toda a sociedade, pela União, pelos Estados, pelo

Distrito Federal e pelos Municípios, enquanto que o art. 203 do texto constitucional define os

objetivos da assistência social, no qual se enquadra a promoção da integração ao mercado de

trabalho e da proteção à família, que, por sua vez, são feitos de diversas formas e são de

responsabilidade do Governo, tais como saúde, educação e até mesmo apoio financeiro.

Acontece que o Estado não tem condições de prestar de forma satisfatória tais

serviços à sociedade, motivo pelo qual acaba por delegar algumas de suas competências a

entes privados, os quais, em troca, nos termos do art. 195, §7º, da Constituição Federal, se

tornam isentos de recolher as Contribuições para a Seguridade Social. Para tanto, estes entes

devem ser caracterizados como entidades beneficentes de assistência social, e, além disso, têm

obrigação de atender às exigências estabelecidas em lei.

Por isso foi que, com o condão de regulamentar a parte final do §7º do art. 195 da

CF/88, o legislador ordinário editou a Lei n 8.212/91, que dispôs sobre a organização da

seguridade social e apresentou o seu plano de custeio, a qual foi revogada com o advento da

Medida Provisória n.º 446, de 07.11.2008, e com a edição da Lei nº. 12.101/2009.

O que será analisado no último capítulo do presente trabalho é se toda a legislação

infraconstitucional que tenta limitar o alcance do §7º do art. 195 da CF/88 é completamente

inconstitucional, já que a imunidade constitui uma limitação constitucional ao poder de

tributar e, de acordo com o artigo 146, inciso II, da CF/88, estas somente podem ser reguladas

por lei complementar, nunca por lei ordinária.

Sendo assim, se as mencionadas leis ordinárias não são as ideais para tratar as

limitações constitucionais ao poder de tributar, que, diga-se mais uma vez, são de

competência exclusiva e restrita de lei complementar, qual norma seria aplicada ao caso?

Deveria ser editada uma nova, ou alguma já existe para tanto? Por enquanto, vem se

entendendo que as entidades beneficentes de assistência social, para fazerem jus à referida

imunidade tributária, devem preencher os requisitos do artigo 14 do CTN (lei complementar),

e não às mencionadas leis ordinárias.

No entanto, tal questão ainda vem sendo bastante discutida no âmbito jurisdicional

de todo o país, sem haver ainda entendimentos pacíficos, e por enquanto a tese contrária vem

ganhando relevo, no sentido de se admitirem as leis ordinárias para a regulação das limitações

constitucionais ao poder de tributar.

Todavia, mais um ponto será analisado: é que o art. 55, inciso II, da Lei nº 8.212/91,

exige que, para que seja reconhecida a entidade como imune, deve ser obrigatório que ela seja

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portadora do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, conferido

pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. Nesse sentido, outro questionamento

é feito: e no caso das entidades beneficentes de assistência social criadas por lei, como ocorre

com as Organizações Sociais – OS e os Órgãos Gestores de Mão de Obra do Trabalhador

Portuário - OGMO’s, que especificamente possuem leis federais (nºs 9.637/98 e 8.630/93,

respectivamente) que disciplinam sua criação? Devem, além de preencher os requisitos

contidos em suas leis próprias, obter o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência

Social – CEBAS?

Como se verá, a Previdência Social elaborou o Parecer nº GQ-169, que afirma que as

entidades que são criadas por lei, como é o caso das supramencionadas, não necessitam do

CEBAS para fins de gozar da imunidade tributária quanto às contribuições para a Seguridade

Social. Diante desse dilema, a questão será será analisada no quarto Capítulo.

Assim, é possível entender que o tema é de extrema relevância a partir do momento

em que se vislumbra o impacto econômico do reconhecimento ou não do instituto a tais entes

(apesar de se entender ser a imunidade tributária um direito subjetivo), mais especificamente

em dois sentidos: um, quanto ao ente arrecadador, que deixa de recolher os tributos em face

de tais entidades; e outro, quanto às últimas, que, deixando de arrecadar equivocadamente tais

valores, podem revertê-los à própria finalidade e essência, resultando numa melhor prestação

dos serviços que se dispõem a prestar.

É importante ainda ressaltar que as conclusões obtidas após todo o estudo serão

fundamentais para a aplicação concreta da imunidade tributária aludida, vez que, no caso de

afronta ao Princípio da Legalidade Estrita, natural e consequentemente, se irá de encontro à

segurança jurídica, tão perseguida e necessária ao ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, serão analisados alguns posicionamentos dos diversos Tribunais Regionais

Federais do país, os quais já proferiram diversos entendimentos a favor e contra, e, ao final, o

do Supremo Tribunal Federal – STF a respeito do tema tratado no presente trabalho.

Tais questões serão estudadas pontualmente no decorrer desta dissertação, que, sem

dúvida, contribuirá para toda a comunidade jurídica, no sentido de demonstrar opiniões, além

de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do importantíssimo tema.

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CAPÍTULO I – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

1.0 CONTEXTUALIZAÇÃO

Como já afirmado na Introdução, a presente dissertação tratará do tema da aplicação

e obediência ao Princípio da Legalidade, um dos corolários do ordenamento jurídico

brasileiro. Já é sabido que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão

em virtude de lei, e essa máxima vale para todos os ramos do Direito, com ressalva quanto ao

Administrativo, para o qual à Administração só é possível agir dentro dos ditames da lei, sem

poder, assim, fazer qualquer coisa se a lei assim não dispuser.

O tema é de grande importância e já foi muito debatido pelos doutrinadores pátrios;

no entanto, atualmente, não vem sendo objeto de grande discussão, vez que seus pilares já

foram delineados pela doutrina e jurisprudência brasileiros. Todavia, a Autora entende que as

discussões não acabaram e devem ser retomadas.

É por isso que esse Primeiro Capítulo tratará da evolução do Princípio da Legalidade,

no qual será tratado o tema desde o seu nascimento, a sua aplicação no Direito Constitucional

Brasileiro, além de todos os seus desdobramentos e, ao fim, as críticas que fazem os

doutrinadores sobre a sua existência.

Será visto, ainda, no decorrer do presente trabalho, que, apesar da existência do

princípio, por muitas vezes, ele não é cumprido, ou os Tribunais pátrios vêm criando maneiras

de burlá-lo, admitindo, principalmente, a ofensa ao dispositivo constitucional que reserva

matérias para serem tratadas por lei complementar, admitindo que sejam regidas por lei

ordinária, o que não deve ser permitido, como será explicado.

Para o comprovar o aludido, a Autora fará a análise de um caso concreto, que está

atualmente pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, no qual serão analisados

os arts. 146, inciso II, e 195, §7º da Constituição Federal de 1988. Isso porque o último trata

da imunidade tributária das Entidades Beneficentes de Assistência Social quanto às

Contribuições para a Seguridade Social, e o primeiro afirma que as limitações constitucionais

ao poder de tributar devem ser reguladas através de lei complementar. Ora, sendo a imunidade

tributária uma limitação constitucional ao poder de tributar, ela deveria ser regulada por lei

complementar, no entanto, o Congresso Nacional editou duas leis ordinárias tratando do

assunto: as Leis nºs 8.212/91 e 12.101/2009.

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Por isso, se questiona se é constitucional a aplicação das mencionadas normas, já que

a matéria da qual tratam deveria ter sido regulada por lei complementar, e não ordinária. E o

que os Tribunais pátrios decidem a respeito? Admitindo tal conduta, há algum desrespeito ao

princípio da legalidade? Diante disso, podem outras normas regular as matérias que possuem

reserva de lei complementar?

Todos esses questionamentos surgiram em face da atuação da Autora como

Advogada na área Tributária, que se deparou por várias vezes com esse tema, e pôde perceber

que os diversos Tribunais brasileiros entendem de forma diversa, ora admitindo a aplicação da

lei ordinária, ora afastando sua aplicação e utilizando o CTN como a lei complementar

competente para reger a matéria, frisando que atuou pessoalmente nos casos apresentados no

último Capítulo do trabalho, com exceção do caso que está com o julgamento suspenso

perante o STF, e que serão apresentados e discutidos no momento oportuno.

Para chegar a tal ponto, se faz necessário estudar a evolução do Princípio da

Legalidade, como ele se deu através do tempo e do local onde é aplicado, o que será visto a

seguir.

1.1 EVOLUÇÃO

A estabilidade de um sistema de governo é de grande importância, pois, quanto

maior for, maior o crescimento de sua população. Para tanto, desde as épocas mais antigas, tal

estabilidade era garantida através de vários fatores, a exemplo da tradição, do respeito às leis e

da religião.

Desde os primórdios da civilização, é possível notar a existência de normas. Nos

tempos primitivos, mesmo sem haver a forma escrita de expressão, já havia um detentor de

poder em cada sociedade, o qual ditava as regras a serem seguidas. Assim, mesmo os

primitivos já obedeciam às regras estabelecidas pelos chefes de onde viviam, caracterizando

uma ideia de supremacia do Direito.

Dessa forma, há muito se sabe que não há Estado de Direito sem normas. Houve uma

época, na Idade Média, em que a lei, por ser divina, era considerada imutável, estando o

direito totalmente vinculado à esfera religiosa, e transferida de pai para filho, por tradição, o

que foi sendo modificado com o passar das décadas. Nesse sentido, FERREIRA FILHO

(1995, p. 31) aduz:

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A supremacia do Direito nunca foi tão firmemente sustentada quanto na Idade Média. Tal certamente decorre do predomínio da cosmovisão cristã entre filósofos, governantes e governados. De fato, a crença em Deus criador e ordenador de todas as coisas marcada em todos os campos a ideia da superioridade absoluta da Lei divina, fundamentalmente justa.

Dessa lei divina, conhecia o homem parte por revelação, parte pela inclinação

de sua razão. Esta parcela da Lei divina conhecida pelo homem por meio de sua razão é a lei natural, sendo tanto a lei revelada a Moisés quanto a ensinada pelo Cristo, sempre superior aos comandos de qualquer autoridade.

Esse é o ensinamento que se apreende na Suma teológica, onde Tomás de

Aquino fixou indelevelmente a interpretação cristã do pensamento aristotélico, essa a lição que todo o pensamento medieval acata. De fato, como observa Gierke, no seu estudo que ainda é o trabalho básico para a compreensão do pensamento político da Idade Média, “a doutrina medieval, enquanto verdadeiramente medieval, nunca abandonou o pensamento de que a Lei é, por sua origem, de dignidade igual à do Estado e desde não depende para sua existência”.

(...) Sem dúvida, os pensadores medievais preveem a possibilidade do legislador

promulgar regras que precisem ou complementem a lei natural em relação a casos especiais. Todavia, sublinham que essa lei depende do consentimento da comunidade.

Sendo assim, na Idade Média, a esfera religiosa, com o direito natural, era totalmente

respeitada e obedecida, até mesmo pelo monarca. Era aceita a ideia de direito

independentemente da vontade do homem, sendo superior à sua vontade e revelado pela

divindade. À Comunidade era permitido participar, porque nesse momento, legislar se

caracterizava como verificar a existência de uma lei, autenticando o costume existente.

E, tratando sobre a forma de processo legislativo na mesma época, FERREIRA

FILHO (1995, p. 35) afirma:

Na verdade, se se examinar o processo de estabelecimento de leis, tanto em Portugal como no restante da Europa medieval, em linhas gerais se encontra o mesmo. Em primeiro lugar, não se conhece propriamente a iniciativa legislativa, uma vez que não se considerava possível, ou admissível, criar novas regras. Admite-se tão somente, que, para maior clareza, sejam consolidadas, ou escritas, as regras já vigentes na comunidade. Essa função pertence ao monarca que, todavia, não pode leva-la a cabo sem o acordo do povo, representado pela sua valentior pars. Por outro lado, essa declaração do direito existente, que é a lei medieval, em muitos países, como a França, por exemplo, não bastava por si só para estabelecer o direito que os magistrados deviam aplicar.

Pelo exposto, pode-se concluir que na Idade Média as leis consideradas pela

sociedade eram as naturais, existentes antes mesmo do próprio homem, isto é, na Europa se

verificava que o direito positivo era simplesmente a consolidação do que se considerava

divino.

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Por outro lado, não se deve esquecer que, nas Monarquias, o poder do soberano era

exercido livremente, não estando o monarca ligado a regras de direito. Nas palavras de

ESTEFAM (2013, p. 2-3):

No Estado-Polícia, a atividade do Estado não estava cingida a quaisquer regras de Direito de que o particular pudesse exigir o cumprimento, isto é, os governantes agiam livremente, desvinculados de regras jurídicas. O Direito Público, dessarte, encontrava-se estruturado sobre princípios como o da “regis voluntas suprema lex” (a vontade do rei é soberana) e o do “the king can do no wrong” (o rei não erra).

Com efeito, no período do Estado de Polícia, os poderes do Estado

entranhavam-se na pessoa do rei, que era sagrada e desligada de qualquer liame de sujeição. O poder absoluto do príncipe era limitado apenas pelos espaços – escassamente relevantes em alcance e profundidade – que competiam à jurisdição.

Se conclui, assim, que na época monárquica, o rei estava adstrito apenas às próprias

vontades, já que, como a própria divindade defendida, o monarca nunca errava, estava sempre

correto e deveria ser totalmente seguido e apoiado em suas decisões, não sendo possível aos

seus súditos insurgirem-se contra isto. Segundo o mesmo doutrinador (2013, p. 5), “O Estado

era visto como o fantasma que sempre atemorizou o indivíduo, e, o poder, como o maior

inimigo da liberdade”.

Acontece que a França entrou em situação de calamidade, com todas as dificuldades

econômicas, financeiras e políticas pelas quais passava, o que deu ensejo a novos discursos de

liberdade e de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, abalando totalmente o regime

monarca. Com o Rei Luíz XVI executado à guilhotina, ficou o despotismo monárquico para

trás, mudando totalmente os rumos a serem tomados pela França e, consequentemente, pelo

mundo, que seguiu os seus passos.

A partir do século XVIII, se dá início a uma nova fase, qual seja, o

Constitucionalismo Moderno, quando finalmente as constituições passaram a ser escritas, e a

possuir características como previsibilidade (quando o Estado deveria atuar) e calculabilidade

(como o Estado deve atuar). Assim, o Estado agora deve ser omisso, ou seja, deve interferir o

mínimo o possível nas relações de seus cidadãos, sempre respeitando a sua liberdade e

propriedade, além de seus direitos fundamentais.

É então quando se instaura o Estado Liberal de Direito, com a finalidade de limitar a

atuação estatal na vida de seus cidadãos. Isso tudo teve como princípio as Revoluções

Americana e Francesa, e com as quais também advém a nova estruturação das constituições,

que passam a seguir a separação de poderes nos moldes como defendia Montesquieu, e que

ainda são conhecidos atualmente: Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, especializados

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em determinada função e independentes entre si, os quais antes se concentravam nas mãos de

uma única pessoa. Com isso, seria incluído um sistema de freios e contrapesos, e somente

com este seria possível estabelecer segurança para os indivíduos, momento em que um não

temeria mais o outro, pois, para Montesquieu, “Para que não se possa abusar do poder é

preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder” (1973, p. 156).

Leciona ESTEFAM (2013, p. 7-8):

Destarte, ganhou relevo em substituição ao Direito histórico, baseado no mandamento divino ou no privilégio, a ideia de liberdade subjetiva do individuo como fundamento do Estado, da sociedade civil e das suas relações recíprocas. A mera compulsividade externa, sem adesão intrínseca, passou, assim, a ser questionada e remocada em busca da reconstrução do Estado.

Passou, assim, a predominar na Europa ocidental, mormente na França, a

ideia cardeal de liberdade contra o despotismo. A ideia de Direito, que infundia a Revolução Francesa, assinalava-se, desse modo, pela preocupação com a liberdade, que se tornou notória como “liberal”, rendendo ensejo ao designativo “Estado Liberal” como o cognome mais conhecido do primeiro estágio do Estado de Direito.

Sendo assim, agora se buscava a organização da sociedade, com a finalidade de o

próprio Estado garantir a liberdade de seus indivíduos, não interferindo em suas vidas

privadas, ficando com o seu poder, antes ilimitado, totalmente limitado, dividido e exercido,

seja direta ou indiretamente, pelo povo.

Assim, bem lembra Gustavo Ferreira Santos as palavras de Canotilho (BRANDÃO;

CAVALCANTI; ADEODATO, 2009, p. 250):

Nesse caminho, Canotilho assenta que só será um Estado considerado Estado de Direito quando: (1) está sujeito ao direito (“o Estado, os governantes, as autoridades, obedecem às leis, não estão colocados sobre as leis, mesmo que elas tenham sido criadas ou produzidas pelos órgãos do poder”); (2) atua através do direito (“só quem esteja habilitado, só quem tenha uma competência previamente definida por regras jurídicas, está apto, num qualquer Estado de Direito, a desempenhar funções com o selo de autoridade pública”); (3) positiva normas jurídicas informadas pela ideia de direito (“O Estado de direito é informado e conformado por princípios radicados na consciência jurídica geral e dotados de valor ou bondade intrínsecos).

O “Estado de não direito”, antítese do Estado de Direito, poderia ser assim

caracterizado: “(1) é um Estado que decreta leis arbitrárias, cruéis e desumanas; (2) é um Estado em que o direito se identifica com a ‘razão de Estado’ imposta e iluminada por ‘chefes’; (3) é um Estado pautado por radical injustiça e desigualdade na aplicação do direito.”.

O princípio da legalidade, então, surge como garantidor da liberdade tão sonhada,

limitando o Estado para fazer tão-somente aquilo que a lei permite; o que esta não permite, é

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proibido1. Entra-se na fase do império da lei, que busca não somente limitar a atuação estatal,

mas também garantir segurança jurídica às situações fáticas, sinalizando o fim do arbítrio dos

monarcas.

Se faz mister lembrar, ainda, que essa época foi marcada por constituições sintéticas,

as quais traçavam tão-somente as normas de organização, estruturais e processuais, não

esquecendo do rol de direitos e garantias fundamentais.

A separação de poderes nos moldes como desenhado por Montesquieu também veio

à tona nessa época, dividindo o poder antes despótico e concentrado nas mãos de um só, em

Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A adoção desse molde era totalmente necessária

para a defesa da liberdade, pois, se assim não fosse, os poderes continuariam concentrados em

uma só pessoa. Nesse momento, era premente a necessidade de dividir dos poderes, para que

fossem criadas condições institucionais de respeito das esferas individuais, evitando poderes

absolutos.

Acontece que, apesar de haver três Poderes, o Legislativo se sobressaía e ficava em

situação de sobreposição sobre os demais. O Executivo e o Judiciário tinham caráter

meramente de executar e aplicar as leis criadas, não tendo nenhum tipo de competências

autônomas. Segundo ESTEFAM (2013, p. 22-23):

A esta altura, é possível verificar, em poucas palavras, que o termo “lei” abrigava os preceitos jurídicos promanados do Poder Legislativo, cuja amplitude ou alcance é de caráter geral e abstrato, disciplinando um número indeterminado de pessoas e atingindo uma gama de situações genéricas, cujo escopo era a proteção dos direitos dos cidadãos, concedendo um mínimo de segurança jurídica e de certeza nas relações entre o Estado e os cidadãos.

Dessa forma, a lei passou a possibilitar a existência e a garantia dos direitos e

garantias fundamentais, culminando com o fim do Estado Absoluto, passando o Estado a agir

única e exclusivamente conforme autorizava ou proibia a lei, não dando possibilidade de

haver decisões ou interpretações a serem tomadas pelo Executivo.

Nessa época do Direito Constitucional clássico, o processo legislativo era composto

por três fases, quais sejam, a da iniciativa, a constitutiva da lei e a eficácia da lei. Quanto à

primeira, FERREIRA FILHO (1995, p. 71) muito bem explica:

Chama-se iniciativa o poder de propor a adoção de uma lei como também a apresentação do projeto junto ao órgão competente.

1 Prova disso faz o art. 4º da Declaração de 1789, que pregou: “O exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites exceto os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo destes mesmos direitos. Estes limites não podem ser determinados senão pela lei”.

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(...) Aos constituintes de 1787 e 1789, essa fase apresenta simplicidade. De fato,

se a lei era a expressão da Razão, tradição de um direito preexistente, a proposição de uma lei era um convite à Nação, para que esta dissesse se reconhecia na proposta o justo, isto é, o razoável.

Nada tinha que ver a proposição de uma lei com as necessidades

governamentais, porque a lei não era considerada instrumento de governo mas somente limitação da liberdade individual. Por isso, o Executivo não gozava do poder de propor leis. Tanto a Constituição francesa de 1791, como a americana, não atribuíam esse direito ao chefe do Executivo. No máximo, podia o Rei – segundo concedia a primeira das Constituições francesas – “convidar o Corpo legislativo a tomar um objeto em consideração”. Somente os parlamentares é que gozavam desse poder, certamente como representantes não da Nação, que isso o Rei também era, mas como representantes dos homens livres, conforme a lição de Montesquieu.

Após essa fase de iniciativa, se ingressava na constitutiva da lei, que ocorre pela

aprovação da câmara ou câmaras legislativas, e consequentemente, com a sanção do chefe de

Estado. Ainda nas palavras do mesmo doutrinador (1995, p. 72):

A aprovação da lei pela Assembleia Nacional implica, salvo urgência reconhecida previamente por ela própria, a sua aprovação por três vezes seguidas, após três leituras e três discussões do projeto, cada uma das leituras separada da anterior por um intervalo não menor do que oito dias. Desenha-se, assim, a preocupação de impedir qualquer arrebatamento do Corpo Legislativo, obrigando-o a maduramente ponderar sobre o que está aprovando.

A sanção pelo chefe do Executivo era exigida, no entanto, poderia ser dispensada, no

caso de reiterada a aprovação do projeto em outras legislaturas seguidas.

A última fase, da eficácia da lei, se dava com a sua promulgação, que é o ato de

execução da lei, e publicação, através da qual se dá conhecimento de sua existência aos seus

destinatários.

Vale esclarecer que, ainda nesta fase, não era preocupação o conteúdo das leis, já

que, como já mencionado, estas derivavam da Razão, ou seja, o direito natural era posto em

palavras e seu cumprimento era obrigatório, e as leis eram sempre consideradas justas.

FERREIRA FILHO (1995, p. 79) ensina que o constituinte dessa época assim entendia, pois

“A supremacia da lei deveria ser, de acordo com o esquema clássico, a supremacia da Razão

sobre o arbítrio dos governantes. Deveria exprimir a vontade geral, que nunca erra, por ser a

razão humana despida dos interesses que a descaminham, e, jamais, o predomínio de

qualquer grupo, de qualquer vontade popular”.

Vale apontar que no Século das Luzes, o que se buscava, com o Estado Liberal, era a

interferência mínima do Estado na vida de seus cidadãos, ou seja, se desejava que ele fosse

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omisso em determinadas questões. O que se buscava era a liberdade e paz de seus cidadãos,

sendo estas um objetivo universal procurado por todos.

Com o passar do tempo, a realidade social mudou. A vontade geral, exprimida

através de representantes legais eleitos pelo povo, passou a ser a vontade e interesse destes. A

lei, então, se torna a expressão da vontade parlamentar, lembrando que os parlamentares são

eleitos pelo povo por maioria eleitoral, mas são uma minoria em relação ao povo.

Desta forma, estando no poder, o representante pode se desvincular de seus eleitores,

não cumprindo totalmente as suas vontades e entendimentos, principalmente quando o

representante se corrompe e troca as vontades de seu eleitorado por vantagens pessoais.

Com o surgimento do sufrágio universal, muitas questões são postas em debate. É

que antes, ele somente pertencia à classe burguesa, que detinha o poder econômico, e, agora,

chega à classe trabalhadora, que é a maior parte do eleitorado, e que detém o poder político.

Acontece que a última (classe trabalhadora), não está nem um pouco satisfeita com suas

condições de vida e de trabalho, fazendo uma série de reivindicações nesse sentido em face do

Estado.

Deu-se início então a uma luta de interesses no Parlamento, ou seja, a luta de classes

que existe na sociedade é para lá transportada, o que é o marco inicial para o surgimento dos

partidos políticos hierarquizados. Para FERREIRA FILHO (1995, p. 85),

Por suscitar o aparecimento de partidos hierarquizados e disciplinados é que, em primeiro lugar, o sufrágio universal destruiu a representação da Nação. Ou, ao menos, se deixou sobreviver a estrutura jurídica, arrasou o substrato social e ideológico daquela, tornando seu mecanismo uma excrescência, um corpo sem alma.

Construída para criar uma vontade, a representação consagrada nas

Constituições escritas não podia servir para exprimir convenientemente a vontade preexistente nos grupos. Mormente as exigências dos partidos.

Sendo assim, o Poder Legislativo, antes criado com o intuito de representar uma

Nação, passa a representar uma determinada parte dela, com interesses concretos e

determinados, distorcendo a vontade geral para a vontade de uma parte da sociedade apenas.

E continua o mesmo doutrinador (1995, p. 85-86 e 93):

De fato, a existência de partidos com pretensões maiores do que a de carrear votos para determinados candidatos é incompatível com a verdadeira significação jurídica da representação, cristalizada nas Constituições liberais, ao menos até a Primeira Guerra Mundial. Como Orlando e outros demonstraram, a natureza da representação consagrada nessas Constituições não é a do mandato. A eleição não gera nenhuma relação de mandato entre representante político e eleitor. A eleição,

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isto sim, é uma designação de capacidade. Dela recebe o eleito o poder de querer pela Nação, ou melhor, o de participar da formação e da expressão dessa vontade.

Ora, do choque de vontades predeterminadas não surge uma vontade comum.

O que há de resultar é o prevalecimento da vontade de um grupo, eventualmente majoritário, sobre uma minoria não convencida e inconformada. Assim, de um regime estruturado para que da discussão nasça a luz, decorre, não raro, a vitória da força, não menos bruta por se exprimir pela língua do que o seria se se manifestasse pelos músculos.

(...) O interesse, contudo, é por definição algo a que se apega o homem. Por isso,

ninguém suporta vê-lo tratado por pessoas alheias ao seu sentir, quando sabe que pode influir nas decisões. Em vista disso, esquecendo a representação oficial, não raro se une a outros que compartilhem desses mesmos interesses e preocupações, seja de ordem material, seja de ordem espiritual, para constituir grupos ou associações destinadas a influenciar as opções políticas, a pressionar o governo, em termos mais crus. Ou, então, são grupos organizados para a realização de fins determinados, mesmo apolíticos, que, em face da interferência estatal, são levados a agir sobre os órgãos governamentais, para salvaguardar os bens que objetivam.

Desta feita, quando deveriam os representantes do povo representa-los, acabam por

não fazê-lo, se limitando a defender interesses pessoais, que não são os que oficialmente os

colocaram no poder. Esse tema será também tratado no próximo tópico a ser apresentado

neste trabalho.

No que toca ao sistema de freios e contrapesos, foi criado com a finalidade de

organizar o Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações

entre estes mesmos órgãos.

Cada órgão, ou Poder, detém atividades típicas: Legislativo, de legislar; Executivo,

de administrar; e Judiciário, de julgar. No entanto, possuem também atividades atípicas, quais

sejam: Legislativo, de administrar e julgar; Executivo, de legislar e julgar; e Judiciário, de

legislar e administrar2. Desta feita, as funções são harmônicas e independentes entre si, o que

quer dizer que há pontos de contato entre elas.

COÊLHO (2014, p. 35), bem delimita as funções do Estado:

A tripartição de poderes não é absoluta dentro do aparelho do Estado. Ocorre tão somente que o Legislativo empolga a quase totalidade da função legiferante. O Executivo e o Judiciário, predominantemente, encarregam-se daqueloutras, a administrativa e a jurisdicional, respectivamente.

2 Atualmente, no Brasil, como bem se sabe, ao Poder Legislativo é possível administrar as atividades de seu próprio pessoal, e julgar, como ocorre com o Senado Federal, ao julgar crimes de responsabilidade cometidos pelo Ministro da Suprema Corte. O mesmo ocorre com os outros Poderes: ao Judiciário é permitido administrar seu próprio contingente, e legislar, quando são elaborados os regimentos internos dos diversos Tribunais no país; e, finalmente, ao Executivo é possível legislar, quando, por exemplo, o Presidente da República edita Medidas Provisórias, e julgar, que ocorre, por exemplo, com o seu contencioso administrativo.

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O Poder Legislativo faz leis. O Executivo as aplica de ofício, e o Judiciário as realiza, contenciosamente, assim que no processo de aplicação da lei surja alguma controvérsia a respeito de seu alcance ou significado.

E continua, afirmando que tais funções detêm critérios formais e materiais (2014, p.

38-39):

O fato, já realçado, de que nem sempre os órgãos de um Poder exercem com exclusividade as funções típicas que lhe são próprias, praticando, às vezes, atos que pelo seu conteúdo e finalidade pertencem a outro Poder, obriga adentrar a teoria dos atos funcionais. Estes implicam dois critérios de reconhecimento: o formal e o material. Pelo critério formal, um ato será legislativo, administrativo ou jurisdicional de conformidade com o órgão que o emite ou exara. Se o órgão for do Poder Executivo, será ato formalmente administrativo; se do Judiciário, o ato por ele praticado será formalmente jurisdicional e, se provier de órgão legiferante, será ato legislativo em sentido formal.

O critério formal denuncia a origem do ato, sua fonte ejetora. Por outras

palavras, a classificação formal de um ato funcional indica apenas o Poder do Estado de onde dimana.

Segundo o critério material, o ato fundacional é legislativo, administrativo ou

jurisdicional quando, pela sua natureza própria ou peculiar, contém-se no âmbito e finalidade de cada uma das funções do Estado: editar o Direito, aplicá-lo de ofício aos casos concretos e decidir sobre os conflitos decorrentes de sua aplicação, interpretando-o.

A) Ato legislativo (lei em acepção lata) em sentido formal é o que promana

de órgãos constitucionalmente investidos de função legiferante. Tem forma de lei. Em sentido material, é todo ato funcional emanado do Estado com caráter de regra geral, abstrata e obrigatória, ostentando a finalidade de ordenar a vida social, direta ou indiretamente, implicando modificações na ordem jurídica (novità, como dizem os italianos).

B) Ato administrativo em sentido formal é o que dimana de órgãos do Poder Executivo. Em sentido material (conteúdo e finalidade), é administrativo o ato por meio do qual o Estado determina situações jurídicas individuais ou, pelo menos, concorre para a sua formação.

C) Ato jurisdicional sob o ponto de vista formal é todo aquele exarado por órgão do Poder Judiciário. Em sentido material, é ato por meio do qual o Estado define situações jurídicas individuais com finalidade de remover óbice à aplicação do Direito, interpretando-o (juris dicere, jurisdição, dizer o direito). Todo ato jurisdicional implica dois termos: a controvérsia a propósito da aplicação da norma jurídica e a solução da controvérsia. A constatação do conflito sem solução é fato inócuo, sem expressão. Por outro lado, para que haja solução, por suposto há que existir, antes, o conflito, sua composição na lide e seu desate na sentença.

Se faz mister lembrar que, segundo a concepção clássica de Montesquieu da

separação de poderes, a iniciativa de proposição de leis cabia unicamente ao Poder

Legislativo, já que, como analisado anteriormente, naquela época, com a elaboração das leis,

não se buscava a construção de um direito novo, mas simplesmente a declaração de um direito

que já era vigente, servindo as leis somente para positivar a realidade social. No entanto, esse

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entendimento, na atualidade, só vigora nos Estados Unidos3. Nos demais países, ao contrário,

tem sido possibilitada a iniciativa de leis ao Poder Executivo, já que ele detém a orientação

política geral daquela nação, como ocorre no Brasil; ao Poder Judiciário, cabendo a este a

iniciativa de leis relativas a seus serviços e organização, ou seja, podem os órgãos da função

jurisdicional criar seus próprios regimentos internos; e, por fim, ao eleitorado.

Para FERREIRA FILHO (1995, p. 115), inicialmente, o Poder Legislativo se tornou

supremo, sendo superior às outras duas funções do Estado, motivo pelo qual inclusive o

regime adotado na época era o parlamentarista:

Mais que em Locke, porém, parece claro em Montesquieu que o Executivo e o Judiciário têm um campo próprio não estritamente subordinado à lei, entendida esta como a vontade do Legislativo. Atribui o antigo Presidente do Parlamento de Bordéus ao Executivo o fazer a paz ou a guerra, o enviar e receber embaixadas, o estabelecer a segurança, o prevenir as invasões, o que não se pode realizar apenas e tão-somente aplicando as leis. Igualmente, o Judiciário tem uma área própria, se se considerar que jamais Montesquieu supôs que todas as regras de direito que o juiz houvesse de aplicar aos julgamentos fossem legislativas.

Fruto embora mais da interpretação do que da intenção do seu inspirador

inglês ou de seu pai francês, a “separação de poderes” praticada resultou na supremacia do Parlamento. E essa supremacia se acentuou durante todo o século XIX para atingir o clímax por volta da segunda década deste século, às vésperas da Primeira Grande Guerra.

Acontece que o Legislativo não conseguia dar conta de tantas atividades, várias delas

diversas das suas funções precípuas. Além disso, é claro, não se pode acreditar que esse

entendimento perdurou por muito tempo, pois logo se notou que não é possível um Poder ser

supremo aos outros, o que, sem dúvidas, destruiria os demais, e até mesmo colocaria abaixo a

intenção do sistema de freios e contrapesos, que, como visto, surgiu para frear as atividades

das funções estatais, garantindo sua independência e perfeito funcionamento, com a perfeita

equivalência entre elas.

Como se não bastasse, passados os anos e décadas, notou-se que garantir somente a

liberdade individual era pouco. A sociedade precisava de cada vez mais reconhecimento de

direitos e, dessa vez, precisava que o Estado agisse. Se notou a necessidade de ir em busca

dos direitos sociais, econômicos e culturais, além dos de liberdade, o que caracterizou a nova

fase, qual seja, a do Constitucionalismo Social.

Agora, o Estado era chamado a atuar positivamente, a conceder a seus cidadãos

direitos sociais, como trabalho, moradia, educação e saúde, entre outros. Ora, antes, o Estado 3 Nos Estados Unidos, o Presidente não detém o poder de iniciativa de leis, mas se entende que não menos de 80% (oitenta por cento) da nova legislação se origina da Casa Branca ou de entidades governamentais. (FERREIRA FILHO, 1995, p. 140).

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era chamado a não agir e, nesse momento, a agir, fazendo com que sua atuação mudasse

totalmente o foco. Nas palavras de ESTEFAM (2013, p. 29), “Nesse azo, o Estado agigantou-

se, surgindo o Estado prestador de serviços públicos, o Estado empresário e o Estado

investidor. O Estado é impulsionado a atuar em todas as áreas da vida social e econômica

para assegurar a igualdade entre os cidadãos”.

Com isso, e principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o Poder Legislativo

entrou em decadência e o Executivo, em ascensão, o qual passou a ser visto como poder

governamental. Segundo FERREIRA FILHO (1995, p. 121-122),

(...) Esse primado resulta de inúmeros fatores. O primeiro deles já foi logo sugerido acima quando se estudou a decadência do Parlamento. De fato, a principal razão do engrandecimento do Executivo, de sua transformação em governo, está nas tarefas novas que o Estado assumiu, desde que interveio no domínio econômico e social. A incapacidade de as assembleias desempenharem as tarefas exigidas do Welfare state produziu a multiplicação das missões que o Executivo contemporâneo é chamado a desempenhar. Pode-se dizer, sem exageros, que a missão econômico-social do Estado-Providência passou toda inteira para as mãos do Executivo tradicional, o governo, na linguagem das novas Constituições.

Em verdade, o Executivo estava em melhor situação para convenientemente

desempenhá-las. Sua estrutura permite a tomada de decisões mais prontas, com segurança de sigilo e possiblidade de adaptação flexível a peculiaridades regionais e a alterações circunstanciais ou conjunturais. Assim, um fator técnico impulsionou o crescimento do Executivo.

A partir daí, o Executivo ganhou novo sentido, se tornando o centro do poder real

nos Estados modernos. Continua FERREIRA FILHO (1995, p. 124):

(...) Essa liderança é acentuada pelos meios de comunicação da massa, que permitem ao chefe do governo tocar, diretamente quase, a cada um dos seus governados, com seus apelos e proclamações. O rádio, primeiro, o cinema e, sobretudo, a televisão dão ao homem comum uma sensação de intimidade com o chefe do governo que nem nas antigas oligarquias os membros do grupo dirigente percebiam. Isso se espelha na sem-cerimônia com que a eles se referem, como se se tratasse de um vizinho, ou de um companheiro de trabalho. Essa sensação de intimidade é, aliás, estimulada pelos governantes que procuram entreter uma atmosfera de simpatia em redor de si. Não é outro o fito das reportagens sobre a vida familiar, a simplicidade, os gostos e os pendores do líder político.

Nas palavras de ESTEFAM (2013, p. 31):

Se sob essas bases assentou-se o Estado Liberal, o que sucedeu no Estado Social foi o fortalecimento do Poder Executivo, firmando-se seu protagonismo político e decisório. O Poder Executivo não mais se tratava de uma simples estrutura secundária e subordinada à vontade geral expressada pelo Parlamento; ele assumiu a posição de motor dinamizador de todo o sistema político.

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E o mesmo doutrinador (2013, p. 32-34), citando Paulo Otero, afirma corretamente

que:

Tal status adquirido pelo Poder Executivo, conforme Paulo Otero, é resultado de quatro principais fatores, quais sejam:

(i) Crescente complexificação das matérias e a impossibilidade de o parlamento dar resposta pronta e conveniente a todas as exigências de um moderno Estado de bem-estar conduziram a uma progressiva assunção de poderes normativos por parte do executivo, incluindo a permanente feitura de actos com força de lei cuja prática pelo executivo a Constituição configurava como tendo uma natureza excepcional, podendo falar-se, num primeiro momento, em tentativa de fraude à Constituição, e, hoje, atendendo à reiterada prática e à ausência de qualquer sancionamento judicial, será possível defender-se a formação de um costume constitucional contra

constitutionem; (ii) O défice de informação do parlamento, isto em termos comparativos com o governo, sendo tanto mais grande quanto cada questão envolve hoje crescente tecnicidade e uma pluralidade de interesses contraditórios, reforça a capitis diminutio parlamentar, fazendo-o surgir como um órgão destituído de elementos que habilitem uma intervenção decisória conveniente e oportuna, além de revelar a sua própria dependência institucional de quem lhe forneça essa informação; (iii) A progressiva transformação das eleições parlamentares num processo plebiscitário ao executivo cessante e de escolha de um primeiro-ministro que, por esta via, ganha um protagonismo próprio e confere ao poder executivo uma legitimidade democrática quase idêntica a um presidente da república eleito por sufrágio directo, fazem obnubilar a tradicional concentração de legitimidade democrática da instituição parlamentar; (iv) a introdução de alterações legais ao funcionamento do sistema eleitoral, procurando evitar uma excessiva dispersão político-partidária no parlamento e, deste modo, possibilitando a formação de uma maioria politica susceptível de sustentar um executivo durante toda a legislatura, inverte o ascendente politico do parlamento sobre o governo.

