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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social: Interações Midiáticas O processo de convergência nos Diários Associados: um estudo da experiência do homem-banda Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes Belo Horizonte 2011

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Page 1: O processo de convergência nos Diários Associados: um ... · FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Moraes, Nathália

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social: Interações Midiáticas

O processo de convergência nos Diários Associados: um estudo da experiência do homem-banda

Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes

Belo Horizonte

2011

Page 2: O processo de convergência nos Diários Associados: um ... · FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Moraes, Nathália

Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes

O processo de convergência nos Diários Associados: um estudo da experiência do homem-banda

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em

Comunicação Social.

Orientadora: Dr. Teresinha Maria C. Cruz Pires

Belo Horizonte

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Moraes, Nathália Furtado Bini Dutra de M827p O processo de convergência nos diários associados: um estudo da experiência

do homem-banda. / Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes. Belo Horizonte, 2011.

243f. : il. Orientadora: Terezinha Maria C. Cruz Pires Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. 1. Jornalismo Eletrônico. 2. Minas Gerais. 3. Mídia Digital. I. Pires,

Terezinha Maria C. Cruz. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 070.48

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Nathália Furtado Bini Dutra de Moraes

O processo de convergência nos Diários Associados: um estudo da experiência do homem-banda

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em

Comunicação Social.

_________________________________________

Teresinha Maria C. Cruz Pires (Orientadora)

___________________________________________

Márcio de Vasconcellos Serelle – PUC Minas

________________________________________

Bruno Souza Leal – UFMG

Belo Horizonte, 23 de maio de 2011

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Ao meu marido, Marcio, e nosso filho, Miguel, o melhor projeto da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que sempre me incentivaram a estudar cada vez mais.

Às minhas irmãs, que ouviram muitas histórias sobre esse mestrado.

Aos amigos e família, que também emprestaram os ouvidos para as descobertas e reclamações.

Aos professores Márcio Serelle e Bruno Leal, pelas contribuições a esta pesquisa.

À minha orientadora, Terezinha Pires, cujo auxílio foi imprescindível, corrigindo rumos e sugerindo mudanças.

Ao meu marido, pelo apoio incondicional e palavras de incentivo nos momentos mais difíceis.

Ao Miguel, que acompanhou, nos últimos oito meses, as aflições e angústias da mãe ainda dentro da barriga.

A Deus, pela força, coragem e paciência.

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RESUMO

Esta dissertação investigou o histórico de implantação do processo de convergência de mídias

dentro do grupo Diários Associados Minas, com foco em uma das experiências realizadas

pela empresa: a produção de um repórter multimídia. Este jornalista trabalha sozinho e produz

reportagens para TV e internet, sendo responsável, portanto, por todo o processo da notícia:

da pauta, passando pela filmagem, fotografia, edição e envio do material pela internet para ser

disponibilizado nesses veículos. A intenção da pesquisa era justamente analisar o que esta

produção carrega de ‘convergente’, a partir da definição teórica de Ramon Salaverría e

Samuel Negredo (2008) sobre convergência de mídias: um processo que afeta os setores

tecnológicos, empresariais, profissionais e editoriais dos meios de comunicação,

proporcionando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens

para permitir aos jornalistas elaborar conteúdos que se distribuam através de múltiplas

plataformas. Conceito este que o grupo Associados tenta colocar em prática, não apenas

repetindo informações, mas apresentando conteúdo inédito e específico para cada meio. Para

analisar a produção do repórter convergente e verificar se essa intenção era realmente

concretizada na prática, o trabalho do jornalista foi analisado à luz do conceito de narrativa

transmidiática. Embora apresentado por Henry Jenkins (2008) a partir de observações sobre a

indústria do entretenimento, a ideia pode ser articulada à concepção de convergência

idealizada pelos Associados. Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes midiáticos são

utilizados de maneira sincronizada para que a história possa ser contada em cada plataforma

de uma forma inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a experiência interativa e

tentando despertar o interesse do público-alvo. Este conceito nos permitiu, portanto, concluir

que a atuação do repórter se aproximou dessa intenção convergente da empresa.

Palavras- chave: Convergência de mídias. Narrativa Transmidiática. Jornalista multimídia.

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ABSTRACT

This dissertation has investigated the description of implantation of the process of media

convergence of the Diários Associados Minas group, with focus in one of the experiences

carried through for the company: the production of a multimedia reporter. This journalist

works alone and produces news articles for TV and Internet, being responsable, therefore, for

all the process of the notice: of the guideline, passing for the filming, photograph, edition and

sending of the material for the Internet to be available in these vehicles. The intention of the

research was exactly to examine what this production loads of `convergente', from the

theoretical definition of Ramon Salaverría and Samuel Negredo (2008) on convergence of

medias: a process that affects technological, business, professional and publishing sectors of

the medias providing an integration of tools, spaces, methods of work and languages to allow

the journalists to elaborate contents which is distributed through multiple platforms. Concept

this that the group Associados tries to place in practical, not only repeating information, but

presenting new and specific content for each medium. To analyze the production of the

convergent reporter and to verify if this intention was actually implemented in the practical

the journalist's work was analyzed based on the concept of transmedia storytelling. Although

presented by Henry Jenkins (2008) from observations on the entertainment industry, the idea

can be articulated to the conception of convergence idealized for the Associados. In this type

of narrative, the various media support are used in a synchronized way so that the story can be

told in each platform of an innovative form, without content repetition to valorize the

interactive experience and trying to awake the interest of the target audience. This concept has

allowed us, therefore, to conclude that the performance of the reporter had approached to this

convergent intention of the company.

Key words: Media Convergence. Transmedia Storytelling, Multimedia Journalist.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Anúncio do JB de 14/07/10 ............................................................................29

Figura 2: Anúncio publicado no L.A Times.....................................................................67

Figura 3: Redação antigo do Correio com baias e funcionários trabalhando isolados...77

Figura 4: redação antiga do Correio................................................................................78

Figura 5: Nova redação sem as separações físicas entre os profissionais........................78

Figura 6: Nova redação....................................................................................................79

Figura 7: Detalhes da mesa de coordenação multimídia..................................................79

Figura 8: Detalhes internos da mesa de coordenação multimídia....................................80

Figura 9: Mochila com parte dos equipamentos utilizados pelo jornalista.....................149

Figura 10: Jornalista boliviano acompanha treino cruzeirense........................................155

Figura 11: Primeiro torcedor a chegar à Bolívia............................................................158

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Evolução das funções dos jornalistas.......................................................51

QUADRO 2: Modelo de análise das narrativas transmidiáticas...................................146

QUADRO 3: Análise geral da produção transmidiática...............................................166

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10 2 CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS E O JORNALISMO CONVERGENTE .......16

2.1 Tecnologia, sociedade e economia – fatores de um mesmo processo .................16

2.2 Convergência de mídias e sua (in) definição ........................................................34

2.3 Definições e dimensões da convergência jornalística ..........................................38

2.3.1 A dimensão de conteúdo da convergência e a narrativa transmidiática.........56

2.4 Cenário da convergência em empresas brasileiras...............................................71

3 “DE GRUPO DE COMUNICAÇÃO A FÁBRICA DE CONTEÚDO”: A BUSCA DE

CONVERGÊNCIA NOS DIÁRIOS ASSOCIADOS..................................................83

3.1 O caminho da convergência nos Associados..........................................................83

3.2 Especificidades e convergências entre TV, Portal e Blog nos Associados.........106

4 A COBERTURA ESPORTIVA DO REPÓRTER CONVERGENTE.............130

4.1 Jornalismo Esportivo ...........................................................................................130

4.2 Considerações Metodológicas...............................................................................143

4.3 Estudo de caso........................................................................................................145

5 CONCLUSÃO...........................................................................................................178

REFERÊNCIAS..........................................................................................................184

APÊNDICE A.............................................................................................................197

APÊNDICE B ............................................................................................................ 202

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1 INTRODUÇÃO

Notícias disponíveis em celulares e tablets, integração de redações, novas funções para

jornalistas e fusões entre empresas de comunicação. Desde o início do século XIX, quando a

imprensa passou de veículo político para empresa com fins lucrativos, as empresas

jornalísticas buscam diferentes formas de se adaptar às novas tecnologias e oscilações do

mercado.

Algumas das movimentações citadas acima não são inéditas, mas ganharam novos

contornos sob a chancela de um nome adotado por muitas empresas jornalísticas:

convergência de mídias. Embora a palavra convergência possa definir uma ampla gama de

transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, conforme prega Jenkins

(2008), as indústrias da informação têm utilizado-a para definir e justificar muitas apostas,

investimentos e transformações nas empresas.

O motivo de tantas buscas é justificado pelo cenário atual, descrito por Salaverría e

Negredo (2008) com pessimismo: os custos de produção da notícia, tanto televisiva quanta

impressa, aumentou; houve queda nos investimentos publicitários; o público adota cada vez

mais um comportamento migratório entre os veículos e surgiram novas fontes de informação;

que acirram a disputa pela atenção do ‘consumidor’ da informação, afetando diretamente o

faturamento das empresas de comunicação.

No grupo Diários Associados – foco desta pesquisa – a convergência é uma tentativa

da empresa de adaptar um negócio que já não rende os mesmos lucros dos últimos noventa

anos, como explica o diretor executivo, Geraldo Teixeira da Costa Neto: “[...] quando um

negócio perde margem, você readequa os seus processos de fabricação para adequar à nova

realidade do mercado. Eu acho que é um dos motivos para que a convergência de mídias

tenha esse papel nos dias de hoje.”

Para se adequar a este cenário turbulento, várias transformações estão sendo operadas

nas indústrias jornalísticas sob o nome de convergência de mídias. Mudanças que podem estar

ligadas à renovação das estratégias de cobertura jornalística, à elaboração de novos formatos

jornalísticos, a uma revisão do processo de tomada de decisões editoriais e de edição, à

comunicação mais eficaz entre editorias, ao ajuste das funções de repórteres e editores, além

da promoção de novos perfis profissionais.

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Um levantamento divulgado em 2008 pelos espanhóis Salaverría e Negredo,

resultando no livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y reorganización de

redacciones, revelou que várias empresas jornalísticas, principalmente nos Estados Unidos,

Inglaterra, Espanha, Argentina e Brasil estão tentando criar ou adaptar modelos convergentes.

No nosso país, alguns exemplos são os grupos Infoglobo, que envolve os jornais O Globo,

Extra e Expresso, além dos sites Globo, Extra e a Agência O Globo; o grupo Rede Bahia, que

possui a TV Bahia, afiliada da Rede Globo, o portal de notícias e o impresso Correio; o grupo

A Tarde, detentor de jornal impresso, site, revista, rádio FM, agência de notícias, empresa de

serviços gráficos e de telefonia móvel e ainda podemos citar o grupo Diários Associados que

em Minas é proprietário da rádio Guarani, da TV Alterosa, dos jornais Aqui e Estado de

Minas, do portal UAI, e de outros sites ligados aos veículos.

Embora essas e outras redações pelo mundo já estejam realizando mudanças sob o

nome de convergência, o processo é desenvolvido de modos distintos, sem uma regra padrão.

A inexistência de um consenso em torno do conceito aponta para uma discrepância, tanto no

âmbito profissional quanto acadêmico, manifestada em definições que mudam com extrema

rapidez. Embora alguns autores tentem apontar as origens do termo e seus significados, ainda

não ocorreu, até o presente momento, uma consolidação muito segura sobre a definição de

convergência. Dessa forma, o conceito vem sendo desenhado em um estado mutante.

Como Jenkins (2008), apenas se refere à convergência de mídias como uma

manifestação particular de um grande processo sociocultural em escala planetária, não

apresentando uma definição mais precisa no âmbito do jornalismo, Salaverría e Negredo

(2008), caracterizaram o processo em andamento nas empresas jornalísticas do mundo;

definição que, inclusive, será a adotada nesta pesquisa:

Um processo multidimensional que, facilitado pela implementação generalizada das tecnologias digitais de telecomunicação, afeta os setores tecnológicos, empresariais, profissionais e editoriais dos meios de comunicação, proporcionando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente desagregados, de forma que os jornalistas elaboram conteúdos que se distribuem através de múltiplas plataformas, de acordo com as linguagens próprias de cada

uma. (SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008, p.45).

Portanto, pensar a questão da convergência de mídias é uma tarefa complexa não só

pela natureza do assunto em si, mas pelo contexto de velozes transformações no qual ela está

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inserida. O objetivo desta pesquisa não é contemplar a questão em toda sua grandiosidade,

mas mapear algumas discussões acerca do assunto no contexto atual. Por isso, embora as

experiências convergentes dos Associados tenham sido mapeadas e analisadas nesta pesquisa,

foram necessários recortes teóricos e metodológicos para dar conta dessa complexidade.

Se a convergência é um fenômeno que apresenta diversas facetas e envolve

desenvolvimento tecnológico, reestruturação de carreiras e estratégias econômicas, e, até

agora, a maior parte das discussões se limitam à visão dos empresários sobre o processo e

algumas prescrições por parte de certos teóricos do que as empresas jornalísticas devem fazer,

esta pesquisa entende como uma dimensão importante da convergência a produção dos

jornalistas que passam a ter como obrigação a construção de notícias para diversas mídias ao

mesmo tempo. Tema ainda escasso e, portanto, pertinente e relevante como complemento à

discussão sobre convergência jornalística.

No dia-a-dia das redações, percebe-se, muitas vezes, que o jornalista não comunga

com o conceito de convergência adotado pela empresa ou nem sabe claramente quais as

diretrizes, sentindo-se, portanto, perdido com relação ao que exatamente deve produzir. E o

interesse do presente estudo situa-se nessa perspectiva: buscar apreender a experiência de um

jornalista que tem tentado achar o caminho, na base da tentativa e do erro, atuando muitas

vezes sozinho na descoberta de um modo de contar as notícias que tente se enquadrar no

conceito de convergência da empresa para a qual trabalha.

Assim, esta pesquisa analisa a produção de um jornalista do grupo Diários Associados,

o repórter multimídia pleno Marcelo Túlio Mendonça Silva conhecido, informalmente pelos

corredores da empresa como repórter convergente ou homem-banda, aquele que carrega

vários equipamentos e produz para diversos meios, funcionando como uma banda completa.

A escolha do grupo Diários Associados como objeto empírico se deve ao fato de ser um

conglomerado midiático que, embora esteja testando fórmulas e arriscando práticas como

outros grupos nacionais e estrangeiros, possui possibilidades distintas de promover uma

experiência convergente, por possuir veículos como TV, internet, impresso e rádio. Muitas

experiências em curso hoje se limitam à convergência entre impresso e internet. No entanto, o

maior motivo para essa seleção é justamente a atuação deste jornalista, que produz para

veículos como TV e internet. A pergunta que se faz neste momento é o que existe de

convergente, de acordo com as teorias apresentadas ao longo desse estudo, nesta experiência

do homem-banda.

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De modo a dar conta de tal indagação, foi necessário um exercício de análise do

momento atual que impulsiona as empresas a se reorganizarem; o que é apresentado no

segundo capítulo. Fatores econômicos, tecnológicos e sociais são apontados como

responsáveis, uma vez que existe um processo circular entre o surgimento de novas

tecnologias, sua utilização pela sociedade e as necessidades financeiras envolvidas. O

resultado dessa mistura impulsiona as empresas a buscarem novas fórmulas de adaptação ao

mercado e a convergência de mídias surge, então, como uma fórmula para ajudar as empresas

jornalísticas a se recuperarem. No entanto, nem o mercado nem os teóricos são unânimes em

torno de um consenso sobre o que vem a ser este processo. Por isso serão apresentadas

algumas definições e discussões propostas pelos pesquisadores ao longo dos últimos anos.

Ainda neste capítulo, a convergência de mídias foi analisada a partir de quatro

dimensões (tecnológica, empresarial, conteúdo, profissional) definidas por Salaverría e

Negredo (2008) como base desse processo. O foco da análise recaiu sobre a esfera de

conteúdo, materializada na produção e difusão da notícia em vários suportes. Nos últimos

anos, as tecnologias digitais e as telecomunicações tornaram possíveis a geração de cópias de

um mesmo conteúdo original e as empresas jornalísticas têm aproveitado esse apoio

tecnológico para multiplicar os canais de distribuição. Assim, uma notícia pode ser difundida

de forma simultânea através de qualquer meio baseado em tecnologias digitais como web,

RSS, celulares etc.

Considerando que o trabalho do repórter convergente dos Associados se desdobrava

em produtos para internet e TV, foi investigado também como se dava esse processo à luz do

conceito de narrativa transmídia. Embora apresentado por Henry Jenkins (2008) a partir de

observações sobre a indústria do entretenimento, a ideia pode ser articulada à concepção de

convergência idealizada pelos Associados. Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes

midiáticos são utilizados de maneira sincronizada para que a história possa ser contada em

cada plataforma de uma forma inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a

experiência interativa e tentando despertar o interesse do público. Embora a análise seja a

partir de Jenkins (2008), esta pesquisa buscou identificar e analisar outros autores que, mesmo

não utilizando tal denominação, também estavam promovendo uma discussão sobre o

cruzamento de narrativas jornalísticas na contemporaneidade.

Para finalizar este capítulo, ainda foram apresentadas algumas iniciativas consideradas

‘convergentes’ pelas empresas que as efetivaram. Exemplos que não são meramente

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ilustrativos, uma vez que podem servir como comparação para as ações instituídas pelos

Associados.

O terceiro capítulo investigou o caminho convergente dos Diários Associados, que

possui uma meta ousada, apresentada pelo Diretor Executivo, Geraldo Teixeira da Costa

Neto: “[...] Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos

ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância.”

Todavia, a definição de convergência de mídias dentro do grupo não é um conceito

único. Durante as entrevistas em profundidade com o diretor executivo Geraldo Teixeira da

Costa Neto; com o editor de mídias convergentes, Benny Cohen; e o repórter multimídia

pleno, Marcelo Túlio Mendonça Silva ficaram claras discrepâncias quanto aos fatores que

levam à convergência assim como o que este conceito representa na prática.

Os desafios impostos pela cultura profissional dentro da empresa, as rotinas produtivas

e os custos de implantação dessas iniciativas se não paralisaram algumas experiências

convergentes foram motivos para mudanças de rumo de algumas delas. Ao longo deste

capítulo foram analisadas desde aquela considerada a primeira até o mais recente projeto:

construir uma redação integrada, que vai permitir, na visão do diretor executivo, a

concretização do projeto de fábrica de conteúdo multimídia.

Dentre essas experiências, a pesquisa focou a análise na atuação do homem-banda, que

começou a atuar em 2009. O profissional escolhido foi o editor de texto e imagem da TV

Alterosa, Marcelo Silva, que já dominava técnicas de edição e recebeu treinamento para

filmagem. Durante o primeiro ano de trabalho como repórter convergente, Silva produziu

reportagens para a TV Alterosa e para o portal UAI, além de ter mantido o blog Mochilão do

Esporte no site colaborativo do portal, o DZAÍ. Atualmente, este jornalista continua

trabalhando sozinho, mas a produção é quase na totalidade para a TV. Como já faz mais de

um ano que esta experiência está em curso, foi possível analisar os resultados obtidos e a

avaliação da empresa sobre ele.

Para investigar a produção convergente do homem-banda, foi necessário para esta

pesquisa trazer algumas considerações sobre jornalismo na web, principalmente aquele

realizado em portais e blogs, alvos do repórter convergente do grupo, além de certas

características do jornalismo televisivo, visto que este profissional tinha como intuito produzir

e distribuir, ao mesmo tempo, informações para TV e web.

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O quarto capítulo investigou a produção deste jornalista, tentando entender o que

havia de convergente nestas matérias, a partir dos conceitos de convergência de Salaverría e

Negredo (2008) e Narrativa Transmídia, de Jenkins (2008). Para isso foram criados

operadores metodológicos que permitiram articular as reportagens analisadas a conceitos

como ineditismo e complementaridade das informações, chamadas para a cobertura dos

outros veículos e a participação do público.

A seleção do corpus levou em conta a instabilidade da produção do repórter

convergente. Uma vez que o trabalho desse profissional foi uma experiência pioneira dentro

dos Associados e, como tal, sem fórmulas prontas para o trabalho diário, a produção de

reportagens oscilava de modo significativo dentro de uma mesma semana. Para investigar

essa produção, foi realizado um recorte temporal determinado pela época em que a produção

do jornalista ainda era maior na internet, de modo a possibilitar uma comparação de como as

informações eram articuladas entre TV e web. Portanto, foi analisada toda a produção do

jornalista durante sete dias de cobertura do jogo entre Cruzeiro e Real Potosí por uma vaga na

Copa Libertadores da América – principal competição de futebol entre clubes profissionais da

América do Sul – que resultou em 16 reportagens de TV, 14 postagens no blog e três notícias

para o Superesportes, parte esportiva do portal UAI, divulgadas entre os dias 21 e 28 de

janeiro de 2010.

Como toda a cobertura foi realizada dentro da editoria de esportes, foi necessário tecer

algumas considerações sobre as especificidades do jornalismo esportivo em relação às demais

editorias de uma redação (maior flexibilidade de pautas, produção, edição) e como as rotinas

desta editoria, aliadas às interferências econômicas, culturais e tecnológicas influenciaram

esta cobertura convergente.

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2 CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS E O JORNALISMO CONVERGENTE

2.1 Tecnologia, sociedade e economia – fatores de um mesmo processo

Em 1995, ao publicar uma compilação de vários artigos escritos para a revista Wired,

resultando no livro A Vida Digital, Nicholas Negroponte (1995), já previa que a digitalização

estaria intimamente ligada ao futuro não só do jornalismo, mas também dos grupos de mídia

em geral. Para ele, os bytes – representações binárias que possibilitaram a compressão de

dados e a transmissão deles por um canal qualquer – tornaram o mundo digital extremamente

maleável, permitindo que ele crescesse e se modificasse de uma forma mais contínua e

orgânica do que os antigos sistemas analógicos. Flexibilidade que dá aos bytes a capacidade

de se misturarem sem qualquer esforço, podendo “ ser utilizados e reutilizados em seu

conjunto ou separadamente. A mistura de áudio, vídeo e dados é chamada de multimídia, mas

não quer dizer nada além de bits misturados.” (NEGROPONTE, 1995, p.23). Sem a

necessidade desses bytes ficarem presos, Negroponte já previa que o jornalismo e o público se

beneficiariam dessa mobilidade, já que as notícias, por exemplo, poderiam ostentar vários

níveis de qualidade de apresentação e profundidade.

Para Henry Jenkins (2008), fundador e diretor do programa de estudos de mídia

comparada do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que se dedica à pesquisa dos

fenômenos envolvidos no processo de convergência entre os novos meios de comunicação e

os tradicionais, a transformação de átomos em bytes, como descreveu Negroponte (1995),

permitiu que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferentes e assumisse formas

distintas no ponto da recepção. “ Graças à proliferação de canais e à portabilidade das novas

tecnologias de informática e telecomunicações, estamos entrando numa era em que haverá

mídias em todos os lugares” (JENKINS, 2008, p. 41). Como exemplo, o autor cita a música,

que pode ser ouvida no DVD player, no rádio do carro, no walkman, no iPod, numa estação

de rádio na internet ou num canal de música na TV a cabo.

Essas novas possibilidades tecnológicas de transmissão e consumo de informação são

fatores decisivos para a chamada convergência midiática, processo que vem sendo

amplamente discutido pelas grandes corporações de mídia em todo o planeta. Entretanto,

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apenas as inovações no campo da tecnologia não são capazes de explicar o porquê de tantos

debates, apostas e experiências que se apresentam nessa área. Fatores econômicos e novas

demandas da sociedade fazem parte desse processo que ainda está sendo definido, tanto

conceitualmente quanto em ações práticas.

É claro que a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores, inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações sociais, de forma que o resultado final depende de um complexo padrão interativo. (CASTELLS, 1999, p.25).

Nesse sentido, Raymond Williams (1974) traz considerações pertinentes sobre o

assunto, a partir de uma análise sobre a história social da televisão, tanto do ponto de vista da

evolução tecnológica quanto dos usos posteriores desse equipamento. O autor discorda de

duas análises enraizadas no pensamento social moderno. Tanto da visão que vê a tecnologia

como uma força própria que cria novos jeitos de vida como daquela que a encara como uma

força própria que fornece ingredientes para novos jeitos de vida.

Na primeira visão, em que prevalece o determinismo tecnológico, as tecnologias são

vistas como se nascessem espontaneamente, numa esfera independente, e então, a partir dela,

tivessem sido criadas novas sociedades e novas condições humanas. O grupo da segunda

análise, menos determinista, embora também defenda que as tecnologias surjam por acaso,

acredita que elas sejam criadas em uma esfera mais marginal, sendo, posteriormente,

absorvidas e utilizadas pela sociedade.

Entretanto, Williams (1974) defende que, no caso específico da televisão, seja possível

ter uma interpretação diferente, que permitiria ver não só a história da TV, mas os usos dela

de uma forma menos radical. Ele acredita que este novo pensamento poderia resgatar a

intenção do processo de pesquisa e desenvolvimento, retirando o ar espontâneo que o cerca,

uma vez que as tecnologias seriam procuradas e desenvolvidas com fins determinados e

práticas já em mente. Da mesma forma, para se contrapor ao outro grupo, o autor observa que,

como as necessidades sociais são conhecidas, as finalidades e práticas da tecnologia não são

marginais, mas centrais e determinantes.

Para exemplificar, o pesquisador considera que, embora o desenvolvimento da

eletricidade tenha começado a partir de uma investigação sobre um fenômeno natural de

condução de energia, houve um período de avanços que coincidiu, não por acaso, com o

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desenvolvimento da produção industrial: “As vantagens da energia elétrica estiveram

estreitamente relacionadas às novas necessidades industriais: para mobilidade e transferência

na localização de fontes de energia e para sua conversão com rapidez e flexibilidade.”

(WILLIAMS, 1974, p. 8, tradução nossa).1

Para Williams (1974), não só no caso da eletricidade, mas também no

desenvolvimento do telégrafo, da fotografia e do cinema, houve uma interação muito

complexa entre necessidade, invenção e aplicação. Os problemas de comunicação e controle

na expansão das operações militares e comerciais, por exemplo, foram o principal incentivo

para as melhorias nas tecnologias de comunicação. Telégrafo e telefone e, nos estágios mais

iniciais, o rádio foram produtos secundários dentro de um sistema primário de comunicação

que estava diretamente a serviço das necessidades de um sistema comercial e militar

estabelecido e em desenvolvimento.

Mesmo depois de desenvolvidos, alguns equipamentos nem possuíam um conteúdo

definido. Rádio e televisão, por exemplo, foram sistemas concebidos para a transmissão e

recepção como processos abstratos, com pouca ou nenhuma definição prévia do que iriam

transmitir. Só na segunda fase do rádio, em 1930, é que foram realizados avanços mais

significativos no conteúdo. E a televisão passou pelas mesmas fases do rádio. Situação

semelhante ao que presenciamos no grupo Diários Associados, cujo cargo de jornalista

convergente foi criado pensando-se em uma forma abstrata, em um processo chamado

convergência, mas sem uma determinação prévia sobre que tipo de conteúdo e como ele

deveria ser trabalhado por este profissional.

Depois de já utilizados para os primeiros propósitos, as aplicações futuras destes

equipamentos são incertas. Uma tecnologia qualquer, neste momento da pesquisa, entendida

como uma mera novidade técnica ou instrumental, embora desenvolvida em um determinado

tempo, a partir das demandas sociais e evoluções tecnológicas de uma época, não indica,

necessariamente, o modo como ela será institucionalizada ou empregada: “[...] sabemos

menos ainda quais conseqüências terá na vida social, econômica ou política”.

(SILVERSTONE, 2005, p.47).

1 The advantages of electric power were closely related to new industrial needs: for mobility and transfer in

the location of power sources, and for flexible and rapid controllable conversion

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19

Um exemplo é o cinema, que quando criado, estava à margem das formas sociais

estabelecidas, os espetáculos teatrais. O sucesso apareceu apenas mais tarde, quando

transformado em uma nova versão da forma tradicional: o cine-teatro. O rádio, por exemplo,

surgiu como uma forma avançada do telégrafo e não como um efetivo sistema social, o que só

aconteceu no período pós-guerra, com a mudança do contexto social. Isso indica que a

transmissão da comunicação já estava organizada em um nível econômico, mas ainda

desorganizada enquanto novo sistema de comunicação social.

A dificuldade de se estabelecer esse novo sistema de comunicação estava relacionada,

segundo Williams (1974), à existência de instituições mais amplas que já operavam um

sistema de comunicação, como as famílias, igrejas, escolas e assembléias. Entretanto, em uma

sociedade em mutação, principalmente depois da Revolução Industrial, problemas de

perspectiva e orientação social se tornaram mais agudos. Novas relações entre os homens e

entre os homens e as coisas estavam sendo experimentadas e as instituições tradicionais

tinham pouco a dizer para um público curioso e ansioso para novos tipos de informações e

orientações mais profundas. Para a transmissão de ordens simples já havia sistemas de

comunicação como o telégrafo e o telefone. Para a transmissão de ideologia, estavam

presentes as instituições tradicionais específicas. Mas para a transmissão de notícias e o que

está por trás delas – orientação geral, atualização e previsões – havia a necessidade de uma

nova forma, que escolas e igrejas não conseguiriam transmitir.

A imprensa surge nesse momento, marcado ainda pela centralização do poder político

que estimulava a necessidade por mensagens sobre o centro do poder, mas que passassem por

linhas diferentes que as oficiais. Os primeiros jornais eram uma combinação de informação

política e social com mensagens específicas, como anúncios classificados e notícias

comerciais gerais. E a imprensa acabou se tornando não apenas um novo sistema de

comunicação, mas, principalmente, uma nova instituição social.

Williams (1974) conclui que embora algumas descobertas científicas e tecnológicas

fossem desenvolvidas por indivíduos isolados e sem apoio, havia uma atmosfera comum

envolvendo algumas ideias e intenções. Ao mesmo tempo, algumas necessidades reais

estavam fora do escopo existente ou previsível do conhecimento científico e tecnológico. De

qualquer forma, esses sistemas de transmissão da comunicação, sejam eles o telégrafo, a

fotografia, o cinema, o rádio ou televisão, foram, ao mesmo tempo, incentivos e respostas

dentro de uma fase de transformação geral da sociedade.

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A explicação para este processo circular entre tecnologia, utilização e transformações

sociais é também analisado por Kauhanen e Noppari (2007):

Um produto tecnologicamente forte sempre cria novos e tardios usuários, novas significações e novas relações sociais, mesmo estruturais. Essa nova significação social, então, retorna para a fonte tecnológica e influencia o caminho que essa nova

tecnologia ou produto desenvolverá no futuro. (KAUHANEN; NOPPARI, 2007, p.205).

O jornalismo é um produto histórico, resultado de influências econômicas, políticas,

tecnológicas e sociais e, por isso mesmo, apresenta alterações ao longo do tempo. E a

introdução de novos meios técnicos de comunicação (também chamados veículos, canais,

suportes e agora, plataformas) sempre desafiou esse campo, desde o surgimento da fotografia

passando pelas máquinas de escrever, ao aparecimento do computador nas redações e agora,

por exemplo, à apropriação de meios como celular para divulgação de notícias. Entretanto, a

absorção das novidades pelo jornalismo nem sempre acompanhou o ritmo de surgimento das

mesmas – o que ilustra a necessidade de um período de acomodação, defendido por Orozco

(2006) entre esses novos e velhos meios técnicos de comunicação. O autor acredita que o

surgimento de cada tecnologia conduz a um período de acomodação aos últimos lançamentos,

período este que pode ser extenso ou não. Os resultados não são imediatos porque não só o

instrumental está envolvido mas, sobretudo, o sociocultural.

Dessa forma, a tecnologia atua como condicionante, mas não determinante,

assimilando as potencialidades dos meios. No mesmo movimento, o papel da tecnologia sofre

uma refuncionalização e um redirecionamento marcados, hoje, pelas “complexidades e

possibilidades de penetração dos dispositivos e conteúdos de ordem digital na sociedade que a

incorpora, mas que também a molda.” (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 54).

Ao longo dos anos, em um processo que não cabe detalhamento nesta pesquisa, o

campo do jornalismo e dos media se tornaram ao mesmo tempo autônomo e dependente. Em

outras palavras, instaura, ao mesmo tempo em que conforma e redefine, discursos sobre e para

a sociedade. Fausto Neto (2006) defende que os meios de comunicação se tornaram agentes e

lugares de produção de sentido. Sendo assim, a aparelhagem tecnológica por onde fluem essa

produção ganhou novos contornos, indo além da idéia de uma matriz que impõe suas formas

no texto; “de uma simples entidade técnica, estranha ao sentido, instância esta que são os

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lugares materiais e imateriais nos quais se inscrevem os textos.” (FAUSTO NETO, 2006,

p.1).

O dispositivo tecnológico vai além, produz práticas, instaurando-se também nos seus

âmbitos, destacando-se como ponto de aplicação de crenças e saberes de uma prática social.

Estando no centro dos processos de produção jornalística e dos jornalistas, os dispositivos são

“operações e operadores que explicitam e atualizam outra forma de poder do jornalismo,

redesenhando as ações enunciativas pelas quais esse poder se vincula ou se endereça ao

leitor.” (FAUSTO NETO, 2006, p.11).

De uma perspectiva discursiva mais longínqua, na qual o acontecimento e enunciação confundiam-se, pleiteia-se hoje, que o acontecimento é o próprio discurso sobre a enunciação que trata de fabricá-lo, ou seja, as ações dos dispositivos que interferem na construção da enunciação. São transformações que afetam o lugar de fala do discurso, mas também suas várias articulações e

endereçamentos. (FAUSTO NETO, 2006, p.3).

Silva Júnior (2008) reforça que, no atual cenário comunicativo, no qual os ambientes

baseados em processos de digitalização se aliam aos modelos organizativos em rede, não

haveria a determinação de dinâmicas sociais a reboque da perspectiva tecnológica, pois os

dispositivos tecnológicos deixaram de ser as ferramentas aplicadas às atividades de produção

para se tornarem a própria base generalizada das dinâmicas sociais contemporâneas.

Embora não se negue a influência, faz-se necessário salientar que esses dispositivos

técnicos de comunicação são um modo entre outros de se favorecer a mediação social, que

também pode ser efetivada por instituições mediadoras como família, escolas, partidos etc.

Entretanto, a mediação promovida pelas empresas jornalísticas ganhou relevância e adquiriu

uma influência ímpar na história da sociedade.

Perspectiva esta que se confirma quando analisamos a experiência convergente no

grupo Diários Associados. A noção de dispositivo associada ao jornalismo aparece

diferentemente de um conjunto que envolve suporte e um sistema de práticas de utilizações. A

ação desses dispositivos interfere no processo de noticiabilidade, sendo condicionante da

cobertura de uma realidade e até da própria existência daquele fato. Como será relatado no

capítulo quatro, o repórter convergente, muitas vezes, privilegiava determinado dispositivo

por ser de mais fácil manuseio ou por conhecer seu grau de relevância dentro da empresa,

critério este associado a fatores econômicos.

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No processo de produção jornalística, não são apenas esses dispositivos tecnológicos

que interferem na pauta, na captação e na edição. É preciso também definir quem são e o que

querem telespectadores/leitores/internautas. Descobrir as preferências e necessidades deste

público, hoje mais ativo e participante, se transformou em um grande desafio para quaisquer

conglomerados midiáticos. No livro Conectado (2007), Spyer afirma que

Por 150 anos, as democracias [...] dependeram da indústria para produzir e fazer circular informação e conhecimento. Mas nos últimos 15 anos, mudanças tecnológicas aumentaram a participação da produção não-proprietária e não-comercial, permitindo que indivíduos assumam papéis mais ativos do que era

possível no modelo industrial. (SPYER, 2009, p. 236).

Mas não foi apenas a tecnologia que permitiu essa participação. É nítida também uma

nova postura do público diante das mídias. Para Jenkins (2008), uma boa definição sobre

essas pessoas foi apresentada por Betsy Frank, vice-presidente executiva de pesquisa e

planejamento da MTV Networks, durante uma palestra no MIT em 2004. Para ela, quem

primeiro forçou uma mudança nos paradigmas dos meios de comunicação tradicionais são

aquelas pessoas nascidas na década de 1970 que nunca se conformaram com escolhas

forçadas e cresceram com uma atitude ‘o que eu quero, quando quero’ diante das mídias, em

um mundo onde foram se tornando mais comuns aparelhos como TV a cabo, videocassete e

internet. Hoje é discurso recorrente a chamada geração digital, nascida nesses tempos de

intensa convivência com dispositivos digitais, não sendo estranho escutar que crianças e

adolescentes parecem já nascer com habilidades técnicas para lidar com estes equipamentos

lançados a todo momento.

Esse novo papel do público tem provocado mudanças significativas na forma de

pensar, produzir e divulgar informações jornalísticas. A imprensa está se acostumando com a

possibilidade inédita “de qualquer um ter nas mãos uma ferramenta de comunicação capaz de

atingir milhões de pessoas e, por isso, espantosa.” (COSTA, 2009, p.259). Costa defende que

o jornalismo, por exemplo, está irremediavelmente transformado pela emergência de novas

mídias, uma vez que, queiram as mídias tradicionais ou não, os cidadãos agora tem mais

poder. “E ninguém conseguirá tirar isso do ser humano, por mais disperso e individualizante

que este tempo de liquefação de conceitos possa ser.” (COSTA, 2009, p.259).

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Holanda e outros (2008), em um estudo publicado na revista da Associação Brasileira

de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), trouxeram reflexões interessantes sobre a

participação do público no jornalismo nacional e internacional. Para os pesquisadores, a

dimensão participativa do jornalismo “pode ser caracterizada, de maneira ampla, pela criação

e implementação de mecanismos que possibilitem envolver o público em diferentes etapas

dos processos de coleta, criação, análise e distribuição de notícias.” (HOLANDA et al, 2008,

p.57).

Nota-se, na prática, a existência de uma grande variedade de possibilidades

participativas, que se diferenciam até mesmo pelo nome como são conhecidas: jornalismo

cívico, público, de fonte aberta, comunitário e cidadão. Isto é, o conceito de jornalismo

participativo não pode ser universalmente aplicado a todas as organizações noticiosas.

O modo participativo de fazer jornalismo tem despertado o interesse de diversos

estudos, mas não cabe nesta pesquisa diferenciar e classificar tipos de participação, mas

apenas mostrar que o grau de abertura de cada empresa jornalística à participação do público

nas diferentes fases da produção noticiosa varia de acordo com interesse editoriais e

econômicos de cada uma, que podem estar relacionados à obtenção de conteúdo gratuito, à

redução de custos e a uma estratégia de imagem para se mostrar mais receptiva à opinião do

público. Na prática, enquanto para algumas empresas jornalísticas participação quer dizer

comentários de leitores ou realização de fóruns e enquetes, em outras, o material produzido

pelo público, seja textual, sonoro ou visual, pode contribuir na elaboração de conteúdos

jornalísticos. De qualquer forma, em maior ou menor grau, o jornalismo se transforma à

medida que o fenômeno colaborativo cresce.

A facilidade em produzir e disponibilizar conteúdos textuais, visuais e sonoros,

principalmente na internet, demonstra um processo mais descentralizado e independente de

produção e circulação de conteúdo. Entretanto, de forma paradoxal, boa parte desse conteúdo

só se legitima por meio de formatos estéticos ou editoriais estabelecidos em torno da prática

jornalística regular. O formato jornalístico padrão e os critérios de noticiabilidade já estão

enraizados de tal forma que o próprio público tende a imitá-lo para garantir a inserção de seu

conteúdo. São nesses momentos que se confirmam o peso institucional da empresa

jornalística responsável por reconhecer os valores que transformam fatos em notícias.

Orozco (2006) acredita que esse poder da audiência diante das indústrias midiáticas

ainda não é tão perturbador para as empresas e critica aqueles que acreditam que na sociedade

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do conhecimento produtores e usuários possam realizar os mesmos papéis. Para o autor, essas

funções – de quem faz e quem consome – ainda refletem inércias e padrões tradicionais, além

de autoritarismo e imposições. A assimetria que já existia entre usuários dos antigos meios de

comunicação, como telespectadores e donos das indústrias de TV, muda de estilo, mas não

desaparece. O pesquisador aponta que as forças que controlam as novas tecnologias são ainda

mais centralizadas que aquelas detentoras dos velhos meios, que já eram homogeneizantes.

Na internet, Orozco exemplifica essa relação ao afirmar que os serviços on line pressupõem

novas dependências dos usuários: “ Para exercerem com liberdade suas diversas

‘interatividades’ eles tem de se conectar às grandes redes e infra-estruturas, as quais não

administram nem controlam, nem tampouco criam.” (OROZCO, 2006, p.87).

Em relação à internet, Vaz (2001) também critica o senso comum teórico de que a

estrutura da internet condenaria os mediadores a um fim próximo, propiciando uma liberdade

nunca antes vista. Na verdade, a internet coloca em crise um tipo de mediador, mas abre a

possibilidade de outros. O autor defende que a rede admite e requer formas próprias de

mediação. Enquanto algumas formas centralizam, fragmentam e reduzem a multiplicidade da

rede, outras podem preservar, com maior ou menor sucesso, formas horizontais de

sociabilidade e formas inéditas de expressão e experiência individuais. “Toda tecnologia

privilegia alguns segmentos sociais em detrimento de outros e a luta pela topologia da rede

ainda está em aberto, dependendo dos softwares e das figuras de mediação que se inventar.”

(VAZ, 2001, p. 46).

É importante que esteja claro que todas essas mudanças tecnológicas e sociais são

geradas em um ambiente altamente competitivo, onde as velhas leis capitalistas seguem

vigentes, atrás do lucro e rentabilidade que regem o funcionamento das indústrias culturais.

As fusões verticais e horizontais de sociedades empresariais, as operações de concentração ou

a conquista agressiva de novos mercados não deixaram de caracterizar as empresas de

comunicação. Sob essa ótica, o processo de convergência midiática vem sendo visto pelos

empresários como um caminho para se criar múltiplas formas de vender conteúdos ao

público, encarado, na verdade, como consumidores.

Para o benefício das empresas, as estratégias baseadas na convergência de mídias

exploram as vantagens dos conglomerados que podem oferecer ao público informação da

forma que ele prefere consumir, seja na TV, no rádio, na internet ou no impresso. Para

Jenkins (2008), tais conglomerados não nasceram agora, pressionados pelas ameaças do

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mercado. Foi em meados da década de 1980 que surgiram as formas mais recentes de

propriedade cruzada dos meios de comunicação, o que segundo o pesquisador pode ser visto

hoje como a primeira fase de um longo processo de concentração desses meios. Isso permitiu

distribuir conteúdos para vários canais, ao invés de um único suporte. “ A digitalização

estabeleceu as condições para a convergência; os conglomerados corporativos criaram seu

imperativo.” (JENKINS, 2008, p.36).

Se os conglomerados começaram a surgir em meados dos anos 1980, agora as

empresas estão tentando ampliar o monopólio por meio de fusões ou buscando parcerias. O

autor ainda afirma que hoje as empresas passam por um momento de sinergia, no qual

oportunidades econômicas estão surgindo em um contexto de integração horizontal, em que

um conglomerado midiático conduz negócios em múltiplos canais de distribuição. Isso

significa que algumas empresas podem diversificar seus interesses, mas, ao contrário de deter

o controle da produção, distribuição e venda, fazem parcerias com outros grupos para atingir

determinado público.

Baseado em relatórios de publicações recentes, Costa (2009) descreve o cenário no

qual estão inseridos os grupos midiáticos na atualidade. Ele considera que a concentração não

seja um fenômeno restrito à mídia, mas neste setor os números são impactantes. Das 50

empresas globais de comunicação existentes em 1980, sobraram 27 no começo dos anos 1990.

No início deste século, restaram oito: Time Warner, Disney, Vivendi, Nes Corporation,

Bertelsman, Google, CBS e Viacom. Juntas elas são responsáveis por 42% do faturamento

somado das 70 maiores empresas de mídia em todo o mundo.

Um dos resultados apontados por Costa (2009) dessa concentração iniciada em

meados do século passado é a invasão de indústrias sem tradição nos negócios da

comunicação, que geralmente são formados por empresas familiares. Ele cita como exemplos

o grupo Dassault, do setor de armas, que agora está presente no jornal Le Fígaro e no

semanário L’Express. A espanhola Telefônica, da área de telecomunicações, é proprietária do

portal multinacional Terra e, no Brasil, se associou ao Grupo Abril na TV por assinatura,

além de ter operação de TV por satélite com acordo operacional com a Rede Globo.

Ainda em território brasileiro, a Portugal Telecom, também empresa de

telecomunicação, é sócia do portal UOL (Grupo Folha). A empresa de telecomunicações OI,

de capital 100% brasileiro, lançou emissoras de rádio em 2005 e adquiriu o controle da

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empresa de telecomunicações Brasil Telecom, que é proprietária do Internet Group,

aglutinador dos portais iG, iBest e BrTurbo.

O entusiasmo de Jenkins (2008) em relação à convergência não o impede de enxergar

que, em relação a estes movimentos de concentração, a mídia contemporânea vem sendo

moldada por tendências contraditórias: ao mesmo tempo em que o ciberespaço não distingue

fontes de informação, estando todas disponíveis da mesma forma, há também uma

concentração inédita de poder dos velhos meios de comunicação, como também acredita

Orozco (2006). Ou seja, ao mesmo tempo em que amplia-se o ambiente discursivo, há um

estreitamento da variedade nas informações transmitidas pelos canais disponíveis. Jenkins

(2008) é categórico ao afirmar que essa concentração do poder da mídia detém a competição e

coloca as indústrias acima das demandas dos consumidores, reduzindo a diversidade,

essencial em termos de notícia, e os incentivos para as empresas negociarem com os

consumidores, impondo assim, obstáculos à participação deles.

Especificamente para as indústrias jornalísticas, independentemente do país onde

estejam, esses fatores econômicos têm contribuído para que os modelos de negócio sejam

repensados pelos empresários. As empresas estão preocupadas com a fragmentação ou erosão

em seus mercados. “ Cada vez que deslocam um espectador, por exemplo, da TV para a

internet, há o risco de ele não voltar mais.” (JENKINS, 2008, p.45). Além disso, Salaverría e

Negredo (2008) ainda apontam outros fatores: aumento nos custos de produção, queda dos

investimentos publicitários, concorrência com os sites que reúnem notícias, como o Google,

desaparecimento de pontos de venda de jornais impressos e a própria queda gradativa na

circulação dos impressos ao longo dos anos.

No Brasil, 2009 foi um ano marcado pela queda de 3,46% na circulação dos jornais

nacionais, de acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), órgão especializado no

país em registrar mensalmente a circulação de jornais associados. Segundo estimativas da

Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a circulação dos diários brasileiros foi de 8,19

milhões de exemplares diários, abaixo do ano anterior de 8,49 milhões. (OTIMISMO...,

2010).

Em 2010, o Instituto divulgou uma recuperação do índice, mas um crescimento de

apenas 2%, subindo de 4.228.214 exemplares vendidos por dia para 4.314.425 pode ser

considerado muito tímido. E é interessante perceber no ranking dos jornais mais consumidos

no Brasil que, depois de 25 anos de liderança, a Folha de S.Paulo deixou de ser o jornal mais

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vendido no país, cedendo lugar ao popular Super Notícia, de Belo Horizonte, que atingiu

295.701 exemplares de vendas médias, contra 294.498 do diário paulista. (CIRCULAÇÃO...,

2011). Embora esses diários tenham públicos diferentes, o crescimento dos jornais populares

demonstra o interesse pelo consumo de outros formatos e tipos de notícias.

Outros motivos para a crise na indústria da informação foram sugeridos na abertura do

livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y reorganización de redacciones, de

Ramon Salaverría e Samuel Negredo (2008), por Antoni Maria Piqué, ex-professor da

Universidade de Navarra e diretor de projetos da empresa espanhola Cases i Associats,

especializada em reformas gráficas e editoriais. Piqué afirmou que o cenário atual, marcado

pela quantidade de informação e possibilidade de interação entre as pessoas e os conteúdos é

completamente distinto daquele de quando emergiram meios como rádio e TV.

Três fatores para esta diferença são apontados por Piqué (2008). O primeiro está

relacionado ao desenvolvimento da internet, que cresce sem barreiras espaciais, temporais,

administrativas ou de custos e se adapta melhor às mudanças no modo como as pessoas

buscam se informar; segundo porque a leitura tradicional perdeu o protagonismo como meio

para se adquirir conhecimento, uma vez que podemos escrever, ler e imprimir de várias

formas; e por último, pela mudança no modelo econômico, que não está mais relacionado às

formas industriais, mas ligado a serviços e conhecimentos.

Como uma estratégia para conter os prejuízos, os jornais já estão cobrando pelo acesso

a seus conteúdos digitais. No dia 1º de dezembro de 2009, executivos da Associação Mundial

de Jornais (WAN) se reuniram na Índia e defenderam a cobrança do conteúdo on-line. Os

empresários afirmaram que o momento pelo qual as indústrias passam é crítico, o que

justificaria a realização dessas cobranças. Rupert Murdoch afirmou que o bom jornalismo é

uma commodity cara e, embora os críticos julgassem que as pessoas não pagariam pelo acesso

on-line, ele acreditava que isso fosse possível. (COBRANÇA..., 2009).

Em 2005, o New York Times iniciou um sistema de cobrança de acesso ao conteúdo

digital, cuja assinatura saía por US$ 7,95 mensais. Mas a decisão foi suspensa dois anos

depois. A cobrança foi retomada no dia 28 de março de 2011, embora assinantes da versão

impressa estejam liberados do pagamento. O novo modelo concentra a cobrança nos leitores

mais fiéis, uma vez que para ter acesso ao site e ao aplicativo para smartphone é preciso pagar

US$ 15 mensais. Mas todos os usuários terão acesso a 20 reportagens gratuitas por mês.

Acima disso, será preciso pagar. Isso permite que grande parte do volume de 30 milhões de

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acessos mensais, formado por usuários ocasionais, continue trafegando pela página.

(GODOY, 2011).

O presidente do grupo NYT, Arthur Sulzberger, reconhece que será um desafio superar

barreiras comportamentais erguidas em mais de 14 anos de fornecimento de conteúdo on-line

gratuito, mas destacou que “esta ação é um investimento em nosso futuro, que vai nos

permitir desenvolver novas fontes de receita para sustentar a continuidade de nossa missão

jornalística e a inovação digital”. (SULZBERGER apud GODOY, 2011).

Outros modelos de cobrança já são encontrados no mundo. O Wall Street Journal já

possui mais de um milhão de assinantes pagos. O Times, de Londres, impede totalmente o

acesso de não-assinantes. Também londrino, o Financial Times foi o primeiro a cobrar, a

partir de 2007, o acesso ao conteúdo de jornais na web. O modelo adotado permite ler até dez

artigos on-line de graça todo mês. “No momento temos 210 mil assinantes para o conteúdo

digital e circulam 400 mil exemplares impressos. Crescemos nossa receita digital em 50% ao

longo do ano passado”, afirmou o diretor-gerente do site do FT, Rob Grimshaw. (‘FT’

APOIA..., 2011).

No Brasil, um dos jornais mais antigos do país, fundado em 1891, deixou de circular

na versão impressa em 1º de setembro de 2010. O anúncio de página dupla publicado na

edição do dia 14 de julho de 2010 revelou que o Jornal do Brasil passou a ter apenas uma

versão na internet, com preço de assinatura de R$9,90 por mês.

A notícia provocou uma grande repercussão no mercado. O jornal Folha de S. Paulo

destacou que “ ao longo dos seus 119 anos de história, o JB foi responsável por uma série de

inovações na imprensa brasileira.” (JORNAL DO BRASIL..., 2010). O jornal O Globo

também destacou a importância da cobertura desse diário, especialmente durante a ditadura

militar. O empresário Nelson Tanure, proprietário do JB, confirmou em O Globo a decisão da

retirada do jornal das bancas: "[...] Provavelmente, seremos o primeiro jornal a estar apenas

na internet. É algo que está acontecendo no mundo todo". Tanure disse ainda na reportagem

ter consultado seus leitores no mês anterior ao anúncio da versão ‘100% digital’ sobre essa

mudança de plataforma, mas não falou sobre o resultado desta consulta ao público. (VERSÃO

IMPRESSA ..., 2010).

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Figura 1- Anúncio do JB de 14/07/10 Fonte: Jornal do Brasil 2010

No comunicado acima, o JB, que foi o primeiro diário brasileiro a lançar uma versão

digital em 1995, explicou que a mudança faz parte de um reposicionamento da empresa, bem

mais inovador: “O Jornal do Brasil, coerente com sua tradição de pioneirismo e modernidade,

se coloca mais uma vez à frente de seu tempo. A partir de 1º de setembro de 2010, o JB passa

a ser o primeiro jornal 100% digital. Em formato e-paper e online.” (COMUNICADO...,

2010).

O anúncio aos leitores ainda apresenta como vantagens da mudança o “formato

compatível com leitores digitais”, a “ versão e-paper adaptável à tela do computador” e o

“conteúdo expandido em foto, vídeo e som”. O discurso vanguardista da empresa dá o tom do

restante do anúncio, ao afirmar que “ O JB migra do papel para o online e entra na

modernidade. Ecologicamente correto, sem utilização e desperdício de papel.”

(COMUNICADO..., 2010).

Entretanto, embora o empresário use a justificativa de atender às novas demandas dos

leitores, sabe-se que o jornal enfrentava dificuldades financeiras, com dívidas agravadas por

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passivos fiscais e trabalhistas estimadas em R$ 100 milhões, além da tiragem cada vez menor.

Em julho de 2010 eram impressos 17 mil exemplares nos dias de semana e 22 mil aos

domingos. As reportagens que comentaram as mudanças no JB afirmavam que Tanure tentou

vender o jornal em razão da crise financeira, mas não obteve sucesso. Quando anunciou a

migração de plataformas, o jornal empregava 180 profissionais, sendo 60 jornalistas, cujo

futuro era incerto.

Embora não tenha anunciado o fim da versão impressa, o jornal norte-americano The

New York Times já havia divulgado mudanças na forma de encarar a edição. No dia 14 de

setembro de 2009, Arthur Sulzberger e Janet Robinson, diretor geral e presidente da empresa,

respectivamente, enviaram um memorando interno2 aos funcionários – que depois foi

distribuído à imprensa – sobre as estratégias de circulação do jornal, hoje impresso em 26

localidades da América do Norte. A informação mais reveladora para esta pesquisa não se

refere aos locais e custos para se imprimir um jornal, mas à afirmação, no fim do documento,

de que o NYTimes é uma empresa de notícias e não de jornal.

No memorando, diretor e presidente da empresa esperavam que as edições impressas

continuassem por anos, mas que o comprometimento era oferecer conteúdo da forma que o

público achasse melhor.

Nós esperamos que as edições impressas do The Times, The Globe e nossos jornais regionais ainda estejam por aqui por muitos anos. Mas nós somos uma empresa de notícias, não uma empresa de jornal de papel. Nós estamos comprometidos em oferecer aos nossos consumidores nosso conteúdo onde e quando eles querem e até mesmo de uma forma que eles nem podem ter imaginado – impresso ou on-line – com fio ou móvel – em texto, gráficos, áudio, vídeo ou até eventos ao vivo. (SULZBERGER; ROBINSON, 2009, tradução nossa, grifo nosso.)3

Outro grande jornal mundial, o inglês The Guardian também já admitiu abertamente

que em breve poderá abandonar a edição impressa para publicar notícias apenas na versão

online. Neil McIntosh, diretor de projetos editoriais do The Guardian, em declarações ao

2 O memorando ainda pode ser conferido no Google Documents: “On the Record . . . From Arthur & Janet. Our

Circulation Strategy.” 2009. 3 We expect the print editions of The Times, the Globe and our regional newspapers will be around for years to come. But we are a news company, not a newspaper company. We are committed to offering our consumers our content wherever and whenever they want it and even in ways they may not have envisioned – in print or online – wired or mobile – in text, graphics, audio, video or even live events.

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jornal Press Gazette, disse que a mudança não é imediata, mas reconheceu que mais cedo ou

mais tarde a sua empresa terá que decidir o que fazer com a edição impressa. (CASTILHO,

2008).

A declaração do executivo do jornal britânico é sintomática de uma mudança de

atitudes dentro da maioria dos grandes grupos de imprensa no mundo ocidental. Quase todos

eles estão abandonando a denominação newspaper (notícia no papel) para se autodefinirem

como empresas de comunicação, no sentido amplo. Isto significa que para os grandes

impérios midiáticos contemporâneos o jornal impresso não é mais o seu carro-chefe em

matéria de estratégia editorial. O jornal norte-americano The Washington Post foi ainda mais

longe ao definir a educação como a sua principal missão corporativa. (CASTILHO, 2008).

No grupo Diários Associados, o discurso dos proprietários não foge a esse pensamento

internacional. O diretor executivo do grupo em Minas Gerais, Geraldo Teixeira da Costa

Neto, revelou durante as entrevistas para esta pesquisa, a expectativa em relação ao futuro da

empresa: “Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos

ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância.” Isto é,

embora o grupo concentre emissoras de TV, jornais, rádios e portais na internet, a marca

identitária a ser construída é a de fabricante de conteúdos, independentemente do suporte.

Percebe-se que, pelo menos conceitualmente, o jornal está deixando de ser jornal, está

se assumindo como uma empresa de conteúdo, não mais associada ao papel impresso.

Podemos afirmar que essa ‘crise de identidade’ ainda atinge emissoras de tevês e rádios que

também se revelam inseguras diante de tantas mudanças na forma como o mundo consome as

mídias. Uma reportagem da Folha de S. Paulo sobre o 5º Fórum Internacional de TV Digital,

realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2008, identificou que os empresários do setor

mostraram saudosismo do tempo no qual não havia a ameaça das novas mídias ao seu modelo

de negócios. "No cenário de mídia, falando do passado, nós éramos felizes e não sabíamos.

Isso há dez, 15 anos. A única forma de ver televisão era pelo ar", disse, lembrando o avanço

da internet, Fernando Bittencourt, diretor de engenharia da TV Globo. (BITTENCOURT

apud MUNIZ, 2009).

Diante de tantos desafios, Piqué (2008) defende que o turbilhão enfrentado pelo

'negócio' imprensa não resultará na extinção, mas na reinvenção das empresas jornalísticas4,

4 Desde 1990, a multinacional na qual Piqué é o diretor de projetos foi responsável pela reformulação de mais de 100 títulos, entre jornais e revistas, na Europa e América Latina. Entre os clientes, publicações famosas

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movimento relacionado diretamente à gestão do conteúdo, chave para o processo de

convergência na visão do empresário. Tecnologia, produtividade e relação custo-benefício são

consideradas por ele ferramentas para estruturar e viabilizar uma redação capaz de fornecer

conteúdos para qualquer meio.

Para se adequar a este cenário turbulento, várias transformações estão sendo operadas

nas indústrias jornalísticas sob o nome de convergência de mídias. Mudanças que podem estar

ligadas à renovação das estratégias de cobertura jornalística, à elaboração de novos formatos

jornalísticos, a uma revisão do processo de tomada de decisões editoriais e de edição, à

comunicação mais eficaz entre editorias, ao ajuste das funções de repórteres e editores, além

da promoção de novos perfis profissionais. (PIQUÉ, 2008).

Salaverría e Negredo (2008) defendem a convergência jornalística como a

oportunidade para transformar a organização das empresas jornalísticas do século XX em

empresas informativas do século XXI. Percebe-se que, na tentativa de se adequar o conteúdo

jornalístico para atrair e fidelizar o público, estes leitores/espectadores/internautas são tratados

como consumidores de conteúdo. Há, claramente, uma preponderância da esfera econômica

nesse discurso que, à primeira vista, pode parecer o de ofertar novas possibilidades em termos

de qualidade de conteúdo ao público.

Nesse sentido, embora seja uma análise realizada há mais de uma década, Cádima

(1997) fez uma reflexão sobre convergência a partir de um encontro ocorrido em Bruxelas em

1997, que resultou no Livro Verde Relativo à Convergência dos Setores das

Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às

suas Implicações na Regulamentação, publicado pela Comissão Européia em dezembro

daquele ano. Já naquela época, quando o assunto nem era tão comentado no Brasil, previa-se

que as empresas poderiam tirar vantagens econômicas de um processo que se convencionou

chamar de convergência.

No livro, fica claro que, entre os conglomerados, a visão é de que a convergência pode

aproveitar as oportunidades oferecidas pelos progressos tecnológicos para otimizar serviços e

conteúdos, diversificando os negócios. Trata-se, portanto, de uma nova forma de pensar a

distribuição de produtos jornalísticos, sob a propaganda de que as empresas estão “facilitando

internacionalmente como Corriere della Serra, da Itália; The Independent, de Londres e o Clarin, de Buenos Aires. No Brasil, a empresa fez mudanças editoriais e gráficas de quase dez jornais, entre eles O Estado de São Paulo (SP), O Tempo(BH) e o Lance(RJ).

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o acesso aos benefícios da sociedade da informação e promovendo a diversidade cultural”.

(LIVRO VERDE apud CÁDIMA, 1997).

Também percebe-se a aproximação entre a perspectiva do consumidor/cliente e não a

do cidadão nessas relações convergentes é no livro Cultura da Convergência, um dos

lançamentos mais recentes sobre o assunto. Nele, Jenkins (2008) sempre se refere ao público

como ‘consumidor’: “ A convergência representa uma transformação cultural, à medida que

consumidores são incentivados a procurar novas informações e a fazer conexões em meio a

conteúdos midiáticos dispersos.” (JENKINS, 2008, p.28).

Mas ao procurar conteúdo por vários suportes, as empresas temem que o público não

volte. Para ter este retorno fiel da audiência, que hoje se vê diante de infinitas possibilidades

de fontes de informação ou entretenimento, estão sendo pensadas diferentes estratégias de

fidelização do público. Um novo discurso do marketing e das pesquisas de marcas que vem

ganhando terreno entre as indústrias midiáticas é a ‘economia afetiva’. (JENKINS, 2008).

A ideia, apresentada por Jenkins (2008), enfatiza o envolvimento emocional dos

consumidores com a marca como uma motivação fundamental em suas decisões de consumo.

É a lógica da extensão do nome, cuja intenção central se baseia no fato de que marcas de

sucesso são construídas pela exploração de múltiplos contatos entre a marca e o consumidor.

A experiência não deve ser contida em um único suporte, mas deve se estender ao maior

número possível deles. No jornalismo, a marca de um jornal impresso se espalha a cada dia,

não apenas em suportes tradicionais, mas, principalmente, em tablets, smartphones,

aplicativos etc.

A ideia apresentada por Jenkins (2008) se refere, por enquanto, ao mundo do

entretenimento. Contudo, em um cenário caracterizado pelo excesso de informação e pela

disputa intensa pela atenção, tais estratégias parecem estar sendo, cada vez mais, aplicado às

indústrias jornalísticas. Christofoletti (2008) defende que, se a cada dia o jornalismo se

transforma em uma mercadoria, a teoria da economia afetiva de Jenkins pode, dessa forma,

ser aplicada à indústria jornalística.

O livro de Jenkins trata de consumo e de marketing, de operações conjugadas para venda de conteúdo e de grandes planos midiáticos. Em tese, o jornalismo deveria estar alheio a isso, oferecendo conteúdos que orientassem melhor as pessoas, que lhes dessem mais condições de compreender a realidade, a despeito de razões comerciais. Mas cada vez mais se percebe que o jornalismo converte-se numa mercadoria, num produto de mídia como qualquer filme ou videogame. (CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 3).

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A ponderação de Christofoletti (2008) sobre notícia como mercadoria foi alvo de um

intenso questionamento de Ciro Marcondes Filho no livro Ser Jornalista. A língua como

barbárie e a notícia como mercadoria (2009). O autor explica que na metade do século XIX,

a imprensa transformou-se de veículo político em empresa com fins lucrativos. A inovação

tecnológica, com a introdução da prensa rápida na Inglaterra em 1814, passou a exigir da

empresa jornalística a capacidade financeira de autossustentação, transformando uma

atividade praticamente livre de pensar em uma operação que precisará vender e se

autofinanciar. Marcondes Filho (2009) defende que à medida que a imprensa se transformou

nessa grande empresa capitalista, acompanhando o movimento geral da atividade econômica

em direção ao modo capitalista de organizar a produção, ela passou a trabalhar cada vez mais

seu produto seguindo as imposições da estética da mercadoria.

Nesse sentido, uma informação pura e simples não é mercadoria. Para tanto, ela

precisa ser transformada em notícia, que é exposta à venda de forma atraente. Notícia é,

assim, informação transformada em mercadoria, com todos os apelos estéticos, emocionais e

sensacionais. Para isso, tal como uma mercadoria na prateleira, a informação recebe um

tratamento para se adaptar às normas mercadológicas de “ generalização, padronização,

simplificação e negação do subjetivismo.” (MARCONDES FILHO, 2009, p.78). Para o autor,

a introdução da reportagem, do artigo e de todas outras formas desenvolvidas para se tratar as

notícias pode ser encarada como aprimoramento da ‘embalagem da mercadoria’, tornando-a,

assim, mais atraente.

E nesse processo convergente, a mercadoria notícia é transformada em ‘conteúdo’,

cada vez mais modulável para permitir sua utilização em diferentes ambientes e sua

distribuição em múltiplos suportes. Todavia, a estratégia mercadológica por trás do discurso

de facilitar o acesso à informação só se torna concreta se o público assim o desejar. Não

adianta oferecer conteúdo em diferentes veículos se o leitor preferir continuar obtendo-o pelo

jornal impresso que chega à casa dele todas as manhãs. O próprio Jenkins (2008) afirma que a

convergência não se realiza dentro dos dispositivos tecnológicos, independentemente da

sofisticação dos mesmos, mas “ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em

suas interações sociais com os outros.” (JENKINS, 2008, p.28).

Essa decisão final por parte do público hoje é reconhecida dentro do grupo

Associados. Embora acredite que os grupos de comunicação ainda tenham “força pra formar

hábito das pessoas”, o diretor executivo Geraldo Teixeira da Costa Neto admitiu que o

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momento não é de forçar um tipo de leitura, mas entender os hábitos das pessoas: “[...] eu

acho que não dá pra (sic) gente falar assim: Você vai consumir uma informação dessa

maneira. A pessoa que tá com o controle na mão é que vai definir como que ela quer. A gente

tem que estar atento à essa maneira.” Como definir preferências particulares de cada um é

quase impossível, a empresa se esforça para oferecer um pacote completo de opções de

notícias, antes que esses leitores migrem para outras fontes de informação.

2.2 Convergência de mídias e sua (in) definição

Antes de ser uma ideia associada ao jornalismo, a palavra convergência já foi utilizada

em áreas como matemática, economia e biologia. Em 2007, José Alberto García Avilés, Pere

Masip, Ramón Salaverría, Charo Sádaba, Idoia Portilla e Beth Saad levantaram diversas

referências sobre o termo convergência ao longo dos últimos anos, apresentadas em um

capítulo do livro Ciberperiodismo: métodos de investigación. Una aproximación

multidisciplinar em perspectiva comparada (PALACIOS; NOCI, 2008)5. Esses autores

participaram, entre 2006 e 2009, do projeto "Convergência digital nos meios de comunicação

na Espanha" (ESPANHA, Ministério da Educação e Ciência, 2010), financiado pelo

Ministério da Educação e Ciência da Espanha, no qual colaboraram 24 pesquisadores de 12

universidades espanholas, divididos em quatro subgrupos e coordenados por Ramon

Salaverría. O objetivo do projeto foi estudar as características, processos e consequências da

convergência nos meios de comunicação na Espanha. No estudo ainda foram produzidos um

mapa de experiências convergentes naquele país e estabelecidas normas comuns ao processo

que poderiam servir como orientação a todos os meios, aos profissionais e a formação de

futuros jornalistas.

De acordo com esse estudo, desde o final dos anos 1980, o termo vem sendo

empregado com frequência para se referir a uma variedade de conceitos relacionados à

transformação tecnológica das telecomunicações, com significados heterogêneos, que em

5 Este livro é resultado de um projeto maior, Periodismo en internet: estudio comparativo de los cibermedios España-Brasil, financiado pelos Ministérios da Educação do Brasil (CAPES/DGU 140/07) e Espanha (PHB2006-0004-PC). Entre 2006 e 2009 o projeto envolveu mais de 50 pesquisadores coordenados por Marcos Palácios, da Universidade Federal da Bahia e Javier Díaz Noci, da Universidad del País Vasco.

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algumas ocasiões se complementam e em outras se tornam evasivos. Isso se deve à variedade

de enfoques e perspectivas adotadas nos estudos sobre a convergência de mídias: empresarial

(Killebrew, 2005; Lawson-Borders, 2006), tecnológica (Forgacs 2001; Idei, 2002),

multiplataforma (Theorodopoulou, 2003) e cultural (Jenkins, 2006). Tantas possibilidades de

análise revelam a estreita relação entre tecnologias, mercados e público.

Embora alguns autores tentem apontar as origens do termo e seus significados, ainda

não ocorreu, até o presente momento, uma consolidação muito segura sobre a definição de

convergência, não existindo uma explicação única nem unicamente aceita sobre o conceito.

