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S. Parracho / O. Costa e Sousa. “Texto literário e ensino de português L2”. Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 276-305 276 Texto literário e ensino de português L2 Sara Parracho – [email protected] Otília Costa e Sousa – [email protected] Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação (CIED) Resumo As crianças oriundas de meios desfavorecidos têm à partida mais dificuldades na escolarização, se acrescentarmos o facto de estas crianças não terem o Português como língua materna, estamos perante uma situação de alto risco. Partindo da análise de uma situação problemática de ensino aprendizagem do Português a crianças oriundas de meios de imigração, delineou-se uma intervenção apoiada na leitura de obras literárias para crianças. Durante a leitura deu-se atenção ao que diz o texto e também ao modo como diz o texto (Eco 2003). O uso do texto literário visava um input de qualidade em termos textuais e linguísticos, constituindo-se como texto modelo para a reescrita das crianças. Abstract Children that came from low income social environments have more difficulties in school, and if we add that to the fact that Portuguese can be not their mother tong we are in a high risk situation. Starting from the analysis of a problematic situation of teaching and learning Portuguese to immigrant children, we have designed an intervention supported on the reading of literature for children. During the reading, we pay special attention to what the text said and the way it did it (Eco 2003). The usage of literature aimed a high quality input in textual and linguistic terms, becoming a model for children to rewrite texts. Actas del II Congreso Internacional SEEPLU - Difundir l/a Lusofonia Cáceres: SEEPLU / CILEM / LEPOLL, 2012.

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S. Parracho / O. Costa e Sousa. “Texto literário e ensino de português L2”. Actas del II Congreso Internacional SEEPLU, 2012, pp. 276-305 276

 

Texto literário e ensino de português L2 Sara Parracho – [email protected] Otília Costa e Sousa – [email protected]

Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação (CIED)

Resumo As crianças oriundas de meios desfavorecidos têm à partida mais dificuldades na escolarização, se acrescentarmos o facto de estas crianças não terem o Português como língua materna, estamos perante uma situação de alto risco. Partindo da análise de uma situação problemática de ensino aprendizagem do Português a crianças oriundas de meios de imigração, delineou-se uma intervenção apoiada na leitura de obras literárias para crianças. Durante a leitura deu-se atenção ao que diz o texto e também ao modo como diz o texto (Eco 2003). O uso do texto literário visava um input de qualidade em termos textuais e linguísticos, constituindo-se como texto modelo para a reescrita das crianças. Abstract

Children that came from low income social environments have more difficulties in school, and if we add that to the fact that Portuguese can be not their mother tong we are in a high risk situation. Starting from the analysis of a problematic situation of teaching and learning Portuguese to immigrant children, we have designed an intervention supported on the reading of literature for children. During the reading, we pay special attention to what the text said and the way it did it (Eco 2003). The usage of literature aimed a high quality input in textual and linguistic terms, becoming a model for children to rewrite texts.

Actas del II Congreso Internacional SEEPLU - Difundir l/a Lusofonia Cáceres: SEEPLU / CILEM / LEPOLL, 2012.

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Introdução

Aprender a escrever um texto é um processo longo e trabalhoso. Segundo Kellog (2008), este processo levaria mais de vinte anos até que o escritor escreva o seu texto tendo em conta não só o que sabe sobre o assunto, mas sobretudo a perspetiva e as necessidades do leitor. Escrever é um processo complexo e recursivo que envolve vários sub-processos: desde a seleção do tópico, mobilização de conhecimentos prévios, geração de ideias novas, planificação, redação, atenção à ortografia e caligrafia, à revisão, à edição de texto (Chapman 2006).

Se escrever é complexo e difícil, para quem escreve numa língua em que não é suficientemente proficiente certamente será ainda mais difícil. Se pensarmos num sujeito que escreve em L2 e cujo nível de proficiência é básico, a tarefa de escrever será bastante árdua, já que, para além da complexidade inerente ao ato de escrever, estes sujeitos se confrontam com a sua parca competência linguística (Krashen 1982). Assim, a proficiência será mais limitada (Bardovi-Harlig,1995; Cumming 1989), o vocabulário mais reduzido (Myles 2002), o conhecimento das possibilidades da língua mais restrito. Para Silva (1993: 209), escrever em L1 ou em L2 ‘difere em aspetos salientes e importantes’. O mesmo autor clarifica que as limitações na escrita de alunos L2 são de desenvolvimento, pois estes alunos ainda estão a aprender a língua de escolarização (ibidem: 210). Quando se trata de ensinar a escrever a sujeitos de L2 deve ter-se em atenção a proficiência linguística dos sujeitos. Assim, o ensino da escrita em contextos em que a língua de escolarização não é a língua materna dos alunos, além do ensino da escrita propriamente dito, precisa de

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se trabalhar o desenvolvimento das competências linguísticas e comunicativas dos sujeitos (Myles 2002).