A clássica soberania parlamentar dá lugar à soberania governamental, vinculando-se

o princípio da legalidade à manifestação de vontade política do executivo, o qual começa a

assumir atribuições normativas, sendo o Poder Executivo capaz de editar normas, já que o

Legislativo não teria condições de legislar sobre as novas atribuições administrativas do

Estado, seja pela complexidade das matérias, seja pela quantidade de normas necessárias para

delimitar a atuação administrativa estatal.

Mais uma vez, ESTEFAM (2013, p. 35) ensina:

Como observação postremeira, calha notar que, se no Estado Liberal podia-se falar na existência de um Direito e de um não Direito (precarium) – este último um poder político do monarca -, no Estado Social firma-se a subordinação de toda a atividade da Administração ao princípio da legalidade ruindo a doutrina anterior de vinculação negativa da Administração. Ao contrário, estribada na doutrina da vinculação positiva, fala-se que só é permitido fazer o que a lei autoriza, de tal modo que a lei, para o administrador público, significa “deve fazer assim”.

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Desta forma, nesse momento o Poder Executivo passou a ocupar um local

determinado no seio da sociedade.

Acontece que, após a Segunda Guerra Mundial, com todas as barbáries ocorridas

nessa época, se notou que as leis positivadas, que garantiam os direitos fundamentais e os

direitos sociais, com o Estado Liberal e o Estado Social de Direito, respectivamente, não eram

suficientes. Se o fossem, as atrocidades mencionadas não teriam espaço e as leis não teriam

perdido o seu prestígio.

Foi a partir daí que teve início o denominado Constitucionalismo Contemporâneo ou

Neoconstitucionalismo, mais especificamente com a Constituição Alemã de 1949 ou Lei

Fundamental de Bonn, que teve por objeto unir o direito à moral e à ética (pós-positivismo),

com a clara e nítida intenção de reaproximação com a justiça. As normas passam a ser não

apenas as positivadas, escritas; os princípios ganham força normativa e passam a fazer parte

dos sistemas constitucionais, abrindo as portas para o chamado Estado Constitucional de

Direito.

Nas palavras de ESTEFAM (2013, p. 39),

Com as Constituições no núcleo do sistema normativo, entrou em cena a normatividade constitucional e a reaproximação entre justiça, ética e Direito e o enlaçamento entre regras, princípios e valores, passando-se a falar em constitucionalização do Direto.

Sendo assim, com o Estado Constitucional de Direito, as perspectivas são

modificadas, unindo-se direito a moral e a ética. O próximo passo é ingressar na era do

Direito Global, que se dá após a queda do Muro de Berlim, em 1989, totalmente voltado à

globalização e ao capitalismo.

Com isso, é possível chegar à conclusão de que o princípio da legalidade existe desde

sempre, ou melhor, desde que o Estado de Direito existe, e que, com o passar do tempo, a

necessidade de se adequar as leis escritas às leis divinas se transformou numa necessidade

premente de se unir o direito escrito às leis morais e éticas, garantindo os direitos

fundamentais, sociais e coletivos, dando-se ênfase cada vez mais à solidariedade e à

coletividade em geral. A partir daí não se denota a sociedade unicamente, mas o mundo sem

fronteiras, globalizado.

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1.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL

BRASILEIRO

A primeira Constituição Brasileira foi a Imperial, de 1824, que surgiu com a

independência do Brasil e coroou o absolutismo de Dom Pedro I. Nessa fase, além da

instituição dos três Poderes de Montesquieu (Legislativo, Executivo e Judiciário), um quarto

entra em cena: o Moderador4, criado com a finalidade de organizar politicamente o Estado e

pertencente ao Imperador. ESTEFAM (2013, p. 50-51) bem retrata:

Instituiu-se, na esteira do artigo 10 da Constituição de 1824, um quarto poder político: o Poder Moderador, o qual – na dicção do artigo 98 do então vigente Diploma Constitucional – era “a chave de toda a organização Política” e era “delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes Políticos”. Embora o mencionado artigo 98 visasse retratar o Poder Moderador como um “Poder Neutro” (pouvoir neutre), baseando-se na teoria política de Benjamin Constant, este Poder concentrava um feixe constitucional de atribuições matrizes e fundamentais para o funcionamento das instituições.

(...) Ante este cenário, observa-se o esvaziamento das atribuições do Poder

Executivo, do qual o Imperador era “Chefe” (artigo 102), e o aniquilamento da autoridade do Poder Legislativo, em vista de que, entre outros dispositivos, positivou-se que: (i) o Imperador escolhia, a partir de uma lista tríplice, os Senadores do Império, os quais exerciam mandatos vitalícios (artigos 40 e 43); (ii) o Imperador podia, “nos casos em que o exigir a salvação do Estado”, convocar nova Câmara de Deputados, substituindo a anterior, por ele dissolvida (artigo 101, V, in fine); (iii) todas as competências do Poder Legislativo necessitavam da sanção do Poder Moderador para que pudessem ter “força de lei”, donde a redução fática das competências do Poder Legislativo a meros atos preparatórios para a sanção imperial.

Nota-se, assim, que o poder estava concentrado nas mãos do Imperador, de uma

forma ou de outra, e estava estampado no art. 179, I5, daquela Constituição, o princípio da

legalidade, quando determinava que “Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar

de fazer alguma cousa, senão em virtude de lei”.

Na Constituição seguinte, qual seja, a de 1891, o princípio da legalidade também foi

agraciado, quando se entendeu, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (ESTEFAM, 2013,

4 CF/1824, Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial. 5 CF/1824, Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.

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p. 51), na época, que os decretos que ofendessem direitos garantidos por aquela Constituição

ou mesmo pelas leis, seriam nulos e não produziriam efeitos jurídicos.

Assim, o princípio da legalidade já se fazia notar, impossibilitando que o Poder

Executivo, através de seus atos e decretos, atentasse contra a lei ou contra a própria Carta

Magna, e o mesmo texto de 1824 foi reproduzido em 1891, em seu artigo 72, §1º6.

Por sua vez, a Constituição de 1934, que introduziu o Estado Social de Direito no

Brasil, também reproduziu, em seu texto, o princípio ora estudado, quando determinou, em

seu artigo 113, 2, que: “ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa,

senão em virtude de lei”. Também era possibilitado ao Poder Executivo expedir decretos, e

estes deveriam, necessariamente, seguir o que proclamavam as leis e a Constituição.

Essa Constituição, urge esclarecer, autorizou ao Poder Executivo a iniciativa de leis

que tratassem de seu próprio pessoal, conforme ditou seu artigo 41, §2º7, ou seja, a partir de

1934, já se vislumbravam as funções atípicas do Poder Executivo que, a partir daí, poderia

legislar sobre seu quadro de funcionários.

A Constituição ditatorial de 1937, ao contrário das outras, alterou totalmente o

campo de atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, em seu artigo 118. Ao primeiro

somente seria possível legislar de modo geral, enquanto ao último caberia expedir

regulamentos e outros atos que regulassem a legislação, nos moldes do seu artigo 749.

Pode-se entender que houve uma volta ao espírito imperial, em que o monarca era

quem criava e executava as leis, como autoridade suprema, sendo mister frisar que o

mencionado artigo 74 não se referia mais ao “fiel cumprimento da lei”, mas tão-somente

“para a execução da lei”. Sendo assim, não era o Poder Executivo obrigado a seguir fielmente

o que a legislação tratava ao expedir as normas que complementassem as leis, que apenas

tratavam de forma geral e abstrata sobre a matéria.

Da mesma forma, não existia nenhum dispositivo na mencionada Carta Magna que

exigia lei para obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, o que leva a entendê-la

como um retrocesso à época imperial, em que o monarca estava autorizado a fazer tudo. Aqui,

6 CF/1891, Art. 72, § 1º Ninguem póde ser obrigado a fazer, ou deixar fazer alguma cousa, senão em virtude de lei. 7 CF/1934, Art. 41, § 2º - Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e dos Tribunais, quanto aos respectivos serviços administrativos, pertence exclusivamente ao Presidente da República a iniciativa dos projetos de lei que aumentem vencimentos de funcionários, criem empregos em serviços já organizados, ou modifiquem, durante o prazo da sua vigência, a lei de fixação das forças armadas. 8 CF/1937, Art 11 - A lei, quando de iniciativa do Parlamento, limitar-se-á a regular, de modo geral, dispondo apenas sobre a substância e os princípios, a matéria que constitui o seu objeto. O Poder Executivo expedirá os regulamentos, complementares. 9 CF/1937, Art. 74 - Compete privativamente ao Presidente da República: a) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para sua execução;

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o Poder Executivo estava autorizado a fazer o que bem entendesse, já que não havia

limitações ao poder estatal.

Com a Carta de 1946, o Brasil volta a ser uma República, e os fundamentos do

princípio da legalidade foram reestabelecidos, e também o foi a necessidade de o Poder

Executivo cumprir fielmente a lei, conforme ditaram seus artigos 141, §2º e 87, I10.

Com o golpe militar sofrido em 1964, é promulgada a Constituição de 1967, que, em

seus artigos 150, §2º e 83, II11, continuou a consagrar o princípio da legalidade nos mesmos

moldes antes pregados, e garantindo que o Poder Executivo desse fiel cumprimento à

legislação editada pelo Legislativo.

Cabe aqui uma observação, nas palavras de ESTEFAM (2013, p. 56-57):

Cabe notar que, à semelhança do período imperial ou da República Velha, uma quantidade expressiva de leis e decretos-leis desse período autorizou a Administração Pública direta e indireta a editar normas em vários setores, sem que para tanto houvesse disposição constitucional a respeito. Exemplificativamente, a Lei n. 4.595/1964 permitiu a edição de normas pelo Conselho Monetário Nacional, a Lei n. 6.251/1975 fez o mesmo em relação ao Conselho Nacional de Desportos, e, o Decreto-Lei n. 73/1966, em relação ao Conselho Nacional se Seguros Privados.

Para o Supremo Tribunal Federal, tais autorizações eram válidas, porquanto

referentes a legislações em que se encontrava meramente uma “autorização para completar os contornos da lei, desenvolvendo-a dentro da orbita circunscrita”, donde “não seria delegação proibida de atribuições, mas flexibilidade na fixação de standards jurídicos de caráter técnico, a que se refere Stati”.

Com a edição da Emenda Constitucional n. 1, de 1969 (alguns a denominam

Constituição de 1969), o princípio da legalidade continuava consagrado nos artigos 153, §2º e

81, III12.

10 CF/1946, Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º Todos são iguais perante a lei. § 2º Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. CF/1946, Art 87 - Compete privativamente ao Presidente da República: I - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução; 11 CF/1967, Art. 150 (...)§ 2º - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. CF/1967, Art 83 - Compete privativamente ao Presidente: (...) II - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução; 12 EC 1/1969, Art. 153. (...)§ 2º Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. EC 1/1969, Art. 81. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) III - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução;

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Finalmente, chega-se à atual e vigente Constituição Federal de 1988, que consagra o

princípio da legalidade em seu artigo 5º, II13. ESTEFAM (2013, p. 60) bem discorre sobre o

assunto:

Ante a Constituição de 1988, o princípio da legalidade consiste na previsão de que direitos e obrigações serão produzidos por meio de lei. A nota distintiva da lei – em relação aos demais atos infraconstitucionais – é que a inovação legal é original e primária, superpondo-se “a todas as regras jurídicas anteriores, dentro do âmbito de sua força jurídica, respeitados os textos constitucionais”. Note-se: embora o elemento específico da lei seja a inovação em caráter original, a generalidade e a abstração continuam sendo características habituais dela; por vezes, porém, tais características são dispensáveis, pois em certos casos a Constituição permite leis individuais e concretas, como nas hipóteses de lei que cria Município (art. 18 §4º) e de lei orçamentárias (art. 165).

A lei, então, em seu sentido formal, passa a estar num patamar mais elevado que as

demais normas infraconstitucionais, até mesmo porque ela, por ser criada pelos representantes

do povo (Poder Legislativo), exprime a vontade deste, a qual não pode ser alterada,

modificada, diminuída ou aumentada por atos normativos editados, por exemplo, pelo Poder

Executivo, como ocorre com os decretos, regulamentos, resoluções ou portarias. Esses atos

nunca poderiam obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo que não estão autorizados por

lei anterior; eles servirão para dar efeitos concretos à norma.

Continua o mesmo doutrinador (2013, p. 62),

Com efeito, os atos da Administração são válidos – podendo obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo – quando amparados, fundados na lei formal. Assegura-se, destarte, ao administrado que, antes de qualquer obrigação que lhe seja imposta pela Administração Pública, primeiramente haverá a disciplina da lei.

Desta forma, se denota que o princípio da legalidade sempre existiu no Brasil, e foi

consagrado em quase todas as Constituições brasileiras, não se tratando de assunto novo, e

sempre estando claro que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer

coisa que seja se não for por força de lei. À Administração Pública, ao contrário, só é

permitido fazer e agir nos termos do que está positivado; se não estiver, não lhe é permitido

atuar fora do que está escrito.

13 CF/88, Art. 5º. (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

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1.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SEUS DESDOBRAMENTOS

Como demasiadamente visto, as normas jurídicas são essenciais para o convívio

humano e, por isso, vêm sendo aplicadas em todas as sociedades do mundo, com a finalidade

de garantir aos cidadãos de todo o mundo paz, segurança e justiça. Assim leciona PACHECO

(2008, p. 103):

Toda norma jurídica representa uma decisão. Assim sendo “são tanto normas de conduta para os cidadãos como normas de decisão para os tribunais e órgãos administrativos”. Isto significa que toda norma tem dupla direção atingindo tanto os cidadãos que são obrigados a realizar ou omitir determinadas condutas, como o Executivo que irá executá-la ou o Judiciário que irá aplicá-la, na resolução de conflitos que lhe são submetidos.

Assim, as normas são aplicadas a todos, tanto aos cidadãos, quanto à própria

Administração Pública, como forma de estipular garantias e deveres a ambos.

O princípio da legalidade é uma das diretrizes do sistema jurídico brasileiro, e está

contido, em sua forma geral, no inciso II do art. 5º da Carta Constitucional de 1988,

disciplinando que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”.

No entanto, como inclusive já mencionado em ocasião anterior, o mencionado

princípio pode ser encontrado também em sentido estrito nas mais diversas áreas do Direito,

como ocorre com a penal (art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988: “não há

crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”), e com a

administrativa (art. 37, Constituição Federal de 1988, para a qual a Administração somente

pode fazer aquilo que a lei autoriza).

Da mesma forma, existe também o princípio da legalidade tributária, ou, mais

precisamente, princípio da legalidade estrita, consubstanciado no art. 150, inciso I, da

Constituição Federal de 1988, o qual defende que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, fundamento este

corroborado infraconstitucionalmente pelo Código Tributário Nacional, através do art. 9714.

14 Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

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Além disso, o princípio da legalidade pode ser dividido em duas dimensões

fundamentais, quais sejam: o princípio da prevalência da lei ou legalidade-limite e o princípio

da reserva legal ou parlamentar.

O primeiro deles, o princípio da prevalência da lei ou legalidade-limite, é o que já

vem sendo discutido desde o início deste trabalho. Em outras palavras: todos devem

submissão e respeito à lei ou devem atuar dentro da esfera estabelecida pelo legislador, como

ocorre com a Administração Pública.

Sendo assim, nenhum ato infraconstitucional pode ofender a primazia da lei, sob

pena de ser considerado inválido. E é por isso que a lei possui algumas características básicas,

quais sejam: deve ser respeitada tanto pelo Estado quanto pelos que dele fazem parte; tem

caráter abstrato e geral, e é impessoal, dirigindo-se a várias pessoas, indeterminada e

indiscriminadamente.

Quanto ao princípio da reserva legal, conforme dita Luciana Grassano de Gouvêa

Mélo, em artigo (BRANDÃO; CAVALCANTI; ADEODATO, 2009, p. 284):

Foi exatamente no cenário de discussão sobre as margens de liberdade de atuação da Administração que surgiu a ideia de reserva de lei como “princípio de defesa da liberdade e propriedade individuais, em face das possíveis afectações por parte da Administração”, ou seja, concretamente, aqueles atos da Administração que pudessem atingir os direitos de propriedade e liberdade apenas teriam validade, se fundamentados em lei formal.

(...) A reserva de lei, desse modo, funciona como uma especificação do princípio

da legalidade empregada para identificar aquelas situações cujo disciplinamento fica a cargo exclusivo da lei, excluindo-se a ingerência de qualquer outra disposição normativa inferior, com objetivo de proibir o Executivo de, com base em seu poder normativo, interferir em determinados âmbitos que, pela sua importância e conotação relacionadas aos direitos de liberdade e propriedade privada, devem ser disciplinados pelo acordo majoritário da vontade expressa no Parlamento.

O princípio da reserva legal se tornou necessário com o advento da modernidade,

tendo em vista que os ordenamentos constitucionais da atualidade não têm condições, como já

afirmado, de tratar de todos os assuntos do dia a dia dos cidadãos, e então reconheceram que

algumas matérias determinadas – geralmente as mais importantes – deveriam ficar sujeitas

apenas às leis, ou seja, devem ser objeto de lei em sentido formal. É o caso de quando o

constituinte previu expressões como “a lei estabelecerá”, “nos termos da lei”, “lei fixará” etc.

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

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Este é o caso da reserva legal absoluta, na qual não há a possibilidade de intervenção de ato

infralegal, bastando a lei para disciplinar a matéria elencada.

Matérias menos importantes podem também ser objeto de lei, no caso da reserva

legal relativa, ou seja, em alguns casos, a matéria pode não ser tratada ou detalhada por atos

legislativos primários, quais sejam, leis ordinárias, leis complementares, medidas provisórias

e leis delegadas, o sendo por atos legislativos secundários, quais sejam, atos normativos de

natureza ou grau inferior, geralmente regulamentos. PINHO (2014, online), em artigo

publicado em sítio de internet, bem explica:

É indispensável, pois, para a compreensão da atribuição de poderes normativos à Administração Pública, a distinção entre leis de densidade normativa exaustiva e leis de grande ou baixa densidade. Fala-se em reserva legal absoluta ou densidade normativa exaustiva quando se exige que o legislador esgote o tratamento da matéria no relato das normas, sem deixar espaço remanescente para a atuação normativa dos agentes públicos que aplicá-la-ão. Será, todavia, relativa a reserva legal quando se admitir a atuação subjetiva do aplicador da norma ao dar-lhe concreção.

Nessa perspectiva, defende-se que a legalidade pode definir e atribuir, com

normalidade, poderes à Administração. A ação administrativa, nessa situação, representa o exercício de tais poderes, exercício que criará, modificará, extinguirá, protegerá e exercerá relações jurídicas concretas.

Sem embargo, portanto, é de se entender que, em determinados setores,

especialmente naqueles em que o Estado intervém na ordem econômica, o princípio da legalidade assume a feição de princípio da preeminência da lei e não da reserva absoluta. Logo, nesse segmento, o papel reservado à Administração Pública é muito mais amplo, porquanto à lei caberá fixar tão-somente os padrões gerais delimitadores, e aos atos infralegislativos, como os regulamentos, a ultrapassar a simples operacionalização ou execução das normas legais, caberá o preenchimento de conteúdos normativos nela delineados.

Em termos mais claros: quando se é exigida lei para tratar sobre determinada

matéria, se fala em reserva legal absoluta ou estrita legalidade, enquanto que, quando se é

facultado tratar sobre uma matéria através de lei ou, na sua ausência, por outros atos

normativos editados “em virtude de lei”, se fala em reserva legal relativa.

Esse assunto será mais detalhadamente estudado no presente trabalho, vez que será

analisada a obediência ao princípio da legalidade pelas Leis nºs 8.212/91 e 12.101/2009

(reserva legal absoluta), e pelo Parecer nº GQ 169, da Previdência Social (reserva legal

relativa).

Como bem lembra FRANCISCO (in MARTINS; PASIN, 2013, p. 21-22), “... a

reserva legal absoluta também é cláusula pétrea, de modo que nenhuma emenda poderia

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sequer maculá-la, e, muito menos aboli-la”. Sendo assim, em sendo reservada matéria para

ser tratada por lei, só por esse meio pode sê-lo.

Como se sabe, é possível estudar a legalidade através de seus aspectos material e

formal. Nas palavras elucidativas de HARET (2010, p. 585):

O princípio da legalidade pode ser analisado sob a óptica material ou sob a perspectiva formal. No primeiro caso, o exame busca a adequação formal, ou seja, verifica se o veículo introdutor foi enunciado pela autoridade e pelo procedimento competentes. Logo, o objeto do averiguar é a enunciação-enunciada da norma. Na segunda hipótese, conjectura-se se o princípio foi cumprido no plano semântico, isto é, se o conteúdo da norma afina-se com perfeição aos cânones normativos. As atenções aqui vão para a norma introduzida ou para o enunciado-enunciado, de onde se localiza o regular da conduta ela mesma. Vale acrescentar que o ditame da legalidade é garantia que se volta contra o legislador e contra o aplicador.

E assim continua HARET (2010, p. 592-593), a respeito da legalidade no plano

formal:

No plano formal, o princípio da legalidade surge, efetivamente, naquela exigência de veículo introdutor de norma idôneo, i.e., regra que seja formulada por órgão titular de função legislativa (reserva de lei formal) e mediante o adequado procedimento. Para o legislador, o referido cânone impõe seja observado o tipo normativo correto em face dos conteúdos prescritos. Assim, tendo em vista que a Carta Magna prescreve procedimentos diferentes para conteúdos diversos, cabe ao legislador, no cumprimento da legalidade formal, perceber qual tipo de enunciado foi introduzido e, por decorrência, qual procedimento a ser realizado. O aplicador do direito, por sua vez, para fazer prevalecer a legalidade formal, deve, no ato de positivação da norma jurídica individual e concreta, realizar o procedimento correto, preservando os aspectos intrínsecos e extrínsecos do ato jurídico perfeito.

Ainda quanto ao tema da reserva de lei, leciona Marcelo Lamy (BRANDÃO;

CAVALCANTI; ADEODATO, 2009, p. 310),

Nas matérias em que há previsão expressão da Reserva Legal (casos em que o legislador constituinte deixou claro que à lei cabe fixar os critérios), além dos fins, outros elementos dependerão da lei. Desaparece, portanto, a ampla margem de liberdade referida.

A reserva legal se dá especialmente em tudo o que diz respeito aos direitos

fundamentais individuais, políticos e sociais, pois nosso ordenamento só admite restrições a esses direitos quando a própria Constituição as permite. E a Constituição sempre que apresenta tal autorização, o faz indicando que a lei será o instrumento dessa restrição, respeitado o núcleo essencial destes direitos que não podem ser afetados.

A reserva de lei pode se dar à lei em sentido formal (somente pela lei

ordinária ou complementar, v.g., art. 5º, XXXIX da CF/88), à lei em sentido

material (onde se admite ato normativo com força de lei, ou seja, a lei delegada e a medida provisória), de forma absoluta (devem estar na lei os fundamentos e todos os critérios de decisão, v.g., art, 220, §4º, da CF/88), de forma relativa (a lei estabelecerá apenas os parâmetros gerais, os critérios de decisão estarão com o

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administrador), de forma qualificada (estabelecerá os fins a serem perseguidos e os meios a serem adotados, v.g., art. 5º, inciso XII, da CF/88). Cada modalidade de “reserva legal”, portanto, configura margens concretas e diversas de liberdade.

Desta forma, se denota que a reserva de lei pode se dar no sentido formal, do ponto

de vista do órgão competente para edita-la; ou no material, pois há matérias que são

reservadas para serem tratadas por lei complementar ou por lei ordinária, por exemplo.

Quanto à reserva material de lei e especificamente quanto ao caso concreto que será

estudado no presente trabalho, ensina Luciana Grassano de Gouvêa Mélo (BRANDÃO;

CAVALCANTI; ADEODATO, 2009, p. 292):

No que concerne à reserva material de lei, todavia, a Constituição vai mais além do que foi explicitado no parágrafo anterior, uma vez que matérias como conflitos de competência tributária, limitações constitucionais ao poder de tributar, normas gerais sobre definição de tributos e de suas espécies, normas gerais sobre fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos, obrigação, lançamento, crédito, prescrição, decadência e outros (art.146, I a III), devem, por força constitucional, ser disciplinadas por lei complementar, além da previsão constitucional existente de que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, apenas podem ser concedidos por meio de lei específica (art. 150, §6º).

Deve-se notar que, no sistema tributário nacional, a tipicidade tributária é

ainda mais rigorosa, pois os contornos do tipo estão presentes no próprio texto constitucional que, como dito, define a competência tributária. Assim, o próprio legislador, ao instituir o tributo, não tem a total liberdade para definir a hipótese de incidência tributária, pois sua atuação é limitada pela atribuição constitucional de competência.

Ademais, o legislador ordinário do ente federativo que institui o imposto

também deve obediência à lei complementar, a que a Constituição Federal atribui a competência para definir os fatos geradores, as bases de cálculos e os respectivos contribuintes (art. 146, III, a).

Dessa forma, o princípio da reserva legal de lei ou da primazia da lei se fundamenta

em dois aspectos, quais sejam: um negativo, no qual é proibida a interferência de outra fonte

do Direito nas matérias reservadas à lei; e um positivo, através do qual se denota que não é

possível declinar da competência normativa estipulada constitucionalmente em favor de

outras fontes.

Desta feita, se conclui que as normas editadas devem respeitar o princípio da

legalidade, seja no plano material ou no formal. No presente trabalho, será analisado um caso

concreto no qual será visto mais precisamente se a norma obedece aos parâmetros estipulados

pela Constituição Federal para a sua confecção, analisando-se, assim, a constitucionalidade ou

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a inconstitucionalidade das restrições legais impostas ao gozo da imunidade tributária, as

quais são estipuladas por lei ordinária, quando deveriam sê-lo por lei complementar.

1.4 CRÍTICAS

ESTEFAM (2013, p. 69) elenca algumas críticas ao princípio da legalidade na

atualidade. É bem verdade que o autor faz uma ligação com o Direito Administrativo, que é o

seu foco, mas várias dessas críticas se encaixam perfeitamente em qualquer ramo do Direito.

Veja-se:

As críticas básicas apontadas pela doutrina à lei em geral e à legalidade administrativa são as seguintes: (i) a inflação legislativa; (ii) a possibilidade de a lei ser politizada para atender interesses parciais da sociedade ou de grupos; (iii) o protagonismo das Constituições como a mais importante forma de manifestação da vontade geral do povo; (iv) a propagação de outros atos normativos infraconstitucionais ditos capazes, por si só, de servirem de fundamento à atuação administrativa; (v) o controle do processo legislativo pelo Executivo; e (vi) a pluralidade de fontes do Direito Administrativo.

Estando o mundo em estado de rápida transformação e mudando de orientação o

governo a cada eleição, a quantidade de leis se multiplica. O fenômeno da multiplicação das

leis aumenta a cada dia, passando os governantes a tentarem reger o maior número de

matérias e áreas possíveis, determinando cada passo dos seus governados.

E é nesse sentido que FERREIRA FILHO (1995, p. 12-13) tratou do assunto, nos

seguintes moldes:

A multiplicação das leis é fenômeno universal e inegável. Com segurança pode-se dizer que nunca se fizeram tantas leis em tão pouco tempo. No Brasil, por exemplo, durante todo o Império, foram promulgadas cerca de 3.400 leis. Durante a Primeira República, de 1891 a 1930, cerca de 2.500 leis. E de 18 de setembro de 1946 a 9 de abril de 1964, nada menos que 4.300. E de 1964 até hoje mais de 7.000 leis. E de 1967 para cá mais de 2.000 decretos-leis.

Por um lado, essa multiplicação é fruto da extensão do domínio em que o

governante se intromete, em razão das novas concepções sobre a missão do Estado. A lei é hoje onipresente. Não há campo da atividade humana, não há setor da vida humana, onde não esteja o governo a ditar regras. Seja para garantir a liberdade artística contra a cegueira da censura, seja para fixar as dimensões dos armários postos à disposição do operário...

Contudo, essa multiplicação é, antes de mais nada, fruto de sua

transitoriedade. A maioria das leis que aos jorros são editadas destina-se a durar como a rosa de Malherbe l’espace d’um matin...

Em vez de esperar a maturação da regra para promulga-la, o legislador edita-

a para, da prática, extrair a lição sobre seus defeitos ou inconvenientes. Dai decorre

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que quanto mais numerosas são as leis tanto maior número de outras exigem para completa-las, explica-las, remenda-las, conserta-las... Feitas às pressas para atender a contingencias de momento, trazem essas leis o estigma da leviandade.

Para complementar, ESTEFAM (2013, p. 69-70) relata:

Sem dúvida, porém, a explosão normativa é uma questão que se estende a diversas espécies normativas, não se restringindo à lei. Em 2000 (há mais de uma década, portanto), diante do ordenamento jurídico brasileiro, o jornal (O Estado de São Paulo) relatou a existência de 17 mil leis ordinárias, complementares e delegadas, 120 mil decretos e mais de 1,5 milhão de atos normativos.

Em sede de medidas provisórias, Celso Antônio Bandeira de Mello revela

que, no governo Fernando Henrique Cardoso, do início de seu mandato até 1999, o Poder Executivo havia expedido 3.239 medidas provisórias, o que corresponde a uma media de 2,8 medidas provisórias por sai útil de governo. No mesmo período 0 informa o jurista – o Congresso Nacional havia aprovado 854 leis (entre ordinárias e complementares). Desses dados, Celso Antônio Bandeira de Mello calculou que quase 75% dos atos normativos do Estado constituíam obra do Poder Executivo.

Ainda no âmbito das medidas provisórias, o governo Lula seguiu um

caminho semelhante. Consoante pesquisa realizada no sítio do Planalto, entre edições e reedições, foram expedidas mais de 800 medidas provisórias. As medidas provisórias emanadas durante o governo Dilma Rousseff já chegam a quase uma centena.

O problema de tal fenômeno é que, quanto maior a quantidade de leis a serem

editadas, maior a quantidade de temas a serem tratados, e sempre as leis precisarão de

complementações. Sobre todos os assuntos existe uma lei que lhes rege, inclusive, dando

grande importância a temas de pequena repercussão, o que acaba por desvalorizar as normas

positivadas. E o pior: as leis são feitas numa velocidade tamanha que se deixa para observar a

sua possível atuação na prática! Daí se torna necessário editar novas legislações que as

complementem ou mesmo que as revoguem, tornando a máquina do Legislativo infindável e,

também, fazendo o mesmo com o Judiciário, que é quem irá analisar a constitucionalidade

dessas normas.

Além disso, na atualidade, a verdade é que a lei se torna um processo de governo, ou

seja, como o poder passa de partido a partido a cada eleição, a lei se torna instável, já que se

baseia nas aspirações dos grupos que estão no poder. A norma agora não é estática, imutável,

como ocorria na Idade Média; ao contrário, ela é passageira, expressão das vontades

dominantes, de interesses do grupo que está no poder naquele momento e tirando dela o

máximo proveito possível. A lei não é mais feita para todos, mas para proteger e resolver

situações de determinados grupos.

Nas palavras de ESTEFAM (2013, p. 72):

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Ao elencar os aspectos negativos advindos do Estado Social de Direito, Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta que essa politização das leis para atender interesses parciais da sociedade ou de grupos engendra leis sem preocupação com o bem comum e com a justiça, de sorte que as leis, em grande parte, passam a atender ao seu sentido formal, porquanto emanam do órgão legislativo, segundo o processo de elaboração estabelecido na Constituição, independentemente de seu conteúdo.

Por essa perspectiva, observa-se uma crise da representatividade, oriunda da

frustração da decomposição da vontade popular em vontade de grupos, a dizer, da degeneração da vontade geral em vontade de grupos, prevalecendo a ação dos grupos de pressão. (...)

E mais: por vezes, as leis sequer atendem ao seu aspecto formal, conforme será

analisado no decorrer do presente trabalho, o que põe ainda mais em cheque o trabalho do

Poder Legislativo brasileiro.

Outro fator que coloca o princípio da legalidade em discussão é que, hoje em dia, as

Constituições tratam de vários assuntos, ao contrário do que ocorria no período liberal,

dominado pelas constituições sintéticas. Elas, então, passam a ser analíticas, tratando do

máximo de hipóteses possíveis. Acontece que, como se sabe, nem todas as situações fáticas

são passíveis de serem pautadas e analisadas, até mesmo porque a realidade social muda a

todo tempo, se tornando uma tarefa impossível a de regular todas as relações sociais.

Se torna difícil ao Estado, através da máquina legislativa, tratar de tantas questões, e

com a necessidade de fazê-lo de forma rápida e com a especialidade que requerem as

situações, o que faz com que ou o Parlamento não redija a legislação pugnada necessária ou,

quando o faz, esta fica totalmente eivada de vícios, sejam eles formais, quando não obedecem

à forma prescrita na Constituição, ou materiais, quando o conteúdo tratado na lei não deveria

sê-lo, ou mesmo quando seus ditames vão aquém ou além do necessário ou permitido.

Mais uma crítica que se faz ao princípio da legalidade é no sentido do controle que é

feito no Poder Legislativo pelo Poder Executivo. Interessantes os comentários que

ESTEFAM (2013, p. 76-77) faz sobre a questão, apresentando inclusive dados de uma

pesquisa:

Patrick Roberto Gasparetto, citando pesquisa realizada pelo Correio Brasiliense, em 28 de abril de 2004, no caderno “Política”, traz alguns dados concretos, a partir dos quais conclui pela grande ingerência do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo, isto é, que o Poder Executivo tem “legislado” mais que o Poder Legislativo.

Conforme os dados mencionados pelo autor, entre 1985 e 2004, dos 29,6 mil

projetos de lei apresentados por deputados e senadores, 983 viraram lei, representando um percentual de 3,3%. No mesmo período, o Poder Executivo

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apresentou 1.292 projetos de lei e aprovou 734, correspondendo a um percentual de 56%.

A mesma pesquisa revela que, no início do governo Lula, apenas 24 dos

3.515 projetos de lei apresentados pelos parlamentares foram transformados em lei, ou seja, um percentual de 0,68%, ao passo que, dos 40 projetos apresentados pelo Palácio do Planalto, 16 (34%) foram aprovados.

Igualmente, na seara das propostas de Emendas Constitucionais, ao longo de

25 anos, foram apresentadas 1.723 propostas pelos deputados, das quais apenas 11 foram aprovadas. O Poder Executivo teve aprovadas 19 propostas das 51 apresentadas.

O autor, ao final, defende o entendimento de não ser plausível esta crítica, em face de

ser o Poder Executivo mais afeto e ter mais contato direto com as circunstâncias do cotidiano,

afirmando ainda que a iniciativa do Executivo não interfere na função legislativa do Poder

Legislativo.

FERREIRA FILHO (1995, p. 157) também trata do tema:

O aspecto mais singular do processo de elaboração das leis no Estado contemporâneo é, sem dúvida, o surgimento de uma legislação editada pelo Executivo. Anteriormente já se pôde mostrar como o direito contemporâneo confere a esse poder uma interferência múltipla no processo legislativo, reconhecendo-lhe a liderança da legislação, a iniciativa de projetos, o veto e até a possibilidade de fixar prazos fatais para a manifestação do Legislativo, que é, no sistema de separação de poderes ao qual aderem, ao menos verbalmente, as Constituições ocidentais vigentes, um poder independente. Isso, porém, longe está de configurar toda a interferência do Executivo na elaboração das leis. Em quase todos os Estados contemporâneos, e sem dúvida nos principais dentre os que aderem ao regime constitucional pluralista, o Executivo, ostensiva ou disfarçadamente, pode legislar, pode editar atos com força de lei.

Assim, ao Poder Executivo é conferida a possibilidade de legislar, em alguns casos,

como ocorre com os regulamentos e com a medida provisória. No entanto, concordando com

ESTEFAM (2013), deve-se entender que isso não representa ofensa ao princípio da separação

dos poderes, até mesmo porque, para editar qualquer ato, o Executivo deve, antes, obedecer

ao que foi disposto anteriormente por lei pelo Legislativo.

Outra crítica apontada por ESTEFAM (2013) é a eternização do processo legislativo.

Ora, como se sabe, para a edição de lei, são necessárias várias fases de tramitação, como será

analisado no capítulo seguinte, configurando um processo complexo, envolvendo iniciativa

legislativa, emendas, votação, sanção e veto, promulgação e publicação. Não é um processo

rápido e simples, podendo demorar vários anos15.

15 O próprio ESTEFAM (2013, p. 77) elenca alguns casos brasileiros de eternização do processo legislativo: a Lei de Falências, que tramitou por onze anos no Congresso Nacional; o Código Civil de 2002, que estava em

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Por fim, o doutrinador apresenta a última crítica, qual seja, a pluralidade de fontes do

Direito Administrativo. Na verdade, como visto, esta se relaciona a um ramo específico do

Direito, mas pode ser utilizado como analogia para qualquer outro. Isso porque, é bem

verdade, o direito não tem apenas uma fonte16.

Além da legislação, leia-se Constituição e demais leis infraconstitucionais, é bem

verdade que, com base em tudo o que já foi exposto, outros institutos podem dar soluções a

lides, como é o caso dos costumes, da doutrina e da jurisprudência. A última, na atualidade,

vem sendo de suprema importância para a solução de diversos conflitos, e deve ser obedecida

por todos os demais órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública, quando vira

objeto de súmula pacífica ou vinculante. O mesmo ocorre com as decisões tomadas pela Corte

Constitucional – Supremo Tribunal Federal em sede de ações constitucionais.

Apesar de todas essas críticas e outras aqui não elencadas, não se pode concluir que o

princípio da legalidade está em declínio. Com toda a história do Constitucionalismo, o que se

pode concluir é que não é possível viver em sociedade sem lei, sem uma norma que garanta

segurança jurídica aos cidadãos, sob pena de uma completa desordem social.