Na verdade, boa parte das investigações a respeito salienta a dificuldade de se alcançar esse

consenso. Dessa forma, um significado para a convergência vem sendo desenhado em um

estado mutante, uma vez que o processo está se desenrolando.

Conscientes desse problema terminológico, alguns autores propõem termos

alternativos (cooperação, coexistência, fusão, coordenação, promoção combinada etc.) como

formas concretas de modalidades específicas de convergência. Palácios e Noci (2009)

aproveitaram para sistematizar três escolas diferentes e, em certa medida, consecutivas, que

trabalham o conceito de convergência. Elas serão apresentadas na sequência, articuladas a

considerações de outros teóricos:

a) Convergência como uma confluência de tecnologias. A esta escola pertencem as

primeiras definições de convergência, que a identificam como a combinação de códigos

lingüísticos diferentes, resultados da digitalização (NEGROPONTE, 1979, DE SOLA POOL,

1983; FIDLER,1997; CASTELLS, 2001).

A posição de Negroponte (1995) resume bem esta corrente. Em 1995, embora não

usasse a palavra convergência, ele já previa que: “ Uma mensagem pode apresentar vários

formatos derivando automaticamente dos mesmos dados.” ( NEGROPONTE, 1995, p.73). O

autor chamava atenção para o fato de que a digitalização permitia um “ movimento fluído de

um meio para outro, dizendo a mesma coisa de maneiras diversas, invocando um ou outro dos

sentidos humanos.” (NEGROPONTE, 1995, p.74).

Antes dele, em 1983, Pool também chamava atenção para o fato de que, com a

digitalização, algumas tecnologias de comunicação passaram a suportar maior diversidade e

um maior nível de participação que as outras.

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Um processo chamado convergência de modos está tornando imprecisas as fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo entre as comunicações ponto a ponto, tais como o correio, o telefone e o telégrafo, e as comunicações de massa, como a imprensa, o rádio e a televisão. Um único meio físico – sejam fios, cabos ou ondas – pode transportar serviços que no passado eram oferecidos separadamente. De modo inverso, um serviço que no passado era oferecido por um único meio – seja a radiodifusão, a imprensa ou a telefonia – agora pode ser oferecido de várias formas físicas diferentes. Assim, a relação um a um que existia entre um meio de

comunicação e seu uso está se corroendo. (POOL apud JENKINS, 2008, p.35).

b) Convergência como sistema. Aqui se enquadram os estudos que têm enfatizado a natureza

sistêmica da convergência, definindo-a como um fenômeno complexo e multidimensional,

abrangendo diversas áreas – tecnológica, empresarial, profissional e de conteúdo –

interligadas entre si. (SINGER, 2004; KILLEBREW, 2003; KLINENBERG, 2005;

GORDON, 2003, JENKINS, 2006). Jenkins (2008) resume que convergência é promovida

em igual medida por vários aspectos:

pela integração das companhias de mídia, por seu desejo de explorar sinergias entre as diferentes divisões, pelo desejo dos consumidores de ter acesso ao conteúdo que querem, onde, quando e no formato que eles considerarem melhor e por sua determinação em adquirir esse conteúdo ilegalmente, caso ele não seja disponibilizado. Isso é a cultura da convergência. (JENKINS, 2008).

c) Convergência como processo. Aceitando a natureza sistêmica da convergência

jornalística, os autores que adotam esta abordagem destacam o fato de que, para o seu

adequado estudo empírico, a convergência deve ser concebida como um processo sujeito à

gradação (DAILEY et al. 2003; LAWSON-BORDERS, 2003; APPLEGREEN, 2004). ).

Poderíamos ainda incluir Salaverría e Negredo (2008) nesta corrente, uma vez que estes

estudiosos da convergência nas empresas jornalísticas são taxativos ao afirmar que a

convergência é um processo, e como tal, possui um caráter gradual e é implementado

paulatinamente.

Pelo exposto, percebe-se que de uma visão teórica estritamente tecnológica, na qual o

processo era determinado exclusivamente por avanços nos dispositivos técnicos, o conceito de

convergência foi se ampliando, incluindo fatores econômicos e aspectos sociais para tentar

defini-lo. Nesta pesquisa, acredita-se que a convergência pode ser encarada não como uma

mudança brusca no sistema comunicacional, mas uma evolução gradual de convivência de

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técnicas e processos comunicativos tradicionais com outros inovadores. Um processo

multifacetado dependente, em maior ou menor grau, de fatores financeiros, de rotinas

produtivas jornalísticas e também das demandas sociais.

Silva Júnior (2008) também sistematizou algumas definições surgidas ao longo dos

últimos anos. Na visão dele, durante as décadas de 1980 e 1990, os estudos se dividiram em

três campos: ao mesmo tempo em que a convergência era abordada como um produto

resultante da combinação e justaposição entre mídias, linguagens e formato, era ainda vista

como um processo de integração de tarefas para ampliar as cadeias de fluxo de informação e

notícias, além de representar a fusão e integração entre empresas e corporações.

Atualmente, além dessa complexa teia entre processo, produto ou sistema, fatores

referentes a outras esferas devem ser levados em conta quando se discute o conceito de

convergência: a interação com aspectos de infra-estrutura (redes de dados, telecomunicações);

a interação com outras formas simbólicas de conteúdo (TV, impresso, rádio); as novas formas

simbólicas do fazer jornalístico (blogs, jornais na web) e os desdobramentos de aspectos

históricos (consolidação do jornal na sociedade). Ou seja, na convergência jornalística, “os

processos de produção simbólica, atrelados ao jornalismo em bases digitais, ocorrem a partir

da combinação de fatores diversificados.” (SILVA JÚNIOR, 2008, p.60).

A partir do desenvolvimento das teorias mais recentes, Silva Júnior propôs uma nova

classificação para o processo de convergência, dividida em duas correntes, que, na verdade, se

assemelham às divisões realizadas por Palácios e Noci (2009). De um lado, pesquisadores

como Fidler (1997), Bolter e Grusin (2000) e Boczowsky (2004) acreditam que formas

midiáticas anteriores passam a ter sobrevida também no campo digital, ao simplesmente

transpor formatos, conteúdos e dispositivos de acesso, envolvendo tecnologias da informação

e comunicação.

A outra corrente, compartilhada por Manovich (2001) e Salaverría (2005), é a de que

pode haver um compartilhamento do código digital por naturezas distintas de discurso (texto,

vídeo, som, foto, infográficos), permitindo que nesse convívio se cruzem narrativas e

produções simbólicas, em modos mais complexos e intercomplementares.

Além das divisões propostas tanto por Silva Júnior (2008) quanto por Palácios e Noci

(2009), Henry Jenkins (2008) considera que a convergência possa definir uma ampla gama de

transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais. E a indústria midiática é

aquela que vivencia todos esses aspectos. Apresentando uma visão econômica do processo,

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para o autor, o modo como o mundo consome as mídias está passando por uma mudança de

paradigmas. Quase todas as antigas formas de consumo e produção midiática estão evoluindo

para um panorama da ‘cultura da convergência’, “onde as velhas e novas mídias colidem,

onde mídias corporativas e alternativas se cruzam, onde os poderes do produtor de mídia e do

consumidor interagem de maneiras imprevisíveis.” (JENKINS, 2008, p.328).

No desenrolar desse processo, para atender ao comportamento migratório da

“audiência”, o conteúdo pode fluir por vários canais, através de vários suportes midiáticos, ao

invés de ter apenas um destino. Esta fluidez também se dá em direção a diversos modos de

interdependência dos sistemas de comunicação, que podem buscar cooperação entre indústrias

midiáticas, que também estão atrás de novas estruturas de financiamento. É uma situação em

que múltiplos sistemas midiáticos coexistem e o conteúdo passa por eles fluidamente. E o

papel do público é, para o autor, tão determinante quanto o dos conglomerados midiáticos,

afinal, ele representa a audiência tão buscada pelas empresas:

A convergência, como podemos ver, é tanto um processo corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de consumidor, de baixo para cima. A convergência corporativa coexiste com a convergência alternativa. Empresas midiáticas estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo midiático pelos canais de distribuição para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e consolidar seus compromissos com o público. Consumidores estão aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente midiático provocam expectativas de um fluxo mais livre de idéias e conteúdos. Inspirados por esses ideais, os consumidores estão lutando pelo direito de participar

mais plenamente de sua cultura. (JENKINS, 2008, p.44).

Jenkins (2008) acredita que o futuro esteja sendo traçado pelas transformações

culturais, batalhas jurídicas e fusões empresariais que estão alimentando a convergência

midiática. “ O modo como essas diversas transições evoluem irá determinar o equilíbrio de

poder na próxima era dos meios de comunicação.” (JENKINS, 2008, p.43).

2.3 Definições e dimensões da convergência jornalística

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Antes de detalhar as transformações pelas quais as empresas jornalísticas estão adotando sob o

nome de convergência de mídias, faz-se necessário, primeiramente, chamar atenção para a sintonia do

discurso de certos teóricos com o mercado que aposta nessa reformulação jornalística; fruto, na maior

parte dos casos, das consultorias prestadas às empresas por esses estudiosos. Por ser a convergência

de mídias um processo novo, em pleno desenvolvimento e, por isso mesmo, cercado de

incertezas, percebe-se que muitas empresas têm buscado em recentes estudos acadêmicos um

direcionamento para as novas demandas jornalísticas e, ao mesmo tempo, a academia observa

as mudanças no mercado como objetos empíricos para suas pesquisas, propondo

classificações e elaborando conceitos, práticas e regras para a implantação da convergência.

Percebe-se, como resultado dessa parceria entre empresários e estudiosos, a presença de um

discurso comum, de que a convergência é a fórmula do momento para o ‘negócio’ jornalismo

enfrentar as turbulências e demandas do setor.

Ramon Salaverría, doutor em Jornalismo e diretor do Departamento de Projetos

Jornalísticos e do Laboratório de Comunicação Multimídia da Universidade de Navarra, na

Espanha, em parceria com o jornalista e doutor em meios digitais, Samuel Negredo,

publicaram em 2008, o livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y

reorganización de redacciones. A edição é resultado de um levantamento realizado em oito

redações pelo mundo, entre elas as dos jornais americanos The New York Times e Financial

Times, do espanhol Clarín, do inglês The Daily Telegraph e do brasileiro O Estado de São

Paulo. Esta pesquisa empírica serviu para os autores exemplificarem procedimentos e práticas

defendidos por eles como essenciais para que um formato convergente possa ser

implementado em uma empresa que deseje reestruturar as redações, conteúdos e funções

profissionais.

Na introdução do livro os autores deixam clara a proposta: “Nas próximas páginas,

mostraremos as chaves desse processo e descreveremos como alguns grandes meios do

mundo estão se empenhando em executá-lo com êxito.” (SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008,

p.17, tradução nossa.)6. É importante ressaltar que a publicação assume um caráter didático

sobre o processo – em alguns momentos o livro adquire até um tom prescritivo, tamanha a

descrição de ‘como fazer’ em relação aos processos convergentes –, mas os autores admitem

6 En las próximas páginas mostraremos lãs claves de esse processo y describiremos cómo algunos grandes

médios Del mundo se empenãn em llevario a cabo com êxito.

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não saber exatamente a nova configuração e funcionamento que as empresas jornalísticas irão

assumir.

Os processos de reorganização que sacodem as redações em todo o mundo são apenas a espuma superficial de uma corrente muito mais profunda, a da convergência, que empurra as empresas jornalísticas a uma nova configuração e

funcionamento que ainda somos incapazes de vislumbrar. (SALAVERRÍA; NEGREDO.2008, p.16).7

Jenkins (2008) também admite sua insegurança sobre o processo:

Não espere que as incertezas em torno da convergência sejam resolvidas num futuro próximo. Estamos entrando numa era de longa transição e de transformação no modo como os meios de comunicação operam. Não haverá nenhuma caixa preta

mágica que colocará tudo em ordem novamente. (JENKINS, 2008, p.50).

Embora admita dúvidas sobre o conceito de convergência e foque seus estudos

empíricos sobre a indústria do entretenimento, Jenkins tem sido recorrentemente convidado

para palestras e consultorias em empresas jornalísticas. Em uma das visitas ao Brasil, em 28

de maio de 2010, sua presença foi plenamente divulgada pelas Organizações Globo em seu

site:

O autor do livro "Cultura da Convergência", Henry Jenkins, um dos principais pensadores da cultura transmídia, está no Brasil para a palestra da Rede Globo que acontece nesta sexta-feira, 28, no Projac, e você poderá acompanhar o evento através do blog Tá Rolando.(REDE GLOBO, 2010.)

Aproveitando a presença do pesquisador em sua sede, a Globonews, canal de

jornalismo 24 horas da empresa, aproveitou para dedicar um programa inteiro aos estudos

dele sobre o assunto. E a chamada, na internet, para o programa demonstra a influência que

Jenkins adquiriu no mercado:

7 Los processos de reorganización que sacuden las salas de redacción de todo el mundo son apenas la espuma

superficial de uma corriente muncho más profunda, La de la convergencia, que empuja a las empresas periodísticas hacia uma nueva configuración y funcionamiento que aún somos incapazes de vislumbrar.

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Henry Jenkins. Você pode ainda não ter ouvido falar deste nome, mas talvez já faça parte do mundo que ele está ajudando a desvendar – o da convergência de mídias. O americano professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts é considerado um guru por empresas de mídia e entretenimento e aposta na transformação que a velha arte de contar histórias vem passando com as novas tecnologias. (...). Henry Jenkins e transmídia, no C&T de hoje.(REDE Globo, 2010).

Muitas das mudanças que as empresas jornalísticas estão adotando no Brasil e no

mundo, algumas detalhadas ainda neste capítulo, seguem as orientações produzidas

justamente por esses acadêmicos, o espanhol Ramon Salaverría (2008) e o americano Henry

Jenkins (2008).

Para Jenkins (2008), a convergência de mídias é um processo caracterizado por

transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais vivenciadas pelo campo dos

media. Entretanto, o autor não apresenta uma definição mais precisa sobre a convergência no

âmbito do jornalismo, apenas se referindo a ela como uma manifestação particular de um

grande processo sociocultural de convergência em escala planetária.

Salaverría e Negredo (2008), embora levem em consideração essa definição do

pesquisador norte-americano, acreditam que tal conceituação é pouco útil para descrever o

que acontece hoje. Para caracterizar o processo de convergência de mídias em andamento nas

empresas jornalísticas do mundo, os espanhóis apresentam a seguinte definição que, inclusive,

será a adotada neste projeto:

Um processo multidimensional que, facilitado pela implementação generalizada das tecnologias digitais de telecomunicação, afeta os setores tecnológicos, empresariais, profissionais e editoriais dos meios de comunicação, proporcionando uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens anteriormente desagregados, de forma que os jornalistas elaboram conteúdos que se distribuem através de múltiplas plataformas, de acordo com as linguagens próprias de cada

uma. (SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008, p.45).

Nesse sentido, a convergência é apresentada como uma reconversão integral da

empresa jornalística de muitas mídias para multimídia. Os autores defendem que ao invés dos

grandes grupos de comunicação criarem empresas distintas para cuidar de cada meio – TV,

rádio, web, impresso – tais conglomerados deveriam pensar na construção da notícia a partir

de múltiplas plataformas, cuidando, para isso, que as redações funcionem bem integradas.

Parece uma sugestão óbvia, mas em alguns grupos, como o dos Associados, objeto empírico

selecionado para esta pesquisa, foi lançado no dia 13 de setembro de 2010, um novo site para

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o jornal Estado de Minas, embora a empresa já tenha um portal de notícias muito mais antigo

e consolidado no mercado, o portal UAI.

No projeto “Convergência digital nos meios de comunicação na Espanha”, já citado

anteriormente, para compreender a convergência jornalística mais profundamente, os

pesquisadores, coordenados por Ramon Salaverría, se concentraram em quatro aspectos

considerados distintos, porém complementares da convergência: as tecnologias, as empresas,

os conteúdos e os profissionais. Negredo e Salaverría (2008) se apropriaram desta divisão

para trabalhá-las no livro Periodismo Integrado. Convergência de médios y reorganización de

redacciones. Para os autores, os níveis ‘conteúdo’ e ‘profissional’ são os de maior interesse

acadêmico e prático por representarem as áreas nas quais as mudanças são mais significativas,

como o desaparecimento e a criação de cargos e funções, novas exigências profissionais,

criação de novos formatos para a narrativa jornalística etc. (SALAVERRÍA;

NEGREDO,2008).

Nesta dissertação, embora o foco do estudo se atenha mais ao aspecto do conteúdo do

processo convergente, uma vez que a natureza do objeto desta pesquisa – as marcas

convergentes nas reportagens do homem-banda – está diretamente relacionada à esta esfera,

acredita-se que, apesar dos autores minimizarem a importância das esferas empresarial e

tecnológica, elas merecem reflexão, uma vez que observa-se o interesse financeiro por trás de

todo o discurso convergente.

Apesar de a existência da convergência ‘tecnológica’ (infra-estruturas para processar,

transportar e apresentar voz, dados e vídeo sobre uma mesma rede e um terminal integrado) e

‘empresarial’ (alianças, fusões, absorções ou novas empresas) não levar necessariamente a

uma convergência nas esferas ‘profissional’ e ‘conteúdo’, elas podem ser consideradas peças

decisivas do processo. A esfera de ‘conteúdo’ será avaliada no próximo tópico. A seguir

serão detalhadas as três primeiras dimensões:

a) Dimensão tecnológica:

A dimensão tecnológica corresponde às ferramentas e sistemas de produção e difusão

de dados como imagem, texto, som e aúdio. Até o final da década de 1980, os equipamentos

usados por rádio, TV e impresso eram bem diferentes. Com a digitalização, os suportes

passaram a ser compartilhados por serem cada vez mais semelhantes e, portanto, permeáveis

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entre si. “O redator do impresso emprega processadores de texto calcados na informática e

programas de auto-edição; o de rádio, aplicativos de edição de som; o de televisão, sistemas

de edição digital de vídeo.” (SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008. p.46. Tradução nossa).8

Salaverría cita García Avilés (2006) para explicar que na etapa analógica, cada meio e

cada suporte se centrava em conteúdos específicos com suas correspondentes linguagens;

agora, a convergência digital proporciona intercâmbios e combinações dos conteúdos de um

meio com o dos outros. Atualmente, a última fase do processo jornalístico, a recepção, já

demonstra essa integração das ferramentas. Os equipamentos de hoje, como celulares,

smartphones, ipads etc., permitem acessar conteúdos de texto, som, imagens e gráficos de

qualquer lugar e a qualquer momento.

Essas possibilidades tecnológicas provocam alvoroço entre as empresas de

comunicação. A cada lançamento de um suporte, avalia-se a necessidade de incorporação dos

mesmos, as possibilidades de investimentos, o gasto com tal estratégia e o retorno dela etc. A

escassa literatura sobre convergência não está atualizada no que se refere a estas novidades e a

movimentação das empresas em torno delas. Por isso, tais informações só nos chegam pelos

próprios jornais.

Uma reportagem publicada em O Globo em novembro de 2010 trouxe exemplos

desses investimentos. A Associação Internacional de Marketing de Noticias (International

Newsmedia Marketing Association, INMA), instituição com cerca de 400 empresas de mídia

associadas em 80 países, promoveu o Seminário Internacional de Marketing de Jornais, no

Rio de Janeiro, nos dias 9 e 10 de novembro de 2010, com enfoque em temas como a

comunicação integrada, o relacionamento dos anunciantes com a mídia e estratégias de

sucesso na era digital. (LIGNELLI; RIBEIRO, 2010).

Earl Wilkinson, diretor executivo da INMA, acredita que os suportes digitais, ao invés

de serem encarados como ameaça para o papel, devem ser vistos, a curto prazo, como a

“única forma de expandir a audiência além dos limites do impresso.” Wilkinson acredita que

os jornais brasileiros tenham um horizonte de até 50 anos de jornalismo impresso com lucro e

viabilidade econômica, mas as empresas já devem mudar sua estrutura para um modelo

multimídia.

8 El redactor de prensa emplea procesadores de texto informáticos y programas de autoedición; el de radio,

aplicaciones de edición de sonido; el de televisión, sistemas de edición digital de vídeo.

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Hoje a notícia acontece e você tem que mandar torpedos pelo telefone, colocar informação na web, na internet, pelo celular e no iPad. Você imprime (o jornal) só no fim do dia. O maior desafio é continuar inovando no impresso, onde temos 300 anos de aprendizado, mas também temos que investir no iPad, na nova arquitetura de notícias. As empresas não farão dinheiro com isso agora, mas é preciso aprender. (WILKINSON apud LIGNELLI; RIBEIRO, 2010).

Ainda durante o Seminário, o diretor de marketing do Telegraph Media Group – que

edita os jornais ingleses The Daily Telegraph e The Sunday Telegraph –, Graham Horner,

afirmou que o uso crescente dos tablets é, hoje, o grande desafio para as empresas de

comunicação. O grupo lançou sua versão do The Daily Telegraph para o iPad em setembro de

2010. O jornal seleciona as notícias mais importantes para o tablet, mas quer ampliar e

diversificar o conteúdo oferecido, com vídeos, suplementos dominicais e palavras cruzadas.

Por enquanto, com as edições sendo patrocinadas pela montadora Audi, o acesso ao conteúdo

é gratuito para atrair uma grande audiência e também para conhecer o usuário do tablet, mas o

executivo garantiu que o aplicativo será pago no futuro: “Estamos satisfeitos com os

resultados. Já foram feitos 70 mil downloads do aplicativo para o iPad em oito semanas, e

70% dos usuários estão acessando nosso jornal todos os dias.” O Telegraph pesquisou que os

usuários de sua versão no iPad são, em sua maioria, homens com 47 anos de idade, em média.

(RIBEIRO, 2010).

A preocupação com outros suportes é grande para o grupo inglês. Enquanto se tenta

conhecer mais sobre os usuários dos tablets, continuam as apostas no nicho de notícias para

celular. Segundo Horner, o número de pessoas no Reino Unido que acessam notícias pelo

telefone móvel cresceu 14% em 2010, e a grande maioria dos acessos (78%) foi feita a partir

de smartphones. No mercado britânico, 29% da população com mais de 15 anos têm celular

com acesso à internet.

Nos Estados Unidos, as redes de televisão norte-americanas têm lançado funções na

internet e aplicativos móveis para conquistar o público de ‘mídia dupla’. Esses consumidores

adeptos de duas telas, chamado de two-screens nos EUA, têm crescido a cada ano. São

pessoas que assistem ao mesmo tempo TV e um segundo aparelho, como um laptop, um

smartphone ou um tablet. Um estudo da Nielsen9 constatou que os consumidores passam em

9Multinacional presente em mais de 100 países especializada em medir a performance de empresas no mercado, identificar e capturar oportunidades de crescimento, analisar a dinâmica do ponto de venda e diagnosticar e resolver problemas de marketing e vendas.

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média três horas e 41 minutos por mês assistindo TV e navegando na internet

simultaneamente e, cerca de três entre cinco telespectadores estão envolvidos na audiência de

duas telas. (GILLETE, 2010).

Diante desse cenário, emissoras como o canal a cabo Bravo cobiçam essas pessoas

porque podem vender sua atenção aos anunciantes duas vezes. Durante o episódio final de um

reality show, por exemplo, o canal disponibilizou, em seu site, uma função interativa chamada

Talk Bubble para se comunicar com outros fãs da série. Os recursos do site foram usados

ainda para compartilhar mensagens no twitter e no facebook. As empresas acreditam que

esses consumidores, ao usarem esses suportes, criam um burburinho sobre determinado

programa de TV que levam outras pessoas a assistirem tal programa, ampliando a audiência

da TV.

No Brasil, estratégias para vender notícias em diversos suportes também ficaram

claras durante a convenção global Soccerex, realizada no Rio de Janeiro entre 22 e 24 de

novembro de 2010, reunindo os principais empresários e dirigentes do futebol mundial, em

parceria com o Governo do Estado do Rio e o apoio do Ministério do Esporte. No painel “O

futuro panorama da transmissão de futebol”, que discutiu como a transmissão de futebol vai

evoluir nos próximos anos, os empresários deixaram claro que, embora a TV ainda seja a

principal plataforma dos grandes eventos de futebol nacionais e internacionais, internet e

celular vão ganhar cada vez mais espaço na distribuição de conteúdo esportivo nos próximos

anos. Isso significa que ao mesmo tempo em que há uma disputa pelos direitos de transmissão

entre mídias novas e tradicionais, há também uma tendência de convergência entre elas.

(GÓES, 2010).

Para Alfredo Correia, sócio-diretor da Mowa Sports, que oferece projetos de

mobilidade para grandes empresas, “o grande negócio é conseguir fazer a união de todas as

plataformas. Uma não vai viver sem a outra e terão que se complementar”. Um exemplo

citado por ele seria o torcedor continuar vendo o jogo pela TV, mas podendo rever, pelo

celular, os melhores momentos, ângulos diferenciados, além de interagir sobre a partida.

Enquanto as empresas nacionais correm atrás das inovações digitais, uma pesquisa

revelou que o público brasileiro ainda está longe de ser uma maioria adepta aos lançamentos.

A Quarta Pesquisa de Credibilidade da Mídia, conduzida pela agência de comunicação CDN,

fundada há 23 anos, ouviu, no final de 2010, 800 pessoas, entre executivos com cargos de alta

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gerência e direção em empresas de grande e médio porte e jovens executivos com menos de

29 anos, em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

A pesquisa revelou que a TV é o meio mais confiável com 58% da preferência. Em

seguida vem o jornal com 49% dos votos, as revistas com 41% e a internet com 35% e o rádio

com 34%. O jornal ainda é uma referência importante para os outros meios, mas “o desafio é

manter os leitores fiéis em meio a tanta informação”, afirmou a diretora-geral de análises e

tendências da CDN, Marília Stabile. De acordo com o estudo, 70% dos entrevistados confiam

mais nas notícias publicadas em jornal do que na web. Embora a credibilidade não seja total

por parte dos entrevistados, ainda assim eles acessam os portais dos jornais e revistas na web:

em SP e Rio, esses leitores digitais chegam a 53% e em Brasília o número sobre para 69% de

leitores de jornais na internet. (DRSKA, 2010).

b) Dimensão empresarial

Negredo e Salaverría (2008) apontam como um dos sinais mais aparentes dessa

convergência empresarial a integração das redações de jornais impressos, digitais e

televisivos. Entretanto, os autores consideram um erro estratégico acreditar que a

convergência se resuma a essa integração sem previamente empreender outras mudanças

estruturais. A intenção por trás dessa medida parece ser exclusivamente econômica. “Quando

isso ocorre, a integração geralmente atende unicamente a um propósito míope de redução de

custos e aumento da produtividade, por mais que se pretenda apresentar-se de outro modo.”10

(SALAVERRIA; NEGREDO, 2008, p.16, tradução nossa).

Tal atitude pode até levar as empresas a gerar produtos mais baratos, mas dificilmente

melhores e, de acordo com a história dos meios de comunicação, só sobrevivem os de maior

qualidade. Embora seja uma das práticas mais concretas no processo de convergência, essa é,

para os estudiosos, apenas a ponta de um processo muito mais profundo, que pode levar as

empresas jornalísticas a uma nova configuração e funcionamento.

A dimensão empresarial também está relacionada com a evolução administrativa das

estruturas das organizações de comunicação. No início desta pesquisa foi detalhado o

movimento de concentração dos meios de comunicação e a diversificação que esses grupos 10 Cuando eso ocurre, la integración suele atender únicamente a un propósito cortoplacista de reducción de

costes y aumento de la produtividad, por mucho que pretenda presentarse de outro modo.

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têm empreendido nos últimos cinquenta anos como forma de alcançar a liderança, se

convertendo em conglomerados multiplataforma com interesses em todos os mercados da

comunicação. Paralelamente a essa diversificação, essas empresas tentam coordenar uma

forma de trocar conteúdos e experiências entre os diversos veículos criados.

Todavia, Piqué (2008) acredita que para o sucesso da expansão dos grupos midiáticos,

faz-se necessário transportar a credibilidade e relevância das marcas dos veículos de

comunicação já consolidados para os outros emergentes, além de aproveitar as possibilidades

oferecidas por estas novas vias para retroalimentar a credibilidade e relevância do grupo como

um todo. A marca como fator de credibilidade sustenta as estratégias de muitas empresas de

mídia tradicional que apostam não só em portais e sites de relacionamento na internet, mas

também se lançam por outras plataformas, como o telefone celular.

Quando esses meios tradicionais de comunicação apresentam novos tipos de interação

e sociabilidade, os elementos básicos dessa confiança antiga precisam ser reembalados.

Nestas novas embalagens, a confiança é sinalizada no logotipo e na marca registrada: “É isso

o que está sendo comercializado. Nós o servimos bem, então confie em nós, mesmo nos

novos ambientes de negociação”. (SILVERSTONE, 2005, p.229).

Por isso, para Bolaño (2006), a favor de qualquer empresa, seja da televisão, rádio ou

impresso, estão dois fatores considerados patrimônios dessas instituições: a qualidade da

marca e da edição. A edição é a capacidade de selecionar, valorizar, contextualizar e publicar

adequadamente os conteúdos. Já a marca vale como reputação. É um ativo valioso, com vida

longa, capaz de manter um vínculo estreito com o público e seus anunciantes, além de

influenciar outros meios – o que determinado jornal publica serve de parâmetro para os

concorrentes. A qualidade da marca está relacionada à credibilidade e relevância. (BOLAÑO,

2006).

Como parte desta estratégia de expansão na qual as marcas circulam por vários

dispositivos tecnológicos Negredo e Salaverría (2008) acreditam que as empresas estão

deixando de se identificar a um meio, para reforçar esta nova identidade multiplataforma.

Processo já explorado no primeiro tópico desta pesquisa, os autores exemplificam que nos

países anglo-saxões as indústrias jornalísticas adotaram um novo conceito de valores: as

empresas devem ser “plataform agnostic”, mostrando que a essência do jornalismo

definitivamente não está ligada ao suporte de distribuição, mas à informação. A agência de

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notícias Associated Press, por exemplo, batizou de ‘um nome, uma marca e uma história’ sua

estratégia editorial multimídia.

No Brasil, um exemplo interessante em relação a essa expansão de produtos por vários

suportes acontece no Grupo Infoglobo11, que lançou, em 2008, a campanha “Muito além do

papel de um jornal”, explicando o novo conceito multimídia da marca, partindo da ideia de

que um veículo de comunicação é um conteúdo antes de ser um suporte.12 De acordo com as

Organizações Globo, a estratégia leva em conta “ os avanços tecnológicos e seus reflexos no

comportamento do consumidor, que não utiliza mais um único meio de informação e hoje tem

acesso a notícias em tempo real, pela internet e pelo celular.(O GLOBO..., 2008)”

A própria campanha publicitária tentou refletir a marca multimídia de O Globo, uma

vez que os anúncios estrearam em várias plataformas no dia 21 de setembro de 2008: na

edição impressa, no site do jornal (oglobo.com.br) e no principal portal de notícias das

Organizações Globo (Globo.com). A divulgação também contou com um amplo material

lançado em um encarte na "Revista O Globo", que circula dentro das edições de domingo do

jornal; e um filme de 90 segundos no intervalo do Fantástico, na TV Globo.O vídeo mostra

como todas as plataformas de informação convergem sob a marca O Globo. Os anúncios na

mídia impressa sugerem que a informação pode estar em qualquer lugar, brincando com

vidros de remédios, garrafas de água mineral, ventiladores e pranchas de surfe. Em todas as

mídias, a mensagem final era:

Informação no papel, no site, no e-mail, no celular e em todos os meios de comunicação que a tecnologia vier a criar. Notícias 24 horas por dia, a todo e qualquer momento e acessíveis de qualquer lugar. Reportagens com a credibilidade de sempre, mas cada vez mais com a participação do leitor e enriquecidas com

material multimídia: vídeos, áudios e fotogalerias. (O GLOBO..., 2008).

A intenção do grupo é reforçar o nome O Globo – surgido em 1925 no Rio de Janeiro

– como sinônimo de informação confiável, independentemente do meio onde foi veiculada,

como explica a diretora do jornal, Sandra Sanches.

11 Subgrupo das Organizações Globo responsável pelos jornais O Globo, Extra e Expresso e os sites Globo e

Extra e a Agência O Globo. 12 O material apresentado a seguir foi sistematizado pela autora a partir de um acompanhamento sistemático

como assinante do jornal.

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A mídia impressa está em processo de adaptação aos novos tempos e uma marca forte, como O Globo, deve ser percebida como chanceladora de conteúdo de qualidade em todas as plataformas que consideramos importantes para a distribuição de informação. Estamos na era da complementação. É fundamental entender as necessidades desse consumidor de informação, que busca, cada vez mais, formas diferentes de se informar e de interagir, para atendê-lo. É o nosso compromisso. (O GLOBO..., 2008).

Como já descrito nesta pesquisa por Silverstone (2005), quando esses meios

tradicionais de comunicação apresentam novos tipos de interação e sociabilidade, os

elementos básicos dessa confiança antiga precisam ser reembalados. Nesses novos ambientes

de negociação ou ‘plataformas’, é preciso ficar claro para o público que a credibilidade é a

mesma, como defende o diretor-geral da Infoglobo, Paulo Novis:

O Globo já é hoje uma empresa focada em gestão de conteúdo. Nosso negócio é informação multiplataforma, multimarca e multigeográfica. Com o avanço da era digital, a necessidade de informação com credibilidade está se sofisticando e será cada vez mais intensa. Estaremos aptos a atendê-la a qualquer hora e em qualquer lugar. (O GLOBO..., 2008).

A campanha “Muito além de um papel jornal” reforça esse compromisso de fornecer

informação em qualquer meio, como ainda explicita Paulo Novis:

Estamos no mundo do "e", não mais no do "ou". É digital e analógico. É jornal, internet e celular. É áudio e vídeo. É saber lidar com uma ativa participação do consumidor, como cliente e fornecedor de conteúdo simultaneamente. É saber gerar valor para o consumidor e para o acionista. O sucesso estará na capacidade de se adaptar ao novo cenário. (O GLOBO..., 2008).

Em 2009, outros dois passos foram dados na sequência deste movimento lançado em

2008. Explicitando a conexão e dependência entre as esferas tecnológica e empresarial, o

jornal foi o primeiro no país a disponibilizar seu conteúdo impresso no Kindle, o leitor para

livros digitais (e-books) produzido pela Amazon. No dia onze de outubro de 2009, um anúncio

de uma página, no impresso, trouxe a seguinte mensagem: “O Globo tem uma ótima notícia.

Você quer receber pelo papel, pela internet, pelo celular ou pelo Kindle?” (O GLOBO...,

2009). De acordo com o anúncio, o jornal era o primeiro da América do Sul a lançar uma

versão para o leitor eletrônico da Amazon e disponibilizar as mesmas matérias do jornal

impresso, sempre atualizando as edições. Para a empresa, o acesso ao Globo via Kindle

confirma o posicionamento do jornal, de se manter em múltiplas plataformas, e a oferta de

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mobilidade, interatividade e informação aos leitores. “Desta forma, a novidade reforçou a

postura inovadora do jornal, que vem se mantendo pioneiro no lançamento de publicações em

dispositivos digitais.” (INFOGLOBO, 2010).

A iniciativa de disponibilizar conteúdo no Kindle faz parte de uma estratégia já utilizada

pelas indústrias da informação principalmente nos Estados Unidos (JORNAIS..., 2009), onde

atualmente são 46 jornais e 35 revistas oferecendo versões para o aparelho, que podem ir

desde a assinatura de toda a edição até a compra isolada de reportagens. Robert Z. Samuels,

diretor de produtos móveis, internet e plataformas alternativas do jornal The New York Times,

por exemplo, afirmou que a intenção da empresa é “ estar presente em qualquer plataforma em

que o leitor queira ler o jornal, especialmente nos equipamentos móveis” . (JORNAIS...,

2009).

É interessante perceber que, enquanto parte das Organizações Globo se empenha neste

movimento convergente, tentando integrar conteúdos entre jornal, site e novos equipamentos

como tablets e smartphones, o jornalismo da TV Globo participa discretamente. Os principais

telejornais em rede nacional, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje e Jornal Nacional, possuem sites

próprios. Depois de exibidas algumas reportagens, os apresentadores acrescentam que mais

informações estão disponíveis na internet. As páginas desses telejornais estão hospedadas na

parte dedicada a notícias (G1) do principal site do grupo: globo.com. Mas não há uma

integração entre as partes impressa (jornal O Globo) e televisiva (TV Globo) das Organizações

Globo. Fato que revela que a convergência não é um caminho unânime dentro do Grupo.

c) Dimensão profissional

As lógicas produtivas do mercado nos últimos anos têm requerido uma força de

trabalho flexível, capaz de reinventar-se constantemente para seguir a demanda do público, o

ritmo do desenvolvimento tecnológico, e, principalmente, se adaptar às novas possibilidades

econômicas que as empresas enxergam diante da convergência midiática. Diante disso, os

profissionais da comunicação de hoje se caracterizam por uma polivalência cada vez maior,

que os levam a assumir tarefas que no passado eram exclusivas de outros profissionais.

Entretanto, esta acumulação de funções não é nova, vem ocorrendo desde o meio do século

passado, quando os repórteres de rua se converteram em redatores. Havia jornalistas que se

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limitavam a levantar notícias enquanto outros eram encarregados de escrevê-las, por mais

estranho que isso possa parecer atualmente. (NEGREDO; SALAVERRÍA, 2008).

O gráfico abaixo, elaborado pelos autores, revela algumas funções que foram sendo

incorporadas pelos profissionais da imprensa ao longo dos anos. Todas essas transformações

fazem parte da nova categorização dos jornalistas, um processo marcado pelo aparecimento

de novos profissionais e a transformação de outras funções.

Quadro 1- Evolução das funções dos jornalistas

Fonte: SALAVERRÍA; NEGREDO, 2008.

Como é possível perceber, desde a década de 1960 os jornalistas vêm adquirindo

outras funções, a primeira delas, redigir o que era colhido na rua, função originariamente do

redator. Entretanto, é na década de 1990 que ocorre uma ampliação considerável no acúmulo

das funções destes profissionais, com a incorporação das tarefas de edição e arquivo das

notícias. Dez anos depois, a eles couberam também o desenvolvimento do layout da notícia,

ou seja, a preocupação estética com o produto informativo. Os pesquisadores deixam pontos

de interrogação na data em que será requerido dos jornalistas as funções de fotógrafo e editor

de fotografia, além de repórter que capte imagens e sons, isto é, que possa trabalhar como

repórter de TV e rádio. Pela tabela, tais tarefas já são enquadradas como ‘possíveis’ (em

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cinza) ainda na década de 2000. E, realmente, essas possibilidades sugeridas pelos autores se

concretizaram, como é possível perceber a partir do trabalho do repórter convergente do

Grupo Diários Associados, que fotografa, filma, edita, além de elaborar a pauta, produzir e

escrever a matéria.

O universo profissional da comunicação está vivendo a transição de uma lógica

produtiva para outra, um momento de grandes tensões, equiparável ao Renascimento ou à

Revolução Industrial. (SCOLARI, 2008, p.204). Tudo parece mesclar-se e as identidades se

perdem. Dentro do campo jornalístico, a digitalização tem provocado o desaparecimento de

algumas profissões e o surgimento de novos perfis e cargos. Independentemente de ser um

grande grupo multimídia ou de pequenas unidades produtivas, se exige do jornalista o

domínio de diferentes meios e linguagens, uma vez que ele assume funções que antes eram

desempenhadas por outros especialistas.

Todos os profissionais de comunicação, desde o jornalista ao técnico de som, não só

estão sentindo uma profunda mudança nas rotinas de produção – e, consequentemente, no

desenvolvimento do produto – como também têm enfrentado um embaralhamento dos limites

que separam os respectivos campos de trabalho. Essas mudanças afetam tanto as instituições

encarregadas de formar esses profissionais (universidades, escolas, cursos técnicos) como as

organizações para as quais eles trabalham (instituições públicas, empresas). Isso cria zonas de

conflito que se manifestam de maneira evidente em sua relação com o mercado. O jornalista

on-line, por exemplo, pode ser um profissional capaz de transportar as informações de outras

mídias para a web, mas também alguém que simultaneamente atue em vários meios, uma

característica solicitada pelos conglomerados com negócios em vários setores

comunicacionais.

Há uma forte flexibilização do trabalho e uma tendência ao apagamento das fronteiras entre as especialidades jornalísticas, com o repórter exercendo, por exemplo, a função de fotógrafo. As atividades próprias do jornalista vão-se, assim, de um modo geral, esvaziando, sendo simplificadas, enquanto outras, antes ligadas a áreas como a informática, ganham relevância e passam a fazer parte das ferramentas intelectuais que o jornalista é obrigado a dominar. O resultado é um amplo processo de desqualificação e re-qualificação, em detrimento do instrumental crítico, anteriormente vinculado à formação desses profissionais.

(BOLAÑO; BRITTOS, 2006, p.4)

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Um ponto a ser destacado na reformulação da profissão é em relação à própria

autonomia do trabalho do jornalista. A partir do momento em que é preciso produzir para

diferentes suportes, o profissional se submete às regras de cada meio – incluídas aí não

somente àquelas referentes às rotinas jornalísticas específicas da TV, rádio, internet ou

impresso. As submissões editoriais também mudam, de acordo com os interesses econômicos

e políticos de cada veículo do conglomerado de mídia. Dentro de um mesmo grupo, um site,

uma TV, um jornal e uma rádio – embora tenham em comum a obediência a normas gerais da

empresa –, podem também apresentar missões, público e, principalmente, clientes/anunciantes

diferentes. Todos esses elementos interferem no discurso jornalístico, entendido aqui como

uma construção social.

Diante de todas essas pressões, o fato é que o trabalho dos jornalistas do século XXI

mudou e com isso, o perfil desses profissionais. Algumas qualidades e características

passaram a ser apontadas como as novas qualificações exigidas. Salaverría e Negredo (2008)

sistematizaram seis características, que serão sintetizadas abaixo. É importante chamar

atenção para o tom prescritivo da definição de tais habilidades; todavia, elas servem de

parâmetro para as empresas que estão se estruturando de acordo com os conceitos de

convergência defendidos por estes autores.

a) Sentido da narrativa multimídia: Desenvolver a percepção sobre qual é o melhor

código comunicativo para cada notícia a ser divulgada, uma vez que a flexibilidade digital

permite a comunicação em qualquer formato, ou seja, dominar a parte técnica do ofício. A

internet, por exemplo, possibilita o desenvolvimento de notícias em texto, imagem e sons e os

jornalistas precisariam estar preparados para escrever bem e criar boas histórias audiovisuais.

b) Sentido de hipertextualidade: Os jornalistas precisam ir além dos formatos

clássicos, como a pirâmide invertida, e explorar outras estruturas discursivas, se

familiarizando com o modelo de narrativa não linear. Para isso, sugere-se aproveitar o

potencial multimídia e documental que o hipertexto oferece, pensando na inclusão de notícias

relacionadas e a incorporação de elementos não só textuais, mas também audiovisuais e

infográficos.

c) Disposição para interagir com o público: A crescente participação do público

demanda uma nova disposição profissional entre os jornalistas. Não se trata apenas de abrir

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espaço para comentários ou publicar fotografias e vídeos enviados pelos usuários. A nova

lógica da informação considera, pelo menos na teoria, os usuários como interlocutores que

devem ser escutados, levando em conta que em determinados casos, eles podem até converter-

se em produtores da informação.

d) Sentido da audiência: Os meios digitais permitem um conhecimento inédito sobre o

público: quais páginas são acessadas, por quanto tempo, que informações interessam mais a

alguém etc. Se os jornalistas souberem interpretar essa informação sobre a audiência, é

possível atender suas demandas e interesses da melhor forma possível.

e) Aproveitar serviços da internet como os mecanismos de busca: Aproveitar de

forma profissional o potencial documental da rede também se tornou uma habilidade

requerida, como manusear as técnicas de busca na web para encontrar informações precisas,

no menor tempo possível e em quaisquer formatos. Esse material disponível na internet pode

complementar a pesquisa realizada na rua; no entanto, na prática, percebe-se que muitas

notícias são redigidas apenas a partir deste material.

f) Conhecimento das telas e domínio dos dispositivos móveis: Familiarizar com as

possibilidades comunicativas que cada plataforma oferece. Serviços e aplicações como RSS,

podcasts, chat etc. são ferramentas que podem ser usadas com naturalidade pelos jornalistas.

Para os pesquisadores espanhóis, essas qualidades passaram a nortear o preenchimento

dos cargos em uma redação e até mesmo a definição de algumas funções. De uma forma

geral, a valorização dessas habilidades significa, para a empresa, uma otimização dos

processos produtivos. Ao dominar técnicas e rotinas de cada suporte, o profissional pode

trabalhar para vários veículos ao mesmo tempo. A incorporação do público como ‘produtor’

revela também a estratégia de muitos grupos de se mostrarem atentos aos desejos e

expectativas de seus ‘consumidores’, construindo assim, uma audiência mais fiel.

Diante da polivalência para a qual muitos profissionais estão caminhando, os autores

(2008) propõem duas classificações: 'funcional' e 'midiática'. A ‘funcional’ é caracterizada

quando um jornalista assume trabalhos instrumentais distintos de sua especialidade, como um

repórter que também tira fotos. Este tipo de profissional está presente, principalmente, nas

coberturas para grandes eventos ou lugares distantes. Os custos elevados dessas coberturas

fazem com que as empresas obriguem os jornalistas a trabalhar desta forma, produzindo para

uma maior diversidade de formatos. A diminuição do tamanho de câmeras e gravadores

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digitais e a simplificação dos meios de transmissão impulsionaram o cumprimento dessas

novas tarefas.

Mesmo assim, as empresas deveriam levar em consideração que poucos jornalistas são

hábeis em todas as funções e que muitas vezes, “ o melhor redator é um péssimo fotógrafo,

assim como o melhor locutor de rádio pode não ter idéia de como escrever.” 13(NEGREDO;

SALAVERRÍA, 2008, p.49, tradução nossa). De toda forma, tudo indica que a polivalência

funcional aumentará nos próximos anos, principalmente entre os enviados especiais

deslocados para fora das redações.

A segunda modalidade de polivalência profissional é a ‘midiática’. Ela se refere ao

jornalista especializado em algum tema que desenvolve notícias sobre um determinado

assunto para diferentes veículos dentro de um mesmo grupo de comunicação. O que não deve

ser confundido com alguém que trabalhe simultaneamente para diferentes empresas

jornalísticas, figura que corresponderia mais com a de um freelance. A caracterização aqui é a

de um jornalista especializado, por exemplo, em esportes que escreve, dentro de um mesmo

grupo jornalístico, para os jornais impresso e on line e ainda redige textos para TV e rádio.

Scolari (2008) também propõe uma divisão para a reorganização desse ofício com três

níveis de polivalência, semelhante à desenvolvida por Salaverría e Negredo (2008):

a) Tecnológica: o profissional usa instrumentos tecnológicos que lhe permite produzir e

gerir conteúdos em diferentes suportes. O jornalista, por exemplo, domina a edição

não linear de vídeo ou de base de dados, retoques fotográficos, etc.

b) Midiática: O jornalista produz conteúdo em diferentes linguagens – escrita, áudio,

vídeo, gráfico, etc. Por exemplo, um profissional depois de cobrir um evento prepara

um texto para enviar aos jornais impressos ou on line, grava uma notícia para o rádio e

edita o vídeo para transmitir para a TV. Esta polivalência exige competências

tecnológicas (o conhecimento dos instrumentos técnicos) e semióticas (conhecimento

da linguagem dos diferentes meios).

c) Temática: um mesmo profissional de uma plataforma, por exemplo, um jornalista do

impresso, gera informação para diferentes seções daquele periódico, como esportes,

política, cultura, etc. Poderíamos imaginar um jornalista que cobre uma Olimpíada,

13 El mejor redactor puede ser um pésimo fotógrafo, así como el mejor locutor de radio puede no tener idea de

escribir.

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enviando material distinto para cada editoria. Ou seja, o conteúdo é diferente, mas a

informação é apenas em texto ou fotos, por exemplo.

Comparando os modelos de Negredo e Salaverria (2008) e Scolari (2008), percebe-se

duas aproximações. O profissional ‘funcional’ do primeiro se equipara ao ‘tecnológico’ do

segundo, uma vez que o que está em jogo é o domínio para utilizar diversos equipamentos

tecnológicos. Já a primeira classificação ‘midiática’ se equipara à ‘midiática’ de Scolari, na

qual um jornalista domina não apenas a linguagem de cada veículo, mas também a técnica

exigida por cada suporte, como é o caso do objeto de estudo desta pesquisa, o repórter

multimídia do grupo Diários Associados, que será apresentado no próximo capítulo.

Scolari (2008) afirma que esses diferentes níveis de polivalência não se excluem, pelo

contrário, podem misturar-se. Ele destaca que o jornalista polivalente encontra nos meios

digitais on line seu lugar de trabalho mais natural, uma vez que neste suporte a tendência é

que sejam encontrados os demais meios e pode-se aproveitar ao máximo a competência

jornalística do profissional.

Embora todas essas reconfigurações do trabalho – e novas denominações – sejam um

reflexo do jornalismo atual, Salaverría e Negredo (2008), mesmo defendendo diversas

mudanças nas rotinas e cargos dos jornalistas, reconhecem que o essencial continua sendo que

este profissional tenha como norte a informação a serviço do público. Os autores também

defendem a manutenção, mesmo nas redações que uniram em um só espaço diferentes

veículos, de certas funções especializadas em cada meio, uma vez que cada suporte tem seus

próprios fluxos de informação e peculiaridades editoriais. O desafio é distinguir tanto aqueles

perfis que, a princípio, podem compatibilizar sem problemas uma dedicação simultânea para

todos os veículos (repórteres, fotógrafos, infografistas) e aqueles que, dadas as peculiaridades

do seu trabalho, só podem trabalhar para um suporte em particular (arquiteto da informação,

editor de última hora).

Na prática, os pesquisadores espanhóis afirmam que o jornalista multimídia, capaz de

fazer todas as tarefas nas novas redações integradas, é quase um mito. Nos meios de médio e

grande porte, o perfil de quem trabalha em uma redação, como redatores, fotógrafos e

infografistas, segue com suas funções específicas. Para os autores, atualmente, os únicos

jornalistas com um perfil mais multimídia são os enviados especiais, geralmente, os repórteres

de guerra, que escrevem, fotografam, filmam, entrevistam, etc. Outro momento em que estes

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profissionais podem ser encontrados na prática são nas coberturas em lugares distantes: “O

elevado custo dessas operações faz com que as empresas exijam de seus jornalistas um

retorno que justifique o investimento, em forma de uma maior diversidade de formatos”.

(SALAVERRÍA; NEGREDO. 2008, p.49. Tradução nossa).14

Este perfil polivalente está longe de se converter em regra. O modelo que está

sobressaindo nas redações é de um jornalista com perfil muito mais modesto. O desejo das

empresas de ter jornalistas polivalentes realmente não se materializa na prática. No grupo

Diários Associados, por exemplo, que possui veículos como TV, rádio, portal na internet,

jornal impresso, apenas na TV Alterosa um jornalista exerce essas múltiplas funções. E

mesmo este profissional, foco do estudo empírico desta pesquisa, só assume várias tarefas

enquanto viaja para as coberturas esportivas. No dia-a-dia da redação, ele foi incorporado à

escala normal da reportagem.

Embora hoje empresas e empregados das indústrias jornalísticas saibam que o modelo

de jornalismo está mudando, a convergência ainda suscita grandes controvérsias profissionais,

tanto por parte de quem está no comando quanto dos trabalhadores. Nota-se que o processo

convergente é, muitas vezes, resumido pelos jornalistas à ideia de um só profissional

trabalhando para vários meios, representando uma exploração da mão-de-obra ao aumentar

responsabilidades e tarefas instrumentais atribuídas a cada um, limitando a capacidade de

trabalhar a notícia.

Por outro lado, diretores e editores argumentam que a integração permite uma

coordenação mais eficaz das coberturas de cada veículo, estimulando a criação de conteúdos

multimídia. Todavia, nessa defesa, não é explícito que essa integração pode baratear os custos

produtivos.

Diante disso, fica evidente que qualquer empresa que queira implementar um processo

convergente, precisa, antes de tudo, superar esse conflito que envolve a cultura profissional

dos jornalistas. Cultura essa moldada não apenas no ambiente das redações, mas ainda nas

universidades. Muitos dos profissionais hoje no mercado tiveram uma formação na qual as

disciplinas relacionadas aos veículos eram ensinadas de modo isolado, sem imaginar que elas

poderiam se cruzar. Em muitas universidades, mesmo diante das reconfigurações do campo

14 El elevado coste de esas operaciones hace que lãs empresas reclamen de SUS periodistas um retorno que

justifique tal inversión, em forma de uma mayor diversidad de formatos informativos.

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jornalístico, ainda são ofertadas disciplinas sobre práticas de cada veículo como se esse

conteúdo fosse eternamente estanque. Não que as universidades devam formar exatamente um

profissional no perfil desejado pelas empresas, mas é importante ao jornalista perceber que a

construção de uma notícia pode se dar a partir da integração de vários veículos, com

conteúdos complementares, principalmente diante dos novos suportes aos quais o público tem

acesso atualmente.

2.3.1 A dimensão de conteúdo da convergência e a narrativa transmidiática

A esfera de conteúdo do processo convergente, concretizada na produção e divulgação

das informações em vários meios, será apresentada separadamente das demais porque o foco

desta pesquisa é justamente analisar o conteúdo da cobertura do homem-banda diante dos

vários veículos para o qual ele produziu.

É comum deparar-se, no cotidiano, com o mesmo fato em rádios, revistas, televisão e

na web. Os veículos de informação procuram diferenciar esse material dando tratamentos

distintos, seja sob a ótica da linha editorial ou identidade visual. Além dessa diferenciação,

existe aquela inerente a cada veículo, responsável por configurar

espaços e temporalidades específicas com maior ou menor aceleração da leitura ou de sua relativa duração; identidades singulares, com funções e contratos próprios destinados a cada segmento do público-alvo; e efeitos de sentido

diferenciados.(CAETANO, 2008, p.263).

Isto é, os meios técnicos acabam por influenciar a comunicação, pois desenvolvem

códigos próprios – entendidos como sistemas compostos por símbolos que representam algo,

um significado, e possibilitam a comunicação entre pessoas – que não apenas se somam aos

processos de trocas adicionais, mas essencialmente os modificam. (HANKE, 2009).

Por mais que esses produtos informativos sejam diferentes em algum aspecto, esses

discursos se entrelaçam na sociedade, formando textos transmidiáticos: “ A manchete ou

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matéria de um jornal se superpõe à recepção da notícia pelo rádio; esta, por sua vez, assume a

feição da imagem em movimento no telejornal da noite”. (CAETANO, 2008, p.263). Em

virtude desses cruzamentos, as mensagens passam a ser interpretadas em relação ao conjunto

de suas similares, nas diversas mídias, sob a forma de imagens, textos orais e escritos.

Percebe-se aí que os códigos próprios de cada meio não são tão determinantes, uma vez que a

mensagem apreendida pelo público será a originada dessa mistura, provando que “a mediação

primeira não vem das mídias, mas dos signos, da linguagem e do pensamento que elas

veiculam”. (SANTAELLA, 2009, p.70).

Todavia, é importante ressaltar que mesmo antes das mensagens se misturarem devido

à coexistência de diversos meios, elas já são híbridas nos próprios meios em que são

veiculadas, fruto de um longo processo de evolução tecnológica e cultural, que foi dividido

por Sogabe (2009) em três fases distintas. A monomídia, primeira etapa, se caracteriza pela

construção de mídias específicas para o visual, o verbal e o sonoro. Os exemplos vão desde as

primeiras inscrições rupestres, os primeiros instrumentos de percussão, passando pela

imprensa e chegando a fotografia. A segunda etapa é marcada pelas mídias híbridas, na qual

se percebe a coexistência do texto com a imagem, no caso das revistas e jornais; e do visual

com o sonoro, como o cinema e, mais tarde, a televisão. Além das linguagens específicas de

cada meio, soma-se uma linguagem específica que cada um desses sistemas híbridos traz em

sua estrutura de funcionamento. A terceira etapa é configurada pela tecnologia digital,

geradora de códigos imagéticos, verbais e sonoros num sistema hipermídia. O conceito de

hipermídia nesta pesquisa está em consonância ao defendido por Salgado (1992), para quem o

termo se refere à junção de hipertexto e multimídia, se referindo, portanto, a um sistema de

armazenagem da informação digital que pode estar em vídeo, som ou texto.

Nesse sistema hipermídia, o diálogo entre esses códigos encontra uma complexidade

maior, sem a necessidade da leitura linear das mídias anteriores, mas numa tendência de

incorporação de todas elas. Essa incorporação de códigos e linguagens de uma mídia por outra

foram bem examinadas por Bolter e Grusin(1998), que defendem a ideia de que todo meio de

comunicação, quando surge em uma determinada sociedade, precisa contar com o meio

anterior para afirmar-se e desenvolver suas linguagens próprias. Forma-se um jogo ambíguo

de continuidade e ruptura, forçando o meio anterior a definir-se como singular e o novo a

afirmar a novidade que traz em si. Esse processo de remediação caracteriza a história das

linguagens midiáticas e não é diferente hoje, com a emergência das mídias digitais. Ao

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contrário, tal processo parece se intensificar no cenário midiático atual. Em busca de uma

linguagem própria e dada a natureza multimidiática, as novas tecnologias de comunicação

parecem remediar quase todas as principais linguagens dos veículos de comunicação de

massa, como impresso, rádio e TV.

Essas hibridações entre linguagens e meios funcionam, segundo Santaella(2009),

como um multiplicador de mídias, que se intensificaram no início dos anos 1980. Para a

autora, as mensagens híbridas já estavam no telejornal, nos suplementos literários de

impressos e revistas etc. Mas os novos dispositivos tecnológicos como videocassetes e

walkmans possibilitaram o aparecimento de uma cultura do disponível e do transitório,

culminando no surgimento da TV a cabo. Santaella (2009) acredita que esses equipamentos e

a linguagem criada por eles sejam caracterizados, principalmente, pela possibilidade de

escolha e consumo individualizados, em oposição ao consumo massivo: “Foram eles que nos

arrancaram da inércia da recepção de mensagens impostas de fora e nos treinaram para a

busca da informação e do entretenimento que desejamos encontrar”. (SANTAELLA, 2009,

p.68).

Este período foi chamado pela autora de “cultura das mídias” em oposição ao período

inicial, de “cultura de massas”. Estes meios e o processo de recepção engendrado por eles

prepararam a sensibilidade dos usuários para a chegada dos meios digitais, marcados pela

busca dispersa, fragmentada e individualizada, características do período que viveríamos

agora, a “cibercultura”, marcado pela convergência das mídias, distinto, frisa Santaella

(2009), de convivência de mídias. “É a convergência de mídias que tem sido a responsável

pelo nível de exacerbação que a produção e circulação de informação atingiu nos nossos dias

e que é uma das marcas registradas da cultura digital”. (SANTAELLA, 2009, p.68).

Caetano (2008) também defende que esse diálogo intermidiático apresenta-se

potencializado na sociedade contemporânea, sobretudo, pela cultura da convergência, que não

está sendo concebida apenas pelo viés da ocorrência multimidiática num único suporte, mas

por sua convivência integrada no nosso cotidiano mediado por todos os veículos de

comunicação.

Nos últimos anos, as tecnologias digitais e as telecomunicações contribuíram para

proliferar esta forma polivalente de produção e difusão dos conteúdos. Com a digitalização,

desapareceram as dificuldades para gerar cópias de um mesmo conteúdo original e as

empresas jornalísticas têm aproveitado esse apoio tecnológico para multiplicar os canais de

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distribuição. Assim, uma notícia pode ser difundida de forma simultânea através de qualquer

meio baseado em tecnologias digitais como web, RSS, celulares etc.

Essas possibilidades têm propiciado aos grupos jornalísticos adotar diferentes

estratégias editoriais e comerciais envolvendo os diversos meios, com o objetivo de conseguir

que a combinação resultante desses diferentes suportes melhore a produtividade que os

veículos alcançariam se atuassem de forma isolada. A estratégia multiplataforma ou “cross-

media” evita, segundo Salaverría e Negredo (2008), uma descoordenação informativa entre os

diversos meios proporcionando, ao contrário, uma complementaridade geradora de um ‘efeito

de grupo’. Em um grande evento esportivo ou cultural, por exemplo, as unidades de um

grupo, ao trabalhar de forma integrada, não ‘furariam’ umas às outras. A produção jornalística

poderia ser dividida entre os meios, a partir das características de cada um, obrigando o

usuário interessado em outras informações a acessar as demais plataformas do grupo, sem, no

entanto, se deparar com notícias repetidas.

Além de dividir este conteúdo de forma equilibrada entre os meios, as empresas

aspiram ainda ao enriquecimento multimídia dos conteúdos. Multimidialidade é entendida

aqui como a qualidade de comunicar conteúdos a partir da combinação efetiva de códigos

textuais, sonoros e gráficos. É importante ficar claro que, enquanto o termo multiplataforma

diz respeito à coordenação de meios e suportes, a multimidialidade se refere à combinação de

conteúdos e linguagens. A coordenação editorial multiplataforma facilita a produção de

conteúdos multimídia.

Para Salaverría e Negredo (2008), a convergência é a condição necessária para o

desenvolvimento dessa multimidialidade. Na medida em que os meios impressos,

radiofônicos, televisivos e de internet agruparem seus fluxos de produção possibilitando

rápidas trocas das matérias primas informativas (textos, fotos, sons, vídeos e gráficos), a

produção de conteúdo multimídia será mais viável.

Percebe-se, portanto, que a convergência para os pesquisadores espanhóis e também

aquela idealizada pelos Associados não é a difusão dos mesmos conteúdos através de meios

diferentes, como explica o editor convergente do grupo, Benny Cohen:

Ao invés de você ter um grupo de comunicação com redações isoladas que não conversam entre si, você passa a, pelo menos na tentativa, fazer um trabalho conjunto em que as informações são compartilhadas para a produção do melhor conteúdo para o consumidor de informação. Então hoje a gente já consegue tomar

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decisões sobre qual veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos produzidos podem ser utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que

maneira isso se faz. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).15

Hoje já existe uma interpretação mais avançada da convergência de conteúdos que

corresponde não só à divulgação de notícias complementares entre os meios, respeitando as

características de cada um, mas à criação de uma linguagem jornalística derivada da

combinação de textos, sons e imagens fixas e em movimento. Esta nova linguagem explorada

principalmente pela internet seria algo como uma combinação de heranças genéticas do

jornalismo impresso e audiovisual.

Todavia, Bolãno e Brittos (2006) afirmam que muitos veículos de comunicação ainda

não se deram conta da necessidade de criar melhores formas de trabalhar a notícia e o que se

percebe é muito mais o reaproveitamento de informações, que são apenas tratadas para sua

utilização na internet. A reciclagem de textos passa a ser amplamente utilizada, o que,

segundo Steinberger (2006), insere a informação jornalística em “uma cadeia de reconversões

do valor de troca especialmente larga e veloz, em seu potencial de propagação.”

(STEINBERGER apud BOLÃNO; BRITTOS, 2006, p.7). Esse fenômeno não foi inaugurado

pela internet, como demonstra a atuação de emissoras de rádio interioranas, mas é expandido

com a digitalização, pelo acesso aos materiais alheios, pela facilidade de fazer a transposição

e pela escassez de profissionais para dar conta do preenchimento de todos os espaços com

celeridade.

Dessa forma, além de ter que acelerar o ritmo de incorporação de novos meios, as

empresas de comunicação precisam ainda escolher, entre muitas possibilidades, os melhores

para serem utilizados

na produção das informações e da linguagem jornalística, além de distribuir esse pacote de conteúdo informativo por diversas plataformas digitais, como Internet, TV Digital, Celulares e PDA’s. Entretanto, cada uma dessas plataformas requer novos

formatos. (LIMA JÚNIOR, 2009, p. 209)

15

Entrevista realizada com Benny Cohen em março de 2011. Transcrição completa no apêndice desta dissertação.

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Lima Júnior (2009) sustenta ainda que o jornalismo precisa aprender a combinar, de

diversas formas e intensidades, os sentidos humanos, com a proposta de melhorar o

entendimento da informação, aproximando mais o público da realidade dos acontecimentos.

Por isso, o autor defende que

estudar a percepção humana de forma científica é fundamental para que o jornalismo possa se apropriar das novas tecnologias da melhor forma e se valer desse conhecimento científico para continuar a prestar relevantes serviços à sociedade moderna.(LIMA JÚNIOR, 2009, p. 212).

Tecnologias digitais que proporcionam multimídia e realidade virtual, como games e

infografia multimídia, são apontadas por Lima Júnior (2009) como aquelas que poderão

favorecer a melhor compreensão de uma notícia. Muitas vezes usada como ilustração pelos

impressos na internet – para dar até mais ‘leveza’ à página – os infográficos aproveitam a

característica de cada mídia para criar outro produto com capacidade de impactar

sensorialmente o leitor. A história seria apresentada de uma forma atraente e multiconectada

entre si.

O infográfico multimídia é estruturado na combinação de texto, imagens estáticas (fotografias), vídeo, áudio, gráficos, ilustrações, mapas e interatividade. Está presente em um website, nas mídias Blue Ray, DVD, CD-ROM, celular, PDA, enfim, onde exista um processamento computacional com possibilidade de uma visualização em um display compatível. (LIMA JÚNIOR, 2009, p.216).

Os games seriam outra forma de fornecer conteúdo informativo com experiência

sensorial. A adaptação desse produto do entretenimento para o jornalismo já está sendo

chamada ‘newsgame’, jogos feitos com base em notícias ou em fatos em andamento. Mas o

autor lembra que a utilização dessa ferramenta para complementar notícia ou informação não

é nova e cita Burton (2005), que explica existir uma longa tradição das mídias impressas em

oferecer aos leitores quebra-cabeças e jogos em suas páginas.

Todavia, tanto o uso de games quanto de infográficos levanta uma discussão sobre a

validade destes mecanismos na disseminação de uma informação. Lima Júnior (2009) acredita

que os games, por exemplo, divididos entre a fronteira do jornalismo e entretenimento, trazem

dúvidas sobre a compreensão efetiva do fato e se a seriedade característica do jornalismo

poderia ser afetada. Para ajudar nessa resposta, o autor descreve um estudo realizado em 2003

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pelo Poynter Institute (POYNTER INSTITUTE, 2004)16, em Tampa (EUA), que há mais de

vinte anos investiga cientificamente o campo de rotas visuais em jornais impressos diários, ou

seja, a atenção visual humana (o olhar) sobre conteúdos jornalísticos.

A pesquisa, com 46 voluntários, monitorou o olhar das pessoas ao interagirem com

sites multimídias de notícias e com matérias jornalísticas impressas. “ A pesquisa indica que

os usuários que receberam informações na forma de texto pareceram ter uma recordação

melhor de informações factuais específicas.” (EYE TRACK apud LIMA JÚNIOR, 2009,

p.219). Ao mesmo tempo, “a informação sobre um processo ou procedimento, que não era

familiar para eles, foi mais corretamente lembrada quando os participantes receberam a

informação no formato de gráfico multimídia.” (LIMA JÚNIOR, 2009, p.219). Vê-se, dessa

forma, que o estudo lança perspectivas sobre a recepção dessas informações, mas são

necessárias investigações mais profundas sobre essa absorção de conteúdo.

As novas possibilidades de formatação de conteúdos jornalísticos deverão levar em consideração a utilização de tecnologias que proporcionem o uso de mais sentidos humanos e das várias conexões entre eles, nas suas mais diversas formas e intensidades, com o objetivo de fornecer ao usuário novos tipos de experiência na absorção de conteúdo jornalístico com uma característica mais imersiva, facilitando a compreensão da informação de relevância social pelo usuário. (LIMA JÚNIOR, 2009, p. 223).

Esse tipo de aproximação do jornalismo com o entretenimento reforça a discussão, já

levantada ao longo desta pesquisa, não apenas sobre a compreensão da notícia a partir desses

formatos, mas também em relação ao próprio papel do jornalismo na sociedade

contemporânea: de comprometimento com a divulgação de informações ou de simplesmente

cativar o público em busca de audiência. Na visão de Jenkins (2008), a indústria do

entretenimento poderia ensinar muito à indústria jornalística sobre como contar as notícias ao

público:

Cada mídia tem seu próprio jornalista e sua especialização ou os jornalistas podem se unir e se perguntar qual a melhor forma de cobrir a história? É possível fazer coisas na internet diferentes das que fazemos na TV? Essa produção pode se complementar? Acho que isso acontecerá nessa direção se a indústria do noticiário começar a entender a transmídia tão bem quanto os produtores de entretenimento. Quando uma empresa de mídia começa a pensar (nisso), pode-se atribuir para cada mídia uma parte diferente do trabalho de narração e ampliar a quantidade de

16

Os resultados do Eye Track III Findings, realizado em parceira entre o Poynter e a Estlow Center, em dezembro de 2003, foram publicados em setembro de 2004.