É consensual que uma boa competência em L2 é vital não apenas no futuro escolar da criança como na sua integração no país de acolhimento, tanto a nível pessoal como profissional (August & Shanahan 2006). O relatório do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) confirma esta importância da relação entre ‘sucesso escolar (uma das premissas da integração social) e o domínio da língua do país de acolhimento dos jovens’, dado que a língua é condição de acesso às aprendizagens (Dionízio 2005: 32) em todas as áreas curriculares.

Aprender a língua numa perspetiva de escola, isto é, como instrumento de aprendizagem, tem impacto no percurso escolar e profissional dos sujeitos. Como alerta Rose, as profissões liberais têm subjacente um corpo teórico acumulado através da leitura, as profissões técnicas envolvem menos leitura e são aprendidas mais através de treino prático, enquanto as ocupações manuais são aprendidas sem leitura através de demonstração pessoal. Os sujeitos, se não desenvolvem uma relação com o modo escrito que lhes permita aceder aos textos da escola, não têm condições de continuar na escola e de continuar a aprender o que lhes daria acesso a profissões mais diferenciadas (2006: 40).

Uma das dificuldades do modo escrito tem a ver com o facto de, segundo Halliday (1996: 349), o escrito apresentar padrões de organização léxico-gramaticais diferentes do modo oral. As diferenças situam-se a diversos níveis, por um lado, o modo escrito apresenta maior densidade lexical, por outro, apresenta metáforas gramaticais. Além disso, o vocabulário vai-se tornando cada vez mais distante do vocabulário quotidiano: palavras mais abstratas, técnicas

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e literárias (Chall e Jacobs 1996: 39). As crianças de meios desfavorecidos têm menos oportunidades fora da escola para ouvir e praticar estruturas complexas e vocabulário mais difícil. Possuem menos livros, leem menos e veem mais televisão (que expõe a criança a um registo de língua mais simples) (ibidem). Uma das funções da escola é tornar os alunos conscientes dessas diferenças, de modo a usarem de forma eficaz padrões do escrito tanto quando leem como quando escrevem.

A sala de aula deve constituir-se como uma comunidade que define práticas de literacia (géneros, valores, regras de participação) e fornece modelos e demonstrações de diferentes funções e formas de escrita que dão forma aos processos de escrita da criança (Chapman 2006: 15-16).

Ainda que trabalhemos sobre escrita, a leitura assume, nesta investigação, um papel central. Ao focalizarmos a aprendizagem da escrita de textos, tivemos em atenção que aprendemos a linguagem dos escritos, lendo textos (Rose 2007). Segundo Halliday (1996: 340), o acesso ao modo escrito permite o acesso a formas mais elaboradas de língua usadas na escrita. Como os sujeitos do nosso estudo são oriundos de famílias afastadas de práticas letradas, a leitura de textos visa, por um lado, a construção de um conhecimento comum, constituindo os textos lidos um património partilhado pela turma, e, por outro, a partilha de modelos de língua presentes nos textos, destacados e observados com sistematicidade durante a leitura. Para assegurar condições de sucesso, Chall e Jacobs (1996: 41) defendem um programa forte e intensivo de leitura, de textos literários e também de outros textos, de modo a desenvolver o vocabulário, a compreensão e fluência na leitura.

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Temos consciência que leitura e escrita não são atividades simétricas, nem que se alimentam mutuamente de forma natural. Muitas vezes os professores pensam estas duas atividades em “coexistência fecunda” (Delforce 1994: 327). Para este autor, tudo se trata como se os benefícios da leitura na escrita e desta na primeira resultassem de uma impregnação difusa. Na verdade, para conseguir operacionalizar a interação leitura/escrita a crença do benefício automático da leitura sobre a escrita tem que ser posta em causa. A questão fundamental será então: que tipo de leitura pode influenciar o desenvolvimento da competência de escrita? Ou seja, como descrever ou observar os escritos quando o objetivo é aprender/ensinar a escrever? Para isso, pareceu-nos que a prática de leitura teria que ser acompanhada de reflexão sobre as estruturas linguísticas presentes nos textos. Os padrões destas estruturas ficariam disponíveis para serem usados pelas crianças posteriormente nos textos criados por elas.

Como veremos na secção da intervenção, após a análise das dificuldades dos alunos, partiu-se da leitura em voz alta pelo professor de textos que considerámos exemplares para a observação conjunta de estruturas linguísticas determinadas: construção de personagens, construção de espaço, construção de tempo, construção de nexos causais, conectores... Deste modo, as estratégias de escrita a aprender são contextualizadas nos textos a ler. Como o objectivo era melhorar o texto narrativo, analisam-se narrativas para aprender estratégias de escrita nos textos lidos.

Além de atividades de compreensão, de análise de estruturas linguísticas, treinou-se a fluência na leitura. A observação de determinados padrões linguísticos presentes nas obras, levava à discussão e ao destaque com cópia e fixação na parede. Esta leitura

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em profundidade visava o reinvestimento desse conhecimento em textos futuros.