O princípio da legalidade existe e deve ser obedecido tanto pelo ente que o coroou

tanto pela sociedade que regula. Assim, a legislação – seja constitucional ou

infraconstitucional – deve ser totalmente seguida; é claro, esta (infraconstitucional) em total

acordo com aquela (constitucional), para que a sociedade fique em total harmonia e seus

princípios básicos, conquistados no decorrer de vários séculos, sejam e continuem sendo

garantidos.

trâmite desde 1975, sendo sancionado só em 2002, ou seja, demorou 22 (vinte e dois) anos para ser sancionado; a “reforma do Poder Judiciário”, que tramitou por treze anos, entre outros. 16Neste ponto, deixa-se registrada a importante contribuição trazida pelo grande constitucionalista e orientador deste trabalho, Ivo Dantas, para quem a grande e primária fonte do direito é o fato social. Em verdade, o fato social é a fonte de todo e qualquer ramo do direito, tendo em vista que somente com a necessidade social o direito é criado, modificado ou extinto.

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CAPÍTULO II – DO PROCESSO LEGISLATIVO: ASPECTOS GERAIS

2.0 CONTEXTUALIZAÇÃO

O estudo do processo legislativo se faz totalmente necessário para o completo

desempenho da presente dissertação. Já foi analisado o Princípio da Legalidade em seus

aspectos gerais, assim como sua evolução e as críticas que se fazem a seu respeito. Agora,

será visto como se dá o processo legislativo no Direito Brasileiro, ou seja, se analisará como

uma lei é criada, através da técnica legislativa e, ao fim, serão estudadas uma a uma, de forma

bastante sucinta, as espécies legislativas dispostas pela Constituição Federal de 1988.

2.1 SENTIDOS

Como bem lembra DANTAS (1997, p. 17-18),

No hoje denominado Direito Parlamentar nenhum outro capítulo se iguala em importância àquele que diz respeito às normas relativas ao Processo Legislativo, expressão que só recentemente ingressou na terminologia constitucional de alguns países, como é o caso do Brasil, enquanto a grande maioria permanece no uso de outras denominações, tais como Iniciativa Legislativa, Elaboração das Leis,

Produção Legislativa, variação terminológica esta identificável, também, em nível de Teoria da Doutrina Constitucional.

E continua (1997, p. 18-19):

Com a utilização de uma metodologia jurídico-positiva, consagraremos a expressão processo legislativo, entendido como sendo “o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos”, como nos ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA, ou nas palavras de NELSON DE SOUZA SAMPAIO – “O Processo Legislativo” – “conjunto de normas que regulam a produção – criação, modificação ou revogação – das normas gerais”.

É possível afirmar que o processo legislativo pode ser conceituado utilizando-se de

dois sentidos: o sociológico e o jurídico. Nesse ínterim, SOUZA (1998, p. 41), tratando do

sentido sociológico do processo legislativo, leciona que:

A primeira refere-se ao estudo do motor da atividade legiferante, à identificação das causas pelas quais agem e reagem os legisladores diante de um conjunto de fatos econômicos, sociais e políticos de um determinado momento histórico, em uma certa formação social. Pode-se dizer que o aspecto sociológico do

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processo legislativo corresponde ao momento em que se desenvolve, constituindo-se no estudo relativo à influência da mídia, à opinião pública, às pressões de grupos organizados e de corporações, aos acordos partidários, aos lobbies exercidos por grupos econômicos, etc, com vistas a determinar seu grau de influência na proposição, aprovação ou rejeição de regras jurídicas cuja essência e abrangência poderão corresponder a um princípio, um preceito ou uma norma.

O procedimento legislativo, como fenômeno no mundo jurídico, é o ritual, o

procedimento, o conjunto de fases encadeadas a ser obedecido pelas casas legislativas para a formação das leis.

Em contrapartida aos fatos sociais que fazem com que as leis existam, ou seja, ao

sentido sociológico do processo legislativo17, há o sentido jurídico18, através do qual se

analisa o procedimento, ou seja, o conjunto de fases pelas quais passam as normas para que

sejam formadas e entrem em vigor.

Sendo assim, o sentido sociológico19 corresponde ao conhecer dos fatos e à sua

determinação no mundo do ser para melhor compreender o mundo normativo do dever ser

(SOUZA, 1998). Sem a necessidade social, não se faz necessário criar uma norma, ou ela

seria inócua, sem sentido e razão, e sem aplicação.

É de suma importância conhecer este sentido, pois somente assim se torna possível

interpretar a legislação de acordo com os fatos que ocorreram à época de sua edição, e o que

influenciou o legislador a dispor daquela forma como estipulada formalmente.

No entanto, o que interessará no presente trabalho será o sentido jurídico do processo

legislativo, que será analisado nos tópicos a seguir.

2.2 TÉCNICA LEGISLATIVA

Como demasiadamente mencionado, a lei é de suma importância na vida em

sociedade, cumprindo relevantes funções, como de proteção e garantia, de integração, de

regulação e de inovação.

17 Como antes afirmado, o sentido sociológico do processo legislativo corresponde ao que o doutrinador Ivo Dantas claramente chama de fonte do direito. 18 Para FERNANDES (2014, p. 847): “O processo legislativo pode ser definido como o conjunto de regras (de

fases e atos preordenados) que visam a produção (elaboração) de normas em nosso ordenamento jurídico”. 19 Para o mesmo doutrinador (FERNANDES, 2014, p. 847), “Sociologicamente, ele pode ser definido como um

conjunto de fatores políticos e ideológicos que condicionam a elaboração das leis em nosso ordenamento. Como

exemplos, temos fatores econômicos, políticos, geográficos (terremotos, tsunami), ambientais, religiosos, etc.

Sem dúvida, o conceito sociológico nos remonta à clássica ideia das fontes de direito e, no caso específico, da

fonte material do direito”.

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O certo é que o legislador não somente pode, mas deve legislar sobre todas as

matérias que se fizerem necessárias, mas sem esquecer a devida cautela, evitando o excesso

de leis, o que muitas vezes faz com que algumas delas sejam inócuas, desnecessárias.

PINHEIRO (1962, p. 14) afirma que “Entende-se por técnica legislativa a aplicação

do método jurídico à elaboração da lei”. Para o autor, a utilização desse método jurídico é

totalmente necessário para que o direito seja melhor entendido, seja mais acessível e,

consequentemente, aumente-se a segurança da sua realização. Dá ênfase a dois tipos de

simplificação, quais sejam: a quantitativa, aplicando neste caso a lei de economia, e a

qualitativa, que visa a ordenação da matéria tratada, reunida numa só unidade.

O mesmo autor ainda ensina que a finalidade da técnica legislativa é, outrossim,

conhecer o Direito em seu conjunto, “as leis que sobre o mesmo assunto existam, os trabalhos

da doutrina e da jurisprudência. Há regras de método, de ordem, de estilo” (PINHEIRO,

1962, p. 15)20.

Sendo assim, não pode o legislador editar leis a seu bel-prazer. Ao contrário, antes da

sua edição, é necessário que haja um estudo detalhado acerca da matéria tratada, evitando,

dessa forma, a existência de lacunas, de tratar de matéria já tratada ou mesmo de contradizer

assunto tratado em outro ato normativo. Ele deve passar por um sistema com cinco passos:

fixar a ideia, determinar o objetivo, planejar, desenvolver e traçar as conclusões. Deve a

legislação ser precisa, clara, ordenada e sem emoções.

É preciso, então, ao se elaborar um texto de lei, atentar para a sua apresentação

formal, ou seja, a sua redação propriamente dita, e para a apresentação material, isto é, para a

disposição do assunto devidamente diluído ou agrupado.

HORTA (2010, p. 499), ao tratar do tema, elenca assunto importante, já ressalvado

no capítulo anterior:

O processo legislativo não existe autonomamente como valor em si, pois é técnica a serviço de concepções políticas, realizando fins do poder. Daí sua mutabilidade no tempo e sua compreensão variada, refletindo a organização social, as formas de Governo e de Estado, a estrutura partidária e o sistema político. As relações entre o Executivo e o Legislativo podem ser substancialmente alteradas pelo número e pela disciplina dos partidos políticos, com reflexos inevitáveis na fixação do processo legislativo correspondente.

20 E continua o autor (PINHEIRO, 1962, p. 15): “A ´técnica legislativa, tomada em seu sentido lato, envolve todo

o processo evolutivo de elaboração das leis, isto é, desde a verificação da necessidade de legislar para um

determinado caso, até o momento em que a lei é dada ao conhecimento geral”.

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Desta feita, como visto, o processo legislativo será determinado de acordo com a

realidade social da época, além do corpo legislativo do qual irá advir, tendo em vista que a

mudança desse corpo, ou mesmo a opinião pública, crises sociais, pressões de grupos

organizados, lobbying, entre outros, refletem diretamente nos interesses das matérias a serem

tratadas por esse Poder.

Na verdade, a técnica legislativa é integrada no processo legislativo, pois pressupõe o

conhecimento das normas deste relativas à competência, iniciativa e forma para a criação de

normas de caráter geral. Assim, não é possível a criação de normas sem antes saber todos os

elementos mencionados, ou se correria o risco de a legislação ser inconstitucional.

Antes de 1998, as matérias eram objeto de atos normativos esparsos, em todos os

entes da federação, não existindo unificação e uniformização dos textos legislativos. Existiam,

ao contrário, vários textos tratando da mesma matéria, o que dificultava a compreensão plena

e correta do assunto.

Por isso, existe, desde 1998, através da Lei Complementar nº 95, a regulação das

atividades de elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, conforme dispostas no

art. 59 da Constituição Federal e de outros atos normativos federais.

Desta forma, as normas não serão mais criadas sem uma organização; ao contrário,

desde 1998, devem seguir estritamente os ditames do que consta na LC nº 95/98, ou seja,

devem seguir as técnicas de elaboração, redação e alteração das leis ali dispostas.

Primeiramente, a LC nº 95/98 trata da Estruturação das Leis, onde determina, em seu

artigo 3º21, que estas terão uma parte preliminar, que corresponderá à epígrafe (constitui a

especificação normativa tratada, o número de ordem e o ano de sua promulgação), à ementa

(resumo do objeto da lei) e ao preâmbulo (que conterá a indicação de quem praticou a edição

do ato, bem como a base legal da competência para praticá-lo), uma normativa, que

corresponde à substância, ao objeto da lei22, e uma final, que tratará de aspectos relacionados

à sua vigência, e até mesmo de revogação expressa de leis ou atos normativos anteriores.

21 Art. 3º A lei será estruturada em três partes básicas: I - parte preliminar, compreendendo a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas; II - parte normativa, compreendendo o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada; III - parte final, compreendendo as disposições pertinentes às medidas necessárias à implementação das normas de conteúdo substantivo, às disposições transitórias, se for o caso, a cláusula de vigência e a cláusula de revogação, quando couber. 22 Conforme sabiamente dispõe SOUZA (1998, p. 57-58): “O objeto legal deve ser único (...). Evita-se, assim, o tratamento assistemático e ampliativo das matérias e facilita-se, pela unicidade, a compreensão do conteúdo substantivo da lei”. E continua: “Conjugado a este dispositivo está aquele que veda o disciplinamento de um mesmo assunto por mais de uma lei. Admite-se o tratamento de uma mesma matéria por mais de um provimento

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A Lei Complementar nº 95/98 trouxe, ainda, algumas especificações, como, por

exemplo, delimitou o tempo necessário ao conhecimento da lei pela sociedade23, e passou a

não mais admitir a expressão “revogam-se as disposições em contrário”24. Isso porque essa

expressão trazia insegurança, pois não se sabia exatamente quais disposições estavam em

contradição com a nova lei, passando, dessa forma, a exigir a revogação de leis ou disposições

legais isoladas de maneira expressa.

Na Seção seguinte, a LC nº 95/98 trata da articulação e da redação das leis,

estipulando as regras de escrita destas, bem como a sua disposição em artigos, incisos,

parágrafos, alíneas e itens, além de regras que garantam que os termos utilizados na redação

serão claros e precisos, sem deixar margens a dúvidas e entendimentos dúbios.

Nesse sentido, bem explica SOUZA (1998, p. 60-61):

Para obtenção de clareza, a Lei prescreve, nas alíneas do inciso I do art. 11, o uso das palavras e das expressões em seu sentido comum, e o uso de expressões e palavras técnicas quando o objeto da lei for técnico, adotando-se a nomenclatura própria da área sobre a qual se esteja legislando.

As frases devem ser curtas e concisas, construídas na ordem direta, e o uso de

adjetivos deve ser evitado bem assim como o uso de neologismos e preciosismos, isto é, o emprego de palavras novas ou velhas, que tenham adquirido outra concepção corrente, e o de sutilizas de sentido pouco claro.

Sendo assim, a clareza e a precisão são estritamente necessárias para a confecção da

lei, a fim de não pairarem dúvidas acerca de sua margem de aplicação e de determinação.

Ao fim, a Lei Complementar nº 95/98 trata da alteração das leis, bem como da sua

consolidação e de outros atos normativos. Quanto à primeira, alude para três hipóteses de

alteração, quais sejam: a alteração considerável, que deve ser promovida através da

reprodução integral em novo texto; a revogação, que retira do universo jurídico as normas

revogadas; e as alterações pequenas, que é o caso da substituição de normas existentes por

outras e até mesmo pelo acréscimo de nova norma na lei existente.

legislativo quando o posterior vier a complementar lei considerada básica, fazendo isso através de remissão expressa. Quanto ao âmbito de aplicação da lei, este deverá ser estabelecido de forma específica a fim de assegurar, tanto quanto possível, o conhecimento técnico ou científico da área respectiva”. 23 Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão. § 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. § 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’ . 24 Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.

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Quanto à consolidação das leis e outros atos normativos, teve por finalidade corrigir

a enorme quantidade de legislação que existia acerca do mesmo assunto, servindo para

organizar o ordenamento jurídico. Foi concedido prazo para essa consolidação no âmbito

federal e, quanto às esferas estadual e municipal, elas também estabeleceram prazo em

legislação própria para fazer o mesmo.

Segundo FREIRE (2002, p. 48), quanto à possibilidade e necessidade de os Estados

tratarem da matéria no seu âmbito,

Até que a generalidade dos Estados-membros e dos Municípios normatize o procedimento de elaboração dos atos normativos, continuarão sendo observadas, no âmbito dos respectivos órgãos legislativos e executivos, bem como no dos órgãos judiciários, no caso dos Estados, recomendações ou convenções internas, o que, a par de não conferir o necessário rigor técnico ao citado procedimento e, portanto, ao ato dele resultante, não contribuirá para que a redação dos textos legais ou regulamentares obedeça a critérios uniformes.

Uma consulta aos textos constitucionais vigentes nos Estados demonstra que

a edição de lei complementar reguladora da técnica legislativa é requerida pelas Constituições dos Estados do Acre, do Amazonas, da Bahia, do Espírito Santo, de Goiás, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul, do Pará, do Paraná, de Pernambuco, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de São Paulo, de Sergipe, do Tocantins.

Nos Estados que não contêm previsão de lei complementar relativa à matéria,

a técnica legislativa há de ser objeto de lei ordinária, por não se recomendar a utilização, para esse fim, de instrumentos outros, como a resolução ou o decreto legislativo, que não se revestem de todos os requisitos formais da lei e não têm, em princípio, a generalidade desta.

(...) Não obstante se considere caber aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios editar suas próprias leis sobre a matéria contemplada na Lei Complementar n. 95, de 1998, entende-se que a prescrição do parágrafo único do art. 59 da Constituição da República, dirigida à União, se inclui nas normas centrais, de observância obrigatória por parte dos demais entes da Federação brasileira.

Dessa feita, é de se concluir que, mesmo que os Estados-membros e Municípios não

tenham editado as normas devidas que tratem da consolidação das leis, devem ser utilizados

os parâmetros adotados pela esfera federal, como normas centrais e de obediência obrigatória

pelos demais entes federados.

Assim, em síntese, a Lei Complementar nº 95/98 trouxe várias contribuições para a

esfera do processo legislativo, visando principalmente estipular uma regulação para a

organização das normas já editadas e das que iriam sê-lo, pugnando por normas claras e

precisas, e que não deixassem o intérprete em dúvida sobre o seu sentido, contribuindo,

principalmente, para a segurança jurídica das relações existentes entre os cidadãos e os entes

federados.

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Outrossim, apesar da nítida e clara intenção da Lei Complementar mencionada, se

faz mister esclarecer que não bastou para tornar bem organizado o Poder Legislativo

brasileiro e as normas que dele provêm, do qual continuam incorrendo legislações nebulosas e

muitas vezes inconstitucionais, o que assoberba os Tribunais Superiores pátrios.

2.3 CONCEITO DE LEI E REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

Já foi bastante discutido no presente trabalho o princípio da legalidade e alguns

aspectos gerais do processo legislativo. No entanto, antes de adentrar no estudo das espécies

legislativas, se faz mister responder a uma questão-chave: o que é, afinal, a lei?

O conceito de lei não é unânime na doutrina, pois cada estudioso faz uma abordagem

diversa dela, o que remonta a inúmeros e variados conceitos. A título de exemplo, José

Afonso da Silva (apud SOUZA, 1998, p. 67) assim afirma: “a lei, como esquema genérico do

Direito, é o resultado, a concretização, no plano prático, da conduta do Estado-legislador”.

Trata-se a lei, portanto, de ato escrito e advindo da função legiferante do Poder

Estatal, desenvolvida pelo Poder Legislativo (SOUZA, 1998, p. 67), de ato primário, já que

tem fundamento direto na Constituição Federal, além de ter caráter de generalidade, pois

destina-se a todos; abstrato, ou seja, não regula uma situação concreta nem um cidadão

determinado, característica da impessoalidade; cogente, isto é, obrigatório para todos; além de

ser elemento inovador da ordem jurídica.

Diz-se, então, que a lei é desenvolvida pelo Poder Legislativo em sua função típica,

no entanto, como bem se sabe, os atos normativos também podem emanar dos Poderes

Executivo e Judiciário, como funções atípicas destes e como já analisado anteriormente.

Importante é também para o presente trabalho traçar o conceito de lei analisando-a

pelos seus aspectos formal e material. Serpa Lopes, citado por SOUZA (1998, p. 68-69), bem

explica a diferença entre eles:

(...) a lei de dois elementos: o primeiro, a matéria consistente numa norma geral, com efeito dispositivo; o segundo, a forma, que consiste no nascimento dessa norma, mediante um processo predeterminado e elaborado pelos poderes competentes. Pode ocorrer que uma lei surja, carecendo de um desses dois elementos. Se se trata do primeiro, isto é, se a norma não se reveste daquele caráter geral e obrigatório necessário a ser obedecida, estamos diante de uma lei puramente formal, nada obstante o processo de sua elaboração ter-se revestido de todos os requisitos próprios. Tem o caráter puramente formal, vista que lhe falta o conteúdo necessário a se tornar obedecida ou a impor o seu comando. Exemplos de leis dessa categoria são os atos administrativos reguladores da atividade do Estado, leis determinadoras das circunscrições judiciárias, que reconhecem a personalidade jurídica de uma sociedade, etc. Se a lei carece do segundo elemento, isto é, se se está

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ante uma lei dotada de todos os característicos de obrigatoriedade e de generalidade, sem que, contudo, para a sua elaboração hajam concorrido todos os elementos formais, temos uma lei puramente material, como, v.g., os atos do Poder Executivo, contendo normas jurídicas obrigatórias, ditadas em conformidade com a lei que os autoriza, tal qual sucede nos decretos e regulamentos.

Em síntese: há lei material, quando esta se apresenta com a substância porém

não com a forma de lei; há lei formal, quando ela nasceu com o mesmo rito e forma de uma lei, mas sem trazer em seu conteúdo a respectiva substância.

Desta forma, os aspectos material e formal da lei se caracterizam, em síntese, por

aquele tratar na matéria correta determinada pela norma, enquanto que este se refere ao

atendimento das formalidades exigidas e necessárias para a confecção do ato normativo.

Não se pode olvidar ainda da existência do princípio da supremacia da constituição

sobre as demais normas, já que todas têm por base dos ditames da Carta Magna e,

consequentemente, com ela devem ser compatíveis25.

Outro ponto que não deve se deixar de analisar é que as normas constitucionais

podem ser divididas, nas palavras de José Afonso da Silva (apud PUCINELLI JÚNIOR,

2013, p. 76), em de eficácia limitada, de eficácia contida e de eficácia plena. Estas serão

aquelas normas constitucionais que, a partir do momento em que nasceram, são autoaplicáveis

e auto exigíveis, sem a necessidade de outra norma, geralmente infraconstitucional, dela

tratar. As de eficácia contida apresentam alto grau de eficácia, podendo produzir todos os seus

efeitos plena e imediatamente, mas possivelmente não integralmente. Assim, estas, desde que

nascem, possuem efeitos plenos, mas o constituinte deixou margem à atuação restritiva por

parte da competência discricionária do Poder Público, na forma como a lei estabelecer26. Por

último, as normas de eficácia limitada são aquelas que não surtem plenamente os seus efeitos

de imediato, sendo estritamente necessária a complementação legislativa para que possam ter

aplicação integral. Assim, essa espécie não é autoaplicável, pois se condiciona a uma futura e

incerta integração normativa.

É justamente nesse ponto que a complementação da legislação constitucional se faz

tão necessária. A Constituição Federal deixou à margem do legislador infraconstitucional o

domínio de pormenores sobre várias matérias, o que será realizado através das mais variadas

espécies normativas, como será analisado adiante. 25 Não se pode deixar de fazer alusão, nesse interim, à famosa pirâmide de Kelsen, o qual entendia que a Constituição Federal estava no ápice, enquanto que as leis estavam no meio e os demais atos normativos, abaixo, devendo estes obediência às leis e estas, à constituição. A Carta Maior, assim, para Kelsen, deveria ser obedecida e servir como fundamento para todo e qualquer ato normativo, caracterizando sua supralegalidade e supremacia. 26 Um exemplo de norma constitucional de eficácia contida é o art. 5º, XIII, da CF/88, que aduz ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer. Pois bem, no caso, a Ordem dos Advogados do Brasil, em seu Estatuto, defende que o advogado somente poderá exercer a advocacia se devidamente aprovado em exame da Ordem.

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E essa é a importância do estudo do critério de repartição de competências. É que,

como se sabe, a Constituição Federal de 1988 estabelece uma ordem de divisão de leis em

razão da competência, em que deve a lei federal traçar as regras gerais e os outros entes

federativos, as regras específicas sobre as matérias que assim delimite, fazendo alusão ao

Princípio da Predominância dos Interesses, em que a União tem sempre interesse geral; os

Estados-membros têm interesse regional e os Municípios, interesse local, possuindo o Distrito

Federal interesse regional e local.

Há, assim, matérias reservadas para a competência da União, e outras aos Estados e

aos Municípios, bem como ao Distrito Federal, o que caracteriza a repartição de

competências, que pode ser vertical ou horizontal, e consta a partir do art. 18 da CF/88. Como

o presente trabalho será adstrito à análise de leis e princípio da legalidade, é importante tão-

somente analisar, de forma ampla, as competências legislativas dos entes federativos.

A União possui competência para legislar privativamente sobre algumas matérias,

que são tidas como as mais relevantes e de interesse comum à vida social no país, conforme

dita o art. 2227 da CF/88. Esse rol não é taxativo, e cabe a tal ente federativo legislar também

sobre outras matérias, da forma como disciplinar a Carta Magna.

27 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; II - desapropriação; III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; V - serviço postal; VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais; VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; VIII - comércio exterior e interestadual; IX - diretrizes da política nacional de transportes; X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial; XI - trânsito e transporte; XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia; XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização; XIV - populações indígenas; XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros; XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões; XVII - organização judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa destes; XVIII - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais; XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular; XX - sistemas de consórcios e sorteios; XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais; XXIII - seguridade social; XXIV - diretrizes e bases da educação nacional; XXV - registros públicos; XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;

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É possível, ainda, nos termos no mesmo dispositivo legal, que a União Federal

autorize os Estados-membros, através de lei complementar, a legislar sobre alguma matéria de

competência privativa daquela, devendo tratar de questões específicas aos Estados, não se

configurando como uma “liberdade total” para o legislador estadual editar normas como bem

entenda.

A competência legislativa dos Estados e do Distrito Federal é residual, ou seja, não é,

em sua grande maioria, explicitada na Carta Constitucional.

E é exatamente por isso que se fala também em competência legislativa concorrente,

quando ocorre um verdadeiro condomínio legislativo (MENDES; BRANCO, 2014, p. 828),

do qual resultarão normas gerais a serem editadas pela União, consideradas as não exaustivas,

traçando planos e regras gerais, e normas específicas a serem editadas pelos Estados-membros

e pelo Distrito Federal, com a finalidade de legislar para o Estado ao qual se dirige a lei, nos

termos do art. 2428 da CF/88.

Caso a União Federal não edite as normas gerais, é possível aos Estados e ao Distrito

Federal editarem as leis específicas de forma plena, com a advertência que, caso futuramente

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional; XXIX - propaganda comercial. Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. 28 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II - orçamento; III - juntas comerciais; IV - custas dos serviços forenses; V - produção e consumo; VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX - educação, cultura, ensino e desporto; X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; XI - procedimentos em matéria processual; XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; XIII - assistência jurídica e Defensoria pública; XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; XV - proteção à infância e à juventude; XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis. § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

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a União trate de legislar sobre as regras gerais daquela matéria, o que contiver na legislação

estadual que seja contrário ao que está na lei federal, ficará com seus efeitos suspensos,

devendo sempre ser aplicada a lei federal.

A competência municipal para legislar está contida no art. 3029 da CF/88, e somente

poderá tratar de questões relativas ao interesse local e somente poderá suplementar o que as

legislações federais e estaduais já dispuserem, não lhes sendo possível editar qualquer norma

fora desses parâmetros.

Dessa forma, a Constituição Federal está no ápice, com supremacia e

supralegalidade, e todos os demais atos normativos devem ser disciplinados obedecendo aos

seus ditames, independentemente do ente federativo que os editar.

A lei, como afirmado no início deste tópico, é uma norma jurídica de qualquer

espécie, sendo produzida pelo Poder Legislativo em conformidade ao que prescreve a

Constituição, sendo dotada de coercibilidade, generalidade e abstração. Nesse sentido, serão

consideradas leis a Constituição Federal, as emendas constitucionais, as leis complementares

e ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos, resoluções,

decretos regulamentares e normas internas, espécies estas que serão analisadas de forma breve

a seguir.

2.4 DAS ESPÉCIES LEGISLATIVAS

Neste tópico, serão analisadas as espécies normativas consignadas no art. 59 da

Constituição Federal30, quais sejam, as emendas à Constituição, as leis delegadas, as medidas

provisórias, os decretos legislativos e as resoluções. As leis ordinárias e complementares

serão estudadas no capítulo seguinte, que tratará de especificar suas características, diferenças

e funções.

29 Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; 30 Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

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A princípio, FERREIRA FILHO (1995, p. 192) faz uma crítica à estrutura do

mencionado artigo 59 da Carta Suprema, no sentido de que se tentou, ali, sistematizar a

matéria, só que nem todos os atos normativos estão ali dispostos, como ocorre com os

regimentos internos dos tribunais, assim como os regulamentos do Poder Executivo. Além

disso, complementa o doutrinador, no mencionado dispositivo constam os decretos

legislativos e resoluções, que não possuem o caráter de instauração de normas gerais e

abstratas, as quais são características essenciais das leis em sentido geral, como visto

anteriormente.

Passadas essas considerações preliminares, serão estudadas, a seguir, as diversas

modalidades legislativas, de forma breve e concisa, conforme preconizadas pelo artigo 59 da

Constituição Federal de 1988.

2.4.1 Emendas à Constituição

As emendas constitucionais são tratadas no artigo 60 da Constituição Federal de

198831, e dizem respeito a modificações nesta realizadas. Se tratam de espécies normativas

primárias, produzidas através de procedimento e quórum especial e, uma vez aprovadas, se

tornam normas constitucionais com o mesmo status de qualquer outra, se sujeitando,

inclusive, ao controle de constitucionalidade.

Não se confundem com as emendas de revisão, como bem disciplina DANTAS

(1997, p. 28),

Em síntese: para nós, há uma diferença de amplitude entre Emenda e Revisão

Constitucionais, pelo menos se as olharmos pela óptica da Constituição de 5.10.88, a

31 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

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segunda tendo um sentido global, enquanto a primeira, de caráter restrito, não sofre nenhuma limitação temporal além daquelas mencionadas no parágrafo 1º do art. 60, enquanto que na Revisão, além destas, havia o limite de cinco anos.

Desta feita, nos termos do artigo 60 da CF/88, esta poderá ser emendada através de

proposta de, no mínimo, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal; do Presidente da República; ou de mais da metade das Assembleias Legislativas das

unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus

membros.

Assim, diferente do que ocorre com as outras espécies normativas, como será visto a

seguir, as emendas constitucionais não podem ser propostas pela vontade isolada de um

parlamentar, já que a Carta Magna exigiu a assinatura de um número determinado deles para a

apresentação de seu projeto.

Essa medida se dá com a finalidade de tornar mais difícil a reforma da Constituição,

que é o documento mestre de todo o ordenamento jurídico e que, por isso, deve estar

protegido de mudanças indevidas e por vontade de poucos, garantindo a segurança jurídica

tão perseguida pela ordem jurídica.

As Assembleias Legislativas também são titulares e podem propor emendas

constitucionais, o que garante a participação democrática nas possíveis reformas, o que não

era permitido pelas Constituições Federais brasileiras de 1937 e 1969 (DANTAS, 1997, p.

31). Além disso, ao Presidente da República, chefe do Poder Executivo, também é garantida a

iniciativa de propor emendas constitucionais.

No entanto, não é em qualquer momento que a Constituição Federal pode ser

emendada, motivo pelo qual existem as chamadas limitações ao processo de emenda, as quais

podem ser temporal, material e processual. Nesse sentido é que o §1º do art. 60 consigna que,

em casos de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio, não poderá haver emendas à

constituição, com a nítida finalidade de manter a ordem jurídica o mais estável possível e sem

a possibilidade de se fazer ameaças ao Estado Democrático de Direito.

As cláusulas pétreas, disciplinadas no §4º do mesmo art. 60 (forma federativa de

Estado; voto direto, secreto, universal e periódico; separação dos Poderes e direitos e

garantias fundamentais), não podem também ser modificadas através de emenda

constitucional, mais uma vez, com a finalidade de assegurar a segurança jurídica dos

cidadãos, pois, caso essas pudessem ser modificadas, não se garantiria nenhum direito, muito

menos o Estado Democrático de Direito.

Como muito bem lembra DANTAS (1997, p. 32),

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Tais limitações, evidentemente, só funcionam quanto ao Poder de Reforma (daí porque acima falamos em “vigência do processo constitucional”!) sendo desnecessário dizer-se que não atingem o exercício do Poder Constituinte, ilimitado, sob o ponto de vista jurídico-positivo.

E, a respeito da impossibilidade de emenda constitucional tendente a modificar

alguma cláusula pétrea, muito bem continua os seus ensinamentos DANTAS (1997, p. 33):

A esta altura, encontramos na própria Lei Maior, um aspecto que merece ser destacado: não é necessário que a proposta de emenda traga, em si, diretamente,

uma ameaça de alcançar os princípios citados. Suficiente será apenas que esteja marcada por uma tendência à abolição de qualquer um dos incisos que compõem o art. 60, parágrafo 4º, para que não possa, nem ao menos, ser proposta. Em consequência, só a visão sistêmica do texto constitucional, embasada em conceitos de Ciência Política, é que informará quais os pontos “isentos” ou “sacralizados” do texto. O que caracteriza uma Federação? E a Separação dos Poderes? E os Direitos e Garantias Individuais?

A resposta que se dê a cada uma das interrogações acima formuladas, e sua

identificação no texto global da Constituição, já torna a proposta de emenda por si só impossível, até mesmo pelo fato de apenas visar diminuir os parâmetros já hoje consagrados, e que, então, só não resistiriam ao exercício do Poder Constituinte, pela sua própria natureza fática, sociológico-política.

Quanto ao procedimento, as emendas à constituição possuem um rito próprio: a

discussão e a votação ocorrem em dois turnos em cada uma das Casas (Câmara dos

Deputados e Senado Federal), e a aprovação do projeto ocorre com a obtenção de três quintos

dos votos favoráveis dos membros de cada Casa.

FERNANDES32 (2014, p. 884-885) dá um exemplo bastante didático para entender o

procedimento das emendas constitucionais, e que vale a pena conferir:

1ª) Fase: iniciativa: apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) pelos legitimados do art. 60, I, II, III, da CR/88 na Casa que será a Casa iniciadora → a PEC apresentada vai para a Mesa da Casa (no exemplo, ora trabalhado, será a Mesa da Câmara dos Deputados)

2ª) Fase: Constitutiva → A Mesa da Câmara encaminha à CCJ da Câmara

→ a CCJ terá 5 sessões para realizar um juízo de admissibilidade sobre a PEC → admitida a PEC, ela seguirá para uma comissão especial → A comissão especial (temporária) terá 40 sessões para elaborar um parecer sobre a PEC → posteriormente, a PEC será encaminhada ao 1º Turno de votação na Câmara dos Deputados, tendo como quórum necessário para a sua aprovação o quórum de 3/5 dos membros da Casa → aprovada em 1º turno ela irá a votação no 2º turno → aprovada em 2º turno por 3/5 dos votos → a PEC será encaminhada para a outra

32 O autor divide o processo legislativo em três fases, quais sejam: a introdutória ou de iniciativa (fase de deflagração do processo legislativo, que faz com que ele tenha início); a constitutiva (fase de tramitação do processo legislativo, em que ocorrerão as discussões e deliberações das proposições normativas), e a complementar (atestado de existência da norma e sua apresentação ao território nacional).

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Casa (que no nosso exemplo será o Senado) → no Senado a PEC vai para a Mesa do Senado → da Mesa, a PEC será encaminhada à CCJ do Senado, que será encarregada de realizar um juízo de admissibilidade e um parecer sobre a PEC num prazo de 30 dias → posteriormente, a PEC será encaminhada ao plenário para deliberação em 1º Turno → se aprovada com o quórum de 3/5, a PEC será encaminhada para a deliberação em 2º Turno → se aprovada em 2º turno, no Senado

3ª) Fase: Complementar (integração de eficácia): aprovada em dois turnos,

nas duas Casas, surge uma nova emenda constitucional, que conforme o art. 60 §3º da CR/88, será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

É mister salientar que podem ser apresentadas emendas à PEC tanto na

Câmara quando no Senado. Só que aqui temos uma observação. O quórum para a apresentação de uma emenda à PEC será de 1/3 dos membros da Casa (171 deputados na Câmara de 27 senadores no Senado). Outra questão interessante é que se na “Casa revisora” (embora esse termo não seja o mais adequado, usamos aqui, como há dito, para fins didáticos), seja o Senado (como trabalhado em nosso exemplo) ou a Câmara dos Deputados, for aprovada a PEC com emendas e ocorrer uma alteração substancial na PEC, ela deverá ser encaminhada à “Casa iniciadora” do procedimento para a apreciação das emendas.

Desta forma, as emendas constitucionais possuem uma formalidade para serem

aprovadas, necessitando de aprovação por 3/5 dos membros das Casas, o que sem dúvidas é

um quórum bastante difícil de ser atingido, com a finalidade de tornar mais dificultoso o

processo de mudança constitucional.

Nos termos do §5º do art. 60, se for rejeitada ou prejudicada, o projeto da emenda

não poderá ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, só podendo sê-lo na

próxima sessão legislativa.

Por fim, as emendas constitucionais não se submetem à sanção ou ao veto do Poder

Executivo, mas tão somente são promulgadas pelas Mesas das Casas Legislativas, sendo

publicadas pelo Presidente do Congresso Nacional, se caracterizando, desta feita, como ato

soberano das Casas.

2.4.2 Lei Delegada

As leis delegadas são disciplinadas pelo art. 6833 da Constituição Federal, sendo

espécie normativa primária e se caracterizando como delegação de atribuições do Poder

33 Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional. § 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

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Legislativo ao Executivo de forma excepcional, sendo, assim, elaboradas pelo Presidente da

República, com a devida anuência e autorização do Congresso Nacional.

Sobre o motivo pelo qual essas normas existem, muito bem explica DANTAS (1997,

p. 39):

A justificativa desta categoria legislativa, segundo apontam os doutrinadores, seria a sempre crescente intervenção do Estado na área antes destinada às soluções privadas, o que obrigaria, diante das mudanças sociais, prontas e rápidas decisões, não passíveis de serem atingidas pela falta de assessoramento técnico ao Legislativo, sobretudo, se o olharmos frente ao mecanismo que rodeia o Executivo, em sua feição administrativa, conforme tivemos oportunidade de estudar em nosso livro “Teoria do Estado – Direito Constitucional – I”.

FERNANDES (2014, p. 868) trata do procedimento para a elaboração de leis

delegadas:

1ª) Fase de iniciativa: Como é deflagrado o processo de elaboração de uma lei delegada? É mister salientar que a Lei delegada sempre dependerá de iniciativa do Presidente da República. É a chamada iniciativa solicitadora do Presidente da República.

2ª) Fase constitutiva: O pedido (solicitação) do Presidente é encaminhado ao

Congresso Nacional. Nesses termos, a proposta será remetida (ou apresentada) ao Presidente do Senado Federal, que convocará sessão conjunta, a ser realizada dentro de 72 (setenta de duas) horas, para que o Congresso Nacional dela tome conhecimento. Nessa sessão, será constituída Comissão Mista para emitir parecer sobre a proposta. Posteriormente, publicado o parecer, será convocada sessão conjunta para votação da matéria. Certo é que, a apreciação no Congresso se dará por quórum de maioria simples. Aprovado o pedido, por maioria simples, a delegação será efetivada sob a forma de uma resolução do Congresso Nacional. Essa resolução fixará os termos, os limites e as condições da delegação.

3ª) Fase complementar: A promulgação e publicação da Lei delegada será

realizada pelo Presidente da República, conforme observaremos adiante no estudo das características.

Se faz mister ressalvar que a delegação realizada pelo Congresso Nacional através de

resolução deve especificar o conteúdo da matéria delegada, justamente com a finalidade de

não se confundir a delegação com um “abrir mão” de legislar sobre o assunto, nem mesmo

com uma transferência definitiva de competência.

Vale ressaltar que, uma vez autorizada a delegação, será fixado o prazo de até 45

(quarenta e cinco) dias para a promulgação e publicação da lei ou remessa do projeto

§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício. § 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.

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elaborado pelo Presidente para a apreciação pelo Congresso e, caso tal prazo não seja

cumprido, haverá a insubsistência na delegação.

Além disso, o Congresso pode sustar a resolução que autorizou o Presidente da

República a editar a lei, ou mesmo editar lei sobre a matéria, em face do princípio da

separação dos poderes, já que, mesmo com a delegação, o Legislativo não perde as suas

funções típicas.