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informação disponível para ao consumidor em vez de apenas repetir a mesma informação diversas vezes. (JENKINS, 2010).

Embora a sugestão de Jenkins para a indústria jornalística seja a de tratar as notícias

como produtos, tais como os produzidos pela indústria do entretenimento, e os leitores apenas

como audiência para, no fim das contas, obter um retorno maior do público e com isso

maiores lucros, o embrião da ideia da narrativa transmidiática é, a nosso ver, interessante,

quando se pensa em disponibilizar informações que não vão se repetir nos meios e que possa

ajudar na compreensão de algum fato. Intenção esta vista como ideal de convergência para

Salaverría e Negredo (2008) e perseguida por tantos grupos jornalísticos pelo mundo.

Essa forma de contar histórias foi definida por Jenkins (2008) como narrativa

transmidiática, na qual os diversos suportes são utilizados de maneira sincronizada para que a

história possa ser contada em cada plataforma de uma forma inovadora, sem repetição de

conteúdo, valorizando a experiência interativa: “ uma história transmidiática desenrola-se

através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira

distinta e valiosa para a compreensão do todo.” (JENKINS, 2008, p.135).

Para o autor, embora alguns críticos acreditem estarmos vivendo um colapso da

narrativa, o público não perdeu o interesse em histórias, já que elas são fundamentais em

todas as culturas humanas. “ Ao invés disso, estamos descobrindo novas estruturas narrativas

que criam complexidade ao expandirem a extensão das possibilidades narrativas, em vez de

seguirem um único caminho, com começo, meio e fim.” (JENKINS, 2008, p.165). Dessa

forma, a narração da história conseguiria criar um universo próprio:

Podemos dizer que principalmente as histórias em quadrinhos experimentaram vários princípios que podemos classificar como ‘transmídia’. Quando você lê as histórias da Marvel, você não lê só a trama do homem-Aranha, pois a história dele se estende a outras publicações. O homem- Aranha se liga ao Homem de Ferro, etc. Eles exploram a idéia de um mundo, o universo da Marvel. As histórias estão interligadas. [...] você encontra os mesmos personagens várias vezes ou o mesmo evento de pontos de vista diferentes. Posso vê-lo pelo ponto de vista do Homem-Aranha e, na revista do Homem de Ferro, vejo pelo ponto de vista dele. Muitos princípios da transmídia surgem desse sistema de narração de histórias.

(JENKINS, 2010).

O pesquisador reconhece que essa forma de contar histórias não é nova e cita os

quadrinhos como uma das principais fontes de inspiração para as histórias transmidiáticas de

hoje:

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[...] podemos aprender muito lendo histórias em quadrinhos com atenção, entendendo os vários modos como se relacionam com o público, as formas como exploram a noção de continuidade e daquilo que chamo de multiplicidade: ver o mesmo personagem de formas diferentes, contar a mesma história em tempos diferentes e dando novos significados a ela. (JENKINS, 2010)

Maurício Mota, um dos fundadores da empresa Os Alquimistas (OS ALQUIMISTAS,

2010)17, uma das poucas que atuam com produção de narrativas transmídias no Brasil, vai

mais longe na inspiração para essa forma de narrar. Mota defende que a história de Sherazade,

a heroína das “Mil e Uma noites”, ao conseguir salvar sua vida contando ao rei, a cada noite,

uma história que só se desenrolava em um emocionante capítulo no dia seguinte, está

vinculada ao conceito contemporâneo de transmídia por ter desenvolvido uma técnica de

produzir conteúdo com continuidade. “ A ideia é manter o interesse do espectador em torno de

uma boa trama, com a diferença de que agora ela se desenrola em vários canais de

comunicação ao mesmo tempo” . (SHERAZADE..., 2010).

Para Jenkins (2008), embora os quadrinhos guardem o embrião deste tipo de narrativa,

a possibilidade de explorar o conteúdo por meio da internet foi decisiva na criação desse novo

modo de se desenvolver histórias em universos ficcionais. Para o norte-americano, os irmãos

Andy e Larry Wachowski estrearam o conceito de narrativa transmidiática com a franquia

Matrix18 (1999) que, segundo o pesquisador, seria o legítimo entretenimento para a era da

convergência, uma vez que a franquia conseguiu integrar múltiplos textos, criando assim, uma

narrativa tão ampla que não pode ser contida em uma única mídia.

O primeiro filme da trilogia funcionou como porta de entrada para um extenso e

complexo mundo ficcional, “repleto de diferentes camadas de significados e de muito mais

informações do que uma exibição cinematográfica de duas horas seria capaz de reter.”

(SANTOS, 2009, p.54). Como enumera Santos (2009), além das duas sequências

cinematográficas (The Matrix Reloaded e The Matrix Revolutions, ambos de 2003), foram

produzidos nove curtas-metragens de animação (Animatrix, lançados em DVD em 2003), 26

17

Os Alquimistas é uma empresa carioca especializada em transmedia storytelling, que “cria, descobre e gerencia histórias para pessoas, marcas e instituições em qualquer plataforma para assim construir relacionamentos perenes com públicos de interesse e gerar fãs.” 18

No filme, o hacker Thomas “Neo” Anderson (Keanu Reeves) descobre que o mundo no qual vive é, na verdade, uma simulação gerada por computador. Quando é retirado da Matrix – programa que cria a realidade virtual na qual as pessoas são “conectadas” – Neo aprende que a Terra fora parcialmente destruída por uma guerra entre civilização humana e máquinas, e que a maior parte dos humanos é utilizada como fonte de energia para o maquinário dominante.

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histórias em quadrinhos online e três jogos eletrônicos – Enter The Matrix (2005), The Matrix

Online (2005) e The Matrix: Path of Neo (2005). Os produtos midiáticos vinculados a Matrix

exemplificam o que Jenkins chama de franquia, ou seja, a “operação coordenada para

imprimir uma marca e um mercado a um conteúdo ficcional, no contexto dos conglomerados

midiáticos.” (JENKINS, 2008, p. 336).

Santos (2009) aponta que embora a narrativa transmidiática tenha surgido no âmbito

cinematográfico, as narrativas ficcionais televisivas também já estão se movimentando,

“desenvolvendo ações próprias no sentido de produzir conteúdos adicionais sobre suas

histórias, por meio de jogos, sites, histórias em quadrinhos e episódios para a web, entre

outros.” ( SANTOS, 2009, p.62).

Survivor19, reality show da TV americana lançado em 2000 é, para Jenkins(2008) TV

para a era da internet: “um programa feito para ser discutido, dissecado, debatido, previsto e

criticado.” (JENKINS, 2008, p.52). American Idol20, um show de calouros norte-americano, é

outro exemplo citado como modelo bem-sucedido onde foi aplicado o conceito de transmídia.

Além de atrair uma grande audiência para a TV, o programa lançou um livro, a vencedora

gravou um CD e os candidatos fizeram turnê pelos EUA.

Outro exemplo de exploração máxima de um produto foi o que envolveu a divulgação

do filme Alice no País das Maravilhas21, de Tim Burton, lançado nos EUA em março de

2010. Mariana Oliveira, redatora do blog de Alex Primo, enumerou dezenas de estratégias

utilizadas pelo grupo Walt Disney Co. Um ano antes da estréia do longa-metragem, o estúdio

lançou na internet fotos do set de filmagem e o trailer. Na época do lançamento, o jornal L.A

Times, estampou em sua capa um anúncio gigantesco do filme - especula-se que o grupo

tenha pago ao periódico cerca de 700 mil dólares para trazer na capa a cara do personagem.

19

Survivor é um reality show competitivo muito popular nos Estados Unidos e produzido em vários outros países. No programa, participantes são isolados em um local remoto onde competem por vários prêmios, inclusive quantias em dinheiro.

20 American Idol é um reality show que tenta descobrir novos talentos da música. O programa é responsável por

uma das maiores audiências nos Estados Unidos e já possui versões espalhadas pelo mundo. No Brasil, ganhou o nome de Ídolos e já foi exibido pelo SBT e TV Record.

21 O longa de Tim Burton é baseado no clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, publicado em

1865. O livro conta a história de uma menina chamada Alice que cai numa toca de coelho que a transporta para um lugar fantástico povoado por criaturas peculiares, revelando uma lógica do absurdo e característica dos sonhos.

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Figura 2: Anúncio publicado no L.A.Times Fonte: (CHAKALAT,2010)

O grupo Disney também anunciou o filme na TV, comprando um intervalo durante o

Super Bowl22. Para o Iphone foi criado um jogo exclusivo, assim como foi lançado um outro

oficial para a Nintendo. A Disney ainda produziu bonecos, roupas, bolsas, esmaltes e até jóias

inspiradas na produção. Na internet, o site de compras Amazon disponibilizou, de graça para

download, a trilha sonora do filme; o diretor do longa concedeu uma entrevsita exclusiva no

site My Space; foram criados pela Disney o site oficial de Alice que transmitiu, ao vivo, a

sessão de premiére mundial do longa e perfis no Twitter, com mais de 15 mil seguidores, e no

Facebook, com um milhão e 300 mil fãs, canais estes que disponibilizavam informações,

traillers, jogos, aplicativos e pôsteres.

De acordo com Oliveira, as ações de divulgação da Disney desencadearam diversas

outras manifestações não-oficiais como exposições e eventos temáticos que colaboraram para

o sucesso de bilheteria do longa nas primeiras semanas de exibição, quebrando recordes ao

atingir U$ 210,3 milhões no primeiro fim-de-semana.

É claro que uma parcela considerável deste sucesso vem da história maluca de Lewis Carroll e da fórmula Tim Burton + Johnny Depp, que já possui uma legião de fãs. Mas o investimento em recursos transmidiáticos para divulgação gerou grande curiosidade e expectativa no público, impactando o maior número de pessoas de diferentes formas e, com isso, obtendo o maior lucro possível. (OLIVEIRA, 2010).

22

Super Bowl é o nome como ficou conhecido o jogo final da liga de futebol americano, considerado o maior evento desportivo e a maior audiência televisiva dos Estados Unidos, assistido anualmente por milhões de pessoas em todo o mundo.

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No Brasil, um exemplo de transmídia na indústria cinematográfica é o filme

Besouro23, que estreou em 2009. Agora está em desenvolvimento uma série de animação

voltada para o público infanto-juvenil com planos de ser exibida na TV e na internet. Outro

seriado, mas com personagens reais, deve ser produzido ainda neste semestre, podendo ir ao

ar em 2011 na TV aberta. A produtora do filme também negocia com uma empresa de

videogame o lançamento de um jogo baseado no longa. (SHERAZADE...2010).

No Brasil, algumas empresas também estão se apropriando do conceito para chegar a

diferentes públicos. A Brastemp lançou um personagem que gosta de cozinhar para vender

uma nova linha de eletrodomésticos. Além do comercial na TV aberta, o personagem da

campanha publicitária ganhou na internet desdobramentos em blogs e vídeos, com perfis no

Facebook e Twitter. (SHERAZADE...2010).

Uma das empresas mais tradicionais do país, a Petrobrás, criou uma frente de estudos

em parceria com o Convergence Culture Consortium(C3), um departamento do MIT voltado

para pesquisas com mídias mais recentes patrocinado por empresas como Yahoo Inc, MTV e o

grupo Turner. Por enquanto a estatal está desenvolvendo projetos pilotos, mas a estratégia é

construir narrativas que se complementem em diferentes mídias e formar histórias que

forneçam uma visão geral da empresa, para reforçar a marca não apenas no Brasil, mas

também nos países onde a Petrobrás atua. (SHERAZADE...2010).

A empresa Os Alquimistas está oferecendo consultoria à Rede Globo para avaliar

como os projetos da emissora podem ser distribuídos pelas novas mídias. De acordo com o

diretor de comunicação da emissora, Luis Erlanger, a ideia da parceria é pensar nas

possibilidades “ de adoção de projetos procurando usar o universo das novas mídias a serviço

da programação da Globo. A meta é navegar por novas mídias atraindo também aquele

público que não é o tradicional da TV” . (SHERAZADE...2010).

Como se percebe, a proposta de narrativa transmidiática serve não apenas para contar

histórias, mas também como ferramenta de marketing. Como mídias diferentes atraem nichos

de mercado diferentes, “há um forte interesse em integrar entretenimento e marketing, para

criar fortes ligações emocionais e usá-las para aumentar as vendas.” (JENKINS, 2008, p.

145).

23

O longa-metragem do diretor João Daniel Tikhomiroff conta a história sobre Besouro Mangangá, considerado uma lenda da capoeira brasileira.

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E para o jornalismo, a despeito de todos esses interesses financeiros, como esses

conceitos poderiam ser utilizados levando em conta o interesse maior do leitor por

informações? Buscamos a resposta em Lemke (2002) e na teoria criada por ele da Semiótica

da Hipermodalidade, que tem como base a perspectiva funcional da linguagem que a entende

como um conjunto “de sistemas, cada um oferecendo ao falante/escritor uma gama de

escolhas para a expressão de significados”. (LEMKE apud BRESSANE, 2007, p.151). Como

já descrito no início deste tópico, a mediação primeira vem da linguagem, por mais que os

diferentes meios de comunicação exijam códigos específicos.

Braga (2004) defende que ao relacionar dentro de uma estrutura diversas unidades de

informação de natureza distintas, como som, imagem e texto, gera-se uma nova realidade

comunicativa. E no ambiente digital não há construção de significados apenas por meio de um

único sistema semiótico. A navegação ocorre por meio de várias modalidades integradas de

linguagem, como a verbal, imagética, sonora. Por isso não é possível privilegiar uma ou outra

linguagem, mas perceber os significados que cada elemento produz, levando em conta a

integração desse conjunto.

Dessa forma, cada modalidade expressiva integra um conjunto diferenciado de

significados possíveis. “Cada forma semiótica é única na medida em que agrega um conjunto

de normas interpretativas e possibilidades de significado que lhes são particulares.”

(BRAGA, 2004, p.148). Ou seja, embora o significado construído por meio de uma forma

possa ser traduzido para outra, como por exemplo, a descrição de um quadro, nenhuma

imagem veicula os mesmos recortes de sentido que podem ser comunicados por um texto

verbal ou vice-versa.

Contudo, como esses diferentes tipos de significados não são independentes entre si,

ou seja, se integram na construção do sentido, nas narrativas transmidiáticas as possibilidades

de construção de sentido se ampliam na medida em que cada modalidade se integra e se

complementa de forma a auxiliar a interpretação geral ou a de segmentos particulares do

texto. “Os diferentes arranjos entre as diferentes categorias de significados veiculados pelas

diferentes modalidades não podem ser controlados e totalmente previstos pelo autor, o que

explica a multiplicidade de leituras possíveis” para estes textos circulantes. (BRAGA, 2004,

p.149).

Esse potencial comunicativo diferenciado pode construir materiais mais didáticos

sobre uma notícia, uma vez que a mesma informação pode ser complementada, reiterada e

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mesmo sistematizada. Ou seja, esse tipo de narrativa pode gerar uma representação

diferenciada de uma mesma informação para favorecer sua compreensão. O leitor transmídia

ao percorrer as diversas plataformas estará realizando tentativas de compreensão, efetivando

gestos de interpretação ou de uso, porque, em última análise, é ele o responsável por definir a

versão final do que será compreendido.

Se por uma lado é tentador para as indústrias jornalísticas imaginarem o público atrás de

informações por todos seus canais, por outro lado, conseguir este comprometimento não é

tarefa simples. Os cruzamentos provocados por essa trama discursiva podem não render o

esperado, seja pela falta de engajamento do público ou por furos na própria estrutura da

narrativa.

A narrativa transmidiática traz novas exigências ao leitor e depende da participação

ativa deles, de um intenso esforço de preenchimento de lacunas, atos inferenciais e interstícios

deixados pelo jornalista. Ao leitor não é imposta uma ordem hierárquica a ser seguida: há

caminhos sugeridos, mas totalmente violáveis, o que torna o processo de recepção complexo e

imprevisível. Ou seja, fica evidente a impossibilidade de controle total sobre o processo de

significação ao se permitir ao leitor fazer escolhas de canais mais adequados às suas

necessidades e também aos seus estilos cognitivos.

Na indústria do entretenimento, Santos (2009) considera que Matrix foi o primeiro

produto de entretenimento que exigiu um engajamento do público nunca antes visto para a

compreensão de uma história. As peças do quebra-cabeça narrativo não foram apresentadas

todas de uma vez, ou mesmo em um único lugar, e para montar a imagem completa, os

espectadores precisaram agir como detetives em busca de pistas em diferentes plataformas

midiáticas.

Para compreender determinados aspectos do filme, os espectadores precisariam jogar o jogo e assistir aos curtas animados. A batalha entre máquinas e humanos ganhava profundidade narrativa quando os fãs liam as histórias online, e personagens secundários ganhavam importância em tramas paralelas que fluíam

pelos produtos derivados da franquia. (SANTOS, 2009, p.55).

Santos (2009) acredita que esse tipo de participação ainda é uma atividade praticada

por usuários mais jovens, “os quais cresceram jogando games eletrônicos e acessando a

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internet nas últimas décadas do século XX e, portanto, desenvolveram habilidades cognitivas

diferentes daquelas cultivadas pelas gerações anteriores.” (SANTOS, 2009, p.59).

Constatação que poderia ajudar a explicar o fracasso de Matrix na visão de alguns

críticos que acreditam que a franquia pecou ao acreditar que todos os espectadores investiriam

tempo e energia tentando montar todas as camadas de significado disponíveis nos produtos

complementares. Para Jenkins (2008), a maior parte da audiência ainda não estava preparada

para o tipo de experiência proporcionada pela narrativa transmidiática.

Outro ponto discutível é que ao mesmo tempo em que essas narrativas dispersas

podem contribuir para aumentar as chances de compreensão global da informação, há também

o risco de essa falta de linearidade fragmentar a narrativa de maneira a deixar o leitor

desorientado e disperso. Para Caetano (2008), este é exatamente um ponto frágil desse tipo de

narrativa, uma vez que a divisão de conteúdo pode dar origem a uma visão do assunto ao

mesmo tempo “fragmentada”, uma vez que um discurso diz respeito a um ponto de vista; e

“totalizante”, “na medida em que a leitura de mundo se faz como se este fosse uma unidade

de sentido, sincretizada pelo conjunto de linguagens em cada mídia em particular e pela

superposição de textos no conjunto das diferentes mídias.” (CAETANO, 2008, p.251).

Essas ligações que o leitor precisa realizar entre os meios podem quebrar a cadeia do

fluxo semântico responsável pela coerência, levando à indisposição ou abandono da leitura.

Ao tentar estabelecer vinculações entre os textos, essas leituras conectadas podem ser

paradoxais em sua circularidade “ ora a nos revelar ligações surpreendentes, ora a nos

anestesiar pela saturação dos mesmos procedimentos”. (CAETANO, 2008, p. 264). Saturação

esta que pode provocar no público a sensação de déja vu.

Por isso, Jenkins (2008) é taxativo ao afirmar que as narrativas transmidiáticas que

funcionam são aquelas nas quais cada história é desenvolvida para um meio de forma

autônoma, não tornando obrigatório, por exemplo, ver um filme para entender ou gostar de

um jogo eletrônico. Por outro lado, cada produto deve funcionar como um ponto de acesso a

todo o conjunto, ou seja, despertar o interesse do público daquele meio para conhecer o

restante da história nas outras mídias. Só assim, o leitor/espectador terá uma experiência

ampliada.

E essa doação de tempo e interesse do público só vai acontecer, na visão do

pesquisador norte-americano, se houver investimentos em histórias que se complementam,

mas não se repetem. A redundância pode acabar com o interesse do público. Para isso, é

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preciso que a obra não seja só uma história, mas sim um universo ficcional, rico e complexo o

suficiente para sustentar o desenvolvimento de toda uma franquia. Segundo Jenkins, esse

universo “deve ser detalhado o bastante para permitir o surgimento de muitas histórias

diferentes, porém suficientemente coerentes para que cada história dê a impressão de se

ajustar às outras” (JENKINS, 2008, p. 332). Dividindo informações do universo ficcional em

diversas mídias, os produtores midiáticos oferecem aos fãs possibilidades de compreensão

adicional sobre a narrativa, uma mudança de perspectiva oportunizada pela introdução de

elementos complementares à história.

É preciso oferecer novos níveis de revelação e experiência para renovar a franquia e sustentar a fidelidade do consumidor. [...] Se houver material suficiente para sustentar as diferentes clientelas – e se cada obra oferecer experiências novas – é possível contar com um mercado de intersecção que irá expandir o potencial de toda a franquia. (JENKINS, 2008, p.135,136).

Mesmo reconhecendo a diferença entre histórias ficcionais e o jornalismo, Santos

(2009) também afirma que a experiência narrativa envolvente que é proporcionada pelo

cinema e as séries de televisão atuais pode oferecer elementos que ajudem a revitalizar os

produtos jornalísticos e torná-los mais prazerosos e interessantes para os consumidores de

informação. Ao espalhar camadas de conteúdo em múltiplas mídias, o jornalista pode pensar o

leitor/telespectador/ouvinte/usuário não apenas como consumidor, mas também como um

parceiro na construção narrativa em uma experiência informativa.

As redações hoje já caminham em direção a um jornalismo mais participativo e com

maior densidade informativa, no qual o público contribui com notícias, pautas, fotos e vídeos.

E cada vez mais os produtores oficiais desse conteúdo jornalístico procuram distribuí-lo em

mais de uma mídia, relacionando matérias impressas com informações disponíveis online e

pelo celular.

O grupo Associados está procurando ampliar sua presença em todos os canais

possíveis: além de contar com TV, rádio, jornais impressos, revistas, sites e blogs – abrigados

em um grande portal – o Estado de Minas pode ser lido a partir de aplicativos para

smartphones e tablets. Além dessa visão de expandir o nome do grupo, cada veículo possui

projetos específicos que buscam melhorar os canais de contato com o público.

A experiência do repórter convergente serviu como tentativa de aprimorar essa

distribuição de conteúdos, uma vez que a mesma pessoa dominava os processos de coleta,

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redação e edição, o que, na teoria, poderia melhorar também a distribuição pelos canais pré-

determinados, evitando a repetição e buscando a complementaridade. A articulação entre as

reportagens para TV, portal e blog do repórter convergente será investigada, no quarto

capítulo, a partir deste conceito de narrativa transmidiática.

2.4 Cenário da convergência em empresas brasileiras

Neste tópico serão apresentadas algumas iniciativas consideradas ‘convergentes’ pelas

empresas que as efetivaram. Exemplos que não são meramente ilustrativos, uma vez que

podem servir como comparação para a experiência do grupo Diários Associados, foco da

análise empírica desta pesquisa.

No Brasil, Suzana Barbosa (2008) afirma que as iniciativas visíveis de convergência

são tímidas:

Pensam em multimídia como a criação de um novo produto a partir do aproveitamento de conteúdos produzidos por redações pré-existentes na mesma empresa informativa e não a integração de todo o processo no mesmo espaço. (BARBOSA, 2008, p.12)

As empresas jornalísticas do país também não foram bem avaliadas em relação ao

processo de convergência pelo grupo de pesquisadores espanhóis, já citados nesta pesquisa24.

Dentre eles, Avilés (2009) considera o cenário brasileiro decepcionante, uma vez que as

empresas jornalísticas no país têm sido conservadoras e avessas às inovações.

O caráter familiar e o poder exercido pelas famílias no funcionamento dos grupos de comunicação reforçam uma postura monolítica, enraizada na segurança de um produto, uma tecnologia e um mercado consolidado e de perfil monomídia. (AVILÉS et al apud PALÁCIOS, NOCI, 2009, p.106. Tradução nossa.)25

24

Informações detalhadas sobre a pesquisa na página 19.

25 El carácter familiar y el poder ejercido por estas en el tejido social refuerzan una postura monolítica, anclada

en la seguridad de un producto, una tecnologia y un mercado consolidados y de perfil monomedia.

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Além dos proprietários, diretores e editores, esses pesquisadores também criticaram os

jornalistas por terem um perfil tradicionalista, que ainda carregam uma imagem da profissão

construída a partir de um jornalismo que está muito distante das mudanças ocorridas nas

redações.

O capítulo do livro Ciberperiodismo: métodos de investigación. Una aproximación

multidisciplinar em perspectiva comparada, que descreve esta pesquisa, não aprofunda sobre

o que é considerado jornalismo ‘tradicional’ para esses autores. Entretanto, sendo o

coordenador desta pesquisa Ramon Salaverría, pode-se concluir, pelo livro Periodismo

Integrado. Convergência de médios y reorganización de redacciones, que os o espanhóis

consideram retrógados aqueles jornalistas que não se familiarizaram com as novas

tecnologias, não desenvolveram novos formatos de narração das notícias – ficando presos a

procedimentos rígidos como ‘pirâmide invertida’ e o ‘lide’ – e não perceberam que as

tecnologias de informação mudaram as rotinas e fluxos de uma redação, uma vez que, com a

Internet, a hora do fechamento é a todo o momento e a produção deve ser contínua e

atualizada permanentemente.

Entre os exemplos de processo convergente, um dos mais representativos, dado à

relevância dos veículos envolvidos, é o do grupo Infoglobo, que envolve os jornais O Globo,

Extra e Expresso, além dos sites Globo, Extra e a Agência O Globo. Torna-se necessário

esclarecer que o interesse nesse grupo foi motivado pela metacobertura realizada pelo jornal O

Globo. As ações da empresa rumo à convergência foram sendo registradas pelo próprio jornal,

divulgadas em reportagens e artigos que revelam as expectativas de chefes e subordinados em

relação às mudanças, o que não deixa de ser um registro interessante sobre as percepções

internas do processo.

A partir de novembro de 2009, depois da campanha sobre o conceito multimídia do

grupo, já apresentada no tópico anterior deste capítulo, o grupo integrou as redações do jornal

impresso e digital de O Globo e essa aproximação foi sendo registrada pelo próprio jornal em

matérias, colunas e fotos, o que não deixa de ser uma propaganda institucional para mostrar

que a empresa está atenta às mudanças tecnológicas e culturais.

Na última página do caderno de Cultura da edição de dois de novembro de 2009, dia

marcado pelas mudanças físicas no prédio da empresa para unir os jornalistas, Joaquim

Ferreira dos Santos fez um artigo sobre essas transformações. Santos (2009) descreveu a

integração como uma história de amor entre o dinossauro analógico – o jornalista do impresso

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– e a vampira digital – a profissional da internet. O relacionamento dos dois se dá na nova

‘cama’ dos fluxos comunicativos: a plataforma, onde segundo o jornalista, se concretiza o

desejo de um jornalismo multimidiático. Embora o texto recorra a um tom humorístico, ele

revela muito sobre as transformações que não apenas O Globo, mas outros jornais em todo o

mundo estão enfrentando: “O jornalismo das plataformas precisa criar tráfego, gerar

audiência.”. Santos analisa também o papel do jornalista neste cenário: “Não é mais o

jornalista, mas o provedor de conteúdo”.(SANTOS, 2009).

Fica claro, pelo artigo, que todas as mudanças na redação causam dúvidas não só aos

jornalistas, mas à própria empresa e, como já mostrado no início deste capítulo, também aos

pesquisadores do assunto. O articulista deixa explícito que não há consenso sobre o objetivo

maior dessa integração, o que mostra, mais uma vez, os conflitos conceituais e práticos entre

diretores e empregados:

Ninguém sabe exatamente aonde chegar. Antes que o leitor esteja procurando notícias projetadas por robôs nos anéis de Saturno, eles precisam apresentar a plataforma do novo jornalismo, ou como estiver sendo chamado logo mais o fluxo de informação. (...) Esta é a história que se pretende romântica e com final feliz do Dinossauro Analógico e da Vampira Digital, dois perdidos na noite cheia de becos falsos, ratos dúbios e muito pânico em que se busca o futuro da notícia. (SANTOS, 2009).

Dois dias depois da publicação do artigo de Santos (2009), O Globo trouxe outra

reportagem mostrando uma festa realizada pelos profissionais durante o primeiro dia de

integração da redação do jornal impresso com a da edição digital. Notícia publicada na coluna

“Por dentro do Globo”, um espaço para o jornal apresentar ‘notícias’ internas. O editor do

jornal on-line, Eduardo Diniz, disse que o fato de os jornalistas estarem no mesmo espaço

físico facilita a troca de informações: “Os editores passaram a ter acesso direto aos repórteres

de diversas editorias do jornal, tirando dúvidas e discutindo pessoalmente, olhos nos olhos, o

rumo da notícia com quem a produz.” (INTEGRAÇÃO...,2009). Entre os frutos dessa

integração, estava a contribuição de um repórter do impresso para a internet, como descreveu

o editor de esportes Antonio Nascimento: “O repórter Gian Amato, do jornal, antecipou pelo

site que o Fluminense reduziria o valor dos ingressos para a partida com o Palmeiras no

domingo.” (INTEGRAÇÃO...,2009). É interessante chamar atenção para o fato de que apenas

editores foram ouvidos na matéria e não ouve fala dos repórteres responsáveis também por

essa integração. Estariam eles de acordo com as opiniões da empresa?

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No dia seguinte, O Globo publicava, na mesma coluna, outra matéria, dessa vez sobre

a integração, em relação ao cotidiano das redações integradas.

No dia a dia, as mudanças a serem adotadas estão sendo discutidas e, aos poucos, implementadas. As equipes estão começando a compartilhar arquivos e referências, estabelecendo uma nova rotina de conversas diárias a procura de soluções para os trabalhos nas duas mídias. Agora podemos pensar juntos sobre como informar melhor o nosso leitor, tanto no impresso quanto na web. (INTEGRAÇÃO..., 2009).

Depois de quase três meses sem publicar informações sobre esse processo de

integração, no dia 13 de fevereiro de 2010, a mesma coluna revelou a primeira vez em que as

equipes da edição impressa e do site trabalharam juntas fora da redação. A matéria Na

Sapucaí, o bloco do Globo contou que a cobertura do carnaval de 2010 foi marcada pela

integração de 30 jornalistas, que produziam conteúdo para todas os veículos. O material era

recebido na redação por outras 20 pessoas, que então dividiam o conteúdo.

A reportagem informou ainda que os repórteres foram treinados para enviar fotos,

tweets e vídeos, que eram disponibilizados no site assim que entravam no sistema da redação.

No sambódromo, os jornalistas também usaram um espaço do jornal, equipado com

notebooks e rede sem fio, para escrever e mandar textos e material multimídia. Angelina

Nunes, editora-assistente que coordenou os trabalhos, classificou a atividade pioneira do

jornal: “É o primeiro carnaval da integração, em que serão utilizadas diversas mídias

simultaneamente. A vantagem para o leitor é que ele estará sendo informado de tudo em

tempo real.” (NA SAPUCAÍ..., 2010).

Outra cobertura que mereceu ‘propaganda’ do jornal foi a eleitoral. No dia 13 de julho

de 2010, a coluna mostrou a nova estrutura do jornal para o acompanhamento deste período

político: “A cobertura integrada do GLOBO em suas mídias sobre as eleições 2010 inclui os

estúdios de gravação de vídeos, onde editores e repórteres especializados produzem boletins

diários sobre os bastidores e analisam as promessas de campanha”. (NOVIDADES..., 2010).

Dois dias depois foi publicado um exemplo de profissionail que estava trabalhando

para várias plataformas. A repórter Maria Lima fez um vídeo com um candidato a deputado

durante um comício da candidata Dilma Rousseff, em Brasília: “Resolvi testar, com ele,

minha aptidão de videomaker. Arrisquei uma entrevista rápida e deixei o candidato

desabafar”. Foi a primeira entrevista observada de um repórter sobre o processo. Ainda de

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acordo com a reportagem, mas sem a fala explícita de Maria Lima, o jornal ressalta que ela

está aprovando as novas funções:

Maria Lima, da sucursal de Brasília, que participou de quase todas as coberturas eleitorais desde a redemocratização, [...] está adorando poder usar todas as mídias no ambiente integrado da cobertura das eleições deste ano. [...] O jornal montou estúdios no Rio, em Brasília e em São Paulo, onde estão sendo gravados, diariamente, vídeos com análises de seus profissionais sobre o processo eleitoral.

(REPÓRTER..., 2010).

Ainda dentro do grupo Infoglobo, o jornal Extra, fundado há 11 anos, também está

colocando em prática o que a empresa acredita ser a convergência de mídias. De acordo com

uma reportagem da revista eletrônica Jornalistas e Cia (EXTRA TREINA...,2009), o jornal

carioca trabalha com “repórteres 3G”, fazendo matérias para qualquer plataforma, editando-as

no local da cobertura e enviando-as à redação em tempo real. O nome 3G vem de Terceira

Geração, celular que permite fazer fotos, vídeos, áudios e conectar-se à internet. Nos carros de

reportagem há um laptop que os torna “redações móveis”.

O projeto teve início em janeiro de 2009, na editoria de Geral, com dois repórteres: um

ficava na Baixada Fluminense e outro na zona oeste. Depois de um treinamento para os

repórteres serem capazes de produzir matérias para qualquer plataforma, hoje todas as

editorias do Extra já produzem esse tipo de conteúdo, de acordo com a reportagem. Para

desmistificar a tecnologia, o treinamento começou ensinando o uso simplificado do

equipamento. Mais tarde, foram ensinadas técnicas de filmagem para quem tem técnica de

texto e aqueles que iam sendo treinados se tornavam multiplicadores das informações para os

colegas. “Um treinamento desses prepara o repórter para o que a gente imagina ser o futuro da

profissão”, afirmou Octavio Guedes, editor-chefe do jornal.

Na redação, dois editores editam o que for preciso e selecionam o que vai para o papel

ou online. “A notícia pode ser uma só, mas a forma de apresentá-la é variada”, diz Aloy

Jupiana, editor-executivo para assuntos online, a respeito da linguagem especifica para cada

mídia. Observa-se aqui que a proposta convergente de algumas empresas está relacionada

apenas à adaptação da informação de acordo com as especificidades de cada veículo, não

sendo buscada, portanto, uma complementaridade entre o conteúdo, para que não haja

repetição das informações.

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No Brasil, outras iniciativas, não tão divulgadas como as do grupo Infoglobo, estão

ocorrendo pelas redações. De acordo com um levantamento realizado pela autora dessa

dissertação, no Nordeste do país, a redação impressa e on line do Correio da Bahia

(atualmente Correio)26, também passou por reformas. Como é possível ver nas primeiras fotos

(JORNALISMO & …, 2008), a redação antiga, bem demarcada por ‘baias’, deu espaço a um

ambiente mais amplo, no qual os jornalistas estão mais acessíveis aos outros, sob o discurso

de facilitar a comunicação. Também é possível ver ao fundo da nova redação a mesa de

coordenação multimídia, onde ficam os chefes de cada veículo, um modelo defendido por

Negredo e Salaverría (2008) como o mais fácil para viabilizar a coordenação dos trabalhos

nas diversas plataformas.

Fig.3- Redação antiga do Correio com baias e funcionários trabalhando mais isolados Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)

26

Jornal diário que circula em Salvador desde 20 de dezembro de 1978. Faz parte do grupo Rede Bahia que ainda possui um portal de notícias e uma emissora de TV, a TV Bahia, afiliada da Rede Globo.

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Fig.4- Redação antiga do Correio Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)

Fig.5- Nova redação sem as separações físicas entre os profissionais Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)

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Fig.6 –Nova redação Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)

Fig. 7- Detalhes da mesa de coordenação multimídia Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)

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Fig. 8- Detalhe interno da mesa de coordenação multimídia Fonte: (Jornalismo & Internet, 2008)

De acordo com o levantamento realizado por esta pesquisa, o jornal teve a assessoria

da empresa Innovation, uma consultoria internacional nas áreas de impresso, TV, internet e

telefonia móvel. No site (INNOVATION, 2010) dessa empresa há a informação de que ela é

responsável pela transformação de mais de 30 redações “mono-mídia” em espaços abertos

multimídia e convergentes. Estado de Minas, Estado de São Paulo e O Globo são alguns dos

outros clientes brasileiros da empresa.

Ainda no Nordeste, o grupo A Tarde, que possui jornal impresso, site, revista, rádio

FM, agência de notícias, empresa de serviços gráficos e de telefonia móvel, está apostando

neste momento na diversificação das plataformas de divulgação de conteúdo.(A TARDE...,

2009). A empresa baiana lançou em 15 janeiro de 2009 um canal de distribuição de

informações via celular: Mobi A tarde. Do celular, as notícias podem ser acessadas no site

exclusivo para telefonia móvel (m.atarde.com.br) ou enviadas por mensagens SMS.

De acordo com a reportagem da Revista Jornalista e Cia., a coordenadora de

Jornalismo Integrado, Mariana Carneiro, afirma que a intenção é proporcionar maior

aproximação dos leitores, com mais um canal para acesso ao material produzido pela redação

do grupo. Os cerca de 180 jornalistas, divididos em mais de 15 editorias, estão integrados ao

processo de construção do conteúdo que está sendo distribuído via celular da mesma forma

como já atuam para o jornal, o portal, a rádio, a agência e a revista Muito. Embora todos

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contribuam com o novo canal, há uma equipe exclusiva para produzir outros conteúdos e

adequar aqueles que chegam da redação.

A Folha de S. Paulo possui um programa de treinamento para recém-formados há 20

anos e já formou 470 trainees, sendo 390 na área de texto e 80 de arte. Nos programas mais

recentes, o jornal está adotando lições multimídia para os jornalistas, pelo menos para aqueles

que estão entrando na redação pela primeira vez.(PROGRAMA..., 2009) O site deste projeto

da Folha traz mais informações sobre a inclusão de ferramentas e linguagens multimídia: “ As

atividades do treinamento em jornalismo foram ampliadas para incluir conteúdo multimídia:

como contar histórias em diferentes meios (áudio, texto, arte, vídeo).” Para Ana Estela de

Sousa Pinto, editora de treinamento do jornal, a mudança no perfil do curso é uma forma de se

adequar às exigências do mercado. Mercado citado aqui diz respeito às demandas do público,

mas está implícito que a empresa, para manter seus negócios, precisa de uma mão de obra

flexível e polivalente.

O próprio jornal, fundado há 90 anos, vem passando por reformas gráficas e físicas na

redação, para possibilitar a integração com o site do periódico, o Folha.com. Os bastidores

dessas transformações foram captados, durante 15 dias de gravação na redação e na gráfica do

jornal, em Tamboré, pelo documentarista Fernando Grostein Andrade. O resultado resultou no

documentário "O Jornal do Futuro", que pode ser conferido na seção de vídeos do site

(DOCUMENTÁRIO…,2010), com mais de 18 minutos de duração incluindo depoimentos de

diretores, editores, colunistas e repórteres.

O filme tenta passar a imagem de que a Folha está mudando para acompanhar as

transformações ocorridas em termos tecnológicos e no perfil do público, como resume o

slogan que inicia o documentário: “Enquanto se discutia o futuro do jornal, a Folha fez o

jornal do futuro.” Otávio Frias Filho, diretor de redação, apresenta um discurso em

consonância com essa proposta: “Eu procurei ao máximo estimular idéias originais, estimular

pessoas empenhadas em fazer mudanças que pudessem arejar o jornal, modernizar. [...] Acho

que tivemos sucesso, mas quem vai decidir isso é o leitor.”

De acordo com Sérgio Dávila, editor-executivo, durante mais de um ano, o saguão

onde ficavam as rotativas passou por reformas para abrigar a nova redação integrada: “Não há

mais a redação do on-line e a redação do papel. É uma redação só, da Folha de S. Paulo, com

essas duas plataformas.” O vídeo intercala imagens das obras da nova redação com cenas de

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reuniões e discussões entre diretores, editores- chefes e colunistas sobre as mudanças gráficas

e editoriais.

Durante o documentário, o leitor aparece no discurso de muitos profissionais como o

responsável por estas mudanças. “A gente sabe que hoje o leitor tem menos tempo pra tudo e

a gente concorre com outras mídias, como a internet, TV, então ele tem menos tempo pra

nós”, justifica Sylvia Colombo, editora do caderno Ilustrada. Famoso pela coluna de humor

que assina, José Simão ironizou a regra de notícias mais enxutas: “O moderno seria fazer

jornal de 140 caracteres, como no Twitter.” Juka Kfouri criticou a aposta do jornal em

notícias mais curtas: “Cada vez menos você vê grandes matérias, grandes narrativas”. Críticas

que foram rebatidas por Rogério Gentile, secretário de redação: “O jornalista quer sempre

escrever muito, todo mundo acha que seu texto merecer aquele espaço.”

Segundo Dávila, a redução no tamanho dos textos não vai interferir na qualidade dos

mesmos e, para garantir profundidade nas matérias, entram em cena os textos analíticos,

responsabilidades dos colunistas que, depois de algumas contratações, somam entre 90 e 100

pessoas. No final do documentário surge outra discussão sobre o futuro do jornal, não apenas

o da Folha, mas de qualquer um no mundo. Vinícius Mota, secretário de redação afirmou que

“o jornalismo, independentemente do meio, não está ameaçado, acho que está revigorado

nesses novos tempos.” Opinião compartilhada pela editora do caderno Ilustrada, Sylvia

Colombo: “O que está em risco é um modelo, um suporte.” A integração das redações da

edição on line e impressa seria um sinal desse futuro para o jornal no papel, que segundo o

editor do caderno Ilustríssima, Paulo Werneck, será “misturado mesmo, com internet, com

literatura, com quadrinhos, com a crítica de alta qualidade e reflexão, que hoje em dia tá um

pouco encastelada na universidade.”

Para a colunista Maria Cristina Frias, as mudanças chegaram com atraso: “Não

demoramos demais pra mudar? Não importa se é no papel, nosso negócio não é papel, a gente

não vende papel, a gente vende informação”. Discurso semelhante ao defendido por grandes

jornais como The New York Times, The Guardian e O Globo, já apresentados neste projeto,

que anunciaram ser, antes de um jornal, empresas de conteúdo. A colunista Mônica Bergamo

encerra o documentário deixando bem clara essa posição, inclusive, sobre o papel do

jornalista nestas mudanças: “Eu acho que não importa se a preocupação de um repórter é

saber se o jornal vai acabar, acho que a preocupação é estar preparado para colocar suas

informações em qualquer plataforma. A boa informação é fundamental.”

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Com base nesses relatos expostos, podemos inferir que dois conceitos perpassam o

ideal convergente das empresas: que a informação circule sem barreiras entre os diversos

suportes de um grupo jornalístico e que os profissionais sejam capazes de adaptá-la a qualquer

veículo. Isso revela uma mudança no próprio significado do fazer jornalístico:

Opera-se aí uma alteração significativa: jornalismo passa a se chamar ‘conteúdo’, palavra que define agora o que os repórteres devem produzir para se adaptar a todos os veículos da empresa. Altera-se assim o próprio sentido de qualidade no

jornalismo. (MORETZSOHN, 2002, p.138).

Ter conteúdos moduláveis, adaptáveis a qualquer situação, baseados na idéia de que as

empresas convergentes multiplicam caminhos e possibilidades de informação, se mostra, na

prática, como uma tentativa de controlar as opções ao se apresentar em todos os canais. Os

meios de comunicação ainda funcionam segundo um esquema com poucas fontes emissoras

que distribuem mensagens para muitos. A necessidade de continuar sendo essa fonte

principal, por meio da convergência, revela uma preocupação com as associações horizontais,

tentando impedir que outros falem e se agrupem aleatoriamente, simplesmente porque esse

caos retira deles o lugar de poder confortável. Ao se tornar ‘convergente’, as empresas

esperam ser uma espécie de nó obrigatório de passagem daquilo que pode ser comum a todos.

A tentativa dos conglomerados de dominar diferentes veículos revela que ainda existem

poucos nós de produção e distribuição, levando a canais fixos e fechados de distribuição da

informação. No fim, por mais que existam diversos suportes, a tendência é a centralização da

informação nas mãos de poucos.

Todavia, nesse processo, algumas questões se colocam: o excesso de informação pode

ser um empecilho à capacidade humana de percorrer todos os canais e procurar a informação.

Outra questão relevante é o tempo disponível para acessar e processar a informação desejada.

Por mais que as empresas se esforcem para estar onipresentes, de certa forma, a convergência

depende, na prática, do público. É ele quem decide se, após ver uma notícia na TV, vai buscar

mais informações na internet ou no impresso do dia seguinte. É ele quem decide se vai pagar

por uma versão do jornal para smartphones ou tablets. É ele quem decide se quer estar

informado 24 horas ou se uma simples conversa com os amigos podem abastecê-lo das

informações que ele julga necessárias para a vida.

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3 “DE GRUPO DE COMUNICAÇÃO A FÁBRICA DE CONTEÚDO”: A BUSCA DE

CONVERGÊNCIA NOS DIÁRIOS ASSOCIADOS

3.1 O caminho da convergência nos Associados

O grupo Diários e Emissoras Associados fundado em 1924 pelo advogado

pernambucano Assis Chateaubriand Bandeira de Melo é, para Medina (1988), a mais

importante cadeia de empresas jornalísticas propiciada pelo surgimento do rádio, no fim da

década de 1920. Se a operação industrial do Estado Novo e as injeções econômicas estatais

favoreciam a concentração no nível administrativo das empresas jornalísticas em geral, com o

rádio essa concentração passa a significar também “intercâmbio de conteúdos, sob forma de

scripts de programas produzidos no Rio e em São Paulo e reproduzidos em todo o Brasil.”

(MEDINA, 1988, p.47). A TV, na década de 1950, acelera ainda mais essa concentração tanto

do ponto de vista administrativo quanto de conteúdo.

Visionário, Chatô foi o primeiro a trazer aparelhos de televisão para o Brasil, em 1950,

para a estréia da primeira transmissão da TV Tupi de São Paulo, também criada por ele.

Enfraquecido pela idade e por uma doença que o deixou paraplégico, o empresário faleceu em

1968 em São Paulo, deixando um dos maiores conglomerados de empresas midiáticas do

Brasil.

Nestes quase 90 anos de história, o Diários Associados passou por muitas mudanças,

com vendas de algumas empresas e aquisições de outras. Hoje o grupo (DIÁRIOS..., 2009)

possui 14 jornais impressos em diversos estados, oito emissoras de televisão, 12 emissoras de

rádio, 14 sites, duas revistas, uma fundação, teatro e produtora de vídeo. Entre os veículos de

maior destaque estão os jornais Correio Braziliense, da capital federal, Jornal do Comércio,

no Rio de Janeiro e Estado de Minas, em MG. Estiveram sob controle do grupo as TV's Tupi

do Rio e São Paulo, a TV Cultura de São Paulo, no ar até hoje sob controle da Fundação

Padre Anchieta, e a revista semanal O Cruzeiro, de grande sucesso na época.

Em Minas Gerais, os Associados (DIÁRIOS..., 2009) se intitulam como o maior grupo

de comunicação multimídia do estado, com dez veículos de comunicação e duas unidades de

negócio. São dois jornais impressos (Estado de Minas e Jornal Aqui), uma emissora de TV

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(TV Alterosa), uma rádio (Guarani FM), quatro portais na internet27 (UAI –notícias gerais,

Vrum- notícias de automóveis, Lugar Certo- notícias do setor imobiliário e Admite-se-

notícias de emprego e mercado de trabalho), duas revistas (Ragga e Hit), um teatro (Teatro

Alterosa) e uma produtora (Alterosa Cine Vídeo).

A intenção de buscar um projeto convergente começou a ganhar força dentro do grupo

em 2006, como forma de melhorar o fluxo de informações entre esses vários veículos da

empresa. Entretanto, em um primeiro momento, a aproximação estabelecida foi entre a

Alterosa e o UAI. O Estado de Minas se manteve mais afastado, mas, hoje, a perspectiva é

conseguir integrar todos os veículos. Esses projetos e experiências serão detalhados ao longo

deste capítulo. Todavia, faz-se necessário esclarecer que a análise desenvolvida por esta

pesquisa vai se deter à experiência do homem-banda, que pode ser localizada dentro do

primeiro estágio. Como a produção deste repórter estava voltada para a emissora e o portal,

serão detalhadas, portanto, para contextualização deste experimento, algumas informações

históricas apenas destes dois veículos.

A TV Alterosa (ALTEROSA, 2009) foi ao ar pela primeira vez em 13 de março de

1962, quando apenas dez emissoras de televisão operavam no Brasil. A emissora foi instalada

pelo corpo técnico da TV Itacolomi, sob concessão outorgada no governo do primeiro-

ministro Tancredo Neves. Em 1980, a Alterosa inaugurou uma sede no bairro Floresta, na

capital, e transformou-se em afiliada do SBT – Sistema Brasileiro de Televisão – assumindo a

transmissão da programação nacional da emissora de Silvio Santos para as localidades da sua

área de cobertura. Até então, a Alterosa transmitia uma programação local, durante algumas

horas por dia. Hoje, a emissora é uma das mais antigas em operação contínua no país e seu

sinal é recebido em 843 municípios do estado, via satélite ou através de geradoras nos

municípios mineiros de Belo Horizonte, Varginha, Juiz de Fora e Divinópolis. A programação

apresenta uma média de quatro horas diárias de produtos próprios e atrações nas áreas de

jornalismo, humor, variedades, mercado automotivo, turismo e comportamento. Os de maior

destaque são os telejornais diários e o especializado em esporte. O Alterosa Esporte(AE) é

exibido de segunda à sexta às 12h15. Em seguida, vai ao ar o Jornal da Alterosa 1º edição

(JA1), às 12h50, e o Jornal da Alterosa 2º (JA2) edição é transmitido às 19h10.

27

Na prática, Vrum, Lugar Certo e Admite-se são sites mais voltados a anúncios, que oferecem algumas informações jornalísticas. Estes três possuem endereço único, mas também podem ser acessados a partir do portal maior, o UAI, que ainda concentra as páginas de todos os outros veículos do grupo.

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O programa esportivo mistura telejornalismo e entretenimento. As reportagens são,

principalmente, sobre os times de futebol de Minas, com mais enfoque nos da capital. Mas,

grande parte da audiência se deve à bancada democrática: um espaço no estúdio no qual ficam

posicionados representantes dos três clubes mineiros (América, Atlético e Cruzeiro)

comentando as reportagens e a situação dos clubes. Embora alguns integrantes dessa bancada

estejam há anos no programa, eles não são fixos – já participaram músicos, ex-jogadores etc.

A linguagem coloquial e o conteúdo popular do AE também dão o tom dos telejornais JA1 e

JA2. Entre os assuntos recorrentes tratados por eles estão matérias de prestação de serviço,

dramas particulares, além de uma intensa cobertura policial.

No universo digital, o primeiro passo dos Associados foi em 1995 quando o EM

disponibilizou a versão digital do caderno Informática na web, e aos poucos, outros conteúdos

do jornal. No ano seguinte, o grupo lançou o provedor de acesso a internet NetService,

vendido pelo jornal Estado de Minas. Mas o principal investimento do grupo foi a criação do

portal de conteúdo Uai em 1999, oferecendo versões on-line dos jornais impressos Estado de

Minas e Diário da Tarde. Hoje, segundo informações do site da empresa (UAI, 2011), o

portal possui 60 mil assinantes e chegou, em março de 2010, ao pico de 64 milhões de

acessos. O UAI é dividido em 12 categorias, que contemplam jornalismo, bem-estar e saúde,

cultura e entretenimento, educação e emprego, esportes e games e serviços (previsão do

tempo, horóscopo, trânsito, etc).

Em 2008, o grupo lançou o site colaborativo Dzaí, hospedado no UAI. De acordo com

a empresa, a página é um espaço para a troca de informações entre os frequentadores e foi

desenvolvido para ser um espaço aberto e democrático ao permitir que os usuários criem

perfis ou blogs, nos quais podem ser postados vídeos, notícias, fotos e áudios. Ao participar

do site, o usuário aceita um termo de compromisso que garante à empresa o direito de

divulgar no portal quaisquer informações postadas pelos usuários que a empresa achar

relevante. Os dados ainda podem ser utilizados por outros meios do grupo como a Alterosa, o

EM e a rádio Guarani. Todavia, ainda que o usuário possa publicar o que quiser, há políticas

do portal que proíbem a divulgação de material ofensivo ou criminoso, ainda que seja de

inteira responsabilidade do internauta responder pelo que foi divulgado.

De acordo com o site da empresa, o portal é o veículo que hoje oferece “ completo

conteúdo convergente dos demais veículos dos Diários Associados” . Todavia, a própria ideia

de convergência é um projeto que o grupo admite estar em amadurecimento: “ Todos

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trabalhando em conjunto e nos passos pioneiros da convergência de mídias. Todos

trabalhando por uma vida com mais conteúdo.”

A definição de convergência de mídias dentro do grupo não é um conceito único,

assim como acontece entre os teóricos que pesquisam o tema e empresários que tentam

implantá-lo. Durante as entrevistas em profundidade28 realizadas em março de 2011 com o

diretor executivo do grupo em Minas Gerais, Geraldo Teixeira da Costa Neto; com o editor de

mídias convergentes, Benny Cohen; e o repórter multimídia pleno, Marcelo Túlio Mendonça

Silva ficaram claras discrepâncias quanto aos fatores que levam à convergência assim como o

que este conceito representa na prática.

Para o diretor executivo, convergência está ligada a duas esferas: tecnologia e

economia. Geraldo da Costa Neto acredita que o lançamento de equipamentos como

smartphones, ipads e tablets facilitaram o processo, uma vez que

essas formas de produzir conteúdo para esses novos aparelhos são convergentes por natureza [...] porque não tem limite do tamanho da página, não tem limite de tempo... elas têm a característica multimídia, porque tem vídeo, tem texto. Então

elas já nasceram convergentes. (DIRETOR EXECUTIVO).

O outro aspecto está relacionado à questão econômica uma vez que, na visão do

empresário, o financiamento da indústria jornalística está em xeque com a pulverização das

receitas, principalmente a de publicidade, entre diferentes veículos. A convergência é uma

tentativa do grupo de se adaptar a um negócio que já não rende os mesmos lucros dos últimos

noventa anos, como diz Costa Neto: “quando um negócio perde margem, você readequa os

seus processos de fabricação para adequar à nova realidade do mercado. Eu acho que é um

dos motivos para que a convergência de mídias tenha esse papel nos dias de hoje.”

O diretor argumenta que a indústria jornalística passa por uma revolução que já

provocou resultados desastrosos nos Estados Unidos e em alguns países europeus. O

abandono da definição de jornal impresso por periódicos como o New York Times ou o The

Guardian, como já mostrado no primeiro capítulo, simboliza, para Costa Neto, uma questão

de sobrevivência, assim como a estratégia de cobrar pelo conteúdo digital: “(...) não tem

28

As entrevistas com os profissionais dos Associados foram realizadas nos dias 4, 6 e18 de março de 2011, na sede da TV Alterosa e do jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte. A transcrição das mesmas consta no apêndice B desta dissertação.

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alternativa, as contas não fecham. Circulação caindo, receita caindo, as demissões não

acabaram, a conta lá não fecha. Então eles fazem por questão de sobrevivência.” Mas as

empresas brasileiras, segundo ele, têm um cenário mais favorável visto que a “velocidade das

mudanças ‘ponto com’ não foi tão forte quanto nesses outros mercados; a classe C está em

ascensão e o Brasil tem uma concentração de meios em um mesmo grupo de comunicação,

coisa que não acontece lá.”

O discurso do diretor executivo deixa clara a intenção econômica por trás do processo

convergente, uma vez que jornalismo é um ‘negócio’ que precisa se adaptar a um ‘mercado’

que já não rende o esperado. Entretanto, o editor de mídias convergentes oferece uma visão

mais ampla, defendendo que, mesmo o processo sendo encarado pelo grupo como estratégia

de sobrevivência econômica, é possível oferecer um serviço mais completo a quem procura

informações. Sobre o significado de convergência de mídias, Benny Cohen afirma adotar os

conceitos defendidos por Ramon Salaverría no que diz respeito às esferas envolvidas no

processo (empresarial, tecnológica, conteúdo, profissional). Se para o diretor executivo a

convergência se concentra nas esferas empresarial e tecnológica, para seu subordinado, o

primeiro aspecto não passa de uma racionalização administrativa. Segundo Cohen, esse

movimento significa para o jornalismo uma otimização da coleta, distribuição e organização

das informações. Embora acredite ser a internet a plataforma por excelência onde se possa

reunir texto, áudio, vídeo e foto, a convergência pressupõe que

ao invés de você ter um grupo de comunicação com redações isoladas que não conversam entre si, você passa a, pelo menos na tentativa, fazer um trabalho conjunto em que as informações são compartilhadas para a produção do melhor conteúdo para o consumidor de informação. Então hoje a gente já consegue tomar decisões sobre qual veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos produzidos podem ser utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que maneira isso se faz.(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Quem está na ponta do processo encara a convergência como a ampliação das tarefas no

cotidiano, como define o repórter Marcelo Túlio Mendonça Silva:

É trabalhar um conteúdo para três diferentes tipos de veículos, seja o impresso, seja a internet, seja a TV. E, nesse caso, a gente ainda está no processo, porque você esbarra em várias rotinas, você tem que pensar na internet, você tem que trabalhar texto, você tem que trabalhar TV, e nisso, digamos, em sete horas de trabalho, já que as horas extras têm que ser evitadas. Mas aí, realmente, é um processo complicado. Então, a turma tem que estar muito entrosada, você tem que conhecer bem o

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objetivo para fazer o assunto render nesse tempo razoável. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

O fato de o grupo Associados ser um conglomerado que reúne diferentes veículos é

encarado pelos três entrevistados como um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade.

Enquanto a maior parte das experiências tenta integrar web e impresso, ter uma emissora de

TV e de rádio possibilita a construção de um novo modelo. Todavia, a integração dessas

diversas plataformas acontece na base das experimentações, mesmo porque, como ressalta o

diretor executivo, cada uma delas tem um público específico. Enquanto o Estado de Minas e a

rádio Guarani são voltados a uma audiência classe A, a TV Alterosa, afiliada do SBT, é um

canal popular, com programas de entretenimento e telejornalismo direcionados às classes B e

C. Já o Portal Uai mistura elementos para atrair todas as classes.

Por essas razões, os entrevistados não acreditam em uma fórmula específica para ser

aplicada ao grupo. Motivo pelo qual não foi contratada, até agora, uma consultoria específica

sobre o assunto, embora Cohen e Costa Neto afirmem ler bastante sobre o assunto, além de

acompanhar as experiências de outras empresas. Inclusive, em 2008, dois editores do Estado

de Minas viajaram até a Inglaterra para conhecer de perto o processo de convergência nos

jornais The Guardian e The Independent e verificar o que poderia ser aproveitado pelos

Associados. Cohen explica a evolução gradual do processo:

Uma coisa é ficar falando bonito sobre a convergência e outra é botar a máquina pra andar. E todo dia você descobre um ponto que está agarrando porque é um processo todo novo. Talvez, se a gente tivesse investido milhares de dólares em uma consultoria, a gente tivesse mais a frente. Mas eu acho que isso de alguma maneira inviabilizaria o projeto, então, eu prefiro acreditar que andando a passos lentos a gente vai fazer a coisa caminhar e chegar lá. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

A incerteza sobre o que levaria ao sucesso da convergência midiática e uma fórmula

para alcançá-lo gera modelos mutáveis, continua Cohen:

Até pouco tempo você não tinha um manual e, mesmo tendo, não é o caso de se seguir porque para mim a experiência da convergência é uma coisa nova do ponto de vista histórico, de se fazer jornalismo Cada lugar tem mais ou menos o seu modelo, de acordo com suas características, e eu acho que a gente tem tido uma experiência mineira, [...] estamos desenvolvendo uma metodologia própria. É claro que observando o que os outros estão fazendo e tentando absorver o que tem de melhor, mas também respeitando as nossas características, as nossas condições, os nossos

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limites. As coisas são muito caras, são complicadas, não é uma coisa tão simples. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Opinião compartilhada pelo diretor executivo, que acrescenta que a convergência, na

prática, depende dos profissionais envolvidos:

Eu acho que tudo feito até agora foram passos empíricos embasados em experiência dos outros, na tentativa e no erro, e a gente também arriscou algumas coisas solo. Não adianta você ter um editor do Uai, um editor do Estado de Minas, um editor da TV Alterosa e falar: Agora um, dois, três, convergência. Não adianta, é do ser humano. O cara não está programado para isso, ele enxerga como concorrente,

existe briga de espaço entre as lideranças das redações. (DIRETOR EXECUTIVO).

A cultura profissional foi um fator muito lembrado pelos três entrevistados, que

reconheceram a resistência por parte de muitos profissionais ao processo convergente. Para

Costa Neto, o medo diante das mudanças é semelhante ao ocorrido quando as redações foram

informatizadas: “Tinha gente que era contra, não vai pegar, não vai dar certo. Então toda

mudança, em qualquer atividade humana, gera desconfiança, gera o medo. Isso é inerente a

nós seres humanos.” O fato de o conceito de convergência não ser unificado dentro do grupo é

a primeira barreira apontada por Cohen, que acredita em uma visão distorcida do processo já

na concepção do empresário por causa da pressão de outras áreas, como o setor financeiro:

Na cabeça do empresário, às vezes, a primeira reação é achar que convergência é sinergia e sendo sinergia ele vai poder diminuir um monte de gente. E na verdade convergência nem sempre é isso, até pelo contrário, às vezes, é até contratar mais gente. Até que não é o caso aqui, quem está responsável por isso tem uma visão legal e é o grande incentivador do processo, o Zeca [Geraldo Teixeira da Costa Neto]. Se não fosse ele isso certamente não estaria acontecendo. (DIRETOR EXECUTIVO).

Para Costa Neto, outro motivo para a geração de resistências é o fato de, até pouco

tempo, as redações da TV Alterosa e do jornal Estado de Minas serem geridas de forma

totalmente separadas. Inclusive, alguns profissionais que trabalhavam na TV “faziam bico nos

jornais concorrentes do Estado de Minas [...]. Tinham profissionais do Estado de Minas que

faziam freela em concorrentes da TV Alterosa. Quebrar uma cultura dessa de cinqüenta anos

não é fácil.” Cohen exemplifica o que acontecia na prática: “a foto do fotógrafo do jornal, a

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noticia que o cara estava produzindo lá não chegava aqui, era como se fosse praticamente uma

outra empresa, com raras e isoladas exceções. Era uma redação que funcionava para lá e nós

aqui.”

O fato de muitos funcionários se enxergarem em empresas diferentes é decisivo na

questão do ‘furo’. Costa Neto observa que um jornalista acreditar que determinada notícia

será preservada depende de uma confiança que só agora começa a ser incentivada dentro do

grupo: “você vai furar amanhã pelo jornal, mas você pode produzir na televisão hoje para sair

amanhã. Não precisa produzir depois que você lê no jornal.” Cohen acredita que o desejo de

preservar o furo dependa ainda da pauta e do comportamento de alguns editores:

O cara pensa: essa é uma matéria exclusiva, o jornal que vai fazer. A pessoa ainda não chegou a esse grau de sofisticação de pensamento de falar: não tem problema nenhum, o furo é do jornal, mas eu não posso deixar de falar com a televisão... essa informação é espetacular, eu vou produzir e a televisão vai esperar. Eles ainda não

conseguem fazer 100% esse raciocínio. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Essa disputa entre editores do impresso e da TV também é analisada pelo repórter:

“Enquanto os editores não começarem a interagir entre eles, isso vai continuar do jeito que

está.” Mas Silva acredita que a situação também esbarre na rotina sobrecarregada desses

profissionais, que possuem sete horas diárias para realizar suas funções. E o diálogo para o

compartilhamento de informações exige tempo:

Eu tenho que fechar meu material, eu tenho minhas sete horas de trabalho, eu vou chegar e fazer assim e assado. [...] É difícil você parar, pensar: ‘Eu vou fazer uma coisa diferente aqui, fulano’. Porque se você toma essa decisão, você tem que saber

que o fulano tem que parar pra pensar isso contigo também. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Além da pressão do tempo, as escalas de trabalho dos jornalistas do grupo também

impedem uma interação maior entre os profissionais. No programa esportivo da Alterosa, o

Bola na Área, por exemplo, um apresentador divide o espaço com, pelo menos, outros quatro

jornalistas do grupo. A proposta de integrá-los é para que o telespectador tenha uma análise

mais rica do futebol, com visões distintas:

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A gente tenta fazer isso no Bola na Área, juntar os profissionais da internet, os da TV, os da rádio pra fazer um programa na hora do almoço. Só que aí a gente está sujeito a escala de trabalho. Eu não posso contar com fulano, sicrano, porque ele está de folga ou não está trabalhando, então eu tento formar os debatedores do jeito

que eu consigo. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

O repórter cita um exemplo de como deveria ser o compartilhamento das informações:

Para você incrementar o site da TV você teria que fazer uma noticia que não vai, teoricamente, estar no UAI. Você chamaria o internauta para o site da TV, para gerar audiência no site. Mas aí como é que você consegue um fato diferente daquelas seis notas que o UAI tem que dar? Você teria que tentar conversar: fulano, deixa uma para mim. Mas aí vamos voltar na rotina, tenho que fazer minhas seis notas, isso

aqui é só meu e pronto.(REPÓRTER MULTIMÍDIA).

A seleção e a hierarquização informativa de acontecimentos dependem de influências

pessoais, sócio-organizacionais, ideológicas, culturais, históricas e tecnológicas, conforme

propõe Souza (2002) para explicar porque as notícias são como são. A citação constante pelo

repórter de como o fluxo de informações é comprometido pelas rotinas produtivas nos leva

aqui a fazer uma breve reflexão sobre o assunto.

Entre as forças determinantes na concepção de uma notícia está a ação social, que

significa que as notícias são fruto do meio organizacional em que foram construídas e

fabricadas. As indústrias jornalísticas, de uma forma geral, são dependentes de rotinas,

entendidas como processos convencionalizados e mecanicistas de produção que no jornalismo

servem como “respostas práticas às necessidades das organizações noticiosas e dos

jornalistas.” (SOUZA, 2002. p.49). Isto é, são padrões comportamentais que asseguram aos

jornalistas, sob a pressão do tempo, um fluxo constante e seguro de notícias. Sendo os

jornalistas membros de uma cultura cronometrada que interfere tanto na classificação das

notícias quanto na demonstração de competência profissional, tais rotinas, como hora do

fechamento e quantidade de notícias produzidas, se mostram decisivas dentro do grupo

Associados. Silva assume, não só com o exemplo citado acima do número obrigatório de

notas produzidas por um jornalista dentro de determinado horário, mas também a partir de

outros casos citados ao longo deste capítulo, que os processos mecanizados de produção

jornalística comprometem o compartilhamento das informações entre os profissionais, algo

tão buscado pelo grupo.

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Fato este que nos leva a concordar com Souza (2002) quando o pesquisador afirma

que essas rotinas, mesmo diferentes entre as empresas e até mutáveis dentro de uma mesma

organização, contribuem para simplificar o mundo dos acontecimentos e levar o jornalismo a

uma atividade burocrática, tornando as histórias semelhantes nos diversos órgãos de

comunicação. Ora, se com a adoção desses procedimentos as empresas estão preocupadas em

otimizar sua gestão de recursos humanos e materiais, de forma a potencializar os lucros e

diminuir os custos de exploração, racionalizando os processos de trabalho, a tentativa de

oferecer um conteúdo diferenciado, não apenas com informações redundantes, mas

complementares, passa obrigatoriamente por uma revisão desses processos rotineiros.

As estratégias para mudar essa mentalidade começaram, segundo Costa Neto, no final

de 2006, com a criação do cargo de editor de mídias convergentes do grupo, ocupado por

Benny Cohen, responsável, desde então, pelo UAI e TV Alterosa. Os jornalistas da internet,

que antes estavam sediados no prédio do Estado de Minas, se mudaram para o prédio da TV.