Na escrita em L2, a língua materna do sujeito pode interferir no modo como os sujeitos escrevem quer a nível da estrutura do texto e da organização da informação, quer a nível da gramática da língua (Kubota 1998). Os sujeitos do nosso estudo têm a língua portuguesa como L2, não foram escolarizados, nem desenvolveram competências de literacia na sua língua materna. Nos textos em análise, observam-se interferências do crioulo, embora, no presente estudo, essa dimensão não seja estudada.

Estudo empírico

O estudo foi efetuado numa escola da Amadora com crianças que frequentavam o 3º e 4º anos do ensino primário. Trata-se de uma investigação ação em que se tenta intervir no desenvolvimento da competência de escrita dos sujeitos.

Contexto e sujeitos

O trabalho que se apresenta foi realizado numa escola de um bairro desfavorecido de Lisboa: a escola EB1/JI Cova da Moura, pertencente ao agrupamento de Escolas da Damaia – Amadora. O bairro, de construção clandestina na fase que se seguiu à descolonização, apresenta carências de diversa ordem. Nesta escola a maioria da população é de etnia cabo-verdiana, tendo grande parte das crianças da escola o português como língua não materna. A língua falada no bairro e nas famílias é maioritariamente o crioulo de Cabo Verde. Estas crianças têm o crioulo cabo-verdiano com língua materna, utilizando-a para comunicar em casa ou entre si, na rua ou

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no recreio. O português é a língua de escolarização. Os sujeitos do estudo são dezasseis crianças do 3º e 4º anos de escolaridade com idades compreendidas entre os oito e os doze anos. Doze crianças têm o crioulo cabo-verdiano como língua materna e quatro afirmam que o português é a sua língua materna. Todas as crianças têm pelo menos um dos progenitores de etnia cabo-verdiana, vivem no bairro e estão inseridas em agregados familiares em que o crioulo é a língua de comunicação.

A situação linguística na escola é também interessante. A escola serve o bairro e, como afirmámos, para a grande maioria das crianças o português é L2. É certo que, se um aprendente de L2 está inserido num grupo turma em que a maioria dos sujeitos é falante L1 da língua de ensino, é fácil criar situações de interacção para que os falantes L2 se envolvam em diálogo com pares para quem a língua de instrução é L1. Por outro lado, quando todos os sujeitos são aprendentes L2, partilhando a língua materna, a situação torna-se mais difícil pois as oportunidades para interagir com falantes da língua de instrução não existem, e a necessidade de a língua de escolarização ser usada como língua franca também não se faz sentir, dado que todos os sujeitos se entendem porque partilham a mesma língua materna. Além disso, o modelo da língua que estão a aprender e em que é suposto aprenderem passa a ser único – o professor. Neste caso, o tipo de aprendizagem fica limitado, pois, por um lado, estão ausentes as oportunidades de interação em situação de reciprocidade, e, por outro, o modelo de interacção e as formas linguísticas usadas são mais distantes da realidade das crianças. A oportunidade de ouvir sujeitos diferentes em L1 é um factor fundamental na aprendizagem, pois permite expor as crianças a modelos diferentes de língua, por exemplo, diferentes modos de expressar ideias e

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diferentes modos de negociar sentidos (Wells e Haneda 2009: 145-146).

Os docentes, para planificar as aulas de língua portuguesa, para além das diretrizes do Ministério da Educação e dos respetivos documentos orientadores do currículo, utilizam como suporte de referência documentos provenientes da Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) recomendados para a língua não materna, o Quadro Europeu Comum de Referência (QECR). Nos últimos dois anos tem funcionado na escola um Atelier de Língua para alunos de língua não materna que apresentam mais dificuldades na língua de escolarização.

De referir também que cada docente desta escola tem autonomia (dentro dos parâmetros determinados pelo agrupamento) para decidir se pretende utilizar todos os manuais adotados pela escola. Os alunos deste estudo não tinham manual de Língua Portuguesa.

De acordo com o QECR para línguas (2001:48), “os Níveis Comuns de Referência foram resumidos a partir de um banco de “descritores exemplificativos”, concebidos e validados para o QECR. As especificações foram escaladas matematicamente, de modo a corresponderem aos níveis, analisando o modo como tinham sido interpretadas na avaliação de um grande número de aprendentes. Para facilitar a consulta, as escalas dos descritores são associadas às categorias relevantes do esquema descritivo nos Capítulos 4 e 5 do documento. Os descritores remetem para as três meta-categorias seguintes do esquema descrito: Actividades comunicativas, estratégias e competências comunicativas linguísticas” (ibidem 2001: 50).