Por fim, o Presidente pode, após a delegação, elaborar ou não a lei. Neste caso, nota-

se a inocuidade do procedimento, que acabou por utilizar tempo, e nada foi feito. E, ainda,

pode o Congresso Nacional sustar a lei produzida pelo Presidente da República, com efeitos

ex nunc, com base no art. 49, inciso V34, da Constituição Federal vigente.

Por isso mesmo, é instituto de pouca utilização, até mesmo porque ao Executivo é

possível a edição de medidas provisórias. Além disso, o §1º do art. 68 apresenta um rol

taxativo de matérias a respeito das quais não pode haver delegação de competência, sob pena

de caracterizar invasão de competência privativa dos Poderes.

2.4.3 Medida Provisória

As medidas provisórias, nos termos do art. 6235 da Constituição Federal, podem ser

elaboradas e editadas pelo Chefe do Poder Executivo, qual seja, pelo Presidente da República,

34 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; 35 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

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com força de lei, quando houver comprovada urgência ou relevância do interesse público, sem

haver, no entanto, a existência de restrições quanto ao seu campo de incidência, e devem ser

apreciadas pelo Congresso Nacional em prazo de 60 (sessenta) dias prorrogáveis pelo mesmo

período.

DANTAS (1997, p. 56) muito bem trata do assunto, afirmando que:

A análise científica do instituto constitucionalmente previsto, impõe ao estudioso, de início, chamar a atenção para o fato de que o Poder Executivo atua, normalmente, expedindo decretos, ora para colocar em execução as leis aprovadas pelo Congresso, ora para movimentar as funções administrativas que a Constituição e as leis apontam como de sua atribuição.

E continua (1997, p. 58):

Essa legislação de urgência encontra-se em vários países, ora regulada em textos constitucionais, ora tolerada pela necessidade de. Distingue-se das leis delegadas por ser uma competência legislativa autônoma e direta, pertencente ao Executivo, embora, geralmente, sujeita à ratificação do parlamento. Represente uma espécie de processo legislativo autocrático, sobrevivendo, de modo limitado, num habitat de governo representativo. Por esse motivo, o seu âmbito deve ser interpretado ainda mais restritivamente do que a da delegação legislativa.

É exatamente neste ponto que é possível fazer críticas a esses atos normativos: é que

as medidas provisórias não são elaboradas pelo Poder Legislativo, mas pelo Executivo,

através do Presidente da República, e entram em vigor antes e independentemente de qualquer

pronunciamento do Legislativo, que só o fará posteriormente. No entanto, não se pode

defender que, nesse caso, se eleva o Presidente da República a legislador, pois em momento

algum isso ocorre.

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.

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Há doutrinadores como Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco

(2014, p. 900), que entendem que, por conta da provocação que leva ao Congresso Nacional

para deliberar sobre o assunto nela contido, a medida provisória se reveste do caráter de

projeto de lei ou proposição legislativa de iniciativa do Poder Executivo.

Iniciando a análise dos pressupostos para a edição de medidas provisórias, DANTAS

(1997, p. 59) esclarece:

Feitas estas observações propedêuticas às denominadas Medidas Provisórias, e lembrando que elas representam uma exceção ao procedimento normal de

elaboração legislativa, cumpre-nos destacar que seu cabimento deverá ser interpretado sempre em sentido estrito, submetendo, portanto, seus pressupostos ou requisitos a uma criteriosa e rígida análise, sob pena de descaracterização do instituto e, mais do que isto, de através dele correr-se um risco profundo de atentado à manutenção do Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição Federal).

Sendo assim, a urgência que justifique a edição de medidas provisórias poderia ser

caracterizada como a impossibilidade na espera de cem dias para que uma lei ordinária seja

aprovada disciplinando a matéria, já que o tempo contabilizado através do art. 64, em seus

§§1º a 3º, para a edição de uma medida provisória, seria de cerca de cem dias. Assim, se for

possível a edição de uma lei ordinária num prazo inferior a esse, não se justificaria a urgência

na edição da medida provisória. Já o requisito da relevância pode ser entendido como algo

que seja relevante para a nação.

DANTAS (1997, p. 60) trata desse assunto, aduzindo que:

A previsão constitucional que deveria ser vista como excepcional, chegou ao ponto, nos Governos que se seguiram a 1988, de assumir procedimento legislativo diário, através do qual, em alguns casos, nem mesmo as limitações estabelecidas no §4º do art. 60 da CF são levadas em conta, quando, por exemplo, “direitos e garantias individuais” (inatingíveis pela Reforma ou Emenda Constitucional) foram feridos por edição de Medidas Provisórias flagrantemente inconstitucionais.

Explicando melhor: a relevância de que fala o texto constitucional chegou ao

ponto de entender ser possível ao Presidente da República lançar mão da liberdade individual e da propriedade privada (ambos direitos assegurados no art. 5º e, portanto, inalteráveis pelas vias normais até mesmo do Poder de Reforma) das pessoas, quando expediu as Medidas de nº 168 (que instituiu o novo sistema financeiro e autorizou o bloqueio de cruzados, aprovada pelo Congresso e convertida na Lei nº 8.024/90) e de nº 153 e 156 (sobre crimes de abuso do poder econômico e crimes de sonegação fiscal, respectivamente), estas últimas retiradas do Congresso Nacional pelo próprio Executivo, embora já tivessem produzido efeitos práticos de consequências, sobretudo morais, àqueles que por elas foram atingidos.

E finaliza o seu discurso aduzindo que (1997, p. 62-63):

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Do que ficou dito, sente-se que os conceitos de relevância e urgência apontados pelo texto constitucional brasileiro, como de resto o de extraordinário caso de necessidade do art. 77 da Constituição italiana, formam algo em torno do qual não se pode estabelecer conteúdo rígido, e daí a indispensável apreciação, caso a caso, pelo Poder Legislativo, a fim de apurar-se sua caracterização.

No entanto, dois pontos não podem ser relegados a plano secundário: a) mesmo não havendo balizamento explícito-material no art. 62 e seu

parágrafo único, o preenchimento dos pressupostos formais da Medida Provisória editada não poderão ir de encontro ao texto constitucional como um todo (visão-interpretação sistêmica), ao que não escapa, nem mesmo o Poder de Reforma, sobretudo, na compreensibilidade da expressão “tendente a abolir” (art. 60, §4º).

b) é preciso que se tenha presente que relevância (mesmo levando em conta a ironia de NELSON SE SOUSA SAMPAIO) é o mesmo que importância, já que relevante significa saliente, grande, notável. Ora, mas como toda matéria legislada, presumivelmente, tem em si mesma a característica de relevância, aquela que seja objeto de Medida Provisória tem que ser, ao mesmo tempo, portadora de urgência, o que equivale dizer-se, que traga em si a marca da pressa, da carência, do aperto ou da pressão.

Sendo assim, são requisitos necessários e obrigatórios a comprovação da urgência e

da relevância da matéria tratada na medida provisória, e é por esse motivo que é possível o

controle judicial destas. Na verdade, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que é

permitido analisar a constitucionalidade material da medida provisória, ou seja, se o conteúdo

dela contraria ou não as disposições constitucionais, enquanto que a constitucionalidade

formal, ou seja, a análise da relevância e da urgência da medida provisória, só seria possível

em casos excepcionais, pois se trata de juízo discricionário do Presidente da República.

Além disso, as medidas provisórias não podem regular toda e qualquer matéria, nos

termos do §1º do art. 62 da CF/88, que apresenta verdadeiras limitações materiais em sua

regulação, não deixando margem ao Poder Executivo para legislar sobre tudo o que quiser,

sob pena de violação do princípio da separação dos poderes.

FERNANDES (2014, p. 873-874) trata, mais uma vez, do procedimento das medidas

provisórias, com e sem emendas:

Aprovação de uma Medida Provisória sem emendas Presidente elabora e publica a MP → MP enviada para a Mesa do Congresso

→ Mesa designa Comissão Mista Temporária (12 deputados e 12 senadores) → Caberá a essa Comissão Mista elaborar um parecer que versará sobre: a relevância e urgência, adequação financeira e o mérito da MP (conteúdo) → Posteriormente, a MP será enviada para a deliberação da Câmara, a saber: haverá a análise dos requisitos formais (relevância e urgência) e do mérito da MP e o quórum de votação será o de maioria simples → Aprovada a MP na Câmara, ela será encaminhada para a deliberação no Senado, a saber: também no Senado Federal haverá a análise dos requisitos formais (relevância e urgência) e do mérito da MP e o quórum de votação será o de maioria simples → Aprovada a MP no Senado → O Presidente do Senado (que é o Presidente do Congresso Nacional) irá promulgar → e o Presidente da República irá publicar a lei (Lei ordinária).

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Aprovação de uma Medida Provisória com emendas Presidente elabora e publica a MP → MP é enviada para a Mesa do

Congresso → Mesa designa Comissão Mista Temporária (12 deputados e 12 senadores) → A Comissão Mista terá a função de elaborar o parecer sobre a MP. Porém, aqui já uma observação: Existirá um prazo de 6 dias, contados da data da publicação da MP, para que sejam apresentadas emendas à MP (era de 5 dias até 2002 com base na Resolução nº 01/89, mas com a Resolução nº 01/02 do Congresso Nacional, o prazo passou para 6 dias). Então, deputados e senadores têm esse prazo para apresentar as emendas à MP → Apresentadas emendas a MP, temos que: se a comissão mista elaborar um parecer favorável às emendas, ele ainda terá, a partir daí, mais duas funções: a) elaborar um projeto de lei de conversão, ou seja, um projeto de lei para que a MP seja convertida no mesmo; b) elaborar um projeto decreto legislativo para regular as situações jurídicas que ocorreram à época da MP pura. → na sequencia a MP com emendas, é encaminhada para apreciação no Senado → aprovada com emendas no Senado → a MP será convertida em um projeto de lei. Nesse sentido, isso ocorrerá porque o legislativo mudou a MP elaborada pelo Presidente da República e, com isso, tem que lhe ser dada a oportunidade de manifestar sobre essas modificações. Assim sendo, temos duas possibilidades: Se o Presidente da República sanciona o PLO, esse vira lei, e o Presidente irá promulgar e publicar a nova Lei ordinária que acaba de surgir no ordenamento. Porém, se o Presidente veta o PLO, o mesmo volta para a apreciação do Congresso Nacional com base no art. 66 da CR/88 em sessão conjunta com a necessidade de quórum de maioria absoluta em votação secreta para a rejeição do veto dado pelo Presidente. Se o veto for rejeitado, será encaminhada a lei para o Presidente da República promulgar e publicar. Se o veto for mantido, o PLO irá para o arquivo.

É importante esclarecer que, nos termos do §6º do art. 62 da CF/88, caso a medida

provisória não seja apreciada em até 45 (quarenta e cinco) dias contados de sua publicação,

entra em regime de urgência, momento em que todas as demais deliberações legislativas da

Casa em que estiver tramitando são sobrestadas até que seja devidamente votada.

Caso a medida provisória seja rejeitada expressamente (quando é rejeitada por não se

alcançar o quórum de maioria simples para a sua aprovação) ou tacitamente (quando acaba o

prazo de 60 dias prorrogáveis por mais 60 para a votação e não é apreciada pelas duas Casas),

ela perde a sua eficácia desde a sua edição, ou seja, com efeitos ex tunc. As relações ocorridas

quando a medida provisória estava em vigor deverão ser reguladas através de decreto

legislativo, que deverá ser elaborado no prazo de 60 dias pelo Congresso Nacional. Se não

for, as relações continuarão sendo regidas por seus ditames, mesmo com a sua rejeição.

Assim, como já foi analisado, por diversas vezes, o parlamento se conduz omisso e

deixa de legislar em alguns assuntos que deveria. No caso de ele não editar o mencionado

decreto legislativo, então, a doutrina dá a solução, dividindo-se em duas correntes. A primeira

entende que os efeitos, que deveriam ser ex tunc, passam a ser ex nunc, ou seja, não

retroagem, e a medida provisória continuará regendo todas as relações jurídicas ocorridas em

sua vigência. A segunda corrente defende que o efeito continua sendo ex tunc, e o que

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ocorrerá é que os atos ocorridos com base na medida provisória continuarão sendo por ela

regidos.

2.4.4 Decreto Legislativo e Resolução

FERREIRA FILHO (1995, p. 193), a respeito do decreto legislativo, afirma:

A mesma lição parece valer para a atual Constituição. Nesta, a expressão decreto legislativo refere-se à segunda das acepções acima indicadas. É o que confirma a lição de Pontes de Miranda: “Decretos legislativos são as leis a que a Constituição não exige a remessa ao Presidente da República para a sanção (promulgação ou veto).

E, sobre as resoluções, continua (1995, p. 194):

“Em direito constitucional” – assinala Pontes de Miranda – “resolução é a deliberação que uma das câmaras do Poder Legislativo, ou o próprio Congresso Nacional toma, fora do processo de elaboração das leis e sem ser lei. Conhecida dos Regimentos Internos do Congresso e de suas casas, a resolução, que não era prevista na Constituição anterior, destinava-se a “regulamentar matéria de interesse interno (político ou administrativo) de ambas as Casas em conjunto ou de cada uma delas em particular”. Como a anterior, a Constituição vigente refere-se expressamente a resoluções, como no art. 155, V.

Por isso, entende FERREIRA FILHO (1995), que o decreto legislativo deve ser

editado tão-somente nos casos das matérias relacionadas no artigo 4936 da Constituição

36 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas; V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; VI - mudar temporariamente sua sede; VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; XII - apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão;

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Federal de 1988 e, fora desse campo, é o caso de se adotar a resolução, motivo pelo qual,

segundo ele, esta não deveria estar incluída no rol do processo normativo. Assim, para ele,

todos os atos normativos enumerados no art. 59 possuem intervenção do Poder Legislativo,

com exceção das duas mencionadas.

Já nas palavras de SOUZA (1995, p. 138),

Os decretos legislativos são normas cujo conteúdo versa matéria de competência exclusiva (indelegável) da Casa parlamentar que os edita, e diferem das resoluções porque seus efeitos são externos, pois disciplinam assuntos que desbordam os limites do parlamento, produzindo efeitos externos a ele.

As resoluções são instrumentos normativos que servem para disciplinar

matéria politico-administrativa e têm efeitos apenas internos.

Assim, é possível entender que ambos são espécies normativas primárias com efeitos

internos ou externos às Casas, com a finalidade de desenvolver os trabalhos destas sem a

necessidade de ter a anuência do Presidente da República.

Os decretos legislativos, como afirmado, em regra, possuem efeitos externos às

Casas, e se destinam a veicular matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional,

como é o caso do art. 49, incisos I e V37 da Constituição Federal de 1988.

FERNANDES (2014, p. 886), mais uma vez, faz uma análise didática do

procedimento dos decretos legislativos. Veja-se:

Fase de iniciativa: é da competência dos Deputados, das comissões de deputados, da Mesa da Câmara, dos Senadores, das comissões de senadores, da Mesa do Senado Federal, da comissão do Congresso e da Mesa do Congresso Nacional.

Fase Constitutiva: em regra, a tramitação é bicameral. O Decreto

Legislativo é votado (deliberado) na Câmara e no Senado. Certo é que a deliberação (dependendo de disposição regimental) também pode ser do Congresso Nacional em sessão conjunta.

XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; XV - autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares. 37 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (...) V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

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Fase complementar: promulgação e publicação pelo Presidente do Congresso Nacional. É mister salientar mais uma vez que o Chefe do Executivo não participa do processo legislativo dos Decretos Legislativos em virtude da competência ser exclusiva do Congresso Nacional. Nesse sentido, não haverá sanção nem mesmo veto do Presidente da República no que tange aos decretos legislativos.

Já as resoluções, como também já afirmado, são de competência privativa do

Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, destinando-se a

veicular matérias em regra com efeitos internos às Casas, como é o caso das que aprovam os

regimentos internos desses órgãos.

O procedimento das resoluções depende de onde são iniciadas (FERNANDES, 2014,

p. 887). Assim, as Resoluções do Congresso Nacional compreendem as seguintes fases: a fase

de iniciativa é da competência dos Deputados, das comissões de Deputados, da Mesa da

Câmara, dos Senadores, das comissões de Senadores, da Mesa do Senado Federal, da

comissão do Congresso e da Mesa do Congresso; na Fase Constitutiva há, em regra, a

tramitação bicameral, sendo a resolução votada na Câmara e no Senado, podendo ser

unicameral quando a votação for pelo Congresso, nos termos do regimento interno deste; a

Fase complementar se dá com a promulgação e a publicação pelo Presidente do Congresso

Nacional.

A resolução da Câmara dos Deputados, por sua vez, compreende as seguintes fases: a

fase de iniciativa se dá pelos Deputados, pelas comissões de Deputados e pela Mesa da

Câmara; a Fase Constitutiva se dá por votação apenas pela Câmara; e a Fase complementar se

dá com a promulgação e publicação pelo Presidente da Câmara.

A resolução do Senado, finalmente, possui as mesmas fases: a Fase da iniciativa é da

competência dos Senadores, das comissões dos Senadores e da Mesa do Senado Federal; a

Fase constitutiva se dá com votação apenas pelo Senado; e a Fase complementar se dá com a

promulgação e publicação pelo Presidente do Senado.

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CAPÍTULO III – LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR

3.0 CONTEXTUALIZAÇÃO

Neste Capítulo, serão vistas especificamente as espécies normativas Lei Ordinária e

Lei Complementar. Se preferiu separá-las das demais estudadas no Capítulo anterior por

questão didática e organizacional, já que demandam uma análise mais pormenorizada que as

demais em face da proposta de estudo do caso concreto a ser realizada no último Capítulo do

presente trabalho.

3.1 A LEI ORDINÁRIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: CONCEITO DE

PROCESSO LEGISLATIVO

A lei ordinária é a espécie normativa regra, e através dela são editadas normas gerais

e abstratas, sendo o seu processo legislativo o comum, sempre com votação com o quórum

simples de maioria relativa, nos termos do art. 4738 da CF/88.

O processo legislativo ordinário é o mais comum, como afirmado, e seu trâmite está

disposto nos arts. 59 e seguintes da Carta Magna de 1988. Continuando na divisão do

processo legislativo da forma como o faz FERNANDES (2014), serão analisadas as fases

introdutória, constitutiva e complementar, nos termos que seguem.

A primeira fase, qual seja, a introdutória, consiste no processo de criação da lei

ordinária, e começa por meio da iniciativa, que consiste na faculdade atribuída pela Carta

Magna a certas pessoas ou órgãos para apresentar projetos de lei, nos moldes do art. 6139.

38 Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. 39 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;

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Pela análise do mencionado dispositivo constitucional, desde logo se percebe que a

proposta de edição de leis ordinárias (e complementares, já que o rito é o mesmo) não cabe a

quem quiser. Ao contrário, há um rol de legitimados para tanto: qualquer membro ou

Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao

Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais Superiores, ao

Procurador-Geral da República e aos cidadãos, através da iniciativa popular.

A regra para o processo legislativo ordinário é a da iniciativa comum, geral ou

concorrente, em que qualquer um dos legitimados pode ingressar com o projeto de lei, ou

seja, não cabe apenas a um titular a iniciativa.

No entanto, existe também a iniciativa exclusiva ou reservada, hipóteses que são

taxativas, e que são restritas a apenas um legitimado, como ocorre no caso do §1º do art. 61 da

CF/88, isto é, quando algumas matérias são reservadas tão-somente para iniciativa privativa

do Presidente da República. O mesmo ocorre com a Câmara dos Deputados, nos casos do art.

51, IV40, da CF/88; com o Senado Federal, conforme art. 52, XIII41, da CF/88; com os

Tribunais, nos termos dos arts. 93, 96, II, b, e 99, §2º42, da CF/88; e com o Ministério Público,

de acordo com o art. 127, §2º, da CF/88.

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. 40 Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: (...) IV – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; 41 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; 42 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) Art. 96. Compete privativamente: (...) II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: (...) b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; Art. 99. (...) § 2º - O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete: I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais;

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Uma observação necessária aqui é que sempre, no processo legislativo ordinário,

haverá uma Casa iniciadora e uma Casa revisora, então, sempre que a Câmara dos Deputados

der início a um projeto de lei, cabe ao Senado Federal revisá-lo, e vice-versa. No entanto, no

caso dos projetos de lei cuja iniciativa é exclusiva ou reservada, assim como os de iniciativa

popular, terão início sempre na Câmara dos Deputados, como preveem os arts. 64, caput43, e

61, §2º, da CF/88.

A segunda fase, qual seja, a constitutiva, é composta pela discussão, votação,

emenda, aprovação, sanção e veto.

A discussão se dá no plenário e nas comissões permanentes, responsáveis por

examinar a constitucionalidade e o conteúdo do projeto, através de um parecer técnico.

Assim, apresentado o projeto de lei ordinária, será encaminhado à Mesa da Casa, onde será

lido em plenário, receberá um número e será publicado no Diário Oficial.

Então, o Presidente da Casa onde está em trâmite o projeto irá fazer, primeiramente,

um juízo de admissibilidade dele, analisando a sua constitucionalidade, bem como analisando

outros pormenores, como, por exemplo, se a matéria é de competência daquela Casa e se está

de acordo com o seu regimento interno. Definirá, ainda, o regime de tramitação do projeto de

lei, ou seja, se é o tradicional, o qual será votado e deliberado em plenário, ou o conclusivo,

isto é, o que é votado apenas pelas comissões, não indo ao plenário, como disposto no art. 58,

§2º, I44, da CF/88.

A votação, assim, nos termos do art. 47 da CF/88, em regra, ocorre no plenário das

Casas, mas poderá ser feita nas comissões, quando o regimento interno da Casa dispensar a

competência deste, salvo recurso de um décimo dos seus membros, como dispõe o art. 58,

§2º, I, da CF/88.

O Presidente da Casa, ainda, deverá definir em quais comissões o projeto de lei irá

tramitar, cabendo a ressalva de que, independentemente dessa decisão, sempre o projeto

passará pela Comissão de Constituição e Justiça da respectiva Casa, pois é nela que será

II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais. 43 Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. 44 Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;

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realizado o controle de constitucionalidade dos projetos, além do controle de legalidade,

juridicidade, regimentalidade e técnica legislativa.

O quórum mínimo para a instalação da sessão é de maioria absoluta, como dispõe o

já mencionado art. 47 da CF/88, regra geral para as deliberações de Câmara, do Senado e de

suas comissões.

Se o projeto for aprovado, seguirá para a Casa revisora, na qual será lido em plenário

e também receberá um número para tramitação. Haverá, ainda, decisões do Presidente da

Casa acerca do juízo de admissibilidade, regime de tramitação e designação das comissões

para as quais o projeto irá tramitar.

O projeto de lei pode ser emendado, ou seja, pode ser alterado ou modificado, cujo

poder somente é dado aos Parlamentares. Isso quer dizer que aos demais legitimados, como o

Presidente da República e o povo, não é dado o direito de propor todos os tipos de emendas.

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados – RICD, em seu art. 118, conceitua as

emendas da seguinte maneira:

Art. 118. Emenda é a proposição apresentada como acessória de outra, sendo a principal qualquer uma dentre as referidas nas alíneas a a e do inciso I do art. 138. § 1º As emendas são supressivas, aglutinativas, substitutivas, modificativas ou aditivas. § 2º Emenda supressiva é a que manda erradicar qualquer parte de outra proposição. § 3º Emenda aglutinativa é a que resulta da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação tendente à aproximação dos respectivos objetos. § 4º Emenda substitutiva é a apresentada como sucedânea a parte de outra proposição, denominando-se "substitutivo" quando a alterar, substancial ou formalmente, em seu conjunto; considera-se formal a alteração que vise exclusivamente ao aperfeiçoamento da técnica legislativa. § 5º Emenda modificativa é a que altera a proposição sem a modificar substancialmente. § 6º Emenda aditiva é a que se acrescenta a outra proposição. § 7º Denomina-se subemenda a emenda apresentada em Comissão a outra emenda e que pode ser, por sua vez, supressiva, substitutiva ou aditiva, desde que não incida, a supressiva, sobre emenda com a mesma finalidade. § 8º Denomina-se emenda de redação a modificativa que visa a sanar vício de linguagem, incorreção de técnica legislativa ou lapso manifesto.

Assim, é possível aos parlamentares apresentarem emendas supressivas, aditivas ou

modificativas, enquanto que as aglutinativas somente podem ser apresentadas pelos autores

das emendas objeto da fusão, por um décimo dos membros da Casa ou por Líderes que

apresentem esse número, nos termos do art. 12245 do RICD. Os demais legitimados que não

45 Art. 122. As emendas aglutinativas podem ser apresentadas em Plenário, para apreciação em turno único, quando da votação da parte da proposição ou do dispositivo a que elas se refiram, pelos Autores das emendas objeto da fusão, por um décimo dos membros da Casa ou por Líderes que representem esse número. § 1º Quando apresentada pelos Autores, a emenda aglutinativa implica a retirada das emendas das quais resulta.

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pertencem ao Poder Legislativo podem apresentar apenas as emendas aditivas aos projetos

que originalmente apresentaram.

Como no Congresso Nacional há duas câmaras (sistema bicameral), qualquer

alteração substancial feita por uma das Casas deve ser analisada pela outra, como disciplina o

art. 65, parágrafo único46, da CF/88. Se, no entanto, a emenda for proposta por parlamentar da

Casa Revisora, o projeto de lei retornará à Casa Iniciadora para que esta aprecie o ponto

modificado, sendo inicialmente analisado pela Comissão de Constituição e Justiça. Não é

necessário que seja analisado todo o projeto novamente, bastando que se discuta o ponto

modificado. Vale a pena ressaltar que as emendas porventura apresentadas não podem ser

alteradas por novas emendas, sendo, desta forma, vedadas as subemendas.

A discussão e a votação da emenda serão feitas integralmente, a não ser que seja

possível dividi-la, momento em que as comissões poderão se manifestar sobre elas,

realizando-se a votação em grupos, de acordo com os pareceres.

Se houver rejeição, seja esta parcial ou total, pela Casa iniciadora, de emenda

substitutiva aprovada pela Casa revisora, o projeto de lei será diretamente remetido à sanção

ou veto presidencial, por estar o processo legislativo concluído, não necessitando que seja

devolvido à Casa para nova votação. Desta forma, como bem defende FERNANDES (2014,

p. 858), “Conclui-se que quando o projeto de lei é aprovado na Casa revisora com emendas,

quem dá a última palavra é a Casa iniciadora, visto que sua decisão será a que irá ter

preponderância”. Se a Casa iniciadora aprovar as emendas sugeridas pela Casa revisora, o

projeto seguirá para sanção ou veto do Chefe do Executivo.

Como afirmado, há casos em que somente alguns legitimados têm iniciativa para

propor um projeto de lei, como ocorre com o Presidente da República e o Ministério Público,

por exemplo. Esses podem ser alterados por meio de emenda apresentada por parlamentar,

pois a Constituição apenas confere a iniciativa ao legitimado, e não o desfecho total sobre o

assunto, podendo este, desta forma, ser modificado através de emenda elaborada pelos demais

parlamentares. A exigência que se faz é que a emenda guarde pertinência com o objeto do

projeto de lei, e não são permitidas emendas parlamentares que impliquem em aumento de

despesa pública, nos termos do art. 166, §§3º e 4º47, da CF/88.

§ 2º Recebida a emenda aglutinativa, a Mesa poderá adiar a votação da matéria por uma sessão para fazer publicar e distribuir em avulsos o texto resultante da fusão. 46 Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora. 47 Art. 166 (...)

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O quórum de aprovação mínimo para as leis ordinárias, como já afirmado, é de

maioria relativa ou simples, que é a regra para as deliberações no Congresso, como dita o art.

47 da CF/88. Após aprovado, o projeto de lei segue para o chamado autógrafo, e, depois, é

enviado ao Presidente da República para sanção; se este o rejeitar, o projeto de lei é

automaticamente arquivado, como prevê o art. 65 da CF/88.

Ponto que merece destaque é o que consta no art. 6748 da CF/88: a matéria contida no

projeto de lei arquivado ou não sancionado somente poderá ser objeto de novo projeto de lei

na mesma sessão legislativa através de iniciativa da maioria absoluta dos membros de uma

das Casas; caso contrário, só poderá ser novamente votado em outra sessão legislativa.

O projeto de lei, então, sendo aprovado, segue para o autógrafo, que consiste no

documento formal que reproduz o texto aprovado pelo Legislativo. Em sequencia, segue para

sanção pelo Presidente da República, que poderá com ele aquiescer expressamente no prazo

de 15 (quinze) dias úteis, ou tacitamente, nos termos do art. 6649 da CF/88, momento em que

o projeto finalmente se transformará em lei.

No entanto, pode o Chefe do Executivo vetar o projeto de lei, discordando com os

seus termos e fundamentando sua discordância. O veto pode ser jurídico, quando é realizada

§ 3º - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso: I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre: a) dotações para pessoal e seus encargos; b) serviço da dívida; c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou III - sejam relacionadas: a) com a correção de erros ou omissões; ou b) com os dispositivos do texto do projeto de lei. § 4º - As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual. 48 Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional. 49 Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. § 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. § 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção. § 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. § 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República. § 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. § 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

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análise da constitucionalidade do projeto; ou político, quando o projeto é considerado

contrário ao interesse público. Pode, também, ser parcial, quando há a rejeição de apenas uma

parte do projeto de lei; ou total, que abrange todo o conteúdo do projeto.

Apesar disso, o veto do Presidente da República é apenas relativo, pois o art. 66 da

CF/88 permite que ele seja rejeitado pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos

Deputados e do Senado Federal em sessão conjunta, quando será enviado para promulgação

pelo Presidente da República.

Por fim, ingressa-se na fase complementar, composta pela promulgação e pela

publicação da lei. A primeira consiste no ato que atesta a existência da lei e,

consequentemente, garante a sua executoriedade, ordenando, assim, o Poder Executivo, que a

lei seja aplicada e cumprida. A segunda, por sua vez, consiste no ato que garante

obrigatoriedade à lei, dando conhecimento a todos de sua existência, afastando qualquer

alegação de desconhecimento ou ignorância dela, o que é feito através de inserção do texto no

Diário Oficial.

Cumpridas todas essas etapas, o então projeto vira lei e está apto a produzir todos os

seus efeitos perante todo o território nacional, não podendo ninguém se eximir de cumpri-la

alegando o seu desconhecimento.

Em síntese, este é o processo para a elaboração e criação de uma lei ordinária, que é

a mais corriqueira das espécies legislativas. Será analisada, a seguir, a lei complementar e

suas discrepâncias frente à ordinária.

3.2 A LEI COMPLEMENTAR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:

CONCEITO E PROCESSO LEGISLATIVO

Como bem se sabe, as constituições devem ser documentos sucintos e, por isso,

necessitam de leis que as complementem. Nesse ínterim, é que existiam, no ordenamento

jurídico brasileiro, as chamadas leis orgânicas, que serviam justamente para complementar a

Constituição nas regras não aplicáveis por si mesmas50, assim como as leis ordinárias e

demais espécies legislativas.

Através da Constituição de 196751 é que as leis complementares, de fato, apareceram

taxativamente no rol das espécies normativas do processo legislativo, o que foi ratificado pela

50Segundo José Afonso da Silva, essas eram as denominadas normas de eficácia limitada ou mesmo de eficácia contida. 51 Art 49 - O processo legislativo compreende a elaboração de:

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Emenda Constitucional nº 1/6952, bem como pela Constituição Federal de 1988, através de

seu artigo 59.

O certo é que, nos primórdios, a palavra “complementar” trouxe várias discussões e

questionamentos doutrinários, pois se entendia que todas as leis complementavam a

Constituição. Assim, não somente as leis complementares, como seu próprio nome já aduzia,

mas as leis ordinárias, delegadas, e todas as demais espécies normativas, tinham e têm por

finalidade complementar a Constituição, a qual é o fundamento de validade de todas elas.

As leis complementares, nas palavras de BASTOS (1999, p. 38-39):

Com efeito, o poder legiferante do Estado não se enclausura no direito posto. É dizer, a lei editada não impede a imutabilidade intrínseca da função de legislar, os Estados procuram restringir ou condicionar tal faculdade criando modalidades legislativas com diferentes cargas obstativas da sua alteração. As próprias Constituições preveem um processo próprio para sua modificação, diferente do previsto para as leis ordinárias (quando de Constituições rígidas se trata, é óbvio), sem falarmos naqueles preceptivos imodificáveis, as quais convencionou-se chamar de normas pétreas, por não encontrarem uma via jurídica para a sua revogação, o que acaba por lança-las na senda obscura da revolução.

E continua (BASTOS, 1999, p. 41):

O certo é que a preocupação fundante da existência desta sorte de leis foi uma razão exclusivamente atinente a um problema de maior ou menor estabilidade da ordem jurídica. Não se quis conferir a toda sorte de matérias a via fácil da alteração por maioria simples. Daí ter-se criado a nível de direito positivo uma segunda modalidade de norma subconstitucional, revisível por um processo mais dificultoso que o previsto para as leis comuns. Mas, frise-se bem, trata-se aqui de um problema exclusivo de direito positivo. Com isto quer-se tratar de uma realidade construída pelo direito, segundo conveniências suas, e não defluente de relações lógicas extraídas do sistema a partir de uma elaboração doutrinária. É curial que, como entidade com raízes no direito positivo, ela oscila segundo as flutuações

I - emendas à Constituição; II - leis complementares à Constituição; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - decretos-leis; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Art 53 - As leis complementares à Constituição serão votadas por maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional, observados os demais termos da votação das leis ordinárias. 52 Art. 46. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares à Constituição; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - decretos-leis; VI - decretos legislativos; e VII - resoluções. Art. 50. As leis complementares sòmente serão aprovadas, se obtiverem maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso Nacional, observados os demais têrmos da votação das leis ordinárias.

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próprias deste. Segue-lhe os caprichos, acompanhando-lhe as peculiaridades. O fenômeno “lei complementar”, entendido este como espécie de norma definida a partir do quórum necessário para sua alteração, é algo contingente e que não pode ser plenamente compreendido senão à luz do sistema jurídico que o instaurou.

Antes de adentrar no assunto propriamente dito, BASTOS tenta conceituar lei

complementar, atentando, primeiramente, para o erro que muitos cometem ao apenas analisar

a denominação da lei (complementar), entendendo ser esta a que completa a Constituição. No

entanto, como já visto, isso não é verdade, já que toda e qualquer legislação

infraconstitucional, a bem dizer, tem a finalidade de complementar a Carta Suprema.

Confiram-se as palavras do ilustre autor (1999, p. 44-45):

O primeiro passo, pois, para o estudo da lei complementar na Constituição é dispensar, metodologicamente, o nosso conhecimento acerca das tradicionais leis complementares. Tal sorte de medida facilitará sobreposse a iluminação cientifica do nosso tema em estudo. Não que a nossa Constituição dispense a existência daquelas normas. Muito pelo contrário. Conforme tivemos a oportunidade de expor em trabalho que elaboramos em co-autoria com Carlos Ayres Brito: Interpretação e

aplicabilidade das normas constitucionais, o Texto Constitucional se divide em dois grande grupos de normas: normas constitucionais de aplicação (de incidência e efeito imediatos sobre os fatos) e normas constitucionais de integração (que agem, surtem efeitos, mediante legislação posterior que de alguma maneira interfere no conteúdo do mandamento constitucional, quer para restringir o comando constitucional, quer para alargá-lo). Há, pois, no Texto Constitucional, normas carecedoras de outras para alcançarem, uma eficácia integral. E, nesse sentido, seriam leis complementares aquelas que preenchessem essa lacuna na Carta Magna, propiciando à norma constitucional, carecedora de elementos para sua integral eficácia, suporte para sua incidência fática.

Nada obstante, a lei complementar introduzida no ordenamento jurídico com

a Emenda Parlamentarista n. 4/61, e depois encampada pelo Texto Constitucional de 1967 e pela Emenda n. 1/69, não se compromete com essa definição tradicional de lei complementar. Sobretudo a partir de 1967 passou-se a utilizar a mesma designação para rotular um fenômeno jurídico absolutamente diverso. E, lançando mão do provérbio latino Verba non mutand substantiam rei, dizemos que não é porque se continuou a chamar de lei complementar que seremos forçados a admitir que atuais normas dessa categoria no Texto Constitucional complementem normas constitucionais integrando, pois efetivamente, a Lei das Leis.

Já BACHA (2004, p. 54), com palavras bastante esclarecedoras, ensina:

Certiifcamo-nos de que, não obstante a criação da espécie normativa leis complementares stricto sensu na Constituição de 1967, e confirmada pela Carta de 1988, a espécie normativa leis ordinárias, continuaria a ser requerida como forma de regulamentação infraconstitucional para tornar fruíveis direitos constitucionais.

A questão relevante se situa na relação entre as competências materiais das

leis complementares e das leis ordinárias. Enquanto aquelas têm campo de atuação expressamente previsto pela Constituição, estas incidirão por deferência residual, isto é, onde houver na Constituição norma que necessite de ser complementada e vier a prescrição lei complementar, só por esta o será, ao passo que nas demais hipóteses, onde aparece a expressão lei, deverá ser por uma lei ordinária.

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Assim, leis complementares não são apenas aquelas que complementam a

Constituição, mas estão subordinadas, assim como todas as outras leis, à CF/88, e se tratam de

espécies normativas que envolvem matérias taxativamente previstas na Carta Magna e que,

apesar de se submeterem a um processo legislativo menos rigoroso do que o das emendas

constitucionais, exigem quórum especial para a sua aprovação, qual seja, a maioria absoluta53

dos membros das Casas Legislativas, nos termos do art. 6954 da CF/88.

Dessa forma, num primeiro aspecto, é de se notar que o órgão de emissão da lei

complementar é o mesmo da lei ordinária, qual seja, o Congresso Nacional, e, além disso,

atingem, ambas, todo o território nacional, sendo, nestes pontos, idênticas.

Quanto ao aspecto material, Hugo de Brito Machado (in SOUZA, SANTOS,

MACHADO e MARTINS, 2014) afirma que há alguns autores que consideram que essa

reserva de lei é feita expressamente e outros, que pode ser feita implicitamente. Para os que

defendem a primeira maneira (expressa), como Pinto Ferreira, Ricardo Cunha Chimenti,

Fernando Capez, Márcio Fernando Elias Rosa, Marisa Ferreira dos Santos e Nelson de Souza

Sampaio, somente pode ser matéria de lei complementar o que está taxativamente previsto na

Constituição Federal, enquanto para outra corrente, defendida por Paulo de Barros Carvalho,

Regina Helena Costa e Roque Antônio Carrazza, a reserva de matéria de lei complementar é

realizada pela Constituição, mas há algumas matérias implícitas que podem ser tratadas por

essa norma, o que amplia o rol das leis complementares.