Cohen explica que a primeira estratégia foi envolver os chefes de reportagem da emissora,

que passaram a cobrar dos jornalistas da Alterosa o envio dos relatórios de apuração ou

quaisquer outras informações que estivessem circulando na redação da TV para os jornalistas

do UAI. Nos últimos cinco anos, outras estratégias foram adotadas, algumas abandonadas,

mas, segundo o editor dos dois veículos, desde o início persiste a idéia de compartilhar

notícias aproveitando as principais características de cada veículo. Cohen cita um exemplo de

divisão de conteúdo entre a TV, o site dela e o UAI, que abriga o alterosa.com.br. É

interessante observar que, independentemente do percurso que o leitor/telespectador seguir

para se informar sobre a notícia, todos os caminhos levam para dentro de algum veículo do

próprio grupo, uma forma de manter a audiência e tentar monopolizar a atenção do público:

A TV tem um acidente exclusivo, ninguém mais vai conseguir aquelas imagens. A gente seleciona da matéria segundos de imagem do acidente que vai para o site da TV e vira uma nota informativa. Mas o Uai puxa o destaque do site da TV e vai para capa do Uai de tal modo que você começa a gerar conteúdo antes mesmo de o jornal ter ido ao ar. Então isso tem um duplo resultado: você adianta o conteúdo no meio porque a informação aconteceu e já está disponível, você não precisa esperar a hora do telejornal. Por outro lado, você ajuda a alavancar audiência do telejornal, porque você está entregando a notícia, mas não o vídeo inteiro ainda, você está suscitando o interesse, despertado a curiosidade do internauta/telespectador, e com isso você consegue trazê-lo para a televisão. O que aconteceu com o site da TV depois que a gente começou a fazer isso? A gente fez o site saltar de trezentos mil pageviews por semana, que era um número que ficou estável durante uns dois anos, para um milhão

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de pageviews por semana, nos picos. ([...] Essa coisa da convergência a gente vai descobrindo à medida que elas vão acontecendo, o processo vai sendo depurado e aperfeiçoado. Até que a gente chega a um modelo que está funcionando legal. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Outro ponto elogiado por Cohen e Costa Neto foi a postura incentivada no Estado de

Minas em relação ao compartilhamento de informações com a TV e o portal. Hoje a Alterosa

participa da reunião de pauta do jornal impresso, conforme relata Benny Cohen:

Hoje as reuniões de pauta são comuns então, no caso do Divirta-se [suplemento semanal de cultura do Estado de Minas], por exemplo, a minha repórter sai daqui e vai lá na cultura participar da reunião de pauta. O cara do Vrum [site de veículos] sai daqui e participa da reunião do caderno de veículos. O Lugar Certo [site imobiliário] produz matéria para o caderno de imóveis e vice e versa. Eles sabem aquilo que deve ser adiantado para que saia logo na versão web e sabem aquilo que vale a pena guardar. Os fotógrafos do Estado de Minas, por exemplo, que eram pilhados pra participar da convergência, hoje as fotos chegam aqui em um instante, tudo compartilhado, o Uai sai com galeria de foto na hora. Antes a gente aqui na TV fazia convergência, mas era sempre depois [que o impresso já havia publicado]. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Esse novo comportamento foi incentivado, principalmente, depois do Programa de

Formação em Mídias Convergentes, oferecido no primeiro semestre de 2008 a 30 jornalistas

selecionados entre repórteres e editores do jornal Estado de Minas, da TV Alterosa e do portal

UAI. “Era necessário disseminar os conhecimentos que só algumas pessoas detinham desse

processo. A intenção na época era criar um grupo convergente que deslancharia esse trabalho

na empresa,” explicou Cohen.

A aula inaugural do curso foi tema de uma reportagem no Estado de Minas no dia 26 de

março de 2008. Nesta aula estavam presentes diretores dos Associados, editores do jornal, do

portal e da emissora do grupo, além dos alunos. Dois palestrantes foram chamados para falar

ao público. O ombudsman do Portal IG, Marcos Vítor; e o editor de Esportes do jornal

Correio Braziliense, Paulo Rossi, que esteve na Inglaterra, conhecendo de perto as mudanças

promovidas pelos jornais ingleses. Sobre as palestras desses jornalistas, o jornal publicou:

Eles falaram sobre os desafios dos grupos de comunicação diante das novas mídias e a interatividade entre elas e como usar a informação jornalística com recursos atuais, como o vídeo-documentário, os podcasts, celulares, palms e também a própria internet, a TV e o jornal impresso. (ASSOCIADOS MINAS..., 26/03/2008).

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O curso teve a duração de cinco meses, dividido em módulos que contemplavam todas

as plataformas (chamadas no curso de suportes) em que o grupo atua, cada um ministrado por

especialistas diferentes: a mestre em comunicação social pela UFMG e jornalista Patrícia

Aranha foi a professora do módulo ‘webjornalismo’. O ex-editor multimídia da Agência

Brasil, André Deak; o diretor e ator teatral Rogério Falabella e a fonoaudióloga Laura Niquini

ministraram o ‘suporte vídeo’. Já o ‘suporte áudio’ foi conduzido pelo jornalista e doutor em

Letras, Mozahir Salomão. O mestre em Ciência da informação Evaldo Magalhães foi o

professor do ‘suporte impresso modificado’; o ‘novo estatuto da imagem’ teve como

professor o publicitário e doutor em comunicação, Eduardo de Jesus; e o ‘conteúdo para

mídias móveis’ foi ministrado pelo jornalista e doutor em mídia digital, Fernando Millani.

Além das aulas semanais, a cada término de um módulo eram realizados seminários

temáticos, com pesquisadores e estudiosos considerados de ‘peso’ pela empresa. O primeiro a

participar foi o professor titular da Universidade Federal da Bahia e consultor de instituições

como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e

Universidade Federal de Minas Gerais, Marcos Palácios, sobre o “Panorama mundial de

convergência e mídia”. A “ Web 2.0” foi o tema do segundo seminário conduzido pelo

professor de jornalismo e diretor do Knight Center para Jornalismo nas Américas, na

Universidade do Texas (EUA), Rosental Calmon. O então presidente da Associação Brasileira

de TV Universitária (ABTU) e diretor da Fundação Padre Anchieta, que mantém a TV

Cultura em São Paulo, Gabriel Prioli, discorreu sobre “Os desafios da TV digital.” Já o diretor

do Laboratório de Comunicação Multimídia e professor da Faculdade de Comunicação da

Universidade de Navarra, Ramon Salaverría, ministrou o seminário “Linguagens novas para

novos meios.”. A semioticista e coordenadora da pós-graduação em tecnologias da

inteligência e design digital da PUC de São Paulo, Lúcia Santaella, conduziu o seminário

“Mídia móvel – cognição líquida”. O último seminário “A nova geração de infográficos”

ficou a cargo do professor da Universidade da Carolina do Norte (EUA) e ex-diretor de

infografia do portal El Mundo, Alberto Cairo. Tanto Salaverría quanto Cairo foram muito

citados pelos entrevistados como fontes de inspiração e conceitos sobre a convergência, o que

reforça a tese de que tais teóricos se tornaram uma espécie de ‘consultores’ de receitas

convergentes para o mercado.

Enquanto o Programa de Formação estava em curso, muitos alunos colocavam em

prática as ‘lições’ produzindo matérias para todas as plataformas do grupo. Um mesmo tema

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recebia abordagens diferentes para as edições impressa, televisiva ou digital. Entretanto,

novas turmas não foram formadas. O editor convergente acredita que, embora do ponto de

vista de conteúdo o curso tenha sido satisfatório, os Associados erraram na forma de

selecionar quem participaria. Foram abertas inscrições para toda a empresa e a maioria do

inscritos eram repórteres. Daqueles que demonstraram interesse em participar, a empresa

selecionou 30 alunos a partir de critérios como experiência profissional e postura aberta a

novas experiências. Cohen acredita que a formação deveria ter sido obrigatória para os

editores do impresso e da TV uma vez que eles atuariam como multiplicadores da proposta

dentro do grupo. Mas, na prática, esses profissionais não estavam interessados, como afirma o

editor:

A gente tinha o treinamento durante a semana, com aulas, e uma vez por mês, aos sábados, a gente tinha o seminário. E os editores convidados a participar dos seminários aos sábados, nenhum editor do impresso participou. É uma informação importante porque as pessoas revelaram, por suas ausências, que não estavam interessadas ou não deram importância para o treinamento. É uma informação simbólica, representativa. Ela denota que a coisa não estava bem naquele momento do ponto de vista das pessoas que ocupam cargos de chefia, que são responsáveis pela condução dos processos. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

É interessante ressaltar aqui a relevância dada pela empresa a estes responsáveis pela

condução das rotinas: os editores. Percebe-se, pela queixa de Cohen que na prática eles atuam

não só como gatekeepers29, mas influenciam também o fluxo de informações dentro do grupo,

decidindo quais notícias podem ou não ser compartilhadas com os demais profissionais.

O grupo se ressente por ter treinado vários repórteres que não continuaram na empresa

e acredita que mesmo se os editores tivessem participado e não se adaptado, eles também

estariam fora, como explicita Cohen: “Aqueles que de alguma maneira se colocassem

contrários ao projeto [...] naturalmente participariam da renovação do grupo, que é um

processo natural que ocorre em uma convergência.”

Na visão dos funcionários, as discussões que se acentuaram entre os jornalistas depois

do curso também pesaram para que a empresa não abrisse novas turmas. Os departamentos

29

Termo lançado por David White em 1950 para descrever a atuação de alguns jornalistas como porteiros que liberam ou não a entrada de determinadas notícias. Mais detalhes sobre a teoria do gatekeeping podem ser encontrados em WHITE, D. M. O gatekeeper: uma análise de caso na seleção de notícias. In: TRAQUINA, N. (Org.) Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Veja, 199. Ver também WOLF, M. Teorias da Comunicação. 5.ed. Lisboa: Editorial Presença, 1999.

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jurídico e de recursos humanos alertaram o grupo sobre os questionamentos que muitos

profissionais estavam fazendo, uma vez que os contratos de trabalho especificavam apenas

um veículo para o qual o jornalista trabalhava, enquanto que, na prática, como desdobramento

do curso, eles passaram a desenvolver conteúdo para vários veículos ao mesmo tempo.

Essa pendência legal foi resolvida com a criação do cargo de repórter multimídia

pleno, sem vinculação trabalhista a nenhum meio específico, capaz de produzir conteúdos

diferentes para diversos canais de informação, além de realizar funções de outros profissionais

como editor, produtor, cinegrafista e fotógrafo. É o mesmo modelo, segundo Costa Neto, do

grupo Infoglobo. Cohen explica que, primeiramente, foi necessário mostrar aos funcionários

que tal mudança não envolveria mais horas de trabalho:

A pessoa] acha que invés de trabalhar sete, vai trabalhar vinte e uma horas, e não é isso. Dentro das sete horas dela, vai trabalhar para todos os veículos. Então vencido essa etapa de mostrar para as pessoas que nada muda do ponto de vista da jornada, a empresa passou um bom tempo, o que, aliás, era também um empecilho para a coisa andar, estudando qual seria a melhor maneira de resolver o passivo jurídico. Até que se chegou a um modelo de contrato multimídia que já foi assinado pelos jornalistas do impresso e online. A TV ainda não assinou porque nos outros dois veículos não havia impacto financeiro, foi só uma mudança do contrato de trabalho, mas na TV ainda tem um impacto, alguns salários aqui precisariam mudar e a empresa ainda não conseguiu absorver esse reajuste. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Além dessas pendências trabalhistas, outro problema citado pelo diretor executivo

para uma diminuição de estratégias convergentes dentro da empresa foi a crise financeira que

atingiu diversos países em 2009. Costa Neto afirma que o grupo passou a operar com

prejuízos, uma vez que os financiamentos se tornaram mais caros e as dívidas foram sendo

postergadas. Foi neste momento que surgiu a experiência do ‘homem-banda’, jornalista capaz

de trabalhar sozinho para vários veículos, o que representou economia para a empresa.

Marcelo Silva, editor da TV Alterosa, ganhou este apelido dos colegas: por ser repórter de TV,

internet, cinegrafista e fotógrafo e carregar vários equipamentos, ele faz o papel de uma banda

completa. Até hoje, Silva é o único funcionário da emissora a possuir um contrato multimídia,

como o dos jornalistas do EM e UAI.

Essa experiência começou em 2009 com a cobertura, durante vinte dias, de uma

temporada de Cruzeiro e Atlético no Uruguai, pelo Torneio de Verão. O jornalista, que havia

participado no ano anterior do Programa de Formação em Mídias Convergentes, revela que a

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viagem com uma equipe completa da TV Alterosa, com cinegrafista, repórter e iluminador

ficaria muito cara para a empresa naquele momento de recessão

A diretoria falou assim: eu quero mandar uma pessoa só que dê conta de fazer esse serviço. Era janeiro, a decisão tinha que ser tomada, o chefe delegou a decisão, mas os outros chefes não estavam presentes, estavam de férias. Aí quem vai dar conta? Aí eu levantei a mão: eu dou. Então, resolvi encarar essa partida, o pessoal meio que me mandou para teste, se dá conta ou se não dá. Até alguns amigos meus eram contra essa decisão na época, porque, até certo ponto, se o doido vai conseguir fazer, acaba que todo mundo vai fazer também. Qualquer viagem agora vai ter que ser desse jeito, se ele conseguir fazer. Aí eu fui e consegui. Aí quando eu voltei, os chefes já estavam de volta, ficaram empolgados com o resultado... [e resolveram] criar mais uma equipe no programa, mas a equipe do homem só. Aí eu fui escolhido para isso. (REPÓRTER MILTIMÍDIA).

Costa Neto confirma que não havia muitas expectativas neste primeiro trabalho do

homem-banda: “A empresa deu as diretrizes básicas e aí foi no ‘vamos ver no que vai dar’.

Não tem muito o que pedir, além do que o cara pode oferecer naquele momento. Então é um

processo de aprendizado.” Durante o primeiro ano de trabalho como repórter multimídia,

Silva produziu reportagens para a TV Alterosa e o UAI, além de ter mantido um blog no site

colaborativo do portal, o DZAÍ. Atualmente, este repórter multimídia do grupo Diários

Associados continua trabalhando sozinho, mas a produção é quase na totalidade para a TV.

Esta pesquisa se propõe a investigar, no próximo capítulo, justamente a produção deste

jornalista, tentando entender o que havia de convergente nestas matérias, a partir de conceitos

trabalhados no primeiro capítulo, e como as rotinas produtivas interferiam nesse trabalho.

Como já faz mais de um ano que esta experiência está em curso, é possível analisar os

resultados obtidos e a avaliação da empresa sobre ele.

Voltando ao histórico do processo de convergência dos Associados, a partir do

segundo semestre de 2010, com as finanças mais estáveis depois da crise, a empresa voltou a

investir e, entre as estratégias, foi lançado em setembro daquele ano, o site do jornal Estado

de Minas, o em.com.br. Uma matéria (DIÁRIOS ASSOCIADOS LANÇAM..., 2009) sobre o

assunto publicada no UAI trouxe o seguinte título: “Diários Associados lançam em.com para

reforçar convergência de mídias”:

A partir de segunda-feira, o Estado de Minas passa a ser mais forte na internet, com o novo site em.com.br. Em mais um passo do grupo Diários Associados na convergência de mídias, a nova página apresenta leiaute arrojado, com conteúdo aprofundado, principalmente das notícias de Minas Gerais, e uma cobertura

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completa e atualizada dos principais acontecimentos. (DIÁRIOS ASSOCIADOS LANÇAM..., 2009)

De acordo com a reportagem, todo material noticioso é feito pelos jornalistas do

Estado de Minas e por uma equipe contratada para o em.com, somando cerca de 100

profissionais da comunicação, “se transformando na maior redação convergente do estado”

Segundo o diretor de redação do jornal impresso, Josemar Gimenez de Resende, o novo site

permite a integração real das redações: “A ideia é oferecer ao internauta notícias atualizadas

em tempo real, produzidas pelos repórteres das duas redações. Com isso, vamos oferecer uma

cobertura mais intensa, principalmente de notícias de gerais e política”. A matéria ainda traz a

opinião de Costa Neto:

O novo em.com é mais um produto que estamos oferecendo dentro do conceito de convergência de mídias. Isso implica, inclusive, uma mudança da linha editorial do jornal impresso, que passa a focar em matérias exclusivas e diferenciadas, deixando

para a internet o conteúdo factual, com atualização 24 horas. (DIÁRIOS ASSOCIADOS LANÇAM..., 2009)

O em.com está hospedado no portal Uai, considerado o agregador de conteúdo do

grupo. A idéia era que os dois sites tivessem sido lançados na mesma época, mas faltou aporte

financeiro, explica o diretor executivo do grupo:

A gente apostou primeiro no UAI porque era uma maneira de nos diferenciar da nossa concorrência. O em.com é o braço do jornal na internet, [...] a parte mais pesada do hard news que está publicada no UAI. Não tem como o Estado de Minas não ter uma presença na internet.(DIRETOR EXECUTIVO).

Em janeiro de 2011, o grupo anunciou (ESTADO DE MINAS..., 2011) o novo

investimento convergente: o jornal impresso lançou sua versão para iPad com conteúdos

exclusivos de vídeo, galeria de fotos e gráficos interativos. A versão para o tablet da Apple foi

divulgada como pioneira: “O Estado de Minas é o primeiro jornal de Minas Gerais, e um dos

primeiros do Brasil, a ter sua versão integral no tablet da Apple.” Este lançamento foi

acompanhado da versão para os smartphones: “A versão mobile do Estado de Minas reforça

sua intenção de levar a notícia aonde, como e quando o consumidor precisar.”

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Em um caderno especial sobre os 83 anos do Estado de Minas, divulgado na edição do

jornal do dia 12 de março de 2011, a versão para ipad é atrelada ao conceito de convergência:

Toda essa tecnologia, agora acessível aos leitores, só é possível graças à política de convergência implantada pelos Diários Associados, que acompanha uma tendência mundial. A informação deve estar disponível em diversas plataformas. Portanto, um vídeo produzido pela TV Alterosa alimenta o site do EM e também o ipad. (A SEDUÇÃO DO IPAD. 12/03/11)

Esses últimos lançamentos e o fato dos jornalistas do em.com.br trabalharem não na

redação do impresso, mas na do portal UAI, situada no prédio da TV Alterosa, significou para

Cohen mais um passo importante no processo convergente, tanto do ponto de vista do

compartilhamento da informação como também de uma mudança na postura dos jornalistas

do impresso:

É um dos momentos mais favoráveis por esse ângulo para que a coisa comece a acontecer no Estado de Minas. [...]. Com o em.com, as cabeças mudaram lá, hoje o estado de espírito favoravelmente a convergência é outro. [...] Hoje o grande ponto que tem acontecido é o de a gente andar mais rápido com a divulgação da notícia, a gente está saindo super na frente na maioria das notícias. Porque você tem uma redação muito forte no Estado de Minas, com uma ampla capacidade de magnetizar a captação de informação. E o em.com está gerando benéficos para o jornalismo

digital do grupo. Isso de alguma maneira não acontecia antes. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Para fortalecer a presença do grupo na internet, a empresa pretende lançar, ainda em

2011, um novo site da TV Alterosa, mais moderno e com ferramentas que permitam uma

busca mais ágil pelo conteúdo e uma maior participação do público no compartilhamento de

fotos e vídeos. Benny Cohen acredita que o público já notou que a televisão possui

“ tentáculos maiores” que ultrapassam a tela da TV e chegam à internet. Mas na web, o

telespectador sabe que não se limita à assistir, ele pode participar.

Claro que pra algumas pessoas isso está mais claro na cabeça, mas, pra massa, pra grande maioria das pessoas, ela já sabe que isso não é só televisão. A TV Alterosa não é só ligar ali no 5 ou no 18. Toda hora a gente fala: vai lá no nosso site e veja outras informações. Hoje a classe C está começando a consumir muito a internet, então, o próprio número de acessos do site revela que quando você entrega um conteúdo bem produzido, o consumidor de informação agradece e usa. Essas

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experiências são representativas. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Outra estratégia da emissora já em operação é o lançamento, a cada edição do

telejornal, uma enquete para que o público responda por meio de tweets. Geralmente os

assuntos selecionados são polêmicos e as respostas – cerca de oito por dia – são lidas ainda

durante a exibição do jornal do mesmo dia. Cohen destaca também a estratégia lançada há

dois anos no programa Alterosa Esporte, o qual pode ser acompanhado ao vivo pela internet,

inclusive na hora dos intervalos comerciais, quando os jornalistas e os três representantes dos

times conversam sobre assuntos variados. Durante todo o programa, o apresentador lê e-mails,

tweets e mensagens que chegam por outras redes sociais. De acordo com o editor de mídias

convergentes, são, em média, cerca de 800 colaborações por programa, o que o leva a fazer a

seguinte reflexão:

Porque o cara está vendo pela internet se ele pode ver pela televisão em uma imagem muito melhor? Porque ele quer participar e a convergência se dá nesse cenário. Esse é um exemplo máximo, de você estar fazendo um programa de TV, assistindo pela internet com colaboração real time do telespectador. Eles acabam

interferindo no andamento do programa. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Outra experiência bem-sucedida citada pelo editor de mídias convergentes é o

concurso Gata do Mineiro, realizado também pelo Alterosa Esporte. Cada time do estado é

representado por uma jovem, apresentadas ao público durante o programa. No entanto, para

escolher a mais bonita, a votação só é realizada pela internet.

A votação já está com quase cem mil pageviews e [...] não tem nem uma semana ainda. O conteúdo que foi exibido antes, sobre o concurso, já gerou mais de duzentos e cinqüenta mil pageviews. O concurso acontece fora da TV, ela só tem servido como plataforma de vitrine, de exibição, de divulgação. Porque o concurso

efetivamente, o foco, é só na web e está funcionando super bem. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

A presença dos telejornais na internet, seja por blogs ou sites de notícias, representa

para Leal (2009) uma intensificação à demanda cada vez maior de contato e participação do

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telespectador. O autor vai além e acredita que hoje a internet influencie o telejornal. Assim

como já havia previsto Soulages (2002), cada vez mais, a tela da tevê se conforma de modo

semelhante a um portal da web, “individualizando o percurso do olhar do telespectador e

criando mais possibilidades de contato”. (LEAL, 2009, p. 101).

Embora os fluxos de informação estejam mais intensos não só entre a empresa e o

público, mas também entre os próprios veículos dos Associados, tanto Costa Neto quanto

Benny admitem falhas nessa interlocução. O editor de mídias convergentes exemplifica:

A gente ainda continua tomando muito balão do Estado de Minas, muito furo... Por exemplo, nas ultimas três semanas, o Estado de Minas fez grandes matérias que poderiam ter sido feitas de forma complementar com a TV e até com a internet, mas não foram, o que é uma pena. Porque eu acho que ainda é um processo em

andamento.(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

As dificuldades também foram relatadas pelo repórter multimídia:

A gente tentou outro dia uma matéria do Montijo que joga no Vila Nova, e por falha de comunicação, o Estado de Minas não entrou [na apuração da reportagem]. O Estado de Minas queria muito fazer a matéria, mas, é o famoso deixa que eu aviso...

não avisaram.(REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Para Costa Neto, tais ‘furos’ acontecem pelo fato de os jornalistas não estarem

integrados no mesmo ambiente, como defende Salaverría em seu modelo ideal de redação

convergente. Para o diretor executivo, o problema só será resolvido “com as pessoas no

mesmo ambiente de trabalho e com um fluxo de informação pré-estabelecido.”

Por isso, a grande aposta está na integração das redações, um projeto que vem sendo

pensado desde 2007, com a saída do portal UAI do prédio do Estado de Minas para o da TV

Alterosa. Inicialmente, a idéia era que os jornalistas do on-line trabalhassem com os da

emissora, mas, por falta de espaço, os primeiros foram instalados em outro andar. Havia um

prazo inicial de três meses para a reforma do prédio, todavia, nesse meio tempo, surgiu outro

projeto: de unir não só esses jornalistas, mas também levar para o novo espaço algumas

editorias do Estado de Minas, além das redações do jornal Aqui e da rádio Guarani. “Ela vai

ser uma newsroom com estúdio e postos de trabalho e vai unir as redações da TV, da internet,

da rádio, as editorias de Gerais e Esportes do EM e a redação do Aqui. É um projeto ousado,

não tem nada parecido na América Latina,” destacou Cohen.

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106

Segundo o editor de mídias convergentes, foi contratado um projeto para a nova

redação e, em meados de 2008, começaram as obras para transformar um grande estúdio da

emissora nessa nova redação integrada. No entanto, a crise financeira de 2009 foi o motivo

alegado pela empresa para suspender todos os investimentos. Apenas no final de 2010 o

grupo retomou o projeto, uma vez que, segundo Costa Neto, parte das dívidas foram saldadas

e foi possível conseguir um financiamento para dar continuidade às obras. Há uma

expectativa otimista entre os diretores de inauguração desta nova redação no final de 2011 ou,

no mais tardar, no primeiro semestre de 2012.

A construção deste ambiente único, integrando jornalistas de vários veículos, é a

aposta do grupo para um melhor fluxo das informações e uma forma de combater as

resistências culturais, como acredita Cohen:

Tenho certeza de que quando essas editorias vierem para cá, vão vir em um clima completamente diferente do que se isso acontecesse três anos atrás. [...] Acho que a forma de se relacionar vai ser mais fácil. As resistências, que eventualmente podem ainda existir, serão menores. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Opinião compartilhada pelo diretor executivo:

A gente acredita que a barreira de local de trabalho é uma barreira que impede o desenvolvimento da convergência. Então, estando no mesmo ambiente, acho que até as ideias favorecem para criação do trabalho. Cabe a gente dar estrutura jurídica para que a coisa funcione dentro da legalidade. Eu acho que vamos ser um dos primeiros grupos de comunicação do mundo a ter uma experiência como essa. Pode dar errado? Claro que pode, não tem uma fórmula certa, mas a gente fez de uma maneira inteligente, respeitando os prazos, com uma tecnologia robusta por trás, que permita fazer essa construção multimídia da noticia. A nossa chance de acertar é muito

grande. (DIRETOR EXECUTIVO).

Costa Neto acredita que a redação vai descobrir aos poucos como as informações

precisam circular de acordo com cada tipo de notícia. Quando uma informação chegar, a

proposta é que haja um responsável por distribuí-la entre os diversos veículos, uma vez que a

empresa defende postos separados de trabalho para os jornalistas. Por isso, explica o diretor

executivo,

vão haver pessoas que vão perpassar por essas baias e vão fazer o trabalho multimídia. [...] Vai ter uma pessoa para separar o processo pra A, B e C. Sem um processo muito bem detalhado para cada circunstância, não funciona. [...] A gente

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vai criando essas rotinas ao longo do que a gente for amadurecendo sobre o processo

de convergência.(DIRETOR EXECUTIVO).

A coordenação desta nova estrutura é justamente um ponto preocupante para a

empresa. O diretor executivo acredita que este profissional precise aliar habilidades humanas

e multimídias:

Eu acho que a principal característica desse cidadão é uma pessoa habilidosa. Porque no primeiro momento vão se encontrar as redação da TV Alterosa, Estado de Minas. O cara da TV Alterosa pode reclamar que está ganhando menos que os caras do Estado de Minas para fazer a mesma coisa. Isso vai acontecer. Tem que ter um cara habilidoso que explica que é um processo, vai acontecer com todo mundo, tem que ter paciência, você está fazendo parte da história... Então é um cara que tem habilidade pra contornar essas situações e um cara que tem uma sensibilidade jornalística muito grande pra saber qual veículo ele vai ter que utilizar para determinadas informações. Então é um profissional que é difícil de formar, de encontrar no mercado. Então você tem que formar essa pessoa. É uma preocupação

grande. (DIRETOR EXECUTIVO).

O repórter convergente ilustra como seria o funcionamento desta redação e o papel do

responsável por gerí-la: “[É] a figura do Dartanham: tinha os três mosqueteiros, Athos,

Porthos, Aramis: TV, internet e jornal. E teria que ter um quarto no meio da história que seria

o Dartanham, o editor de mídias convergentes pra tentar facilitar essa troca de figurinha.”

Para trabalhar nesse novo modelo de redação, não só o perfil do editor responsável

precisa ser multimídia, mas também o dos profissionais. Costa Neto criticou as universidades,

que, segundo ele, ainda não conseguem formar profissionais para este novo mercado

multimídia. Tanto para o editor convergente quanto o diretor executivo, será preciso apostar

em treinamento para os atuais funcionários. Cohen imagina como será o trabalho daqui em

diante:

Se ele é apurador, ele tem que lembrar que ele vai compartilhar essa informação, se ele é produtor, ele sabe que pode se utilizar dos outros veículos ou trocar informações com eles para geração de uma pauta melhor que vai nos beneficiar lá na frente, quando a matéria vier pra casa. Se ele é editor, isso é óbvio, nem precisava explicar porque o material vai subir para web. Se ele é editor responsável tem que pensar, por exemplo, que aquilo que não cabe na TV, pode ser usado como calda longa no site da TV. Então, por exemplo, você fala de vacinação contra a poli no sábado, mas você não pode dar todos os endereços de postos de saúde, mas você

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pode botar a relação no site. Você pode trazer informações complementares. Por exemplo, Belo Horizonte ganha cinqüenta radares hoje. Você não pode dar o mapa desses radares todos, mas você pode relacionar na web. Desde este nível mais simples, digamos assim, até situações mais complexas, de, por exemplo, adiantar matérias, o editor tem que ter a sensibilidade daquilo que vale a pena adiantar pra

web e depois trabalhar na TV. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Todos os exemplos citados por Cohen se referem à prestação de serviço, com

informações sobre endereços de postos de saúde, localização de radares pela cidade etc. Um

acompanhamento30 realizado por esta pesquisa durante uma semana do Jornal da Alterosa 1º

edição revelou que esta estratégia ainda predomina, de chamar o telespectador para o site da

emissora oferecendo apenas esse tipo de informação. Disponibilizar imagens inéditas ou

informações que não se refiram apenas à prestação de serviço, embora seja parte do discurso

oficial do grupo, ainda não se transformou em prática recorrente.

Contratar mais profissionais que possam elaborar estratégias para a internet é um dos

objetivos da empresa. Aliás, para as novas contratações vão ser buscadas, cada vez mais,

características multimídias nos jornalistas, como enfatiza Cohen:

[...] espírito jovem, novo, (pessoas) que estejam abertas às novas tecnologias. Pessoas que já são dessa geração digital, que já estão fazendo de tudo na web e que já lidam com câmera de celular e outras coisas com uma naturalidade que lhes é

peculiar, que é inerente mesmo, que eles nascem fazendo isso. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

As últimas contratações realizadas dentro dessa concepção foram bem-sucedidas,

segundo o editor, uma vez que

você não tem que fazer aquele processo de tirar o cara da máquina de datilografia, que está lutando contra o computador e, basicamente, usa o computador como máquina de escrever e não como uma ferramenta maravilhosa que é, com tantas oportunidades. Para uma pessoa que já lida com isso [...] você só tem que trabalhar outras coisas. Então o processo já chega lá na frente. Às vezes você tem problemas que são, aliás, problemas eternos da nossa categoria profissional, de pessoas que fazem tudo isso, mas escrevem mal, não sabem a língua portuguesa. Isso vale para velhos e novos jornalistas. Então não é um privilégio dessa galera nova, mas eles,

30

Acompanhamento realizado entre os dias 2 e 6 de maio de 2011.

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pelo menos, chegam dominando essas coisas todas. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Mesmo sendo esse o perfil almejado pelas empresas, Costa Neto acredita que nem

todos os jornalistas possuem essa característica multimídia, por isso, o jornalista especialista

em determinado assunto, para trabalhar em determinado veículo, também não está descartado:

“A especialização não vai perder sentido no nosso negócio, pelo contrário, cada vez mais

você tem que ser profundo porque as pessoas buscam informação agora com mais

profundidade; elas sabem mais do que sabiam antigamente. Então acho que vai ter uma

coexistência dessas duas forças de trabalho.” A empresa tem buscado uma união entre aqueles

com experiência jornalística e os que dominam o mundo digital. Cohen acrescenta que,

mesmo para os ‘estranhos’ a esse ambiente digital, “em maior ou menor grau, a pessoa tem

que, o tempo todo, estar pensando na convergência de alguma maneira, em algum sentido. Por

algum ângulo dá para ele pensar, seja em que função for.”

Desde o início do projeto convergente, em 2006, até agora, depois de várias

experiências, Costa Neto resume que o processo só flui quando calcado em três pilares:

comando único entre as redações, tecnologia e capacitação de pessoas.

Toda vez que você teve essas três coisas, mesmo que fosse pontual, a coisa funcionou. Quando falta uma dessas três coisas não funciona. Ah, ‘não tem tecnologia’, ‘não tem estrutura’, ‘o meu chefe não quer que eu faça isso’ ou a pessoa não está capacitada pra fazer. Então quando você tem essas três coisas pontualmente, você tem resultados pontuais que dão a confiança de que a coisa pode

funcionar. (DIRETOR EXECUTIVO).

Confiança que está presente no discurso do editor convergente, para quem os

Associados possuem um projeto inédito: “geralmente os projetos de convergência lidam com

impresso e web, mas aqui é a primeira experiência conhecida. E olha que eu vasculho isso

diariamente, eu não conheço um projeto que esteja integrando TV com web, com impresso e

rádio.”

O intuito final é transformar informação em conteúdo e a redação em uma fábrica:

Quando a gente fizer essa redação multimídia, esse ambiente vai ser visto como uma fábrica de conteúdo [...] altamente moderna, com processos novos e vai conseguir

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produzir o conteúdo para várias plataformas, com várias linguagens, do popular ao mais sofisticado. [...] Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma

publicando em marcas de relevância. (DIRETOR EXECUTIVO).

Cabidelli e Mavignier (2009), ao estudarem parte deste movimento convergente nos

Associados, concluíram que pouco havia sido feito para estimular a convergência no cotidiano

e cada profissional enxergava o processo de uma forma distinta. Eles chamaram atenção para

o fato de alguns veículos, principalmente o jornal impresso, possuírem atitudes concorrenciais

dentro do mesmo grupo. Na prática, os pesquisadores perceberam que alguns profissionais do

jornal se sentiam receosos com as mudanças, já que elas possibilitavam o ‘vazamento’ de

informações para outros veículos, colocando o ‘furo’ em risco.

No mesmo ano, outro trabalho desenvolvido por Coelho et al (2009) analisou o

processo de convergência dentro do portal UAI e também verificou que as matérias do Estado

de Minas e Alterosa só eram disponibilizadas no Uai depois de veiculadas em seus suportes

de origem – mais uma vez, a interferência da cultura profissional do ‘furo’. Na avaliação dos

autores, o esforço na articulação entre as redações da editoria Minas do impresso, o portal e a

TV produziu apenas notas ou pequenos textos postados no UAI ou notas secas veiculadas na

Alterosa. De acordo com a pesquisa, não ficou clara a existência de um planejamento na

cobertura jornalística, tendo em vista a produção de um produto final, uma reportagem, para

um dos dois meios. A informação publicada em um veículo era apenas transposta para outro.

A análise revelou ainda que os repórteres da editoria Minas, mesmo carregando o

título de repórter multimídia, tinham poucas oportunidades de desempenhar a função porque

estavam restritos ao ambiente da redação. A apuração era realizada por telefone e, muitas

vezes, havia apenas adaptação do conteúdo de agências. Para os autores, o portal UAI estava

muito preso à transposição de materiais de outros veículos do grupo, o que vai contra o

processo de convergência, que prega a complementaridade entre os diferentes suportes.

Percebe-se, pelas entrevistas aqui apresentadas, que a empresa já percebeu a resistência por

parte de alguns profissionais e passou a adotar medidas para criar um ambiente de confiança

para a troca de informações. Em relação à transposição de conteúdos, hoje a proposta é que as

informações sejam mais bem aproveitadas, principalmente, quando a redação integrada sair

do papel. Estes dois aspectos levantados pelas pesquisas citadas acima são realmente pontos

nevrálgicos no processo convergente que a empresa tenta levar adiante.

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Com todos esses projetos, fica claro que os Diários Associados estão apostando alto

nas inovações tecnológicas e na integração de redações com o intuito de levar a notícia para o

público no formato e a hora que ele desejar, tentando atingir assim, um equilíbrio do

‘negócio’ jornalismo. Estratégias que seguem tendências de outros grupos de comunicação do

Brasil e exterior, mas que, por enquanto, não passam de experimentações que vão apontando

caminhos, como descreve Costa Neto:

O curso de convergência e as matérias que os jornalistas produziram depois para vários veículos foi um processo de aprendizado muito bom, que nos deu coragem de dar um passo maior. Se aquilo não desse certo, a gente não daria um passo pra um investimento tão grande como nós vamos fazer agora. Então a história vai contar isso, hoje nós estamos muito no calor do que foi feito, então a empresa não pode cobrar uma coisa que não existe ainda. Por outro lado, o cara que tem que estar produzindo para entender isso, tem que ter essa sintonia. Mas eu não tenho dúvida de que o que nós vamos fazer aqui vai ser inédito no mundo. Não é porque nós somos melhores do que as outras pessoas não, mas porque a conjuntura e a oportunidade nos leva a poder fazer uma coisa diferenciada. Conjuntura de ter um portfólio multimídia, de ter um DNA de internet muito forte no grupo, pelo fato de quem está gerindo a empresa ser oriundo da internet também ajuda um pouco esse entendimento, e de ter veículos tão fortes nos seus segmentos. Então se você somar isso tudo e usar esses exemplos que a gente teve, vão dar uma boa mistura.

(DIRETOR EXECUTIVO).

No meio desse processo está o jornalista que recebe novas funções, mas que, muitas

vezes, não entende ou compactua com os conceitos de convergência imaginados pelos

empresários e não sabe como produzir para este novo mundo. É aí que entram as experiências

individuais de profissionais que vão tentando achar o caminho, na base da tentativa e do erro,

atuando muitas vezes sozinhos na descoberta de narrativas e rotinas que tentem se enquadrar

nas expectativas convergentes das empresas.

Diante de todo o histórico de convergência do grupo e dos planos futuros, fica claro

que o processo reforça o jornalismo como ‘serviço’, não para um público, mas a

‘consumidores de informação’. A citação de Barbosa (2001) resume bem essa visão: “ O

jornalismo se tornará uma profissão que fornece serviços, não a coletivos, mas, primeiro, aos

indivíduos, e não unicamente em sua capacidade como cidadãos, mas também como

consumidores, empregados e clientes” (BARDOEL; DEUZE, apud Barbosa, 2001.)

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112

3.2 Especificidades e convergências entre TV, Portal e Blog nos Associados

Se neste momento os Associados vislumbram uma distribuição de informações

envolvendo todos os veículos – impresso, rádio, TV e internet –, com a construção da redação

integrada, no início do processo a base das experimentações envolvia apenas TV e internet. É

importante esclarecer que as notícias do UAI tinham como fonte, sobretudo, aquelas

publicadas no Estado de Minas. Mas essa transposição do material, com algumas adaptações

de texto, era vista como algo natural e não como uma estratégia típica de convergência

midiática.

Mesmo com essa tentativa de aproximação do impresso e do rádio ao movimento já

iniciado entre TV e web, ainda hoje o portal é encarado pela empresa como o melhor espaço

para exemplificar essa convergência de conteúdo produzido pelos vários veículos, como

explica Costa Neto:

O conceito do UAI é de um agregador dos Diários Associados. É no UAI que a convergência vai acontecer. É onde a matéria vai encontrar com o vídeo, que vai encontrar com a coisa jocosa, que vai encontrar com o ensaio de foto sensual, que

vai encontrar com os guias de serviço. (DIRETOR EXECUTIVO).

Essa visão da internet como espaço próprio da convergência pode ser explicada pelo

fato desse processo ter sido encarado, por algum tempo, como uma das características do

jornalismo on-line e não um processo mais amplo, de compartilhamento de informações entre

vários dispositivos. Quem traz essa definição é Palácios et al (2002) ao estabelecer cinco

características para o webjornalismo – embora seja evidente que nem todas elas sejam

exclusivas, uma vez que também podem ser identificadas em outros suportes. Entretanto, é

fato que esses elementos são potencializados na prática do jornalismo online.

As características elencadas pelos autores são: interatividade (capacidade de fazer com

que o leitor/usuário sinta-se parte do processo, seja pela participação na construção/opinião de

uma notícia ou pela navegação no hipertexto); hipertextualidade (possibilidade de

interconectar textos através de links), personalização (opção oferecida ao usuário para

configurar os produtos jornalísticos de acordo com os seus interesses individuais desde a pré-

seleção dos assuntos à apresentação visual dos mesmos); memória (há espaço praticamente

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ilimitado para o material noticioso além da disponibilização imediata de informação

anteriormente produzida e armazenada, através de material de arquivo) e

multimidialidade/convergência. Nota-se que convergência e multimídia são empregadas como

sinônimos para se referir “à convergência dos formatos das mídias tradicionais (imagem, texto

e som) na narração do fato jornalístico.” (PALÁCIOS, 2002, p.5). Conceito em harmonia com

a visão de convergência exemplificada pelo diretor executivo dos Associados.

Por essas aproximações, torna-se necessário para esta pesquisa trazer algumas

considerações sobre jornalismo na web, principalmente aquele realizado em portais e blogs,

alvos do repórter convergente do grupo, além de certas características do jornalismo

televisivo, visto que este profissional tinha como intuito produzir e distribuir, ao mesmo

tempo, informações para TV e web.

O jornalismo on-line deixou de ser apenas ‘outro meio’ de se repassar informações e

se torna cada vez mais autônomo. De lugar para onde se deslocava o material velho, significa

agora um espaço valioso para a produção do jornalismo. Marcondes Filho (2009) acredita que

a grande imprensa tem se beneficiado das facilidades da transmissão direta e instantânea e do

maior acesso do público; provando, na visão do autor, que o jornalismo on-line converge mais

que substitui e se mostra, para os meios antigos, mais como oportunidade do que como

inimigo.

Elias Machado (2000) também compartilha a visão de que há mais benefícios que

pontos negativos na relação entre web e outros veículos. A hegemonia de um meio, mais que

a negação imediata de uma cultura anterior, provoca uma adaptação do entorno social e uma

convivência com as diferentes culturas. Para ele, o jornalismo na internet representa a

adaptação de uma modalidade específica de conhecimento da realidade à tecnologia de

transmissão digital, isto é, uma adaptação do jornalismo impresso – e até do televisivo e

radiofônico – para o ambiente virtual.

De acordo com a evolução tecnológica e de linguagem, já são identificadas três

gerações do jornalismo praticado na internet. Embora a divisão não demarque rigidamente a

passagem de uma fase a outra, ela ajuda na identificação de traços e padrões recorrentes.

Mielniczuk (2003) aponta que, nos primeiros anos de 1990, o webjornalismo era

caracterizado pelo modelo transpositivo, isto é, os produtos oferecidos, em sua maioria, eram

reproduções de partes dos grandes jornais impressos, que passavam a ocupar espaço na

Internet. Este material era atualizado a cada 24 horas, de acordo com o fechamento das

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edições do impresso, não havendo, portanto, qualquer rotina de produção específica para a

internet.

Com o aperfeiçoamento e desenvolvimento da estrutura técnica da web, pode-se

identificar uma segunda fase: a da metáfora. A referência ainda são os impressos, mas esses

passam a servir como metáforas para os produtos criados, que começam a apresentar

experiências na tentativa de explorar as características oferecidas pela rede. Nesta fase,

mesmo ainda sendo transposições do impresso para a Web, começam a surgir seções ou

editorias para abrigar notícias de fatos que acontecem no período entre as edições (chamadas

de "Plantão" ou "Últimas Notícias"); a comunicação entre jornalista e leitor ou entre os

leitores começa a se dar mais sistematicamente a partir de e-mails, enquetes e fóruns; e a

elaboração das notícias passa a explorar, ainda que de forma limitada, os recursos oferecidos

pelo hipertexto.

O cenário começa a modificar-se com o surgimento de iniciativas tanto empresariais

quanto editoriais destinadas exclusivamente à Internet. São sites jornalísticos que extrapolam

a ‘versão para a web’ de um jornal impresso e exploram o hipertexto (este se apresenta mais

que uma ferramenta, tornando-se parte integrante da narrativa); os recursos multimídias

(animações, fotos, vídeos e infográficos são elementos comuns da narrativa) e tornam-se mais

comuns chats, enquetes e fóruns de discussão. É importante ressaltar, ainda no âmbito desta

terceira geração, a emergência do chamado jornalismo participativo, que pressupõe a

“incorporação dos usuários no processo de produção e alimentação do conteúdo, seja por

meio de comentários, envio de textos, fotos, vídeos, sugestões e críticas.” (BARBOSA, 2005,

p.126).

Nota-se que o caminho percorrido desde as primeiras experiências até o estágio atual

coincide com a trajetória evolutiva da própria internet. Com mais ferramentas e recursos de

linguagem foram criados ambientes cada vez mais complexos de informação. Os portais

representam hoje estes espaços que oferecem ampla gama de conteúdo multimidiático,

diversidade de fontes e uma série de serviços, se apresentando como a porta principal de

acesso para orientar a navegação do usuário pela rede. Foram os americanos que criaram e

batizaram esses sites de “portais”. O ano de adoção desse modelo no Brasil foi 1998.

(BARBOSA, 2001).

Essas páginas centralizam informações gerais e especializadas, serviços de e-mail,

canais de chat e relacionamento, shoppings virtuais e mecanismos de busca na web. Tamanha

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diversidade convive com um elemento comum – a informação noticiosa. “Os portais são

mesmo emissores de grande conteúdo e neles o jornalismo é uma das maiores fontes de

geração de tráfego e acesso.” (BARBOSA, 2001, p. 9). Além das edições on line dos jornais

impressos, esses portais possuem equipes de jornalistas que garantem conteúdo próprio.

Esses portais se apresentam como alternativa para o excesso de informações

disponíveis na rede, atuando como intermediários, mediadores. Realmente não é possível

acompanhar tudo o que está disponibilizado, mas, ao filtrarem e selecionarem o conteúdo, os

portais tiram a possibilidade de acompanhar um fato a partir de diferentes ângulos, deixando

ao usuário a tarefa de confrontar a informação.

Esses mega portais vão abrir caminho para o surgimento de uma outra modalidade –

os portais locais, mais verticalizados, que se concentram na oferta de conteúdo e serviços

direcionados a uma localidade específica. Sites de conteúdo local começaram a surgir,

inicialmente, no Estados Unidos, em 1998. Um ano depois a web nacional passou a abrigar

também produtos com essa característica, e, atualmente, muitos se espalham por diversas

cidades.

Entre os exemplos podemos citar o portal UAI, que parte desse princípio da

proximidade da informação com determinado público. O site do grupo informa que o UAI é

“o maior portal de notícias e conteúdo online para Minas Gerais, além de oferecer aos

mineiros e a outros internautas de qualquer parte do país acesos a e-mails e vários serviços

úteis para quem quer navegar na internet”. A experiência mineira foi exportada para outros

estados brasileiros. Os Associados fecharam parcerias com jornais regionais para oferecer o

mesmo estilo do UAI: no Rio Grande do Norte, o grupo é proprietário do DN Online, em

parceria com o impresso Diário de Natal. Na Paraíba, os jornais O Norte e Diário da

Borborema se associaram ao portal do grupo O Norte Online; e no Maranhão a página da

empresa é o Imparcial On line, fruto da parceria com o impresso O Imparcial.

Essa lógica da regionalização também orienta um dos canais mais populares do grupo

Associados: o Superesportes, que pode ser acessado tanto pelo UAI quanto pelo endereço

superesportes.com. Na página inicial, é possível escolher a região da qual se quer ter notícias

esportivas: MG, DF, RJ ou PE. Era para o Superesportes mineiro que o repórter convergente

compartilhava as informações durante seu trabalho. A este jornalista ainda cabia a tarefa de

alimentar outro canal digital dos Associados: o blog Mochilão do Esporte, hospedado no

Dzaí, site colaborativo do UAI.

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A criação deste site como espaço para o público se mostrar por fotos, vídeos ou textos

faz parte, segundo Machado (2000), de uma nova modalidade de jornalismo, que reúne em

um único suporte a difusão de todas as formas de expressão da subjetividade. Tais páginas

apresentam inúmeras potencialidades para atrair os usuários, dando-lhes a sensação de

participar daquele grupo, principalmente, se o gerenciador do blog aproveita algumas

informações para publicá-las, como acontece na página principal do UAI, quando os blogs

viram atração da capa do portal. “Muito são blogs de internautas comuns, não são dos

‘vips’31. Hoje, por exemplo, entrou essa casa lá em Paracatu feita de garrafa pet, projeto

ecológico... coisas que pessoas comuns mandam e que vão para destaque na capa do portal,”

exemplifica Benny Cohen.

O editor de mídias convergentes explica que esse trabalho é realizado por um núcleo

no portal UAI formado por cinco jornalistas (dois responsáveis pelo site da TV e três

responsáveis por monitorar o Dzaí) que, além de destacarem a produção do público, são

responsáveis por identificar algo que possa ser utilizado em outro veículo e, imediatamente,

informar ao editor responsável daquele suporte sobre o material. O conteúdo colaborativo da

internet enviado para a TV, por exemplo, depois pode retornar à web, em um processo

convergente, como exemplifica Cohen:

O [conteúdo] colaborativo tem um papel fundamental que se dá por meio da convergência. Por exemplo, a pessoa gravou um acidente na rua ou um flagrante de assalto. Ela vai no Dzaí, sobe aquele conteúdo e [..] de acordo com as cláusulas do Dzaí, o conteúdo que ela subiu pode ser usado por qualquer um dos veículos dos Diários Associados. Então você tem um cidadão colaborando com o conteúdo que ele captou, que passa pela web e vai morrer aqui na televisão. E aí com todos os desdobramentos, porque depois esse conteúdo volta para web já rearrumado em uma reportagem, pode ter suíte... Dependendo da grandeza do fato noticiado, tudo pode

acontecer. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Todavia, percebe-se que boa parte desse conteúdo só se legitima através de formatos

estéticos ou editoriais já estabelecidos na prática jornalística regular da empresa. De qualquer

forma, o formato jornalístico padrão e os critérios de noticiabilidade já estão enraizados de tal

forma que o próprio público tende a imitá-lo para garantir a inserção de seu conteúdo.

31

Ao citar ‘vips’, Benny Cohen se refere a especialistas ou pessoas reconhecidas em suas áreas como cantores, advogados, diretores de grandes empresas ou até mesmo clubes de futebol que mantém blogs no Dzaí.

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A incorporação do público ao processo de produção de notícias também é defendida

firmemente por Varela (2007), que acredita que o jornalismo atual não deve ser um envio

unidirecional de mensagens de poucos para muitos, mas uma conversa com o público; o que

representa uma grande mudança cultural para o jornalismo. É essa lógica que vai definir a

atualidade dos meios: eles não são tradicionais porque são impressos, televisivos,

radiofônicos ou digitais, mas, sim, por seus valores e pelo jornalismo que praticam,

independentemente do meio em que são difundidos.

A partir dessa visão, as notícias do futuro seriam mais uma conversação do que uma

conferência, porque cada vez mais, os consumidores da informação querem ser também

produtores dela e opinar sobre o que acompanham. “Essa idéia do jornalismo como

conversação é o que sustenta os meios sociais de comunicação. O importante é falar, discutir

entre todos para que as idéias sigam adiante” (VARELA, 2007, p.74).

A participação do público no processo de produção jornalística já foi explorada no

capítulo anterior desta pesquisa e, portanto, não cabe neste momento, recuperar as críticas

apresentadas. Entretanto, ressaltamos que essa participação nas diferentes fases da produção

noticiosa varia de acordo com interesses editoriais e econômicos de cada empresa, que podem

estar relacionados à obtenção de conteúdo gratuito, à redução de custos e a uma estratégia de

imagem para se mostrar mais receptiva à opinião do público.

Varela (2007) analisa que alguns conflitos no modelo jornalístico atual explicariam o

sucesso do diálogo e de uma visão mais particular dos fatos, tão valorizada em blogs, redes

sociais e portais de notícias. A objetividade, uma habilidade que os jornalistas aprendem para

contar a realidade de uma maneira mais neutra e imparcial, estaria em crise, uma vez que é

difícil falar em objetividade diante da grande quantidade de informações circulando, além do

desafio de se chegar a uma verdade prática em um tempo oportuno. Por isso, segundo o autor,

aumenta-se o valor do ponto de vista individual e mais ainda o da comunidade. Aliada a esta

crise do valor da objetividade, o autor acredita estarmos caminhando para uma direção mais

marcada por análises e comentários, “mais próxima ou contaminada pela opinião” (VARELA,

2007, p.77), que estaria ligada ao surgimento do ato de blogar.

Orihuela (2007) classifica o blog como primeiro meio nativo da web, por ser

centralizado no usuário e nos conteúdos, e não na programação ou no design gráfico.

Justamente por isso a ferramenta atraiu tantos internautas interessados em disseminar

conteúdos atualizados e sem intermediários. Os blogs são podem ser descritos como um

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conjunto de anotações curtas (posts) ordenado a partir de uma cronologia inversa (os textos

mais recentes aparecem primeiro), no qual cada texto possui um endereço URL permanente,

facilitando a conexão a partir de sites externos. Desde seu surgimento32, os blogs estão cada

vez mais segmentados em torno de determinadas temáticas, o que facilita a rede de conexões

que une algumas páginas a outras. Alonso (2007) considera que blogs mais influentes sejam

capazes de disseminar informações muito rapidamente, atuando como nós conectores de uma

rede muito extensa.

Se os blogs surgiram inicialmente com uma concepção de diário íntimo na internet,

um espaço no qual os usuários vão tratar de questões pessoais, pertencentes ao terreno da

intimidade, embora exposta ao público, hoje algumas empresas também já se utilizam das

oportunidades que este meio apresenta, como ter acesso a opiniões sobre ela mesma, seus

produtos e os dos concorrentes, além de apoio para as campanhas publicitárias on-line.

Tamanha foi a propagação dessa ferramenta que empresas de rádio, TV e jornal

impresso também se sentiram impulsionadas a apostar no formato de blogs como parte dos

conteúdos on-line ou como formato para determinadas coberturas. Varela (2007) aponta na

imprensa o jornal The Charlotte Observer’s como o primeiro a empregar, em 1998, o formato

de blog para fazer a cobertura do clima de desolação causado pelo furacão Bonnie, nos

Estados Unidos.

Orihuela (2007) acredita que “ diante da realidade jornalística, o blog possui uma

resposta mais rápida, mais impressionista e mais pessoal do que os meios de comunicação

tradicionais.” (ORIHUELA, 2007). Isso fica explícito na opinião do repórter convergente dos

Associados, para quem o Mochilão do Esporte, blog mantido por ele, representa uma

diversificação do conteúdo e formato jornalístico do UAI: “precisava de um conteúdo

diferente, ou seja, eu poderia escapar de fazer as mesmas coisas que o Uai. [...] Quando estou

(operando) na câmera, estou focalizando a terceira pessoa, não a mim. Então no blog eu posso

falar mais de mim.”

32

Para Orihuela (2007), o primeiro blog foi a página What’s new in ’92 criada em 1992 por Tim-Berners Lee para divulgar as novidades do projeto World Wide Web. Já Varela (2007) considera como primeiro blog o de Dave Winer de 1996, criado para a maratona “24 horas para a democracia”, um encontro virtual realizado para dar apoio ao livre discurso na internet. No entanto, ambos apontam para a importância do blog Robot Wisdow, criado em 1997 pelo ativista social Jorn Barger, o responsável por cunhar o termo ‘weblog’ uma contração entre web (página na internet) e log (diário de bordo), embora hoje o termo mais usado seja apenas blog.

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No Brasil, todas as emissoras nacionais abertas – Rede Bandeirantes, Rede Globo,

Record, Rede TV e SBT – possuem sites na internet33, mas Rede TV e Record não oferecem

blogs. O SBT é a emissora que mais possui blogs: 18, mas todos referentes a programas,

novelas ou atrações musicais, sendo que não passam de 'chamadas' para as próximas exibições

ou resumos do que foi ao ar. Apenas o blog do SBT Brasil tem autor definido: o

correspondente nos EUA Marcelo Torres escreve sobre os bastidores das matérias que vão ao

ar no telejornal. A Band possui 14: 5 são classificados como de jornalismo (escrito por

jornalistas da emissora), 5 de esporte e 4 de entretenimento. A Globo oferece 12 sobre

assuntos diversos, como economia, política, cultura (mantido por jornalistas da emissora

como Cristiana Lobo, Zeca Camargo, Geneton Moraes Neto ou atores como Dan Stulbach) e

6 blogs relacionados a programas como Fantástico, Jornal da Globo, Globo News, e Jornal

Nacional.

Hoje mais consolidados entre os meios de comunicação, os blogs jornalísticos são alvo

de críticas por teóricos como Marcondes Filho (2009), para quem a blogosfera tem

contribuído consideravelmente para difundir um jornalismo de assertivas, que opera com

informações rápidas e que, muitas vezes, não são verificáveis. O jornalismo de blogs ainda

aumenta a possibilidade de manipulação e inserção de boatos, já que o público nem sempre

tem tempo de checar ou não possui informações para questionar. Para o autor, os blogs são

um jornalismo de autoria, “partidário e parcial, separando-se, claramente, do jornalismo dito

‘independente’ das grandes redações.” (MARCONDES FILHO, 2009, p.60).

Entre os jornalistas, uma pesquisa realizada por Schittine (2004) com um grupo desses

profissionais que escrevem blogs revelou que enquanto os blogueiros manifestam um desejo

de escrever como jornalistas, estes profissionais buscam uma escrita mais leve, menos

informativa e mais ficcional do que aquela que realizam no dia-a-dia. Schittine (2004)

acredita que a fuga de textos jornalísticos tem como principal motivação o fato de o jornalista

não se ver 'cerceado' pela instituição do meio de comunicação em que escreve. A sugestão de

pauta, o texto em si, é de autoria apenas do jornalista; ele é o único responsável pelo que está

escrevendo, sem ter um redator ou editor para modificar seu texto antes de ser publicado. Para

Schittine (2004), embora jornalistas e não-jornalistas acreditem estar fazendo o que se

propõem, os blogs, em geral, acabam sendo um “meio caminho entre ficção e informação,

33

Pesquisa realizada no dia 20/01/2011 nos sites: band.com.br; rederecord.com.br; globo.com.br; sbt.com.br; redetv.com.br.

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entre o jornalismo e o escrito íntimo, isso quando não misturam bastante uma coisa com a

outra.” (SCHITTINE, 2004, p.156). O blog Mochilão do Esporte do repórter convergente dos

Associados se encaixa exatamente nessa mistura de notícias e impressões pessoais sobre os

mesmos.

Nos Associados, todos os blogs, de jornalistas da empresa, personalidades ou do

público comum, estão hospedados no Dzaí. Entretanto, cada veículo destaca em seu site

aqueles que o interessam. O Estado de Minas, em sua página na web, divulga 21 blogs34, de

convidados e jornalistas da empresa. Já o portal Uai destaca outros 33 em sua página de

blogs. Ao acessar qualquer um deles, o usuário é redirecionado para a página do Dzaí que

congrega todos eles. Geraldo Teixeira da Costa explicou que alguns blogs surgem por

iniciativa do próprio funcionário, como no caso do repórter convergente, enquanto outros são

uma demanda da empresa. Identificados temas que o grupo considere estratégico (automóveis,

cultura, educação, meio ambiente etc), são selecionados, entre os jornalistas, aqueles que

serão responsáveis pela página. Ou seja, um olhar pessoal e ‘obrigatório’ sobre os fatos.

Além de manter o blog e alimentar a seção de esportes do UAI, o repórter convergente

também produzia para televisão. Portanto, cabe neste momento, uma análise mais detalhada

sobre as narrativas televisivas e o trabalho dos videorrepórteres, profissionais que trabalham

sem as tradicionais equipes de reportagem.

O telejornalismo foi, aos poucos, construindo parâmetros particulares para sua

produção, revelando hoje alguns paradigmas próprios, como “a lógica da velocidade; a

preferência do ‘ao vivo’; a popularização e o expurgo pela reflexão.” (MARCONDES

FILHO, 2000, p.60). Hoje o telejornalismo “passou a se estruturar a partir da articulação entre

imagens e sons, entre linguagens visuais e sonoras, sobre determinadas pelos meios técnicos

de produção, circulação e consumo dos produtos televisivos.” (CURVELLO; DUARTE,

2009. p.69).

Os telejornais cercam-se de estratégias discursivas e mecanismos expressivos para

garantir efeitos de credibilidade, autenticidade e sentido de verdade de que carecem. Leal

(2009) analisou as notícias exibidas no Jornal Nacional, cuja análise também pode ser

aplicada a outros telejornais. Para o autor, os telejornais apostam na repetição de fórmulas

consagradas como uma maneira de identificação e convencimento do telespectador. Ao ser

34

Pesquisa realizada no dia 16/04/2011 nos sites em.com.br; dzai.com.br; uai.com.br

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repetido, dia a dia, notícia a notícia, os programas criam um modo de narrar que, mesmo

mudando edições e personagens, o telespectador sabe identificar. Entre esses modos de narrar

estão a personalização dos fatos, com a apresentação de personagens; a utilização de imagens

externas que se constituem como cenários típicos de determinados assuntos, como mostrar o

Palácio do Planalto ao falar sobre Poder Executivo ou gôndolas de supermercados, sobre alta

de preços ao consumidor e, no esporte, usar os gramados e traves de gols como cenário. Essa

repetição de fórmulas dá ao jornalista a sensação de que o público já conhece aquele assunto,

como explica Silva. Em suas matérias convergentes, ele partia do pressuposto que o

telespectador já possuía um conhecimento sobre o tema:

Como o telespectador do Alterosa já conhece o assunto, já vou produzindo e editando nesse sentido. Mas quando estou em um lugar diferente, que não é Belo Horizonte, aí eu tento apresentar. Ah, aqui pode beber cerveja, lá em Belo Horizonte não pode beber cerveja. Aqui tem muita mulher, aqui tem até cachorro dentro do

estádio. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Leal (2009) compartilha um conceito de Mouillaud (2002) para quem mesmo todo o

esforço narrativo ao construir uma notícia não é suficiente para apreender a totalidade e

complexidade do mundo que enquadram. Ainda assim, segundo o teórico francês, as notícias

tentam dar conta, linearmente, de toda a dinâmica do acontecimento a partir de seus

fragmentos, organizados segundo o saber jornalístico. Dessa forma, o visível seria o “fato”

que chega ao leitor e, diante da impossibilidade de se apreender a totalidade do

acontecimento, os outros fragmentos permaneceriam como uma sombra, o invisível.

Para Coutinho (2009), as notícias também não são uma transmissão fiel, um espelho

do real, desvelando a cada edição, uma janela para visualizar o mundo. Ao contrário, defende

que o telejornal constrói o mundo por meio de sua janela particular, por meio de textos, sons e

imagens, respeitando desde as características intrínsecas ao meio às diretrizes relacionadas à

política editorial da emissora.

As matérias e reportagens veiculadas são um olhar mediado por diversas tecnologias (de captação, edição, transmissão), profissionais (pauteiros, repórteres, cinegrafistas, editores, apresentadores) e ainda por rotinas produtivas que buscam

reconstituir a realidade. (COUTINHO, 2009, p. 107).

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A inclusão de determinadas imagens, sons ou informações em detrimento de outros

numa reportagem e esta no programa, isto é, a lógica que determina as escolhas, estão

profundamente relacionadas ao tempo. Para Coutinho (2009), a questão do tempo e seu

controle são centrais nas narrativas sobre o telejornalismo. “Os (tele)jornalistas correriam

contra o tempo durante as etapas de pauta/produção, captação e edição do material cotidiano,

e ainda teriam que lidar com as dificuldades para organizar a mensagem telejornalística no

tempo, agora de exibição” (COUTINHO, 2009, p.111).

Para economizar tempo, os jornalistas recorrem a várias operações de seleção/edição

para estabelecer o que seria ou não noticiável, além de poder dar tratamento adequado ao

material apurado para garantir que ele seja inserido na gramática particular do telejornal.

Como explica Curado (2002), as reportagens dos telejornais diários brasileiros, que têm média

de duração entre 20 e 30 minutos, possuem normalmente um tempo de 1'05’’ e 1’30’’. Com a

rigidez do tempo, é comum que um assunto não se esgote em uma reportagem; um recurso

muito utilizado então é a continuação da história em outros dias, as suítes, ou outro bloco,

com enfoques diferentes.

O momento de inserção de uma notícia, sua presença no primeiro ou último bloco35, é

capaz de denotar valores tanto da emissora quanto do programa em si. O tempo de duração do

telejornal, dos blocos e de cada uma das mensagens informativas nele inseridas, imprimem

uma determinada velocidade ao processo de narrar/mostrar o mundo, com reflexos também na

apreensão pelos espectadores. Como defendem Martín-Barbero e Rey (2001), na

contemporaneidade a percepção do tempo estaria marcada por experiências de

simultaneidade, do instantâneo e do fluxo – este resultado da fabricação de um presente

contínuo pela mídia, transformando o efêmero em chave de produção.

Esse processo fragmentador da realidade repercute, para Marcondes Filho (2009), no

caráter da veiculação noticiosa do jornalismo, produzindo “mentalidades fragmentadas,

diluídas, difusas, que vêem o contexto social, a realidade, sem nenhum nexo, sem nenhum fio

ordenador.” (MARCONDES FILHO, 2009, p.113). Esses processos fragmentados da

transmissão da notícia quebram a lógica dos fatos entre si, perdendo-se a dimensão de uma

totalidade que os explique.

35

A programação de qualquer programa de TV é quase sempre concebida em blocos, com duração que varia de acordo como modelo. Os blocos permitem a inserção da publicidade, facilitam a transmissão em rede, além de organizar e explorar os ganchos que podem preparar o telespectador para as atrações que são anunciadas. (Barbeiro e Lima, 2005).

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O imediatismo dá pouco espaço para a reflexão e fortalece decisões mecanizadas,

concretizadas em reportagens com o mesmo padrão, geralmente representadas por uma

sequência de off's, sonoras e uma passagem. É exatamente deste modelo ‘seguro’ e ‘testado’

que o homem-banda vai se apropriar, como será mostrado mais à frente. Uma automação que

inibe o pensamento crítico e

apenas tenta conformar o trabalho realizado a um modelo testado. (...). O uso de um modelo rígido numa investigação e numa narrativa produz estereótipos e deixa de fora tudo o que não está catalogado. A valorização dos aspectos que geram uma imediata percepção e entendimento é o caminho mais seguro para o jornalismo

espetáculo. (CURADO, 2002, p.172).

Como o consumo do telejornal é prefixado no espaço a ele determinado dentro da

programação, o telejornal precisa cativar a audiência nesse único espaço. Sendo assim,

Marcondes Filho (2009) acredita que a produção do telejornal deve obedecer a critérios de

atratividade e interesse. A busca do sensacional e do espetacular para Bourdieu (1997)

transforma a TV em um convite à dramatização, não só por divulgar imagens, mas ao

exagerar-lhes a importância, a gravidade e o caráter dramático e trágico. Curado (2002)

também chama a atenção para um tipo de reportagem, geralmente mais longa, que se apóia

em um tripé formado por “tensão, plasticidade, atualidade”. A tensão mantém o espectador

ligado como no folhetim; a plasticidade está ligada a cenas bem iluminadas e preparadas para

captar a atenção; enquanto a atualidade fisga a atenção inicial, embora não signifique que o

fato seja realmente novo, mas apenas que seja até aquele momento inédito para o público

daquele programa.

Se até os anos 1950 a televisão estava pouco presente no campo jornalístico, ao longo

do tempo essa relação se inverteu completamente e a TV se tornou dominante econômica e

simbolicamente no campo jornalístico. E o aumento do peso simbólico da televisão é

responsável, segundo Bourdieu (1997), pela imposição ao conjunto do campo jornalístico de

certo tipo de informação que antes era relegada aos jornais ditos sensacionalistas como a

busca pelo sensacional, o espetacular, o extraordinário. “Levadas pela concorrência por fatias

de mercado, as televisões recorrem cada vez mais aos velhos truques dos jornais

sensacionalistas, dando o primeiro lugar às variedades e às notícias esportivas.”

(BOURDIEU, 1997, p. 73).

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Tanto as notícias esportivas quanto as demais presentes em um telejornal são

construídas a partir de um jogo de identidade e identificação. (LEAL, 2009). Para Curvelo e

Duarte (2009) esse jogo resulta da combinatória tonal de um telejornal, que diz respeito à

adoção de um tom ao discurso, de um ponto de vista, a partir do qual a narrativa daquele

programa quer ser reconhecida. Mesmo sendo uma decisão estratégica da instância da

enunciação, o tom se refere aos traços indicadores do tipo e forma de interação que um

produto televisual pretende manter com seus interlocutores.

Dessa forma, cada formato televisual possui uma combinação de tons que passam a

identificar o programa, o que pode corresponder ou não à expectativa tonal de um

determinado gênero. Isto é, “ todo subgênero televisual já tem como dado o tom que lhe seria

adequado, mas cada produto opcionalmente pode acessar novas combinatórias tonais que

distingam seu formato do subgênero stricto sensu a que pertence” (CURVELLO; DUARTE,

2009, p.65). Programas esportivos, por exemplo, são imaginados de uma forma, mas há

sempre espaço para o novo, que pode se transformar em signo de diferenciação, contribuindo

na fidelização do público telespectador.

O Alterosa Esporte, por exemplo, inovou ao levar para o programa convidados fixos

que representam, como torcedores, cada time da capital mineira. Atuam como comentaristas,

mas ao estarem vestidos com as camisas de seus clubes, deixam claro que os comentários são

realizados por um viés passional. Essas pessoas, conhecidas em conjunto como a “Bancada

Democrática”, refletem a adoção de um novo tom em programas jornalísticos esportivos ao

levar para o estúdio os torcedores que geralmente só opinavam quando entrevistados em

ambientes externos.

Os autores defendem que repórteres e apresentadores acabam assumindo para si a

responsabilidade da manifestação tonal, realizando a tarefa de regulação dos valores e de

manifestação do ponto de vista a partir do qual o programa quer ser lido, indicando a forma

como o telespectador deve interagir com o programa.

Como mediadores esses atores operam por delegação: enunciam a enunciação do programa, passando a materializar tanto os valores investidos, como a combinatória tonal que deve identificar o programa, sendo os responsáveis, em ato, por sua

proposição, gradação e manutenção. (CURVELLO; DUARTE, 2009, p.67).