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Os níveis de proficiência linguística categorizam-se globalmente (incluindo modo oral e escrito) da forma apresentada no quadro1:

Nível Iniciação A1 Elementar

Nível Elementar A2

Nível Limiar B1 Independente

Nível Vantagem B2

Nível Autonomia C1 Proficiente

Nível Mestria C2

Quadro 1- Níveis de proficiência Linguística

Aquando do início deste estudo, avaliámos os níveis de proficiência linguística das crianças na língua de escolarização. Aplicámos os testes de proficiência a todas as crianças, independentemente da língua materna, pois, como já referimos, todas as crianças têm pelo menos um dos progenitores de etnia cabo-verdiana. No quadro 2, apresentam-se os resultados:

Oral Escrita Global Nível proficiência

Língua Materna A1 A2 B1 A1 A2 B1 A1 A2 B1

Português 0 2 2 2 2 0 1 1 2

Crioulo de Cabo Verde 0 11 1 7 5 0 2 10 0

Quadro 2: Níveis de proficiência dos sujeitos

Conforme se pode verificar, através do quadro 2, os quatro alunos com língua materna português, apresentam um nível de

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proficiência superior na oralidade em relação à escrita, uma vez que os dois que na oralidade se situam em A2, na escrita situam-se em A1, e os que na oralidade se situam em B1, na escrita estão em A2. O nível global de proficiência foi obtido através da média entre o nível obtido na oralidade e na escrita o que situa estes alunos: um em A1, outro em A2 e dois em B1. O mesmo acontece com a criança que tem o português língua não materna. Esta apresenta um nível B1 na oralidade, mas na escrita o nível obtido foi inferior, resultando num nível global de A2. Este facto constituiu explicação para os restantes casos em que constatamos que apresentam um nível A2 na oralidade, mas em que mais de metade dos sujeitos obtém um nível inferior na escrita, baixando o nível de proficiência global.

Quanto aos alunos que têm o crioulo de Cabo Verde como língua materna, a nível da proficiência na oralidade, dos doze, onze situam-se em A2 e um em B1. Os mesmos doze, a nível de proficiência escrita, sete situam-se em A1 e cinco em A2, o que também revela uma maior proficiência na oralidade em relação à escrita, embora aqui a diferença seja maior. Quanto ao nível global de proficiência, dois apresentam um nível de A1 e dez de A2. A razão pela qual nenhum destes alunos se situa no nível B1 (nível global), foi devido ao facto de a pontuação obtida na oralidade ter sido baixa.

Se é verdade que ser bilingue pode ter efeitos positivos na aprendizagem, a questão da proficiência em ambas as línguas e o desenvolvimento de comportamentos de literacia são cruciais no processo de escolarização. De acordo com Bialystok (2006: 596), ‘Children who speak two languages poorly, or two languages in the absence of literary experience in at least one of them, may not reap any benefit from their experience’.

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Objetivos e metodologia

Este estudo visa aferir de que modo o ensino explícito do processo da escrita e o input linguístico-textual desenvolvem a competência textual. Na análise das produções escritas das crianças, tomaram-se como indicadores de desenvolvimento, a extensão dos textos, a sua estrutura e a complexificação frásica.

Trata-se de um estudo de investigação ação em que a professora da turma é também a investigadora. O estudo consta de recolha de textos que constituíram o pré-teste e o pós-teste e a conceção de uma intervenção didática para melhorar a escrita das crianças.

Numa primeira fase, em fevereiro 2010, fez-se uma avaliação da competência de escrita de texto (narrativa). Utilizou-se um conjunto de imagens para elicitar uma narrativa (Hickmann 1982; Batoréo 2000), pedindo às crianças para, após observação das imagens, contarem uma história. Após a recolha dos textos escritos pelos alunos, procedemos à análise dos mesmos. A partir da análise, concebemos uma intervenção didática e, no final, recolhemos novos textos, seguindo a mesma metodologia.

Análise dos textos da primeira recolha

Da análise dos textos, ressaltaram dificuldades com a estrutura da narrativa e, a nível frásico, observámos uma escrita paratática com os constituintes frásicos reduzidos maioritariamente aos núcleos. Segundo Garcia (2000: 3524), o uso da hipotaxe e da parataxe depende do grau de formalidade do registo empregue. Predominando a hipotaxe nos registos mais elaborados e a parataxe nos mais coloquiais. Segundo o mesmo autor, na linguagem das crianças predominam as construções paratáticas (ibidem: 3522).

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No que diz respeito à estrutura do texto narrativo, verificámos que duas crianças não respeitaram o pedido e fizeram descrição das imagens em vez de contarem uma história:

- A primeira imagem tem uma arvore grande com um ninho e dentro do ninho estão três passarinhos e a mãe esta decima do ninho.

�- A segunda imagem tem um gato no chão, e uma árvore á frente dele com três passarinhos e a mãe está a alvantar voou.

- A terceira imagem tem uma árvore com três pássaros, e um gato ão lado da árvore.

Constatámos que, num total de dezasseis alunos, catorze respeitam o pedido e elaboram um texto narrativo e dois não respeitaram o pedido e, como afirmámos, elaboraram um texto descritivo. Dada a idade dos alunos, pensamos que estes conheceriam a estrutura do texto narrativo (Sousa 2008). O que poderá estar em causa, neste comportamento, é a natureza da tarefa e a falta de familiaridade dos alunos com esta. Escrever uma narrativa a partir de um conjunto de imagens é uma tarefa da escola, fazendo parte da cultura escrita da escola. No entanto, esta tarefa pode ficar distante da cultura familiar das crianças. Refira-se que os dois alunos que não respeitaram a estrutura textual afirmam ter o português como língua materna.