Para Hugo de Brito Machado (in SOUZA, SANTOS, MACHADO E MARTINS,

2014, p. 382-384), a lei complementar não é explicada pela exigência de elemento material,

mas tão-somente do formal, afirmando que esse entendimento persistiu a partir de estudos de

Vitor Nunes Leal. Em suas palavras:

As leis complementares também albergam normas as mais diversas, mas desde que passaram a constituir uma espécie normativa, porque enquanto um conceito jurídico positivo caracterizam-se pela competência do órgão que as produz e pelo procedimento adotado nessa produção, não são diferentes umas das outras por tratarem de assuntos diferentes. O fato de haver a Constituição Federal estabelecido que certas matérias devem ser tratadas por lei complementar não é que lhes confere especificidade. Pelo contrário, a existência, no sistema jurídico, de uma espécie normativa situada em plano hierárquico superior é que enseja assegurar maior estabilidade. (...)

53 Por maioria absoluta entenda-se como o primeiro número inteiro após a metade dos integrantes da Casa. Desta forma, não se trata da maioria dos presentes (simples), mas da Casa sob a qual está sob votação a norma. 54 Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.

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Realmente, se o constituinte tivesse pretendido que a lei complementar não tratasse de matérias outras, limitando-se àquelas reservadas a essa espécie normativa, deveria tê-lo dito, e não o fez. Em nenhum dispositivo da vigente Constituição está dito, ainda que implicitamente, que a Lei Complementar não pode tratar de outras matérias além daquelas que estão a elas reservadas. E tal restrição à lei complementar não seria razoável porque, como assevera Nunes Maia Filho, ao atuar fora dos campos a ele expressamente reservados, o legislador complementar está no exercício legítimo de sua avaliação quanto à importância das matérias disciplinadas que, por isso mesmo, exigem elevação a nível hierárquico superior.

No entanto, o entendimento da doutrina majoritária é no sentido de que as leis

complementares são aquelas que possuem matéria expressamente prevista na CF/88, e exigem

o quórum de maioria absoluta dos membros da casa para aprovação. Essa também é a posição

adotada pelo STF55.

O processo legislativo para a confecção das leis complementares é equivalente e

similar ao das leis ordinárias, apresentando, no entanto, as duas diferenças já mencionadas:

uma material e uma formal. Em outras palavras: as leis complementares somente podem tratar

de matérias taxativamente previstas na Constituição Federal, como ocorre, a título de

exemplo, com os arts. 22, parágrafo único56; 93, caput57, 128, §5º58 e 79, parágrafo único59; e

somente podem ser aprovadas com um quórum de maioria absoluta.

Diferentemente, como já analisado, as leis ordinárias podem tratar de quaisquer

matérias que não sejam objeto de lei complementar, possuindo, assim, competência residual,

e, para a sua aprovação, é necessário apenas o quórum de maioria simples.

Além disso, as leis complementares devem, obrigatoriamente, ir a plenário, enquanto

que as ordinárias, como já aduzido, podem também ser analisadas pelas Câmaras das Casas, e

não somente pelo plenário das Casas.

Outra diferenciação importante na tramitação das leis, é que nas complementares, um

projeto de lei na Câmara dos Deputados terá, em regra, dois turnos de votação, que somente 55 Assim decidiu o STF: “...RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR – INCIDÊNCIA NOS CASOS TAXATIVAMENTE INDICADOS NA CONSTITUIÇÃO ... Não se presume a necessidade de edição de lei complementar, pois esta é somente exigível nos casos expressamente previstos na Constituição. Doutrina. Precedentes. (...)”. (STF, Plenário, ADIn 2.010-2/DF, rel. Min. Celso de Mello, set/99, DJ 12.04.2002, p. 51). 56 Art. 22 (...) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. 57 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) 58 Art. 128 (...) § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: (...) 59 Art. 79 (...) Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais.

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será suprimido em caso de regime de urgência, enquanto que no Senado, haverá apenas um

turno, nos termos do art. 148 do RICD60 e do art. 270 do Regimento Interno do Senado

Federal – RISF61. No que toca às leis ordinárias, o projeto de lei terá apenas um turno de

votação em ambas as Casas.

Daí, é possível concluir que, apesar de as leis ordinárias e complementares terem por

fundamento de validade complementar a Constituição, o fato é que, sem dúvida alguma, as

últimas são mais difíceis de serem elaboradas e aprovadas, tanto por só poderem sê-lo nas

matérias especificadas pela Carta Suprema, quanto por conta do seu modo de elaboração e

votação, que é mais complexo que o das primeiras.

3.3 LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR: HIERARQUIA?

Logo que a lei complementar ingressou no ordenamento jurídico vigente, vários

doutrinadores passaram a falar em hierarquia e, sobre o assunto, muito bem inicia o debate

BASTOS (1999, p. 62-63):

Para nós, a hierarquia é um dos recursos de que se vale o sistema jurídico para resolver os conflitos lógicos que suas proposições normativas encerrem. O sistema há de ser coerente e harmônico. Para tanto, quando ocorrente o conflito, uma das normas que o compõem tem de ser expungida. E a hierarquia é uma das alavancas que promovem tal operação. As outras são a determinação de que a lei posterior revoga a lei anterior e a reserva de matéria a determinada sorte de atos jurídicos. O princípio da reserva de matéria significa que sobre determinada matéria só poderá versar certa espécie normativa. É dizer trata-se de matéria que se submete, sem quaisquer exceções, ao princípio constitucional da reserva absoluta de lei formal, no caso da lei complementar. O princípio de reserva de matéria é um conceito subjetivo, ou seja, não há ainda um critério definido, pois é a Constituição que determina o que será objeto de lei complementar. Um exemplo desse princípio é o artigo 146 da Constituição Federal de 1988 que especifica que sobre determinadas matérias, quais sejam, os conflitos de competência entre matéria tributária, as limitações constitucionais ao poder de tributar e as normas gerais em matéria tributária, cabe exclusivamente à lei complementar regular. Daí se depreende que é vedada a qualquer outra espécie normativa, que não a lei complementar, regular tais matérias.

E continua o mesmo doutrinador (1999, p. 66-68):

A hierarquia, como vimos, é um instrumento a serviço dos mesmos propósitos de pacificação da ordem jurídica. A sua adoção, todavia, pressupõe a

60 Art. 148. As proposições em tramitação na Câmara são subordinadas, na sua apreciação, a turno único, excetuadas as propostas de emenda à Constituição, os projetos de lei complementar e os demais casos expressos neste Regimento. 61 Art. 270. As proposições em curso no Senado são subordinadas, em sua apreciação, a um único turno de discussão e votação, salvo proposta de emenda à Constituição.

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existência de um requisito básico, qual seja, a existência de um campo material comum. Vale dizer, existe hierarquia toda vez que o ato subordinante delimita a área material de atuação do subordinado. Noutro falar, toda vez que o ato inferior extrai o seu fundamento de validade de outro, este lhe é superior, e, em consequência, instaura-se uma relação hierárquica. E extrair o seu fundamento de validade significa conferir condições de possibilidade jurídica. A norma hierarquicamente inferior materialmente caminha nos limites legais impostos pela norma superior. Isso significa que a lei superior dispõe sobre certas matérias que condicionam a atividade regulamentadora da inferior. É sabido que o nosso ordenamento jurídico não é composto por um sistema de normas de mesma hierarquia, mas sim por uma ordem escalonada de diferentes normas jurídicas, como apregoava Hans Kelsen.

Já José Souto Maior Borges (apud BACHA, 2004, p. 122), tratando da hierarquia das

normas, bem a define:

Termo “hierarquia” só tem sentido juridicamente para significar que uma norma é inferior a outra norma quando a segunda regule a forma de criação da primeira norma. Esse diverso posicionamento hierárquico não existe indistintamente entre a lei complementar e a lei ordinária, no direito brasileiro.

Não se pode deixar de tratar do conceito de hierarquia para Kelsen (apud BACHA,

2004, p. 123-124):

A análise do Direito, que revela o caráter dinâmico desse sistema normativo e a função da norma fundamental, também expõe uma peculiaridade adicional do Direito: o Direito regula a sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma. Como uma norma jurídica é válida por ser criada de um modo determinado por outra norma jurídica, esta é o fundamento de validade daquela. A relação entre a norma que regula a criação de outra norma e essa outra norma pode ser apresentada como uma relação de supra e infra-ordenação, que é uma figura espacial de linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a inferior. A ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica cuja personificação é o Estado, é, portanto, não um sistema de normas coordenadas entre si, que se acham, por assim dizer, lado a lado, no mesmo nível, mas uma hierarquia de diferentes níveis de normas. A unidade dessas normas é constituída pelo fato de que a criação de uma norma – a inferior – é determinada por outra – a superior – cuja criação é determinada por outra norma ainda mais superior, e de que esse regressus é finalizado por uma norma fundamental, a mais superior, que, sendo o fundamento supremo de validade da ordem jurídica inteira, constitui a sua unidade.

Sendo assim, a hierarquia diz respeito ao fato de haver, no ordenamento jurídico,

uma norma que valide a outra: a Constituição Federal é o fundamento de validade de todas as

demais normas que existem. E, no caso de haver conflitos entre normas, é possível resolvê-lo

de várias maneiras, como: utilizando o critério da reserva de matéria, como explicitado, e

também o critério da posteridade, ou seja, caso existam duas leis que sejam antagônicas, deve

prevalecer a mais recente, entendendo-se estar a outra revogada.

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Desta feita, é possível aduzir que, sobre a hierarquia entre lei ordinária e lei

complementar, há, na doutrina, duas correntes. Uma, defendida por Manoel Gonçalves

Ferreira Filho e Alexandre de Moraes (FERNANDES, 2014, p. 866), bem como por José

Cretella Jr. (BACHA, 2004, p. 108), entende que há, por dois motivos: o primeiro,

inconcebível, de que a ordinária está disciplinada no inciso III do art. 59 da CF/88, enquanto

que a complementar está no inciso II do mesmo artigo, e, por isso, a complementar seria

hierarquicamente superior à ordinária62; e o segundo, por a lei complementar exigir quórum

de maioria absoluta, enquanto que a lei ordinária requer quórum de maioria simples para

aprovação.

Hugo de Brito Machado (in SOUZA, SANTOS, MACHADO E MARTINS, 2014, p.

387) também defende a hierarquia da lei complementar frente às demais normas:

No dizer de Norberto Bobbio: O critério hierárquico, chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiorri. Não temos dificuldade em compreender a razão desse critério depois que vimos, no capítulo precedente, que as normas de um ordenamento são colocadas em planos diferentes: são colocadas em ordem hierárquica. Uma das consequências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo; essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior. O ordenamento jurídico brasileiro é, indiscutivelmente, um sistema

hierarquizado de normas. E assim nenhuma dúvida deveria haver de que a lei complementar, em face dos critérios formais que a caracterizam, ocupa posição superior no escalonamento hierárquico.

A segunda corrente, defendida por Celso Ribeiro Bastos, Michel Temer, Menelick

Carvalho Netto e José Souto Maior Borges, entre outros (FERNANDES, 2014, p. 866),

entende que não há hierarquia entre essas normas, existindo tão-somente campos materiais de

62 Um exemplo disso é o que prega BACHA (2004, p. 105/106): “A questão da topografia do dispositivo das leis

complementares, ab initio, na Constituição de 1967/69 (art. 46, inciso II), depois da Constituição de 1988 (art.

59, inciso II), não deixa dúvidas quanto ao caráter de primazia desta espécie normativa. Acaso os legisladores

constituintes não quisessem deliberadamente consignar este grau de precedência como indicador de

importância, teriam alocado então as leis ordinárias (inciso III) no mesmo patamar das leis complementares,

ficando, in casu, ambas as espécies normativas inscritas no inciso II, tendo acima delas e no inciso I apenas as

emendas à Constituição, dentro dos artigos correspondentes ao processo legislativo”. Nesse sentido, o mencionado autor defende a tese da hierarquia, o que entendemos ser totalmente inconcebível, apenas tomando como base a disposição dos incisos contidos no art. 59 da CF/88.

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competência diferenciados, e que ambas possuem fundamento de validade na Constituição.

Esta é a corrente majoritária, e é adotada pelos Tribunais brasileiros.

BACHA (2004, p. 117), citando Michel Temer, assim dispôs:

O próprio Michel Temer, que nega a existência de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária, reconhece a diferenciação das cargas axiológicas do quórum de votação para a aprovação das leis complementares.

E por que o constituinte estabeleceu esta distinção? É porque, na verdade,

valorizou estas matérias. Deu-lhes maior relevo. Sendo essas matérias

relevantíssimas (ao modo de ver do constituinte), estabeleceu fórmula que exige uma aprovação especial, manifestação mais significativa.

Desta feita, o que se vislumbra pelo entendimento da segunda e majoritária corrente,

é que a exigência de um quórum especial para a aprovação e votação das leis complementares

faz com que elas não possam ser editadas sob outra roupagem, ou seja, sob a denominação de

outra norma, e com quórum de aprovação diverso, pelo que se pode falar em

inconstitucionalidade formal caso isso ocorra.

Na verdade, como já afirmado, todas as normas, e neste momento se faz referência

essencialmente às leis ordinárias e complementares, objetos do presente estudo, têm como

fundamento de validade a Constituição Federal e com ela devem estar totalmente compatíveis.

A lei ordinária, desta feita, não procura seu fundamento de validade na lei complementar, nem

vice-versa; o que deve acontecer, neste caso, é que uma não deve invadir o campo de atuação

da outra, já que a lei complementar somente pode tratar das matérias taxativamente expressas

na Constituição.

CUNHA JR. (2014, p. 817-818), assim explica:

(...) O que não pode ocorrer é a lei ordinária dispor de matéria que a Constituição reservou à lei complementar, não porque a lei complementar lhe seja superior, mas sim pelo fato de a Constituição, que é superior a ambas, haver excluído, com a reserva material, a incidência da lei ordinária.

Assim, é possível concluir que a hierarquia de que tanto se fala pode dar-se no

campo formal e no campo material. A primeira ocorre quando uma norma superior impõe os

pressupostos de forma que a norma inferior seja obrigada a respeitá-la e seguir todos os seus

ditames, enquanto que a segunda se dá quando a norma superior estabelece os conteúdos de

significação da norma inferior.

Desta forma, sempre a norma dita inferior deverá respeitar o que determina a norma

superior, sob pena de afrontar a hierarquia. É o que se dá, por exemplo, quando uma lei, ao ser

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editada, não respeita a formalidade requerida pela Constituição quanto ao quórum de votação,

ou mesmo quando sua matéria vai de encontro ao que está lá disposto, dando ensejo ao

questionamento de sua constitucionalidade.

3.4 RECEPÇÃO LEGISLATIVA E RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR

A lei complementar, assim como toda e qualquer legislação, está sujeita à declaração

de inconstitucionalidade, já que, como visto, deve estar em conformidade com os ditames da

Constituição Federal vigente.

O primeiro ponto a ser analisado é quando, após um período de hiato

constitucional63, e com o surgimento de uma nova Constituição ou mesmo de uma emenda

constitucional, uma matéria antes atinente a lei ordinária passa a ser de lei complementar.

Numa análise prefacial, se entenderia ser a antiga norma não recepcionada pela nova

legislação constitucional, já que com ela não se adequa.

Como se sabe, ao haver mudança no texto constitucional, com a edição de uma nova

Constituição, as normas infraconstitucionais que eram regidas pelo sistema anterior podem ser

recepcionadas ou não por aquela. Isso se dá, principalmente, objetivando a economia

legislativa, já que seria praticamente impossível aos parlamentares, após a vigência de uma

nova ordem constitucional, modificar a legislação infraconstitucional existente, até mesmo

porque várias delas continuariam em consonância com esta, não sendo necessária a perda de

tempo com a sua reedição.

Sendo assim, o fenômeno da recepção legislativa tem por requisitos: primeiro, a lei a

ser recepcionada deveria estar em vigor no momento do nascimento da nova Constituição

Federal; segundo, ela não pode ter sido declarada inconstitucional durante sua vigência no

ordenamento constitucional anterior; deve ter compatibilidade formal e material perante a

Constituição sob cuja regência ela foi editada; e deve ter compatibilidade material, e não

necessariamente formal com a nova Constituição.

Trocando em miúdos: a lei objeto da recepção deve estar em vigor no momento do

nascimento da nova Constituição, e não pode ter sido declarada inconstitucional durante a sua

63 A expressão “hiato constitucional” foi criada por Ivo Dantas, orientador deste trabalho, significando o período de revolução ou golpe existente entre uma Constituição e outra, caracterizando o momento em que a realidade fática da sociedade estudada não mais se adequa ao disposto na Carta Suprema vigente, motivo pelo qual é necessária a edição de uma nova.

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vigência, pois, se assim não for, a lei já era inconstitucional, então não pode se tornar

constitucional em face do novo ordenamento, sob pena de ocorrer a repristinação.

Além disso, a lei a ser recepcionada deve estar formal e materialmente compatível

com a constituição anterior, pois, caso contrário, ela padeceria de inconstitucionalidade

formal ou material e, assim, não poderia ser recepcionada pela nova Carta Magna.

Por fim, deve ter compatibilidade material com a nova Constituição, isto é, seu

conteúdo deve estar em total concordância e consonância com o que o legislador constituinte

tratou na nova Constituição, mas não necessariamente formalmente. Isso quer dizer que, se

uma lei que, sob a égide da legislação constitucional anterior, foi editada como lei ordinária, e

a nova Constituição determina que aquela matéria deve ser tratada através de lei

complementar, não há problema algum na recepção daquela lei, com a advertência que o

conteúdo deve estar totalmente adstrito à Constituição agora em vigor; ela será recepcionada

com status de lei complementar.

BASTOS (1999, p. 137), bem disciplina sobre a matéria:

É lição da doutrina que o Texto Constitucional novo recepciona as normas anteriores (princípio da recepção) quando o possível antagonismo existente se limita aos seus aspectos formais. E, na verdade, quer-nos parecer que nem poderia ser diferente. O que importa para a nova Constituição é a adequação das leis anteriores com os seus preceitos substanciais, não sendo em nada relevante o saber-se como, no passado, se chegou à elaboração da regra. É curial que, no futuro, isto é, depois da entrada em vigor da Constituição, os preceitos formais e substanciais são igualmente importantes para caracterizar a inconstitucionalidade.

Dentro dessa linda de raciocínio, afigura-se clara a conclusão de que a lei

preexistente que discipline matéria, no momento, reservada à lei complementar continua vigente. A questão que agora se por é a seguinte: ter-se-ia ela transmudado em lei complementar? A resposta há de ser negativa porque a Constituição não tem o condão de mudar a natureza das normas anteriores, a menos que expressamente estatuísse nesse sentido. Além do mais, a qualificação como lei complementar depende da satisfação de requisitos formais, inclusive a inserção, com a respectiva numeração, no rol das normas dessa natureza. Não há negar-se, no entanto, que a sua eficácia acaba por comparar-se à lei complementar, visto que, doravante, só por lei dessa natureza poderá ser alterada.

Desta forma, se afigura totalmente possível a recepção de uma lei anteriormente

ordinária, mas compatível materialmente com o novo texto constitucional, com status de lei

complementar, o que inclusive ocorreu com o Código Tributário Nacional, editado como lei

ordinária, e recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar.

Além disso, como já afirmado, há matérias que têm seu campo material reservado

para serem tratadas através de lei complementar. TORRES (2014, p. 314) elenca três

pressupostos para entender as leis complementares, quais sejam:

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Um primeiro pressuposto para compreender as leis complementares consiste em afastar a figura ontológica da complementação do texto constitucional e da noção de “norma geral” como norma de eficácia contida ou limitada. Aceitar a noção de norma que “completa” a Constituição seria o mesmo que flexibilizar a Constituição, rígida em todos os seus contornos.

(...) O segundo pressuposto refere-se ao princípio da legalidade. Em matéria de

lei complementar, opera como princípio da “reserva de lei” formal para todas aquelas que expressamente o texto constitucional exige sua adoção, sob pena de inconstitucionalidade formal, por descumprimento da regra de quórum qualificado (art. 69 da CF). Por ter eficácia idêntica às leis ordinárias, a Constituição não veda ou cria qualquer dificuldade para que lei complementar seja utilizada para qualquer matéria, independentemente de menção expressa (neste caso, manterá sempre o mesmo regime de lei ordinária).

(...) Por isso, como terceiro pressuposto, na relação entre as leis, a lei

complementar não terá prevalência hierárquica sobre as demais leis, exceto nas hipóteses de “normas gerais”, por determinação expressa do §2º do art. 24 da CF, e como função da competência que exige a lei complementar.

Desta feita, para o mencionado doutrinador, a lei complementar existirá quando a

norma constitucional que rege for de eficácia limitada ou contida, além de estar totalmente

vinculada ao princípio da reserva legal, já que somente tratará das matérias especificamente

determinadas pela Constituição Federal, e não haverá nenhum tipo de hierarquia entre a lei

complementar e as diversas outras normas existentes no ordenamento jurídico.

Outro ponto a ser estudado quanto à análise da constitucionalidade das leis

complementares diz respeito a lei ordinária editada após aquela, com ela colidir. Assim,

imagine que existe uma lei complementar que rege determinada matéria e, após, é editada

uma lei ordinária, que a confronta. Não se fala aqui em hierarquia, pois esta não existe, como

já estudado, mas se entenderá pela inconstitucionalidade da lei ordinária, já que ambas devem

obediência à Constituição Federal, e a ordinária contraria norma constitucional que estabelece

a reserva de lei complementar.

BASTOS (1999, p. 58/59), citando Roque Antonio Carrazza, muito bem destaca:

Roque Antonio Carrazza se destaca como exemplo invulgarmente típico dessa posição revisional, não só pelos dotes de saber jurídico que adornam a sua personalidade, como também pela maneira primorosa como sabe tratar o vernáculo. Ouçamo-lo: “De logo cabe-nos dizer que a lei ordinária não revoga a complementar, não porque ocupe posição menos proeminente do que esta, mas porque ambas possuem campos de atuação (matérias sobre as quais podem versar) diversos, isto é, nunca coincidentes. Daí não podermos falar em hierarquia entre elas. O que pode haver é uma invasão de competência de uma pela outra. Tal ocorrendo, de duas uma: ou haverá inconstitucionalidade (no caso de lei ordinária versar matéria de lei

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complementar) ou ocorrerá um desvirtuamento de tipo legal (se matéria de lei ordinária federal for regulada por lei complementar)”.

Pode acontecer, ainda, de a lei complementar dispor sobre matéria de lei ordinária.

Ora, neste caso, como a última tem competência residual, não é proibido que a primeira

regule matérias que estejam fora do seu âmbito reservado. Há, na verdade, uma invasão de

competência, mas a lei complementar deve ser considerada como mera lei ordinária, podendo,

inclusive, ser revogada por outra lei ordinária que sobrevier. Parte-se do princípio de que

“quem pode o mais, pode o menos”. Esse é o entendimento majoritário na doutrina, pois

alguns defendem que, da mesma forma que não é possível ocorrer de uma matéria de lei

complementar ser regulada por lei ordinária, o inverso também não pode se dar.

E se a lei ordinária tratar de lei complementar? Aqui a questão toma maiores

proporções, por conta dos aspectos material e formal da última, como já fartamente

explicitado. Sábias são as palavras de BACHA (2004, p. 93/94), citando José Afonso da Silva

e Souto Maior:

Em tese, nunca haverá intromissão das leis complementares no campo de atuação das leis ordinárias, mas caso isto ocorra, caracterizaria um choque temático indevido, sanável pela vis jurisdicional do controle da constitucionalidade das leis.

Vale transcrever o pensamento de José Afonso da Silva neste assunto: Poderíamos cunhar para o caso a expressão ilegitimidade constitucional, já usada na Itália preferentemente ao termo inconstitucionalidade. E o controle de ilegitimidade constitucional atenderia aos mesmos princípios do controle de inconstitucionalidade. Com efeito, lei ordinária que ofenda uma lei

complementar estará vulnerando a própria Constituição, visto que disciplinará interesses que esta determina sejam regulados por ela. Tratar-se-á, então, de conflito de normas, subordinado ao princípio da compatibilidade vertical, entroncando, pois, na norma de maior superioridade hierárquica, que é a que ficou ofendida – a Constituição. Pronunciamo-nos destarte pelo controle de constitucionalidade das leis, com todas as suas consequências, quando uma regra jurídica ordinária conflite com uma complementar. Para Souto Maior, b) a lei ordinária da União invadir o campo da lei complementar estará eivada de visceral inconstitucionalidade porque a matéria, no tocante ao processo legislativo, somente poderia ser apreciada com observância de um quórum especial e qualificado, inexistente na aprovação da lei ordinária. A reserva constitucional da lei complementar funciona então como um óbice à disciplina da matéria pela legislação ordinária.

Sendo assim, definitivamente não há a possibilidade de uma lei ordinária tratar de

matérias reservadas para tratamento por lei complementar, sob pena de flagrante

inconstitucionalidade formal e material.

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FERNANDES (2014, p. 867) muito bem resumiu as questões colocadas, e da mesma

forma discorre sobre o assunto:

Por último, temos a seguinte digressão:

1) Se for aprovada uma lei ordinária em matéria reservada à lei complementar, essa lei ordinária será constitucional? Será inconstitucional, pois invadiu esfera material de competência de lei complementar.

2) E se ocorrer ao contrário? For aprovada lei complementar sobre matéria reservada subsidiariamente à lei ordinária?

Aqui, há uma relativização. Embora sejam os campos materiais

diferenciados, majoritariamente, entende-se que, nesse caso, essa lei complementar seria constitucional, sob o fundamento, ainda que frágil, de que quem pode mais, pode menos. Ou seja, embora tenha sido aprovada lei complementar em matéria que não é de sua competência, teria sido, também, aprovada lei ordinária, pois o quórum daquela é superior ao quórum desta.

3) E se, posteriormente, surgir uma lei ordinária sobre a mesma matéria? Essa lei

ordinária revoga a lei complementar existente?

Sim, e é a única hipótese de que uma lei ordinária pode revogar lei complementar, porque nesse caso, como a lei complementar invadiu matéria reservada à lei ordinária, essa lei complementar, embora válida, será lei complementar só sobre a perspectiva formal. Porém, materialmente ela será lei ordinária (porque invadiu matéria de lei ordinária e essa matéria não perde a sua natureza). Nesses termos, quando a lei complementar for apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, a mesma pode ser revogada por lei ordinária posterior.

A Corte Constitucional brasileira já tratou do assunto em diversas ocasiões,

entendendo que não é cabível à lei ordinária tratar de matéria de âmbito de lei complementar,

como ocorreu no caso da Lei nº 7.787/89, que, em seu artigo 3º, inciso I, instituía,

fundamentado no art. 195, I, da CF/88, a contribuição social para os autônomos, avulsos e

administradores. O Supremo Tribunal Federal entendeu que, se a União desejava instituir uma

nova contribuição social, deveria fazê-lo através de lei complementar, e não de lei ordinária,

como era o caso. Vale a pena conferir a ementa do julgado:

E M E N T A: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - LEI N. 7.787/89 (ART. 3., I) - INCOMPATIBILIDADE COM O ART. 195, I, DA CF - FOLHA DE SALARIOS - SENTIDO CONCEITUAL - EXCLUSAO DAS REMUNERAÇÕES PAGAS A PROFISSIONAIS NÃO-EMPREGADOS (AUTONOMOS, AVULSOS E ADMINISTRADORES) - A QUESTÃO DA LEI COMPLEMENTAR (CF, ART. 195, PAR. 4., IN FINE) - RE CONHECIDO E PROVIDO. - A norma inscrita no art. 195, I, da Carta Politica, por referir-se a contribuição social incidente sobre a folha de salários - expressão esta que apenas alcança a remuneração paga pela empresa em virtude da execução de trabalho subordinado, com vinculo empregatício - não abrange os valores pagos aos autônomos, aos avulsos e aos administradores, que constituem categorias de profissionais não-empregados. Precedentes. - A União Federal, para instituir validamente nova contribuição social, tendo presente a

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situação dos profissionais autônomos, avulsos e administradores, deveria valer-se, não de simples lei ordinária, mas, necessariamente, de espécie normativa juridicamente mais qualificada: a lei complementar (CF, art. 195, 4., in fine). (STF, Processo RE 186377 Relator(a) CELSO DE MELLO)

Da mesma forma já decidiu o Supremo Tribunal Federal em diversos casos e em

matérias distintas, não possibilitando que a lei ordinária invada competência de lei

complementar, já que o campo de atuação desta encontra-se taxativamente previsto na CF/88.

Sendo assim, se conclui pela plena possibilidade de uma lei ordinária que invada o

campo material ou mesmo que não obedeça ao requisito formal de aprovação por maioria

absoluta dos membros das Casas Legislativas da lei complementar, ser declarada

inconstitucional, tanto no aspecto formal quanto no material.

3.5 A LEI COMPLEMENTAR NA ESFERA TRIBUTÁRIA: O CASO DA

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA

SOCIAL

A lei complementar é utilizada em vários ramos do Direito, e o é, também, na esfera

tributária, com a finalidade de complementar a Constituição nas matérias que esta

especificamente determina. Sobre o assunto, muito bem leciona COÊLHO (2014, p. 84):

(...) A lei complementar é utilizada, agora sim, em matéria tributária, para fins de complementação e atuação constitucional.

A) Serve para complementar dispositivos constitucionais de eficácia limitada, na terminologia de José Afonso da Silva;

B) Serve ainda para conter dispositivos constitucionais de eficácia contida (ou contível);

C) Serve para fazer atuar determinações constitucionais consideradas importantes e de interesse de toda a Nação. Por isso mesmo as leis complementares requisitam quórum qualificado por causa da importância nacional das matérias postas à sua disposição.

Nestes termos, o artigo 14664 da Constituição Federal de 1988 tratou, de forma

definitiva, de resolver quaisquer controvérsias doutrinárias porventura existentes em relação à

função da lei complementar no tocante à esfera tributária.

64 Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

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Assim, no âmbito tributário, a lei complementar possui uma vasta aplicação, tendo

uma tríplice função, lhe cabendo dispor sobre conflitos de competência entre os entes

federados, regular as limitações constitucionais ao poder de tributar e estabelecer as normas

gerais em matéria de legislação tributária. Ora, somente por esses exemplos, pode-se concluir

que a lei complementar é de suprema importância nessa área específica do Direito.

A primeira das aplicações é a de dispor sobre conflitos de competência, objetivando,

na verdade, controlar o sistema de repartição de competências tributárias, com a finalidade de

evitar as eventuais invasões de competência que possam existir. A repartição das

competências tributárias existe, e cabe à lei complementar dirimir conflitos porventura

existentes, os quais, na verdade, acabam se caracterizando como invasão de competência de

um ente federativo na esfera do outro.

A lei complementar na esfera tributária também se dá para editar normas gerais de

Direito Tributário65, a respeito das quais COÊLHO (2014, p. 95) conclui:

Da conjugação dos vários dispositivos supratranscritos sobram três conclusões: A) a edição das normas gerais de Direito Tributário é veiculada pela União, através do Congresso Nacional, mediante leis complementares (lei nacional) que serão observadas pelas ordens jurídicas parciais da União, dos estados e dos municípios, salvo sua inexistência, quando as ordens parciais poderão suprir a lacuna (§3º) até e enquanto não sobrevenha a solicitada lei complementar, a qual, se e quando advinda, paralisa as legislações locais, no que lhe forem contrárias ou incongruentes (§4º); B) a lei com estado de complementar sobre normas gerais de Direito Tributário, ora em vigor, é o Código Tributário Nacional, no que não contrariar a Constituição de 1988, a teor do art. 34, §5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (lex legum habemus);

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: I - será opcional para o contribuinte; II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. 65 Normas gerais são as que abrigam princípios, diretrizes, preceitos fundamentais, e se aplicam a todos os entes políticos, opondo-se às normas específicas, que tratam de questões peculiares.

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C) a lei complementar que edita normas gerais é lei de atuação e desdobramento dentro do sistema tributário, fator de unificação e equalização aplicativa do Direito Tributário. Como seria possível existir um Código Tributário Nacional sem o instrumento da lei complementar, com império incontrastável sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados-Membros e dos municípios?

Desta forma, se tratando de qualquer norma geral de Direito Tributário, deverá ela

ser veiculada através de lei complementar, nos ditames da CF/88.

Para o presente trabalho não será necessário analisar detalhadamente os incisos I e III

do artigo transcrito, pois está baseado tão-somente no inciso II. Mas, a princípio, o que fica

claro da análise do dispositivo constitucional é que nenhum tributo poderá ser instituído por

lei ordinária sem que o seu perfil, ou seus aspectos gerais, estejam disciplinados anteriormente

por lei complementar. Dessa forma, o que a última fará será traçar o perfil do tributo, e não

necessariamente cria-lo, o que é feito pela Carta Magna.

Por fim, quanto às limitações constitucionais ao poder de tributar, como bem lembra

PAULSEN (2006, p. 96), são as que constam no texto da Constituição, ou seja, na Seção II

(Das Limitações ao Poder de Tributar) do Capítulo I (Do Sistema Tributário) do seu Título VI

(Da Tributação e do Orçamento). Em outras palavras, o mencionado doutrinador e Juiz

Federal ensina que “a lei complementar de que trata o inciso em comento destina-se a regular

as limitações já constantes dos arts. 150/152 da Constituição, não podendo estabelecer novas

limitações”. Como já afirmado, é possível apenas à lei complementar tratar da limitação, mas

não cria-la, isto é, a finalidade dela é de completar e esclarecer as disposições relativas à

limitação, facilitando sua execução de acordo com os fins que inspiraram o legislador

constituinte. ALEXANDRINO e PAULO (2014, p. 62), muito bem elucidam a questão:

Essa segunda função da lei complementar de normas gerais sobre direito tributário – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar – não deve ser confundida com o estabelecimento de limitações ao poder de tributar. Como o poder de tributar (isto é, a competência tributária) é sempre conferido diretamente pela própria Constituição Federal, a criação de limitações ao poder de tributar não pode, evidentemente, ser obra de um ato infraconstitucional. Vale dizer, somente a própria Constituição pode instituir limitações à competência tributária, como o faz, por exemplo, quando estabelece uma imunidade tributária.

Ocorre, contudo, que, embora todas as limitações ao poder de tributar sejam

estabelecidas pelo texto constitucional, nem todas são vazadas em norma constitucional de eficácia plena. Quando uma limitação constitucional ao exercício da competência tributária comporta regulação legal, a lei que o faça deverá ser uma lei complementar.

Sendo assim, resta corroborado o entendimento de que à lei complementar não cabe

criar as limitações ao poder de tributar, mas tão-somente regular as que já vêm dispostas no

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texto constitucional. Em outras palavras, o campo material das leis complementares em

matéria tributária já está disposto constitucionalmente.

Nas palavras de AMARO (1998, p. 104-105),

... os limites do poder de tributar definidos pela Constituição não se esgotam nos enunciados aí contidos. Várias imunidades tributárias encontram-se dispostas fora da seção das “Limitação do Poder de Tributar”. Requisitos formais ou materiais, limites quantitativos, características específicas deste ou daquele tributo permeiam todo o capítulo do Sistema Tributário Nacional, sendo ainda pinçáveis aqui ou ali, em normas esparsas de outros capítulos da Constituição, como o dos direitos e garantias individuais, da seguridade social e da ordem econômica. (...)

O que fazem, pois, essas limitações é demarcar, delimitar, fixar fronteiras ou

limites ao exercício do poder de tributar. São, por conseguinte, instrumentos definidores (ou demarcadores) da competência tributária dos entes políticos no sentido de que concorrem para fixar o que pode ser tributado e como pode sê-lo, não devendo, portanto, ser encaradas como “obstáculos” ou “vedações” ao exercício da competência tributária, ou “supressão” dessa competência, consoante, propósito das imunidades tributárias, já observou Paulo de Barros Carvalho.

Como se sabe, a imunidade tributária consiste numa forma de limitação

constitucional ao poder de tributar, em que se limita o poder do Fisco de exercer a tributação

em alguns casos e perante algumas pessoas, como será visto especificamente no próximo

capítulo. No entanto, sobre o tema, PAULSEN (2006, p. 97), tratando da regulação das

imunidades tributárias, comenta:

→ Regulação das imunidades. Art. 150, VI, e 195, §7º, da CF. Remissão à “lei”. Interpretação harmônica com o art. 146, II, da CF. É a situação com que nos deparamos na análise dos arts. 150, VI, c, 153, §2º, II, e 195, §7º, da CF. Tenho que, nesses casos, não obstante a referência genérica à “lei”, impõe-se a utilização de lei complementar forte na inafastabilidade da incidência do art. 146, inciso II, da CF. Note-se, aliás, que não faria o menor sentido deixar ao arbítrio do legislador ordinário, que está submetido às limitações ao poder de tributar, regulá-las e, com isso, poder reduzi-las, e.g., criando requisitos exagerados para o gozo de imunidades. Necessariamente, as limitações ao poder de tributar têm de ser reguladas por lei complementar de cunho nacional que vincule as esferas tributantes. Esta é a posição dominante na doutrina e manifestada pelo Supremo.

Tratando ainda do assunto da lei complementar tributária, BASTOS (1999, p. 159)

muito bem explica:

Em matéria de direito tributário é possível afirmar-se que a lei complementar foi empregada para exercer uma dupla função qual seja, a de servir de um lado como um verdadeiro estabilizador do sistema e do outro, como uma garantia do contribuinte aos abusos dos erários brasileiros.

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Assim, a finalidade precípua da lei complementar como regra para os casos contidos

no art. 146 da CF/88 é justamente garantir a estabilidade da ordem tributária e a segurança dos

contribuintes, os quais não devem, de forma alguma, ser surpreendidos com alguma forma

ilegal ou inconstitucional de cobrança.

Dessa forma, nota-se a importância que tem a lei complementar na esfera tributária,

especificamente no que toca à definição das normas gerais de direito tributário e das

limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre estas, a imunidade tributária, que será

analisada do tópico a seguir.

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DO CASO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS

ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL QUANTO ÀS

CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL

4.0 CONTEXTUALIZAÇÃO

Antes de adentrar na análise do caso da imunidade tributária das entidades

beneficentes de assistência social quanto às Contribuições Sociais, discussão contida nos arts.

146, II e 195, §7º da CF/88, é importante estudar alguns conceitos e entidades, primordiais ao

entendimento completo do que será visto a seguir.