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Embora o repórter convergente Marcelo Silva não seja o editor-chefe nem o

apresentador do Alterosa Esporte, por estar sozinho nas coberturas, ele também opera esses

papéis a medida em que controla todos os valores e características do programa na hora de se

pautar, produzir, apresentar e editar as reportagens que faz. Além disso, na internet, ele é o

único prolongador deste espaço, representando institucionalmente o programa, embora o blog

tenha características muito particulares do jornalista. Ainda assim, todos os 'tons' do

programa, interiorizados por ele, aparecem nas postagens. Mais que um transmissor de

informações, ele é o único interlocutor do programa com o público na rede. Ao assumir essa

função, Marcelo passa a ser identificado com o programa, colocando em destaque os valores

simbólicos e os traços tonais que se pretendem veicular.

Castro (2009) defende a existência de certa gramática do apresentador ou repórter de

telejornal, que se repetiria independentemente de quem ocupa as posições. Embora as

características apresentadas a seguir sejam listadas por manuais de telejornalismo, na prática,

são elas as balizadoras da identificação de um repórter de TV. Além das características

inerentes a um jornalista, o repórter de TV, para ser visto e ouvido, não pode deixar que sua

imagem interfira na atenção que deve ser dada à informação, desviando o público para sua

aparência. A desatenção no uso da voz e a negligência ao visual produzem ruídos na

comunicação. Para Curado (2002), na TV o repórter precisa de boa voz e aparência que

permita desenvolver uma empatia com a audiência. A maneira como se relaciona com a

câmera e o microfone também ajuda a traduzir o que vagamente se convenciona chamar em

TV de ‘presença de vídeo’, que não deixa de ser uma avaliação subjetiva da imagem do

jornalista.

Ainda segundo a autora, a interpretação do repórter deve transmitir segurança,

autoconfiança e determinação, o que contribui para a credibilidade do profissional. A fala

apressada dificulta a compreensão do que está sendo dito enquanto a fala lenta provoca

monotonia. A boa emissão também depende da dicção, da maneira como as palavras são

pronunciadas. Somado a esses pontos, a postura física interfere na mensagem. Gestos,

movimentos corporais, a maneira como se equilibra de pé ou como se senta revelam

sensações de desconforto, nervosismo ou tranqüilidade: “Tronco curvado e ombros caídos são

associados à derrota, enquanto a postura rígida e militarizada dá a impressão de prepotência.

O queixo para cima denota arrogância. (...) A naturalidade é fundamental.” (CURADO, 2002,

p. 66).

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As emissoras creditam aos repórteres e apresentadores o tom de seriedade que

conferem ao programa, “o que é avesso a expressões de personalidade e subjetividade.”

(CURVELLO, DUARTE, p.71, 2009). Entretanto, os telejornais esportivos adquiriram outro

tom, muitas vezes, bem distante deste característico dos telejornais tradicionais. Aos

apresentadores e repórteres é liberado o uso de roupas mais descontraídas (geralmente jeans,

tênis e camisas pólo) e até nos cabelos são permitidos cortes mais extravagantes. Além do

aspecto estético, o comportamento do repórter é mais solto, podendo participar das

reportagens, não só apresentando opiniões pessoais ao longo do texto, como participando

ativamente das atividades mostradas, deixando de lado, muitas vezes, um comportamento

contido e a linguagem mais formal.

Quando o repórter convergente Marcelo Silva apareceu pela primeira vez no vídeo,

pode ter causado certa estranheza junto ao público. Não apenas por ser uma ‘cara nova’, mas

justamente pelo modo de narrar e se apresentar durante as passagens, que demonstravam um

não enquadramento à essa gramática televisiva. Os gestos forçados e bruscos, a postura rígida

diante do vídeo e a locução embolada podem ter sido questionadas pelo público, acostumado

a um certo padrão dos repórteres na TV. Mesmo que este padrão seja, no esporte, um pouco

diferente daquele reconhecido nos telejornais tradicionais.

Benny Cohen reconhece que Marcelo não é o tipo mais comum de se ver na TV, por

apresentar estrabismo e estar sempre com os olhos semicerrados: “acho que o estrabismo dele

não é o maior problema, o problema é que o olho dele está sempre quase fechado. A gente

quase praticamente não enxerga os olhos dele [...] mas ele já aprendeu a procurar ângulos que

favoreçam a abertura dos olhos, o que não deixa de ser ruído.” . O repórter também revela que

ao longo do trabalho precisou rever algumas posturas: “A questão da locução melhorou, eu

consigo já variar o timbre de voz, acho que ainda pode melhorar ainda mais. E a questão do

visual, fiquei mais mauricinho. Aí eu tive que encaixar no formato padrão.”

Entretanto, a empresa acredita que estes aspectos estéticos deixaram de ser ruídos

quando o material apresentado no vídeo passou a preencher os requisitos de uma boa

reportagem. O editor convergente afirma que o repórter adquiriu uma postura de

convencimento:

Ele passa credibilidade, a gente presta atenção no que ele está falando. Como editor, sabe construir a matéria na TV, então são muito bem amarradas, o que ajuda demais a prender a atenção do telespectador. Se a gente pegar as últimas matérias dele,

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vamos ver que são matérias como de qualquer outro repórter. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Nas externas que realiza, o repórter é o líder da equipe de externa, realizando

entrevistas, podendo mudar o foco da reportagem de acordo com o que encontrar no ambiente

externo e direcionando o trabalho do cinegrafista e iluminador. Em qualquer emissora de TV,

como explica Curado (2002), as relações profissionais são profundamente interdependentes,

com o trabalho de cada um se complementando ao do outro, por isso, uma reportagem de TV

é sempre resultado do trabalho de uma equipe: “O mais talentoso dos repórteres, editores,

pauteiros, cinegrafistas não põe sozinho uma boa reportagem no ar.” (CURADO, 2002, p. 23).

Curado (2002) aposta na soma da sensibilidade do grupo e não na ação solitária: “A soma de

vários olhares, de vários ângulos, é que leva ao resultado de qualidade.” (CURADO, 2002,

p.23).

É justamente por acreditar nesta soma de esforços que Curado (2002) é crítica quanto

ao videorrepórter, também chamado por ela de one-man-show, ou seja, aquele profissional

com aparente capacidade de produzir, filmar e editar a reportagem. Tarefa que se contrapõe à

equipe tradicional que reúne produtor, repórter, cinegrafista, iluminador e editor. No Brasil,

este modelo surgiu em 1987, na TV Gazeta de São Paulo, sendo ainda utilizado na TV Cultura

da capital paulista. Nos Estados Unidos, são comuns em TV’s locais e de pequenos recursos,

como a New York One. (BARBEIRO; LIMA, 2005).

O repórter convergente acredita que a falta da equipe possibilite duas visões sobre o

processo. Por um lado “você sabe como é que lidar com motorista, iluminador, cinegrafista,

entrevistado... tem os humores, a pressão... Por ser sozinho, isso aí está resolvido, não tenho

esse problema.“ Mas a ausência de outros olhares o torna mais “ligado porque sei que está

rolando tantas coisas, tem equipes completas...”. Esse compromisso do repórter tranqüiliza a

chefia em relação ao produto final, como pondera Cohen:

Ele é um cara muito inteligente, muito perceptível [...] que não leva balão, não toma furo na rua, está sempre alerta, esperto. Muitas vezes ele vê coisas que uma equipe inteira no lugar dele não veria. Isso acontece muito pelas características próprias dele e também porque ele já esta dominando o processo de uma maneira tal que isso não é um ruído pra ele. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

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Além da falta de outros olhares, Curado (2002) afirma ser o videorrepórter um

modelo arriscado por comprometer a qualidade da reportagem, principalmente, quando os

eventos estão se desenrolando diante do jornalista. A autora acredita que se o repórter está

concentrado na filmagem, ele exacerba o sentido da visão em detrimento da audição, podendo

deixar de lado alguma informação dita próxima a ele. Ainda que alguns profissionais

manifestem talento e disposição para realizar várias funções em uma mesma atividade, é

“fundamental que alguém só seja escalado quando demonstrar qualificação técnica e nível

adquirido no treinamento específico.” (CURADO, 2002, p.25).

O que não aconteceu com o repórter convergente dos Associados. Silva foi para a rua

sem dominar por completo a parte técnica. Ele passou por um treinamento na empresa para

aprender a lidar com os novos equipamentos: câmera e iluminação fixa e portátil. Entretanto,

foi um processo informal, no qual um cinegrafista da emissora conversou e mostrou as

máquinas durante alguns dias. Essas “dicas” se mostraram insuficientes na rua. O repórter

confirma que perdeu muitas imagens durante o trabalho, seja por falta de foco da câmera ou

iluminação inadequada, mas garante que com a experiência, o trabalho vem evoluindo. Para

driblar alguma deficiência técnica, lições de quando era editor também são utilizadas, explica

Silva:

se eu, por causa de luz, estiver gravando uma sonora, mas correr o risco de perder, que poderia ter sido o caso do Roger, que eu fiquei com essa sensação, eu tratei de fazer a imagem dele com a melhor luz que eu tinha, porque qualquer coisa eu reaproveitava o áudio e cobria, coisa que eu aprendi na edição. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Hoje, Benny Cohen acredita que o funcionário tenha chegado a um patamar muito

bom, não só em relação ao manuseio dos equipamentos, mas também ao envio do material

pela web: “Ele também chegou a um nível de qualidade das gerações pela internet que a gente

acha que a matéria dele foi gravada aqui em BH. Então ele está dominando a técnica por

completo, então hoje ele é um cara valiosíssimo para nós.”

Barbeiro e Lima (2005) defendem que o jornalista ganha autonomia ao trabalhar

sozinho.Para eles, este tipo de matéria é mais ágil e, muitas vezes, leva vantagem na captação

e difusão da notícia, uma vez que dispensa o deslocamento de mais profissionais, carros de

reportagem e equipamentos mais sofisticados. Os autores(2005) apostam que este tipo de

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reportagem não dispensa a tradicional, pelo contrário, enriquece a televisão com diferentes

formatos. Há coberturas e situações que se adaptam às duas formas. Já para Curado este

modelo funcionaria apenas “no caso de filmagem de uma exposição de obras de arte.”

(CURADO, 2002, p.23).

O diretor executivo dos Associados acredita que o videorrepórter é um modelo que se

encaixa na cobertura de extremos: a notícia factual ou a mais produzida. Costa Neto aposta

que as notícias ‘mornas’, que segundo ele misturam esses dois aspectos, não se enquadram

neste padrão:

Notícia do tipo aumento do dólar? Acho que não tem jeito, porque está no meio termo: tem que ter uma análise, mas feita rapidamente, porque amanhã o cenário já é diferente. As análises terão que ser feitas por especialistas. [...]Então acho que essa pessoa (videorrepórter) tem esse perfil dos extremos, aquela matéria lenta, que você pode ter o geladão, e o quentão. [...] Eu acredito que vai ser muito voltado em cima do factual, não vai dar tempo dele aprofundar. Mas aquela notícia de break news, de entrar na frente, de rasgar a matéria, essa é a cara do multimídia. Então o cara vai ter que colocar dois parágrafos na internet, entrar ao vivo no rádio, esperar o break da televisão para ele entrar, e fazer a nota para o site, não necessariamente nessa ordem.

(DIRETOR EXECUTIVO).

Silva acredita ser a ‘geral’ a editoria na qual um videorrepórter poderia ser mais bem

aproveitado. Matérias policiais e de acidentes, por exemplo, exigem velocidade no

deslocamento e o número reduzido de uma equipe de tevê provoca menos alvoroço e

desconforto para os entrevistados: “Um repórter multimídia, sozinho com uma câmera, na

geral, acho que daria pra fazer muito mais coisa do que quem fica preso no esporte.”

Para Lima e Barbeiro (2005), as polêmicas em torno da videorreportagem são

causadas pelo fato deste modelo quebrar o academicismo na captação de imagens e áudio,

desestabilizando um modelo concebido há 50 anos. Nas videorreportagens há um privilégio

da informação em detrimento da qualidade plástica. Panorâmicas tremidas são inevitáveis e os

rostos podem aparecer desfocados até que o repórter ajuste o foco corretamente. Geralmente,

o jornalista precisa coordenar a entrevista com o microfone em uma mão enquanto a câmera

no ombro procura a melhor imagem do entrevistado. Entretanto, mesmo com a qualidade

estética duvidosa, Lima e Barbeiro (2005) confiam que ao irem ao ar, essas imagens derrubam

o paradigma de que “só reportagens tradicionais, perfeitamente enquadradas, pasteurizadas,

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com passagens decoradas e off’s trabalhados são capazes de captar a atenção dos

telespectadores.” (BARBEIRO; LIMA, 2005, p .76).

Hoje, a possibilidade de se ver nos meios de comunicação imagens que não respondem

a um padrão estético firmado há décadas está cada vez mais comum no ar. Liberdade benéfica

para o repórter convergente dos Associados, como confirma Benny Cohen:

No começo ele tinha muitos problemas de enquadramento, às vezes o ângulo escolhido não era o ideal, nem o movimento de câmera... Mas [...] é que hoje a televisão está tão livre nesse aspecto... Você tem tanto uso de imagem de cinegrafista amador, imagem de celular, que certas leis, digamos assim, da técnica de televisão, não valem mais. Ou valem para alguns momentos, mas não valem para outros. Embora ele tivesse alguns problemas desse tipo, a gente nunca recebeu um email ou uma reclamação dizendo que esse cara não sabe gravar ou que imagem

estava péssima, nunca teve isso. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Quanto ao formato deste tipo de reportagem, a câmera, digital e leve, se torna uma

extensão do próprio corpo, permitindo que o repórter se envolva na história, transformando-o

em testemunha dos acontecimentos enquanto ele contextualiza as imagens gravadas,

narrando-as. “ A cumplicidade se completa quando a lente da câmera, ou o olho do repórter,

se converte no olho do telespectador.” (BARBEIRO; LIMA, 2005, p.76). Portanto, o off da

matéria desaparece e dá lugar a uma narração dos fatos que estão sendo filmados, quase

sempre em um tom coloquial e intimista. O jornalista conversa procurando estabelecer uma

cumplicidade com o telespectador, que acompanha junto com o repórter o desenrolar do

acontecimento, mesmo sem que ninguém apareça na frente da câmera para contar uma parte

daquela história, como nas reportagens tradicionais: “A passagem, geralmente, é uma forma

de reafirmar o local onde a história transcorre. Na videorreportagem a história transcorre toda,

ou quase toda, no cenário em que aconteceu.” (BARBEIRO; LIMA, 2005, p.76).

As imagens estão sempre em movimento, aparecendo no vídeo mais dinâmicas, e os

planos sequências são mais longos, eliminando ou reduzindo ao máximo o trabalho de edição.

Aliás, este tipo de reportagem pressupõe um número menor de cortes de edição. É uma troca

de sequências que procura não interromper o andamento dos fatos como a edição tradicional,

na qual cada imagem que vai ao ar em uma reportagem não dura, geralmente, mais que dois

ou três segundos.

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A videorreportagem permite que o telespectador perceba o formato de ação na qual se

destaca a personalidade do repórter. É um trabalho mais autoral. Enquanto na reportagem

tradicional o jornalista redige o texto e grava posteriormente, na videorreportagem o repórter

narra em cima dos fatos que estão sendo filmados, o que, para os autores, permite uma

transmissão maior de emoção. “É preciso treinamento e agilidade para fazer ao mesmo tempo

boas imagens, boas perguntas, bom enquadramento, bom texto.” (BARBEIRO; LIMA, 2005,

p.77).

Como nenhum movimento próximo ao repórter pode ser captado, encontramos uma

condição que proporciona uma visão fixa do mundo, uma imagem construída sem sujeito.

Monteiro (2003) acredita que há uma perda sem o olhar do cinegrafista por trás da lente, uma

vez que ele imprime naquelas imagens sensação, respiração. “O sujeito que olha o mundo

através da lente da máquina faz revelações que vão além daquilo que está na tela.”

(MONTEIRO, 2003, p.3).

Tal situação é comparada pela autora como a mesma enfrentada no início da televisão

brasileira, na década de 1950, quando as câmeras eram tão pesadas que mal se mexiam dentro

dos estúdios, forçando atores e jornalistas a se adequarem ao enquadramento dela. Hoje,

mesmo com tanta evolução tecnológica, estamos de volta à imobilidade.

Para o espectador acostumado com o movimento da câmera acompanhando o repórter,

agora a visão é limitada. E embora vivenciemos na contemporaneidade uma exacerbação da

visibilidade, o videorrepórter traz uma contradição: nem tudo que é dito pode ser visto pelo

telespectador, já que a câmera não acompanha o repórter. Tempo da visão sintética, da

automação da percepção no qual o telespectador vê o acontecimento tal qual a lente da

câmera. “O que predomina, portanto na atualidade é o abandono do sujeito como intérprete do

mundo em detrimento do objeto.” (MONTEIRO, 2003, p.7).

Essa idéia de uma visão sintética é muito trabalhada por Virilio (2002), para quem

vivemos em um momento marcado pela “automação da percepção, a inovação de uma visão

artificial, a delegação a uma máquina da análise da realidade objetiva.” (VIRILIO, 2002, p.

86). Constatações percebidas pelo autor principalmente diante das milhares de câmeras

espalhadas pelas ruas, shoppings, lojas e prédios que criam uma nova industrialização da

visão, a instalação de um verdadeiro mercado da percepção sintética, que traz a tona questões

éticas – não somente as do controle e da vigilância – e filosóficas, relacionadas ao

desdobramento do ponto de vista, “daquela divisão da percepção do ambiente entre o

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animado, o sujeito vivo, e o inanimado, o objeto, a máquina de visão.” (VIRILIO, 2002, p.

86). O fato de a câmera estar submetida a um computador e não mais a um telespectador

qualquer torna a máquina responsável pela capacidade de análise do meio ambiente, pela

interpretação automática do sentido dos acontecimentos nos domínios da produção industrial,

da gestão de estoques e da robótica militar.

Todavia, mesmo diante dessa visão limitada e sintética, Monteiro (2003) defende que

essas matérias continuem a atrair o público por causa da única figura ‘viva’: o jornalista, que

segundo ela, ganhou uma existência própria dentro do acontecimento. E aí podemos afirmar

que ele tem não só um papel de mais destaque, com maior participação ao vivenciar e relatar

simultaneamente os fatos, mas também uma maior autonomia em relação ao que está sendo

produzido.

O repórter multimídia do grupo Associados cumpre a mesma função de um

videorrepórter ao fazer o papel de todos em uma equipe. Entretanto, o produto apresentado é

diferente daquele característico da videorreportagem, uma vez que ele produz matérias no

formato tradicional, como se fossem feitas com equipes inteiras. Não há narração sobre as

imagens e a edição utiliza takes rápidos e curtos. O jornalista também não conta com o apoio

da pauta, que é desenvolvida por ele, nem da chefia de reportagem para ajudar no

direcionamento das reportagens. Entretanto, os desafios e problemas técnicos são os mesmos

que o de um vídeorrepórter.

De acordo com a empresa, a intenção inicial era que Silva não aparecesse no vídeo,

tendo liberdade para criar modelos diferentes e até usar câmeras escondidas, em caso de

matérias investigativas. Proposta confirmada por Silva: “Meu trabalho, teoricamente, não era

para ser assim, era para ser mais aquela coisa câmera nervosa, com aquela narração [comum

às videorreportagens].”

Entretanto, dois fatores foram determinantes para que o videorrepórter não produzisse

no formato imaginado. O primeiro deles foi o próprio medo do jornalista de arriscar o

dinheiro da empresa e o outro a necessidade de mostrar sua competência, mesmo estando

sozinho, como assume Silva:

Eu viajo para o exterior, estou gastando, vou arriscar, vou brincar lá e vai que não ficou bom? Então eu preferi jogar aonde eu sei e onde eu consigo resolver do que arriscar um formato. Eu tinha carta branca pra usar, mas eu é que não quis, não quis para não perder conteúdo, para não falar que não funciona.(...) A gente está numa

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era digital, nosso principal concorrente tem doze câmeras no estádio, a melhor qualidade de imagem possível. Não posso chegar e inventar um ‘Bruxa de Blair’ novo aí. Porque eu não me perdoava pelo fato de errar e depois, ah coitado, também está trabalhando sozinho. Não, eu quero mostrar que sozinho eu sou tão bom como que se eu estivesse com duas pessoas. Porque isso aí é comigo, eu quero provar para

mim mesmo que eu dou conta de fazer o serviço. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

É importante refletir aqui sobre esta preocupação do repórter com os gastos da

empresa. Como já definido por Souza (2002), critérios financeiros são uma força

determinante dentro do campo da ação sócio-organizacional para a definição das notícias. As

despesas e os retornos com audiência são balizadores das diretrizes que determinam o

conteúdo. Ou seja, se o repórter está viajando, gerando custos, ele precisa apresentar um

material condizente a essas despesas. Além disso, está em jogo, implicitamente neste

depoimento de Silva, outro aspecto relacionado à questão financeira, mas, no caso, referente a

ele mesmo. Souza (2002) defende que os mecanismos de contratação, de progressão da

carreira e de demissão também são poderes exercidos pela organização em relação aos

jornalistas, influenciando o trabalho realizado por eles. Ao afirmar o desejo de provar que

atuando sozinho ele era tão bom como se estivesse com uma equipe, Silva deixa transparecer

a necessidade de aprovação de seu trabalho diante dos chefes. Avaliação esta que pode

resultar tanto em um crescimento quanto à estagnação profissional. Kunczik (2002) chama

atenção para o controle social entre as equipes jornalísticas. Existem ‘tesouras mentais’, ou

seja, autocensura resultante da reação aos poderes constantes e latentes de intervenção da

empresa. Na prática, os profissionais precisam combinar sua própria avaliação com o que

pensam que agradará seus editores.

Tais forças se somaram a ação pessoal do repórter na seleção e edição das

informações, outro aspecto levantado por Souza (2002) como determinante da notícia. Ao

reconhecer que preferiu “jogar aonde eu sei e onde eu consigo resolver do que arriscar um

formato” percebemos que Silva apostou em um modelo conhecido de reportagens. O

resultado no ar desse receio de não apresentar um material qualificado são as passagens sem

movimento, praticamente todas em plano americano ou plano mais fechado. Se quisesse fazer

movimentos, era preciso ajustar o foco da câmera à medida que fossem aparecendo variações

na luminosidade, mas, estando sozinho, não seria possível.

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Sob todas essas pressões, os jornalistas se valem de rotinas cognitivas familiares para

organizar e produzir sentido, além da tendência de procurar e selecionar informações que

confirmem suas convicções. E durante situações de grande circulação de informações, estes

profissionais acabam recorrendo a formas estereotipadas de pensamento, o que para Souza

(2002), ajuda a explicar a padronização noticiosa e a selecionar sempre como tendo valor

noticioso o mesmo tipo de acontecimento. Se imaginarmos a quantidade de assuntos,

personagens, fatos e profissionais da imprensa atuando em uma competição esportiva, e,

estando Silva sozinho diante deste cenário, pressionado por inúmeras forças, é possível

entender seu medo e suas escolhas durante a cobertura.

O fato de o repórter não apresentar o formato imaginado inicialmente pela empresa em

suas matérias é justificado ainda por outras razões. Benny Cohen admite que Silva passou a

integrar a escala fixa de repórteres do Alterosa Esporte por uma demanda de mais

profissionais no telejornal, o que diminui o tempo do videorrepórter para criar e imaginar

reportagens.

A ideia era que ele ficasse sempre fora da cobertura de rotina, não era um cara para ficar indo diariamente nos CTs.. Mas o esporte anda meio acomodado nessa parte e usa o Marcelo pra essas coisas. Porque aí fica uma escala bacana: quatro repórteres, dois em um final de semana, dois no outro, ficou tudo ajeitadinho. Ao invés de acompanhá-lo ali, passo a passo, a gente acabou deixando a coisa correr e ele entrou

para rotina, o que não deveria ter acontecido. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Estar na escala significa, para o repórter, um maior número de tarefas diárias, as quais

precisam ser realizadas observando a quantidade de conteúdo para o programa, a concorrência

e a falta de liberdade da cobertura esportiva em razão da pressão das assessorias de imprensa

dos clubes; fatores que, segundo ele, não combinam com experimentações:

Quando você entra na escala você está sujeito a tudo: o final de semana é seu, então você tem que fazer o jogo, você tem que fazer a câmera de baixo, você tem que fechar o VT, você tem que fazer o VT do J2... E aí, ainda mais com essa questão na minha cabeça, de que eu tenho que mostrar que dou conta, eu tenho que fazer... Então eu acabei fazendo aquela estrutura normal: off, passagem e sonora, off, passagem e sonora... Porque você está sozinho, então não pode chegar e inventar

alguma coisa diferente. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

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O editor convergente faz mea culpa e revela, inclusive, um desejo de mudar a editoria

do repórter:

É uma coisa que eu e a chefe de redação temos que cobrar mais do editor chefe do programa que tenta levar o Marcelo para esse campo. Mas eu acho que agora ele está em um caminho meio sem volta. Tem hora que até eu penso em tirá-lo do

Alterosa Esporte e trazê-lo para a geral. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Para Marcelo, o fato de estar no esporte ou na geral não faz diferença, mas sim, a

pressão da rotina, a escala de trabalho: “ O problema hoje é que estou muito em função da

escala. A partir do momento que eu tiver autonomia para ficar realmente fora da escala e

produzir, aí acho que vou poder arriscar.”

É interessante notar no discurso dos três entrevistados como as rotinas de produção, a

cultura profissional, os interesses editoriais e econômicos e os lançamentos tecnológicos

interferem nessa distribuição de conteúdo entre os veículos, pilar do processo convergente do

grupo. A articulação entre tais elementos é o objeto de análise do newsmaking, ou a teoria que

estuda a produção da notícia, discutida neste capítulo a partir das análises de Souza (2002).

Embora tais forças sejam determinantes na produção do trabalho do repórter

convergente, o próximo capítulo vai focar a análise no produto final deste jornalista: as

reportagens da TV e internet a partir do conceito de narrativa transmídia, elaborado por Henry

Jenkins (2008), apresentado no primeiro capítulo desta dissertação. Para isso serão eleitos

operadores metodológicos que permita analisar a produção e a distribuição do material

noticioso. Ao final, a intenção é demonstrar se as reportagens de Marcelo Silva conseguiram

materializar a convergência tão buscada pelos Diários Associados no plano narrativo.

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4 A COBERTURA ESPORTIVA DO REPÓRTER CONVERGENTE

4.1 Jornalismo Esportivo

O esporte, em todo o mundo, independentemente da modalidade, é capaz de mexer

com diferentes classes sociais, raças, religiões e credos. Para explicar esse fascínio, Freitas

Filho (1985) recorre ao sociólogo francês Georges Magnane, que define o esporte como

“ meio lícito de reagir à fascinação da violência.” (MAGNANE apud FREITAS FILHO, 1985,

p.53). Tal conceito é ampliado por Freitas Filho, para quem toda competição é, em última

análise, um embate onde os resquícios de violência estão presentes em altas doses. “ Há os

vencedores e vencidos, e é baseado nesta dicotomia que trabalham os veículos.” (FREITAS

FILHO, 1985, p.53).

Outra explicação para a sedução do esporte é a possibilidade da “ atitude ativa,

representada pelo alto grau de identificação entre os protagonistas do acontecimento esportivo

e suas testemunhas.” (FREITAS FILHO, 1985, p.54). Atitude esta que permite ao torcedor

experimentar emoções e sentimentos que são ainda mais exacerbados pela imprensa cotidiana.

A partir dos discursos produzidos por ela, o torcedor se envolve não só na hora do jogo – ele

se manifesta permanentemente, dando opiniões e participando de debates em casa, no trabalho

e nos momentos de lazer.

Borelli (2002) ressalta que o esporte sem linguagem torna-se apenas um movimento

biomecânico e fisiológico, não sendo levado em conta seu aspecto simbólico, cultural e social.

O esporte só ganha existência social porque passa por procedimentos técnicos, teóricos e por uma grande conversação empreendida no cotidiano, seja pela construção da agenda midiática ou pelas falas dos atores sociais – da opinião pública. Sem o empreendimento da linguagem sobre o esporte, ele passa a ser apenas uma atividade regrada, praticada pelos seus atores, ficando limitada à

experiência daqueles que o vivenciam. (BORELLI, 2002, p.2,3).

Este cruzamento entre esporte e mídia é encarado por Souza (2005) como

complementar. O esporte, relacionado a aspectos lúdicos da sociedade, é, por si só, uma forma

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de lazer e entretenimento que encontra na mídia uma forma de figurar como espetáculo que

garante retorno em venda e em audiência.

O jornalismo, como atividade empresarial, serve-se da fascinação do esporte para transformá-lo em lucro e prestígio [que também se converte em lucro, posteriormente]. Em troca, beneficia as próprias entidades esportivas – os clubes e

associações – fazendo-as operar com um negócio altamente rentoso. (FREITAS FILHO, 1985, p. 52).

Dentro do grupo Associados, o esporte representa uma das áreas de maior retorno. Na

TV Alterosa, o repórter convergente Marcelo Silva revela que os programas esportivos são o

“principal produto da casa em termos de faturamento.” Ciente deste filão, a empresa inclusive

criou mais um programa. Além do Alterosa Esporte, já consolidado durante a semana nos

horários do almoço, o Bola na Área substituiu, aos sábados, o Jornal da Alterosa 1º edição.

Para compensar a falta do jornal, o apresentador do Bola anuncia durante o programa flashs

de matérias que os repórteres fizeram durante a manhã, como acidentes, assaltos, enfim,

qualquer notícia que poderia ter ido ao telejornal.

Esse negócio lucrativo levou as empresas de comunicação, principalmente as TV’s, a

se tornaram grandes incentivadoras e até investidoras do esporte em todo o mundo. Lemos

(2002) aponta três motivos para este envolvimento cada vez maior entre futebol e jornalismo.

Muitos clubes tornaram-se unidades de negócio controladas por empresas de comunicação: a

mesma empresa que tem como produto a transmissão de jogos e outros programas sobre eles

assume também o controle do clube ou da competição.

Outro motivo é que se as empresas jornalísticas não podem comprar clubes, elas

adquirem os direitos dos clubes ou federações de transmissão dos jogos, e, por último, as

próprias empresas passaram a promover eventos esportivos. Isso pode ser explicado pelo fato

de o jornalismo depender da sucessão dos acontecimentos para noticiar, por isso a

necessidade de um calendário de competições, mas essas são realizadas seguindo a lógica dos

meios de comunicação, uma vez que a exibição ao vivo de um jogo não pode atrapalhar a

grade de programação das emissoras.

Caso não seja a promotora do jogo/campeonato ou não tenha os direitos de

transmissão, as empresas jornalísticas dependem de grande aporte financeiro para diferenciar

sua cobertura e, consequentemente, tentar atrair mais audiência. Embora isso seja comum em

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todas as editorias de um jornal, a situação fica explícita durante grandes eventos esportivos,

como Olimpíadas ou Copa do Mundo.

Analisando a cobertura do Mundial da Coréia e do Japão, Coelho (2003) avaliou que o

material desenvolvido pela imprensa depende, principalmente, de investimento econômico.

Equipes compactas que cobriram a Copa do Mundo e se desdobraram para dar conta de tantas

matérias acabaram apresentando uma menor quantidade de notícias e sempre mais

superficiais. “Quanto mais econômicas, menos qualidade as redações apresentam. E mais

difícil fica manter o padrão de qualidade.” (COELHO, 2003, p.30).

Isso fica claro quando se compara a cobertura realizada pela TV Alterosa com a das

grandes emissoras, como Rede Globo e Record durante a última Copa do Mundo, na África

do Sul. Da emissora mineira foram o jornalista Leopoldo Siqueira, apresentador do Alterosa

Esporte e um cinegrafista/editor, Alan Passos, e o repórter convergente Marcelo Silva, que

atuava sozinho nas tarefas de produção, reportagem e edição. Essas duas equipes se dividiam

pelo país africano para dar conta de cobrir, pelo menos, os jogos do Brasil. O conteúdo

exibido não foi menor, apenas em quantidade. A qualidade das imagens também deixou a

desejar, além da profundidade da cobertura.

Tal situação é recorrente não apenas em eventos mundiais. Para os jogos de times

mineiros realizados fora de Belo Horizonte, o repórter convergente continua sendo enviado.

Aí é apenas uma câmera contra uma estrutura gigantesca das outras emissoras: “Hoje a gente

está numa era digital, nosso principal concorrente tem doze câmeras no estádio, a melhor

qualidade de imagem possível.” E Silva precisa, com apenas um equipamento “fazer o treino

do time, fazer outra imagem para fazer o material render (procurar imagens diferentes para

explorar durante os programas) e não ficar naquela cobertura comum.”

Além da capacidade de financiar grandes coberturas, outro fator determinante no

jornalismo esportivo, ainda relacionado à questão econômica, é a pressão dos patrocinadores

dos clubes. Silva comenta que diferenciar a cobertura entre as emissoras se torna cada vez

mais difícil devido às regras estabelecidas para todos de filmagens e entrevistas:

Hoje o atleta, o clube por si só, depende muito do patrocinador. E o patrocinador só aparece no momento que o clube está com a camisa, a do jogo ou a do treino, e aí ele vai estar na frente do banner. Ou seja, as imagens são permitidas a partir do momento que há o treino, ou seja, todos os trinta e seis jogadores estão com a camisa de treino, que esta lá o patrocinador e vão falar com o banner atrás. Dentro

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dos clubes [nas reportagens sobre treinos do dia-a-dia] o fato do patrocínio não aparecer gera um problema.(REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Os responsáveis pelo cumprimento dessas regras e a estipulação de outras são as

assessorias de imprensa, hoje, presentes em todos os grandes times nacionais. Esse serviço é

um retrato do intenso interesse da mídia pelo futebol. De acordo com o repórter convergente,

elas foram responsáveis por mudar o perfil da cobertura esportiva. Silva afirma que as

assessorias dificultam o acesso ao atleta e cerceiam o trabalho dos jornalistas:

Você pode estar no mesmo hotel que os caras, mas lá dentro você não pode fazer imagem, lá dentro é um momento deles. [...] Aí quando quero fazer uma matéria fora [do hotel ou clube], aí já é difícil, já impõem algumas barreiras... não vou dizer que seja impossível, mas é muito difícil. A assessoria muitas vezes não colabora, aí tem que ser o contato de você com o próprio atleta. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Este exemplo nos permite comprovar a teoria de Souza (2002) para quem as fontes de

informação, neste caso as assessorias, são uma força determinante de definição das notícias.

As fontes podem reter, travar ou acelerar a difusão de informação e moldá-la a seus interesses,

para que a cobertura se faça num ângulo favorável, desprezando assim, as informações

negativas. Uma relação delicada uma vez que, se por um lado, as assessorias ainda dependem

dos principais veículos para divulgar informações sobre o clube para o grande público, os

jornalistas estão sujeitos a seus informantes porque, se esse contato for abalado ou terminar, o

fluxo de informações poderá interromper-se, o que prejudicaria a cobertura e,

consequentemente, abalaria a audiência daquela empresa jornalística.

Se por um lado os clubes adotaram estruturas jornalísticas para atender a imprensa, os

jornalistas que cobrem esporte também procuraram se especializar. Esse maior conhecimento

exigido dos jornalistas é, segundo Borelli (2002), reflexo ainda de fatores como a própria

divisão do trabalho jornalístico, a diversificação do campo esportivo e a pressão da sociedade,

que passou a se interessar mais pelo assunto requisitando uma especialização maior das

mídias. Lemos sustenta, a partir de Eco (1984), que a transmissão dos eventos esportivos

pelos meios de comunicação formou um público leigo e criou a demanda por comentaristas

para traduzir os aspectos técnicos do jogo. Essa oposição sancionaria a profissionalização do

esporte, separando produtores e consumidores.

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Coelho (2003) acredita que uma boa cobertura esportiva dependa justamente dessa

especialização. Construir uma boa história, priorizar informação, ter noção do lide é a síntese

da profissão, o que “ não exclui que quanto mais bem formado for o jornalista, mais fácil será

adquirir técnica” . (COELHO, 2003, p.41). O conhecimento adquirido sobre a área é a forma

de construir matérias mais detalhadas e concretizar um contato mais amistoso com as fontes,

que reclamam, cada vez mais, – principalmente antigos atletas e técnicos – do pouco

conhecimento dos repórteres para discutir o esporte. O tipo de tratamento dado à notícia vai

depender justamente deste conhecimento: “ É a experiência que vai ensinar ao jornalista

avaliar a importância da informação e definir qual tratamento dar a ela. E qual tratamento

deve receber. E ao mesmo tempo vai fazê-lo não subestimar a notícia aparentemente

irrelevante.” (COELHO, 2003, p. 45).

Esta especialização reforçou o fato de o jornalismo esportivo ser considerado uma

atividade específica dentro do campo jornalístico. Borelli (2002) busca em Amaral (1969) a

explicação para a autonomia da editoria de esportes em relação às demais. A justificativa

estaria na natureza e na finalidade desta cobertura, que objetivam o “entretenimento”. Por

isso, a cobertura esportiva demanda um tratamento diferenciado que se manifesta em uma

relativa liberdade de linguagem e formatação de reportagens, incorporando fatores

característicos do esporte, como descrição da ficha técnica dos jogos e uso de expressões

características do campo competitivo, marcada por “ uma linguagem agonizante, de combate,

mais despojada, em função do campo ser, sobretudo, entretenimento.” (BORELLI, 2002,

p.10).

Nas redações, os acontecimentos esportivos são enquadrados, portanto, na categoria de

notícias brandas ou leves, que geram uma grande quantidade de histórias de interesse humano.

Histórias essas construídas a partir do modelo espetáculo, como definido por Gomes (2004).

Embora o estudo dele se concentre na cobertura política, percebe-se que o jornalismo

esportivo também adota a mesma prática que

combina técnicas de apuração jornalísticas com técnicas de escrita dos criadores de ficção. Ele coleta fatos e conta histórias. Quando descreve eventos, eles são apenas cenários e circunstâncias para as histórias que se desenvolvem. (...) Se há fatos e pessoas que resistem às narrativas prévias, estes ou são descartados como notícias ou são introduzidos à força na fôrma e ajustados de um modo ou de outro para que o jornalismo não perca as facilidades e vantagens que o emprego de esquemas e

clichês lhe assegura junto às audiências. (GOMES, 2004, p.347).

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Esse enquadramento ao modelo espetáculo se materializa nos ‘valores notícia’

utilizados pelo jornalismo esportivo. Tais valores são as qualidades atribuídas ao

acontecimento para que ele seja publicável, como acontece com qualquer notícia. Wolf

(1987) definiu bem o que são esses critérios: “conjunto de elementos através dos quais o

órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais

há que selecionar as notícias.” (WOLF, 1987, p.173).

Essa noticiabilidade encontra explicação na conjunção de fatores como ação pessoal,

social, ideológica, cultural, tecnológica, histórica. (SOUZA, 2002). Devido justamente a essa

multiplicidade de forças, os critérios de noticiabilidade não são rígidos nem universais.

Flexíveis, comparáveis e mutantes com o tempo, eles se completam e estão presentes em todo

o processo de produção: da pauta à edição.

Tais critérios se cristalizam dentro do campo jornalístico, onde são apreendidos e

difundidos. Quanto mais valores-notícia apresentar um fato, maior será sua noticiabilidade.

Também no noticiário esportivo há maiores chances de se tornar notícia o que é factual, o que

desperta o interesse do público, o que atinge o maior número de pessoas, o que é inusitado ou

curioso, aquilo que é novidade e que apresente bons personagens. Para o caso de a notícia ser

veiculada na televisão, o acontecimento precisa ainda ser capaz de gerar boas imagens, ter

unicidade, ser parte de uma grande narrativa, causar impacto emocional e apresentar um

potencial espetacular para fazer frente aos demais produtos televisivos. (SOUZA, 2005).

Além desses critérios, outros são mais específicos ao jornalismo esportivo,

materializados nas coberturas marcadas pelo culto ao herói, pela construção de ícones

esportivos a partir do uso de personagens nas matérias, pelas reportagens sobre a vida dos

esportistas de grande destaque e uma cobertura que ainda tem como características

“ julgamentos, avaliações, análises de competições, de fatos inusitados, de relações que são

estabelecidas no dia-dia esportivo, etc.” (BORELLI, 2002, p. 3).

Sousa (2005) investigou 21 reportagens dos programas Globo Esporte e Jornal

Nacional para avaliar os critérios de noticiabilidade observados apenas nas matérias

esportivas e aqueles que poderiam ser atrelados às notícias em geral. A conclusão da pesquisa

mostrou que os critérios específicos da notícia esportiva não são muito diferentes daqueles

mais universais aplicados à matéria-prima jornalística. Entretanto, a noticiabilidade é

constituída a partir da complementação entre o que Souza (2005) identificou como valores

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jornalísticos, de um lado, e como estratégias de mobilização da indústria do entretenimento,

do outro. Segundo a autora, existe uma forma de tratar a matéria-prima como algo que ao

mesmo tempo pode servir de fonte de informação e diversão.

A cobertura esportiva na televisão, embora não deixe de ser jornalismo, é um produto

que foge ao conceito de jornalismo tradicional, uma vez que incorpora marcas identitárias

muito fortes do entretenimento. A notícia esportiva, neste contexto, pode ganhar o

acompanhamento de vinhetas, efeitos especiais e música. Além disso, a figura do repórter está

longe de ser aquela pretensa imagem de mero observador e relator dos fatos: “[...] no esporte,

ao contrário, o repórter pode se posicionar de forma a participar do acontecimento, seja

externando sua opinião, seja protagonizando alguma situação na narrativa.” (SOUZA, 2005,

p.16). O repórter convergente dos Associados confirma que só não se vale de recursos como

vinhetas e músicas devido às barreiras tecnológicas. Como as reportagens dele são enviadas

pela internet, o acréscimo destes ‘extras’ torna o arquivo mais pesado, dificultando o envio

pela web.

Como as matérias analisadas para o estudo de caso desta dissertação são esportivas,

cabe aqui resumir os critérios analisados por Souza (2005) referentes ao jornalismo como um

todo e ao jornalismo esportivo, que serão articulados a informações sobre a cobertura

esportiva dos Associados, além de exemplos citados pelo repórter convergente Silva. Entre os

critérios analisados por Souza (2005) como recorrentes a qualquer notícia jornalística estão:

Novidade, factualidade e importância dos envolvidos – Estes três critérios são característicos

à moderna atividade jornalística com raízes em meados do século XIX. O noticiário esportivo

também se afirma como jornalismo quando as notícias são selecionadas em função destes

princípios. Durante a pesquisa, Souza (2005) verificou que, aplicados ao esporte, tais critérios

dizem respeito a três distintas “classes” de notícias: aquelas relacionadas às mudanças no

elenco dos times (novas contratações); as que se referem aos resultados de jogos e à

classificação das equipes; e aquelas que tratam dos times que lideram a competição, dos

grandes clubes ou de celebridades do mundo dos esportes. A cobertura do homem-banda teve

início justamente porque o Cruzeiro, um dos principais times mineiros, ia jogar em outro país

e a cobertura dos jogos do clube são fundamentais para o jornalismo esportivo da emissora.

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Público atingido - Para o jornalismo em geral, quanto maior for o número de pessoas

atingidas por um acontecimento, maior a possibilidade de tornar-se notícia. Com o esporte

este critério também explica a predominância de algumas reportagens, como aquelas sobre os

chamados ‘times grandes’. Já as pequenas agremiações precisam gerar fatos curiosos para

terem acesso ao espaço midiático.

Curiosidades/ Fatos inusitados - Por convenção, aquilo que foge da rotina do dia-a-dia é

notícia. Mas a busca por este inusitado acabou por transformar o diferente em rotina, já que

ele é constante em todos os noticiários, “ principalmente no noticiário esportivo onde esta

rotina curiosa é o que guia a seleção das notícias relacionadas com agentes que não atendem a

outros critérios de seleção.” (SOUZA, 2005, p.10). Silva fornece um bom exemplo deste

critério, ao comentar o surgimento de uma coruja em pleno estádio:

O Cruzeiro ia jogar a Libertadores na Colômbia. Quando eu chego lá, o fato principal era um jogador que chutou uma coruja que vivia no estádio. A coruja pousou no campo, o jogador foi lá, meteu o bico e matou a coruja. Aí a Colômbia estava em polvorosa. E o Cruzeiro estava chegando justamente nessa data, e o Fábio, goleiro ídolo do Cruzeiro, é um cara que gosta muito de animais. Aí eu fui lá conversar com ele, explicar a situação, e ele contou que já adotou uma coruja.

(REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Interesse humano, impacto passional e narrativa de superação - Estes três critérios presentes

em qualquer produto telejornalístico podem ser exemplificados no esporte a partir de algumas

coberturas recorrentes no noticiário esportivo. O interesse presumido na carreira e na vida

pessoal dos atletas serve de critério para a noticiabilidade de alguns fatos. Uma típica história

de interesse humano na editoria de esportes é a vida dos jogadores de futebol. A autora

recorre a Gabler (1999) que afirma estarem os eventos esportivos subordinados às histórias de

vida dos atletas e que são essas histórias que acabam por conectar o público a um evento na

atualidade, já que o público não se satisfaz mais com o esporte, e sim, com estórias sobre

esportes.

Silva comenta que precisou mudar o planejamento da cobertura de um jogo entre

Cruzeiro e Desportes Tolima pela Libertadores da América, na Colômbia, pelo fato da mãe de

um jogador ter sido assaltada. A previsão inicial da reportagem era:

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vou fazer o VT em cima do jogo e depois na correria deles pra sair do estádio pegar o avião, correr, etc., etc. Aí fechei o VT, gravei minhas passagens, fiz a imagem dos jogadores entrando no ônibus, entrei no táxi, corri lá fazendo a escolta policial, todo aquele aparato, os caras entrando, a ideia de pegar eles entrando no avião, etc., etc. Quando eu cheguei lá, eu vi que tinha um grupinho de jornalistas esperando. Eu falei: uai, tem coisa aí. Aí um amigo falou: a mãe do Roger foi baleada no Rio de Janeiro, uma tentativa de assalto, o companheiro dela morreu.. Eu não queria perder essa informação. Aí encaixei no VT e no final das contas até deu para separar o Roger em um terceiro VT. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Ou seja, o drama particular do jogador se transformou em uma única matéria, confirmando o

interesse da imprensa por estórias que envolvam a vida pessoal dos atletas.

Ainda assim, ao acontecimento não basta oferecer uma história de interesse humano,

uma vez que hoje se busca por elas deliberadamente. Por mobilizar um número maior de

sentidos, a televisão está sempre à procura daquilo que desperta emoções nas pessoas, sejam

elas quais forem. No caso do telejornalismo, esta procura se manifesta no caráter

melodramático emprestado às reportagens. Souza (2005) cita Bucci (1996) para quem o

telejornalismo brasileiro se organiza como um melodrama informativo. E o atual modelo

editorial que rege o telejornalismo esportivo parece incorporar de maneira unívoca esta

organização.

Barbeiro e Lima (2005) acreditam que, embora seja costume dizer que não há boa

cobertura esportiva sem emoção, é ela que faz com que o telejornalismo esportivo se situe em

uma linha tênue entre “a pieguice e a razão. [...] O exagero é um passo para a desinformação.”

(BARBEIRO; LIMA, 2005, p. 108). Por isso, os autores defendem que a intervenção do

repórter deve ser discreta, sem manipular os telespectadores com o uso indiscriminado de

adjetivos e advérbios.

Humor, espetáculo e entretenimento- Características cada vez mais presentes no noticiário em

geral, principalmente quando se percebe que o fator audiência está em jogo, estes critérios de

noticiabilidade também se aplicam à cobertura esportiva. Como notícia branda, que dá conta

de um aspecto lúdico presente na sociedade, é inerente a ela a potencialidade de apresentar

humor e espetáculo e de ser selecionada por causa da diversão que pode oferecer. Selecionar

uma notícia pelo humor, espetáculo ou entretenimento é selecioná-la por critérios que de tão

interligados soam como um só. De alguma forma, o telejornal esportivo se constitui como um

momento de diversão em meio à informação, justamente por causa das características da

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notícia com que trabalha. No programa Alterosa Esporte, os integrantes da bancada, composta

por torcedores dos times mineiros, brincam o tempo todo com os ‘adversários’ e o

apresentador. O tom coloquial e as piadas viraram marca do programa. E a participação do

público, por e-mails e tweets lidos ao vivo, também é marcada por este tom. Cohen comenta

um e-mail enviado após a TV ter mostrado o desfile de mulheres que concorrem ao título

“Gata do Mineiro”, uma competição realizada pela emissora para eleger a mais bonita

representante de um time:

Hoje mesmo, depois que a menina do Ipatinga tinha acabado de desfilar, o cara mandou uma mensagem falando: eu adoro o Dadá, acho a bancada sensacional, mas vamos combinar? Essa menina do Ipatinga é maravilhosa. Quer dizer, umas brincadeiras que são a cara do programa e que tem a ver. O cara interagiu com o programa, com um conteúdo que acabou de ser exibido e isso é lindo no ar. Muda a

dinâmica do programa, é muito legal. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Valorização do personagem - Reportagens inteiras passam a ser narradas a partir da

perspectiva do personagem que, supostamente, é um componente de humanização da notícia,

uma das prerrogativas de um jornalismo que busca se afastar da frieza dos acontecimentos em

si, da narrativa do fato pelo fato. A personalização foi descrita por Lemos (2002) como a

“ síntese dos fatos em figuras exemplares, que tanto simplificam a complexidade do real como

permitem a identificação do leitor”. (LEMOS, 2002, p.3). Fatos, motivações e consequências

podem ser resumidos, de modo simples, nas qualidades e ações atribuídas a um personagem

exemplar.

Souza (2005) busca em Marfuz (2003) a reflexão sobre o papel do personagem na

composição jornalística na atualidade, lembrando que este é um componente que remete à

dramatização da notícia, característica do jornalismo contemporâneo:

A presença do drama na construção do acontecimento jornalístico é uma das marcas emblemáticas do discurso informativo contemporâneo. O telejornalismo brasileiro não foge à regra ao tratar a notícia, em muitos casos, como se fosse uma história extraída de uma peça de teatro, utilizando-se para isto de estratégias dramáticas bem sucedidas, entre as quais se destaca, por sua importância e recorrência, a composição da personagem. (MARFUS, apud SOUZA, 2005, p.9)

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O noticiário esportivo se pauta cada vez mais pelos personagens que protagonizam as

histórias noticiáveis, sejam eles celebridades ou anônimos. De acordo com Lemos (2002), no

futebol, a exposição dos jogadores pela imprensa começou no início do século XX, quando

também o cinema criava as primeiras estrelas. Nas décadas de 1920 e 1930, Mário Filho

introduziu à limitada cobertura de resultados de jogos, comentários e histórias de jogadores. O

jornalista entrevistava os craques e explorava as biografias nos intervalos dos campeonatos

para garantir assunto às páginas de esportes dos jornais. “ O jornal constrói um personagem da

mídia ao transformar em notícia todos os seus passos” . (LEMOS, 2002, p.12).

Os ídolos do futebol encarnam, ao longo do século passado e até hoje, aspirações

coletivas como a ascensão social, em especial os negros. “ O mundo do futebol é idealizado

como uma meritocracia em que os mais talentosos vencem, a despeito da origem social ou da

cor.” (LEMOS, 2002, p. 13). Para Freitas Filho (1985), os ídolos do futebol surgem e

desaparecem rapidamente, uma vez que o que o mantém “ no estrelato é a imagem que se

criou para ele e não o que ele na verdade é.” (FREITAS FILHO, 1985, p.56). Lemos (2002)

acredita que a rápida substituição desses ídolos acompanhe o ritmo da sociedade de consumo.

Para esses autores, há interesses dos dois lados no que se refere à criação, manutenção e

substituição desses personagens do mundo dos esportes. Freitas Filho (1985) ainda afirma que

é por meio dos ídolos que o jornalismo esportivo consegue mostrar

todo um conjunto de valores padronizados que tem por finalidade ‘narcotizar’ as massas. (...) Os meios de comunicação os colocam frente a frente, todos os dias, vendendo seu modus vivendi a quem quiser assimilá-lo. Vender, inclusive, encerra

o objetivo último de todo esse complexo. (FREITAS FILHO, 1985, p.58).

O autor admite, no entanto, que a imprensa não fabrica sozinha os ídolos – existe um

contexto, por trás do ídolo, propício a um perpétuo jogo de interesses. Lemos (2002) também

aponta a participação dos jogadores nesse processo, que segundo ela, por um “ movimento

narcísico” e ao se “ reconhecerem apenas por meio da mídia,” esses jogadores adotam

comportamentos favoráveis à sua transformação em personagens. Mas, uma vez assim

definidos, eles perdem o controle sobre os próprios personagens em que se transformam.

Geração de boas imagens - Embora para televisão a existência de boas imagens seja um

critério fundamental para a reportagem, Souza (2005) acredita que na cobertura esportiva o

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apelo das imagens tenha uma importância redimensionada no noticiário e, não raro, elas são a

notícia em si: o registro do gol, da falta, da bela jogada. A preocupação em apresentar

imagens de qualidade pontua toda a entrevista do repórter convergente dos Associados. Silva

reconhece que a concorrência possui dezenas de câmeras, de alta qualidade, responsáveis por

flagrar lances decisivos, o que a ele se torna difícil, uma vez que atua sozinho e com apenas

um equipamento. O repórter admite que em jogos especiais, como os clássicos entre Cruzeiro

e Atlético, a participação dele é vetada, uma vez que “as equipes com iluminador,

cinegrafista, repórter, motorista, ou seja, a melhor estrutura tem que fazer Cruzeiro e Atlético.

Ou seja, é uma matéria especial, então vai a melhor estrutura.”. A ele cabe acompanhar esses

times apenas quando estão fora de Belo Horizonte, uma vez que as viagens, com equipes

completas representam um custo elevado para a empresa.

Os critérios apresentados a seguir estão ligados exclusivamente, segundo a pesquisa de

Souza (2005), ao jornalismo esportivo:

Rivalidade, provocação e conflito- O esporte enquanto competição pressupõe a existência de

rivalidade, seja em que nível for: entre times, atletas, torcedores. Logo, a noticiabilidade

também se pauta pelo conflito que se instala nas situações noticiáveis. Silva explica que, ao

dividir o conteúdo de um treino comum, normalmente seguido por uma coletiva, entre a

Alterosa e o portal UAI, este critério de noticiabilidade é decisivo. O exemplo citado por ele o

levou a enviar pela internet, logo após a entrevista, um trecho da fala do treinador para o UAI:

“Na coletiva do técnico que xingou o outro, tava bravo lá, aí eu mando. Xingou, é o assunto,

aí mando lá o vídeo, uma sonorinha.” Silva comenta ainda que os clubes tentam evitar os

atritos, mas esse tipo de assunto ganhou valor na cobertura jornalística:

Hoje os atletas são instruídos a não provocar o adversário, isso fica muito mais na boca dos dirigentes do que do próprio atleta para evitar provocações. Mas o que gera assunto é a provocação, na hora de fazer o gol provoca o outro, aí você repercute

isso. Porque só o dia a dia é muito chato. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

Resultado inesperado- O placar de um jogo aparece como um critério de peso, especialmente

quando é inesperado ou improvável.

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Realização de competições - os critérios de seleção válidos para determinado esporte acabam

sendo adaptados e servindo de baliza para que as demais modalidades também sejam

noticiadas. O que justifica para o telespectador a veiculação de uma reportagem sobre um

esporte amador, em primeiro lugar, é a realização de uma competição ou algum evento

relativo a uma disputa, como um treino, por exemplo.

Em uma análise para além desses critérios de noticiabilidade, percebe-se que, em

qualquer veículo, o esporte se tornou mais que a ocorrência do fato em si, pois a cobertura

ganhou ainda, na definição de Borelli (2002), uma pré-agenda e uma pós-agenda, como a

preparação do jogo e as ressonâncias do mesmo. Se no início as matérias esportivas se

resumiam às coberturas factuais, uma vez que se acreditava que informações sobre treinos e

concentrações não aumentariam a audiência, hoje a cobertura jornalística é dividida em

factual (que se ocupa do fato em si, no momento da realização) e sequencial (que reporta não

só o antes e o depois do fato, mas também o dia-a-dia específico deste mundo). (FREITAS

FILHO, 1985).

Silva comenta que hoje a cobertura precisa ir além do factual e acredita que, daqui a

alguns anos, esse tipo de reportagem vai ficar em segundo plano, por causa da audiência

alcançada:

O dia a dia, o treino em si, isso não gera muita coisa(audiência). Mas a polêmica, a briga, a brincadeira, a resposta a uma crítica, isso já gera assunto.Vai sempre além do factual. Tem que ser a cobertura mais em cima do que gera atrito, o que gera polêmica, o que gera repercussão, é o pênalti roubado, é o fulano... tem que ser o diferente. Cobrir o treino em si, eu acho que com o tempo, isso vai acabar, a cobertura do treino por si. Só vai voltar na hora daquele momento de decisão, mas

enquanto o campeonato tiver no inicial, acho que vai acabar... (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

E se a cobertura não se prende ao fato em si estimula o que alguns autores,

capitaneados por Eco (1984), intitulam de ‘falação do esporte’, materializada por uma intensa

conversação, nas mais diversas mídias, com programas de mesas-redondas e debates entre

técnicos, especialistas, jogadores e ex-atletas, por exemplo. Os programas esportivos da TV

Alterosa duram, em média, 30 minutos por dia. Para preencher o espaço são veiculadas

opiniões dos torcedores, dos comentaristas que ainda são debatidas no estúdio pelos membros

da bancada e pelo apresentador. No programa Bola na Área, além do apresentador, outros

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quarto jornalistas do grupo também possuem espaço e tempo livre para comentar e comentar

sobre os comentários etc. Na internet, o Superesportes, área dedicada ao esporte dentro do

UAI, ainda traz espaço para comentários, enquetes e 14 jornalistas do portal possuem blogs

para falar sobre o assunto, além de três mantidos por colaboradores.

Todos esses discursos gerados não pelo fato em si - um jogo, um campeonato - mas

pelos desdobramentos criados pela cobertura jornalística levaram Eco (1984) a afirmar que o

esporte como prática já não existe mais. A noção de praticar o esporte se confunde com a de

falar o esporte. O que temos é apenas “ a falação sobre a falação do esporte.” (ECO, 1984,

p.224). Dessa forma, a partir do jogo, há o esporte ao quadrado, transmitido pela mídia, e o

esporte ao cubo, o discurso da mídia sobre o esporte. A imprensa é que recria, engendra e

produz os discursos sobre o esporte, construindo uma grande “falação esportiva”.

E embora o discurso seja contínuo, não há mensagem, a falação apenas obedece à

função fática da linguagem de manter contato. Eco cita a obra mais famosa do filósofo alemão

Heidegger, Ser e Tempo (1927) para explicar esse esvaziamento da mensagem na cobertura

esportiva: “ A falação é a possibilidade de compreender tudo sem qualquer apropriação

preliminar da coisa, a falação [...] não só desobriga da tarefa de uma autêntica compreensão,

mas foge a uma compreensibilidade indiferente através da qual nada mais de incerto existe.”

(HEIDEGGER apud ECO, 1984, p.225).

No texto “Mundial e suas pompas” (Eco, 1985), Eco dá mais explicações sobre esse

vazio das mensagens esportivas exemplificando o caso do futebol. Para o autor, quem escreve

sobre futebol precisa ter um mínimo de competência, mas, de uma forma geral, ela é restrita e

bem concentrada. Afinal, o discurso futebolístico “ permite assumir posições, expressar

opiniões propor soluções sem que ninguém seja detido ou fique, por isso [...] à suspeita.”

(ECO, 1984, p.231). Eco também critica quem tem disponibilidade cotidiana à discussão

vazia, uma vez que a falação esportiva é a “ magnificação do desperdício e por isso o ponto

máximo do consumo.” (ECO, 1984, p.226).

E consumo, traduzido em audiência, é o ponto chave da cobertura esportiva hoje.

Exibir reportagens sobre os grandes clubes mineiros foi o que impulsionou o grupo

Associados a apostar na experiência do homem-banda, uma vez que as outras emissoras

estariam transmitindo ou fazendo matérias completas sobre as competições.

Independentemente do motivo que levou o grupo a apostar neste modelo, para esta pesquisa,

interessa investigar como essa produção esportiva para internet e TV se articula com o ideal

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de convergência de mídias idealizado pelo grupo, o que será discutido no último tópico deste

capítulo.

4.2 Considerações Metodológicas

O método escolhido para essa investigação foi o estudo de caso feito por meio de

pesquisa qualitativa. Esta escolha apoiou-se no pressuposto de que entre o objeto de pesquisa

e o pesquisador está colocada a subjetividade deste último, em todas as etapas de trabalho. A

abordagem qualitativa, por meio da interpretação crítica do objeto empírico, materializou-se

nesta pesquisa na coleta de dados e análises das reportagens e nas entrevistas em

profundidade.

Pensar a questão da convergência de mídias é uma tarefa complexa não só pela

natureza do assunto em si, mas pelo contexto de velozes transformações no qual ela está

inserida. É, portanto, um desafio discutir a dinamicidade de um processo que se faz

exatamente nessa complexidade de interações. A seleção do corpus levará em conta este

aspecto fundamental: a instabilidade da produção do repórter convergente. Uma vez que o

trabalho desse profissional é uma experiência pioneira dentro dos Associados e, como tal, sem

fórmulas prontas para o trabalho diário, a produção de reportagens oscila de modo

significativo dentro de uma mesma semana. Para investigar essa produção, foi realizado um

recorte temporal determinado pela época em que a produção do jornalista ainda era maior na

internet, de modo a possibilitar uma comparação de como as informações eram articuladas

entre TV e web.

Portanto, será analisada toda a produção do jornalista durante a cobertura do jogo entre

Cruzeiro e Real Potosí por uma vaga na Libertadores da América, principal competição de

futebol entre clubes profissionais Da América do Sul, organizada pela CONMEBOL–

Confederação Sul-Americana de Futebol. Embora o jogo tenha sido realizado em 27 janeiro

de 2010, a produção jornalística começou sete dias antes, resultando em 16 reportagens de TV

(divididas entre o Jornal da Alterosa 2º edição e os programas Alterosa Esporte e Bola na

Área), 14 postagens no Mochilão do Esporte, blog hospedado no portal UAI e três notícias

para o Superesportes, parte esportiva do portal. Todo este material foi gravado e salvo para

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análise. A pesquisa também teve acesso aos scripts do programa Alterosa Esporte, principal

produto esportivo da emissora. A análise destes roteiros, que contém a fala do apresentador

para ser lida no programa, ajuda a revelar se houve comentários sobre o trabalho do repórter

convergente.

Para consecução da pesquisa, ainda recorremos à técnica da entrevista em

profundidade, que permite identificar maneiras diferentes de perceber e descrever um

fenômeno. (Duarte, 2005). As entrevistas em profundidade se mostraram uma forma eficiente

não para dar tratamento estatístico às informações, mas, pelo contrário, entender como a

convergência de mídias é percebida pelo conjunto de entrevistados. Tais entrevistas foram

realizadas com profissionais ligados diretamente ao processo de convergência de mídias: o

Diretor Executivo do grupo – um dos cargos mais altos da empresa – Geraldo Teixeira da

Costa Neto, que já ocupou o cargo de Diretor Executivo da TV Alterosa e do portal UAI e é

um dos maiores incentivadores do processo de convergência; o Editor de Mídias

Convergentes da TV Alterosa/Portal Uai, Benny Cohen e o repórter multimídia do grupo,

Marcelo Silva. As entrevistas foram realizadas nas sedes da TV Alterosa e do jornal Estado de

Minas, em Belo Horizonte, nos dias 4, 6 e 18 de março de 2011.

A intenção desta pesquisa é verificar como os conceitos de convergência

desenvolvidos por Salaverría e Negredo (2008) e Henry Jenkins (2008), que servem de

parâmetro para a implantação desse processo dentro dos Associados, norteiam a produção do

repórter convergente. A base para esta análise foi a teoria da narrativa transmídia, apresentada

por Jenkins (2008). Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes midiáticos são utilizados de

maneira sincronizada para que a história possa ser contada em cada plataforma de uma forma

inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a experiência interativa e tentando

despertar o interesse do público-alvo.

A experiência do repórter convergente serviu como tentativa de aprimorar essa

distribuição de conteúdos, uma vez que o mesmo profissional dominava os processos de

coleta, redação e edição, o que, na teoria, poderia melhorar também a distribuição pelos

canais pré-determinados, evitando a repetição e buscando a complementaridade. A

articulação entre as reportagens para TV, portal e blog do repórter convergente será

investigada e a intenção é demonstrar se as reportagens de Marcelo Silva conseguiram

materializar a convergência tão buscada pelos Diários Associados.

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Para Jenkins (2008), as narrativas transmidiáticas que funcionam são aquelas nas quais

cada história é desenvolvida para um meio de forma autônoma, não tornando obrigatório, por

exemplo, ver uma reportagem para entender um post. Por outro lado, cada produto deve

funcionar como um ponto de acesso a todo o conjunto, ou seja, despertar o interesse do

público daquele meio para conhecer o restante da história nas outras mídias. Só assim, o

leitor/espectador terá uma experiência ampliada.

Isso significa que cada versão da narrativa convergente pode ser vista de modo

isolado, mas, se assim for feito, perde-se algo que a natureza dessa narrativa exige: a

complementaridade. Dessa forma, será investigado qual o conteúdo era divulgado na TV e na

web a partir de três categorias de análise que serão aplicadas a cada dia da cobertura, levando

em consideração a repetição ou ineditismo das informações não só entre a TV e a internet,

mas entre os programas exibidos pela Alterosa e os canais digitais do portal; a chamada para

outros veículos e a participação do público, uma vez que, segundo a teoria, a narrativa

transmidiática valoriza a interação, pois, na prática, ela depende da participação ativa do

público. Dessa forma, foi elaborado um quadro comparativo com esses dados – todos constam

no anexo desta pesquisa –, o que permitiu também quantificar em qual meio a produção era

maior e se havia ou não privilégio para a divulgação da informação em algum veículo. O

quadro foi preenchido a partir deste modelo:

QUADRO 2- MODELO DE ANÁLISE DAS NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Superesportes

DATA

Título post/VT/matéria

Repetição/Ineditismo do conteúdo entre

veículos

Chamadas para outros veículos

Interação do repórter com o público

(WEB)

Fonte: Elaborado pela autora

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4.3 O repórter e suas rotinas

Antes da análise da cobertura do repórter convergente, faz-se necessário esclarecer por

que o jornalista Marcelo Silva foi escolhido para esta tarefa e como funciona sua rotina no

dia-a-dia da redação e durante as viagens, diferença decisiva em seu trabalho. Marcelo Túlio

Mendonça Silva foi contratado pela TV Alterosa em 1993 como operador de caracteres. O

jornalista se dividia entre a redação do UAI e a Alterosa até optar por trabalhar apenas na

emissora. Depois de formado, foi promovido a editor de reportagem de esporte e, desde 2009,

atua como repórter multimídia pleno, cargo que o habilita a produzir para internet e TV,

embora a fonte pagadora seja a emissora. Silva afirma possuir um salário distinto dos demais

profissionais da Alterosa.

É importante ressaltar que ele e seu chefe, o editor de mídias convergentes Benny

Cohen, são os únicos profissionais da emissora a possuir um contrato de trabalho

diferenciado, uma vez que apenas os jornalistas do Estado de Minas e portal UAI possuem um

modelo de contrato multimídia. Segundo Cohen, a explicação é que o modelo ainda não foi

implementado na Alterosa porque seria necessário reajustar alguns salários e a empresa não

pode absorver esses reajustes no momento.

A decisão de transformá-lo neste homem-banda está relacionada ao perfil que o grupo

busca cada vez mais para seus profissionais. Costa Neto afirma que Silva possui “um texto

adaptado aos veículos: tem as ferramentas jornalísticas de internet, que é o texto, e tem as

ferramentas de edição de vídeo que era a função dele na TV. Então ele é o exemplo do perfil

que a gente tem que perseguir.” O diretor executivo dos Associados ainda revela que para

cobrir a Copa do Mundo da África do Sul existia um plano na empresa de enviar outro

profissional, mais experiente em jogos internacionais, mas “esse outro não ia dar conta de

fazer. Então [Silva] foi muito em função do perfil dele, do que as chefias estavam querendo

mandar. É uma pessoa que faz aquilo que a gente vai perseguir, vai ser certamente um

duplicador do processo interno de convergência.”