Dos alunos que escreveram um texto narrativo, verificamos que metade não respeitam totalmente a estrutura narrativa, faltando elementos considerados importantes. Assim, numa análise mais detalhada podemos afirmar que todos os textos têm princípio, com ou sem fórmula de abertura, todos incluem o tempo, constroem as personagens e dão um final, mostrando, deste modo, que conhecem os rituais de abertura e fechamento do tipo de texto referido. Todos

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os alunos incluem início e fim no seu texto, mas no que concerne à utilização das fórmulas ritualizadas de abertura e fechamento, observa-se que oito dos alunos, ou seja metade, utiliza fórmula de abertura e destes, quatro utilizam fórmula de fechamento.

No que diz respeito à construção linguística da existência das personagens, verifica-se que na introdução da primeira personagem pontuam os verbos de predicação de existência no imperfeito (Sousa 1999) e na introdução de outras personagens surgem verbos como aparecer, chegar, ver, chamar e vir, predominantemente no pretérito perfeito simples (cf Sousa 2007, 2008), conforme se pode observar no quadro 3:

1ª Personagem 2ª personagem 3ª personagem Introdução

das personagens

Alunos

GN Indefinido

GN definido

Outros GN Indefinido

GN definido

GN Indefinido

GN definido

A Era…Um passarinho

Foi um gato Chegou o cão

B Estão 4 pássaros

Aproximou-se um gato

Foi chamar o

cão

C Era…Um pombo

Apareceu um gato

O cão apareceu

D Tinha um pássaro

Apareceu um gato

O cão apareceu

E Tem…Um pássaro

O gato estava

Depois o cão

F Era…Uma mãe e 7

passarinhos

Estava um gato

E o cão está a ver

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G

H Era…3 pombas brancas

Apareceu o gato

apareceu o cão

I Era…Um pássaro

Um gato apareceu

apareceu um cão

J Era…Um passarinho

- - Estava lá um animal

K Está um passarinho

Veio um gato

O lobo veio

L Está um ninho de pombos

Apareceu um gato

E o cão ficou

M Tem o passarinho

E o gato E o lobo

N Era…Um pássaro

Encontrou um gato

apareceu um cão

O Há um pardal

Viu o gato

Está um cão

P

Quadro 3: Pré-teste - construção linguística das personagens

Além da forma verbal, na introdução da primeira personagem domina o grupo nominal (GN) indefinido e na introdução da segunda e terceira personagens o GN definido surge mais vezes. Estas estruturas são índice de desenvolvimento textual. O GN indefinido assinala a introdução de uma nova entidade no texto, o uso de definido assinala a retoma de referência de personagens já introduzidas. O uso de GN definidos para introduzir personagens revela a necessidade de mais reflexão neste domínio (Sousa 2008). O uso de verbos de movimento e de perceção na introdução das

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segunda e terceira personagens é indicador de desenvolvimento textual. O uso destes verbos contribui para uma maior coesão textual (Sousa 2007, 2008).

De mencionar ainda que apenas um aluno deu título ao seu texto e um aluno construiu linguisticamente o espaço da acção.

Quanto à estrutura do texto narrativo, em geral, a maior lacuna encontra-se ao nível da construção do problema e da sua resolução. Os oito alunos que apresentaram um problema no seu texto apresentaram igualmente a resolução do mesmo. A construção do problema é um elemento fulcral na própria definição de narrativa. Sem problema, não há justificação para a história: um percurso em que um herói ultrapassa obstáculos para resolver um problema. No entanto, não podemos com isso afirmar que metade das crianças não conhece a narração. O que nos parece é que as crianças não têm ainda noção da estrutura segundo as convenções da escrita na escola.

Em síntese, dos alunos que constituem este estudo, oito crianças no seu texto apresentam princípio, meio e fim. As categorias tempo e espaço são mais frequentemente referidas de modo indirecto através de ações do que construídas linguisticamente de forma explícita. Este aspecto precisa ser trabalhado explicitamente.

Após a análise da estrutura narrativa dos textos produzidos pelos sujeitos, analisámos o tipo de frases presentes nesses textos. Verificámos que nos textos dominam as frases coordenadas, havendo mesmo textos em que só existe coordenação:

A árvore no tronco tem no ninho pitainho e um pássaro banco.

O gato estava a vansar. na árvore tem um o pássaro foi buscar a comida e o gato parado

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O pássaro banco na estava-lá e pintainhos no ninho a pedir a comida o gato estava mais parado.

O gato estava a subir na árvore e tinha pintainho depois o cão.

A árvore está um gato a subir a calda do gato e o cão mardeu calda do e o pássaro um cadinho de comida.

A árvore e o pássaro voltou árvore e o cão ficou atrás do gato.