Isso porque, como será destrinchado, o art. 146, inciso II, da CF/88, determina que as

limitações constitucionais ao poder de tributar somente podem ser reguladas através de lei

complementar, e uma dessas limitações é a imunidade tributária. Por sua vez, o art. 195, §7º

do texto constitucional, trata das imunidades tributárias quanto às contribuições para a

seguridade social a serem conferidas às entidades beneficentes de assistência social. No

entanto, essas imunidades vêm sendo tratadas através do já revogado art. 55 da Lei nº

8.212/91 e da Lei nº 12.101/2009, que são leis ordinárias, ou seja, não adequadas ao caso e

que possivelmente deveriam ser declaradas inconstitucionais. A seguir será analisado o

porquê.

4.1 CONCEITO, ABRANGÊNCIA E ALCANCE DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

A imunidade tributária é tratada pela Constituição Federal de 1988 e caracteriza-se

como norma de estrutura, pelo fato de serem suas regras dirigidas ao legislador dos entes

políticos, delimitando o seu campo de atuação, ao determinar que eles se abstenham de

instituir tributos sobre determinadas situações, bens ou pessoas.

O instituto tem várias concepções, vindo a ser analisado de acordo com vários

aspectos. Um deles, defendido por Aliomar Baleeiro (apud CHIESA, 2006), define a

imunidade tributária como limitação constitucional ao poder de tributar. Tal concepção é

criticada por se entender que, juridicamente, não há como se conceber a preexistência de um

poder de tributar anterior à feitura do texto constitucional. Há quem entenda, ainda, que esta

concepção é vaga, pois a mesma expressão abriga outras características que com ela não se

confundem, como ocorre com a repartição de competências tributárias entre as pessoas

políticas e os princípios tributários.

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José Souto Maior Borges e Amílcar de Araújo Falcão (CHIESA, 2006) entendem a

imunidade tributária como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada para

tributar certos fatos, situações ou pessoas, decorrendo da exclusão de competência impositiva

do poder tributário. Segundo Clélio Chiesa (2006, p. 928), há dois reparos a serem feitos nesta

concepção: um, no sentido de que a Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga aos

entes competentes a possibilidade de instituí-los e, enquanto não o fizerem, não há que se

falar em incidência; e outro, no sentido de que a expressão não-incidência não representa

adequadamente o instituto das imunidades, devendo-se se falar em incidência da norma

imunizante para que surja o direito subjetivo de o contribuinte não ser tributado.

A terceira concepção do termo imunidade tributária é a que a entende como exclusão

ou supressão de parte do poder tributário concedido às pessoas políticas, defendida por Ruy

Barbosa Nogueira e Bernardo de Ribeiro Moraes (CHIESA, 2006). Também há críticas no

que toca a tal entendimento, posto que admitir a imunidade tributária como tal seria pressupor

cronologia entre as normas que outorgam competência aos entes tributantes e às normas

imunizantes, tal como ocorre com a concepção do fenômeno como limitação constitucional ao

poder de tributar.

Mais uma definição é a que entende como técnica legislativa de exoneração

exclusivamente aplicável aos impostos, defendida por Sacha Calmon Navarro Coelho, para

quem a regra constitucional impositiva da imunidade atua no plano da hipótese de incidência,

chegando a excluir de certos fatos ou aspectos destes a virtude jurígena, nos dizeres de Paulo

de Barros Carvalho (2008, p. 324). O último faz objeções a tal entendimento, no sentido de

que os fatos não tributados seriam expurgados da norma, no entanto, isso não pode ocorrer,

pois, na verdade, os fatos imunes não estão e nunca estiveram contidos na classe dos fatos

tributáveis, além do fato de que a imunidade tributária não é aplicada apenas aos impostos,

estendendo-se às taxas e contribuições.

Pode-se, ainda, destacar os entendimentos dos eminentes juristas Roque Antônio

Carrazza e Paulo de Barros Carvalho. Para o primeiro (apud CHIESA, 2006, p. 932), a

expressão imunidade tributária tem duas acepções:

Uma, ampla, significando a incompetência da pessoa política para tributar: a) pessoas que realizam fatos que estão fora das fronteiras de seu campo tributário; b) sem a observância dos princípios constitucionais tributários, que formam o chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco; d) de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens (salvo a hipótese de pedágio); e) afrontando o princípio da uniformidade geográfica; e f) fazendo tábua rasa do princípio da não-

discriminação tributária em razão da origem ou do destino dos bens. E, outra, restrita, aplicável Às normas constitucionais que, de modo expresso, declaram ser

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vedado às pessoas políticas tributar determinadas pessoas, quer pela natureza jurídica que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham, que, finalmente, porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.

Já para CARVALHO (2007, p. 203), imunidade tributária, ao tempo em que

substancia proibição clara e peremptória, com indicação precisa do objeto de interdição, é

... a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.

É de se ressaltar, ainda, que não se deve confundir imunidade com isenção nem com

hipótese de não incidência tributária. Aliás, há uma série de diferenças entre tais institutos. À

guisa de exemplo, a primeira é definida constitucionalmente66, enquanto a segunda é

proveniente de lei infraconstitucional; além disso, aquela, de acordo com vários preceitos

contidos na Carta Magna, somente pode ser instituída ou alterada por meio de lei

complementar, enquanto esta é criada e alterada por meio de lei ordinária, instituída pela

entidade tributante. A última se trata simplesmente de não incidência pura e simples.

Ainda com o fito de distinguir isenção de imunidade, se faz importante transcrever as

palavras do brilhante Juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Hugo de

Brito Machado (1994, p. 154):

O que distingue, em essência, a isenção da imunidade é a própria posição desta última em plano hierárquico superior. Daí decorrem cosnequencias da maior importância, tendo-se em vista que a Imunidade, exatamente porque estabelecida em norma residente na Constituição, corporifica princípio superior dentro do ordenamento jurídico, a servir de bússola para o intérprete que ao buscar o sentido e o alcance da norma imunizante não pode ficar preso a literalidade. Ainda que na Constituição esteja escrito que determinada situação é isenta, na verdade de isenção não se cuida, mas de imunidade. E se a lei porventura referir-se a hipótese de imunidade, sem estar apenas reproduzindo, inutilmente, a norma da Constituição, a hipótese não será de imunidade, mas de isenção.

COÊLHO (2014, p. 140) também trata do tema, aduzindo o seguinte:

Aliás, os dispositivos legais isentantes funcionam da mesma maneira. A diferença é que a imunidade radica na Constituição, enquanto a isenção decorre da lei menor, complementar ou ordinária. Teleologicamente a imunidade liga-se a valores caros que se pretende sejam duradouros, enquanto a isenção veicula

66 Como bem defende COÊLHO (2014, p. 135): “A imunidade é uma heterolimitação ao poder de tributar. A

vontade que proíbe é a do constituinte. A imunidade habita exclusivamente no edifício constitucional”.

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interesses mais comuns, por si sós mutáveis. Mas imunidade e isenção são categorias legislativas. Do ponto de vista da norma, só cabe dizer se ela incide ou não incide. Imunidade e isenção são fatores legislativos que condicionam as normas tributárias, cooperando na formação das mesmas.

Desta forma, a isenção e a imunidade tributária são institutos diversos, apesar de

serem semelhantes, e, em momento algum, podem ser confundidos.

Sendo assim, em conclusão, apesar de tais entendimentos já estarem consolidados

por tão importantes juristas, a definição trazida no presente trabalho é a de que se pode

afirmar que as imunidades tributárias caracterizam um conjunto de normas jurídicas

constitucionalmente delimitado, implícitas ou explícitas67, já que suas hipóteses estão ali

previstas limitadamente, estabelecendo a incompetência das pessoas políticas de direito

constitucional interno para instituírem tributos sobre certas situações nela especificadas.

Há quem sustente que a imunidade tributária abarca somente os impostos, enquanto

outros defendem que engloba todos os tributos. Esclarecedor é o entendimento do ilustre

Paulo de Barros Carvalho, posição esta adotada no presente trabalho (2007, p. 197). Confira-

se:

Querem, quase todos, que a imunidade seja uma instituição jurídica que diga respeito unicamente aos impostos, forrando-se a ela as taxas e a contribuição de melhoria. Tudo sobre o fundamento de que o texto do Diploma Básico, ao transmitir as hipóteses clássicas veiculadas pelo art. 150, IV, cita, nominalmente, a espécie de tributos que Geraldo Ataliba nomina de não-vinculados. Além do mais, insistem alguns na circunstância de que os impostos são concebidos para o atendimento das despesas gerais que o Estado se propõe, ao passo que as taxas e a contribuição de melhoria, antessupondo uma prestação direta, imediata e pessoal ao interessado, não comportariam o benefício da imunidade, por todos os títulos incompatível com aqueles tipos impositivos.

Nada mais infundado! A redução é descabida, transparecendo como o

produto de exame meramente literal (e apressado) ou como o resultado de considerações metajurídicas, que não se prendem ao contexto do direito positivo que vige. Que motivo de ordem superior ditaria o princípio de que o legislador constituinte, no exercício de suas prerrogativas, pudesse estar impedido de organizar as competências tributárias, de tal modo que tolhesse a decretação de certas taxas ou impossibilitasse a criação de contribuições de melhoria? Com assomos jurídicos, nenhum. Se a Constituição fala e refala nos impostos, tratando-os com a intimidade de quem os conhece pelo nome, é natural que utilize expedientes como a imunidade para lhes tracejar a feição. Com os gravames vinculados, sendo as menções constitucionais mais reduzidas, nem por isso deixou o constituinte de alcançá-los, como prova o versículo do art. 151, I, que estatui o primado da uniformidade.

67 Neste sentido, adotam-se para fins deste trabalho, as pertinentes observações de Clélio Chiesa (2006, p. 935), quando afirma que “A norma imunizante pode ser construída a partir de fragmentos de textos, de um artigo, de

alguns ou da soma deles. Enfim, não há necessidade de haver precisão literal no texto constitucional de que

determinada situação está afastada da tributação para que se assegura uma hipótese de imunidade. Tal norma

imunizante pode ser dessumida, como é o caso da imunidade recíproca, de outras diretrizes contidas na

Constituição Federal”.

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Sendo assim, nada obsta que a imunidade tributária seja aplicada a todos os tributos,

não se aplicando tão-somente aos impostos, o que caracterizaria entendimento bastante

restrito e limitado.

Outra discussão existente é no sentido de a qual tipo de contribuinte é aplicado o

benefício: o de fato, que é aquele que, embora não integre a relação jurídica tributária como

sujeito passivo, suporta o ônus econômico do tributo; ou o de direito, que é aquele que de fato

sofre a incidência do tributo, se caracterizando como pólo passivo da obrigação tributária.

Para fins de aplicação do instituto da imunidade tributária, bem como do próprio

Direito Tributário, para CHIESA (2006, p. 937), o sujeito passivo será aquele que figura no

pólo passivo da obrigação tributária, e não o que suporta o ônus econômico do tributo.

Apesar do entendimento do ilustre doutrinador, é de se crer que tal entendimento

merece reparos. É que, no caso de entidade beneficente de assistência social, a imunidade

tributária também abarca casos em que ela é contribuinte de fato, como ocorre com o ICMS.

A repercussão fiscal é o fenômeno através do qual a pessoa que é colocada pela lei

como sujeito passivo da obrigação tributária transfere para um terceiro o ônus financeiro do

tributo. Assim, o contribuinte de direito não sofre decréscimo patrimonial e por isso não se

legitima a repetir o que indevidamente foi recolhido (salvo quando for expressamente

autorizado pelo contribuinte de fato), nos termos do ar. 166 do CTN68.

Mizabel Derzi, nos seus comentários à obra de Aliomar Baleeiro (1999, p. 886-887),

evidencia que somente em relação ao IPI e ao ICMS pode ser aplicado o art. 166 do CTN,

pois só nestes casos haveria a presunção constitucional de transferência do ônus financeiro do

imposto, sendo os princípios da não-cumulatividade e da seletividade claros indicativos de

que a carga tributária há de incidir sobre o consumidor final:

Mas o que interessa é a repercussão jurídica, que é sempre certa no IPI e no ICMS, podendo corresponder ou não à econômica. A rigor, a ilação é extraída diretamente da Constituição Federal, porque, em relação a eles, a carta adota dois princípios – o da seletividade e da não-cumulatividade – que somente podem ser explicados ou compreendidos pelo fenômeno da translação, uma vez que a redução do imposto a recolher, entre outros objetivos – em um ou outro princípio – se destina a beneficiar o consumidor, por meio da repercussão no mecanismo dos preços.

Nesse diapasão, também não destoa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

– STJ, conforme se comprova no AGRESP nº 327.245/SP in DJ de 22.10.2001, p. 277:

68 Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

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(...) 8. Tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo

encargo financeiro são somente aqueles em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência.

9. Somente em casos assim aplica-se a regra do art. 166, do CTN, pois a natureza, a que se reporta tal dispositivo, só pode ser a jurídica, que é determinada pela lei correspondente e não por meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, o repasse.

10. O art. 166, do CTN, contém referência clara ao fato de que deve haver pelo intérprete sempre, em casos de repetição de indébito, identificação se o tributo, por sua natureza, comporta a transferência do respectivo encargo financeiro para terceiro ou não, quando a lei, expressamente, não determina que o pagamento da exação é feito por terceiro, como é o caso do ICMS e do IPI. A prova a ser exigida na primeira situação deve ser aquela possível e que se apresente bem clara, a fim de não se colaborar para o enriquecimento ilícito do poder tributante. Nos casos em que a lei expressamente determina que o terceiro assumiu o encargo, necessidade há, de modo absoluto, que esse terceiro conceda autorização para a repetição.

Assim, dúvidas não restam de que, no tocante a tributos como o ICMS e o IPI,

apenas o contribuinte de fato tem legitimidade para pleitear a repetição de indébito, podendo

inclusive autorizar o contribuinte de direito a ajuizar a citada ação de repetição, pelo que se

discorda respeitosamente, neste ponto, das lições de Clélio Chiesa (2006).

4.2 CONCEITO E ALGUNS EXEMPLOS DE ENTIDADES BENEFICENTES DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

O artigo 4º da Lei n.º 8.212/91 prevê que “A Assistência Social é a política social

que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência,

independentemente de contribuição à Seguridade Social”.

Das palavras do transcrito dispositivo legal, é possível concluir que a assistência

social é o conjunto de atividades de iniciativa pública e da sociedade que devem garantir a

subsistência dos hipossuficientes para incluí-los na vida comunitária.

Segundo CHIESA (2006, p. 956), pode-se entender como entidade beneficente toda

pessoa jurídica que desenvolva, sem fins lucrativos, uma ou mais atividades visando à

concretização de um ou alguns dos objetivos enumerados no art. 20369 da Constituição

Federal de 1988. Em suas palavras, dispõe muito bem que:

69 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

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Já a expressão entidades beneficentes de assistência social, parece ter sido empregada no §7º, do art. 195, da Constituição, para referir-se às pessoas jurídicas que prestam seus serviços de forma gratuita e também àquelas que o fazem mediante o pagamento de certa quantia em dinheiro, denominada contribuição, exigida para o fim específico de custear os benefícios proporcionados aos favorecidos. É inconcebível pretender restringir o alcance da imunidade em questão Às entidades que prestam de forma gratuita seus serviços, pois isso representaria o esvaziamento da referida hipótese de imunidade. Exegese de tal ordem frustraria o desiderato pretendido pelo constituinte com a instituição da mencionada imunidade, consistente em estimular que outras pessoas prestem serviços de assistência social visando a auxiliar o Estado a cumprir o seu fim institucional de assistir os hipossuficientes.

Dessarte, a gratuidade dos serviços prestados não é elemento essencial para a

caracterização das entidades beneficentes. Para tanto, basta, tão-somente, que as atividades sejam desenvolvidas sem o objetivo de auferir lucros, ou seja, que eventual superávit seja todo reinvestido nos fins institucionais da entidade.

Acontece que o artigo mencionado da Carta Magna foi regulamentado pela Lei nº

8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social, que, atualizada pela Lei n.º 12.435/2011,

aumentou o campo de atuação dessas entidades e as elencou, dispondo acerca de seus

objetivos no art. 2º70.

Através de sua análise, é possível concluir que se consideram como entidades

beneficentes de assistência social não apenas as que fornecem seus serviços tão-somente de

forma gratuita, abrangindo também as que, embora requeiram o pagamento de uma

contribuição por parte de seus usuários, invistam todo o valor arrecadado para os seus fins

institucionais, caracterizando-se como entes sem finalidade lucrativa.

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 70 Art. 2º. A assistência social tem por objetivos: I - a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos, especialmente: a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; b) o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e e) a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família; II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos; III - a defesa de direitos, que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais. Art. 3º. Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos.

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Ressalta-se que a cobrança de certa quantia em dinheiro ocorre devido à dificuldade

que muitas vezes tais entidades apresentam para sua manutenção e, caso não houvesse o

pagamento desse montante, poderia haver o comprometimento de sua finalidade assistencial.

É o que ocorre, por exemplo, com clubes, aos quais os seus associados se prestam ao

pagamento uma quantia mensal para a manutenção e continuidade dos serviços daquele.

A esse respeito, veja-se o que assevera Frederico Seabra de Carvalho (2001, p. 51):

Esta lei (n.º 8.742/93), registre-se, não exigiu que as entidades de assistência social atendam à totalidade dos beneficiários, e nem, tampouco, proibiu que estas entidades cobrem alguma contribuição para manutenção de seus objetivos sociais, o que, a nosso ver, está em plena conformidade com o ordenamento jurídico nacional. Diga-se de passagem, ainda, que as prestações periódicas pagas por associados de tais entidades não têm natureza de preço, pois não importam em uma contraprestação de serviços. O fito único destas contribuições é o de manter os objetivos sociais da entidade à qual a pessoa é associada. Ao contrário, mas também não é proibido pela Lei 8.742/93 e nem pelo CTN, é o valor que terceiros não associados pagam às entidades de assistência social, desde que revertidos para a manutenção de seus objetivos sociais. Neste caso, há o pagamento de um determinado preço como contraprestação por serviços prestados, e não de uma contribuição periódica e voluntária para a entidade.

Neste mesmo sentido, entende Luciano Amaro (apud YOUNG, 2009, p. 33):

Em suma, quem cria a entidade é que não pode visar lucro. A entidade (se seu criador não visou lucro) será, por decorrência, sem fim de lucro, o que – repita-se – não impede que ela aplique disponibilidades de caixa e aufira renda, ou que, eventualmente, tenha, em certo período, um ingresso financeiro líquido positivo (superávit). Esse superávit não é lucro. Lucro é conceito afeto à noção de empresa, coisa que a entidade, nas referidas condições, não é, justamente porque lhe falta o fim de lucro (vale dizer, a entidade não foi criada para dar lucro ao seu criador, mas para exercer uma atividade altruísta).

Ainda, deve-se expor o ensinamento de Misabel Abreu Machado Derzi, ao atualizar

a obra do mestre Aliomar Baleeiro (1999, p. 176):

Os partidos políticos, como instrumentos de governo, e as instituições de educação e assistência social, como auxiliares de serviços públicos, não têm capacidade econômica para pagar impostos. Não visam lucros ou a remuneração dos indivíduos que as promovem ou as mantêm. Isso, porém, não deve ser entendido como proibição de cobrarem as instituições preços de seus produtos e serviços como fontes de renda, para sua expansão e manutenção. O que se lhes veda é a distribuição dessas rendas como lucros, percentagens, comissões, etc. a seus diretores, administradores, fundadores, membros do Conselho Fiscal, etc.

Urge declarar que o entendimento quanto à inexigibilidade da gratuidade de todos os

serviços prestados por uma entidade beneficente de assistência social afina-se com orientação

há muito sedimentada pelo Pretório Excelso.

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Neste sentido, impende destacar o trecho do voto do Eminente Ministro Marco

Aurélio no julgamento de Medida Cautelar na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º

2028-DF, publicada em 02/08/1999, pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:

No preceito, cuida-se de entidades beneficentes de assistência social, não estando restrito, portanto, às instituições filantrópicas. Indispensável, é certo, que se tenha o desenvolvimento da atividade voltada aos hipossuficientes, àqueles que, sem prejuízo do próprio sustento e o da família, não possam dirigir-se aos particulares que atuam no ramo buscando lucro, dificultada que está, pela insuficiência de estrutura, a prestação do serviço pelo Estado. (...) A cláusula que remete à disciplina legal- e, aí, tem-se a conjugação com o disposto no inciso II do artigo 146 da Carta da República, pouco importando que nela própria não se haja consignado a especificidade do ato normativo- não é idônea a solapar o comando constitucional, sob pena de caminhar-se no sentido de reconhecer a possibilidade de o legislador comum vir a mitigá-lo, a temperá-lo. As exigências estabelecidas em lei não podem implicar verdadeiro conflito com o sentido, revelado pelos costumes, da expressão ‘entidades beneficentes de assistência social’. Em síntese, a circunstância de a entidade, diante, até mesmo, do princípio isonômico, mesclar a prestação de serviços, fazendo-o gratuitamente aos menos favorecidos e de forma onerosa aos afortunados pela sorte, não a descaracteriza, não lhe retira a condição de beneficente.

Destarte, resta claro que a gratuidade não é um requisito para qualificar se uma

entidade é beneficente ou não. Assim, pode haver pela prestação do serviço deste ente a

exigência de um pagamento, contanto que não vise auferir lucro.

Por fim, faz-se mister ressaltar que Entidades Beneficentes de Assistência Social são

o gênero, do qual os Serviços Sociais Autônomos, Organizações Sociais – OS (Lei n.º

9.637/98), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP (Lei 9.790/99), as

Associações (Lei n.º 10.406/2002, art. 53), as Fundações, o Órgão Gestor de Mão de Obra do

Trabalhador Portuário - OGMO, entre outros, são as espécies, por exemplo.

Será feita, a seguir, uma breve análise na natureza jurídica de algumas dessas

espécies de entidades beneficentes de assistência social para um melhor entendimento acerca

da matéria tratada no presente trabalho.

A primeira espécie a ser analisada é a Associação, que é uma entidade de direito

privado, sem finalidade lucrativa, constituída com o escopo de acolher aos interesses comuns

no âmbito religioso, político, esportivo, cultural e assistencial.

YOUNG (2009, p. 44) classifica as associações com base nos seus objetivos sociais,

dividindo-as em:

a) Altruístas, como, por exemplo, uma associação beneficente; b) Egoística, como, por exemplo, uma associação literária, esportiva ou recreativa; c) Econômica não lucrativa, como, por exemplo, uma associação de socorro mútuo.

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O patrimônio deste ente é constituído pelos associados ou membros, sem finalidade

lucrativa. Todavia, caso exerça atividade lucrativa, o lucro decorrente desta não deve ser

distribuído, pois o superávit obtido deverá ser utilizado para reinvestir na atividade

desempenhada pela associação.

Deve-se asseverar que mesmo que os dirigentes da associação não sejam

remunerados, o administrador pode responder por dívidas se este não possuir patrimônio para

satisfazê-las, ou seja, há a possibilidade dos bens dos administradores da associação serem

penhorados para quitação da dívida trabalhista.

No tocante à sua extinção, com base no artigo 6171 do Código Civil, a associação

poderá determinar no seu estatuto para que entidade sem fim lucrativo deixará o remanescente

do seu patrimônio líquido. Caso haja omissão no estatuto, ele deverá ser destinado a

estabelecimento municipal, estadual ou federal, com os mesmos fins ou semelhantes e, caso

inexista esse estabelecimento, deverá ir aos cofres da Fazenda do Estado, Distrito Federal ou

mesmo da União.

A segunda espécie de entidade beneficente de assistência social a ser analisada é a

Organização Social - OS. Como associação ou fundação, a entidade já é pré-existente,

todavia, para tornar-se uma OS, deve haver a habilitação perante a Administração Pública.

Assim, o Ministro ou o titular do órgão supervisor ou regulador da área da atividade

correspondente ao seu objeto social e o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão72

qualificará como OS, ao declarar como de interesse social e de utilidade pública, conforme

previsto no art. 11 da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 199873, a entidade instituída por

particulares para realização de serviço público de natureza social, com finalidade não-

lucrativa.

O instrumento que firma comum acordo entre o Poder Público e a OS é o contrato de

gestão, através do qual há o estabelecimento de atribuições, obrigações, responsabilidades do

Poder Público e da entidade privada.

71 Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes. 72 A lei em comento dispõe acerca da concordância do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado, todavia esse Ministério já não existe, em virtude da Medida Provisória n.º 1.795/99, assim suas atribuições foram absorvidas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. 73 Art. 11. As entidades qualificadas como organizações sociais são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais.

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A OS, como previsto na Lei nº 9.637/98, atua em atividades dirigidas ao ensino, à

pesquisa científica, à proteção e preservação do meio ambiente, à saúde, à cultura e ao

desenvolvimento tecnológico.

Assim, para que uma entidade seja reconhecida como OS, se faz mister a obediência

a alguns requisitos, como: não deve ter finalidade lucrativa, com base nos artigos 1º74e 2º,

inciso I, alíneas “b” e “h” da Lei nº 9.637/98; sua atividade deve ser assistencial, nos termos

dos artigos 1º e 2º, inciso I, alínea “a” da mesma Lei75; forma de funcionamento prevista pela

Lei nº 9.637/98; ter seu estatuto registrado em cartório, ter inscrição no Cadastro Nacional de

Pessoa Jurídica – CNPJ; ter ata de eleição de diretoria; apresentar balanço patrimonial e

demonstração de resultados; bem como apresentar declaração de isenção de imposto de renda.

Se faz mister asseverar que obrigatoriamente esta entidade beneficente, em

consonância com o artigo 2º76 da referida lei, deve aplicar os seus excedentes financeiros no

desenvolvimento das próprias atividades, não distribuir bens ou parcela do seu patrimônio

líquido, em qualquer hipótese, entre os seus sócios e/ou dirigentes, e, em caso de extinção ou

desqualificação, deverá haver, com base na alínea i do inciso I do artigo mencionado, a

74 Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei. 75 Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; 76Art. 2o. São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades; c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei; d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade; i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados; II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado.

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incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados,

bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades (...) ao patrimônio de

outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao

patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos

recursos e bens por estes alocados.

Haverá a desqualificação da Organização Social pelo Poder Executivo quando do

descumprimento das disposições do contrato de gestão, sendo precedida de processo

administrativo, conforme dispõe o artigo 16 da Lei 9.637/9877. Seus dirigentes respondem,

individual e solidariamente, pelos prejuízos ocasionados.

Desta forma, caso a OS deixe de atender a algum dos requisitos dispostos na lei que a

disciplina, pode ser desqualificada como tal pelo Poder Executivo, voltando a ser pessoa

jurídica de direito privado. Frise-se: ou a OS cumpre e continua, no decorrer do tempo,

cumprindo os requisitos para ser uma OS, ou o Poder Executivo pode desqualifica-la.

A próxima entidade beneficente de assistência social a ser analisada são as

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, conceituadas, pelo art. 1º78 da

Lei nº 9.790/99, como pessoas jurídicas de direito privado e sem fins lucrativos, sendo

obrigatório o atendimento a vários requisitos instituídos na mencionada legislação.

Nota-se, prima facie, que não é qualquer pessoa jurídica que pode se tornar uma

OSCIP. Ao contrário, é bem dificultoso preencher todos os requisitos dispostos na lei aludida

e, além disso, o §2º do artigo transcrito já avisa: caso os requisitos não sejam cumpridos pela

pessoa jurídica, esta não terá a qualificação de OSCIP ou, se tem, e deixar de cumpri-los,

passará a não mais ser caracterizada como tal.

Os seus objetivos sociais estão contidos no artigo 3º79 da Lei nº 9.790/99, entre eles,

77 Art. 16. O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão. 78 Art. 1o Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei. § 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social. § 2o A outorga da qualificação prevista neste artigo é ato vinculado ao cumprimento dos requisitos instituídos por esta Lei. 79 Art. 3o A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: I - promoção da assistência social; II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

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a promoção da assistência social, da cultura e do meio ambiente, sendo necessário ressaltar

que a qualificação como OSCIP dar-se-á por intermédio do Ministério da Justiça e o fomento

e a execução de suas atividades são de responsabilidade do Poder Público.

O vínculo jurídico é instituído entre o Poder Público e as entidades qualificadas

como OSCIP por meio do termo de parceria, o qual especifica o cumprimento de um

programa de cooperação entre as partes.

No entanto, não é qualquer empresa ou entidade que pode ser classificada como tal.

Assim, há impedimento para qualificação como OSCIP aos entes elencados no artigo 2º80 da

Lei 9.790/99, como ocorre com as organizações sociais e as cooperativas, por exemplo.

Imperioso expor que, por ser considerada sem fins lucrativos, se faz mister que as

entidades regidas pela Lei nº 9.790, não distribuam eventuais excedentes financeiros

recebidos através do exercício de suas atividades entre os seus sócios ou associados,

conselheiros, diretores, empregados ou doadores e que os aplique em sua integralmente na

III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; V - promoção da segurança alimentar e nutricional; VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII - promoção do voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobre IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. 80 Art. 2o Não são passíveis de qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas no art. 3o desta Lei: I - as sociedades comerciais; II - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; IX - as organizações sociais; X - as cooperativas; XI - as fundações públicas; XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

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consecução do seu objeto social, conforme previsto no artigo 1º, §1º da Lei nº 9.790/99.

Dito isso, resta claro que uma OSCIP encontra-se em consonância com a natureza

jurídica de uma entidade beneficente de assistência social. Assim, não pairam dúvidas que

caracteriza-se como uma vertente do gênero de entidade beneficente de assistência social.

A última espécie trazida para estudo das entidades beneficentes de assistência social

no presente trabalho são os Serviços Sociais Autônomos, conceituados por MEDAUAR

(2008, p. 100), como: “São pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,

destinadas a propiciar assistência social, médica ou ensino à população ou a certos grupos

profissionais”.

Conhecidos como “Sistema S”, os Serviços Sociais Autônomos são instituídos por

lei com a finalidade de cooperar com o Estado, ao dar assistência ou ensino, sem fim

lucrativo, a alguns grupos profissionais ou categorias sociais.

São exemplificados através do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial), SESC (Serviço Social do Comércio), SENAC (Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial), SESI (Serviço Social da Indústria), SENAR (Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural), SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio ás Micros e Pequenas

Empresas), SEST (Serviço Social do Transporte) e SENAT (Serviço Nacional de

Aprendizagem do Transporte).

A criação, organização e direção destes estão atribuídas, por lei, às Confederações

Nacionais e a sua manutenção dar-se-á mediante contribuições parafiscais recolhidas pelos

empregadores, sendo arrecadadas e repassadas pela Previdência Social. Dessa forma, o Estado

fomenta a iniciativa privada para sua criação.

Neste sentido, sem dúvida alguma, cuida-se de uma das espécies do gênero entidade

beneficente de assistência social, entendimento esse também compartilhado inclusive pelo

Superior Tribunal de Justiça – STJ81.

81 PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL - SENAI. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL AO INCRA. FUNRURAL. ISENÇÃO. LEI N.º 2.613/55. 1. Os "Serviços Sociais Autônomos", gênero do qual é espécie o SENAI, são entidades de educação e assistência social, sem fins lucrativos, não integrantes da Administração direta ou indireta, e que, assim, não podem ser equiparados à entidades empresariais para fins fiscais. 2. A Lei n.º 2.613/55, que autorizou a União a criar a entidade autárquica denominada Serviço Social Rural - S.S.R., em seu art. 12, concedeu à mesma isenção fiscal, ao assim dispor: "Art. 12.Os serviços e bens do S.S.R. gozam de ampla isenção fiscal como se fossem da própria União". 3. Por força do inserto no art. 13 do mencionado diploma legal, o benefício isentivo fiscal, de que trata seu art. 12, foi estendido, expressamente, ao SENAI, bem como aos demais serviços sociais autônomos da indústria e comércio (SESI, SESC e SENAC), porquanto restou consignado no mesmo, in verbis: "Art. 13. O disposto nos arts. 11 e 12 desta lei se aplica ao Serviço Social da Indústria (SESI), ao Serviço Social do Comércio (SESC), ao

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Pelo exposto, não restam dúvidas de que os Serviços Sociais Autônomos são

espécies de Entidades Beneficentes de Assistência Social, assim como as OS’s, OSCIP’s e

Associações, fazendo todos jus à imunidade tributária prevista no art.195, §7º da Constituição

Federal de 1988, como será melhor esposado no próximo tópico do presente trabalho.

4.3 IMUNIDADE DOS IMPOSTOS DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE

ASSISTÊNCIA SOCIAL

A imunidade tributária dos impostos foi devidamente declarada pela Carta Magna,

através de seu artigo 150, inciso VI, alínea c82, o qual prescreveu expressamente que as

entidades de assistência social sem fins lucrativos gozam de imunidade quanto aos impostos

incidentes sobre as suas rendas, patrimônio e serviços, pelo que o seu não atendimento gera

violação a dispositivo constitucional.

Sem sombra de dúvidas, quis o Constituinte de 1988 dar uma maior segurança

jurídica a tais entidades, em razão de seu relevante caráter social. Para tanto, não basta que a

entidade seja de assistência social, deve ela, num primeiro momento, não visar ao lucro, ou

seja, que não haja qualquer distribuição de lucros entre os seus sócios e/ou dirigentes, como

analisado no tópico anterior.

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)." 4. É cediço na Corte que "o SESI, por não ser empresa, mas entidade de educação e assistência social sem fim lucrativo, e por ser beneficiário daisenção prevista na Lei nº 2.613/55, não está obrigado ao recolhimento da contribuição para o FUNRURAL e o INCRA", exegese esta que, por óbvio, há de ser estendida ao SENAI (Precedentes: REsp n.º 220.625/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 20/06/2005; REsp n.º 363.175/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 21/06/2004; REsp n.º 361.472/SC, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 26/05/2003; AgRg no AG n.º 355.012/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 12/08/2002; e AgRg no AG n.º 342.735/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ de 11/06/2001). 5. Recurso especial desprovido. (Superior Tribunal de Justiça. REsp n.º 766.796/RJ. Rel. Luiz Fux. Primeira Turma. Publicação: 06/03/2006). TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL E O INCRA. SESI. 1. O SESI, por não ser empresa, mas entidade de educação e assistência social sem fim lucrativo, e por ser beneficiário da isenção prevista na Lei nº 2.613/55, não está obrigado ao recolhimento da contribuição para o FUNRURAL e o INCRA. 3. Recurso especial improvido. (Superior Tribunal de Justiça. REsp n.º 363.175/PR. Rel. Casto Meira. Segunda Turma. Publicação: 21/06/2004) 82 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV – instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

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Nesse sentido, o CTN, através de seu art. 9º, inciso IV, c c/c art. 1483, prescreve quais

os requisitos que deve uma pessoa jurídica obedecer para ser considerada imune à tributação

dos impostos. E, uma vez cumpridos, é concedida a imunidade tributária quanto aos impostos

das entidades nele elencadas.

Ressalte-se que a Lei nº 9.532, de 10.12.1997, em seu art. 1284, trata dos requisitos a

serem cumpridos pela entidade para que possa fazer jus à imunidade tributária quanto aos

83 Art. 9º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV – cobrar imposto sobre: (...) c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo (...) Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. 84 Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos. (Vide artigos 1º e 2º da Mpv 2.189-49, de 2001) (Vide Medida Provisória nº 2158-35, de 2001) § 1º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável. § 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos: a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais; c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão; d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial; e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal; f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes; g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público; h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo. § 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais. § 4o A exigência a que se refere a alínea “a” do § 2o não impede: I - a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício; e II - a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal. § 5o A remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 4o deverá obedecer às seguintes condições: I - nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo; e

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impostos, requisitos esses que, conforme será explicitado no tópico a seguir, não devem ser

seguidos, devendo sê-lo o mencionado art. 14 do CTN, já que as limitações constitucionais ao

poder de tributar devem ser disciplinadas apenas por meio de lei complementar.

De antemão, já é possível delinear que o STF, inclusive, tem entendido pela

necessidade de regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar, no caso, a

imunidade tributária dos impostos das entidades beneficentes de assistência social através de

lei complementar, como bem noticiou PAULSEN (2006, p. 97/98)85.

Desta forma, e em consonância com o que a Corte Constitucional brasileira já

entendeu, a Lei nº 9.532/97 não é a adequada para a regulação da imunidade tributária quanto

aos impostos das entidades beneficentes de assistência social, sendo o CTN a lei

complementar adequada ao caso. No entanto, não é este o ponto específico que se deseja

adentrar no presente trabalho.

4.4 IMUNIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL DAS

ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E LEGISLAÇÃO

COMPETENTE PARA REGULAR AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO

PODER DE TRIBUTAR

O art. 195 da Carta Magna de 1988, em sua redação original, dispunha que a

seguridade social seria financiada por toda a sociedade, pela União, pelos Estados, pelo

Distrito Federal e pelos Municípios.

II - o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo. § 6o O disposto nos §§ 4o e 5o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho. 85 - STF. A regulação de limitações ao poder de tributar exige sempre lei complementar. O Supremo Tribunal Federal tem firmado posição justamente nesse sentido de que as limitações ao poder de tributar só podem ser reguladas por lei complementar, sendo que da referência singela à “lei”, como no caso do at. 150, VI, c, da CF, não se pode tirar conclusão conflitante com o art. 146, II, da CF. O STF, aliás, em razão disso, suspendeu, liminarmente, a eficácia de artigos da Lei 9.532/97, que regulava o gozo de imunidades, estabelecendo novos requisitos para tanto. Nessa oportunidade, o STF foi absolutamente claro, conforme noticiado no Informativo nº 120: “... reconheceu-se a inconstitucionalidade formal dessas normas, sob o entendimento de que o art. 150, VI, c, da CF (‘... atendidos os requisitos da lei;’) remete à lei ordinária a competência para estipular requisitos que digam respeito apenas à constituição e ao funcionamento das entidades imunes, e que qualquer limitação ao poder de tributar, como previsto no art. 146, II, da CF, só pode ocorrer mediante lei complementar. (...) ADInMC 1.802-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27.8.98”. (Informativo 120 STF) Obs: não se pode afirmar, porém, de forma absoluta, que tal posição seja definitiva no STF, seja porque adotada em sede de liminar, seja porque, quando do julgamento, pelo Plenário, da ADinMC 2.028, relativa ao art. 195, §7º, da CF, o Min. Moreira Alves admitiu que a tese contrária, no sentido de que a referência à lei pudesse excepcionar, no caso, a necessidade de lei complementar, também se mostrava relevante.