Esse perfil é mais detalhado por Cohen, para quem Silva combina a experiência de um

editor – profissional que, na Alterosa, além de operar as máquinas ainda edita textos – com o

espírito de alguém característico da geração digital, aberto a novas experiências e interessado

nas novidades tecnológicas:

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Então a gente tinha um sujeito que é um trator, que não tem tempo ruim com ele, um cara sempre disposto e a fim de fazer, sempre muito empenhado e bom profissional, um cara muito aplicado, muito responsável. A gente tem que até mandar ele embora daqui, vai embora para casa, sai daqui, de tanto que ele é envolvido. [...] Ele é o cara perfeito pra isso porque sendo editor, sabia como captar na rua, domina os processos... praticamente veio pronto. Ele precisou de um treinamento de gravação, de como usar o equipamento, mas edição, subir em FTP, gerar e tudo mais, já estava pronto. E por esses e tantos outros motivos o processo começou por ele. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Nessa justificativa fica claro que a dedicação quase integral do jornalista e sua

responsabilidade diante das tarefas são características valorizadas pela empresa, uma vez que,

atuando sozinho nas coberturas convergentes, o profissional precisa enfrentar um trabalho

muito mais intenso. Cohen revela que outros dois repórteres, um também do esporte e outro

da ‘geral’, estão interessados em atuar como Silva:

Um é o Péricles, que já fez metade do treinamento, está faltando só uma parte. O Péricles já usa o equipamento (câmera e iluminação), mas ainda não aprendeu a parte da edição. E agora o Cleiton que faz a parte que o Péricles não faz, que é gerar, editar e subir com a matéria (mandar pela internet para o UAI por meio do programa FTP). Mas o Cleiton ainda não usa o equipamento. Então eu estou com dois repórteres já encaminhados para se tornarem repórteres multimídia também. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Quanto à rotina de Silva, a intenção inicial do grupo era que ele ficasse livre para

produzir, realizar e editar as reportagens, mas a demanda de trabalho na emissora fez com que

ele fosse incorporado à escala diária da reportagem. Presença que se tornou essencial, admite

Cohen: “A ideia era que ele ficasse sempre fora da cobertura de rotina. (Se Silva saísse da

escala) causaria um prejuízo muito grande para a cobertura porque quando ele não está aqui

pode comprometer o dia a dia, o CT (centro de treinamento) do Atlético, do Cruzeiro,

vôlei...”.

Além dessa cobertura, Silva é responsável pela produção do programa Bola na Área e

começa a semana decidindo quais os jornalistas esportivos poderão participar. O conteúdo é

definido ao longo da semana, de acordo com jogos, treinos e competições do fim de semana.

Paralelamente a este trabalho, “[...] vou cobrindo buracos. Fulano vai fazer uma matéria

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especial, então você vai fazer o clube. Vai ter um vôlei hoje, então você vai lá fazer e no resto

do dia faz a produção do Bola. Então eu vou me virando nisso.”

A situação se inverte quando Silva viaja para cobrir os jogos de Cruzeiro e Atlético,

principais clubes da capital, focos da editoria de esportes da Alterosa. Nessas coberturas, as

despesas com alimentação, transporte e hospedagem são pagas pela emissora. Gastos extras

referentes ao trabalho são reembolsados posteriormente. É durante esse trabalho que Silva

atua como homem-banda, como explica Cohen:

O trabalho dele muda: vira o Marcelo convergente. Porque ai ele é um cara só, vai ao campo, grava o jogo, termina o jogo, abre o computador, pré-edita,sobe no FTP, entrega para o Uai em primeira mão, manda o material para a TV, quer dizer, aí ele é o cara convergente.(EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Essas viagens começaram no início de 2009, quando os dois times da capital mineira

disputaram o Torneio Verão 2009, entre os dias 17 e 21 de janeiro, no Uruguai. A competição

reuniu também os clubes uruguaios Peñarol e Nacional. Silva descreve com prazer essa rotina

convergente: “Aí que eu me dou bem, que eu nado de braçada. Aí são duas, três matérias do

clube que eu estou cobrindo. Aí a pauta é toda minha.”

A seguir serão analisadas as 16 reportagens, os 14 posts e os três vídeos produzidos

por Silva durante a cobertura na Bolívia, que no cotidiano do jornalismo adota o nome

Marcelo Jordy.

1º dia:

O início da cobertura de Silva foi na internet no dia 20 de janeiro. O repórter produziu

um texto curto para o Mochilão do Esporte com o título “Frio e chuva na Bolívia”. O

jornalista explicou que o blog acompanharia, durante sete dias, os preparativos do Cruzeiro

para o jogo contra o Real Potosí, partida que definiria uma vaga no campeonato internacional

Libertadores da América. Nesta postagem é possível identificar os traços que iriam

caracterizar o blog como um diário de bordo pessoal, uma vez que o jornalista não se limitou

a passar informações sobre o futebol, mas também questões particulares da viagem. No

primeiro post, por exemplo, Silva fez questão de contar que iria levar duas malas por causa do

frio que estava fazendo naquele país, mas que a intenção era carregar apenas uma bagagem e

a mochila com os equipamentos. Mochila esta que inclusive mereceu uma foto e é a

inspiração para o nome do blog.

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Figura 9 - Mochila com parte dos equipamentos utilizada pelo jornalista Fonte: Blog Mochilão do Esporte

Ainda neste texto, Silva chamou atenção para a integração de conteúdo que o público

poderia acompanhar: “ Confira diariamente mais detalhes dessa jornada aqui no portal UAI e

na TV Alterosa.” Entretanto, percebe-se uma falha nessa articulação entre os veículos a partir

deste primeiro texto. Se a emissora é vista como suporte principal para atrair o público para a

web, conforme já informado pelo editor convergente Benny Cohen e mesmo pelo repórter

Silva, o lançamento do blog poderia ter sido noticiado durante os programas esportivos da

Alterosa. Pelo contrário, a primeira postagem foi realizada às 23h05 de uma quarta-feira,

horário incompatível com o do programa, exibido às 12h20. Então, no dia seguinte, seria

estratégico que a emissora anunciasse a existência do Mochilão, mesmo ainda não sendo

exibida nenhuma matéria do repórter na TV. No entanto, não foi feita nenhuma menção ao

blog. Na sexta, quando foi ao ar a primeira participação de Silva no AE, o apresentador disse:

“Direto da Bolívia, o repórter multimídia Marcelo Jordy com informações do cruzeiro na pré-

libertadores”. Novamente o blog não foi citado.

Os primeiros comentários no blog foram escritos no dia 23, sábado (três dias após o

primeiro texto de Silva), depois que o programa Bola na Área, ao exibir duas matérias do

repórter, anunciou o blog. Mas o Mochilão já contava com três postagens, que poderiam ter

sido mais comentadas se o público soubesse de sua existência. A primeira participação foi às

11h38 do dia 23. Como este é o horário em que o programa está no ar, essa coincidência nos

sugere que, o anúncio do blog tenha motivado o telespectador a conhecê-lo. Tanto que a

participação do internauta diz respeito à cobertura: “ Tá (sic) bacana este acompanhamento.

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Pelo menos assim ficamos mais por dentro do que está acontecendo como nosso Cruzeirão.

Boa sorte a todos!!!!” No entanto, não houve resposta do repórter à mensagem.

2º dia

A viagem do repórter para a Bolívia foi no dia 21, quinta-feira, e durou quase um dia

inteiro, por causa de atrasos e problemas nos aeroportos. A saga desta trajetória rendeu, no dia

22, duas postagens no blog e duas reportagens, uma para o Alterosa Esporte e outra para o

Jornal da Alterosa 2º edição.

Os posts inauguraram a participação do dia. Ás 7h36 Silva contou que estava no

mesmo vôo dos jogadores e revelou detalhes mais íntimos da equipe do Cruzeiro, como o fato

de alguns atletas terem conseguido dormir, enquanto outros ouviam música. Silva dividiu com

os leitores o fato de que os jornalistas que faziam o mesmo percurso quase tiveram suas

bagagens extraviadas. Duas fotos mostraram o saguão do aeroporto e os jogadores no

corredor de acesso ao avião. O comentário foi de apenas um torcedor: “Jordy, eu e meu filho

Matheus estamos ligados no blog. Continue mandando notícias. Boa sorte e muita força.

Vamos pra (sic) ganhar!!!!”. O comentário, embora postado na data 22, foi escrito pelo

torcedor no dia 23, o que está relacionado ao atraso na divulgação do Mochilão pela empresa,

como já foi explicado anteriormente.

No outro post, às 17h11, o assunto foi a chegada a Sucre, depois de uma conexão em

Santa Cruz de La Sierra. Silva descreveu o tempo – “Tá (sic) fazendo um calorão com céu de

brigadeiro por aqui” – e a expectativa entre os atletas: “Daqui a pouco os jogadores deixam o

hotel no centro da cidade para um treino no campo do Universitário de Sucre. O clima na

delegação é de muito otimismo.” Mais duas fotos ilustraram o texto: os jogadores andando

com suas malas pelo aeroporto e do jornalista Álvaro Damião, da rádio Itatiaia, que também

acompanhava a viagem. Oito comentários estavam na página deste dia, mas a única

mensagem realmente com postagem em 22 de janeiro é de Vírgínia Barros, elogiando o layout

do blog. É necessário esclarecer que este recado é da esposa do jornalista, que não se

identificou como tal. Por saber da existência do blog, ela fez um comentário antes de qualquer

pessoa, uma vez que o Mochilão só foi divulgado ao público no dia 23, durante o programa

Bola na Área. Nenhuma das mensagens do público foi comentada pelo jornalista, nem a da

própria esposa.

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A matéria para o Alterosa Esporte, com um minuto e cinco segundos de duração,

contou sobre o vôo longo entre BH e Santa Cruz de La Sierra e o atraso no desembarque das

bagagens, mostrando que o atacante Tiago não foi para o hotel com os demais jogadores para

aguardar sua mala. O VT ainda trouxe imagens das bagagens dos demais atletas sendo

colocadas em um ônibus e cenas do hotel cinco estrelas onde a delegação mineira se

hospedou. Na passagem, Silva comentou que dali os jogadores iriam treinar na cidade de

Sucre para se acostumarem com a altitude. A reportagem terminou com imagens e uma

entrevista do lateral Fernandinho, poupado do treino para fazer fisioterapia. É importante

esclarecer que estas imagens do jogador foram captadas pela TV Cruzeiro, que sempre

acompanha o time e depois cede imagens para as emissoras. Elas foram usadas porque o

horário da fisioterapia coincidiu com a ida dos outros atletas para Sucre. Sozinho, Silva optou

por acompanhar os demais jogadores e utilizar essas imagens da TV Cruzeiro. Ainda nesta

edição do Alterosa Esporte, o jornalista teve outra participação, mas por telefone, atualizando

os dados da manhã de sexta, uma vez que a matéria só trazia imagens e informações da

quinta. A inserção da voz do repórter por telefone, conhecida como audiotape, durou 47

segundos e revelou detalhes do treino não mostrado na reportagem.

Para o Jornal da Alterosa 2º edição, o repórter abriu a matéria aparecendo no vídeo

em frente ao campo onde o time treinava, informando apenas que os exercícios haviam

começado para o Cruzeiro, mas sem mostrar estas imagens. Em seguida, ele contou que o dia

começou cedo para os mineiros. A partir daí, entraram imagens já exibidas no Alterosa

Esporte, da movimentação no saguão do hotel quando os jogadores estavam indo para o

treino. Provavelmente, o fato de não haver imagens deles treinando está relacionado ao

tempo. Se esperasse para filmar essas cenas para só depois editar e enviar o material pela

internet, o jornalista corria o risco de a matéria não chegar a tempo de ser veiculada no jornal.

O formato dessa matéria foi um flash, um tipo de reportagem no qual o repórter

aparece em pé, no vídeo, dando todas as informações. Este flash pode conter entrevistas ao

final e ser coberto com imagens. A maioria das reportagens sobre esporte para o Jornal da

Alterosa à noite sempre foi em formato de ‘flash’. Os motivos para adoção deste formato

estão relacionados ao tempo e às rotinas deste tipo de cobertura: geralmente, todas as tardes,

os times da capital mineira realizam treinos que terminam por volta das cinco horas. Como

alguns centros de treinamento das equipes são distantes da sede da emissora, este formato

pode ir ao ar sem edição – liberando o trabalho dos editores de imagem para cuidar de outras

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reportagens – ou requer uma edição mais simples e rápida, uma vez que o telejornal é exibido

às sete da noite. E como a duração desse telejornal não passa de 15 minutos, o flash consegue,

em um tempo curto, passar as informações consideradas mais importantes. Grande parte das

reportagens enviadas por Marcelo Silva da Bolívia para este jornal é neste padrão.

Neste dia, enquanto o blog mesclou notícias de bastidores – como comentários sobre o

clima quente: “Se continuar assim, os agasalhos nem vão sair da mochila”, a empolgação de

outros jornalistas “Veja a cara de satisfação do companheiro Álvaro Damião, da Itatiaia” – e

informações sobre o clube “Daqui a pouco os jogadores deixam o hotel no centro da cidade

para um treino”, as matérias para TV não deram espaço para esses detalhes, se limitando a

mostrar aspectos ligados ao clube e aos jogadores. Houve uma divisão do material produzido

neste dia entre os veículos, com informações se complementando, embora entre as

reportagens exibidas na Alterosa aparecessem imagens e conteúdo repetidos.

3º dia

No sábado, dia 23, a produção do jornalista se dividiu entre dois programas de TV e o

blog. Duas matérias foram ao ar no programa Bola na Área. Antes de anunciá-las, o

apresentador apenas citou que as informações eram do repórter Marcelo Jordy, não fazendo

nenhuma menção à cobertura convergente ou ao próprio cargo do jornalista: repórter

multimídia. A primeira reportagem mostrou o treino que o repórter havia comentado no dia

anterior, mas sem mostrar as imagens. Silva abordou a preocupação do técnico com a altitude

que pode tanto interferir na atuação dos jogadores quanto na direção da bola em campo.

Foram realizadas entrevistas com o técnico e um jogador. Na segunda reportagem, o destaque

foi a atuação de um atleta que faria aniversário no dia do jogo. O VT foi focado no lateral

Diego Renan, que completaria 20 anos um dia após o jogo e gostaria de receber, como

presente, a vitória do time. Percebe-se que ambas reportagens foram realizadas apenas com

dados do dia anterior: imagens e entrevistas do treino da sexta. Mais uma vez, se o jornalista

esperasse os fatos da manhã de sábado para então enviá-los à TV, certamente não haveria

tempo.

Para compensar a falta de notícias do dia, a reportagem para o Jornal da Alterosa 2º

edição explicou que o sábado amanheceu com chuva na Bolívia, o que levou os jogadores

para a academia. Já à tarde, eles treinaram pela primeira vez no estádio. As imagens

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mostraram o treinamento da manhã de sábado, os jogadores em campo e a presença de dois

médicos e um fisiologista para acompanhar os atletas na adaptação ao novo ambiente. O

formato da matéria foi semelhante ao do dia anterior: um flash de 55 segundos.

Essas informações da manhã de sábado foram atualizadas logo no início da tarde na

internet. Para a web, o jornalista optou por mostrar mais os bastidores e curiosidades que não

foram ao ar nos telejornais. Como os jogadores não treinaram pela manhã e ficaram na

academia do hotel, Silva explicou que resolveu “dar uma voltinha” perto de onde estava

hospedado para conhecer a cidade, que, segundo ele, tem ruas estreitas e muitos vendedores

ambulantes. O jornalista visitou um mercado de alimentos e contou que “ Nós mineiros, que

apreciamos um bom queijinho, temos de ter um estômago e uma boca maior para degustar a

versão boliviana”. Como em um diário pessoal, ele deixou suas impressões: “ Quem gosta de

carne, fique sabendo que ela é vendida "fresquinha". O vendedor abre o bicho para cortar as

partes bem na frente do comprador. Urgh!!!”. O texto foi ilustrado com cinco fotos do

mercado. Neste mesmo dia, um leitor escreveu no blog: “ Bacana amigo, esta matando

curiosidades... e dá-lhe zeroooooooooo!!”

Na outra postagem, de dois parágrafos, Silva explicou em uma linha que o time

treinou no estádio de Potosí e ilustrou com uma foto dos atletas em campo. O repórter se

deteve mais à presença de um advogado (que foi mostrado em uma foto) carioca que, embora

filho de bolivianos, torce para o cruzeiro e que havia ido ao campo para dar dicas ao técnico

do time brasileiro. Marcelo terminou com um comentário bem pessoal, o que acabou

deixando em dúvida sua preferência no futebol: “Espero que as dicas do espião azul e branco

funcionem.” Com este comentário, um leitor se dirigiu diretamente a ele acreditando que o

jornalista também faça parte da torcida cruzeirense: “ Então Marcelo, é o Cruzeirão e sua

torcida internacional...”.

É importante ressaltar que na página deste dia 23 aparecem comentários escritos nos

dias 24 e 26. Ou seja, os internautas descobriram o blog mais tarde e deixaram mensagens em

dias anteriores, comprovando que o acompanhamento é individual. Cada um possui um

percurso de leitura, determinando sua ordem e quais momentos vão demonstrar sua opinião.

Entretanto, há um ponto em comum entre algumas mensagens: a reclamação sobre a

divulgação do blog: “Ótimo trabalho! Pena que não está sendo divulgado como deveria.”

Outro recado, escrito no dia 26, mas postado na página do dia 23, revelou o interesse do

público, porém o desconhecimento dos torcedores sobre o trabalho do repórter:

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Nunca tinha entrado nesse Mochilão, pela primeira vez qe (sic) entrei gostei muito. Vcs (sic) estão de parabéns. Além de cobrir o dia-a-dia da viajem (sic) e da próxima partida do cruzeiro em Terras estrangeiras ainda nos farnece (sic) informações da cultura local, muito interessante! Se Depender da vontade da Nação Azul Estrelada

vai ter muito mochilão até o final da Libertadores!!! (TORCEDOR).

Independentemente do dia no qual a mensagem foi escrita, não houve resposta do

jornalista a elas. Fato este que vai se repetir ao longo de toda a cobertura. Mais adiante, como

poderá ser observado, a interação vai se dar entre os próprios torcedores.

4º dia

Como 24 de janeiro era um domingo e, portanto, sem programas na TV Alterosa, Silva

produziu apenas para o blog. No primeiro post, ele descreveu a conversa que teve com o

técnico da equipe boliviana por telefone. Segundo o jornalista, o treinador só definiria a

escalação 30 minutos antes do jogo. Outra informação divulgada foi a de que o técnico do

Cruzeiro fechou o treino para a imprensa, já que jornalistas bolivianos haviam aparecido

também. E disse que conversou com repórteres daquele país e descobriu que o estádio onde o

Cruzeiro iria jogar, em Potosí, não estava em boas condições. Terminou dizendo “Tô indo até

lá amanhã para conferir.” O post é ilustrado com três fotos: do treino, do técnico cruzeirense e

de um jornalista boliviano.

Figura 10 – Jornalista boliviano acompanha treino cruzeirense Fonte: Blog Mochilão do Esporte

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Na outra postagem, com mais cinco fotos de Sucre, o jornalista voltou a revelar

curiosidades sobre a cidade. Ele fez questão de compará-la a uma cidade mineira: “ Sucre é

uma cidade que lembra Ouro Preto por causa das montanhas e da arquitetura.” e deu detalhes

do dia-a-dia, contando que a maioria das pessoas que ele via nas ruas era muito humilde. Silva

afirmou ainda que a moeda boliviana era muito barata: “um dólar vale sete pesos bolivianos.”

Para exemplificar, revelou, por exemplo, quanto custava uma garrafa de Coca-Cola: R$ 0,53.

Informações que renderam comentários como: “Sucre parece ser uma linda cidade E ficara

(sic) mais bonita com as 5 estrelas Vamos Cruzeiro detonar o Potosi”;“V izinho nosso cultura

diferente..muito bom detalhes..e melhor e o cruzeiroo na area....zeirooooo”; “ Parabens pela

matéria,muito bacana,esperamos que vc. (sic) volte p o Brasil com a vitoria do Maior de

Minas”.

O jornalista também contou que em Sucre não havia Mc Donald’s e informou quanto

custava uma camisa do time espanhol de futebol do Barcelona, que segundo ele, por ser tão

barata, R$40, deixava dúvidas sobre a autenticidade: “Se é oficial ou não, é outro papo. Mas

fiquei desconfiado.”, o que gerou o comentário: “Amigo Jordy, me traz uma camisa destas de

presente . . . rsrsrs.Parabéns pelo trabalho. Sorte para você e mais ainda para o Cruzeirão.”

5º dia:

Nesta segunda-feira, a produção se concentrou na TV. A primeira reportagem do AE

apresentou uma dúvida do técnico Adílson Batista: um dos laterais, Jonathan, apresentava

dores no tornozelo. A matéria explorava a situação do jogador e apontava possíveis

substitutos, entre eles, o lateral Fernandinho. Na introdução da segunda matéria, Silva

mostrou que a altitude não era mais problema para os jogadores, que, no entanto, precisavam

ter mais velocidade em campo. Dois atletas comentaram o assunto em entrevistas. A matéria

ainda levantou uma polêmica sobre a negociação do atacante Kléber com o Palmeiras e a

expectativa dele sobre uma possível convocação para a Copa. Percebe-se que, embora a

notícia principal fosse o fato do time estar pronto para a partida, Silva acabou dedicando mais

tempo à especulação em torno do futuro profissional do atleta.

À noite, foi ao ar no Jornal da Alterosa 2º edição uma reportagem de 46 segundos

contando que a fase de adaptação à altitude havia acabado e a dúvida do técnico sobre a

escalação de Jonathan, com problemas no tornozelo. Assunto também explorado para a

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reportagem exibida mais cedo no AE. A diferença ficou por conta de uma entrevista com

outro aspirante ao lugar de Jonathan, Pedro Ken. Para a matéria se tornar mais “factual”, o

jornalista explicou, em um encerramento (quando o repórter aparece no vídeo dando a última

informação da reportagem), que o dia seguinte era o último de treinos em Sucre antes da

partida, o que representava também a oportunidade para o técnico definir a escalação.

O curioso deste dia de produção está na repercussão na internet. Embora Silva não

tenha postado nenhuma informação no blog nessa segunda-feira, o fato de o Alterosa Esporte,

programa de maior audiência da TV Alterosa, ter exibido a primeira reportagem e o

apresentador anunciado, depois de mostrada a matéria, “Acesse o Superesportes e acompanhe

o blog Mochilão do Esporte”, exibindo o endereço eletrônico, resultou em dezenas de

comentários. E como não havia texto no blog sobre o dia 25, os internautas passaram a

comentar as postagens mais antigas.

E é neste momento que fica mais claro o retorno do público ao trabalho do jornalista.

Alguns torcedores começaram a escrever nos posts do dia 22: “Boa Jordy, traga mais

informações da Bolívia e tente arrancar os supostos reforços da cúpula. Boa sorte pra nós.”

Tal comentário, postado no dia 22, se refere, no entanto, à reportagem exibida na TV no dia

25, sobre os substitutos dos jogadores lesionados. A participação seguinte já se refere ao

trabalho do jornalista de forma geral: “Cara, adorei o blog! Como não conheço a cidade, foi

muito legal ficar conhecendo um pouco mais da cultura dos "hermanos"... Espero que vc (sic)

coloque logo mais novidades sobre nosso Cruzeiro e mais informações sobre a cultura local.

Grande abraço!”. Percebe-se por esta mensagem que o leitor conferiu os outros textos do

blog, como o que descreveu a cidade de Sucre. Ainda neste dia aparece, pela primeira vez, a

provocação entre as torcidas, rivalidade típica do futebol e que não fora abordada pelo

jornalista em qualquer material produzido por ele: “VÃO LEVAR OUTRA CHIBATADA

DE 5,” referente ao placar de uma partida entre Cruzeiro e Potosí em 2008, quando o time

mineiro venceu por 5 a 1.

Outros oito torcedores comentaram o texto do dia anterior, 24, no qual o jornalista

apresentou a cidade – “É uma pena ver um país tão bonito, continuar tão pobre. No mais, que

a Máquina Azul de fazer gols detone o "Real" Potosí. 3X0 pra nós!!! Zêrooo” – e curiosidades

locais, como o preço de um refrigerante e o de uma camisa de futebol: “A camisa do

Barcelona é falsificada.”; “Gostei do post. Quando voltar, traz uma Coca Cola para mim!!!

Parabéns pelo trabalho.”

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É interessante que apareceram também comentários sobre a viagem do jornalista à

Bolívia, alguns irônicos e outros com um tom mais de humor: “Uau! Graças ao Cruzeiro o

jornalista está conhecendo a incrível e excitante Bolívia! O que será que vem a seguir, o belo

Paraguai? Façam-me o favor né (sic)...”; “Ô Jordy, agredeça (sic) ao Cruzeiro essa sua

viagem internacional.... Só ele mesmo para te proporcionar algo assim..”; “Éh...se não fosse o

cruzeiro.. jornalista esportivo mineiro não conheceria o mundo! parabéns pelo blog Marcelo!

um abraço!”

Este texto sobre a cidade de Sucre foi o mais comentado até então, com 12 mensagens,

o que torna clara a força da TV para divulgar conteúdo de outros meios e, portanto, incentivar

o deslocamento do público. Se tal estratégia tivesse sido utilizada desde o início, o retorno dos

leitores na internet poderia ter sido muito maior, embora o jornalista não desse retorno às

mensagens do público.

6º dia:

O dia 26 foi marcado por uma maior produção do repórter tanto para TV quanto para

web. Para o Alterosa Esporte, a reportagem exibida, de dois minutos e cinco segundos,

começou mostrando a péssima estrutura do estádio de Potosí e o treino dos bolivianos,

realizado em um campo anexo para proteger o gramado principal. A matéria ainda revelou

quem eram os principais jogadores do time adversário e o fato de o técnico daquele país

estudar as estratégias cruzeirenses há muito tempo. Foram apresentadas entrevistas com o

treinador e dois atletas bolivianos.

Para o telejornal da noite o repórter produziu um flash de 39’’ com as informações do

treino do dia da equipe cruzeirense. A matéria começou com a situação do lateral Jonathan,

mas não explicou que ele estava com problemas físicos: “ O lateral Jonathan trabalhou

normalmente e deve reforçar o time para amanhã.”, o que pressupõe que o telespectador saiba

que tal atleta apresentou um problema físico, divulgado apenas em uma matéria do dia

anterior. Após cinco dias de preparação, nenhum jogador teve problemas sérios com altitude,

embora a orientação do técnico, de acordo com a entrevista de um jogador, fosse para evitar a

correria desnecessária e usar estratégia. No encerramento, o repórter apresentou informações

sobre a programação do clube para o dia seguinte: “Amanhã, às quatro da tarde, atletas e

comissão técnica seguem de carro para Potosí no primeiro jogo da seletiva da Libertadores.”

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Para a internet, o jornalista produziu dois textos. O primeiro explorou a presença do

primeiro torcedor mineiro em solo estrangeiro, que saiu de Bom Despacho, cidade no centro-

oeste de Minas, acompanhado de um amigo que torce para o rival Atlético. Uma foto deste

cruzeirense serviu de ilustração. A viagem dele gerou comentário de outro leitor:

Olá galera cruzeirense!Sou de SP e infelizmente não pude ir acompanhar a caravana azul em Potosi, mas semana que vem estarei em BH pra (sic) ver o jogo da volta e já tenho viagem marcada pra Argentina pra assistir o jogo com o Velez. Se tem mais alguém que vai pra argentina por favor me de algumas dicas pois vou sozinho e

nunca acompanhei o time fora do brasil...Abraços! (TORCEDOR).

Figura 11: Primeiro torcedor a chegar à Bolívia Fonte: Blog Mochilão do Esporte

Este torcedor de Bom Despacho continuou rendendo comentários no blog mesmo no

dia seguinte à postagem do repórter, o que pode ser explicado pelo fato de ter ido ao ar, no dia

27, uma matéria no Alterosa Espore citando rapidamente a presença dele: “ Valeu nação (sic)

celeste...Bom Despacho - MG é só Cruzeiro.”; “Acho legal o torcedor atleticano que

acompanhou o Rodrigo até Potosí para ver o Cruzeiro... afinal de contas, só assim mesmo pra

ver de perto um jogo da libertadores!!! Abraço azul....”.

A outra postagem do dia 26 foi menor, com uma foto do técnico boliviano e três

parágrafos, mas gerou muitos comentários. O texto começou com um relato pessoal do

jornalista explicando que o dia havia sido pesado: “Acordei às 5h30. Peguei um táxi para

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Potosí às 6h30. Cheguei lá por volta de 9h30. A estrada é terrível, falarei sobre isso em

breve.” A matéria sobre esta saga foi ao ar no AE no dia seguinte. O jornalista também

descreveu, resumidamente, a estrutura do estádio em Potosí e Silva chamou atenção para a

convergência – em seis dias de trabalho, esta foi a segunda vez que o jornalista convergente

mencionou que estava produzindo para outros meios desde o início da cobertura – ao anunciar

que uma reportagem sobre esse assunto seria exibida no Alterosa Esporte daquele dia: “ Fiz

uma reportagem sobre isso, que vai ao ar no Alterosa Esporte desta terça-feira.” Silva ainda

escreveu sobre o técnico: “As palavras do técnico me chamaram atenção. O cara acompanha o

Cruzeiro desde o fim do último Campeonato Brasileiro.”

Se a postura do técnico boliviano atraiu a curiosidade do jornalista, também ela foi a

responsável por muitos comentários: “Se ele sabe tudo do Cruzeiro, deve saber que eles são

um tipo de atlético nascido nas alturas, logo, merecem levar de 5 na Bolívia, no Brasil ou no

Monte Everest!.”; “Isso aí é para tentar enganar o Adilsom..ele deve ter olhado na internet....é

ir pra (sic) cima e repetir os 6 a 0 do Uberlândia”; “Será que ele sabe que o CRUZEIRO tem a

maior torcida de Minas (mais do dobro) e a maior do Brasil fora os times do eixo? Será que

ele sabe que o CRUZEIRO nunca foi rebaixado? Será que ele sabe quem domina o futebol em

Minas Gerais?”

Outros leitores elogiaram a cobertura dos bastidores: “Parabéns pelo trabalho! Estas

informações extra futebol também são válidas e bem interessantes... Estes diários de viagem

são bem interessantes... Abraços.”; “Mto (sic) legal seu blog!Com a china azul pode saber um

pouco mais sobre os bastidores da partida do cruzeiro!”

Pela primeira vez, percebe-se, nos comentários, uma interação entre os próprios

leitores: “Concordo com o Arley Júnior. O Real Potosí é um time do nível do time monotítulo

de Vespasiano e vai levar de cinco também. É FATO!” Este mesmo leitor escreve mais

adiante dois comentários provocando a torcida atleticana: “Será que ele sabe que em

Vespasiano temos um time monotítulo cuja torcida arco-iris vai torcer desesperadamente pelo

time dele?”; “Será que ele sabe que esta torcida arco-iris que vai torcer para o time dele é

composta só de machos como Reinaldo, Tutti Maravilha, Christian Pior, André Nemésio,

Marcelo BBB e Milton Neves?”(reconhecidos torcedores atleticanos). Outro leitor ainda

complementa:

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Que se cuide o Real Potosi, pois o cruzeiro está fino em todos os quisitos (sic), espero comemorar pelo menos uns 5 a 0 nesta partida de ida do cruzeiro, e depois só cozinhar o galo no mineirão e ir rumo a mais uma taça da libertadores, coisa que o

Gaylo (sic)não tem...rsrs... (TORCEDOR).

A revanche atleticana não demora a aparecer:

Parabéns pelo trabalho que realiza na bolivia!! para nós torcedores apaixonados pelo cruzeiro, qualquer informação é emoção. Valeu. Aos Pateticanos (sic) de plantão que já não sabem fazer outra coisa a não ser bisbilhotar e invejar a felicidade alheia, só me resta ter pena. Logo eu que não tenho pena de nada, pois acho que

Deus dá o que cada um merece!! (TORCEDOR, grifo nosso).

Esta declaração confirma que, para os torcedores fiéis, qualquer notícia referente ao

time interessa. Isto é, não apenas o jogo, mas o que o envolve, seja a cidade onde a partida

será realizada ou a estrada até o estádio. A ‘falação do esporte’, discutida no início deste

capítulo, comprova o que Eco (1984) defende: a noção de praticar o esporte se confunde com

a de falar sobre o esporte.

Entre os comentários que aparecem nesta postagem dois chamam atenção por não

tratarem dos assuntos citados acima. Um leitor tenta um diálogo com o jornalista: “Marcelo

está muito bom o blog. Eu gostaria de saber qual a expectativa da torcida do Potosí. Eles

acreditam mesmo que vão ganhar do Cruzeiro? Queria saber também se o bigode do técnico é

alguma promessa neste sentido.kkk”. O fato do Mochilão do Esporte não explicar que o

acompanhamento é do Cruzeiro por causa do jogo da Libertadores – tal informação aparece

apenas no primeiro post, do dia 20 – leva um leitor a afirmar que o blog é de um time só:

“Credo, esse blog é de cruzeirense............. cruzes em cruz! (sic)”.

7º dia:

O dia 27 é o mais importante para a cobertura, já que é o dia da partida entre Cruzeiro

e Real Potosí. Um dos pontos de destaque é a estréia do repórter no portal UAI. A produção

começou pelo Mochilão do Esporte, para o qual Silva produziu três textos. O primeiro

mostrou o último treino do Cruzeiro, marcado por um “rachão” entre atletas e equipe técnica,

com uma foto do roupeiro jogando e um vídeo de 41 segundos – o primeiro do blog – no qual

aparecem os cruzeirenses jogando farinha em um dos colegas, por causa do aniversário dele;

imagens que não foram ao ar na reportagem sobre esse assunto exibida mais tarde pela TV. O

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post terminou com Silva chamando atenção do público para a narrativa convergente: “Veja

tudo isso no Alterosa Esporte de hoje com direito a polêmica declaração do roupeiro.” Ou

seja, destacou na internet uma entrevista que só seria apresentada na TV.

É interessante observar que apenas um leitor comentou sobre o Cruzeiro antes do jogo –

“ Geraldinho tem que ser o centroavante do Cruzeiro!!!!Vem aí o G9,o novo artilheiro do

Cruzeiro!!!”. Os outros escreveram sobre a própria cobertura do jornalista: “Belas reportagem

(sic), estou acompanhando tudo. um abraço.”

Queria parabenizar pela iniciativa do Blog, que graças ao cruzeiro, ainda terá muitas outras curiosidades sobre os países sulamericanos para mostrar. Gostaria de parabenizar também todos os cruzeirenses que conseguiram ir até a bolívia para assistir ao jogo. Ainda não tenho condições, mas assim que puder me juntarei a

vocês. Força Cruzeiro. (TORCEDOR).

Um torcedor que também fez a viagem para a Bolívia quis compartilhar a saga:

Acabo de chegar em Santa Cruz da la Sierra. Agora sao 01:30h hora local. Saí sozinho do interior de Minas, exclusivamente para ver o jogo. Durante o voo de Sao Paulo (escala em Campo Grande) pra ca (sic), somente eu como passageiro estava com a camisa do Cruzeiro. Estou seguindo agora pela manha para Sucre no vôo n. 132 da Aerosur. Em seguida pego um táxi ou um ônibus de carreira e chego em Potosi. Tenho certeza que estaremos em grande número logo mais no estádio do Potosí, para vencer com grande estilo a equipe local. Pode parecer loucura vir sozinho, mas vivi aqui durante 4 anos e conheco cada pedaco desse país. Só um time vencedor e com muitas glórias pode nos proporcionar essas emocoes. Aí China Azul, estamos na Libertadores de novo! Vamos agitar hoje a noite! Abraco a todos e ao Jordy pelas belas reportagens. (TORCEDOR).

O segundo post, com três fotos da cidade, é uma descrição sobre a viagem entre Sucre

e Potosí, assunto que Silva, no dia anterior, já havia se comprometido a relatar. Como a

viagem fora realizada um dia antes, para atualizar o texto, o jornalista começou escrevendo

“ É hoje. Logo mais, Cruzeiro e Potosí começam a decidir quem entra de vez na Libertadores

2010 [...]. O elenco celeste se preparou bem aqui em Sucre mas a missão será complicada. A

começar pela viagem de 160 km pela rodovia BO-05.” A partir daí ele contou os problemas

na estrada, curiosidades pelo caminho, como a fachada de um castelo e a existência de uma

famosa cervejaria, patrocinadora do clube boliviano. O post terminou com a chamada para o

programa da TV: “Hoje no Alterosa Esporte, vou mostrar um pouco do local do jogo desta

quarta. Assistam a partir de 12h20 na TV Alterosa.”

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É curioso observar que os dois únicos comentários desta quarta-feira no blog não

estavam relacionados ao futebol, mas à cervejaria

Caro Marcelo. Será q. (sic) a cerveja citada é realmente de qualidade? Não é só a água q. faz uma cerveja ser de qualidade. (sic) Isso é um mito. Os ingredientes como o malte, o lúpulo e o tipo de fermentação influenciam muito mais no sabor final de uma cerveja. Nunca ouvi falar de uma cerveja boa na Bolívia, talvez só aí deve haver

tal fama! Um abraço!!! (TORCEDOR).

e à própria cobertura: “ Muito legal o blog, já está salvo nos favoritos e todo dia passo para dar

uma olhada. Saudações.”

O último texto do dia no blog, postado no fim da tarde, trouxe a mesma reportagem

exibida mais cedo no Alterosa Esporte sobre a viagem de Sucre a Potosí. O vídeo estava

acompanhado de uma frase: “ Potosí não tem só o real. A cidade é sede da casa da moeda

boliviana e de uma das melhores cervejas do mundo. Confira no vídeo.” E, mais uma vez, o

comentário deste post foi sobre a cobertura e a rivalidade entre Cruzeiro e Atlético, time este

que nem havia sido citado pelo jornalista: “ Será que o cara do mochilão do esporte tb (sic)

vai acompanhar a epopéia do atletico indo até (onde mesmo?) enfrentar o juventus? Acho que

eh bom levar provisões p/ vários dias. Arriscar p/ que?!!!!”

Três reportagens foram exibidas nesta quarta feira na TV, uma miscelânea de assuntos já

postados no blog. Na primeira, de dois minutos e três segundos, o enfoque era sobre o sonho

de qualquer time chegar a final da Libertadores. O jornalista levantou uma polêmica de que o

time boliviano estaria sendo subestimado. Tal afirmação foi baseada em uma entrevista de um

jogador brasileiro que atua no time boliviano que acredita que o Cruzeiro estava com mais

receio da altitude do que do time deles. O jornalista apareceu em uma passagem afirmando

que o Cruzeiro não entrou nessa provocação e que a palavra de ordem do time brasileiro era

respeito. A reportagem seguiu contando que o técnico cruzeirense estava tranquilo e, por isso,

abriu as atividades para a imprensa local e brasileira. Sobre o treino mesmo, o repórter

revelou pouco, se limitando a uma frase: “Jonatan trabalhou normalmente e deve jogar

amanhã.”, pressupondo que o telespectador saiba que tal atleta teve um problema físico já

mostrado em uma reportagem dias antes. A matéria foi encerrada com o torcedor mineiro, o

primeiro a chegar, e seu companheiro de viagem, um atleticano, fato já mostrado no blog no

dia anterior. A reportagem começou e terminou enfocando sentimentos de rivalidade: no

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início do VT, em um tom mais sério (entre Cruzeiro e Potosi), e no final, a rixa (entre os

amigos viajantes) é mostrada em tom de brincadeira.

A segunda reportagem, de um minuto e dezenove segundos, focou mais no último

treino, assunto também já explorado no blog. Para diferenciar do texto da internet, o jornalista

começou a matéria com uma comparação: brincou com as palavras em relevo na fachada da

prefeitura da cidade de Sucre – “A união faz a força” – e as comparou ao objetivo do time

cruzeirense de jogar unido. A reportagem terminou com a participação do preparador físico e

do roupeiro, que bateram bola no recreativo antes do jogo.

Já a terceira reportagem convidou o telespectador a viajar com Silva. Com dois minutos

e doze segundos, o repórter mostrou o percurso de 160 km entre Sucre e Potosi. Informou a

existência de pedágio, embora a estrutura da pista fosse precária. De dentro de um táxi, o

jornalista filmou a chuva e a neblina, que pioram a viagem. Ele apareceu no vídeo com uma

fala que soa como desabafo, já que a travessia parecia arriscada: “É uma aventura.” Este é o

único momento nesta cobertura que se assemelha às videorreportagens tradicionais, nas quais

o jornalista segura a câmera e se filma, comentando algo, em tom bem pessoal. Por estar em

um carro em movimento, a imagem é tremida, entretanto, rápida.

Com a melhora do tempo, Silva apresentou a fachada de um castelo pelo caminho e as

montanhas com neve. Na passagem, confirmou: “Enfim chegamos a Potosi.” aproveitando

para falar algumas características geográficas, como a altitude, e curiosidades, como a

existência da Potosina, considerada uma das melhores cervejarias do mundo, que é a

patrocinadora da equipe. O repórter mostrou ainda torcedores bolivianos e a Casa da Moeda

boliviana, sediada ali pelo fato da cidade possuir grandes reservas de prata. A matéria

terminou com um resumo dos assuntos apresentados: “ Contra o frio, a altitude. É o Brasil

querendo colocar água no chopp boliviano.” A única informação que não apareceu na TV

mas foi registrada pelo repórter no blog foi o valor pago pelo táxi até o estádio do jogo.

Mesmo depois das três reportagens, não houve qualquer comentário do apresentador sobre a

cobertura convergente, de que outras informações estariam no blog, embora o repórter tenha

se preocupado em convidar o público a conferir as matérias da TV.

A partida entre os times foi realizada à noite e logo depois do jogo o jornalista

produziu três vídeos para o Superesportes, seção de esporte do UAI, inaugurando a primeira e

única participação do repórter no portal ao longo da cobertura. Um vídeo mostrou entrevistas

do técnico e de um jogador sobre a partida; o outro deu voz ao diretor do Cruzeiro sobre a

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expulsão de um jogador; e o terceiro revelou a opinião do técnico também sobre essa

expulsão. Material curto, quase sem edição, para que pudesse ser enviado pela internet parta a

redação do UAI com agilidade, para garantir uma imagem de eficiência do site na cobertura

do jogo.

8º dia

No último dia de produção do jornalista na Bolívia houve um reaproveitamento de

parte do material divulgado pelo UAI na noite anterior e a apresentação de informações

inéditas no blog. No Alterosa Esporte, as entrevistas do técnico e diretor do clube sobre a

expulsão de um atleta – exatamente o mesmo material exibido no Superesportes – foram

apresentadas em um bloco. Em outra parte do programa, mais uma entrevista do técnico, mas

agora sobre o próximo adversário, assunto que não foi abordado no trecho divulgado da

entrevista dele no UAI.

A terceira produção de Silva mostrou os bastidores da ida do time celeste para o estádio,

desde a transferência de material técnico e uniforme até a chegada dos jogadores para a

partida. Outro assunto muito explorado foi a torcida dentro e fora do campo. A matéria

terminou com o repórter no vídeo informando o resultado do jogo e duas entrevistas com

jogadores, já exibidas no UAI. É preciso esclarecer que como a Alterosa não possui os

direitos da transmissão dos jogos, o jornalista ficou impossibilitado de fazer imagens da

partida. Por isso, Silva se concentrou no antes e depois, produzindo um material mais focado

no comportamento que nos detalhes da partida em si.

Os dois últimos posts do Mochilão do Esporte apresentaram material inédito. O

primeiro contou que o jogo terminou empatado e mostrou, com três fotos, o embarque dos

jogadores para o Brasil, contando que a viagem estava atrasada, até para ele: “ Eu também

estou por aqui, tomando chá de aeroporto (e não de Coca) nessa espera, atualizando o blog na

medida do possível”. E finalizou agradecendo: “ O Mochilão do Esporte agradece a todos que

visitaram esta página nos sete dias de cobertura da preparação celeste para a partida em

Potosí.”.

Dos três comentários, um elogiou o blog: “ Mtooo (sic) bacana a iniciativa. Iria ser

interessante acompanhar o mochilao do esporte em todos os jogos fora de Bh do Cruzeiro

nessa libertadores 2010. PARABENS”; outro criticou a postura de Silva na televisão:

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“JORDY DO CEU (sic)...AMARRA A MAO NA HORA DE FALAR NA TV...NINGUEM

GUENTA O SOB E DESCE DESSA MAO SUA”; e apenas um comentou o jogo seguinte

entre Cruzeiro e Potosí, desta vez, em Belo Horizonte: “O CRUZEIRO VAI DAR UMA

GOLEADA TÃO GRANDE NESTE TIME HORROROSO DO POTOSI NO MINEIRÃO,

QUE ELES VÃO ERRAR ATÉ O CAMINHO DE VOLTA.”

O último post, com mais uma foto dos jogadores no aeroporto, contou sobre a maratona

de embarques e conexões que atletas e jornalistas estavam enfrentando por causa dos atrasos

na companhia aérea boliviana. E revelou que todos os passageiros teriam que pernoitar na

cidade. “ Aí, mais um hotel, outro vôo na sexta pela manhã, jogo no sábado, decisão na

quarta... e a gente trabalhando junto para informar. Se mochilão é aventura, da próxima pego

o trem da morte. Quem sabe, ele não atrasa.”

E como observado na maioria dos comentários sobre os textos do jornalista, as opiniões

nesta postagem não se referiam tanto ao time. Apenas um leitor fez uma consideração sobre a

atuação cruzeirense:

É com muita ingratidão que deixo meu comentário oque esta acontecendo com o cruzeiro... sera q (sic) a profecia do Cajuru esta caindo....Disse uma vez que os Perrelas iriam acabar com o Cruzeiro e encher os bolsos que nos cruzeirenses iriamos ver isso acontecer em breve..e um Absurdo um time igual o nosso que considerado o

mais RICO DE MG.... (TORCEDOR).

Os bastidores mostrados no blog, como curiosidades sobre as cidades, continuaram

rendendo comentários:

Fiquei curioso em conhecer essa cerveja cahama (sic)da potosina...Depois que vim parar aqui nos EUA, passei apreciar cervejas de outros paises,,,Aqui tem muita cervejas de excelente qualidade, vou procurar essa tal de Potosina por aqui, ela deve ser boa mesmo, uma agua de boa qualidade da mais sabor na cerveja.Fiquei

curioso, vou na capitura dessa danada!!!Um bom retorno. (TORCEDOR).

A própria cobertura jornalística, no entanto, motivou o maior número de comentários:

“ Valeu Marcelo Jordy... tomara que o Cruzeiro va (sic) longe nessa caminhada rumo ao titulo

das Libertas e que vc tenha muitas e muitas historias pra contar pra nos.. (sic)”; “Sorte sua de

esta (sic) cobrindo um time Chamado Cruzeiro, por que se vc fosse cobrir o atretiquim, no

maximo vc iria, para o interior de Minas( se bem que nosso interior, tem muitas "coisas"

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interessantes, neh nao?)Continue mostrando as curiosidades dos locais, post mais fotos...

Valeu (sic)!!!!”; “Nas proximas coberturas, faca mais entrevistas com os jogadores...”; “Valeu

Marcelo!!! continue viajando com o melhor Clube Brasileiro do seculo XX pois assim, vc

pode chegar a Dubai!!!Avante Cruzeiro (sic)”.

A tabela seguinte sintetiza a produção total do repórter durante a cobertura para todos

os veículos:

QUADRO 3 – ANÁLISE GERAL DA PRODUÇÃO TRANSMIDIÁTICA

Data TV Superesportes Blog Mochilão 20/01/2010 Ineditismo/repetição

_ _ 1- Frio/chuva 1 chamada (p/ UAI e TV) 1 assunto inédito

22/01/2010 Ineditismo/repetição

1- Cruzeiro em Potosí (AE) 2 – Cruzeiro já treina na Bolívia ( JA2) 2 assuntos inéditos 1 repetido (AE repete blog)

_ 2- Para/descansa um pouquinho 3- Quase no topo 2 inéditos

23/01/2010 Ineditismo/repetição

3- Cruzeiro na altitude (BA) 4- Um presente para o lateral (BA) 5- 1º treino no estádio (JA2) 3 inéditos (2 no BA e 1 JA2) 1 repetido (JA2 repete blog)

_ 4- Enquanto o time não treina 5- Perigo do outro lado da montanha 2 inéditos 1 repetido (do JA2)

24/01/2010 Ineditismo/repetição

_ _ 6- No, usted no 7- Quanto vale um boliviano 2 inéditos

25/01/2010 Ineditismo/repetição

6- Cruzeiro: laterais ( AE) 7- Cruzeiro treino secreto (AE) (1 chamada p/internet) 8- Jonathan é dúvida (JA2)

_

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3 inéditos (2 no BA e 1JA2) 1 repetido (JÁ 2 repete AE)

26/01/2010 Ineditismo/repetição

9- Cruzeiro na Bolívia (AE) 10- Cruzeiro pronto para altitude (JA2) 2 inéditos (AE e JA2) 1 repetido (AE repete blog)

_ 8- Primeiro guerreiro 9- O Bigodudo diz que sabe tudo (1 chamada p/ AE) 2 inéditos 1 repetido (do AE)

27/01/2010 Ineditismo/repetição

11- Cruzeiro/bola na altitude (AE) 12- Último treino (AE) 13- Cruzeiro/estrada para Potosí (AE) 3 inéditos(AE) 3 repetidos (AE repete do blog)

1-Paraná e Adilson falam

resultado 2- Maluf fala da expulsão

3-Adilson fala da expulsão

3 inéditos

10- Geraldinho matador (1 chamada p/ AE) 11- No meio do caminho tinha uma pedra (1 chamada p/ AE) 12- Curiosidades/Potosí 1 inédito 3 repetidos (do AE)

28/01/2010 Ineditismo/repetição

14 – Repercussão jogo (AE) 15- Adílson e Maluf comentam expulsão (AE) 16- Adílson de olho no Ipatinga ( AE) 2 inéditos (AE) 1 repetido (AE do Superesportes)

_ 13- Cruzeiro volta 14- Aerosur 2 inéditos

RESULTADOS

15 assuntos inéditos 8 repetidos AE repetiu 5 do blog 1 do UAI JA 2 repetiu 1 AE 1 blog 1 chamada (AE p/ Superesportes)

3 assuntos inéditos

12 assuntos inéditos 5 repetidos 4 do AE 1 do JA2 5 chamadas (4 p/AE 1 p/UAI)

Ao longo de oito dias (sete de viagem e um em Belo Horizonte com o primeiro texto

do blog), Marcelo Silva produziu 16 reportagens para TV, sendo duas para o programa Bola

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na Área, quatro para o Jornal da Alterosa 2º edição e dez para o Alterosa Esporte, que é o

principal programa esportivo da emissora cuja audiência chega a ser maior que a dos próprios

telejornais. Por isso, esse reforço no material para o AE era também uma estratégia comercial,

uma vez que programas de outras emissoras, entre eles o Globo Esporte da Rede Globo,

principal concorrente no horário, enviou equipes completas para a cobertura, além de

transmitir a partida ao vivo.

Para o blog Mochilão do Esporte, hospedado no UAI, foram escritos 14 textos,

exibidas 30 fotos e um vídeo. 55 comentários foram deixados no blog. E para o

Superesportes, seção esportiva do UAI, foram três vídeos. Embora os canais para exibir essa

produção na internet tenham endereços (URL) distintos, eles estão dentro do portal. Para a

empresa, isso significa que o UAI fornecia tanto informações leves e de bastidores quanto

aquelas ‘urgentes’, como resultado e entrevistas sobre o jogo.

Independentemente do suporte, o conteúdo do que foi noticiado por Silva seguiu os

padrões do jornalismo esportivo atual: do jogo em si, pouco foi falado – no caso desta

cobertura, nem foi filmado, uma vez que a Alterosa não detinha os direitos de imagem – mas

o antes e o depois receberam intensa cobertura. Como já discutido no início deste capítulo,

todos esses discursos gerados não pelo fato em si – a disputa entre Cruzeiro e Real Potosí –

mas pelos desdobramentos criados pela cobertura jornalística apenas reforçam a teoria de Eco

(1984), para quem a noção de praticar o esporte se confunde com a de falar o esporte.

Além disso, os critérios de noticiabilidade utilizados por Silva foram os mesmos já

amplamente discutidos neste capítulo, materializados em reportagens que valorizavam

determinados jogadores, incitavam a rivalidade entre os times que disputariam a partida;

anunciavam constantes alterações na escalação de acordo com as condições de cada atleta;

mostravam a altitude da Bolívia como elemento de curiosidade. Ou seja, uma produção para o

público que já se acostumou a encarar as notícias esportivas como entretenimento.

Silva partia do pressuposto de que estes espectadores eram fiéis ao programa e às

notícias do time. Pode-se deduzir isso à medida que o jornalista escreveu no blog ou divulgou

na TV, por exemplo, que um determinado jogador estava confirmado no jogo. Entretanto, o

motivo da presença deste atleta era a recuperação de um problema físico, que só havia sido

citado na matéria do dia anterior. Ou seja, o repórter pressupôs que o torcedor estivesse

acompanhando as informações divulgadas por ele. Mas, na prática, tais notícias poderiam ser

acompanhadas a partir de outras fontes/veículos também.

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A divisão entre o que o repórter considera conhecido ou não pelo público parte de

critérios bem pessoais do jornalista:

Como o telespectador do Alterosa já conhece o assunto, já vou produzindo e editando nesse sentido. Mas quando estou em um lugar diferente, que não é Belo Horizonte, aí eu tento apresentar. Ah (sic), aqui pode beber cerveja, lá em Belo Horizonte não pode beber cerveja. Aqui tem muita mulher, aqui tem até cachorro

dentro do estádio. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

É interessante observar que ao destacar ‘mulher’ e ‘cerveja’ como fatos noticiáveis,

Silva escreve para um público masculino. O fato de aparecer um cachorro no estádio também

nos sugere a valorização dos critérios de humor, espetáculo e entretenimento, apontados no

início deste capítulo como critérios de noticiabilidade cada vez mais presentes no noticiário

em geral, principalmente quando se percebe que o fator audiência está em jogo. A cobertura

esportiva, classificada pelas redações como notícias branda, potencializa ainda mais esses

critérios, por causa da diversão que podem oferecer.

Ao focarmos mais sobre o material produzido para cada veículo, pode-se afirmar que a

produção do videorrepórter para a TV era semelhante ao que uma equipe convencional – com

repórter, cinegrafista e iluminador – realizaria. São imagens tradicionais de treinos (atletas se

exercitando, atividades com bola, técnico orientando jogadores), do estádio (arquibancadas,

gramados) e até dos bastidores (conversas e brincadeiras entre os atletas). Todas elas com

nível semelhante de qualidade: poucas eram tremidas e nenhuma desfocada. Também era

parecida a edição rápida, garantida com takes curtos (dois a três segundos de exibição de cada

imagem). As imagens comuns às videorreportagens, mais tremidas, com áudios vacilantes e

sem a presença do repórter, não tiveram espaço na cobertura.

A única diferença entre equipes tradicionais e o homem-banda estava relacionada às

passagens. Com um tripé para a câmera, Silva ajustava o foco antes da gravação. Ao ligar o

equipamento, ele se posicionava em frente a ele. Os enquadramentos das passagens eram

todos iguais, em plano americano (da cabeça até a parte debaixo do peito do repórter). Sem

cinegrafista, não havia como fazer passagens em movimento, o que difere muito do que

assistimos hoje: é cada vez mais comum acompanharmos movimentos de câmera durante as

passagens esportivas e movimentos até do próprio repórter, que anda ou participa do evento

que descreve.

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Quanto à divisão de cada assunto para os programas da TV, a experiência como editor

de programas esportivos auxiliava Silva nesta separação. Para o Jornal da Alterosa 2º edição,

“como é um jornal que tem um pequeno espaço para o esporte, ele pede matérias mais curtas,

bem enxutas.” Reportagens estas que se resumiam às informações mais factuais daquele dia,

como o último treino, a próxima atividade, a situação de determinado jogador.

Para o AE, “por ter sido editor dele por mais de oito anos, eu já tinha noção como é

que funciona a estrutura do programa. Então eu já sabia o quê que era uma matéria especial,

(...) o quê que era um VT de treino.” Sob essa ótica, Silva equilibrava matérias maiores, sobre

a cidade em que estava ou a situação do estádio, por exemplo, com reportagens mais curtas,

como aquelas sobre os treinos. Para o programa Bola na Área eram adotados os mesmos

critérios utilizados na separação do conteúdo para o AE.

Em relação à produção para o portal UAI, os três vídeos não apresentaram nenhum

trabalho mais elaborado de edição, como colocação de vinhetas ou músicas. As entrevistas

mostradas quase na íntegra tiveram cortes apenas no fim da fala dos entrevistados,

simplicidade que permitiu enviar o material estivesse disponível o mais rápido possível para o

site. As entrevistas foram exibidas separadamente, para dar mais volume de notícias ao

Superesportes e justificar a produção fora do país.

O editor de mídias convergentes, Benny Cohen, acredita que esta produção para o

Superesportes já esteja esclarecida tanto para os jornalistas do site quanto para Silva:

O conteúdo que ele sobe é o factual. Acabou o jogo, terminou em 2X1? Ele tira os gols e, rapidamente, coloca no FTP. A moçada já sabe que se ele está viajando, já fica esperando o conteúdo. Assim que eles conseguem baixar vai pro ar. Então é

uma coisa que já está mais ou menos clara. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Esta definição sobre como seria a produção já não era esperada para o Mochilão do

Esporte, uma vez que sua estréia foi nesta cobertura na Bolívia. Como o blog dependia muito

mais do autor do que critérios editoriais ou padrões técnicos estabelecidos, o resultado desta

produção apareceria apenas durante o próprio trabalho do repórter. Embora os blogs, de uma

forma geral, permitem uma liberdade de formas e estratégias multimídias na apresentação do

conteúdo, Silva se concentrou em textos e fotos. Nos oito dias de trabalho, foram postados

apenas dois vídeos: um mostrando uma brincadeira entre os jogadores por ocasião do

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aniversário de um deles e outro era a reprodução de uma matéria exibida no AE sobre a

viagem entre Sucre e Potosí.

Como a maioria dos blogs, o Mochilão também apresentou uma forte identidade de

diário íntimo na internet; neste caso, um espaço que ia além de notícias esportivas – o

jornalista opinava sobre elas e apresentava curiosidades que o atraíram, detalhes que lhe

despertaram atenção no cotidiano daquela cobertura: “Nós mineiros, que apreciamos um bom

queijinho, temos de ter um estômago e uma boca maior para degustar a versão boliviana.” A

linguagem era mais descontraída e não se percebia uma preocupação com regras e normas da

língua portuguesa: o uso de gírias e onomatopéias era constante.

Tais elementos comprovam a pesquisa de Schittine (2004) apresentada no terceiro

capítulo, para quem os jornalistas buscam, nos blogs, uma escrita mais leve, menos

informativa e mais ficcional do que aquela que realizam no dia-a-dia. Para a autora, essa fuga

de textos jornalísticos tem como principal motivação o fato de o repórter não se ver 'cerceado'

pela instituição do meio de comunicação em que escreve. A sugestão de pauta, o texto em si,

é de autoria apenas do jornalista; ele é o único responsável pelo que está escrevendo, sem ter

um redator ou editor para modificar seu texto antes de ser publicado. E o Mochilão realmente

se apresentou como um “meio caminho entre ficção e informação, entre o jornalismo e o

escrito íntimo, isso quando (os blogs) não misturam bastante uma coisa com a outra”

(SCHITTINE, 2004, p. 156).

Cada postagem do blog exemplificou essa mistura entre intimidade e informações

jornalísticas esportivas. Relatos pessoais sobre o lugar, a comida e as pessoas foram escritos

nos mesmos dias dos textos relacionados aos treinos ou à condição física dos atletas. O

Mochilão serviu ainda como espaço para atualizar dados que não poderiam ser exibidos na

TV devido ao tempo necessário para editar e enviar o material pela internet. Assim, últimas

informações sobre um treino ou a fala de um jogador apareciam, muitas vezes, primeiro no

blog.

A forma como Silva conduziu o texto se apresentou muito mais como um

compartilhamento de experiências, como a postagem do dia 26 que começou com um relato

do dia: “Acordei às 5h30. Peguei um táxi para Potosí às 6h30. Cheguei lá por volta de 9h30.

A estrada é terrível, falarei sobre isso em breve”. Fato que levou muitos leitores a fazerem o

mesmo, contando as experiências para chegar à Bolívia.

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Aliás, durante a cobertura, foram registrados 55 comentários no blog (61 estão

registrados, mas esta pesquisa vai levar em consideração apenas 55, uma vez que três pessoas

– pelos comentários, torcedores – participam mais de uma vez no dia escrevendo sobre os

mesmos assuntos: a provocação entre as torcidas). É interessante observar que a quantidade

de mensagens sobre a cobertura jornalística em si e sobre o Cruzeiro quase empatou. Esta

pesquisa dividiu a resposta do público em cinco categorias: recados apenas sobre a cobertura

jornalística (Ex: “Belas reportagens, estou acompanhando tudo.); recados sobre a cobertura,

mas com menção também ao time (Ex.: “Ótimo trabalho! Pena que não esta sendo divulgado

como deveria. Boa sorte para o nosso time e que esta seja a arrancada para o tri!”); recados

estritamente sobre o assunto discutido no texto do jornalista (Ex.: “Isso aí é para tentar

enganar o Adilsom..ele deve ter olhado na internet....é ir pra cima e repetir os 6 a 0 do

Uberlândia”); recados com caráter de rivalidade entre times (Ex.: “O cruzeiro está fino em

todos os quisitos(sic), espero comemorar pelo menos uns 5 a 0 nesta partida de ida do

cruzeiro, e depois só cozinhar o galo no Mineirão e ir rumo a mais uma taça da libertadores,

coisa que o Galo não tem...rsrs...); e outros (incluem aí experiências pessoais de viagem à

Bolívia, assuntos ligados a demais times brasileiros etc. Ex.: “Gostaria de parabenizar também

todos os cruzeirenses que conseguiram ir até a Bolívia para assistir ao jogo. Ainda não tenho

condições, mas assim que puder me juntarei a vocês.”). O resultado foi: Cobertura

jornalística: seis comentários; Cobertura jornalística com menção também ao Cruzeiro: 19

comentários; Referência apenas ao assunto tratado no texto: 20 comentários; Rivalidade entre

times: quatro; Outros:seis.

De uma forma geral, quase a maioria dos leitores estava interessada na cobertura em si

– os modos de fazer, o trabalho do repórter. Justificativa para tal fato poderia ser encontrada

na análise de Eco (1984) sobre a evolução da Paleo para a Neo TV. Enquanto a primeira

estava preocupada em refletir o mundo, voltada mais para informar e educar, adotando uma

relação hierárquica, pedagógica e informativa, a Neo TV está voltada para o contato com o

telespectador, valorizando menos a informação de fora e mais o mundo criado na interação

com o espectador.

Embora a análise de Eco seja sobre a TV, tal proposta também pode ser aplicada ao

blog, já que nele o jornalista se coloca como representante dos espectadores e cria um espaço

doméstico que se estende para a internet, ao expor os bastidores da cobertura, promovendo

uma proximidade para desmistificar aquele espaço, tornando-o familiar.

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Desde a primeira produção do jornalista no dia 20, a posição que fica clara entre ele e

o leitor é justamente a de um diálogo direto, uma vez que Silva construiu uma cumplicidade

com quem o lê, ao dar detalhes das malas que leva, da espera no aeroporto, dos seus gostos

gastronômicos etc. Todavia, embora a forma como se apresente no blog incite o diálogo,

como os seguintes comentários atestam – “Marcelo (...) eu gostaria de saber qual a

expectativa da torcida do Potosí. Eles acreditam mesmo que vão ganhar do Cruzeiro?”, “Caro

Marcelo. Será q. a cerveja citada é realmente de qualidade?” – em nenhum momento o

jornalista interagiu com os leitores, que acabaram estabelecendo um diálogo entre eles

mesmos, entretanto mais relacionado à rivalidade entre Atlético e Cruzeiro do que a própria

partida do time celeste contra o Real Potosí.

Varela (2007) acredita que o jornalismo atual não deve ser um envio unidirecional de

mensagens de poucos para muitos, mas uma conversa com o público; porque cada vez mais,

os consumidores da informação querem ser também produtores dela e opinar sobre o que

acompanham. “Essa idéia do jornalismo como conversação é o que sustenta os meios sociais

de comunicação. O importante é falar, discutir entre todos para que as idéias sigam adiante.”

(VARELA, 2007, p.74).

Se o blog implica um compartilhamento de experiências e a linguagem do Mochilão

chamava para a conversa, o jornalista perdeu a oportunidade de alcançar uma interação maior,

já que não respondeu a nenhum dos questionamentos dos leitores. Segundo a teoria de Jenkins

(2008), a narrativa transmidiática valoriza a interação, pois, na prática, ela depende da

participação ativa do público. É ele o responsável por ir atrás do restante da história. A falta

de interatividade do jornalista pode ter servido como desestímulo a uma maior participação do

público.

A justificativa de Silva era o tempo – para responder aos leitores ele precisaria parar

de realizar outra tarefa; além disso, a utilização do equipamento deveria se prender mais à

edição e ao envio de reportagens. No entanto, durante a entrevista em profundidade, o repórter

deixou transparecer que o motivo para a falta de respostas ia além desses mencionados e está

relacionado ao próprio estilo pessoal dele:

Quando eu tinha o blog de cinema, e cinema vai muita opinião pessoal, eu achava isso meio chato [responder aos leitores]. Aí, no Mochilão, eu deixava mais solto. Falem o que quiser, pensem o que quiser, a informação tá (sic) aí, a foto tá ai. [Você percebeu que leitores interagiam entre eles?] Sim, claro sim. Digladiavam, pra falar

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a verdade. Então deixa, tô fora, já fiz minha parte, já falei isso. [Mas você acha que o blog não pede justamente essa interação?] Sim, mas, na verdade eu tô focado em fazer a cobertura do clube, eu não vou me desgastar em uma discussão, não vou

gastar energia pensando nisso, já que preciso de tanta. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

A resposta ao público representava para o jornalista um certo desgaste, justificado por ele pelo

teor das discussões de futebol, quase sempre passionais e calorosas.

Após a análise do conteúdo produzido pelo homem-banda, é possível tecer algumas

considerações a respeito da intenção convergente desta experiência, apoiada na teoria da

narrativa transmidiática. A estréia dessa produção foi pelo blog, cujo texto anunciou que seria

uma cobertura em vários veículos: “Confira diariamente mais detalhes dessa jornada aqui no

portal UAI e na TV Alterosa.” Entretanto, nem o próprio jornalista divulgou ao longo da

semana tal propósito. A chamada para a cobertura em outros veículos só apareceu novamente

no 6º e 7º dias: “A estrutura do clube é muito simples. Fiz uma reportagem sobre isso, que vai

ao ar no ALTEROSA ESPORTE desta terça-feira.”; “Veja tudo isso no Alterosa Esporte de

hoje com direito a polêmica declaração do roupeiro.”; “Hoje no Alterosa Esporte, vou mostrar

um pouco do local do jogo desta quarta. Assistam a partir de 12h20 na TV Alterosa.”

Por outro lado, os outros veículos envolvidos também não divulgaram o trabalho na

internet. O AE fez apenas uma chamada no dia 25 (“Acesse o Superesportes e acompanhe o

blog Mochilão do Esporte”), enquanto o Bola na Área e o Jornal da Alterosa 2º edição nem

citaram a cobertura conjunta. Ou seja, sem a propaganda dessa cobertura transmidiática, como

esperar que o público procurasse as informações em outras plataformas? Duas mensagens no

blog revelaram o interesse dos leitores – e o desconhecimento da cobertura ampla: “Ótimo

trabalho! Pena que não está sendo divulgado como deveria.”; “Nunca tinha entrado nesse

Mochilão, pela primeira vez qe (sic) entrei gostei muito. Vcs (sic) estão de parabéns. (...)”.

Quando houve divulgação sobre esta cobertura nas demais plataformas, era

considerável o aumento no número de comentários. Um exemplo interessante é o dia 25.

Embora o jornalista nem tivesse escrito um texto nessa data, o Alterosa Esporte fez uma

chamada para a produção na internet, o que resultou em 11 mensagens distribuídas em outros

dias. Silva reconhece a importância da divulgação pela TV da cobertura multimídia:

Eu acho que o publico de internet, apesar de ser muito grande, ele não capitaliza em um lugar só. A TV serve exatamente pra catalisar: fulano (sic), vê lá que tem um

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negócio bacana. Aí o pessoal por curiosidade vai lá e aí repercute... Então eu preciso de um grande meio pra apontar para a pessoa que tem coisa legal na

internet. (REPÓRTER MULTIMÍDIA,grifo nosso).

Em relação à criação dessa narrativa transmidiática, que seria a materialização da

convergência buscada pelos Associados, na qual diversos suportes são utilizados para que a

história possa ser contada em cada plataforma de uma forma inovadora, sem repetição de

conteúdo, podemos perceber que houve um esforço do repórter para concretizar essa ideia. Ao

longo da cobertura, Silva exibiu na TV 15 assuntos inéditos, no blog 12 assuntos que ainda

não haviam sido abordados em outros veículos e três assuntos novos também para o

Superesportes (Tabela 3). A repetição de material foi maior na TV do que na internet (oito

contra cinco), o que pode ser explicado pela quantidade de programas televisivos: três, ao

contrário da internet na qual o blog era o principal canal de distribuição de informação.