Do predomínio de orações coordenadas resulta algum sentido de falta de ligação entre os elementos, de desconexão. Por isso, um dos aspectos a trabalhar na intervenção era a construção frásica, nomeadamente a coordenação / subordinação. Este trabalho começou a ser feito em atividades de leitura, observando o sentido das frases, a sua intenção comunicativa e as formas linguísticas que serviam essas finalidades. Dado o tipo de texto, algum deste trabalho passou por perceber que a narrativa é constituída por acontecimentos que se sucedem, mas que estes são ações que se enquadram num plano de ação de uma personagem. Por isso, na leitura de textos, na planificação e na revisão, dava-se uma atenção especial ao como e ao porquê da ações e aos meios linguísticos que os veiculam. O objetivo era ensinar a ligar os vários acontecimentos estabelecendo nexos de dependência e a explicar/ enquadrar estes acontecimentos explicitando as razões subjacentes ou as suas circunstâncias. De facto, na aprendizagem da competência textual, estes passos permitem-nos ensinar a construir a coerência textual, pois a coerência causal e estrutural são partes integrantes da construção da coerência (Gernsbacher 1990, apud Chui e Rondelli 2010).

Na análise de frases e orações, como referido, e de acordo com as gramáticas em uso, assumimos duas grandes categorias: coordenação e subordinação (Duarte 2000, Mateus et ali 2003, Bosque

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e Demonte 2000). De acordo com Garcia (2000: 3516), assumimos que, na união de frases, a coordenação se caracteriza por nenhuma das orações transportar semanticamente a presença de outras, enquanto na subordinação, a subordinante implica um significado que encarna a subordinada, ainda que, em alguns casos, possa permanecer implícito.

Na análise de frases, seguimos de perto Duarte (2000). Assim, considerámos frases complexas frases que se combinam com outras frases de forma a obter-se unidades frásicas complexas. As frases complexas formadas por coordenação podem ser ligadas de dois modos: pausas (ou vírgulas) ou conjunções coordenativas (copulativas, disjuntivas e adversativas). As frases complexas formadas por subordinação podem ser de três tipos: substantivas, adjectivas e adverbiais.

Utilizámos o termo frase superior para referir toda a frase complexa e frase (ou oração) subordinada para referir a unidade frásica que é constituinte da frase superior. As frases subordinadas podem ocupar posições de tipo diferente nas frases superiores de que fazem parte.

Na análise dos textos das crianças, confrontámo-nos com usos que nem sempre vêm referidos nas gramáticas e, nestes casos, tivemos que decidir como classificar determinadas estruturas. Refira-se, a título de exemplo, a análise oracional de verbos enunciativos, quando em discurso direto. Se não há dúvidas que disse que vinha é constituída por uma oração completiva, já a estrutura disse: já vou continua a apresentar sintaticamente uma dependência, ainda que a segunda oração não seja introduzida por uma conjunção. Este tipo de construção não é contemplado nas gramáticas que consultámos. Portanto, tomámos uma decisão e considerámos o verbo dizer como

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um verbo de três argumentos (x diz y a z), considerámos igualmente que a estrutura linguística com função sintática complemento direto sempre que corresponda a uma predicação é uma oração completiva, ainda que os conectores não ocorram na frase.

No gráfico 1, apresentamos as orações usadas por cada aluno:

Gráfico 1 - Orações - resultados do pré-teste

Quanto ao total de orações produzidas pelos alunos nos seus textos, estas oscilam entre 9 e 22, sendo a média de 16 orações.

A nível da complexidade frásica podemos observar pela mancha gráfica (Gráfico 1) de cada aluno, que a maior percentagem de frases são coordenadas, tendo dois alunos um máximo de cinco frases subordinadas, dois alunos não produziram nenhuma frase deste tipo, um aluno tem uma e os restantes oscilam entre duas ou três frases subordinadas. Com estes resultados observamos ainda que todos os alunos utilizam maioritariamente frases coordenadas, a percentagem da sua utilização oscila entre os 50% e os 95%, com uma média de utilização de 72%. Já no que se refere à utilização de frases subordinadas a média é de 15%.

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O predomínio da coordenação produz um efeito de falta de conexão. Os eventos são construídos todos ao mesmo nível e sem que haja uma hierarquia entre eles. Este tipo de construção produz um texto pouco coeso, faltando quer ligações a nível da relação interfrásica, quer a nível do léxico, quer a nível de conectores. De entre as orações subordinadas, as orações que produzem um efeito de maior ligação são as subordinadas adjetivas e substantivas. Segundo Tomasello (2003: 243), “(...) the different clauses are more tightly interrelated as they appear as constituents in a single complex construction under a single intonation contour (...)”.

Neste momento, podemos apresentar apenas alguns dos dados que temos disponíveis, a partir dos quais obtivemos resultados efetivos, comparando os textos do pré-teste com os do pós-teste.