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Já o art. 203 do texto constitucional, como transcrito alhures, define os objetivos da

assistência social, no qual se enquadra a promoção da integração ao mercado de trabalho e da

proteção à família, que, por sua vez, são feitos de diversas formas e são de responsabilidade

do Governo, tais como saúde, educação e até mesmo apoio financeiro.

A fim de incentivar a iniciativa privada a prestar tais serviços à sociedade em lugar

do Estado, já que tal dever compete ao último, que, como não tem possibilidade de prestar a

toda a sociedade todos os deveres que lhes foram impostos constitucionalmente, acaba por

delegar alguns deles a entes privados, a Constituição Federal, em seu art. 195, §7º86,

estabeleceu uma limitação ao poder de tributar do Estado, isentando de contribuição para a

seguridade social87 as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências

estabelecidas em lei.

Muito bem tratou do assunto e da justificativa da concessão de imunidade tributária

às referidas entidades Ives Gandra da Silva Martins (in GOMES; VELLOSO, 2014, p. 216):

Em audiência pública a que compareci com o amigo e eminente professor de direito constitucional Dalmo Dallari, na Câmara dos Deputados, fui interpelado – após ter exposto minha posição a respeito das vedações constitucionais ao poder de tributar – pela então deputada do Rio Grande do Sul Maria do Rosário, sobre a razão pela qual deveriam os governos ofertar imunidade às instituições de educação e assistência social. Respondi, sem que ela contestasse, que a razão era simples: apesar da carga tributária elevada, os Governos não fazem, com nossos tributos, o que deveriam fazer, tornando necessário que a educação e assistência social sejam também promovidas pela sociedade, em troca da contrapartida da imunidade dos tributos discriminados na Lei Suprema. Se os governos cuidassem da educação e da assistência social como deveriam, não haveria necessidade das imunidades. Como fazem menos do que deveriam fazer com nossos tributos, apesar de receberem – à época – 1/3 de todo PIB nacional, sabiamente, o constituinte ofertou as imunidades tributárias a estas instituições, como forma de suprir a sua insuficiente atuação nos dois setores. Isso permitiu o surgimento de excelentes hospitais privados e de qualificadas escolas particulares, em todo o País.

Ora, nada mais justo que “isentar”88 (leia-se imunizar, já que se trata de benefício

concedido pela Constituição Federal, e não por lei) das contribuições devidas à seguridade

social aquelas entidades que, fazendo as vezes do Estado, prestam serviços à comunidade,

que, não custa reafirmar, seriam de competência do próprio Estado.

86 Art. 195. (...) §7º. São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. 87 As contribuições para a seguridade social são tributos caracterizados por sua destinação, qual seja, financiar a seguridade social, que compreende as áreas da previdência social, da assistência social e da saúde. 88 Houve um “tropeço redacional”, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (apud PAULSEN, 2006, p. 267), por parte do legislador, no disposto no artigo 195, §7º, da CF/88, uma vez que, indubitavelmente, trata-se de norma imunizante e não de lei isentiva.

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No intuito de regulamentar a parte final do §7º do art. 195 da CF/88, já que esta se

trata de norma de eficácia limitada89, o legislador ordinário, no “suposto” uso de suas

atribuições, editou a Lei nº 8.212/91, que dispôs sobre a organização da seguridade social e

apresentou o seu plano de custeio. Os requisitos para a concessão da imunidade tributária das

entidades beneficentes de assistência social quanto às contribuições para a seguridade social

estavam dispostos no art. 55 do mencionado diploma legal, que rezava, antes de sua

revogação:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; II - seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; III - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência; IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título; V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades. § 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido. § 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção. § 3o Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar. § 4o O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS cancelará a isenção se verificado o descumprimento do disposto neste artigo. § 5o Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento. § 6o A inexistência de débitos em relação às contribuições sociais é condição necessária ao deferimento e à manutenção da isenção de que trata este artigo, em observância ao disposto no § 3o do art. 195 da Constituição.

Acontece que, recentemente, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº

446/2008, e, após, a Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, que revogou expressamente o

art. 55 da Lei nº 8.212/91, instituindo uma série de novos requisitos para o gozo da “isenção”

(leia-se imunidade) das Contribuições para a Seguridade Social.

Acontece que, é sabido que toda a legislação ordinária infraconstitucional que tenta

89 De acordo com a classificação de José Afonso da Silva, o art. 195, §7º, da CF/88 trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, já que necessita de uma norma infraconstitucional que a complemente.

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limitar o alcance do §7º do art. 195 da CF/88 é completamente inconstitucional. Isso porque o

mencionado dispositivo constitucional trata de isenção, quando se sabe que, em sendo um

benefício garantido pela Constituição Federal, se cuida, na verdade, de imunidade.

Sendo assim, é assente, na doutrina e na jurisprudência, que o legislador foi infeliz ao

utilizar a expressão “isentas”, ao invés de utilizar o termo “imunes”, visto que o §7º do artigo

195 da Carta Magna trata-se nitidamente de hipótese de imunidade, já que estabelece a

inaptidão das pessoas constitucionais de direito interno para tributarem as entidades

beneficentes de assistência social mediante as contribuições para a seguridade social.

Imperioso ressaltar, então, a questão que surge na leitura do parágrafo do

mencionado artigo do Texto Supremo: que tipo de lei é adequada para estabelecer as

exigências para que as entidades beneficentes de assistência social gozem de imunidade

tributária?

Ora, a Constituição Federal é categórica ao afirmar, no seu inciso II do art. 146, que

as limitações constitucionais ao poder de tributar, como é o caso da imunidade, apenas podem

ser reguladas por lei complementar, jamais por lei ordinária. Isso porque, como já afirmado,

existem matérias, como é o caso das limitações ao poder de tributar, que o poder constituinte

originário condicionou a sua disciplina exclusiva e restritamente à lei complementar. Essa

exigência ocorre em virtude de tal lei, comparada à lei ordinária, revestir-se de um processo

legislativo mais rígido, já que para sua aprovação deve ser obedecida a maioria absoluta dos

votos das Casas Legislativas, conforme prevê o artigo 69 da Carta Magna.

E, ressalte-se, mesmo que a Lei nº 8.212/91 tivesse sido votada da forma como uma

lei complementar, ou seja, mesmo que tivesse sido atingido o quórum de maioria absoluta,

não se pode falar em lei ordinária com status de lei complementar. Sobre o assunto, muito

bem leciona Hugo de Brito Machado (SOUZA, SANTOS, MACHADO e MARTINS, 2014,

p. 377):

Ressalte-se que não se trata simplesmente do fato de ser a lei aprovada por um quórum de maioria absoluta, que seja eventualmente alcançado. Trata-se, isso sim, de um quórum que é previamente exigido e implica a adoção de regras regimentais diversas, aplicáveis especificamente aos projetos de lei complementar, como é a que estabelece ser inadmissível o acordo de lideranças. Em outras palavras, o quórum de maioria absoluta eventualmente alcançado na aprovação de uma lei ordinária não faz da mesma uma lei complementar, assim como o quórum de mais de três quintos dos votos dos membros do Congresso nacional não faz de uma lei ordinária emenda constitucional. Lei ordinária será sempre lei ordinária, mesmo que seja aprovada por unanimidade de votos. Cada uma das espécies normativas enumeradas no art. 59 da Constituição, para que se qualifique como tal, deve ser discutida e votada no Congresso Nacional com obediência ao procedimento regimental especificamente previsto, que pode conter disciplina diversa desde a iniciativa até a publicação do ato normativo.

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O mesmo se aplica à Lei nº 12.101/2009. Se tratando de lei ordinária, não lhe é

possibilitado regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre estas, a

imunidade tributária, vez que estas, diga-se mais uma vez, somente podem sê-lo por lei

complementar, como fartamente exposto no Capítulo anterior.

Mister ressaltar que, na doutrina, a matéria já encontra adeptos. Confira-se a lição de

Roque Antônio Carrazza (1999, p. 473):

São imunes à tributação por via de contribuição para a seguridade social (que, para o empregador, como vimos, é um imposto) as entidades beneficentes de assistência social, que atendam as exigências estabelecidas em lei (art. 195, §7º da CF). A esta lei (que só pode ser uma lei complementar) não é dado inviabilizar a fruição do benefício. Presentemente faz as vezes desta lei o art. 14 do CTN).

Confiram-se, ainda, as importantes palavras de Ives Gandra da Silva Martins (in

GOMES; VELLOSO, 2014, p. 217/218):

Vale dizer TODA A REGULAÇÃO DAS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR SÓ PODE SER REALIZADA POR LEI COMPLEMENTAR.

Toda a legislação infracomplementar que pretenda regular essa matéria,

criando restrições que não aquelas do artigo 14 do CTN, é manifestamente ilegal.

Continua o doutrinador, agora, utilizando-se das palavras do antigo Ministro Moreira

Alves (in GOMES; VELLOSO, 2014, p. 218):

Já não mais na função de julgador, mas em Simpósio por mim coordenado, o Ministro Moreira Alves, todavia, HOSPEDOU POR INTEIRO A INTERPRETAÇÃO AQUI EXPOSTA, AO DIZER:

Da interpretação sistemática dos arts. 146, II, 150, VI, c, e 195, §7º, da CF,

bem assim da recepção, como lei complementar, do art. 14 do CTN, a conclusão a que se chega é a de que a lei a que aludem os dois últimos dos suprareferidos dispositivos constitucionais é lei complementar, em observância ao imperativo constitucional do art. 146, II, que determina caber a lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Ademais, é de ter em conta também as lúcidas ponderações de Marco Aurélio Greco no sentido de que “a ficção de

condições para a fruição da imunidade, bem como a enumeração de requisitos para

a qualificação das entidades de modo a serem consideradas beneficiadas pela

limitação, implica regular suas hipóteses de incidência e as pessoas por ela

alcançadas (alcance objetivo e subjetivo do pressuposto da imunidade) o que

implica regular a própria limitação, o que é privativo da lei complementar”.

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Nesse sentido, a lei competente para regular as limitações constitucionais ao poder de

tributar é a lei complementar, no caso, a nº 5.172/66 – o Código Tributário Nacional, a qual,

ao tempo em que foi editada, o foi como lei ordinária, mas foi recepcionada, com a edição da

Carta Política de 1988, com status de lei complementar. Essa é a única lei com status de

complementar que existe no ordenamento jurídico pátrio com a possibilidade de regular tais

assuntos.

O CTN, por sua vez, regula tal matéria – limitações ao poder de tributar – dos artigos

9º ao 11º, em que, na alínea “c” do inciso IV do artigo 9º, afirma que é vedado à União,

Estados, Distrito Federal e aos Municípios, cobrar imposto sobre o patrimônio, a renda ou

serviços das instituições de assistência social sem fins lucrativos, com a observância dos

requisitos para tanto, fixados no artigo 14 do mesmo diploma legal, já explicitados no ponto

anterior.

PAULSEN (2006, p. 635) afirma que há doutrinadores que entendem que basta a lei

complementar para regular as imunidades tributárias, bem como outros que defendem que só

seria possível a sua regulação através de lei complementar. Assim, traz à colação vários

entendimentos nesse último sentido:

- No sentido de que a própria referência à lei deveria ser entendido como à lei complementar. “... exigências engendradas pelo Instituto Nacional do Seguro Social, sob o escudo do art. 55 da Lei nº 8.212/91, com a redação atribuída pela Lei nº 9.732/98, revelam-se, às escâncaras, de uma ilegalidade insuprível, visto que estabelecem óbices indevidos para impedir que as entidades beneficentes de assistência social fruam da imunidade tributária para, por evidente, cobrar-lhes as contribuições... Todavia... as exigências legais que as entidades beneficentes de assistência social devem atender são aquelas insertas no art. 14 do Código Tributário Nacional... Nada mais. Essas são as únicas exigências legais que o Instituto Nacional do Seguro Social tem a obrigação de averiguar e reclamar, porquanto a Constituição, em seu art. 146, II, repise-se, determina que cabe à lei complementar regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar. Como consignado alhures, a lei complementar em questão é o Código Tributário Nacional, previsamente o seu art. 14. Em fecho, qualquer exigência formulada... que não esteja contemplada num dos incisos do multicitado art. 14 do Código Tributário Nacional afigura-se, indubitavelmente, arbitrária e ilegal”. (SCHERER, Leandro Pacheco. Considerações Acerca da Imunidade Tributária das Entidades Beneficentes de Assistência Social. RET 39/155, out/04). - “A lei (referida no §7º do art. 195) significa ‘lei complementar’ (Código Tributário Nacional) que, relativamente à imunidade dos impostos para as instituições de assistência social, estabelece (no art. 14) os requisitos seguintes: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado; II – aplicarem integralmente no País os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidade, capazes de assegurar sua exatidão.” (José Eduardo Soares de Melo, Contribuições Sociais no

Sistema Tributário, 2ª ed., Ed. Malheiros, 1996, p. 201).

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Desta feita, devido à falta de lei complementar específica, as condições fixadas no

artigo 14 do CTN, que se referem à fruição da imunidade dos impostos, estabelecem as únicas

condições que as entidades beneficentes de assistência social devem satisfazer para fazer jus à

imunidade tributária quanto às contribuições para a seguridade social, de forma análoga.

Acontece que, insistentemente, o legislador ordinário cria requisitos adicionais,

obstando a fruição do instituto em tela no intuito de atender fins meramente arrecadatórios, já

que, elencando requisitos muito complicados de serem obedecidos, poucas entidades

conseguirão obter a imunidade. Todavia, resta claro que todos os requisitos fixados por lei

ordinária são inconstitucionais, uma vez que a regulamentação do artigo 195,§7º, da CF/88, só

poderá ser feita via lei complementar.

Para corroborar ainda mais a tese, confiram-se mais uma vez as lições de Roque

Antônio Carrazza (1999, p. 814-815), nos seguintes termos:

O que estamos querendo significar é que o art. 14 do Código Tributário Nacional dá plena eficácia e total aplicabilidade ao art. 195, § 7°, da CF. A entidade beneficente de assistência social que atender aos requisitos deste art. 14 tem o inafastável direito de não ser tributada por meio de contribuições sociais para a Seguridade Social.

Julgamos imperioso asseverar, ainda, que a lei ordinária não pode – sob pena

de irremissível inconstitucionalidade – criar outros requisitos que não os apontados na lei complementar, para o pleno desfrute desta imunidade. De fato, ela não é o instrumento próprio para veicular regras que condicionem a fruição da imunidade em tela.

É que, como é pacífico e assente, a lei ordinária não pode cuidar de matéria

sob reserva de lei complementar.

Como já afirmado, há matérias que são reservadas para serem disciplinadas por meio

de lei complementar, já que, de acordo com o artigo 69 da CF/88, para a sua aprovação, é

necessária a maioria absoluta dos votos das Casas Legislativas, gozando, assim, de um

processo legislativo mais rígido que o ordinário.

Repita-se: as matérias referentes às limitações constitucionais ao poder de tributar

são de competência exclusiva e restrita de lei complementar. Por isso se entende que as

entidades beneficentes de assistência social, para fazerem jus à imunidade tributária, devem

preencher os requisitos do artigo 14 do CTN (lei complementar), e não do artigo 55 da Lei nº

8.212/91 ou mesmo da recente Lei nº 12.101/2009 (leis ordinárias).

Pensar de outra forma seria ir de encontro à determinação constitucional, sendo

qualquer interpretação nesse sentido flagrantemente inconstitucional, inclusive nos termos já

estudados no presente trabalho. Assim, resta demonstrado que qualquer lei que não a

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complementar não tem o condão de impor limites ao gozo da imunidade pelas entidades

beneficentes de assistência social, pois, caso contrário, estaria eivada de vício de

inconstitucionalidade. Esse entendimento já foi comungado, em alguns casos, pelo Tribunal

Regional Federal da 5ª Região90.

Como forma de robustecer ainda mais o entendimento esposado, é importante

transcrever a lição de Ives Gandra da Silva Martins (1998, p. 97-117), a respeito do tema, que

conclui:

11) Como já respondi na questão 3, todas as entidades que preenchem os requisitos do art. 14 do CTN gozam de imunidade do §7º do artigo 195 quanto às contribuições sociais, sendo entidades imunes, desde que cuidando de assistência social, ou seja, concedendo bolsas de estudos a alunos carentes. (...) O caso do §7º do artigo 195 é de imunidade e não de isenção, apenas outorgável pelo legislador ordinário e, em casos excepcionais, pelo legislador complementar e nunca pelo constituinte. O vocábulo utilizado pelo constituinte de “isenção” em lugar da “imunidade” do §7º é lapso que a doutrina e a jurisprudência já corrigiram.

90 MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. REQUISITOS. ART.14 DO CTN. ART 12 DA LEI 9.532/97.INAPLICABILIDADE. 1. As entidades beneficentes de assistência social sem fins lucrativos, a teor do disposto no art. 150, VI, c, e § 4º da CF, possuem imunidade tributária relativamente aos impostos incidentes sobre o patrimônio, renda ou serviços, desde que relacionados com suas finalidades essenciais. 2. O art. 146 da CF estabelece que as limitações ao poder de tributar são regulamentadas por lei complementar, portanto para gozarem da imunidade tributária, as entidades devem preencher os requisitos do art. 14 do CTN e não os requisitos do art 12 da lei 9.532/97, por ser esta lei ordinária. 3. Apelação e remessa oficial não providas. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO – TRF 5ª REGIÃO AMS 94775/PB (2004.82.00.001519-5) D.J: 08/09/2008) TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 195, § 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LIMITAÇÃO AO PODER DE TRIBUTAR. REGULAMENTAÇÃO DA IMUNIDADE POR LEI COMPLEMENTAR NOS TERMOS DO ART. 146 DA CF. LEIS 8.212/91 E 9.732/98. LEIS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS ESTABELECIDOS NO ART. 14 DO CTN. 1. Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que concedeu a segurança, sob o fundamento de que a impetrante presta relevante trabalho de assistência social e, portanto, faz jus a imunidade prevista no art. 195, §7º da CF/88 uma vez que foram preenchidos os requisitos do art. 14 do CTN. 2. De uma análise do art. 195, § 7º, percebe-se que o constituinte limitou o poder de tributar do Estado quando estabeleceu que a prestação de serviços assistenciais não seria fato gerador de tributos, portanto, se trata de imunidade e não de isenção. 3. O art. 146 da Carta Magna estabelece a Lei Complementar como competente para regular as limitações constitucionais a este poder, portanto, observa-se que a lei mencionada no § 7º do art. 195 da Constituição Federal foi a LEI COMPLEMENTAR. 4. Desta forma, inaplicáveis as leis 8.212/91 e 9.732/98, por serem leis ordinárias e, como tais, não poderiam regular as limitações ao poder de tributar. Neste sentido, a lei referida no § 7º , do art. 195, da CF seria o Código Tributário Nacional, que estabelece em seu art. 14 requisitos que devem ser observados pelas entidades de assistência social para que gozem da imunidade tributária. 5. Apelação e remessa oficial improvidas, para manter a sentença. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO – TRF 5ª REGIÃO AMS 99.905 -CE (2003.81.00.025197-2) D.J: 11/02/2008)

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Acerca da imunidade tributária, imperioso trazer à colação as palavras da Prof.

Mizabel Derzi (1999, p. 316-317), in verbis:

À luz da Constituição de 1988, não resta dúvida de que somente lei complementar da União pode cumprir os ditames do art. 150, VI, c, por força do que estabelece o art. 146, II: ‘Cabe à lei complementar: ... II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar’.

Não se deve sustentar mais a tese de que lei ordinária possa cumprir o papel de regular as imunidades, porque: • a Constituição em vigor é expressa ao exigir a edição de lei complementar, no seu art. 146, supra citado; • a imunidade não pode ser regulada por lei ordinária da pessoa estatal competente para tributar, uma vez que os interesses arrecadatórios de tais entes levariam à frustração da própria imunidade;

Hoje, o art. 14 do Código Tributário Nacional, unanimemente reconhecido

pela doutrina e pela jurisprudência como lei complementar no sentido ‘material’, supre tal função, dispondo sobre os ‘requisitos’ exigidos pela Constituição: ‘Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinada à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nelas referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no resultado; II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do art. 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. § 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos’.

Note-se que os requisitos alinhados pelo Código Tributário Nacional praticamente reproduzem os fundamentos essenciais dessa imunidade: não aproveitar a interesses privados (distribuição de lucros); aplicar as rendas no País; manter os meios adequados à comprovação do cumprimento desses requisitos (escrituração regular).

Em que pese a Professora Mizabel Derzi direcionar o texto para tratar da imunidade

de impostos, cumpre destacar que os requisitos para o gozo da imunidade das contribuições

são os mesmos, como por diversas vezes já afirmado.

Ainda sobre a impossibilidade de se utilizar lei ordinária para prever os requisitos

da imunidade tributária, se faz mister ainda transcrever o entendimento do Professor Clélio

Chiesa (2006, p. 939), in verbis:

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Particularmente, no que diz respeito ao art. 14 do CTN, há um certo consenso na doutrina e na jurisprudência de que ele tem natureza de normas gerais de direito tributário e destina-se a dar auto-aplicabilidade ao art. 150, VI, ‘c’, e também do §7º, ao art. 195, ambos da Constituição Federal. Esta peculiaridade lhe confere uma eficácia que não está presente nas chamadas normas federais, pois vincula todos os entes tributantes e não somente a União Federal, ordem jurídica parcial, como acontece com estas últimas.

A tese de que a lei ordinária pode ser utilizada para regulamentar as hipóteses de imunidades condicionadas está hoje totalmente superada. Primeiro, porque a Constituição, expressamente, prevê que o veículo próprio para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar é a lei complementar (art. 146, II, da CF). Segundo, porque somente o Congresso Nacional, na qualidade de órgão legislativo do Estado brasileiro, é que está autorizado pelo sistema a editar normas gerais de caráter nacional, subjugando a atuação dos entes tributantes aos seus domínios.

A matéria já havia sido analisada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do

Mandado de Injunção nº 232-1/RJ, publicado no D. J. de 27.03.199291, quando o Ministro

Carlos Velloso já entendia que a regra disposta no §7º do art. 195 da Constituição Federal de

1988 tratava-se de regra de imunidade.

Posteriormente, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº

22.192-9/DF, publicado no D. J. de 19.12.199692, o STF, de forma clara e cristalina,

reconheceu que a regra disposta no §7º, do art. 195, da Carta Magna, trata de uma “típica

91 Confira-se trecho do voto da lavra do Eminente Ministro: “O direito está concedido desde que atendidas as

condições e os requisitos inscritos em lei. Que requisitos seriam esses? A Autora quer sabê-los, quer conhecê-

los. Poderiam ser requisitos que estabelecessem exigências além da situação ontológica de entidade

beneficente? Penso que não! Uma entidade que na realidade seja beneficente – e não há qualquer impugnação

a essa condição da Autora, ou que não fosse ela, na verdade, entidade beneficente – e que atenda, por exemplo,

os requisitos inscritos no Código Tributário Nacional para o gozo da imunidade relativamente aos impostos

(art. 14 do Código Tributário Nacional), tem, licitamente, a pretensão de gozar daquilo que a Constituição no

art. 195 chama de <<isenção>> e que, concebo, seja, na realidade, uma imunidade.” 92 MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – QUOTA PATRONAL – ENTIDADE DE FINS ASSISTENCIAIS, FILANTRÓPICOS E EDUCACIONAIS – IMUNIDADE (CF, ART. 195, §7º) – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. - A Associação Paulista da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por qualificar-se como entidade beneficente de assistência social – e, por também atender, de modo integral, às exigências estabelecidas em lei – tem direito irrecusável ao benefício extraordinário da imunidade subjetiva relativa às contribuições à seguridade social. - A cláusula inscrita no art. 195, §7º da Carta Política não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguridade social, contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, §7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedentes: RTJ 137/965. Tratando-se de imunidade – que decorre, em função de sua mesma natureza, do próprio texto constitucional –, revela-se evidente e absoluta impossibilidade jurídica de autoridade executiva mediante deliberação de índole administrativa , restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, §7º, da Carta Política, para em função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo.

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garantia de imunidade”, o que já foi inclusive corroborado pelo STJ93.

Desta forma, só é possível concluir que qualquer lei de hierarquia inferior à lei

complementar, que vise a impor limites ou restrições ao gozo da imunidade concedida às

entidades beneficentes de assistência social, é inconstitucional, por afrontar o disposto no §7º

do art. 195 e no art. 146, II, todos do Texto Supremo.

Mesmo se assim não fosse, e as leis ordinárias mencionadas pudessem tratar do

assunto, ainda continua uma questão a ser dirimida, no tocante aos requisitos que devem ser

preenchidos pela entidade beneficente para ser imune à tributação.

É que o art. 55 da revogada Lei nº 8.212/9194, em seu inciso II, exigia que, para a

concessão da isenção/imunidade tributária, a entidade deveria ter o porte do Certificado de

Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, renovado a cada três anos.

Os requisitos estampados no mencionado dispositivo legal foram mantidos,

praticamente da mesma forma, pela Lei nº 12.101/2009, que, em seu art. 2995, elenca os

93 CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ARTS. 146, INC. II E 195, §7º, DA C.F. LEI N. 8112/91, ART. 55. ENTIDADE DE FINS FILANTRÓPICOS. EFEITO EX TUNC DA DECRETAÇÃO DE QUE DE UTILIDADE PÚBLICA FEDERAL RECONHECIDO. As limitações constitucionais ao poder de tributar podem ser reguladas apenas por meio de lei complementar, ex vi do art. 146, inc. II, da Lei Maior, que assim dispõe, de forma expressa. O art. 55 da Lei n. 8212/91, uma lei ordinária, não tem, portanto, poder normativo para operar restrições no tocante à imunidade concedida pela Carta da República, exercitando papel meramente procedimental, quanto ao reconhecimento de um direito preexistente. A instituição de assistência social, para fins do alcançar do direito oferecido pelo art. 195, §7º, da Constituição Federal, tem de observar os pressupostos elencados no art. 14 da Norma Complementar Tributária. Nada mais. Ou, sob ótica distinta, tem direito à imunidade tributária, no momento em que perfaz o caminho das exigências previstas no Código Tributário Nacional. Com efeito, o certificar da instituição como de fins filantrópicos e o seu decretar como de utilidade pública federal têm eficácia meramente declaratória e, portanto, operam efeitos ex tunc, haja vista a declaração dizer, sempre, respeito a situações preexistentes ou fatos passados, motivo porque revolve ao momento constitutivo da realidade jurídica ensejadora da imunidade. Não tendo os pressupostos revelados pelo art. 55 da Lei n. 8212/91 a característica de conferir novo status à entidade de fins filantrópicos, senão de evidenciá-los, em tempo posterior, não há que se falar em existência de crédito tributário oriundo do não pagamento de contribuição patronal, por instituição que lhe é imune, sendo devida, pois, a Certidão Negativa de Débito solicitada. A entidade considerada de fins filantrópicos não está sujeita ao pagamento de imposto não somente a partir do requerimento, mas, uma vez reconhecida como tal, desde a sua criação. Recurso especial não conhecido. Acórdão regional mantido. (RECURSO ESPECIAL N.º 413.728-RS, Recorrente: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, Recorrido: ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR NOVO HAMBURGO, Data do Julgamento: 08.10.2002, Data da Publicação: 10.12.2002). 94 Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009) (...) II - seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; 95 Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

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requisitos necessários à concessão da isenção (imunidade) tributária, com duas flagrantes

mudanças: agora não é mais necessário o reconhecimento da entidade como de utilidade

pública, nem é mais necessário o CEBAS.

Mais uma vez, lembre-se que a Lei nº 12.101/2009, recentemente editada, da mesma

forma que a 8.212/91, e mesmo a Lei nº 9.532/97 (que trata da imunidade quanto aos

impostos), não devem ser levadas em consideração, conforme fartamente demonstrado, já que

se tratam de leis ordinárias visando à regulamentação de limitação constitucional ao poder de

tributar, a qual, por sua vez, somente pode ser disciplinada mediante lei complementar.

Desta forma, será analisada especificamente a aplicação do inciso II do art. 55 da Lei

nº 8.212/91, já que os demais incisos que dele fazem parte não apresentam grandes discussões

doutrinárias.

I - não percebam, seus dirigentes estatutários, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; II - aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; III - apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS; IV - mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade; V - não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto; VI - conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial; VII - cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária; VIII - apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006. § 1o A exigência a que se refere o inciso I do caput não impede: I - a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício; II - a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal. § 2o A remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 1o deverá obedecer às seguintes condições: I - nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo; e II - o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo. § 3o O disposto nos §§ 1o e 2o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho. Art. 30. A isenção de que trata esta Lei não se estende a entidade com personalidade jurídica própria constituída e mantida pela entidade à qual a isenção foi concedida.

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Assim, como tal questão ainda vem sendo bastante discutida no âmbito jurisdicional

de todo o país, sem haver ainda entendimentos pacíficos, mesmo com a revogação do art. 55

da Lei nº 8.212/91, é de se atentar especificamente para o dispositivo que exige que, para que

seja reconhecida a entidade como imune, deve ser obrigatório que ela seja portadora do

CEBAS, conferido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS.

A questão que sobrevém é: e no caso das entidades beneficentes de assistência social

criadas por lei, como ocorre com as OS’s, as OSCIP’s e os OGMO’s, que especificamente são

reguladas por leis federais (nºs 9.637/98, 9.790/00 e 8.630/93, respectivamente) que regulam

sua criação? Devem, além de preencher os requisitos contidos em suas leis próprias, obter o

CEBAS?

A bem dizer, tal entendimento é afirmado e compartilhado inclusive pela própria

Previdência Social, ao elaborar o Parecer nº GQ-169, através do qual se denota que as

entidades que são criadas por lei, como é o caso das supramencionadas, não necessitam do

Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social para fins de gozar da imunidade

tributária quanto às contribuições sociais patronais, já que a própria lei que as instituiu lhe

confere essa natureza jurídica, in verbis:

Ementa: A criação por lei, de entidade filantrópica supre o certificado ou registro que ateste tal finalidade, e isenta a entidade das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24.07.1991, desde que atendidos os demais requisitos prescritos no art. 55 da mesma lei. (...) 13. A prática da filantropia pelas demais entidades que a elas se dedicam, ainda que tal objetivo figure nos seus atos institutivos, é algo que se lhes adiciona, é algo que lhe é externo, tanto que pode e, por vezes, acontece de o título servi-lhes apenas de fachada. Diferentemente é o que sucede com a nova Associação das Pioneiras Sociais. Nessa, quer ela queira quer não, a filantropia constitui sua finalidade; a entidade é filantrópica por natureza; por reconhecimento legal; porque foi criada para a prática da filantropia. E, em sendo assim, a declaração legal supre o reconhecimento de um órgão burocrático da administração.

PAULSEN (2006, p. 637) colaciona julgado no mesmo sentido:

- Caráter declaratório do reconhecimento. Certificado é simples exteriorização do benefício da imunidade. “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENTIDADE FILANTRÓPICA. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DO CERTIFICADO. NATUREZA DECLARATÓRIA DO ATO. 1. O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS é o documento que exterioriza o direito a isenção inserta no art. 195, §7º da Carta da República. 2. O artigo 55, II da Lei 8.212/91 impõe como condição ao gozo da isenção ser a entidade portadora do certificado de filantropia. 3. O certificado que reconhece a entidade como filantrópica, de utilidade pública, tem efeito ex tunc, por se tratar de

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um ato declaratório, consoante RE nº 115.510-8. Assim, há isenção das contribuições previdenciárias anteriores à expedição do certificado. 4. Recurso Especial provido em parte.” (STJ, 2ª T., REsp 478239/RS, rel. Min. Castro Meira, nov/05).

Assim, é de se concluir que o mencionado Certificado se trata de ato administrativo

declaratório, ou seja, é um ato que não cria direito novo, mas apenas atesta uma condição pré-

existente da entidade, nos casos exemplificados anteriormente, os atos constitutivos são atos

normativos emanados do Congresso Nacional, através das Lei nºs 9.637/98, 9.790/99 e

8.630/93.

Ora, admitir que uma entidade criada por lei para prestar assistência social tenha que

manter um ato declaratório emanado de um Órgão Burocrático da Administração Pública, no

caso, o CNAS, que ateste sua condição de prestadora de assistência social é o mesmo que

admitir a sobreposição de um ato declaratório à própria lei, ou, em outras palavras, seria

tornar letra morta todo o ordenamento jurídico constitucional, o que não é possível, em face

de tudo o que já foi estudado na presente dissertação.

Além disso, o mesmo Parecer nº GQ-169, em seus tópicos 12, 13 e 1496, trata da

questão de ser a entidade filantrópica ou não, se caracterizando como tal quando isso

constituir a sua finalidade, sendo, neste caso, a entidade, filantrópica por natureza, por

reconhecimento legal, criada com tal finalidade, e tais fatos são considerados bastantes para o

reconhecimento da entidade como beneficente de assistência social e, assim, fazendo jus à

imunidade tributária ampla.

Ressalte-se que o referido Parecer foi adotado pelo Ministério da Previdência e

Assistência Social através do Advogado-Geral da União à época e, nos termos dos artigos 40

e 4197 da Lei Complementar nº 43/93, Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, os

96 12. Finalidade filantrópica - Todavia, parece ainda poder prescindir-se de ter havido sucessão. É que o que importa saber é se o Certificado ou Registro de Entidade de Fins Filantrópicos - único requisito ausente - é exigível para que a nova Associação das Pioneiras Sociais goze das isenções de que trata o art. 55 da Lei nº 8.212, de 24.7.1991. E a mim me parece que não. 13. A prática da filantropia pelas demais entidades que a elas se dedicam, ainda que tal objetivo figure nos seus atos institutivos, é algo que se lhes adiciona, é algo que lhe é externo, tanto que pode e, por vezes, acontece de o título servi-lhes apenas de fachada. Diferentemente é o que sucede com a nova Associação das Pioneiras Sociais. Nessa, quer ela queira quer não, a filantropia constitui sua finalidade; a entidade é filantrópica por natureza; por reconhecimento legal; porque foi criada para a prática da filantropia. E, em sendo assim, a declaração legal supre o reconhecimento de um órgão burocrático da administração. 14. Por exposto, considerando que, conforme o Parecer acostado ao processo, o único requisito faltante para que a Associação das Pioneiras Sociais se veja isenta das contribuições previstas nos arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24.7.1991, - o certificado de filantropia - é suprido pelo reconhecimento legal que institui a pessoa jurídica como entidade filantrópica, entendo que se lhe aplicam as isenções das contribuições referidas. 97 Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

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pareceres aprovados e publicados vinculam a própria Administração Federal, devendo ser

integralmente cumpridos.

Dessa feita, se a entidade atende a todos esses requisitos e, assim, recebeu e continua

mantendo tal qualificação, não restam dúvidas de que deve fazer jus à imunidade tributária

prevista no art. 195, §7º da Constituição Federal, mesmo se não possuir o CEBAS.

Sendo assim, todas as entidades beneficentes de assistência social, como as

estudadas no tópico anterior, fazem jus à imunidade tributária quanto às contribuições para a

seguridade social.

4.5 O QUE ENTENDEM OS TRIBUNAIS PÁTRIOS

Apesar de bastante crédulo tudo o que foi até agora exposto, os tribunais pátrios

ainda não são unânimes na aplicação da tese esboçada. A questão é de grande complexidade,

já que envolve muitas entidades e, consequentemente, muita tributação que pode ou não

deixar de ser recolhida aos cofres públicos.

Por isso, se nota que os Tribunais vêm tendo bastante cuidado ao tratar do assunto e,

na maioria das ocasiões, vêm negando o direito à imunidade tributária das entidades

beneficentes de assistência social quanto às Contribuições para a Seguridade Social com base

na tese de que a lei ordinária pode disciplinar matéria com reserva de lei complementar.

É o que se pode notar, por exemplo, pelo aresto a seguir colacionado, proferido pelo

Tribunal Regional Federal – TRF da 1ª Região, através do qual se denota que não vem sendo

aplicado o entendimento de que a lei complementar adequada ao caso é o CTN, aplicando-se

o art. 55 da Lei nº 8.212/91. Confira-se:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ARTIGO 195, § 7º, DA CF. CONTRIBUIÇÃO AO PIS. ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. REQUISITOS ESTABELECIDOS PELO ART. 55, DA LEI 8.212/91. POSSIBILIDADE. INCISO III, DO ART. 13, DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.158/35. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. 1. O STJ já sedimentou o entendimento de que as entidades beneficentes de assistência social são imunes às contribuições sociais, com fulcro no artigo 195, § 7º, da C.F.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. § 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência. Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República.