Havia uma preocupação do repórter em abordar diferentes aspectos de um mesmo fato

entre os veículos. Como exemplo desse cruzamento de dados, podemos citar a cobertura do

dia 26. Enquanto a matéria para o AE tratava da estrutura do estádio de Potosi, quem eram os

principais jogadores do time adversário e o fato de o técnico daquele país estudar as

estratégias cruzeirenses há muito tempo, para o telejornal da noite o repórter divulgou as

informações do treino do dia da equipe cruzeirense e apresentou informações sobre a

programação do clube para o dia seguinte. Para a internet foram dois textos. O primeiro

explorou a presença do primeiro torcedor mineiro em solo estrangeiro, que saiu de Bom

Despacho, e o outro descreveu rapidamente a viagem entre Sucre e Potosí e a postura do

técnico. Podemos perceber que a TV apresentou dois fatos inéditos (estrutura estádio/treino

dia) assim como a internet (torcedor/viagem). A repetição de assunto ficou por conta da

postura do técnico, que rendeu comentários tanto na TV quanto no blog.

Essa divisão de conteúdo entre as plataformas ia além do conhecimento do jornalista

sobre as exigências e padrões de conteúdo de cada canal de distribuição. Esta pesquisa dividiu

em quatro as interferências reveladas nesse processo, sendo elas: Interferências das rotinas da

web/TV; das rotinas esportivas; das condições tecnológicas; das condições econômicas.

As rotinas de cada veículo dizem respeito aos procedimentos cristalizados nas

redações e internalizados pelos jornalistas de como deve ser a transformação de um fato em

notícia, desde sua captação até a divulgação. Cada veículo possui rotinas próprias

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relacionadas ao tempo, ao número de profissionais envolvidos, às características de cada

veículo e às orientações editoriais.

Silva trabalhava com rotinas específicas de internet e televisão. No portal UAI

convencionou-se que textos e vídeos não podem ser grandes por motivos que vão desde a

dificuldade para acessar o material (carregamento da página), até o fato de que textos

jornalísticos muito extensos dispersariam o leitor, interessado em informações inéditas e

curtas. Fórmulas interiorizadas por Silva: “[texto para web] tinha quer ser notas curtas, coisa

rápida, mais em cima de uma foto legenda, do que a situação em si. [...] Mas, às vezes, podia

render matéria também. Um exemplo foi a viagem à Sucre. Aí valia colocar um vídeo no

blog.”

O dia e o horário de exibição dos programas da TV era determinante para definir se o

material que ele enviaria à redação seria mais factual ou não. Essa atualidade estava

diretamente relacionada à produção desse conteúdo: se ele já havia sido captado e editado

anteriormente ou se havia acabado de acontecer. As informações sobre um treino realizado no

fim da tarde só seriam exibidas na TV no dia seguinte, o que não o impedia de comentar o

assunto no blog, como resume Silva: “como a matéria vai ao ar só no dia seguinte que eu

produzi, então posso colocar alguma coisa rendendo na internet até a matéria entrar.” A data

de exibição também influencia: “De sábado pra domingo não tem Alterosa Esporte. Então o

que você faz com o conteúdo que você produziu sábado? Então pode usar na internet.”

Outro aspecto decisivo nessa divisão entre internet e TV é a quantidade de conteúdo a

ser divulgado em cada veículo. No último dia, a produção para o Superesportes foi de três

entrevistas após o jogo. Este material foi dividido por assuntos como “expulsão de jogador” e

“resultado da partida’, para garantir mais ‘volume’ de notícias.

Todavia, acreditamos que a produção do jornalista poderia ter sido maior para esse

site. Isso porque várias notícias divulgadas no blog eram ‘factuais’, e a instantaneidade e

agilidade das informações é uma marca buscada pelo Superesportes. Acredita-se que o fato de

o jornalista não enviar este material para o site esteja relacionado à divisão de tarefas entre os

repórteres do Super e Silva. Como o próprio homem-banda revelou no capítulo anterior desta

pesquisa, ainda há uma dificuldade de articular a ideia que os profissionais possuem sobre a

convergência no grupo com a produção para cada meio. Pensar nesta divisão para que não

haja repetição demandaria tempo e interesse desses outros profissionais. Na visão de Silva,

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embora esse diálogo entre jornalistas e o compartilhamento de informações seja cada vez mais

estimulado pela empresa, na prática, tais iniciativas ainda são tímidas.

Apesar dessas dificuldades, para a empresa, Silva apresentou um bom resultado em

relação à divisão do conteúdo de acordo com as rotinas de cada meio, como atesta Cohen:

Ele sabe muito bem dividir entre aquilo que é para a web, que importa agora, aquilo que ele pode guardar pro (sic) Alterosa Esporte do dia seguinte ou o que ele vai gerar para o Jornal da Alterosa segunda edição. Mas, eventualmente, quando tem necessidade de alguma consulta, ele conversa com o Leopoldo, que é o editor do programa, ou com alguém do Uai, por exemplo. [...] Mas assim, ele é muito tranqüilo, ele controla bem os processos, é rara a vez que ele precisa entrar em

contato com a gente pra tirar alguma dúvida. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Todavia, na prática, Silva admite que essa divisão era tomada rapidamente e sem um

critério muito bem definido:

Você tem que tomar cuidado pra não esbarrar, você tem que fazer conteúdo diferenciado. Mas aí tem um assunto legal aqui, não usa lá? Ah não, vou usar um pouquinho na matéria da TV. Mas isso é uma divisão muito cruel. [Na hora como você faz essa divisão?] Eu penso rápido no que tenho. Minhas cartas são essas? O quê vou usar no blog? Ah, então vou usar um pouquinho desse fulano aqui, aí aproveito e chamo a matéria da TV. Ah, isso pra TV ficou muito legal, vale chamar também na internet... então vou usar um pouquinho só. Existem muitas formas de

fazer isso, a decisão sempre foi minha. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

As rotinas da cobertura esportiva também foram determinantes na produção do

repórter convergente. Como a transmissão das partidas é alvo de milionárias disputas entre as

emissoras, aquela que adquire os direitos tem livre acesso ao que acontece dentro dos

estádios, enquanto as demais se limitam à cobertura do entorno. Cohen explica que antes de

cada viagem de Silva para uma cobertura convergente, eles conversam sobre o que o repórter

poderá cobrir. Entretanto, como as regras de acesso aos estádios já são conhecidas por ambos,

como a gente não tem o jogo, como é o caso da Libertadores, não há o que discutir sobre o conteúdo do espetáculo em si, não tem gols, não tem lance. É só o periférico. Então são entrevistas, aquilo que dá pra mandar, que vai enriquecer o conteúdo que o portal, por exemplo, estiver divulgando. Isso é aquilo que ele sobe rapidamente pro pessoal pegar no FTP. [...] Esse jogo eu entro no campo, faço cabine? Então são gols, compacto. Depois ele envia o restante do material, que vai

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servir tanto ao portal quanto aos telejornais. Aí é o pré jogo, o pós jogo, o jogo, aí é

o pacote completo. (EDITOR DE MÍDIAS CONVERGENTES).

Ou seja, a entrada no estádio é decisiva para a definição do conteúdo,

independentemente do veículo para o qual o material será enviado. Os horários das partidas,

geralmente à noite durante a semana e à tarde nos fins de semana, também são determinantes.

A cobertura dos jogos noturnos geralmente se estende pela madrugada, horário em que há

uma escala reduzida nas redações, assim como nos fins de semana. Se houver necessidade de

mais profissionais para receber o material enviado por Silva pela internet ou para apurar

algum dado levantado por ele durante o jogo, a solução para o problema é mais complicada.

Esses horários dificultam até mesmo a conclusão de um impasse editorial ou tecnológico,

caso haja necessidade de profissionais da área técnica ou da definição de algum chefe.

Aliás, a interferência tecnológica foi outro fator determinante na cobertura

transmidiática buscada por Silva. Por depender da internet para editar e enviar o material

produzido, o repórter explicou que, muitas vezes, o critério utilizado para definir o conteúdo

exibido na TV ou no blog dependia da conexão com a rede:

A ferramenta para você postar o blog é muito pesada. Se ela (conexão) tiver devagar quase parando então eu privilegio a TV. Você edita o material e depois deixa o computador lá mandando o arquivo. Então ela, muitas vezes, derrubava a matéria que eu tava mandando pra FTP. Às vezes a matéria nem chegava. História não faltava. Mas não tinha jeito. Desde que começou o torneio do Uruguai. Foi assim na copa, foi assim em outros lugares. Na copa então, eu tentei fazer o Mochilão, mas não teve jeito. Porque a África não tem linha de internet. Ainda mais com fotógrafos, outras emissoras, Deus e o mundo lá, não tinha, é difícil demais. (REPÓRTER MULTIMÍDIA).

E, por fim, mas não menos importante, como último ponto decisivo nessa divisão de

conteúdo a partir da intenção de se buscar informações complementares, mas não repetidas

entre os meios, está o fator econômico. O Mochilão do Esporte foi um projeto imaginado pelo

repórter para as coberturas convergentes realizadas fora de Belo Horizonte. Ou seja, para

Silva, o blog só se justificaria nestes casos, no qual a produção de material é extensa e a

ferramenta se torna um espaço para escoar parte desta produção. No entanto, depois da estréia

na Bolívia, o blog só funcionou em mais três viagens: “Se você vai fazer mochilão, você teria

que fazer várias viagens, mas aí é coisa de orçamento. Eu não estava viajando mais

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justamente por questões de orçamento.” Isto é, verba – ou a falta dela – para cobrir as

despesas dessas viagens determinava as coberturas esportivas da empresa, mesmo sendo um

modelo econômico, com um único profissional.

Outro aspecto referente a este campo está relacionado justamente ao veículo que

cobria as despesas do homem-banda. Se não houvesse tempo ou condições tecnológicas para

enviar o material para os diversos meios, a prioridade era para aquele responsável pela

manutenção financeira da experiência convergente: “Quem tava pagando as contas era a TV,

então a prioridade é o conteúdo pra TV. É meio dura a palavra, mas a prioridade é para o

produto principal, a TV. É o produto que tem mais audiência, é o que gera mais.”

Percebe-se que o discurso da empresa de oferecer conteúdos complementares para

ampliar a experiência informativa do público está ancorado na expectativa de um maior

retorno financeiro, materializado no número de acessos do site ou da audiência da TV.

Todavia, se prender apenas a esta interpretação vinculada à dimensão econômica da

convergência de mídias não nos conduz a uma outra análise, mais interessante, de que

realmente é possível, observando o trabalho convergente do homem-banda, construir uma

forma diferenciada de apresentação das notícias entre os veículos de um mesmo grupo.

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5 CONCLUSÃO

A indefinição conceitual e prática para convergência de mídias tanto no âmbito

acadêmico quanto empresarial não tem impedido que as indústrias da informação adotem tal

denominação para se referirem a seus projetos e ações de melhoria do ‘negócio’ imprensa.

Independentemente das fórmulas e estratégias adotadas pelas redações em todo o mundo, é

fato que as experiências buscam uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho

e linguagens para permitir que os jornalistas elaborem conteúdos que se distribuam através de

múltiplas plataformas.

Em Minas Gerais, o grupo Diários Associados acredita estar conseguindo uma

otimização do fluxo de informações entre as redações, como o editor convergente, Benny

Cohen, fez questão de deixar claro: “[...] hoje a gente já consegue tomar decisões sobre qual

veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos produzidos podem ser

utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que maneira isso se faz.”

Para a empresa, esse resultado é reflexo de ações que começaram em 2006, como a

criação dos cargos de editor de mídias convergentes e repórter multimídia, a realização do

Programa de Formação em Mídias Convergentes, do lançamento do site do jornal Estado de

Minas e suas respectivas versões para smartphones e tablets, além do incentivo à postura

convergente dentro das redações, com profissionais da internet e da TV participando das

reuniões de pauta do impresso.

Tais estratégias permitiram, segundo o grupo, alcançar bons níveis convergentes.

Todavia, um desafio que se colocou nesta pesquisa foi justamente mensurar essa

‘convergência’. Se o próprio conceito ainda é abstrato tanto para a academia quanto para o

mercado, como definir se essas ações eram realmente convergentes e em qual grau de

convergência estariam enquadradas? Percebeu-se que, mais importante que responder estas

questões, os Associados estavam interessados em mostrar a adoção de experiências

convergentes, revelando que a palavra 'convergência' se tornou um valor, um signo

contemporâneo para qualquer empresa que se diz adaptada às novas “tendências” do mercado

e público.

Outra questão levantada nesta pesquisa foi se, na prática, as informações divulgadas

em várias plataformas eram complementares entre si ou apenas adaptáveis às características

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de cada meio. Após a realização das entrevistas em profundidade e do levantamento sobre

este histórico ‘convergente’ do grupo, identificamos que a empresa tinha a intenção de

produzir e distribuir notícias nos mais diversos suportes não apenas repetindo informações,

mas apresentando conteúdo inédito e específico para cada meio. A partir dessa constatação,

fomos em busca de operadores metodológicos que pudessem fornecer subsídios para analisar

essa produção e verificar se essa intenção era realmente concretizada na prática.

A teoria da narrativa transmidiática, apresentada por Jenkins (2008) para a indústria do

entretenimento, como cinema, games e histórias em quadrinhos, embora possa parecer

distante, a primeira vista, do mundo do jornalismo, traz em si uma ideia que se articula com as

intenções dos Associados. Nesse tipo de narrativa, os diversos suportes midiáticos são

utilizados de maneira sincronizada para que a história possa ser contada em cada plataforma

de uma forma inovadora, sem repetição de conteúdo, valorizando a experiência interativa e

tentando despertar o interesse do público.

Este conceito nos permitiu, portanto, avaliar uma das estratégias convergentes do

grupo: a atuação do repórter multimídia Marcelo Silva. A opção por investigar o trabalho

deste jornalista está muito relacionada a um interesse pessoal, uma vez que, como jornalista,

me interessava analisar os rumos e exigências que se apresentam a cada dia a nós

profissionais. E a experiência do repórter convergente pareceu-nos oportuna, uma vez que a

mesma pessoa dominava os processos de coleta, redação e edição, o que, na teoria, poderia

melhorar também a distribuição pelos canais pré-determinados, evitando a repetição e

buscando a complementaridade entre as informações.

Um questionamento que se coloca para o futuro é justamente que tipo de informação é

essa distribuída em várias plataformas. Ao adotarem a palavra 'conteúdo' como sinônimo de

'informação', as empresas operam uma mudança no sentido do conceito de informação

jornalística. Será que prestação de serviço, como divulgação de endereços nos sites, ou

opiniões pessoais, expostas no blog, podem ser consideradas informações jornalísticas?

Indagações que se mostram pertinentes para uma avaliação futura.

Entretanto, antes de apresentarmos as considerações finais sobre a experiência do

homem-banda, podemos afirmar que, de uma forma geral, este jornalismo transmidiático

dentro dos Associados ainda está mais no terreno da intenção que da ação. Entre os fatores

impeditivos para a concretização dessa intenção transmidiática estão àqueles relacionados à

teoria do newsmaking: rotinas, cultura profissional e interferências econômicas são obstáculos

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admitidos por quem trabalha no grupo, independentemente do cargo. Assim, definir quais

histórias merecem um tratamento convergente e como elas serão operacionalizadas depende

de diálogo e sintonia entre editores e repórteres, harmonia que só agora está sendo incentivada

dentro da empresa.

O reflexo dessa disparidade de ações em cada redação mostrou, por exemplo, que as

histórias divulgadas pelo Estado de Minas nem sempre aparecem sob outro enfoque na TV ou

sequer são citadas. É claro que em cada veículo existem regras editoriais e público-alvo,

entretanto, alguns conteúdos que interessam a todos poderiam circular entre as redações com

mais facilidade, como notícias sobre saúde e economia. Além disso, as estratégias

convergentes são tímidas dentro das próprias redações. Os sites da TV Alterosa e do Estado de

Minas, por exemplo, durante o período de observação desta pesquisa, trouxeram poucas

opções de material inédito, mostrando-se uma repetição daquilo que havia sido exibido na

emissora ou divulgado pelo impresso. Na TV, as chamadas para internet se referem, na

maioria das vezes, à prestação de serviço, com informações sobre endereços de postos de

saúde, localização de radares pela cidade etc. Disponibilizar imagens inéditas ou informações

que não se refiram apenas a esses dados, embora seja parte do discurso oficial do grupo, ainda

não se transformou em prática recorrente.

Por outro lado, a cobertura realizada pelo repórter convergente na Bolívia, alvo da

análise desta pesquisa, apresentou resultados interessantes sob a ótica da narrativa

transmidiática. Ao longo de oito dias, Silva produziu 16 reportagens para TV , 14 textos, 30

fotos e um vídeo para o blog Mochilão do Esporte, e três vídeos para o Superesportes, seção

esportiva do portal. E percebemos um esforço do repórter para que a distribuição desse

conteúdo pelos vários canais não se repetisse. Ao longo da cobertura, Silva exibiu na TV 15

assuntos que ainda não haviam sido abordados em outros veículos; 12 no blog e três no

Superesportes. A repetição de conteúdo foi maior entre os próprios programas da TV do que

entre a emissora e a internet, o que pode ser explicado pela quantidade de programas

televisivos: três, ao contrário da internet na qual o blog era o principal canal de distribuição de

informação.

Percebemos que essa divisão de conteúdo entre as plataformas ia além do

conhecimento do jornalista sobre as exigências e padrões de conteúdo de cada canal de

distribuição. Quatro intervenções foram levantadas nesse processo: Interferências das rotinas

da web/TV; das rotinas esportivas; das condições tecnológicas; das condições econômicas.

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Se por um lado a cobertura esportiva depende de horários das partidas e permissão

para a filmagem do jogo de acordo com os direitos de transmissão, por outro, o futebol,

principalmente, permite uma grande multiplicação de conteúdo, o que atrai os torcedores,

como revelou o comentário de um deles no blog: “Parabéns pelo trabalho que realiza na

Bolívia!! Para nós torcedores apaixonados pelo cruzeiro, qualquer informação é emoção.

Valeu!”. Esta declaração confirma que, para os torcedores fiéis, qualquer notícia referente ao

time interessa. Isto é, não apenas o jogo, mas o que o envolve, seja a cidade onde a partida

será realizada ou a estrada até o estádio. A ‘falação do esporte’, discutida no quarto capítulo,

comprova o que Eco (1984) defende: a noção de praticar o esporte se confunde com a de falar

sobre o esporte.

A interferência tecnológica foi outro fator determinante na cobertura transmidiática

buscada por Silva. Por depender da internet para editar e enviar o material produzido, muitas

vezes, o critério utilizado para definir o conteúdo exibido na TV ou no blog dependia da

conexão com a rede. Além disso, as rotinas de cada veículo relacionadas ao fechamento, ao

número de profissionais envolvidos, às orientações editoriais e às características específicas

daquele suporte interferiam na produção e envio das reportagens do homem-banda.

E, por fim, a interferência econômica foi visível na definição desse conteúdo

transmidiático. Se não houvesse tempo ou condições tecnológicas para enviar o material para

os diversos meios, a prioridade era mandar o material para aquele veículo responsável por

cobrir as despesas da experiência convergente: “Quem tava pagando as contas era a TV, então

a prioridade é o conteúdo pra TV. É meio dura a palavra, mas a prioridade é para o produto

principal, a TV. É o produto que tem mais audiência, é o que gera mais,” explicou o repórter

convergente.

Independentemente das interferências, para o grupo Associados, o resultado alcançado

pelo homem-banda foi satisfatório. Todavia, percebemos que alguns pontos poderiam ter sido

mais trabalhados pela empresa ou pelo próprio repórter, como o envolvimento de outros

profissionais que permaneceram nas redações no Brasil, a divulgação nos próprios veículos

dessa cobertura em diferentes plataformas e uma maior atenção dispensada ao público: no

blog, por exemplo, o jornalista escrevia os textos de forma a chamar para o diálogo; no

entanto, ele não respondeu a nenhum dos 61 comentários postados pelos torcedores. Segundo

a teoria de Jenkins (2008), a narrativa transmidiática valoriza a interação, pois, na prática, ela

depende da participação ativa do público. É ele o responsável por ir atrás do restante da

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história. A falta de interatividade do jornalista pode ter servido como desestímulo a uma

maior participação desses torcedores.

De certa forma, isso parece um contrasenso. Se o discurso da empresa de oferecer

conteúdos complementares para ampliar a experiência informativa do público está ancorado

justamente na expectativa de um maior retorno financeiro, materializado no número de

acessos do site ou da audiência da TV, negar essa interação pode comprometer esse resultado.

Por isso, para as novas ações planejadas pelos Associados, esse fator poderia ser

repensado, assim como alguns outros pontos como rotinas e cultura profissional. A empresa

deixou claro que, se a convergência começou com a aproximação entre TV e internet, a meta

agora é envolver todo o grupo. Para isso, deve ser inaugurada, no máximo no primeiro

semestre de 2012, a nova redação convergente – nos moldes do modelo ideal defendido por

Salaverría (2008) – que vai unir as redações da TV, da internet, da rádio, as editorias de

Gerais e Esportes do EM , além da redação do jornal Aqui. A intenção é que, trabalhando no

mesmo ambiente, os jornalistas consigam articular melhor as informações e se encerrem as

resistências culturais entre os profissionais. A meta ousada já foi estabelecida pelo diretor-

executivo do grupo, Geraldo Teixeira da Costa Neto:

Quando a gente fizer essa redação multimídia, esse ambiente vai ser visto como uma fábrica de conteúdo [...] altamente moderna, com processos novos e vai conseguir produzir o conteúdo para várias plataformas, com várias linguagens. [...] Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância. (DIRETOR EXECUTIVO).

Ter conteúdos moduláveis, adaptáveis a qualquer situação, se mostra, na prática, como

uma tentativa de controlar as opções ao se apresentar em todos os canais. Os meios de

comunicação ainda funcionam segundo um esquema com poucas fontes emissoras que

distribuem mensagens para muitos. A necessidade de continuar sendo essa fonte principal, por

meio da convergência, revela uma preocupação com as associações horizontais, tentando

impedir que outros falem e se agrupem aleatoriamente, simplesmente porque esse caos retira

deles o lugar de poder confortável. Ao se tornar ‘convergente’, as empresas esperam ser uma

espécie de nó obrigatório de passagem daquilo que pode ser comum a todos. A tentativa dos

conglomerados de dominar diferentes veículos revela que ainda existem poucos nós de

produção e distribuição, levando a canais fixos e fechados de distribuição da notícia. No fim,

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por mais que existam diversos suportes, a tendência é a centralização da informação nas mãos

de poucos. Ou seja, ao mesmo tempo em que amplia-se o ambiente discursivo, há um

estreitamento da variedade nas informações transmitidas pelos canais de uma mesma

empresa.

Embora essa questão de concentração de poder político e econômico seja um aspecto

relevante a ser considerado nesse debate, ocorre-nos, considerando o cenário atual de

presença das empresas jornalísticas de modo cada vez mais difuso, que pelo menos, esse

domínio seja utilizado em prol de uma experiência mais rica na produção da notícia. E essas

experiências convergentes só poderão ser confirmadas e ajustadas com o tempo contando com

a participação do público, uma vez que, o discurso de facilitar o acesso à informação só se

torna concreto se o público assim o desejar. O próprio Jenkins (2008) afirma que a

convergência não se realiza dentro dos dispositivos tecnológicos, mas “ocorre dentro dos

cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros.”

Em 1962, em A Obra Aberta, Umberto Eco já destacava a participação do leitor na

determinação do(s) sentido(s) da obra e iniciava as discussões sobre os limites da intervenção

do autor. E se um autor tem a liberdade de criar várias obras, o interpretante tem a liberdade

de escolher uma das sequências apresentadas, criando assim, outra obra. Diante da cobertura

do jornalista do grupo Associados, podemos sugerir que ao produzir materiais para diversos

canais, Marcelo proporciona uma liberdade para que o receptor defina a sequência de como

quer acompanhá-los.

Esse potencial comunicativo diferenciado pode construir materiais mais didáticos

sobre uma notícia, uma vez que a mesma informação pode ser complementada, reiterada e

mesmo sistematizada. Ou seja, esse tipo de narrativa pode gerar uma representação

diferenciada de uma mesma informação para favorecer sua compreensão. O leitor transmídia

ao percorrer as diversas plataformas estaria realizando tentativas de compreensão, efetivando

gestos de interpretação ou de uso, porque, em última análise, é ele o responsável por definir a

versão final do que será compreendido.

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206

APÊNDICE A

Tabelas de análises das narrativas transmidiáticas

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Superesportes

20/01/2010 Título post/VT/matéria _ _ _ “Frio e chuva na

Bolívia” _

Repetição/Ineditismo do conteúdo entre

veículos

_ _ _ Inédito para blog (Apresentação e objetivo do blog)

_

Chamadas para outros veículos

_ _ _ Chamada para UAI e TV

_

Interação com o público (WEB)

1 comentário/ Sem resposta ao

comentário

_

Avaliação transmidiática do 1º dia de cobertura

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Super esportes

22/01/2010 Título

post/VT/matéria “Cruzeiro em Potosí”

“Cruzeiro já treina na Bolívia”

_ 1º: “Para um pouquinho, descansa um pouquinho”

+ 2º: “Quase no

topo”

_

Repetição/Ine- ditismo

do conteúdo entre veículos

Inédito (problemas dos jogadores na

viagem, chegada ao hotel, lateral Fernandinho)

Inédito (treino)

+ informações

citadas no blog e no AE

(chegada à Bolívia,

movimenta-ção no hotel)

_ 1º: Inédito

(atividades dos atletas durante

trajeto, problemas dos

jornalistas durante a viagem)

2º:

Inédito ( chegada a Sucre)

_

Chamadas para outros veículos

Sem chamada Sem chamada _ Sem chamada _

Interação com o público (Web)

1º: 1 comentário 2º: 8

comentários/ Sem resposta

_

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207

Avaliação transmidiática do 2º dia de cobertura

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Super esportes

23/01/2010

Título post/VT/matéria

_ “1º treino no estádio”

1º: “Cruzeiro na altitude”

2º: “Um

presente para o lateral”

1º: “Enquanto o time não treina”

2º: “Perigo do outro lado da montanha”

_

Repetição/Ineditismo do conteúdo entre

veículos

_ informações do blog

(treino de sábado)

+ Inédito

(presença dos médicos

e fisiologistas

durante treino)

1º: Inédito (

treino de sexta)

2º: Inédito

(aniversário jogador)

1º: Inédito (informações sobre Sucre)

2º: Informações do JA2 (alguns

dados sobre treino de sábado)

+ Inédito

(torcedor espião)

_

Chamadas para outros veículos

_ Sem chamada

Sem chamada

Sem chamada _

Interação com o público (WEB)

1º: 5 comentários

2º: 1 comentário/ Sem resposta

_

Avaliação transmidiática do 3º dia de cobertura

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Superesportes

24/01/2010 Título post/VT/matéria

_ _ _ 1º: “No, usted no”

2º: “Quanto vale um boliviano”

_

Repetição/Ineditismo do conteúdo entre

veículos

_ _ _ 1º: Inédito (Conversa com

técnico e jornalistas bolivianos)

_

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208

2º: Inédito ( curiosidades sobre

Sucre) Chamadas para outros

veículos _ _ _ Sem chamada _

Interação com o público (WEB)

_ 1º: 1 comentário 2º: 12

comentários/ Sem resposta

_

Avaliação transmidiática do 4º dia de cobertura

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Super esportes

25/01/2010 Título

post/VT/matéria 1º: “Cruzeiro:laterais”

2º: “Cruzeiro: treino

secreto”

“Jonathan é dúvida contra

Potosi”

_ _ _

Repetição/Ineditismo

do conteúdo entre veículos

1º: Inédito (problemas do

jogador Jonathan)

2º: Inédito (altitude controlada e

especulação sobre kléber)

Imagens e informações

do AE (altitude

controlada, problemas de

Jonathan) +

Inédito (entrevista Pedro Ken,

último dia de treinos)

_ _ _

Chamadas para outros veículos

Chamada para Superesportes e blog

_ _ _ _

Interação com o público (WEB)

_ _ _

Avaliação transmidiática do 5º dia de cobertura

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Super esportes

26/01/2010

Título post/VT/matéria

“Cruzeiro na Bolívia”

“Cruzeiro pronto para

encarar

1º: “O primeiro

guerreiro”

_

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209

altitude” 2º: “O bigodudo diz

que sabe tudo”

Repetição/Ineditismo

do conteúdo entre veículos

Informações blog

(estrutura estádio,

conhecimen-to do técnico – com mais detalhes)

Inédito (treino do

dia, viagem cruzeiro

para Potosí)

1º: Inédito (torcedor mineiro)

2º:

Informações do AE

(estrutura estádio,

conhecimen-to do

técnico) +

Inédito (breves

dados sobre perigo até

Potosí)

_

Chamadas para outros veículos

Sem chamada

Sem chamada

Chamada para AE

_

Interação do repórter com o público (web)

1º: 3 comentários

2º: 13 comentários

Sem resposta

Avaliação transmidiática do 6º dia de cobertura

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Super esporte

27/01/2010

Título

post/VT/matéria 1º“Cruzeiro

bola na altitude”

“Último treino”

3º “Cruzeiro estrada para

potosí”

1º“Geraldinho matador”

2º“No meio do caminho tinha uma pedra”

3º“Curiosidade

s de Potosí”

1º“Paraná e Adilson falam sobre jogo”

2º“Maluf fala

sobre expulsão”

3º“Adílson

analisa expulsão”

Repetição/Ineditismo

1º: Inédito (cobrança de

1º Inédito (Vídeo da

1º, 2º e 3º: Inédito

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do conteúdo entre veículos

respeito pelo time Bolívia)

+ informações

blog (primeiro torcedor)

2º: Inédito (brincadeira

com fachada) +

Informações blog

(último treino)

3º Inédito (descrição detalhada viagem)

+ informaçõesd

o blog (alguns aspectos sobre a viagem)

brincadeira entre

jogadores) +

Informações AE

(último treino)

2º: Informações AE (alguns detalhes de

postosí)

3º: Repetição da reportagem exibida no AE sobre a viagem

(entrevistas após o jogo)

Chamadas para outros veículos

Sem chamadas

2 chamadas para AE

Interação do repórter com o público (WEB)

1º: 5 comentários

2º: 2 comentários

3º: 2 comentários/Sem resposta

Avaliação transmidiática do 7º dia de cobertura

Conteúdo TV

Conteúdo WEB

AE JA 2 BA Mochilão Super esportes

28/01/2010 Título

post/VT/matéria 1º“Adílson e Maluf comentam expulsão”

2º“Adílson de olho no

Ipatinga”

1º“Cruzeiro volta (quase)

na Boa”

2º “Aerosur...

_

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211

3º“Repercussão jogo”

presa de última hora”

Repetição/Ineditismo

do conteúdo entre veículos

1º: Informações UAI ( mesmas entrevistas)

2º: Inédito (Adilson fala sobre Ipatinga)

3º: Inédito (antes e

depois jogo

1º: Inédito (embarque jogadores,

atraso viagem)

2º: Inédito

(atrasos Cia. Aérea

boliviana)

_

Chamadas para outros veículos

Sem chamada Sem chamada

_

Interação com o público (WEB)

1º : 3 comentários2

º: 4 comentários/Sem resposta

_

Avaliação transmidiática do 8º dia de cobertura

APÊNDICE B

Entrevistas realizadas com os profissionais dos Diários Associados nos dias 4, 6 e18 de março de 2011, na sede da TV Alterosa e do jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte.

Entrevista Marcelo Túlio Mendonça Silva

Nathália: Por favor, fale seu nome completo, tempo de trabalho na TV e os cargos que já ocupou. Marcelo Marcelo Túlio Mendonça Silva, conhecido como Jordi, trabalho aqui desde setembro de 1993. Vou completar 18 anos de TV. Comecei como operador de caracteres, vulgo GC, depois passei para editor de reportagem, depois que formei, e a partir de 2009, eu entrei nessa empreitada de virar repórter multimídia.

(N) Para você, o que é convergência de mídias? (M) Bem, na verdade, pra mim é você trabalhar um conteúdo para três diferentes tipos de veículos, seja o impresso, seja a internet, seja a TV. E, nesse caso, a gente ainda está no processo, porque você esbarra em várias rotinas, você tem que pensar na internet, você tem que trabalhar texto, você tem que trabalhar TV, e nisso, digamos, em sete horas de trabalho, já que, as horas extras tem que ser evitadas. Mas aí, realmente, é um processo complicado. Então, a turma tem que estar muito entrosada, você tem que conhecer bem o objetivo, para fazer o assunto render nesse tempo razoável.

(N) E você acha que o público hoje está disposto a procurar essas informações em três lugares diferentes?

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(M) Olha, o público realmente, estando disponível, o público vai atrás, ele interessa. O caso é esse imediatismo da notícia, é o twitter, é a notícia da internet, é o vídeo, é o jornal das oito horas da noite, é o jornal do meio-dia, então, sempre você tem que atualizar a notícia pra fazer ela render. O fato vai acontecer quatro horas da tarde e o twitteiro dá primeiro, a internet vai cobrir depois, o jornal das oito vai em cima, aí o jornal impresso fecha 21:00hs, aí o leitor vai ter acesso no outro dia e meio-dia você tem o jornal, então o negócio tem que render. Então, pensando bem, a convergência de mídias, na verdade, você não tem que trabalhar um fato para três veículos diferentes, você tem que trabalhar um fato e atualizá-lo para três mídias diferentes que são separadas, digamos, por unidades de tempo.

(N) Você acha que o público está mais participativo nessa história também? (M) Olha, o público tem opinado pelos canais aí, a gente está vendo muito a participação por causa do Twitter, etc., telefone, pessoal liga, manda email. Tenho acompanhado alguns blogs, mas, eu não to vendo uma certa repercussão em blog que ultimamente anda valendo a pena, eu gosto de ler, etc., mas não gosto de saber opinião de todos. Mas sinceramente, o público, ele tá afim de trabalhar, de descobrir informação disponível, a internet você vê o bum aí, por exemplo de ipad, quem pode já está podendo comprar seu ipad, acompanhando a notícia, etc., dá uma clicada. É, tá a fim de buscar informação. Eu que sou viciado, tarado nesse ponto, então, quando eu não tô olhando a internet, to escutando rádio, to vendo TV, to pensando no conteúdo e por aí vai.

(N) Seu salário como repórter multimídia é diferente do salário de um jornalista que não é? O salário é diferenciado? (M) Sim, o salário é diferenciado.

(N) E você recebe por todos os meios, por um meio específico ou por horas trabalhadas? (M) Não, eu recebo por um, minha fonte pagadora é apenas a TV. No caso eu tenho que gerar conteúdo pra TV e pra internet, poucas vezes eu tenho que participar de um jornal.

(N) Recebe pelas sete horas? (M) Não, bem, eu recebia antes um adicional, mas aí mudaram alguns critérios no que diz respeito a esse adicional, gratificação, etc., etc. Hoje eu devo fazer tantas horas extras por mês pra, já autorizadas, pra compensar essa variação.

(N) Trabalhando sozinho, você tem que tomar muita decisão sem esperar a chefia? (M) – Eu estou voltando de uma viagem à Colômbia que eu passei exatamente por esse problema. Até tenho que dar um puxão de orelha na turma ali. Teve um fato lá que eu cheguei, consegui a informação, mas não perdi a informação por sorte. Eu não estava sabendo e na verdade eu pensei em fazer o VT de um jeito e quando cheguei o fato era outro. Então, pra explicar a situação: a gente tava na Colômbia acompanhando o jogo do Cruzeiro e Desportes Tolima pela Libertadores, fui pra lá sozinho, fiz a cobertura, tive problemas com a bagagem, etc., mas isso não vem ao caso. Aí você tem que pensar um tipo de cobertura já sabendo que sua estrutura é de uma pessoa só e você tem que dividir o conteúdo, o fato, a viagem, fazer gerar três materiais diferentes para o jornal. Era o último dia, o do jogo, e eu tinha o fato, a partida em si e, na minha cabeça, eu teria que fazer mais uma matéria. Então, eu vou fazer o jogo e depois vou fazer a viagem de volta, que é muito pesada. Na Colômbia, o jogo foi na cidade de Ibagué e de lá você tem que tomar um avião pra Bogotá, de Bogotá você tem que pegar outro pra São Paulo e de São Paulo outro pra BH. Ou seja, o Cruzeiro ia ficar cerca de 12 horas ou mais viajando. Então eu pensei: vou fazer o VT em cima do jogo e depois na correria deles pra sair do estádio pegar o avião, correr, etc., etc. Aí quê que eu fiz, fechei o VT, gravei

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minhas passagens, fiz a imagem dos jogadores entrando no ônibus, entrei no táxi, corri lá fazendo a escolta policial, todo aquele aparato, o caras entrando, a idéia de pegar eles entrando no avião, etc., etc. Quando eu cheguei lá, eu vi que tinha um grupinho de jornalistas esperando, etc. Eu falei: uai tem coisa aí. Aí um amigo falou: Olha, a mãe do Roger foi baleada no Rio de Janeiro, uma tentativa de assalto, o companheiro dela morreu etc. Aí a minha retaguarda não tinha me dado essa informação, ou seja, se eu não tivesse decidido fazer isso, acompanhar... eu podia muito bem deixar o ônibus sair etc. e acabou. Mas eu não queria perder essa informação. Aí cheguei, peguei na sorte, encaixei no VT e no final das contas até deu para separar o Roger em um terceiro VT. Então, é uma decisão que você não tem respaldo, nesse caso, não tive respaldo de produção, não tive respaldo de editora, tomei a decisão por mim mesmo e nisso acabei não perdendo um fato que durante o jogo, quem tava fazendo a transmissão para Belo Horizonte e quem estava no Brasil já sabia disso e eu não tive o retorno lá.

(N) Você acha que essas decisões são mais comuns por você estar sozinho ou com equipes completas isso também é comum? (M) Olha, o fato de estar sozinho me deixa três vezes mais ligado do que eu já sou, exatamente pelo medo de você levar uma bola nas costas. Bem, o pessoal já me conhece, sabe que eu tenho autonomia pra decidir, e às vezes, eles até me deixam, meio que em vôo solo. Mas aí você fica mais ligado na coisa, pô eu tenho que gerar um material que a concorrência tá fazendo, se eles estão fazendo isso eu tenho que ir pra outro lado, talvez. Então, eu tenho que fazer o treino do time adversário, tenho que fazer outra imagem pra fazer o material render e não ficar aquela cobertura comum. Além disso, por exemplo, voltando a esse caso de Tolima, tem o material da TV Cruzeiro, que é o cinegrafista do próprio clube que cede pra outros canais que não vão cobrir. Aí se eu fizer um material igual eles, pra que eu tô indo?

(N) Porque que você acha que foi escolhido pra ser esse repórter especial dentro da TV? (M) Vamos voltar a 2009. Naquele ano a gente tava vivendo uma crise econômica e o Cruzeiro e o Atlético, que são os dois principais atrativos do nosso programa de esporte, iriam fazer uma temporada de vinte dias jogando no Uruguai, no torneio de verão. Era uma viagem que custaria muito, porque você mandar uma equipe completa, digamos, nem três pessoas, mas duas, seria uma cobertura cara que você ia precisar de alguém pra editar, etc. Na época, a empresa fez um curso, em 2008, de convergência de mídias e a diretoria falou assim: não, eu quero mandar uma pessoa só que dê conta de fazer esse serviço. Era janeiro, a decisão tinha que ser tomada, o chefe delegou a decisão, mas os outros chefes não estavam presentes, estavam de férias. Aí quem vai dar conta, quem que vai dar? Aí eu levantei a mão: eu dou. Eu já tinha acompanhado outras experiências do Luis Nachibin, na TV Globo, no Esporte Espetacular, hoje senão me engano, ele trabalha na Futura. Ele contando as experiências, como é que ele fazia isso, etc. Não é o caso de geração (de imagens por internet), porque sobre isso eu fui saber do Marcelo Torres, ex TV Globo Minas, que hoje está no SBT Brasil, que trabalha com o famoso FTP, que a princípio assustava, não tinha conexão de internet, você não dorme, etc.. Mas aí, por ser editor e já saber como é que você tem que trabalhar imagem, você já tem uma certa noção de enquadramento, já sabe o quê vale ou não de material... Eu coloquei meio que na minha cabeça: se eu já mandar esse material editado, o tamanho do arquivo vai ser menor, então vai ser mais fácil você lidar com FTP. Então, resolvi encarar essa partida, o pessoal meio que me mandou pra teste, meio que ah vamos ver, se dá conta ou se não dá. Até alguns amigos meus eram contra essa decisão na época, porque, até certo ponto, se o doido vai conseguir fazer, acaba que todo mundo vai fazer também. Qualquer viagem agora vai ter que ser desse jeito, se ele conseguir fazer. Aí eu fui e consegui. Aí quando eu voltei, os chefes já estavam de volta, ficaram empolgados com o resultado...

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tinha que implementar e vamos criar mais uma equipe no programa? A equipe do homem só. Aí sobrou, aí eu fui escolhido pra isso.

(N) E a partir daí você teve algum treinamento pela empresa? (M) Fora o que eu já sabia fazer, eu tive apenas um treinamento pra saber lidar com a câmera de vídeo, luz, etc., adequar.

(N) E quem que te ensinou isso? (M) Um cinegrafista da casa, o Henrique Stênio..

(N) – Mas foi mais informal, apenas com dicas, ou havia uma regularidade nesse treinamento? (M) Chega aqui que eu te dou umas dicas.

(N) Quando você foi contratado como repórter multimídia, foi firmado o que seria produzido por você, a periodicidade certa...Essas funções foram bem delimitadas? (M) Olha, a principio isso foi delimitado, mas queriam que, como eu não era um rosto conhecido pra TV, eu fizesse mais matérias investigativas, fizesse aquela câmera escondida, não fizesse tanto a passagem, não colocasse a minha cara. Fizesse mais aquela função do vídeorepórter, do repórter cinematográfico mesmo, pra fazer o material render. Só que a demanda de trabalho aqui na Alterosa é muito apertada, então você tem que fazer o material do jogo, etc. e eu acabei entrando na escala. E quando você entra na escala, você está sujeito a tudo: o final de semana é seu, então você tem que fazer o jogo, você tem que fazer a câmera de baixo, você tem que fechar o VT, o Marcação Cerrada, você tem que fazer o VT do J2, etc., etc. E aí, ainda mais com essa questão na minha cabeça, de que eu tenho que mostrar que dou conta, eu tenho que fazer... Então eu acabei fazendo aquela estrutura normal: off, passagem e sonora, off, passagem e sonora. Meu trabalho, teoricamente, não era pra ser assim, era pra ser mais aquela coisa câmera nervosa, aquela narração... Só que eu tinha medo de arriscar, eu tinha não, eu tenho medo. Pô, eu viajo pro exterior, tô gastando, vou arriscar, vou brincar lá e vai que não ficou bom? Como é que eu faço? Eu tô perdendo conteúdo... então não tem como. Então eu preferi jogar aonde eu sei e onde eu consigo resolver do que arriscar um formato. Então faltou um pouquinho dessa direção. Eu tinha carta branca pra usar, mas eu é que não quis, não quis pra não perder conteúdo, pra não falar que não funciona... vão parar com essa brincadeira. Porque eu tava empolgado com a história. Então eu queria vingar.

(N) E hoje você tem possibilidade de ousar? Você acha que consegue isso? (M) Eu acho que sim. Mas, por causa da demanda, da concorrência, da necessidade da gente ter conteúdo e até com base nas assessorias que não permitem muita coisa... Porque você está sozinho, então não pode chegar e inventar alguma coisa diferente. Vai que seu foco cria algum tipo de rejeição, entendeu? Não é um grupo, é com você. Então, gera um mal estar, gera um ranço, e meio que você tem que jogar com as cartas, tem que tratar bem as pessoas, não pode criar nenhum tipo de indisposição com você e o seu foco da matéria. No inicio é meio assustador, você ta lá, gravando sozinho, se filmando, o pessoal fala: olha o louco lá, grava sozinho na rua, etc. Sem falar na questão técnica também porque a câmera, por ela ser prática, por ser fácil de conduzir por uma pessoa, ela não tem uma iluminação adequada. Até a câmera profissional não tem, tanto que ela precisa de um iluminador. E eu não tenho esse iluminador, então eu teria que usar o equipamento. Ma não posso usar, porque senão eu perco a imagem e, hoje, a gente ta numa era digital, nosso principal concorrente tem doze câmeras no estádio, a melhor qualidade de imagem possível. Não posso chegar e inventar um Bruxa de Blair novo aí.

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(N) Em relação ao formato existia certa expectativa. Mas em relação a quantidade de matérias para internet, para o blog, pra TV... Isso também foi definido? (M) Eu tinha que ajudar o Uai, eu tinha que ajudar o site da TV, tinha que incrementar, mas a necessidade do programa falou mais alto. Foi falando: tem que entrar na escala, tem que fazer VT assim, tem que fazer, tem que melhorar o programa, tem que incrementar... o fulano tá fazendo isso, tem que ir lá, etc. A gente antes tinha dois repórteres. Quando eu entrei, além da minha equipe de um homem só, o esporte ganhou mais uma equipe. Então, três e eu, ou seja, quatro. Só que parece que o conteúdo se multiplicou vezes dezesseis. E outra, eu tentei, tento me adequar à cobertura do Uai, mas o pessoal já tem certa estrutura. Durante o dia eles têm que dar seis notas por dia. Cinco a seis notas. Então, você meio que briga com a sua própria empresa pra fazer um conteúdo diferente deles, porque senão você repete. Entendeu? Então, até certo ponto eu meio que tentei entrar, mas, “ah não, a gente já ta dando isso... e isso aqui? Ah, a gente já ta dando também...” Então, se o Alterosa Esporte não tá dando, então deixa fazer isso pra cá.

(N) Você acha que, pelo fato de estar sozinho, o material produzido deixa a desejar em relação à qualidade técnica? (M) Olha, poucas vezes isso tem acontecido, porque eu tenho rebolado. Com a experiência, você já vai checando... opa, vou ter problema de áudio aqui, não vou alcançar ali, não vou ter luz aqui, vamos chegar pra cá, como é que eu compenso isso... Por exemplo, se eu, por causa de luz, estiver gravando uma sonora, mas correr o risco de perder, que poderia ter sido o caso do Roger, que eu fiquei com essa sensação, eu tratei de fazer a imagem dele com a melhor luz que eu tinha, porque qualquer coisa eu reaproveitava o áudio e cobria, coisa que eu aprendi na edição. Então, eu tento. Outro dia fui fazer uma coletiva do Ministro dos Esportes aqui em Belo Horizonte. Já sabendo que ia ser cheio de repórter que eu não conheço, aquele atropelo de coletiva de política, eu ia sozinho? Eu catei uma estagiária aqui da casa e lá foi ela. Vamos nós dois que qualquer coisa, você leva meu microfone, gruda no cara, que eu garanto a imagem. Então são certas manhas que você vai aprendendo.

(N) Mas no inicio você chegou a perder imagem, algum material? (M) Ah, no início sim, mas por falta de prática em como lidar com a coisa. Vou te falar de uma repórter que faz uma coisa parecida no SBT Brasil. Até hoje ela não aprendeu ajustar o foco da câmera. O foco dessa câmera, para ser prática, ele ajusta sozinho, vai aonde tem mais luz. Se você deixa ele no automático, se você tá aqui com pouca luz e seu fundo tem luz, ele vai pra lá. Ou seja, então você tem que aprender no manual a regulá-lo pra você trabalhar. E essa menina, constantemente, regula, deixa no automático, na hora que ela vai gravar, ela tá desfocada, o foco tá lá no fundo. E esse jornal de rede tem deixado passar as matérias dela assim. E olha que já são três anos e ela ta fazendo a mesma coisa.

(N) Em uma equipe existe o cinegrafista e o iluminador que dão palpites, interferem também na construção da reportagem. Você sente falta desses outros olhares pra discutir, dialogar? Ou você vai aprendendo a se virar sozinho? (M) Essa conversa tá sendo boa, tá até sendo um analista, um psiquiatra. Existem dois lados de ver. Você sabe como é que lidar com motorista, iluminador, cinegrafista, entrevistado... tem os humores, a pressão... Por ser sozinho, isso aí ta resolvido, não tenho esse problema. Por outro lado, eu fico mais ligado porque sei que ta rolando tantas coisas, tem equipes completas... Existe um círculo vicioso em quem cobre esporte: muitos dos repórteres são filhos da pauta. Ou seja, ele chega lá, com textinho pronto de redação, o editor meio que já ajudou a fechar, já separou as imagens... Então vou chegar

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aqui, fazer umas imagens, uma passagem, uma sonora engraçadinha e acabou. Então, você já sabe como fulano tá fazendo o VT. Então eu tenho uma pauta de stand by, mas eu tô ligado no trem.

(N) Você precisa desenvolver vários olhares? (M) Eu meio que dou uma espiada na concorrência e dou uma olhada no treino pra saber o quê é diferente. Se o treino não tiver nada, eu volto pra pauta, então eu garanto a minha imagenzinha lá que eu preciso pra pauta. Se pintou alguma coisa diferente, eu saio na frente deles, fiz a imagem e tô dentro. Por ser editor, eu ainda valorizo muito a imagem. Não tô nessa de brincadeira, do textinho engraçado...

(N) Nos momentos de decisão editorial, de foco de matéria, você tem um background pra te ajudar na prática? (M) Questões que fogem da sua alçada, por exemplo, eu tive problemas na viagem agora, perdi um vôo... eu ligo pro chefe de jornalismo ( Benny Cohen) e ele tenta me ajudar. No que diz respeito a conteúdo, muita das vezes, sou eu que tenho tomado a decisão sozinho mesmo. Isso já é um processo que funciona assim no programa há mais de dez anos, você toma a decisão, você executa, e, no dia seguinte, a edição vê o quê ela faz. Se ela repercute, se aceita... mas na hora é faz, faz que depois a gente vê. O famoso faz que depois a gente vê.

(N) O fato de você ter essa autonomia hoje é por causa do trabalho que você já demonstrava na época de editor? (M) Sim, por causa da experiência. O pessoal meio que acredita que eu não vou perder nada e eu me cobro pra isso. Só que tem coisas que fogem da nossa alçada. Então eu faço, digo que aconteceu isso, avaliem se usa ou não... Muitas vezes também o horário não facilita, os jogos acontecem domingo, ou nas folgas, termina jogo de madrugada... Então o horário também não ajuda.

(N) Quando você foi pra Potosi lá na Bolívia, tinha algum repórter do Estado de Minas lá? (M) Não.

(N) Mas aí você não foi obrigado a mandar material pro Estado de Minas? (M) Eu mandei algumas fotos, tava a disposição pra mandar texto, mas eles preferiam não fazer uma cobertura diferente, fazer umas matérias mais produzidinhas, com textos de redação e sonoras de rádio.

(N) Você conta no dia-a-dia com a ajuda de outros repórteres do grupo associados? Você estando no mesmo lugar que eles existe alguma troca? (M) Sim, alguma troca de figurinha sim.

(N) Mas nada oficial, uma determinação para trabalhar em conjunto com repórter tal? (M) Não.

(N) Você acha que na prática existe uma resistência? Essa cultura do furo ainda impera entre o Uai, o Estado de Minas e a TV? (M) Por mais que a gente tente ser companheiro, tente passar matérias, existe aquela questão meio que cada um no seu quadrado. Não de ser bruto a ponto que não passo, vou querer furar, não a esse ponto. Mas, mais em cima da rotina, eu tenho que fechar meu material, eu tenho minhas sete horas de trabalho, eu vou chegar e fazer assim e assado... Então, em cima disso, o pessoal às vezes não quer, é

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difícil você parar, pensar: “Eu vou fazer uma coisa diferente aqui, fulano”. Porque se você toma essa decisão, você tem que saber que o fulano tem que parar pra pensar isso contigo também.

(N) Você acha que isso deveria ser incentivado mais pelos chefes? (M) Eu acho.

(N) Essa questão da resistência cultural pode impedir a convergência? (M) Eu vou te dar um exemplo de um cara que eu estou vendo no globo.com, que era repórter de TV, migrou pra internet, tá tentando fazer um trabalho desse, mas tá esbarrando exatamente nisso, nessa diversidade de conteúdo e não consegue o espaço dele. É o José Ilan, repórter que começou na extinta TV Manchete, foi pra TV Globo, grande jornalista e tentou fazer um conteúdo variado, teve na África, tentou. No caso dele, tem a Sport TV, tem o Globo Esporte, tem o Jornal Nacional, tem isso, tem aquilo outro, tem o Esporte Espetacular, tem o Globo.com... e aí, o que ele vai poder fazer variado? Então hoje ele continua produzindo as coisas dele, faz as brincadeiras, mas tá muito restrito a um blog, a um comentário. Tá virando mais comentarista de blog do que ousando. Você ter que ousar seis dias por semana é difícil. Voltando ao s Associados, o treino é um só, são 24 horas. Então pra você incrementar o site da TV, você teria que fazer uma noticia que não vai, teoricamente, estar no UAI. Você chamaria o internauta pro site da TV, para gerar audiência no site. Mas aí como é que você consegue um fato diferente daquelas seis notas que o UAI tem que dar? Você teria que tentar conversar: fulano, deixa uma pra mim. Mas aí vamos voltar na rotina, tenho que fazer minhas seis notas, isso aqui é só meu e pronto. E tem a concorrência também, então não adianta. Aí eu vou te dar aquele exemplo, você tem achar o negócio e pronto. Eu, por exemplo, vi o cochicho do Zezé Perrella no ouvido do Kleber. Só eu vi aquela hora, só eu. Mas não é todo dia que vai acontecer um cochicho, uma cena que só eu vi e vai pro site da TV etc.

(N) Quando você estava em Potosi era diferente? (M) Na verdade lá era porque não tinha ninguém do Uai, era eu. Então a cobertura deles, nesse caso, dependia de mim. Aí eu mandava a entrevista, a foto, o que tava acontecendo...

(N) Você acha que sua participação é melhor quando você está em um lugar que os outros não têm acesso? (M) Isso, quando a geografia me ajuda. Quando eu tô isolado em um canto e eu não tenho colegas do grupo. Aí sim eu consigo colaborar. Porque jogando em casa é cada um no seu quadrado.

(N) A convergência é um projeto da empresa, mas, na prática, a ponta do processo não está conseguindo conversar. É preciso uma maior interferência da empresa no processo? (M) Enquanto os editores não começarem a interagir entre eles, isso vai continuar do jeito que tá. Eu acho que já evoluiu muito, pode evoluir mais, mas há outros fatores também que divergem: relação de trabalho, rotina, horário, escala... A gente tenta fazer isso no programa Bola na área, juntar os profissionais da internet, os da TV, os da rádio pra fazer um programa na hora do almoço. Só que aí a gente tá sujeito a escala de trabalho. Eu não posso contar com fulano, sicrano, porque ele tá de folga ou não tá trabalhando, então eu tento formar os debatedores do jeito que eu consigo. A gente tentou outro dia uma matéria do Montijo que joga no Vila Nova, e por falha de comunicação, o Estado de Minas não entrou. O Estado de Minas queria muito fazer a matéria, mas, o famoso deixa que eu aviso, não avisaram.

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(N) Você acha que a criação de um cargo de editor convergente, que conversasse com todas as editorias, funcionaria? (M) Eu acho que seria função de um editor convergente. No curso que a gente fez, a gente colocou a figura do Dartanham: tinha os três mosqueteiros, Athos, Porthos, Aramis, TV, internet e jornal, e teria que ter um quarto no meio da história que seria o Dartanham, o editor de mídias convergentes pra tentar facilitar essa troca de figurinha.

(N) Como é sua rotina de trabalho diariamente e como ela se modifica em época de viagem? (M)Diariamente eu cuido da produção do programa Bola na área, que seria um produto que mescla profissionais das três mídias, vamos falar quatro, que nesse caso entra a rádio Itatiaia também. Entã minha semana já começa tentando arrumar o programa, quem que vai participar, quem que não vai... O conteúdo dele eu vou fechando mais tarde, já que é um programa aos sábados e não adianta fechar segunda-feira... então vou fechando mais durante a semana. E hoje, como eu sou meio que vítima da escala, eu vou me adequando as necessidades do Alterosa Esporte. A princípio não era pra ser assim, mas acabou sendo. Então, enquanto vou produzindo as minhas outras coisas, fazendo um trabalho mais burocrático, eu vou cobrindo buracos. Ah, fulano vai fazer uma matéria especial com sicrano, então você vai fazer o clube. Ah, vai ter um vôlei hoje à noite, então você vai lá fazer o vôlei e no resto do dia você faz a produção do Bola. Então eu vou me virando nisso. A situação se inverte completamente quando eu viajo. Aí que eu me dou bem, que eu nado de braçada. Porque ai só tô eu lá, eu tenho que fazer. Aí é duas matérias por dia, fazer aquele climão, o que gira entorno do treino, etc...o conteúdo principal. Eu tenho viajado pra acompanhar Cruzeiro e Atlético, os dois vilões do programa. Então tem que ter duas, três matérias do clube que eu tô cobrindo. Aí a pauta é toda minha. Aí, de vez em quando, vem uma informação: aconteceu isso em Belo Horizonte, repercute aí. Ou então eu descubro uma coisa lá e falo pra correr atrás aqui. Foi o caso da coruja. O Cruzeiro ia jogar a Libertadores na Colômbia. Quando eu chego lá, o fato principal era um jogador que chutou uma coruja que vivia no estádio. A coruja pousou no campo, o jogador foi lá, meteu o bico e matou a coruja. Aí a Colômbia tava em polvorosa. E o Cruzeiro tava chegando justamente nessa data, e o Fábio, goleiro ídolo do Cruzeiro, é um cara que gosta muito de animais. Aí eu fui lá conversar com ele, explicar a situação, e ele contou que já adotou uma coruja.

(N) Você sente falta de ter mais autonomia para se pautar estando aqui na redação? (M) Não. Realmente eu não tenho. Mas o caso é o seguinte: as equipe com iluminador, cinegrafista, repórter, motorista, ou seja, a melhor estrutura, tem que fazer Cruzeiro e Atlético. Ou seja, é uma matéria especial, então vai a melhor estrutura. A estrutura do homem só, do homem banda hoje funciona para cobrir um buraco. Ah, tinha que pensar matéria produzida, ficar uma semana fazendo... mas falta tempo pra produzir, tô na escala, tô preso a escala, não estou livre da escala. E que matéria produzida vai ser essa com tanta noticia que a gente tem que dar 24 horas? É o jornal, são as seis notas da internet, são os três VTs do esporte.

(N) O fato de ser uma editoria de esportes muda alguma coisa nessa rotina de você como homem banda? Seria diferente se você trabalhasse para outrs editoria? (M) Eu já pensei muito nisso porque muitas vezes eu acabei fazendo o jornalismo, a ‘geral’, sem querer. Um dia que fui fazer o jogo, Confins tava fechado, e como só eu tava lá, então lá fui eu. Tava indo fazer um treino na Toca, peguei uma perseguição policial, acidente. Hoje a concorrência tem muita câmera espalhada pela cidade. E, teoricamente, pra você ter muita câmera do jeito tradicional do jornalismo, você tem que ter uma câmera, um repórter, um cinegrafista, um motorista. No mínimo três

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pessoas, o que gera um custo. Um repórter multimídia, sozinho com uma câmera, na geral, acho que daria pra fazer muito mais coisa do que quem fica preso no esporte. No meu caso, é uma situação de cobrir o time que está fora, longe de Belo Horizonte, e não tem ninguém pra cobrir. Como é que faz, fica três dias sem noticia?

(N) Um repórter multimídia então seria melhor aproveitado se fosse na geral? (M) Eu acho que existe muito campo pro repórter multimídia na geral. Só que, no caso da Alterosa, como o esporte é um dos principais, ou talvez o principal produto da casa em termos de faturamento, você precisa dar cobertura do time quando ele foge de Minas Gerais. E hoje, infelizmente, o SBT em outras praças não tem estrutura. Tive lá em São Luis outro dia e fiquei assustado com a estrutura do SBT lá. Outras praças nem tem mais. Como é que você faz quando souber que o Cruzeiro foi lá? Quem que vai gerar o material? Quem que vai me passar o material?

(N) Você acha que a editoria de esporte permite brincar mais, ter um texto mais flexível? A própria postura, o comportamento do repórter também é diferente daquele de outras editorias? (M) Sim, sim. Perfeitamente.

(N) Já fez alguma coisa que você acha que é bem característico do esporte? O fato dele entrar mais na matéria, se envolver com a atividade, participar de algum momento... (M) Sim, mas ultimamente isso tá sendo mais difícil por causa da pressão das assessorias. Você pode estar no mesmo hotel que os caras, mas lá dentro você não pode fazer imagem, lá dentro é um momento deles.

(N) Você acha que essas assessorias mudaram um pouco o perfil dessa cobertura esportiva? (M) Mudaram muito o perfil. Hoje o atleta, o clube por si só, depende muito do patrocinador. E o patrocinador só aparece no momento que o clube está com a camisa, a do jogo ou a do treino, e aí ele vai estar na frente do banner. Ou seja, as imagens são permitidas a partir do momento que há o treino, ou seja, todos os trinta e seis jogadores estão com a camisa de treino, que esta lá o patrocinador e vão falar com o banner atrás. Isso é sem problema. Aí quando quero fazer uma matéria fora, aí já é difícil, já impõem algumas barreiras... não vou dizer que seja impossível, mas é muito difícil. A assessoria muitas vezes não colabora, aí tem que ser o contato de você com o próprio atleta. Mas dentro do clube o fato do patrocínio não aparecer gera um problema. Então eles dificultam.

(N) Como você acha que essas noticias de esportes são vistas pelos telespectadores? É mais de entretenimento, um momento de leveza dentro do jornal? (M) Eu acho que sim. A gente tem visto muito a questão da concorrência dos clubes. Então, o dia a dia, o treino em si, isso não gera muita coisa. Mas a polêmica, a briga, a brincadeira, a resposta a uma crítica, isso já gera assunto.

(N) Então a cobertura sempre vai além do factual? (M) Vai sempre além do factual. Tem que ser a cobertura mais em cima do que gera atrito, o que gera polêmica, o que gera repercussão, é o pênalti roubado, é o fulano... tem que ser o diferente. Cobrir o treino em si, eu acho que com o tempo, isso vai acabar, a cobertura do treino por si. Só vai voltar na hora daquele momento de decisão, mas enquanto o campeonato tiver no inicial, acho que vai acabar...

(N) Então você acha que até o critério de noticiabilidade dessa cobertura esportiva mudou? Se antes, às vezes era o treino era tão importante, hoje é mais essa falação do esporte?

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(M) É falação. E olha que hoje os atletas são instruídos a não provocar o adversário, isso fica muito mais na boca dos dirigentes do que do próprio atleta pra evitar provocações. Mas o que gera assunto é a provocação, na hora de fazer o gol provoca o outro, aí você repercute isso.

(N) Você acha que a própria mídia vai alimentando essa falação? (M) Exatamente. Porque só o dia a dia é muito chato.

(N) Você tem tempo, quando faz suas matérias sozinho, de colocar vinheta, efeito especial, música, como é comum hoje em dia? (M) Não. Porque como estou sozinho, toda a minha criatividade já esta focada pra um lado. Eu tenho evitado um pouco isso. De vez em quando eu brinco, mas quando estou fora, estou editando, eu evito fazer isso já que o diferencial é exatamente quanto menor o arquivo, melhor o trabalho.

(N) Essa parte técnica impede... (M) Impede.

(N) Você já teve algum blog antes ou foi a sua primeira experiência? (M) Já tive um blog de cinema fazendo parceria com o Robson Leite e o Leo Medina aqui na redação.

(N) Como surgiu o blog mochilão do esporte? (M) Surgiu naquela cobertura lá de Potosi, mais porque precisava de um conteúdo diferente, ou seja, eu poderia escapar de fazer as mesmas coisas que o Uai. Então podia fazer aquela cobertura do treino e fazer o assunto render mais focado mais no site da TV.

(N) Mais surgiu a partir de você ou foi uma demanda da empresa? (M) Surgiu a partir de mim. Só que ai eu esbarrei no problema primeiro da conexão de internet, que infelizmente, cada lugar é um lugar diferente. Ou seja, se ela tiver devagar quase parando então eu privilegio a TV. E também por causa das viagens. Se você vai fazer mochilão, você teria que fazer várias viagens, mas aí é coisa de orçamento.

(N) O blog parou três viagens depois. Por quê? (M) Exatamente por questões de orçamento. Eu não estava viajando.

(N) Você acha que ele só valeria a pena se fosse nessas viagens? (M) Sim. Desde que começou o torneio do Uruguai, foi assim na copa, foi assim em outros lugares. Na copa então, eu tentei fazer o Mochilão, mas não teve jeito. Porque a África não tem linha de internet. Ainda mais com fotógrafos, outras emissoras, Deus e o mundo lá, não tinha, é difícil demais.

(N) Quando você viaja, quem que cobre suas despesas de alimentação, transporte, hospedagem, deslocamento de um lugar para o outro? (M) TV

(N) Ela repassa o dinheiro antes ou você traz as notas? (M) Faço o acerto. TV me dá uma grana, às vezes sou reembolsado, mas é tudo por conta da TV.

(N) O dinheiro é suficiente? (M) Normalmente tem dado, não tem dificuldade. Se tiver alguma despesa extra eu pago e depois me reembolsam. Não tem tido tanto problema com isso não.

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(N) Quando você viaja, como você define a informação que vai pra TV, pro blog e pro portal Uai? (M) Para o blog, tinha quer ser notas curtas, coisa rápida, mais em cima de uma foto legenda, do que a situação em si. Então isso é um facilitador. Mas, às vezes, podia render matéria também. Um exemplo foi a viagem à Sucre. O Cruzeiro tava em Sucre e pegava uma viagem de uma hora e meia subindo a Serra para Potosí. Aí valia colocar um vídeo no blog. Só que você tem que tomar cuidado pra não esbarrar, você tem que fazer conteúdo diferenciado. Mas aí tem um assunto legal aqui, não usa lá? Ah não, vou usar um pouquinho na matéria da TV. Mas isso é uma divisão muito cruel.

(N) Na hora como você faz essa divisão? (M) Eu penso rápido no que tenho. Minhas cartas são essas? O quê vou usar no blog? Ah, então vou usar um pouquinho desse fulano aqui, aí aproveito e chamo a matéria da TV.

(N) Dê mais detalhes dessa divisão. (M) Primeiro eu penso: como a matéria vai ao ar só no dia seguinte que eu produzi, então posso colocar alguma coisa rendendo na internet até a matéria entrar. Algumas situações são diferentes, por exemplo, a questão do domingo. De sábado pra domingo não tem Alterosa Esporte. Então o que você faz com o conteúdo que você produziu sábado? Então pode usar na internet. Ah, mas isso pra TV ficou muito legal, vale chamar também na internet... então vou usar um pouquinho só. Existem muitas formas de fazer isso, mas a decisão sempre foi minha.

(N) A chamada que a TV faz para o blog era essencial? (M) Sim, sim. Sem dúvida nenhuma. Eu acho que o publico de internet, apesar de ser muito grande, ele não capitaliza em um lugar só. A TV serve exatamente pra catalisar: fulano,vê lá que tem um negócio bacana. Aí o pessoal por curiosidade vai lá e aí repercute, cai no twitter... Então eu preciso de um grande meio pra apontar para a pessoa que tem coisa legal na internet.

(N) Você falou sobre a qualidade de internet. Isso pesou demais na viagem? Isso era determinante em relação ao que você ia mandar? (M) Sim. Porque quem tava pagando as contas era a TV, então a prioridade é o conteúdo pra TV. Também por questão de espaço físico, o equipamento é um só, você não tem dois computadores. E se você tivesse dois computadores ia ser pior, porque aí a internet ia ser braba. Então, você edita o material e depois deixa o computador lá mandando o arquivo. A ferramenta para você postar o blog é muito pesada. Então ela, muitas vezes, derrubava a matéria que eu tava mandando pra FTP. Então é um complicador.

(N) Sua postura era diferente na TV e no blog? No blog você se posicionava mais? (M) Sim, porque, na verdade, falta o fato da câmera virar, comprovar que eu estou passando aquela situação. Quando eu to na câmera, eu tô naquele olhar, tô focalizando a terceira pessoa, não tô focalizando a mim. Então no blog eu posso falar mais de mim. E é até mais fácil eu passar uma câmera fotográfica pra alguém me fotografar o que passar uma filmadora pra alguém me filmar.

(N) No blog você descreveu muitas situações cotidianas e não apenas aquelas relacionadas ao futebol... (M) Sim, claro. O blog é legal, mas você não sabe o que vai encontrar na questão da internet. Na África do Sul é impossível, não tinha como. Às vezes a matéria nem chegava.

(N) E história não faltava...

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(M) Não. E história não faltava. Mas não tinha jeito, não tinha.

(N) Quando você comentava assuntos de comportamento, muitas vezes, rendiam mais discussões que o próprio treino. Você acha que as pessoas têm essa curiosidade sobre os bastidores de uma cobertura? (M) Claro. Isso aí sem dúvida nenhuma. Mas, infelizmente...

(N) A audiência pesava na escolha do que mandar pra cada meio? (M) A prioridade é de quem esta pagando as contas. É meio dura a palavra, mas a prioridade é para o produto principal, a TV. É o produto que tem mais audiência, é o que gera mais.