Como já referimos anteriormente, são considerados como medida de desenvolvimento de competência textual: a extensão do texto, um maior uso de subordinação e a utilização de conectores (quantidade e diversidade). Neste sentido, podemos observar (Quadro 4) que o número médio de palavras e de orações aumentou substancialmente, bem como a média de utilização de orações subordinadas.

Média Pré-teste Média Pós-teste

Palavras 95 168

Orações 16 31

Palavras por oração 6 5,5

Coordenadas 11 17

Subordinadas 3 12

Quadro 4 – Resultados, em média, no Pré-teste e no Pós-teste: palavras, orações.

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Apresentamos também os resultados da complexificação frásica, no pré-teste e no pós-teste em percentagem (Quadro 5). A partir da análise do quadro 5, observa-se um aumento percentual das frases subordinadas e uma diminuição das coordenadas.

Frases Percentagem Pré-teste

Percentagem Pós-teste

Coordenadas 77% 53,9%

Subordinadas 20% 37,5%

Frases simples e/ou superior

3% 8,6%

Quadro 5 – Percentagem de orações coordenadas e subordinadas no pré-teste e no pós-teste.

Analisámos, também, os conectores usados no pré-teste e no pós-teste. Apresentamos os resultados no quadro 6:

Conectores Percentagem

Pré-teste Percentagem

Pós-teste

de seguida - 2,5%

E 51,5% 39,0%

Para 6,7% 11,6%

Depois 8,2% 3,7%

Mas 8,2% 10,4%

e depois 5,2% 1,7%

quando 5,2% 10,0%

então 1,5% 3,3%

logo que 1,5% -

no dia seguinte 2,2% -

passado um bocado 1,5% 1,7%

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neste/naquele momento/instante - 1,7%

por isso - 1,2%

enquanto - 1,2%

até - 1,2%

subitamente - 0,8%

logo 0,7% -

até que 0,7% 0,4%

e por enquanto 0,7% -

de repente 0,7% 1,7%

um dia 0,7% -

de tarde 0,7% -

e assim - 0,4%

só que - 0,4%

entretanto - 0,4%

porque 3,0% 6,6%

em cima 0,7% -

Totais 100% 100%

Quadro 6: uso de conectores no pré-teste e no pós-teste

No quadro 6, apresentamos os conectores usados pelas crianças. Observa-se no pós-teste uma maior quantidade e diversidade de conectores. O uso de conectores foi um dos elementos que possibilitou a construção de textos mais coesos e coerentes. No pré-teste podemos observar que em dois textos o único conector empregue é o “e”.

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No diagnóstico, como fomos assinalando, os alunos precisavam de melhorar, entre outros:

a) Estrutura da narrativa, em especial na construção do problema, peripécias e na resolução do problema.

b) A nível mais local, precisam de melhorar a construção de frase, nomeadamente construção de frases complexas e subordinadas e o uso de conectores.

Intervenção pedagógica: pressupostos, atividades, resultados

A partir dos resultados da análise dos textos do pré-teste, procedemos à elaboração de um plano de intervenção. Este teve em conta as maiores dificuldades manifestadas pelos alunos, a saber: a própria noção de narrativa e mecanismos de textualização, nomeadamente complexificação de estruturas frásicas. Assim, traçámos um plano de intervenção que visa trabalhar:

i) a estrutura da narrativa (princípio, meio - problema, resolução do problema - e fim) a partir da leitura de textos de autor; ii) os mecanismos de textualização: construção da personagem, espaço e tempo; iii) a complexificação das estruturas frásicas e o uso de conectores; iv) construção de nexos causais. O programa de intervenção seguiu determinados pressupostos:

dada a características linguísticas dos sujeitos, procurámos um input textual rico e variado, que constituísse um desafio para as crianças

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(Krashen 1982). Os textos, estando acima do nível de desenvolvimento das crianças, tiveram o seu acesso mediado pelo professor (Vigotsky 1978). Sendo a escrita uma tarefa complexa que mobiliza diferentes competências, o ensino teve em conta as etapas de produção textual: planificação, textualização revisão (Scardamalia e Bereiter 1987). Como o registo da escola fica distante do registo das crianças e o acesso a textos é reduzido, tivemos como preocupação construir uma comunidade textual (Olson 1994, Sousa e Costa 2010), por isso lemos muitos textos, atentámos nas estruturas linguísticas desses textos e as crianças reescreveram alguns dos textos.

Descrevemos muito brevemente o plano de intervenção. Numa primeira fase da nossa intervenção, que corresponde ao 3º ano de escolaridade dos alunos (fevereiro de 2010 a junho de 2010), debruçámo-nos mais intensivamente sobre a aquisição e desenvolvimento da estrutura da narrativa. Para tal, lemos obras para esta faixa etária. As obras eram lidas e era sempre assegurado a compreensão das mesmas com actividades antes, durante e após a leitura. Concomitantemente era analisada a estrutura para que os alunos verificassem a constância da mesma, todas respeitando a estrutura canónica da narrativa. Selecionávamos as obras de acordo com o que pretendíamos destacar em cada sessão. Assim, se o objectivo era estudar a personagem, a obra escolhida era exemplar nesse domínio. Usámos o mesmo critério para as outras categorias a trabalhar.