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2. O art. 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988 estabeleceu em favor das entidades beneficentes de assistência social imunidade da contribuição para a Seguridade Social, não obstante a referência expressa à isenção. 3. No julgamento da ADIn 2028, o STF se posicionou sobre quais são as entidades abrangidas pela imunidade do art. 195, §7º, da CF, afirmando que são aquelas beneficentes de assistência social, não estando restrito o preceito, portanto, às instituições filantrópicas. 4. Dispondo o referido § 7º do artigo 195, da Constituição Federal sobre limitação constitucional ao poder de tributar, cumpre a sua regulamentação à lei complementar, nos precisos termos do inciso II, do artigo 146, da mesma Constituição. Assim, fica reservado o trato a propósito dos limites do benefício de dispensa constitucional do pagamento do tributo, com a definição do seu objeto material, à edição de lei complementar, pertencendo, de outra parte, à lei ordinária, o domínio quanto às normas atinentes à constituição e ao funcionamento das entidades beneficiárias do favor constitucional. 5. Afina-se a constitucionalidade dos artigos 55, da Lei n.º 8.212/91, 5º, da Lei n.º 9.429/96, 1º da Lei n.º 9.528/97 e 3º, da Medida Provisória n.º 2.187/01, o primeiro, na sua integralidade e os demais, nos tópicos em que alteraram a redação daquele, os quais versam sobre os requisitos necessários à fruição do benefício constitucional de dispensa do pagamento de contribuições sociais para a Seguridade Social, contemplado no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedentes do Excelso Supremo Tribunal Federal, bem como da Colenda Corte Especial do TRF-4ª Região (Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade na AC N.º 2002.71.00.005645-6/RS, Rel. Des. Federal Dirceu De Almeida Soares, Rel. para acórdão Desª. Federal Marga Inge Barth Tessler, D.E. Publicado em 29/03/2007). 6. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF1 Processo AC 200338000254850 AC - APELAÇÃO CIVEL - 200338000254850 Órgão julgador 5ª TURMA SUPLEMENTAR Relator(a) JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA Data da Decisão 02/07/2013 Data da Publicação 19/07/2013 Fonte e-DJF1 DATA:19/07/2013 PAGINA:1279)

No entanto, é possível encontrar vários posicionamentos favoráveis, principalmente

do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que vem entendendo dessa forma quanto às

OSCIP’s, defendendo, inclusive, que, enquanto a entidade obtiver a qualificação como tal, e

cumprindo os requisitos contidos na lei que a regula, detém a imunidade tributária. Isso

ocorreu nas Apelações Cíveis nºs 436799-RN (2007.84.00.003127-3), 431858-AL

(2007.80.00.000273-2) e 432320-AL (2007.80.00.000267-7), pelo que se passa a transcrever

suas Ementas, respectivamente:

TRIBUTÁRIO. PIS INCIDENTE SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. PRESCRIÇÃO. LC 118/2005. IMUNIDADE. TRIBUTÁRIA. ART. 195, §7º DA CF/88. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PROVA SUFICIENTE. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. “O prazo prescricional das ações de compensação/repetição de indébito, do ponto de vista prático, deve ser contado da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da vigência da Lei Complementar 118/2005 (09.06.05), o prazo para se pleitear a restituição é de cinco anos a contar da data do recolhimento indevido; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da novel lei complementar. 2. Isto porque a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código

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Tributário Nacional", constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 06.06.2007)” – Excerto do voto do Ministro LUIZ FUX no RESP 859.745/SC. Ressalva do entendimento do relator. 2. O documento acostado aos autos constitui prova de que a apelante é qualificada como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Em consulta realizada no ‘site’ do Ministério da Justiça, na página “consultar entidades”, é possível visualizar “a relação de todas as OSCIP’S qualificadas”, através dos parâmetros de consulta exigidos, quais sejam, CNPJ, Nome da Entidade, Cidade, Finalidade e UF. Após o preenchimento desses parâmetros com os dados da referida entidade, constata-se que a CEAP/RN está qualificada como OSCIP. 3. As informações disponibilizadas no “site” do Ministério da Justiça revestem-se de caráter oficial. Portanto, é de se presumir como verdadeiras as informações nele contidas, devendo, pois, ser considerada a informação que atesta a qualificação da CEAP/RN como uma OSCIP. 4. Ademais, segundo informação extraída da página do Ministério da Justiça, “para requerer a qualificação como OSCIP a entidade interessada deverá atender aos requisitos da Lei nº 9.790/99, regulamentada pelo Decreto nº 3.100/99”. 5. Nesse sentido, as informações referentes à CEAP/RN constituem prova inequívoca de que a entidade atende os requisitos específicos exigidos em lei para usufruir do benefício imunitório, isto porque, consoante verificado, a qualificação de OSCIP dada pelo Ministério da Justiça pressupõe o atendimento dos requisitos da Lei nº 9.790/99, não havendo a necessidade de apresentação de certificado de qualificação fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três meses (art. 55, II, da Lei nº8.212/91). 6. Quanto aos demais requisitos legais, também restam demonstrados no Estatuto da entidade coligido no feito, no qual consta que “O CEAP/RN aplicará inteiramente seus recursos no país, não terá finalidade lucrativa, não distribuirá excedentes operacionais sob qualquer título ou forma a seus Conselheiros, associados, mantenedores, empregados e terceiros, nem concederá benefícios ou vantagens aos integrantes de seus diversos Conselhos”. 7. Assim sendo, é forçoso reconhecer que a apelante está abrangida pela imunidade relativa ao PIS incidente sobre a folha de salários, nos termos do §7º do artigo 195 da CF/88, com a respectiva restituição das quantias pagas a esse título, observada a prescrição, nos termos acima definidos, atualizada pela taxa SELIC, a partir do recolhimento indevido, excluído qualquer outro indicador de atualização monetária, a partir da publicação da Lei nº 9.250/95. 8. Inversão do ônus da sucumbência. 9. Apelação parcialmente provida.

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SALÁRIO EDUCAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO. ENTIDADE BENEFICENTE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 195, §7º, DA CF/88. IMUNIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PRAZO DECENAL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 1 – Versa a presente ação sobre a existência de relação jurídico-tributária quanto ao recolhimento de salário-educação por parte de OSCIP, em face do disposto no art 195, §7º, da Constituição Federal. 2 – Esta Turma, na AC 423320-AL, de relatoria do Desembargador Francisco Cavalcanti, já entendeu que a AMICRED – Associação do Microcrédito e Desenvolvimento Sócio-Econômico de Alagoas é entidade beneficente de assistência social, aplicando-se-lhe a imunidade prevista no art. 195. §7º, da CF/88. 3 – Por ter natureza de contribuição social, conforme dispõe o art. 212, §6º, da Constituição Federal, o salário-educação está englobado na imunidade prevista pelo art. 195, §7º, da CF/88. 4 – Inexiste relação jurídico-tributária entre a autora e o INSS e o FNDE quanto ao recolhimento de salário educação sobre as remunerações por ela pagas.

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5 – É reconhecido o direito da autora em repetir os valores pagos indevidamente, obedecendo ao prazo decenal anterior à propositura da ação dos tributos lançados por homologação, conforme jurisprudência pacífica do STJ. 6 – Apelação provida. Inversão do ônus da sucumbência. TRIBUTÁRIO. PIS INCIDENTE SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. PRESCRIÇÃO. LC 118/2005. IMUNIDADE. TRIBUTÁRIA. ART. 195, §7º DA CF/88. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PROVA SUFICIENTE. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. “O prazo prescricional das ações de compensação/repetição de indébito, do ponto de vista prático, deve ser contado da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da vigência da Lei Complementar 118/2005 (09.06.05), o prazo para se pleitear a restituição é de cinco anos a contar da data do recolhimento indevido; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da novel lei complementar. 2. Isto porque a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional", constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 06.06.2007)” – Excerto do voto do Ministro LUIZ FUX no RESP 859.745/SC. Ressalva do entendimento do relator. 2. O documento, acostado aos autos, constitui prova de que a autora é qualificada como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Em consulta realizada no ‘site’ do Ministério da Justiça, na página “consultar entidades”, é possível visualizar “a relação de todas as OSCIP’S qualificadas”, através dos parâmetros de consulta exigidos, quais sejam, CNPJ, Nome da Entidade, Cidade, Finalidade e UF. Após o preenchimento desses parâmetros com os dados da referida entidade, constata-se que a AMICRED está qualificada como OSCIP. 3. As informações disponibilizadas no “site” do Ministério da Justiça revestem-se de caráter oficial. Portanto, é de se presumir como verdadeiras as informações nele contidas, devendo, pois, ser considerada a informação que atesta a qualificação da AMICRED como uma OSCIP. 4. Ademais, segundo informação extraída da página do Ministério da Justiça, “para requerer a qualificação como OSCIP a entidade interessada deverá atender aos requisitos da Lei nº 9.790/99, regulamentada pelo Decreto nº 3.100/99”. 5. Quanto aos demais requisitos legais, também restam demonstrados no Estatuto da entidade acostado aos autos. 6. Assim sendo, é de ser mantido o reconhecimento de que a autora está abrangida pela imunidade relativa ao PIS incidente sobre a folha de salários, nos termos do §7º do artigo 195 da CF/88, com a respectiva restituição das quantias pagas a esse título, observada a prescrição, atualizada pela taxa SELIC, a partir do recolhimento indevido, excluído qualquer outro indicador de atualização monetária, a partir da publicação da Lei nº 9.250/95. 7. Mantidos os honorários advocatícios como fixados na sentença. 8. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial improvidas. Apelação da parte autora provida.

Há decisões, ainda, que, acatando o Parecer nº GQ – 169, da Previdência Social, e,

dispensando a apresentação do CEBAS, do qual se tratou no tópico anterior, concedeu a

imunidade tributária quanto às Contribuições para a Seguridade Social. Este é o caso, por

exemplo, de julgamentos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nas

Apelações em Reexame Necessário nºs 5573-CE (2008.81.00.002745-0) e 5213-CE

(2008.81.00.002743-7), cujas ementas serão transcritas a seguir:

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TRIBUTÁRIO. SESC. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ART. 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. CABIMENTO. PARECER Nº 169 DO MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL QUE DISPENSA O CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1 – Não obstante constar no parágrafo 7º do art. 195 da Carta Magna o vocábulo isenção, a previsão ali contida traduz-se em verdadeira imunidade. 2 – O art. 9º da Lei nº 8.742/93 prevê que o funcionamento das entidades beneficentes depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social. Todavia, apesar da referida disposição, o próprio Ministério da Previdência e Assistência Social vem dispensando o certificado, desde que a entidade filantrópica tenha sido criada por lei – Parecer GQ nº 169. 3 – O SESC tem a finalidade de planejar e executar direta ou indiretamente, medidas que contribuam para o bem estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias, e, bem assim, para o aperfeiçoamento moral e cívico da coletividade, conforme dispõe o art. 1º do Decreto-Lei 9.853/46, não se podendo negar o seu nítido caráter de instituição assistencial. 4 – Remessa oficial e apelação improvidas. Sentença mantida. TRIBUTÁRIO. SESC. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ART. 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. CABIMENTO. PARECER Nº 169 DO MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL QUE DISPENSA O CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1 – Não obstante constar no parágrafo 7º do art. 195 da Carta Magna o vocábulo isenção, a previsão ali contida traduz-se em verdadeira imunidade. 2 – O art. 9º da Lei nº 8.742/93 prevê que o funcionamento das entidades beneficentes depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social. Todavia, apesar da referida disposição, o próprio Ministério da Previdência e Assistência Social vem dispensando o certificado, desde que a entidade filantrópica tenha sido criada por lei – Parecer GQ nº 169. 3 – O SESC tem a finalidade de planejar e executar direta ou indiretamente, medidas que contribuam para o bem estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias, e, bem assim, para o aperfeiçoamento moral e cívico da coletividade, conforme dispõe o art. 1º do Decreto-Lei 9.853/46, não se podendo negar o seu nítido caráter de instituição assistencial. 4 – Remessa oficial e apelação improvidas. Sentença mantida.

E não é somente o TRF da 5ª Região que possui decisões favoráveis. O Tribunal

Regional Federal da 1ª Região, em alguns casos, tem entendido que a imunidade tributária

pode ser reconhecida às entidades criadas por lei, mesmo que estas não possuam o CEBAS.

Confira-se:

PROCESSUAL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. SESC. IMUNIDADE. ENTIDADE BENEFICENTE. PRESCRIÇÃO. LC 118/2005. TESE DOS 5+5. APLICAÇÃO DO ART. 14 DO CTN. ART. 55 DA LEI 8.212/91. ACRÉSCIMOS DA LEI 9.732/98. INAPLICABILIDADE. ADI-MC 2.028. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. Tratando-se de tributos sujeitos a lançamento por homologação, o Superior Tribunal de Justiça assentou que o prazo prescricional da ação de repetição de indébito, ou que vise à compensação, como regra geral, ocorrerá após o transcurso de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador (prazo decadencial), acrescido de mais cinco anos, contados da homologação tácita. 2. A Corte Especial deste Tribunal, em julgamento realizado em 02/10/2008, declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da LC 118/2005, nos

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termos do voto da lavra do Desembargador Federal Leomar Amorim (AI na AC 2006.35.02.001515-0/GO. 3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza jurídica de entidade de assistência social do Serviço Social do Comércio – SESC. 4. Nos termos do art. 195, § 7º, da Constituição Federal, as entidades assistenciais não estão obrigadas ao pagamento das contribuições sociais. 5. O STF considerou inaplicáveis os acréscimos da Lei 9.732/1998 ao art. 55 da Lei 8.212/1991 ao deferir medida cautelar na ADI-MC 2.028. 6. O reconhecimento da imunidade está condicionado ao preenchimento dos requisitos dos arts. 9º a 14 do CTN. 7. Deve ser majorado o valor arbitrado pelo MM. Juiz de origem a título de honorários advocatícios quando não observado o grau de zelo profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo procurador do apelante e o tempo exigido para seu serviço, e se não for suficiente para remunerar condignamente o trabalho do patrono. 8. Apelação do autor a que se dá provimento. 9. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial tida por interposta a que se nega provimento. (TRF 1ª REGIÃO, Processo: AC n.º 2007.33.00.012123-7-BA, Relatora: Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Órgão Julgador: 8ª Turma, Data do Julgamento: 03.07.2009)

Sobre o julgado supra, impecáveis foram as palavras do Desembargador Federal

Leomar Amorim, ao proferir o seu voto Vogal, nos seguintes termos:

Portanto, em conclusão em relação a essa questão, entendo, primeiro, que é constitucional e devida a exigência do certificado que está previsto neste art. 55, inc. II, da Lei 8.212, entretanto, no caso concreto, afasto essa exigência, por entender que o SESC tem como objetivo social, fixado por lei, ou seja, pelo art. 1º da Lei 9.853/46, exatamente a prestação de serviço social. Se a própria lei já segregou esse objeto social e, de forma cogente, estabeleceu que esse é o objetivo do SESC, creio que esse certificado CEBAS seria ocioso, porque já é objeto social do próprio serviço a prestação de serviços sociais.

Além do Tribunal Regional Federal da 1ª, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região

também adotou o mesmo entendimento, in verbis:

TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 195, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO. Em se tratando de hospital municipal criado por determinação legal para a prestação de assistência médida e hospitalar da população, decorre da própria lei municipal e da sua natureza de autarquia o caráter beneficente e a utilidade pública, a ausência de fins lucrativos, a manutenção por recursos orçamentários, a aplicação dos recursos na atividade. Consideram-se satisfeitos os requisitos do art. 14 do CTN e supridos os requisitos do art. 55 da Lei 8.212/91. (TRF 4ª REGIÃO Processo: AC n.º 2000.71.00.002763-0/RS, Relator: Juiz Leandro Paulsen, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do Julgamento: 13.12.2005)

Impecável foi o Voto proferido nos Autos do processo supra, nos seguintes termos:

A inicial da presente ação dizem que deve ser declarada a imunidade pois se as contribuições previdenciárias têm natureza tributária, os requisitos a serem

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verificados são os do art. 14 do CTN. Por outro lado, assevera que a questão deve ser regulamentada por lei complementar, segundo o art. 146, II, da Constituição, mas ao mesmo tempo argumenta ter preenchido os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, sem requerer a declaração da inconstitucionalidade do referido dispositivo. A sentença, por sua vez, proferiu decisão exatamente dentro do pedido formulado, sem desconsiderar a existência do art. 55 da Lei nº 8.212/91, mas declarando a imunidade com base no art. 14 do CTN. Não obstante ter apreciado, em outros casos, os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, para conceder a imunidade quando a parte demonstre ser entidade reconhecida como de utilidade pública e tenha obtido certificado perante o CNAS, a hipótese em julgamento merece algumas considerações. A apelada, Hospital Municipal de Santo Antônio da Patrulha, é autarquia municipal com a finalidade, segundo o estatuto, de "prestar assistência médica e hospitalar à população" (fl. 26). Como se pode verificar, não se trata de entidade hospitalar comum, mas estabelecimento público, que existe justamente para dar cumprimento ao que determina a Constituição em termos de saúde. Nesse sentido, transcrevo alguns dos dispositivos constitucionais sobre o tema:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...)" "Art. 30. Compete aos Municípios: (...) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; (...)" "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."(grifei)

A Constituição confere ao Governo - federal, estadual e municipal - a tarefa de zelar pelos direitos básicos do cidadão, dentre os quais está a saúde, exatamente mediante a existência dos hospitais públicos que, diga-se de passagem, é o único meio pelo qual grande parte da população tem acesso ao socorro médico. Não há como negar o caráter assistencial e beneficente de suas atividades. Por outro lado, conforme se vê dos estatutos, art. 6º, item 3º, os membros do Conselho Deliberativo não fazem jus a qualquer gratificação pelo desempenho de suas funções (fl. 27). E também há declaração de utilidade pública municipal (fl. 30). Assim, deve-se ter em vista tais particularidades, sobremaneira o fato de se tratar de ente autárquico, pessoa jurídica de direito público interno (art. 41, IV, da Lei nº 10.406/2002) e, portanto, parte da administração pública. Ademais, também deve-se considerar as razões que levaram o constituinte a isentar as entidades de assistência social, é de se conceder a isenção pretendida, não obstante não haver nos autos qualquer indicativo de que a parte autora possua certificado perante o CNAS. A interpretação e aplicação do art. 55 da Lei 8.212/91 depende da consideração de tais peculiaridades. Em se tratando de autarquia Municipal voltada, como visto, a prestar assistência médica e hospitalar à população, decorre da própria lei municipal e da natureza jurídica de tal entidade o caráter beneficente e a utilidade pública, a ausência de fins lucrativos, a manutenção por recursos orçamentários, a aplicação dos recursos na atividade. Ou seja, restam preenchidos tanto os requisitos do art. 14 do CTN como os do art. 55 da Lei 8.212/91, supridos pela própria lei municipal e pela natureza da entidade, restando desnecessária a controvérsia constitucional.

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Dessa forma, não merece reparos a decisão monocrática. Isso posto, nego provimento ao apelo e à remessa oficial. É o voto.

O Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu totalmente sobre o tema, tendo sido

noticiado, em 04 de junho do corrente ano98, que o julgamento sobre o questionamento da

imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social quanto às Contribuições

para a Seguridade Social está suspenso por pedido de vista. Confira-se:

Notícias STF Quarta-feira, 04 de junho de 2014 Suspenso julgamento sobre imunidade tributária de entidades beneficentes Foi suspenso por pedido de vista, no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento de um conjunto de processos em que são questionadas as regras sobre a imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social. Começaram a ser julgados, com quatro votos proferidos em favor dos contribuintes, o Recurso Extraordinário (RE) 566622, com repercussão geral reconhecida, e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2028, 2036, 2228 e 2621. As ações, movidas por hospitais e entidades de classe da área de ensino e saúde, questionam modificações introduzidas no artigo 55 da Lei 8.212/1991 trazendo novas exigências para a concessão da imunidade. Um dos principais dispositivos questionados foi a necessidade de os hospitais ofertarem um mínimo 60% dos serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de se obter a imunidade tributária. Outro ponto abordado foi o dispositivo, presente na Lei 9.732/1998, segundo o qual as entidades gozarão da imunidade apenas na proporção das vagas concedidas gratuitamente a carentes, ou no valor do atendimento à saúde de forma assistencial. O ministro Marco Aurélio, relator do RE 566622, votou no sentido de dar provimento ao recurso interposto por um hospital da cidade de Parobé (RS), e foi acompanhado pelos ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, havendo em seguida pedido de vista do ministro Teori Zavascki. O relator das ADIs, ministro Joaquim Barbosa, julgou parcialmente procedente as ações, reconhecendo a inconstitucionalidade de quase a totalidade dos dispositivos impugnados, sendo acompanhado por Cármen Lúcia e Roberto Barroso, havendo o pedido de vista do ministro Teori Zavascki também nas ADIs. Segundo o entendimento adotado pelos ministros que já se manifestaram, as restrições introduzidas na legislação relativa à imunidade para entidades beneficentes e de assistência social não poderiam ter sido introduzidas por lei ordinária, mas por lei complementar. Segundo o artigo 146, inciso II, da Constituição Federal, cabe a lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Recurso extraordinário No RE 566622, a Sociedade Beneficente de Parobé se insurge contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que admitiu a regulamentação, por lei ordinária, da disciplina sobre as exigências para a concessão da imunidade tributária. Em seu voto, o relator, ministro Marco Aurélio, endossou a tese segundo a qual a decisão impugnada violou o disposto no artigo 146, inciso II, da Constituição Federal, ao concluir pela constitucionalidade da regulamentação do artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição Federal, pela Lei 8.212/1991. Assim, segundo o ministro, salvo edição de nova lei complementar, as regras aplicáveis ao caso são as constantes do artigo 14 do Código Tributário Nacional

98 Notícia extraída através do sítio http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=2685 16&tip=UN acesso em: 05/06/2014, às 17:35.

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(CTN). Tais regras estabelecem como condição para a imunidade tributária e previdenciária, basicamente, não haver distribuição de patrimônio e rendas e haver a reaplicação dos resultados em suas atividades. Preliminar A Advocacia-Geral da União (AGU) levantou, na sessão de hoje, uma preliminar no sentido do não conhecimento do recurso por perda de objeto, já que o artigo 55 da Lei 8.212 foi revogado pela Lei 12.101/2009. Tal alegação, entretanto, foi descartada pelo ministro-relator, porquanto o débito em desfavor da sociedade foi constituído anteriormente àquela data, com base na legislação vigente à época. A AGU sustentou, ainda, que esse dispositivo apenas estabelece regras para a constituição e o funcionamento das entidades beneficentes de assistência social, não interferindo em sua imunidade. O ministro Marco Aurélio rebateu esse argumento. Segundo ele, o artigo 55 contém requisitos limitadores do acesso à imunidade. “O artigo 55 da Lei 8.212/91 prevê requisitos para o exercício da imunidade tributária versada no parágrafo 7º do artigo 195 Carta da República que revelam verdadeiras condições prévias ao aludido direito e, por isso, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade formal desse dispositivo, no que extrapola o definido no artigo 14 do CTN, por violação ao artigo 146, inciso II, da CF”, afirmou o ministro. “Os requisitos exigidos na parte final do mencionado parágrafo 7º, enquanto não for editada nova lei complementar sobre a matéria, são somente aqueles do aludido artigo 14 do Código”, destacou o relator do RE. Relator das ADIs O ministro Joaquim Barbosa votou pela procedência parcial das ADIs, declarando a inconstitucionalidade da quase a totalidade dos dispositivos impugnados. No entendimento do ministro, cabe no caso a reserva de lei complementar para a definição da imunidade de entidades de assistência social, como no caso de impor um percentual de prestação gratuita de serviços. “Para isso, a Constituição Federal prevê o uso da lei complementar, cujo processo legislativo, por ser mais rigoroso, aumenta o controle popular”, diz seu voto. De acordo com o ministro, a beneficência e assistência social não se confundem no plano constitucional, e o fato de a entidade cobrar pelos serviços, ou obter outras fontes de receita que visem ao lucro, não lhe retira a condição de beneficente. “É improvável que uma entidade beneficente privada consiga recursos suficientes apenas com doações voluntárias de particulares. É também da sua essência não contar apenas com o benefício público”, afirma em seu voto.

Sendo assim, todos os processos cujas Ementas foram acima colacionadas estão com

seu julgamento suspenso, aguardando a decisão final do Supremo Tribunal Federal sobre o

tema. Esse é um grande passo no reconhecimento da imunidade que tanto se discutiu no

presente trabalho. No entanto, muitas ações que tramitam perante os diversos Tribunais

Regionais Federais do país e que tratam do tema da imunidade tributária das entidades

beneficentes de assistência social são julgadas improcedentes, por se entender não ser cabível

no caso. Daí, um questionamento surgiu: será que a fundamentação dessas ações leva em

conta o tipo de entidade beneficente, como as estudadas no tópico anterior? Será que, se

alguma dessas entidades possuírem patrimônio público e privado (e não somente público),

lhe é negada a imunidade?

Até o presente momento, não se tem notícias de nenhum julgado que tenha decidido

utilizando esses parâmetros. Até porque, talvez fosse plausível a negativa da imunidade com

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base na análise do patrimônio da entidade: ora, se esta possui patrimônio público e privado,

ela talvez teria condições de se manter e de continuar recolhendo os tributos aos cofres

públicos sem qualquer tipo de prejuízo. Então, por qual motivo se concederia tal benesse, se a

entidade pode arcar com os custos?

No entanto, Ives Gandra da Silva Martins (in GOMES; VELLOSO, p. 221) tira

todas as dúvidas que sobrevieram, quando afirma, categoricamente, que:

Por fim, apenas as instituições filantrópicas, comunitárias e confessionais de educação é que podem RECEBER DINHEIRO PÚBLICO, conforme o artigo 213 da CF, assim redigido: (...)

Nas imunidades, não há versão de dinheiro público, nem renúncia de tributo. Diante dessas normas, conclui-se que quaisquer instituições de educação e

de assistência social sem fins lucrativos são imunes, se cumprirem o artigo 14 do CTN. Apenas as filantrópicas, confessionais e comunitárias, porém, podem receber dinheiro público, gozando, além de imunidade, da potencialidade financeira oferecida pelo art. 213.

Nesse sentido, nada mais justo seria do que imunizar, quanto aos impostos e às

contribuições devidas à seguridade social, as entidades que tomam para si a incumbência do

Estado, e qual, diga-se mais uma vez, é conferida constitucionalmente, já que as entidades

privadas acabam atuando na esfera pública, com a finalidade de ajudar o Estado, garantindo,

aos seus cidadãos uma vida plena, com direito a saúde, educação e assistência social.

Por fim, mesmo se assim não fosse, é de ser reconhecido por todos os órgãos

jurisdicionais brasileiros que as Leis nºs 8.212/91, 9.532/97 e 12.101/09 não são legítimas,

legais nem constitucionais para regular a matéria, pois, deve ser editada lei complementar, nos

termos do art. 146, inciso II, do Código Tributário Nacional e, na falta desta, o próprio artigo

14 do Código Tributário Nacional é competente para suprir a lacuna existente.

Sendo assim, comprova-se que o Poder Judiciário vem, aos poucos, admitindo e

reconhecendo a possibilidade de as Entidades Beneficentes de Assistência Social gozarem da

imunidade tributária quanto às Contribuições para a Seguridade Social cumprindo os

requisitos do artigo 14 do CTN, ou ao menos não exigindo o cumprimento de todos os

requisitos impostos pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91, ou seja, no que toca às entidades que são

criadas e instituídas por lei, e inclusive nos termos do Parecer nº GQ-169, da Previdência

Social, possibilitando o reconhecimento da sua imunidade sem que seja portadora do CEBAS,

pois o simples fato de serem instituídas por lei e manterem as suas qualificações, bastaria para

tanto. Espera-se, assim, que o STF, finalmente, decida dessa forma, não admitindo tamanha

agressão ao texto constitucional, da forma como vem ocorrendo até a presente data.

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CONCLUSÕES

A partir da análise da evolução do Constitucionalismo e, consequentemente, do

princípio da legalidade, foi possível perceber quão antigo é tal conceito. Desde que existe lei,

é possível falar em legalidade, e em cumprimento de lei.

Acontece que, atualmente, com o fenômeno da globalização, em que as informações

são rapidamente conduzidas de um canto do mundo ao outro, as situações fáticas mudam

constantemente, o que faz com que a legislação também precise ser modificada. Isso acarreta,

entre outras consequências, a multiplicação das leis de forma exagerada, que podem surgir

com os mais variados vícios.

Isso porque, muitas vezes, os parlamentares não têm condições de analisar a

legislação já em vigor, e passam a editar matérias já regulamentadas por outras leis,

contradizendo-as, ou mesmo não seguem o rito adequado para a elaboração daquele ato

legislativo.

Sendo assim, já foi afirmado, no início do presente trabalho, que esse fenômeno

acaba requerendo a especialização dos parlamentares nos assuntos sobre os quais editam as

leis, sob pena de continuarem estes editando normas inócuas, sem sentido ou mesmo em

contradição com outras já existentes ou mesmo com a própria Constituição Federal.

Acontece que elaborar uma lei não é apenas redigir e publicar, requer muito mais

trabalho que isso. Além de conhecer o assunto que ela pretende reger, deve-se dominar a

técnica jurídica e seu vocabulário para que, assim, não surjam omissões, obscuridades ou

ambiguidades em seus dizeres. É por conta desse tipo de legislação que os juízes no Brasil,

como se sabe, não podem se eximir de julgar alegando a existência de lacunas, contradição ou

obscuridade nas leis, utilizando, para tanto, do emprego da analogia, dos princípios gerais de

direito e da equidade, por exemplo, para solucionar os casos que lhes são apresentados.

Como se não bastasse, é necessário também se analisar se a forma escolhida para a

edição da lei é a correta, sob pena de inconstitucionalidade formal. E é por esse motivo que

em alguns países, como a Inglaterra e os Estados Unidos (FERREIRA FILHO, 1995) já existe

uma comissão responsável para analisar e adequar os textos de lei, justamente com o fito de

não permitir esse tipo de vício.

A consequência disso é que o Judiciário fica assoberbado de ações que questionam a

legalidade das leis viciadas, o que não deveria ocorrer tão corriqueiramente. Lembre-se que as

normas, por serem editadas e votadas pelos representantes do povo, têm a presunção de serem

constitucionais, mas nem sempre o são. Além disso, devem ser elaboradas de maneira clara,

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sem deixar margens a dúvidas ou a entendimentos dúbios, o que também acaba sendo

dirimido pelos juízes, que têm o dever não de criar a lei, mas de interpretá-la e de analisar o

que o legislador com ela quis dizer. Não é tarefa fácil, mas, no Brasil, aos julgadores não é

permitido deixar de julgar alegando não haver norma, devendo sempre solucionar as lides de

acordo com as leis, a equidade, os princípios gerais do direito e a analogia, entre outros.

Sendo assim, o art. 5º, inciso II, da CF/88, determina que somente a lei pode obrigar

alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Diante disso, se pergunta: qualquer lei? De

que lei fala o mencionado dispositivo constitucional?

A lei ordinária é a regra, como visto. Sempre que a CF/88 falar em lei, será a

ordinária. No entanto, há casos em que a Carta da República reservará matéria específica para

que seja tratada por lei complementar, e é exatamente o que aconteceu com o art. 146, II, e o

art. 195, §7º, da CF/88.

Através dos mencionados dispositivos, se instituiu que as entidades beneficentes de

assistência social têm direito subjetivo à imunidade tributária, e que esta se caracteriza como

uma limitação constitucional ao poder de tributar, a qual somente pode ser regulada através de

lei complementar e, no Brasil, atualmente, a única lei com esse status que pode tratar dessa

matéria é o Código Tributário Nacional.

Acontece que, com a sede de arrecadação que cerca os entes políticos, e com a pouca

especialização que possuem os parlamentares no país, foram editadas leis ordinárias para

regular as limitações constitucionais referidas, o que não pode ser concebido.

O instituto da imunidade tributária é muito importante na atualidade, refletindo

principalmente no âmbito econômico, sendo bastante importante para as Entidades

Beneficentes de Assistência Social, as quais, em sua generalidade, são pessoas jurídicas de

direito privado, com atuação pública, estatal, suprindo as determinações constitucionalmente

impostas aos entes políticos mas que, por diversas que são, não conseguem abrangi-las em sua

totalidade, o que apenas comprova a importância da existência de tais entidades.

Como visto, nada seria mais justo do que imunizar quanto ao pagamento de impostos

e Contribuições para a Seguridade Social as entidades que, apesar de serem de direito privado,

fazem as vezes do Estado, pois atuam com finalidade estatal, sem visão lucrativa e visando

essencialmente à prestação da assistência social.

Sendo o instituto da imunidade tributária uma limitação constitucional ao poder de

tributar, nos moldes do inciso II do artigo 146 do Código Tributário Nacional, cabe tão-

somente a lei complementar disciplinar as suas limitações, e não a lei ordinária. Não obstante

tal previsão legal, tem-se admitido a disciplina através de leis ordinárias, quais sejam, as de

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nºs 8.212/91 e 12.101/2009, que, como visto, são devem ser aplicadas, em estrita observância

ao Princípio da Legalidade Estrita. Essa aplicação é totalmente absurda e fere de morte o

princípio mencionado, o que não pode ser acatado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Seguindo tal raciocínio, a primeira conclusão a que se pode chegar é que tais leis

ordinárias não podem disciplinar matéria reservada a lei complementar, não devendo, de

forma alguma, ser aplicadas. E, enquanto não for editada a legislação complementar exigida e

necessária, deve ser aplicado o artigo 14 do Código Tributário Nacional, que dispõe sobre os

requisitos necessários à concessão da imunidade dos impostos, de forma análoga, à imunidade

relativa às Contribuições para a Seguridade Social.

Ressalte-se que, mesmo que fosse possível a aplicação de tais diplomas legais, deve-

se levar em conta que eles prevêem que, para que uma Entidade Beneficente de Assistência

Social seja considerada imune, deve preencher os requisitos neles contidos, mais

especificamente o inciso II do artigo 55 da Lei nº 8.212/91 (já revogado, mas com vários de

seus termos mantidos pela Lei nº 12.101/2009), entre eles a tão comentada exigência de ser a

pessoa jurídica portadora do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social –

CEBAS, conferido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, e renovado a cada

três anos.

No entanto, ainda resta um questionamento: e quanto às entidades beneficentes

criadas por lei, como as Organizações Sociais, os Órgãos Gestores de Mão-de-Obra e as

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público? Por já serem criadas por lei

competente, exarada pelo Poder Legislativo Federal, devem ser portadoras de tal Certificado,

além de preencherem os requisitos contidos nas leis específicas?

Como bem analisado através de diversos entendimentos jurisprudenciais acostados

ao trabalho, a conclusão a que se chega é que não. A primeira justificativa para tanto é a de

que a própria Previdência Social elaborou o Parecer nº GQ-169, que autoriza às Entidades

Beneficentes de Assistência Social que são criadas por lei seja reconhecida a imunidade

tributária quanto às Contribuições para a Seguridade Social, sem a necessidade de

obrigatoriamente serem portadoras do CEBAS.

Para chegar a tal conclusão, deve-se entender que tal Parecer é ato administrativo

declaratório que atesta uma condição pré-existente da entidade, sendo seus atos constitutivos a

própria lei que os cria, que é ato normativo emanado pelo Congresso Nacional. Assim, não

haveria razão para se exigir que, além de preencher a todos os requisitos contidos nas leis que

as institui, tais entidades tivessem que obter ato declaratório emanado de órgão burocrático da

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Administração Pública, o que admitiria a sobreposição de um ato declaratório à própria lei,

entendimento este defeso no ordenamento jurídico pátrio.

Ademais, o art. 5º, II, da CF/88, determina que somente a lei pode obrigar alguém a

realizar ou se abster de certa conduta, e a imunidade é justamente a impossibilidade de se criar

uma lei instituindo fato gerador sobre o seu objeto. Assim, constitui direito fundamental do

contribuinte, resguardado como cláusula pétrea pelo art. 60, IV, da CF/88.

Por outro lado, ainda tratando do princípio da legalidade, ele também atinge a esfera

administrativa, para a qual, ao contrário do que ocorre com os cidadãos, só é permitido agir

nos termos delimitados pela lei. Assim, a Administração Pública tem o poder de conceder ou

não a imunidade tributária aos seus administrados, no entanto, esta, cumprindo a lei então em

vigor, acaba por fazer injustiças até que esta seja declarada inconstitucional pelo STF.

Todavia, é perfeitamente possível à Administração deixar de aplicar uma legislação

que entenda evidentemente inconstitucional, o que, mesmo nesse caso, não ocorreria, pois

nenhum integrante de órgão da Administração Pública (Fisco) deixaria de arrecadar aos cofres

públicos montantes e mais montantes de dinheiro e se responsabilizaria por isso. Reconhecer

a imunidade tributária de uma entidade beneficente significa obter menos lucro para os órgãos

fiscais, e, sem sombra de dúvidas, não é isso o que desejam os entes federativos. Se a lei

supostamente inconstitucional prejudicasse a Administração, a conversa seria outra...

Acontece que, manter em vigor uma legislação que é flagrantemente

inconstitucional, mesmo que seja em seu âmbito formal, enfraquece a confiança que os

cidadãos devem ter perante o Estado e a máquina pública (tanto na esfera administrativa

quanto na judiciária), recaindo diretamente numa situação de insegurança jurídica.

É verdade que o homem, para viver em sociedade, necessita de segurança para

conduzir, planificar e conformar de forma responsável a sua vida, e nela é depositada a

confiança da população, que necessita do sentimento de previsibilidade para viver. E é

justamente aqui que entra o princípio da segurança jurídica, considerada como uma derivação

do Estado de Direito.

A segurança jurídica se presta para que os cidadãos possam programar suas vidas

sem nenhuma surpresa desagradável, garantindo, assim, a estabilidade, e não para proteger

somente o Estado, e a estabilidade das relações jurídicas deste é alcançada justamente com a

edição de leis válidas e legítimas.

Ao princípio da segurança jurídica estão atrelados dois conceitos já estudados no

início do presente trabalho, e que surgiram com o advento do Neoconstitucionalismo, quais

sejam, a calculabilidade e a previsibilidade das consequências jurídicas dos atos e fatos

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empreendidos pelas pessoas submetidas a determinada ordem jurídica. Em outras palavras, é

necessário que os cidadãos possam prever o que pode acontecer no caso de uma ação ou

omissão, e mesmo quando isso ocorrerá, e a falta de edição de uma lei complementar tao

importante sem dúvidas põe em cheque qualquer um desses conceitos.

Ao mencionado princípio está associado outro, tão importante quanto: o principio da

certeza do direito, o qual surge com a expectativa derivada da certeza sobre a validade das

normas, motivo pelo qual deve haver a confiança dos cidadãos perante a legislação que os

rege. Não é o que ocorre na realidade, nos termos já analisados.

A partir disso, é de se entender que é de suprema importância, para os cidadãos que

compõem o país, que as normas sobre eles aplicadas sejam claras, concisas e certas,

principalmente no que concerne ao Sistema Tributário Nacional. A sua base é a busca da

solução justa.

Desta forma, não se deve possibilitar que a Constituição Federal trate de um tema

como o do caso estudado, determinando que as limitações constitucionais ao poder de tributar

só podem ser reguladas através de lei complementar e, em momento futuro, sejam editadas

leis ordinárias tratando da matéria e, ainda por cima, os tribunais pátrios possibilitarem esta

aplicação, criando justificativas nem um pouco plausíveis para tanto.

Ora, se existe uma norma constitucional, deve ela ser totalmente obedecida, sem a

criação de meras suposições para o desvio do seu cumprimento. Guardar a Constituição e

obedecê-la é uma condição essencial para a existência e para a manutenção do Estado

Democrático de Direito.

O STF é o guardião da Constituição, devendo ele extrema e total obediência aos

ditames constitucionais. Não atentar para o que está disposto no art. 146, II, e no art. 195, §7º,

da Carta da República, é ferir de morte, principalmente, o princípio da legalidade, o processo

legislativo e o princípio da segurança jurídica.

Sendo assim, a Corte Constitucional Brasileira – STF, deve, ao julgar os casos que

estão em seu poder e com o julgamento suspenso em virtude de pedido de vista, fazê-lo de

forma favorável aos contribuintes, para que os mencionados princípios não sejam

descumpridos, garantindo, assim, a estabilidade da ordem jurídica, mesmo que sob pena das

decisões terem seus efeitos modulados, com efeitos ex nunc. O que importa é que, de uma vez

por todas, a justiça seja feita no país, e que os contribuintes não recolham aos cofres públicos

valores que efetivamente não devem, gerando flagrante enriquecimento ilícito dos entes

federativos.

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