(N) Você geralmente mandava pro Alterosa Esporte e pro Bola matérias maiores e pro JA2 flashes. Porque essa diferença? (M) Porque o próprio editor do JA2 pedia. Como é um jornal que tem um pequeno espaço para o esporte, ele pede matérias mais curtas, bem enxutas para o programa. Então isso aí já é demanda editorial.

(N) Quando você fazia para o AE e pro Bola, você sabia em qual bloco seria inserido esse VT? Isso fazia ou não diferença para o material que você ia produzir? (M) Por ter sido editor do programa mais de oito anos, eu já tinha noção como é que funciona a estrutura do programa. Então eu já sabia o quê que era uma matéria especial, o quê que era isso, o quê que era um VT de treino. Então eu já tinha idéia de como é que funcionavam essas coisas.

(N) A TV exige uma certa ‘presença de vídeo’, um fator muito subjetivo. Você ficava preocupado com essa questão de se encaixar nesse perfil tradicional de repórter? (M) Isso ainda me preocupa, porque minhas passagens não têm movimento, minhas passagens são praticamente todas plano americano ou plano mais fechado. Por questões técnicas, o foco da câmera varia de acordo com a luz. Então se eu trabalho com foco manual, eu tenho que ajustá-lo primeiro. Se eu movimentar, já era o foco. Então é paradinho, paradinho, paradinho. E sem falar da questão física também.

(N) Você se preocupava com essa questão de dicção, de postura? (M) Sim, porque eu não me perdoava pelo fato de errar e depois, ah coitado, também ta trabalhando sozinho. Não, eu quero mostrar que sozinho eu sou tão bom como que se eu estivesse com duas pessoas. Porque isso aí é comigo, eu quero provar pra mim mesmo que eu dou conta de fazer o serviço.

(N) Você acha que suas primeiras matérias que foram ao ar causaram um certo estranhamento em relação ao público? M) No inicio muita gente nem percebeu que eu estava sozinho, e depois é lógico, você vai melhorando a locução, o visual, o enquadramento, luz, mas evoluiu bastante.

(N) Você sente mudanças na fala, no vestuário e na postura desde quando começou? (M) A questão da locução melhorou, eu consigo já variar o timbre de voz, acho que ainda pode melhorar ainda mais. E a questão do visual, fiquei mais mauricinho. Aí eu tive que encaixar no formato padrão.

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(N) Quando você faz matéria pra TV, você parte do pressuposto de que as pessoas ali já conhecem o assunto? (M) Como o telespectador do Alterosa já conhece o assunto, já vou editando, produzindo e editando nesse sentido. Mas quando estou em um lugar diferente, que não é Belo Horizonte, aí eu tento apresentar. Ah, aqui pode beber cerveja, lá em Belo Horizonte não pode beber cerveja. Aqui tem muita mulher, aqui tem até cachorro dentro do estádio.

(N) Quando você acha que poderá arriscar mais nas matérias para TV? (M) O problema hoje é que estou muito em função da escala. A partir do momento que eu tiver autonomia pra ficar realmente fora da escala e produzir, aí acho que vou poder arriscar. É um pouco mais uma questão minha também. Por ser editor, eu já sei como é que tem que ser a imagem, como é que tem que ser a luz, se vai ficar bom, não vai ficar.

(N) Como ficou a definição sobre o que iria para o blog e o que iria para o UAI? (M) Na verdade, eu fui me oferecendo, porque não foi meio pedido. Por mais que o pessoal seja bacana no UAI, eles ficam meio que pô, a gente quer fazer uma matéria assim, mas o Jordy vai fazer também, vai meio que furar, então eles não passam pautas. A não ser, por exemplo, na coletiva do técnico que xingou o outro, tava bravo lá, aí eu mando. Xingou, é o assunto, aí mando lá o vídeo, uma sonorinha.

(N) Você acha que por você ser da TV provocava alguma diferença nos acessos ao blog? (M) Não, não senti nada nesse caso não. Ficou muito a questão da Tv chamar a internet, mas não associava ao autor não.

(N) Quando você escrevia no blog, pensava em um modelo ideal de leitor? (M) No caso, os principais são os torcedores daquele clube que eu tô cobrindo. Então você não pode falar texto ofensivo, se eu tô falando do Cruzeiro não posso fazer um texto atleticanado. O Cuca foi jogar no bingo lá, achei que era conversa de taxista, na verdade ele foi mesmo. Chegou todo mundo cansado, ele saiu do hotel e foi jogar no bingo. Aí se você coloca já viu, né?

(N) Porque que não deu pra responder aos leitores do blog? (M) Quando eu tinha o blog de cinema, e cinema vai muita opinião pessoal, eu achava isso meio chato. Aí, no Mochilão, eu deixava mais solto. Falem o que quiser, pensem o que quiser, a informação ta aí, a foto ta ai.

(N) Você percebeu que leitores interagiam entre eles? (M) Sim, claro sim. Digladiavam, pra falar a verdade. Então deixa, tô fora, já fiz minha parte, já falei isso.

(N) Mas você acha que o blog não pede justamente essa interação? (M) Sim, mas, na verdade eu tô focado em fazer a cobertura do clube, eu não vou me desgastar em uma discussão, não vou gastar energia pensando nisso, já que preciso de tanta.

(N) Quais os pontos positivos e negativos dessa experiência de repórter multimídia para você, como jornalista? (M) Primeiro pessoal: desde que comecei, eu só ficava na redação, eu nunca tinha contato com a rua, não tinha contato com as pessoas, não tinha contato com quem tava fazendo. E agora você dá a cara pra bater e mostra sua cara também. Então o pessoal te respeita, sabe que você faz um trabalho legal...

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E pelo fato que, eu gosto demais disso que eu faço, independentemente de salário, de condições de trabalho, é o que eu gosto de fazer. Então, cansa, é pesado, é duro, é sofrido, mas poxa, é bacana.

(N) Você acha que esse é o futuro nas redações daqui pra frente? Ter, pelo menos, um ou outro repórter assim? (M) Olha, sinceramente, acho que no interior isso vai ser. Por questão financeira, de estrutura, isso vai começar no interior. Em breve, isso vai começar. Eu fiz uma imagem lá na Colômbia de um cara parecido com que eu tava fazendo, só não vi o conteúdo que ele produz. Ele conseguiu até amarrar um suporte de câmera no cinto.

(N) Mas então você acha que por trás desse movimento de convergência essa questão econômica é que mais pesa? (M) No final das contas essa, vai caminhar um pouquinho pra isso também.

(N) Caminhar ou nasce por causa disso? Por causa dessa economia? (M) Não, eu acho que é conseqüência. Se você começa com um jornal e compra uma TV, na verdade, você ta querendo faturar mais. Depois, se o pessoal tá mexendo com internet e isso dá dinheiro, então vamos investir. Aí depois é que vem a diminuição de custos. Primeiro você vai criando coisas para faturar e depois em um momento de crise você resolve cortar. Primeiro, a idéia é fazer crescer, pra crescer você tem que ter estrutura, etc., etc. Aí, lá na frente, na hora que não tô conseguindo crescer mais, na hora do apertão , vem o corte. Mas primeiro acho que a função é crescer, o primeiro passo é crescer.

Entrevista com Geraldo Teixeira da Costa Neto

Nathália Nome todo e o cargo na empresa Geraldo Teixeira da Costa Neto. Tempo de empresa vinte, quase vinte e dois anos. O cargo é diretor executivo do grupo em Minas Gerais.

N Para você, o que significa esse processo de convergência de mídias, principalmente no âmbito do jornalismo? G Eu acho que o processo de convergência pode ser dividido em duas frentes: a primeira frente é puxada pra tecnologia. Tecnologia sempre teve muito perto do nosso negócio, mais ainda nos últimos anos. E essa tecnologia faz com que os veículos sejam diferentes dos convencionais. A gente nunca imaginou que fosse ler jornal ou ver um vídeo em um aparelho de telefone celular, ou em um aparelho que não existia seis meses atrás, que já é o maior sucesso como o ipad ou os tablets. E essa forma de produzir conteúdo para esses novos aparelhos elas são convergentes por natureza, elas tem profundidade, porque não tem limite do tamanho da página, não tem limite de tempo, elas têm a característica multimídia, porque tem vídeo, tem texto. Então elas já nasceram convergentes. A outra vertente que eu enxergo na convergência é uma readequação à nova realidade do nosso mercado, da nossa indústria. O nosso negócio sempre foi, nos últimos noventa anos, um negócio com muita margem de lucro, um negócio com muita rentabilidade que permitiu fazer um crescimento muito expressivo. Mas agora essas margens não existem mais. O financiamento da nossa indústria ta em xeque, ou seja, será que os anunciantes do offline migrarão pra online na mesma velocidade? Na mesma intensidade? E se sim, eles irão pulverizados, já que existem outras alternativas? O que aconteceu até agora mostra que sim. Há uma pulverização da mídia e os jornais perderam margem, as TVs perderam margem. E quando um negócio perde margem você readequa os seus processos de

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fabricação pra adequar a nova realidade do mercado. Eu acho que também é um dos motivos para que a convergência de mídias tenha esse papel nos dias de hoje.

N Você citou o aspecto tecnológico e o empresarial que são esferas da convergência definidas por Salaverría. O autor ainda menciona a esfera profissional, da readequação das rotinas de trabalho. Como você, dentro do grupo, essas novas rotinas, novos cargos, novos perfis profissionais? G Acho que o primeiro ponto é a gente ter o cuidado de formar esse profissional, que na faculdade tá distante. Já era um pouco distante. Eu formei em jornalismo em 99, teoricamente pouco tempo atrás. Mas, naquela época, era máquina de escrever na católica, que não era barata. E o computador já tava mais que estabelecido nas redações. Então sempre acho que a universidade está um passo atrás. Então a gente tem que ter esse cuidado de formar as pessoas pra realidade do mercado. E tem que ter boa vontade e perfil do profissional. Agora, nem todo mundo vai ser multimídia, nem todo mundo vai ser convergente. Aí é o meu modo de ver, mas pode ser que não seja a realidade que os estudiosos estão dizendo. Acho que vai ter um perfil monomídia, o cara especializado naquilo. A especialização não vai perder sentido no nosso negócio, pelo contrário, cada vez mais você tem que ser profundo porque as pessoas buscam informação agora com mais profundidade; elas sabem mais do que sabiam antigamente. Mas você vai ter, no mesmo ambiente, o cara que faz mais de uma coisa. O cara que sabe editar um vídeo, faz a matéria para o jornal, escreve uma matéria pro ipad, pro telefone celular. Então acho que vai ter uma coexistência dessas duas forças de trabalho.

N Ao mesmo tempo que você pode contratar um profissional desse tipo, você pode também contratar alguém que só lida com o impresso? G Ah não tenha dúvida.

N Como a empresa resolve as questões trabalhistas de um profissional multimídia? G Vai ser complicado. O sindicato, assim como a universidade, está um passo atrás do que acontece no mundo. É claro que o sindicato tem um papel fundamental de garantir os direitos trabalhistas, mas a nossa indústria passa por uma revolução onde, nos Estados Unidos, acabou. O negócio de jornal acabou. Eu fui lá agora no carnaval. É de chorar os jornais, o tamanho que eles estão. Eu acredito que vai ser uma coisa complicada, mas não tem como voltar atrás. Então vai ter que ser na base do diálogo, de tentar mostrar os números. Porque o Brasil, eu tive uma reunião ontem na ANJ, coincidentemente sobre este assunto, sobre mídias digitais, e a gente tava conversando: o Brasil tem a sorte de poder fazer diferente do que os países de primeiro mundo não tiveram a oportunidade. O tsunami ‘ponto com’ foi tão forte na Inglaterra, Estados Unidos, Canadá que os grupos de mídia não tiveram tempo de se readequar. O Brasil tem. Primeiro, a velocidade das mudanças ‘ponto com’ não foi tão forte quanto foi nos Estados Unidos, nesses outros mercados que eu te falei. Segundo: a classe C ta em ascensão, consumindo iogurte, consumindo papel, trocando televisão. O terceiro é porque, ao contrário dos outros mercados, o Brasil tem uma concentração de meios em um mesmo grupo de comunicação, coisa que não acontece lá. Então, como é que você vai fazer convergência com um cara que tem um jornal, que não tem alternativa? Só jornal e internet. E aí é mais difícil pra quem tem televisão e rádio. Então é uma vantagem muito grande pra gente tentar fazer diferente, fazer de uma maneira que fique bom para a empresa, fazer de uma maneira que fique boa para os funcionários.

N Como é que fica na carteira de trabalho a situação de uma pessoa contratada com esse perfil? G Eu não sei te responder ao certo, mas acho que o contrato de trabalho é um contrato multimídia. É um contrato com os Diários associados. É a mesma coisa que a Globo faz com a Infoglobo. Você

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trabalha, por exemplo, pra Globo, mas você não é contratado pela Globo, você é contratado pela Infoglobo. Mas a Globo tem uma dificuldade muito maior do que a gente porque trabalha com o conceito de afiliado. Os afiliados têm jornal e a Rede Globo não quer passar o poder negocial da televisão para os jornais. Então a Globo vai evitar ao máximo que haja convergência dos veículos. Ela tem uma grande oportunidade nas mãos, mas ao mesmo tempo, tem um grande problema nas mãos. Então essa dificuldade a gente não tem.

N E a integração das redações? O Infoglobo integrou o impresso O Globo com o online. G Voltou atrás. A Globo é o seguinte. O G1 tá na responsabilidade do Schreider, que é da TV Globo, que estava antes com a Globo.com, mas não está mais. O Globo online tá na redação separada do Globo. O Globo online fica no prédio do Extra, que atravessa a rua, fica na esquina, não tá junto. O que nós vamos fazer aqui no nosso grupo é colocar as editorias do local, leia-se esporte, cidades, bairros, o ‘gerais’, mais entretenimento e cultura no mesmo ambiente, que vai ser o estúdio D do prédio da TV Alterosa. Separados em baias de veículos convencionais, pra manter a configuração, mas vão haver pessoas que vão perpassar por essas baias e vão fazer o trabalho multimídia. Ou seja, a gente acredita que a barreira de local de trabalho é uma barreira que impede o desenvolvimento da convergência. Então, estando no mesmo ambiente, acho que até as idéias favorecem pra criação do trabalho. Cabe a gente dar estrutura jurídica pra que a coisa funcione dentro da legalidade.

N Isso tem um prazo? G em. As obras já começaram, nós estamos com um financiamento pra essa obra e nesse ano ainda a gente inaugura. Os computadores já foram comprados, já tem um processo bem adiantado. Acho que esse ano a gente inaugura. Eu acho que vamos ser um dos primeiros grupos de comunicação do mundo a ter uma experiência como essa. Pode dar errado? Claro que pode, não tem uma fórmula certa, mas a gente fez de uma maneira inteligente, respeitando os prazos, com uma tecnologia robusta por trás, que permita fazer essa construção multimídia da noticia. A nossa chance de acertara é muito grande.

N No site institucional dos Diários está escrito que o grupo está dando os primeiros passos quando o assunto é convergência. Que passos relevantes você citaria que foram dados até agora? G Eu acho que tudo feito até agora foram passos empíricos embasados em experiência dos outros, na tentativa e no erro, e a gente também arriscou algumas coisas solo. Então o fato do Benny ser editor do Uai e da TV Alterosa foi um fato concreto da convergência. Não adianta você ter um editor do Uai, um editor do Estado de Minas, um editor da TV Alterosa e falar: Agora um, dois, três, convergência. Não adianta, é do ser humano. O cara não tá programado pra isso, ele enxerga como concorrente, existe briga de espaço entre as lideranças das redações. Foi o que aconteceu com outros grupos, inclusive este que a gente acabou de citar. Então, o comando é importante, então foi uma experiência. Eu acredito que pelos experimentos que a gente fez, pra dar certo um processo de convergência, há de se ter um comando único, que perpassa por essas redações. Essa é a coisa principal. A segunda coisa, tecnologia e a terceira, capacitação das pessoas. Toda vez que você teve essas três coisas, mesmo que fosse pontual, a coisa funcionou. Quando falta uma dessas três coisas não funciona. Ah, ‘não tem tecnologia’, ‘não tem estrutura’, ‘o meu chefe não quer que eu faça isso’ ou a pessoa não tá capacitada pra fazer. Então quando você tem essas três coisas pontualmente, você tem resultados pontuais que dão a confiança de que a coisa pode funcionar.

N Você ainda encontra perfis de jornalistas resistentes a essa idéia da convergência?

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G Resistência tem. Igual a resistência quando veio o computador. Eu lembro que eu fiz parte disso, de temer a redação, apesar de ser relativamente jovem, de temer aquele modelo de redação dos Estados Unidos, do computador. Tinha gente que era contra, não vai pegar, não vai dar certo. Então toda mudança, em qualquer atividade humana, gera desconfiança, gera o medo. Isso é inerente a nós seres humanos. E vai acontecer, a gente sabe. Mas a gente fará questão de trazer um pessoal jovem, já com facebook, Orkut, inerente na sua formação. Eu acho que é uma questão de tempo pra gente conseguir alguns resultados.

E para os que estão aqui é treinamento? G Treinamento, treinamento. Outra dificuldade? O tempo de produção. Se você somar o tempo de produção de uma pessoa produzindo jornal, de uma pessoa produzindo pra televisão, de uma pessoa produzindo pra internet e somar esse tempo, ele é evidentemente menor do que uma pessoa produzindo para os três, porque aí você tá falando de especialistas. Então a pauta tem que ser inteligente para que esse cara consiga produzir. Por isso eu acredito que o multimídia vai ser muito voltado em cima do factual, não vai dar tempo dele aprofundar. As análises terão que ser feitas por especialistas. Mas aquela notícia de break news, de entrar na frente, de rasgar a matéria, essa é a cara do multimídia. Então o cara vai ter que colocar dois parágrafos na internet, entrar ao vivo no rádio, esperar o break da televisão pra ele entrar e fazer a nota pro site, não nessa necessariamente nessa ordem.

N Como você vê esse compartilhamento de informação dentro do grupo? As notícias que chegam em um veículo conseguem fluir para o outro? G Não fluem justamente porque o principal fato é a distância geográfica, que só será resolvida com as pessoas no mesmo ambiente de trabalho e com um fluxo de informação pré-estabelecida. A informação vai chegar assim e vai ter uma pessoa que para separar o processo pra A, B e C. Sem um processo muito bem detalhado para cada circunstância, não funciona. Então: “contratação de jogador de futebol” tem que acontecer isso, isso, isso e isso. A “morte de um político” tem que acontecer isso, isso e isso. A gente vai criando essas rotinas ao longo do que a gente for amadurecendo sobre o processo de convergência.

N Quando uma informação exclusiva chega, como ela é trabalhada? G Pois é, tem isso também. É natural que cada um queira segurar a notícia. Foi quebrada uma grande barreira no nosso grupo: hoje a TV Alterosa participa da reunião de pauta do Estado de Minas. Antes não acontecia. Veja bem, eram duas gestões separadas antes, então você tinha profissionais que trabalhavam na TV Alterosa que faziam bico nos jornais concorrentes do Estado de Minas, faziam freela. Tinham profissionais do Estado de Minas que faziam freela em concorrentes da TV Alterosa. Apesar de um mesmo ambiente empresarial, eram empresas com gestões diferentes. Quebrar uma cultura dessa de cinqüenta anos não é fácil. Então, primeiro, a gestão unificada. Os passos a serem dados são muito grandes. Você ter a confiança de que o furo vai ser preservado é uma coisa complicada, quer dizer, você vai furar amanhã pelo jornal, mas você pode produzir na televisão hoje pra sair amanhã. Não precisa produzir depois que você lê no jornal. Então essas coisas a gente tem evoluído bastante. Mas não tenha dúvida que isso é um fator, é um ponto de atenção.

N O grupo chegou a ter assessoria formal de algum consultor, de alguma empresa? G A gente teve um treinamento, trouxe muitas pessoas pra dar palestra pra gente. A gente lê muito, eu viajo muito, vejo as experiências, mas não tem receita pronta, cada um defende uma coisa. Eu sou

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SBT, jornal local, minha rádio é a A, meu site é assado. Então a receita que deu certo nos outros locais tem que tentar adaptar pro nosso local. Não da pra um cara chegar aqui e falar assim: um, dois e a receita é essa que vocês vão seguir. Não tem como fazer isso, impossível. Eu tenho um jornal popular, então assim, é uma construção, é um processo, é um processo evolutivo. Tem horas que ele evolui mais, tem horas que ele evolui menos. Mas ele tá acontecendo.

N O que você percebe da demanda do público? Ele tem essa capacidade convergente, de correr atrás de informações em diferentes meios? G A gente não pode fazer as nossas estratégias pensando no que a gente vê hoje. Tem que fazer estratégia pensando no que vai ser o futuro. Esse é o grande exercício empresarial que todo gestor tem. E hoje tem aquela pessoa tradicional, que só lê offline; tem a pessoa só online, que já largou o Estado de Minas impresso e tá lendo o Estado de Minas no ipad. E tem o cara que convive com os dois, então eu enxergo esses três perfis. Eu acho que lá na frente, o cara que é só offline vai morrer, acho que vai ter os outros dois. O só online e o off com on. Então pra essa estratégia, pra esse público que a gente tem, tem que pensar as nossas estratégias.

N Para o público que mistura o off com on, como a empresa faz com que ele retorne ao meio, que ele não o deixe? É um desafio? G Eu investi muito do meu tempo nesse ciclo. E eu não sei te responder. Eu acho que os grupos de comunicação têm força pra formar hábito das pessoas ainda, acho que a gente pode. Mas eu acho que até que ponto vale a pena você forçar uma coisa que o cara não tá afim? Ele vai fazer, mas não é muito bem aquilo que ele tá querendo. Aí eu tirei um pouco o pé. Eu, particularmente, to em uma fase de tentar entender melhor os hábitos das pessoas. O que o cara quer? E saber o que a pessoa quer é uma coisa trabalhosa, muito cara, investe-se em pesquisa, mas o resultado de hoje pode não ser o resultado de amanhã. Isso eu acho que é uma coisa muito dinâmica. A gente vai costurando, mas eu acho que não dá pra gente falar assim: Você vai consumir uma informação dessa maneira. A pessoa que tá com o controle na mão é que vai definir como que ela quer. A gente tem que estar atento à essa maneira. Acabou o jogo de futebol, o cara quer análise, o cara quer gol, o cara não quer esperar o dia seguinte pra ler a matéria, pra ver. Então o quê ele quer naquela hora? Ele quer rever os gols, ele quer ver entrevista. Aconteceu um crime, ele quer ser informado pra ver se é sua família que tá envolvida, depois, aí sim, amanhã eu vejo. Então esse tipo de coisa que tem que ser prestada atenção.

N E você percebe que o público quer participar desse processo? G Alguns sim, outros não. Uns são ativos os outros são passivos.

N O site colaborativo Dzaí é uma forma de participação dentro das ferramentas do Grupo? G O Dzaí é uma forma de você participar. Mas tem gente que é extremamente passiva.

N O Estado de Minas lançou o em.com. Mas já existe o portal Uai.Qual foi o objetivo? G O conceito do Uai é de um agregador dos diários associados. É no Uai que a convergência vai acontecer. É onde a matéria vai encontrar com o vídeo, que vai encontrar com a coisa jocosa, que vai encontrar com o ensaio de foto sensual, que vai encontrar com os guias de serviço. É um portal agregador. Porque nós tivemos essa estratégia? O ideal é que tivesse lançado os dois na mesma época, mas por falta de capacidade de investimento nós não conseguimos. O em .com é o braço do jornal na internet. Ele é a parte mais pesada do hard news que está publicada no Uai. Não tem como o Estado de Minas não ter uma presença na internet. A gente apostou primeiro no Uai porque era uma maneira de nos diferenciar da nossa concorrência. Somente nós podemos fazer um produto, um projeto como este.

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Tá estabelecido? Tá, mas podemos rever nossa estratégia. Vamos lançar agora o site da TV Alterosa, completamente diferente do que era antes, muito mais rico. Ele perpassa muitas coisas do Uai, mas a TV tem que ter sua voz na internet também.

N O portal Uai abriga blogs de vários jornalistas. Como isso funciona dentro da casa? Quem mostra interesse ou algumas áreas são obrigatórias? G Os dois. Quem tem vocação, interesse, a gente abre espaço. Para os temas que a gente acha que tem que ter, nós identificamos pessoas na casa pra fazê-lo. Então é um mix dos dois.

N E qual será o perfil do chefe convergente quando a redação integrada sair do papel? G Eu penso muito nisso. Eu acho que a principal característica desse cidadão é uma pessoa habilidosa. Porque no primeiro momento vão se encontrar as redação da TV Alterosa, Estado de Minas. O cara da TV Alterosa pode reclamar que tá ganhando menos que os caras do Estado de Minas pra fazer a mesma coisa. Isso vai acontecer. Tem que ter um cara habilidoso que explica que é um processo, vai acontecer com todo mundo, tem que ter paciência, você ta fazendo parte da história... Então é um cara que tem habilidade pra contornar essas situações e um cara que tem uma sensibilidade jornalística muito grande pra saber qual veículo ele vai ter que utilizar para determinadas informações. Então é um profissional que é difícil de formar, de encontrar no mercado. Então você tem que formar essa pessoa. É uma preocupação grande.

N Como a empresa avalia o trabalho do Marcelo Jordy? G Eu sinto muito a vontade de falar dele porque rabalhei na mesma sala que ele durante três anos. Ele começou na internet no Uai e saia do Uai pra TV Alterosa. Não sei como ele tinha energia pra fazer isso. Mas ele fez durante muito tempo até que optou por ficar na TV Alterosa. Então ele é uma pessoa que tem um perfil, um texto adaptado aos veículos. Tem as ferramentas jornalísticas de internet, que é o texto, e tem as ferramentas de edição de vídeo que era a função dele na TV Alterosa. Então ele é o exemplo do cara, do perfil que a gente tem que perseguir. Ele foi em uma copa do mundo agora. Aqui em off, até não era a pessoa que iria, era pra ir um outro, mas aí esse outro não ia dar conta de fazer. Então ele foi muito em função do perfil dele, do que as chefias estavam querendo pra mandar. Então é uma pessoa que faz aquilo que a gente vai perseguir, vai ser certamente um duplicador do processo interno de convergência.

N Que tipo de cobertura você acha que se adapta a esse formato de uma pessoa só? G Os extremos. Aquela notícia rápida, a notícia factual, break news e uma notícia mais fria, uma expedição a Antártica, por exemplo. Aquela que você vai ter tempo de produzir. Notícia do tipo aumento do dólar? Acho que não tem jeito, porque tá no meio termo: tem que ter uma análise, mas feita rapidamente, porque amanhã o cenário já é diferente. Então acho que essa pessoa tem esse perfil dos extremos, aquela matéria lenta que você pode ter o geladão e o quentão. O morno... acho que o morno tá na cara dos especialistas.

N Havia alguma definição da empresa sobre o que ele faria pra TV e pra web? G A empresa deu as diretrizes básicas e aí foi no ‘vamos ver no que vai dar’. Não tem muito o que pedir, além do que o cara pode oferecer naquele momento. Então é um processo de aprendizado. O curso de convergência e as matérias que os jornalistas produziram depois para vários veículos foi um processo de aprendizado muito bom, que nos deu coragem. Não foi só aprendizado, nos deu coragem de dar um passo maior. Se aquilo não desse certo, a gente não daria um passo pra um investimento tão grande como nós vamos fazer agora. Então a história vai contar isso, hoje nós estamos muito no calor

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do que foi feito, então a empresa não pode cobrar uma coisa que não existe ainda. Por outro lado, o cara que tem que estar produzindo pra entender isso, tem que ter essa sintonia. Eu sou relativamente modesto nas minhas palavras e sou comedido nas minhas afirmações. Mas eu não tenho dúvida de que o que nós vamos fazer aqui vai ser inédito no mundo. Acho que nós vamos ser case de alguma coisa daqui pra frente. Não é porque nós somos melhores do que as outras pessoas não, mas porque a conjuntura e a oportunidade nos leva a poder fazer uma coisa diferenciada. Conjuntura de ter um portfólio multimídia, de não estar atrelado à uma globo que não deixaria fazer, de ter um DNA de internet muito forte no grupo, pelo fato de quem tá gerindo a empresa ser oriundo da internet também ajuda um pouco esse entendimento, e de ter veículos tão fortes nos seus segmentos. Então se você somar isso tudo e usar esses exemplos que a gente teve, vão dar uma boa mistura.

N Hoje grandes grupos como New York Times, Washington post, estão abandonando a denominação jornal impresso, pra se definir como uma coisa maior. Hoje como o grupo associados se define? G Vamos separar. O mercado americano faz por sobrevivência. Hoje o Times anunciou que vai cobrar a partir do vigésimo artigo que você vai ler, não sei como que eles deram esse corte. Eles têm lá trinta milhões de usuários online. Querem pegar vinte por cento desses trinta milhões pra cobrar. Porque que eles tão fazendo? Porque não tem alternativa, as contas não fecham. Circulação caindo, receita caindo, as demissões não acabaram, a conta lá não fecha. Então eles fazem por questão de sobrevivência. Aqui no Brasil nós temos essa oportunidade de fazer pela conjuntura que eu te expliquei há pouco. Eu acho que quando a gente fizer essa redação multimídia, esse ambiente vai ser visto como uma fábrica de conteúdo, eu não tenho dúvida disso. Uma fábrica de conteúdo altamente moderna, com processos novos e vai conseguir produzir o conteúdo pra várias plataformas, com várias linguagens, do popular ao mais sofisticado. Eu não tenho dúvida de que teremos um ambiente de produção de conteúdo. Hoje nós somos um grupo de veículos, um grupo de comunicação, mas nós vamos ser uma fábrica de conteúdo multiplataforma publicando em marcas de relevância. E isso é importante. Você vai ter um grupo de profissionais produzindo conteúdo multimídia em marcas relevantes, acho que esse detalhe faz a diferença. Se não for em marca relevante, não se sustenta, a conta não fecha. Então acho que essa vai ser a visão, fábrica de conteúdo.

Entrevista com Benny Cohen

Nathália: Nome completo, cargo e quanto tempo na empresa. Benny: Benny Cohen. Comecei como repórter de rua, depois virei repórter do TJ Brasil, fiquei durante todo o período do TJ no SBT, aí virei editor responsável do Jornal da Alterosa. Em 2003 eu virei editor geral e no fim de 2006 surgiu o projeto da convergência e aí apareceu esse cargo de editor de mídias convergentes, que é o cargo que eu estou ocupando atualmente. Vou completar vinte e seis anos na empresa, desde 22 de maio de 90.

N O que significa convergência de mídias e como ela se aplica no jornalismo? B O conceito que eu sigo mais é do Salaverría, que diz que ela se estabelece em várias instâncias da empresa. No nível empresarial, seria até mais no nível administrativo, mas aí é muito mais sinergia do que convergência, é mais uma racionalização administrativa, digamos assim, do que convergência. No jornalismo é otimizar sua produção de conteúdo nas plataformas em que você consegue unir esses conteúdos. Essa plataforma por excelência é a internet, aonde você consegue reunir texto, áudio, vídeo, foto, imagem, tudo ali. Mas há também a convergência do ponto de vista do fluxo da

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informação, da coleta, da distribuição e da organização das informações. Então, ao invés de você ter um grupo de comunicação com redações isoladas que não conversam entre si, você passa a, pelo menos uma tentativa, fazer um trabalho conjunto em que as informações são compartilhadas para a produção do melhor conteúdo para o consumidor de informação. Então hoje a gente já consegue tomar decisões sobre qual veículo a informação vai primeiro, de que maneira os conteúdos produzidos podem ser utilizados, o que deve ou não ser compartilhado, de que maneira isso se faz. São processos que vão acontecendo na medida que a rotina vai andando. Na verdade, até pouco tempo você não tinha um manual e, mesmo tendo, não é o caso de se seguir porque a mim a experiência da convergência é uma coisa nova do ponto de vista histórico, de se fazer jornalismo e jornalismo online, principalmente. São coisas que estão sendo desenvolvidas em cada lugar. Cada lugar tem mais ou menos o seu modelo, de acordo com suas características, e eu acho que a gente tem tido uma experiência mineira, digamos assim, estamos desenvolvendo uma metodologia própria. É claro que observando o que os outros estão fazendo e tentando absorver o que tem de melhor, mas também respeitando as nossas características, as nossas condições, os nossos limites. As coisas são muito caras, são complicadas, não é uma coisa tão simples. E tem uma coisa que é importante aí. Na cabeça do empresário, às vezes, a primeira reação é achar que convergência é sinergia e sendo sinergia ele vai poder diminuir um monte de gente. E na verdade convergência nem sempre é isso, até pelo contrário, às vezes, é até contratar mais gente. Sinergia e convergência não são sinônimos, mas geralmente é a tendência do dono. Até que não é o caso aqui, quem ta responsável por isso tem uma visão legal e é o grande incentivador do processo, o Zeca. Se não fosse ele isso certamente não estaria acontecendo, então até acho que não é o caso dele. Mas acontece muito essa confusão por pressões de outras áreas e a questão da rentabilidade da empresa. É difícil você explicar convergência pra todo mundo, então há uma tendência, às vezes de as pessoas acharem que com a convergência vai ficar tudo melhor, mais fácil, nós vamos ganhar mais dinheiro. E às vezes não é exatamente assim. Então é um processo complicado, mas a gente tem conseguido evoluir bastante coisa e tem muita coisa que a gente até reduziu a velocidade do processo, ainda não começou a fazer, enfim.

N Como está o projeto de integração de redações aqui? B A redação do Uai veio pra cá no início de 2007. Infelizmente pela ausência de um espaço onde coubessem todos os jornalistas da TV e do Uai, eles tiveram que ficar em um andar acima do andar da redação da TV, mas havia um projeto de que em três meses se faria uma redação onde todos trabalhariam juntos. Só que no meio desse processo, surgiu um projeto ainda mais ousado que era de unir não só a TV com o portal, mas de também trazer algumas editorias do Estado de Minas, a redação do jornal Aqui e a rádio Guarani. E isso acabou fazendo com que o primeiro projeto fosse abandonado e se partisse para esse projeto maior que começou a ser executado no meio de 2008. Mas ai veio àquela crise econômica que afetou o mundo inteiro e a nós inclusive. Então era um projeto de construção de uma redação em um estúdio gigante que a gente tem aqui no prédio. As obras tinham começado e, ainda no início, tiveram que ser interrompidas porque a empresa suspendeu todos os investimentos, inclusive esse. No fim do ano passado é que as coisas começaram a retomar um andamento e a empresa conseguiu um grande financiamento pra tocar a obra. A parte estrutural está sendo feita fora daqui, que é uma parte de aço e está sendo feita em siderúrgica. Depois que isso entrar vem a parte de infraestrutura. Há uma expectativa de que até o final do ano a redação possa entrar em funcionamento. Pra mim é a previsão mais otimista, mas eu não apostaria tanto assim em 201, acho que é para o primeiro semestre de 2012, do primeiro semestre não passa. Se você for lá em cima, você vai ver que os tapumes já mudaram, vire e mexe a gente ouve máquina trabalhando, ainda é um ritmo

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lento, mas tá funcionando. E o que vai ter nessa redação? Ela vai ser uma Newsroom com estúdio e postos de trabalho, redação e vai exatamente unir as redações da TV, da internet, da rádio Guarani, as editorias de gerais e esportes do Estado de Minas e a redação do Jornal Aqui. É um projeto ousado, não tem nada parecido na América Latina. Você tem projetos de convergência muito grandes por aí, como o do Clarín, na na Argentina, mas nenhum que envolva TV. E esse é o grande diferencial que eu acho que o projeto dos Diários Associados tem, porque geralmente os projetos de convergência lidam com impresso e web, mas aqui é a primeira experiência conhecida, e olha que eu vasculho isso diariamente, to sempre olhando, eu não conheço um projeto que esteja integrando TV com web, com impresso e rádio. Nesse caso da redação, eu ainda não conheço. Então realmente é um projeto ousado e nós estamos doidos pra começar efetivamente.

N O fato de ser um conglomerado que tenha todos esses veículos facilita ou atrapalha um pouco esse processo? B As duas coisas, facilita e atrapalha. Por exemplo, facilitou no caso da web com a TV, mas aí quando você vai envolver o impresso, por exemplo, e o impresso é exatamente quem vive essa grande crise de identidade, aí o processo ficou mais lento, a coisa ficou mais difícil, não foi tão fácil seguir em frente.. Agora, por exemplo, o Estado de Minas entrou com o em.com.br. As cabeças mudaram lá, hoje o estado de espírito favoravelmente a convergência é outro. Mas isso é natural, faz parte. A gente fica ansioso, mas na verdade tudo tem a sua hora mesmo, na hora que tiver que acontecer, vai acontecer. E agora, por exemplo, é um dos momentos mais favoráveis por esse ângulo pra que a coisa comece a acontecer no Estado de Minas. Tenho certeza de que quando essas editorias vierem pra cá, elas vão vir em um clima completamente diferente do que se isso acontecesse três anos atrás. Então talvez a crise tenha adiado nosso projeto para o bem. Acho que a forma de se relacionar vai ser mais fácil. As resistências, que eventualmente podem ainda existir, serão menores. Eu acredito que a gente vai inaugurar essa redação em uma situação bem mais confortável.

N A empresa teve assessoria de algum grupo? Como vocês se informam sobre esses movimentos que vão acontecendo no mundo todo? B Não teve nenhuma consultoria específica. Eu fiz um curso em São Paulo de jornalismo digital. Já se falava muito em convergência e a gente tava começando a fazer alguma coisa aqui. Quando eu fui lá, a gente tinha sido premiado com uma matéria da Daniela Vargas sobre um projeto dos correios pra deficientes visuais. Ela fez naquele formato robocope, no caso, reporcope, que é o repórter fazendo todas as versões. Ela tinha feito uma versão pra impresso, pra web e pra TV. E a gente acabou premiado no sindicato dos jornalistas por aquele trabalho foi uma coisa legal. Então quando eu fui fazer o curso a gente já tava fazendo alguma coisa aqui. Ou seja, não houve uma consultoria especifica pra deslanchar o processo. É muito de uma experiência própria que nós mesmos estamos desenvolvendo. Agora, a gente tem lido muito, o Zeca é um cara que nos ajuda demais, ele sempre tem dicas importantes. Foi muito importante também ele colocar o Alexandre Magno, que é o nosso gerente de projetos convergentes, e o Luizinho, que é o gerente de negócios convergentes, em sintonia comigo para que a gente pudesse ter sempre essa visão conjunta, de como desenvolver as coisas. E aí nos estamos tocando o barco. A participação das chefias da TV também foi fundamental. As pessoas entenderam, na primeira hora, a importância do projeto e passaram a se empenhar no desenvolvimento das ações necessárias para que a coisa começasse a funcionar em redações que passaram a ser uma só, mas estavam trabalhando fisicamente em dois lugares. Um exemplo é o compartilhamento de relatórios de apuração ou qualquer outra informação que circula, envio de material de lá pra cá e daqui pra lá, enfim, a operacionalização dessa coisa. Uma coisa é ficar falando bonito sobre a convergência e

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outra é botar a máquina pra andar. E todo dia você descobre um ponto que está agarrando porque é um processo todo novo. Talvez, se a gente tivesse investido milhares de dólares em uma consultoria, a gente tivesse mais a frente. Mas eu acho que isso de alguma maneira inviabilizaria o projeto, então, eu prefiro acreditar que andando a passos lentos a gente vai fazer a coisa caminhar e chegar lá.

N Como surgiu o curso de mídias convergentes e como você avalia o resultado? B Esse é um passo muito importante porque era necessário disseminar os conhecimentos que só algumas pessoas detinham desse processo. A intenção na época era criar um grupo convergente que deslancharia esse trabalho na empresa. Hoje eu faço uma mea culpa. Nós que participamos da organização falhamos gravemente em uma coisa: ao invés de escolher um grupo que era formado preponderantemente por repórteres, a gente deveria ter, compulsoriamente, um treinamento com os editores. Ou seja, não era perguntar se as pessoas queriam ou não participar. Nós fizemos uma coisa muito democrática: abrimos inscrições voluntárias e em cima das pessoas que manifestaram desejo é que a gente fez a seleção. Isso foi bacana, mas por outro ângulo foi um erro porque a gente deveria ter dividido as vagas, que eram 32. A forma compulsória seria pra fazer com que o editores do impresso e da TV participassem do treinamento. Por quê? Porque eles seriam os multiplicadores da proposta da convergência, ou seja, eles fariam o curso, absorveriam os conceitos, entenderiam o funcionamento do processo e seriam os multiplicadores. Aqueles que de alguma maneira se colocassem contrários ao projeto, não aceitassem, não entendessem, naturalmente participariam da renovação do grupo, que é um processo natural que ocorre em uma convergência. Fazendo da maneira que nós fizemos, primeiro vários dos jornalistas que nós treinamos já deixaram a empresa, então investimos em pessoas que já não estão mais aqui, preparamos mão de obra para o concorrente. A gente tinha o treinamento durante a semana, com aulas, e uma vez por mês, aos sábados, a gente tinha o seminário. E os editores convidados a participar dos seminários aos sábados, nenhum editor do impresso participou. É uma informação importante porque as pessoas revelaram, por suas ausências, que não estavam interessadas ou não deram importância para o treinamento. É uma informação simbólica, representativa. Ela denota que a coisa não estava bem naquele momento do ponto de vista das pessoas que ocupam cargos de chefia, que são responsáveis pela condução dos processos. Aconteceu que perdemos vários desses profissionais e deixamos de treinar aqueles que deveriam ter sido treinados. Então eu acho que isso foi muito grave. Agora o treinamento foi maravilhoso, as pessoas que participaram dele e vários ainda estão conosco, estão utilizando os conhecimentos que absorveram lá em beneficio do trabalho. Mas foi um erro não fazer com os editores. Tendo feito com eles, e todos esses editores continuam na empresa, hoje eles estariam convencidos do processo, por bem ou por mal. Mas, agora, estão aí colaborando, participando, o em.com.br está no ar e indo muito bem, eles estão participando do processo. Como eu disse, tudo tem seu tempo e naquela época teria sido importante pra abrir as mentes, mas nós erramos, infelizmente.

N Se hoje vocês estão treinando a velha guarda, durante as contratações, a empresa busca um perfil diferente para jornalista? B Totalmente. Eu falava muito assim: gente, quero galera de piercing e tatuagem, era uma figura de linguagem que eu usava para dizer que eu quero que nas novas contratações, a gente sempre busque pessoas com espírito jovem, novo, que estejam abertas às novas tecnologias. Pessoas que já são dessa geração digital, que já estão chegando e fazendo de tudo na web e que já lidam com câmera de celular e outras coisas com uma naturalidade que lhes é peculiar, que é inerente mesmo, que eles nascem fazendo isso. Esse exemplo que todo mundo gosta de dar: meu menino com seis anos já faz tudo e é isso mesmo que está acontecendo. O meu menino pega o meu celular e descobre coisa que eu nunca

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vi, tem dois anos que eu estou com o meu aparelho e em dois minutos ele faz coisas que eu olho e pergunto onde ele achou isso. E ele mesmo não sabe explicar porque vai vasculhando. Então, há um bom tempo que a gente tem tentado contratar esse perfil. E as experiências, por incrível que pareça, são muito bem sucedidas, é impressionante. Porque faz parte dessa pessoa, é da realidade dela, você não tem que fazer aquele processo de tirar o cara da máaquina de datilografia, que tá lutando contra o computador e, basicamente, usa o computador como máquina de escrever e não como uma ferramenta maravilhosa que é, com tantas oportunidades. Pra uma pessoa que já lida com isso, que tem essa informação, já está pronta lá, você só tem que trabalhar outras coisas. Então o processo já chega lá na frente. As ultimas contratações, inclusive algumas temporárias para projetos extras que a gente fez, foram muito felizes nesse campo. A gente descobre que isso não é o problema para essas pessoas. Às vezes você tem problemas que são, aliás, problemas eternos da nossa categoria profissional, de pessoas que fazem tudo isso, mas escrevem mal, não sabem a língua portuguesa. Isso vale para velhos e novos jornalistas. Então não é um privilégio dessa galera nova, mas eles, pelo menos, chegam dominando essas coisas todas. Então aqui a gente tem feito demais isso, tentado fazer um mix entre pessoas que tem experiência e pessoas que não tem tanta essa experiência, mas já trazem essa carga digital pronta, ajudando a amenizar até esse ambiente na redação, a renovar o ar, a deixar o trabalho mais perto desse mundo digital que a gente quer.

N Você acha que existem alguns cargos e funções que não são compatíveis com essa polivalência toda? B Eu não consigo imaginar. Acho que, em maior ou menor grau, a pessoa tem, o tempo todo, estar pensando na convergência de alguma maneira, em algum sentido. Por algum ângulo dá para ele pensar, seja em que função for. Se ele é apurador, ele tem que lembrar que ele vai compartilhar essa informação, se ele é produtor, ele sabe que pode se utilizar dos outros veículos ou trocar informações com eles para geração de uma pauta melhor que vai nos beneficiar lá na frente, quando a matéria vier pra casa. Se ele é editor, isso é óbvio, nem precisava explicar porque o material vai subir pra web. Se ele é editor responsável tem que pensar, por exemplo, que aquilo que não cabe na TV, pode ser usado como calda longa no site da TV. Então, por exemplo, você fala de vacinação contra a poli no sábado, mas você não pode dar todos os endereços de postos de saúde, mas você pode botar a relação no site. Você pode trazer informações complementares. Por exemplo, Belo Horizonte ganha cinqüenta radares hoje. Você não pode dar o mapa desses radares todos, mas você pode relacionar na web. Enfim desde este nível mais simples, digamos assim, até situações mais complexas, de, por exemplo, adiantar matérias, o editor tem que ter a sensibilidade daquilo que vale a pena adiantar pra web e depois trabalhar na TV.

N Como foi acertado juridicamente e em relação ao salário, o profissional que trabalha pra vários veículos? B A pessoa acha que sendo ela funcionária, vamos supor do jornal, da web ou da TV, depois da convergência, ela vai trabalhar pra jornal, web, TV e rádio. Ela acha que invés de trabalhar sete, vai trabalhar vinte e uma horas, e não é isso. Dentro das sete horas dela, vai trabalhar para todos os veículos. Então vencido essa etapa de mostrar para as pessoas que nada muda do ponto de vista da jornada, a empresa passou um bom tempo, o que, aliás, era também um empecilho para a coisa andar, estudando qual seria a melhor maneira de resolver o passivo jurídico. Até que se chegou a um modelo de contrato multimídia que já foi assinado pelos jornalistas do impresso e online. A TV ainda não assinou porque nos outros dois veículos não havia impacto financeiro, foi só uma mudança do contrato de trabalho, mas na TV ainda tem um impacto, alguns salários aqui precisariam mudar e a empresa

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ainda não conseguiu absorver esse reajuste. Então a turma da TV, a exceção do Jordy e eu, não temos contrato multimídia ainda. No caso do Jody ele já tem um contrato que é multimídia.

N E porque que o Jordy foi escolhido pra ser esse profissional? B O Jordy já vinha se revelando. Ele é um trator e um pouco dessa geração digital, embora não seja um cara tão novo quanto esses outros, mas ainda é um cara mais novo do que a grossa maioria da redação. Não bastando ser novo, é um cara também aberto para essas coisas. É um cara que começou no Uai, um sujeito já muito aberto pra essa coisa e muito interessado, muito preparado, muito a fim de fazer essas coisas. Então a gente tinha um sujeito que é um trator, que não tem tempo ruim com ele, um cara sempre disposto e a fim de fazer, sempre muito empenhado e bom profissional, um cara muito aplicado, muito responsável. A gente tem que até mandar ele embora daqui, vai embora pra casa, sai daqui, de tanto que ele é envolvido. E um cara que sabe fazer essas coisas. Então é um sujeito que aqui na TV começou como operador de caracteres, passou por produção, virou editor e depois manifestou esse desejo de começar a fazer alguma coisa na reportagem. Ele é o cara perfeito pra isso porque sendo editor, sabia como captar na rua, domina os processos... praticamente veio pronto. Ele precisou de um treinamento de gravação, de como usar o equipamento, mas edição, subir em FTP, gerar e tudo mais, já estava pronto. E por esses e tantos outros motivos o processo começou por ele.

N Mas ele foi incorporado à escala do esporte e estando aqui, não consegue fazer esse trabalho tão convergente quando ele viaja. Porque essa alteração? B Aí nos estamos falando de coisas que não tem exatamente a ver com a convergência. Como ele virou uma abelha, um vídeorepórter, a idéia era que ele ficasse sempre fora da cobertura de rotina, não era um cara pra ficar indo diariamente nos CTs. Mas o esporte anda meio acomodado nessa parte e usa o Jordy pra essas coisas. Porque aí fica uma escala bacana: quatro repórteres, dois em um final de semana, dois no outro, ficou tudo ajeitadinho. Mas a idéia não era essa, era que ele ficasse fora dessa escala e que ele nem aparecesse no vídeo à bem da verdade. Como ele é vídeorepórter, ele estaria pronto pra usar a câmera profissional mesmo ou as câmeras escondidas e outras coisas pra produzir material sempre diferente, sempre matérias investigativas, coisas novas, uma pessoa que nem deveria ter aparecido no vídeo, esse era o projeto inicial. Não tem a ver com a convergência especificamente. Mas aconteceu isso porque ele entrou na rotina e é uma coisa que eu e a chefe de redação temos que cobrar mais do editor chefe do programa que tenta levar o Jordy pra esse campo. Mas eu acho que agora ele tá em um caminho meio sem volta. Tem hora que até eu penso em tirá-lo do Alterosa Esporte e trazê-lo pra geral. Mas aí eu causaria um prejuízo muito grande para a cobertura esportiva porque quando ele não está aqui pode comprometer o dia a dia, o CT do Atlético, CT do Cruzeiro, vôlei... Agora, chegou no dia de jogo, o trabalho dele já muda: vira o Marcelo Jordy convergente. Porque ai ele é um cara só, vai ao campo, grava o jogo, termina o jogo, abre o computador, pré-edita, seca o material, sobe no FTP, entrega pro Uai em primeira mão, manda o material pra TV, quer dizer, aí ele é o cara convergente.

N Se era para ele ser vídeorepórter, porque todas as matérias tem off, passagem, sonora? B No começo ele ainda fez alguma coisinha assim, mas foi tão rápido, logo a coisa descambou. N Porque você acha que ele caiu nesse padrão do telejornal? B Como eu te falei essa coisa da escala, ele acabou absorvido pelo modelo e perdeu-se essa perspectiva. Talvez a gente tenha bobeado, deixado o processo frouxo. Ao invés de acompanhá-lo ali,

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passo a passo, a gente acabou deixando a coisa correr e ele entrou pra rotina, o que não deveria ter acontecido.

N Agora ele só faz reportagens padrões de TV, como se fosse com uma equipe completa. B Perdão, agora eu tô me lembrando. No período em que ele tava começando, pintou uma viagem para a Argentina, era jogo do Cruzeiro na Libertadores. Aí viajou e já botou a cara no vídeo entendeu, ai o processo deu uma mudada de rumo.

N você acha que o material que ele produz sozinho, deixa a desejar em algum aspecto por não vários olhares, como o do cinegrafista, iluminador... B Acho que tem pro bem e pro mal, entendeu? Ele é um cara muito inteligente, muito perceptível e tudo mais. Então é um cara que não leva balão, não toma furo na rua, tá sempre alerta, esperto. Muitas vezes ele vê coisas que, às vezes, uma equipe inteira no lugar dele não veria. Isso acontece muito, pelas características próprias dele e também porque ele já esta dominando o processo de uma maneira tal que isso não é um ruído pra ele. Quando a gente ta aprendendo a dirigir ou a andar de bicicleta, você passa marcha, vira o volante, você pensa de forma estanque cada coisa, ao invés de fazer tudo automaticamente. Talvez no começo ele ainda tivesse um pouquinho travado porque ainda não era íntimo de todos os processos, mas hoje ele faz isso com a mão pra trás, ele tá muito à vontade pra ter esse olhar livre e perceber o que está ao redor dele. Tanto é que, quando ele viaja é que brilha mais, como algumas viagens da Libertadores que ele já fez. Como a gente não pode entrar no jogo, o trabalho dele é basicamente de periferia, é o que tá fora do campo de jogo e ele manda matérias sensacionais, desde matéria de comportamento mostrando onde o clube mineiro foi jogar, o que tem diferente naquela cidade... o olhar de jornalista ali ainda sabendo captar o material que, se não é o jogo em si, é dos vestiários, o pré jogo, o pós jogo, enfim, aquilo que é do futebol mesmo. Ele é um cara que domina isso muito bem, então ele vai sozinho e não fica devendo nada. E ele é um cara muito rápido, consegue fazer essas coisas sem pecar: “o cara não mandou isso, esqueceu...”, não, não tem isso.

N TV exige certa postura e técnica em relação a imagem. Você acha que as reportagens dele causaram algum estranhemento? B No começo ele tinha muitos problemas de enquadramento, às vezes o ângulo escolhido não era o ideal, nem o movimento de câmera... Mas aí é um chute meu, uma interpretação que eu faço, não teve nenhuma comprovação disso. É que hoje a televisão está tão livre nesse aspecto... você tem tanto uso de imagem de cinegrafista amador, imagem de celular, que certas leis, digamos assim, da técnica de televisão, não valem mais. Ou valem pra alguns momentos, mas não valem pra outros. Embora ele tivesse alguns problemas desse tipo, a gente nunca recebeu um email ou uma reclamação dizendo que esse cara não sabe gravar ou que imagem estava péssima, nunca teve isso. E em segundo lugar, a questão da aparência dele... realmente o Jordy não é o protótipo do repórter de TV. Ele é um cara estrábico, embora seja um cara considerado bonitinho pelas moças, mas não é exatamente o padrão. Mas aí é minha leitura de novo: eu acho que ele tem uma postura diante do vídeo que ele foi conquistando aos poucos, que é de convencimento. Ele passa credibilidade, a gente presta atenção no que ele tá falando. Ele, como editor, sabe construir a matéria na TV, então as matérias dele são muito bem amarradas, o que ajuda demais a prender a atenção do telespectador. Acho que ele venceu essa barreira. Não que fosse nenhum impedimento, até acho que o estrabismo dele não é o maior problema, o problema é que o olho dele está sempre mais fechado, quase fechado. A gente quase praticamente não enxerga os olhos dele, ele trabalha muito com os olhos semicerrados. Mas ele já aprendeu a

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procurar ângulos que favoreçam a abertura dos olhos, o que não deixa de ser ruído. Se a gente pegar as ultimas matérias dele, vamos ver que são matérias como de qualquer outro repórter. Ele também chegou a um nível de qualidade das gerações pela internet que a gente acha que a matéria dele foi gravada aqui em Belo Horizonte. Então ele está dominando a técnica por completo, então hoje ele é um cara valiosíssimo pra nós.

N Nos momentos de indecisão, a quem que ele deve recorrer? Editorialmente, na hora da divisão de conteúdo, ele tem autonomia pra decidir? B Ele tem autonomia. Se, por exemplo, o Cruzeiro for jogar em Buenos Aires, ele vai. A gente não esta com o repórter do Uai lá nem outro repórter da TV. Ele sabe muito bem dividir entre aquilo que é para a web, que importa agora, aquilo que ele pode guardar pro Alterosa Esporte do dia seguinte ou o que ele vai gerar para o Jornal da Alterosa segunda edição. Quando ele viaja à tarde ele pode gerar material. Então ele tem clareza sobre o que vai enviar para o Uai, o que ele vai trazer para a TV, não tem esse risco. Mas, eventualmente, quando tem necessidade de alguma consulta, ele conversa com o Leopoldo, que é o editor do programa, ou com alguém do Uai, por exemplo, se ele tiver em um plantão de domingo à noite e tem que enviar alguma coisa. Enfim, se ele tem algum problema, ele conversa diretamente na redação do Super Esportes ou comigo. Mas assim, ele é muito tranqüilo, ele controla bem os processos, é rara a vez que ele precisa entrar em contato com a gente pra tirar alguma dúvida. Só pra comentar, ainda tem mais, geralmente ele vem com coisa que a gente nem tá esperando, o que é bacana. Porque essa coisa da convergência e dessa mobilidade, por ser um cara sozinho com uma câmera, às vezes ele consegue coisas que uma equipe inteira não conseguiria, porque o deslocamento é mais difícil, a mobilidade é menor... e com uma pessoa sozinha você consegue muito mais.

N Então essa hora a convergência ganha com um jornalista sozinho? B Aí você tem duplo ganho, aí sim o empresário fica feliz. Você tem ganho de escala porque é um cara só viajando, que faz tudo e ainda faz pra mais de um veículo, ao invés de ir com duas ou três pessoas. Agora, a verdade tem que ser dita: não é qualquer pessoa, não é qualquer jornalista que consegue isso. Aquele modelo do reporcope, que por uma certa análise, não foi legal de aparecer no início porque deu uma contaminada na cabeça das pessoas, que ficaram com essa imagem achando que convergência era isso: “eu faço TV, agora vou fazer jornal”, e não é exatamente assim. Mas isso agora tá começando a mudar. Mas no caso dele funciona muito assim. Eu agora tô com dois outros jornalistas muito interessados em se desenvolver do mesmo modelo que ele. Um é o Péricles, que já fez metade do treinamento, tá faltando só uma parte. E agora o Cleiton que faz a parte que o Péricles não faz, que é gerar, editar e subir com a matéria. Mas o Cleiton ainda não usa o equipamento. O Péricles já usa o equipamento, mas ainda não aprendeu a parte da edição. Então eu tô com dois repórteres já encaminhados pra se tornarem repórteres multimídia também.

N Quando o Jordy foi contratado, foi definido o que ele deveria fazer pra cada meio? B Como a gente não tem o jogo, como é o caso da Libertadores, não há o que discutir sobre o conteúdo do espetáculo em si, não tem gols, não tem lance. Quando é jogo, ele sabe que vai gerar os gols rapidamente, mais rápido que puder. Depois ele pode gerar algum outro conteúdo, mas geralmente, não é muito simples fazer isso. Depois ele envia o restante do material, que vai servir tanto ao portal quanto aos telejornais. Cada viagem a gente dá uma discutida sobre a característica da viagem, mas basicamente, o pacote já está definido. A gente sabe: esse jogo eu entro no campo, faço cabine? Então são gols, compacto. Eu não entro na cabine é só o periférico? Então são entrevistas,

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aquilo que dá pra mandar, que vai enriquecer o conteúdo que o portal, por exemplo, estiver divulgando. Isso é aquilo que ele sobe rapidamente pro pessoal pegar no FTP. O restante do material é mais ou menos comum para os telejornais. Aí é o pré jogo, o pós jogo, o jogo, aí é o pacote completo.

No dia a dia, há uma certa disputa entre o que o próprio pessoal do Uai vai fazer e o que o Jordy faz? B Não, mas não tromba. Porque geralmente o que ele faz é exclusivo. Vamos supor que ele está acompanhando o Cruzeiro na Libertadores, aí a Globo, a rádio Itatiaia, a CBN também estão. Aí rola uma coletiva do Cuca. A gente até poderia pegar isso da TV Cruzeiro que coloca isso no site, mas obviamente que o jordy está construindo o VT. Então se é uma coisa que tem um conteúdo excepcional, que é, por exemplo, uma notícia que acabou de acontecer, que é importante para a web, ele corre e sobe, mas é muito raro acontecer. Não consigo lembrar uma ocasião de viagem que tenha acontecido um fato que mudasse o rumo do jogo ou da história e que ele precisasse rapidamente subir. E o conteúdo que ele sobe é o factual, aquele que ele precisa. Acabou o jogo, terminou em 2X1? Ele tira os gols e, rapidamente, coloca no FTP. A moçada já sabe que se ele tá viajando, já fica esperando o conteúdo. Assim que eles conseguem baixar vai pro ar. Então é uma coisa que já está mais ou menos clara, a gente já sabe de acordo com a característica do jogo.

N Mas isso quando ele viaja e quando ele não viaja, quando está na escala do programa, em BH? B Aí não porque nós temos outros profissionais fazendo isso, por exemplo, os meninos do Super Esportes do UAI, que vão com suas respectivas câmeras e geram ou trazem material. Então, por exemplo, as coletivas do dia a dia nos CTs, alguma imagem dos treinos e, a turma do Super Esportes produz esse conteúdo próprio. Então não é uma atribuição que ele tenha no dia a dia. Aí ele tá livre pra fazer pro Alterosa Esportes mesmo.

N Você acha que ainda falta muito pra uma situação de complementaridade ou entre alguns veículos do grupo isso já é mais fácil de se atingir? B Hoje o grande ponto que tem acontecido é o de a gente andar mais rápido com a divulgação da notícia. Acho esse o grande trunfo. Hoje tem portal Uai em.com... a gente tá saindo super na frente na maioria das notícias. Porque você tem uma redação muito forte no Estado de Minas, com uma ampla capacidade de magnetizar a captação de informação e com o em.com, está gerando benéficos para o jornalismo digital do grupo. Isso de alguma maneira não acontecia antes: a foto do fotógrafo do jornal, a noticia que o cara tava produzindo lá não chegava aqui, era como se fosse praticamente uma outra empresa, com raras e isoladas exceções. Era uma redação que funcionava pra lá e nós aqui. Agora isso mudou da água pro vinho. Hoje as reuniões de pauta são comuns, então no caso do divirta-se, por exemplo, a minha repórter sai daqui e vai lá na cultura participar da reunião de pauta. O cara do vrum sai daqui e participa da reunião do caderno de veículos. O lugar certo produz matéria para o caderno de imóveis e vice e versa. Eles sabem aquilo que deve ser adiantado para que saia logo na versão web e sabem aquilo que vale a pena guardar. Mas a gente ainda continua tomando muito balão do Estado de Minas, muito furo... por exemplo, nas ultimas três semanas, o Estado de Minas fez grandes matérias, excelentes matérias, que poderiam ter sido feitas de forma complementar com a TV e até com a internet, mas não foram, o que é uma pena.

N Porque você acha que não foram? B Porque eu acho que ainda é um processo em andamento. Às vezes, talvez passe pela cabeça do cara: se eu chamar a TV que tem as características dela, vai demorar mais tempo... não sei se aconteceu

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assim, é um chute de novo. Eu imagino isso. O cara pensa: essa é uma matéria exclusiva, o jornal que vai fazer. A pessoa ainda não chegou a esse grau de sofisticação de pensamento de falar: não tem problema nenhum, o furo é do jornal, mas eu não posso deixar de falar com a televisão... essa informação é espetacular, eu vou produzir e a televisão vai esperar. Eles ainda não conseguem fazer 100% esse raciocínio.

N Eles quem? O repórter ou o editor chefe? B Não, um ou outro editor. Eu acho que às vezes o mesmo editor pode ter comportamentos diferentes, de acordo com a pauta, e há comportamentos diferentes entre editores. Cada caso é um caso. Mas acho que já mudou da água para o vinho, hoje é outro processo. Os fotógrafos do Estado de Minas, por exemplo, que eram pilhados pra participar da convergência, hoje as fotos chegam aqui em um instante, tudo compartilhado, o Uai sai com galeria de foto na hora. Antes a gente aqui na TV fazia convergência, mas era sempre pra depois. Hoje a gente está adiantando uma série de conteúdos para o site da TV que viram destaque na capa do Uai. Então vamos supor, a TV tem um acidente exclusivo, ninguém mais vai conseguir aquelas imagens e só a gente captou, ninguém vai conseguir a imagem outra vez. Então o que a gente faz? A gente seleciona da matéria, que pode ter dois minutos e meio, vinte, trinta segundos de imagem do acidente que vai para o site e vira uma nota informativa.

N Para o site da TV ou do Uai? B Para o site da TV. Mas o Uai puxa o destaque do site da TV e vai para home do Uai, vai para capa do Uai de tal modo que você começa a gerar conteúdo antes mesmo de o jornal ter ido ao ar. Então isso tem um duplo resultado: você adianta o conteúdo no meio porque a informação aconteceu e já está disponível, você não precisa esperar a hora do telejornal. Por outro lado, você ajuda a alavancar audiência do telejornal, porque você está entregando a notícia, mas não o vídeo inteiro ainda, você está suscitando o interesse, despertado a curiosidade do internauta/telespectador, e com isso você consegue trazê-lo para a televisão. O que aconteceu com o site da TV depois que a gente começou a fazer isso? A gente fez o site saltar de trezentos mil Page views por semana, que era um numero que ficou estável durante uns dois anos, para um milhão de Page views por semana, nos picos. Hoje o site saiu de novecentos, um milhão, um milhão e cem mil Page views pra três milhões e quinhentos mil, quatro milhões. A gente mudou o patamar, mudou o status da coisa. E isso porque o site novo da TV não entrou no ar ainda. A hora que o site novo entrar no ar esse processo vai melhorar ainda mais. Estamos trabalhando em uma ferramenta antiga que vai mudar em breve para uma mais moderna, com mais opções. Essa coisa da convergência a gente vai descobrindo as coisas e à medida que elas vão acontecendo, o processo vai sendo depurado e aperfeiçoado. Até que a gente chega em um modelo, que tá funcionando legal...

N E o público? Você acha que hoje ele percebe esse movimento da convergência? B Ah tem muito... por exemplo, o colaborativo tem um papel fundamental que se dá por meio da convergência. Por exemplo, a pessoa gravou um acidente na rua ou um flagrante de assalto. Ela vai no Dzaí, sobe aquele conteúdo e oferece pra nós. De acordo com as cláusulas do Dzaí, o conteúdo que ela subiu pode ser usado por qualquer um dos veículos Diários Associados. O nosso núcleo convergente está sempre monitorando os conteúdos. Quando ele vê aquilo, liga pro editor responsável e o editor pega aquele material e usa. Então você tem um cidadão colaborando com o conteúdo que ele captou, que passa pela web e vai morrer aqui na televisão. E aí com todos os desdobramentos, porque depois esse conteúdo volta pra web já rearrumado em uma reportagem, pode ter suíte... Dependendo da grandeza do fato noticiado, tudo pode acontecer. Então eu acho que o público tem essa percepção de

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que a televisão tem tentáculos maiores hoje, ela não é só a tela da TV, tem o site também que tem um lugar que eu vejo, mas que também posso participar. Claro que pra algumas pessoas isso está mais claro na cabeça, mas, pra massa, pra grande maioria das pessoas, ele já sabe que isso não é só televisão. A TV Alterosa não é só ligar ali no 5 ou no 18. Toda hora a gente fala: vai lá no nosso site e veja outras informações. Hoje a classe C está começando a consumir muito a internet, então, o próprio número de acessos do site revela que quando você entrega um conteúdo bem produzido, o consumidor de informação agradece e usa. Essas experiências são representativas.

N Que núcleo convergente no Uai é esse? B A gente tem cinco pessoas trabalhando nele, duas voltadas mais para o conteúdo do site da TV e três voltadas monitorando o Dzaí. Então são pessoas que ficam o tempo todo vendo o quê que tá caindo no Dzaí e aquilo que pode se transformar em notícia. São as pessoas que ficam moderando, filtrando os conteúdos o tempo todo. Eles ficam de olho nos blogs, aí os destaques vem pra essa parte do UAI. Muito são blogs de internautas comuns, não são dos Vips. Hoje, por exemplo, entrou essa casa lá em Paracatu feita de garrafa pet, projeto ecológico... coisas que pessoas comuns mandam e que vão pra destaque na capa do portal. Vídeos também vem pra cá... Então eles cuidam de todo o monitoramento de conteúdo colaborativo.

N Você acha que quando se faz uma boa propaganda do material que existe em outros meios esse público corre atrás? B Por exemplo, agora nós estamos fazendo o concurso gata do mineiro do Alterosa Esporte. Cada clube tem uma gata e a votação é só na internet, as meninas são apresentadas na TV, mas o voto é lá no site. E a votação já está com quase cem mil pageviews e começou na quinta passada, não tem nem uma semana ainda. O conteúdo que foi exibido antes, sobre o concurso, já gerou mais de duzentos e cinqüenta mil pageviews. O concurso acontece fora da TV, ela só tem servido como plataforma de vitrine, de exibição, de divulgação. Porque o concurso efetivamente, o foco, é só na web e está funcionando super bem. O vídeochat do Alterosa Esporte eu acho uma das experiências mais espetaculares. O programa já tem dois anos que é ao vivo na web, com participação do telespectador, e cai em média umas oitocentas colaborações por programa, oitocentos palpites, oitocentos emails de telespectadores participando do programa que dura só meia hora. É muita coisa, muita gente vendo. Ai você fala: porque o cara tá vendo pela internet se ele pode ver pela televisão em uma imagem muito melhor? Porque ele quer participar e a convergência se dá nesse cenário. Esse é um exemplo máximo, de você estar fazendo um programa de TV, assistindo pela internet com colaboração real time do telespectador. Eles acabam interferindo no andamento do programa. Hoje mesmo, depois que a menina do Ipatinga tinha acabado de desfilar, o cara mandou uma mensagem falando: eu adoro o Dadá, acho a bancada sensacional, mas vamos combinar? Essa menina do Ipatinga é maravilhosa. Quer dizer, umas brincadeiras que são a cara do programa e que tem a ver. O cara interagiu com o programa, com um conteúdo que acabou de ser exibido e isso é lindo no ar. Muda a dinâmica do programa, é muito legal.