Alternadas com este tipo de sessões, incluímos atividades de planificação e textualização a partir de sequências de imagens, inicialmente 3 imagens, depois 4 e no final 6. Nestas sessões foram utilizadas diferentes metodologias de trabalho: em grande grupo, a pares e individual. Em primeiro lugar, era feita uma exploração oral

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das imagens: Quem? Como é? O que acontece? Porquê? ... Na sessão seguinte, procedia-se à planificação, seguida de textualização. Estas sessões de escrita aconteceram regularmente intercalas com as sessões que envolviam a utilização de obras literárias ao longo de toda a intervenção.

No final do 3º ano, em junho de 2010, constatámos que os alunos já tinham adquirido a estrutura da narrativa. Estando a estrutura da narrativa adquirida, entrámos na 2ª fase da intervenção e procedemos à planificação de sequências centradas em actividades para desenvolver o vocabulário e simultaneamente a complexidade das frases.

Portanto, desde setembro de 2010 até março de 2011 (final da intervenção), para além das atividades de escrita referidas anteriormente, começámos a focalizar, durante a leitura, o vocabulário e as construções frásicas existentes nas obras de autor. Na sessão de escrita seguinte tentávamos que a leitura fosse capitalizada. Como verificámos que a mobilização de aspetos focalizados durante a leitura era difícil (vocabulário e frases complexas) na escrita, a partir da sessão 22 decidimos investir na reescrita de textos de autor. Assim, a partir de novembro de 2010 até ao final, foram realizadas actividades intensivas e sistemáticas sobre as obras de autor escolhidas como modelo, neste caso António Torrado e Maria Alberta Menéres. As obras trabalhadas foram: “O macaco do rabo cortado”, “Gil Moniz e a ponta do nariz” e “As Aventuras da Engrácia”. O trabalho sobre as obras, nas duas primeiras tiveram a duração de uma semana e na terceira, devido ao seu tamanho e estrutura, durou um mês.

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Estas obras foram trabalhadas da seguinte forma: 1º Obra lida pela professora na sala de aula 2º Compreensão da leitura 3º Obra lida pelos alunos (em silêncio e preparação da leitura em voz alta) 4º Treino da leitura integral da obra, em casa e na sala de aula 5º Elaboração de listas de palavras e expressões presentes nas obras 6º Construção de fantoches e/ou ilustração da sequência da história 7º Leitura e/ou dramatização na turma e para outras turmas 8º Reescrita individual. Uma outra razão que nos levou a destacar estas atividades foi o

facto de nos últimos meses de aulas, depois de realizada a intervenção, em trabalhos efetuados pelos alunos em atividades diversificadas, estes utilizarem expressões e palavras dos autores, conseguindo identificar textos destes, sem que estivessem identificados. Sem ser um dos objetivos deste trabalho, parece-nos que a reescrita traz benefícios quando se trata de capitalizar vocabulário e estruturas de textos de autor. Esta constatação merecia, por si só, um estudo. Discussão

Com este estudo pretendemos, numa primeira instância, verificar se o ensino explícito da escrita enquanto processo melhora a escrita e observar simultaneamente qual o papel do input na escrita das crianças, neste caso específico, fazendo o levantamento do

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impacto dos textos lidos e analisados, de acordo com a metodologia apresentada, nos textos das crianças.

Deste modo, através dos resultados obtidos no pré-teste e da análise realizada, verificámos que a estrutura da narrativa (escrita) não estava adquirida. Tendo oito crianças elaborado narrativas respeitando todos os elementos constituintes da sua estrutura. Outro problema identificado relacionava-se com o excesso de coordenação.

Na intervenção planificámos sessões diversificadas, significativas e desafiantes que melhorassem estes pontos e simultaneamente, melhorassem o vocabulário. Refira-se que, ao longo da intervenção, observámos uma progressiva melhoria quer a nível da aprendizagem da estrutura do texto narrativo, quer a nível da complexificação de estruturas linguísticas e da construção de relações de causalidade.

Na análise do pós-teste, verificam-se ganhos quer a nível da extensão dos textos e da construção da narrativa (estrutura e relações de causalidade), quer a nível da complexificação de estruturas (frases subordinadas, variedade e quantidade de conectores). A ortografia, com melhorias visíveis, continua, no entanto, a ser uma área problemática.

Outro aspeto a destacar é o facto de se observar nos textos das crianças uma apropriação de léxico e expressões dos autores, constituindo um claro fenómeno de intertextualidade. A título de exemplo, veja-se: ‘Dormiram num sonho profundo até ao raiar do sol’, ‘E foi embora, sem rasto nem sombra’. As crianças convocam também para os seus textos outros textos: ‘Até parecia o lobo mau da história “A capuchinho vermelho” ou ‘Apareceu um gato preto com olhos verdes como o da história da bruxa Mimi’.

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