texto avaliação

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9 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM FORMADORA/ AVALIAÇÃO FORMADORA DA APRENDIZAGEM Clarilza Prado de Sousa 1 A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais; b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado; d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito; e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos. L.D.B./ 9.394 – dezembro de 1996 Capítulo II – Da educação básica – Seção I – Das disposições gerais – Art.24 .V a) b) c) d) e) O propósito de uma avaliação educacional é fornecer subsídios para que os responsáveis pela coordenação e desenvolvimento de ações educativas possam tomar decisões que permitam o aperfeiçoamento de processos e condições de ensino. Dependendo do nível de abrangência das ações educativas e do foco privilegiado em um processo avaliativo, pode-se classificar a avaliação educacional em várias dimensões: avaliação de sistema, avaliação de currículo, avaliação institucional, avaliação de programa e avaliação de rendimento escolar. Neste texto procuraremos discutir primeiramente a importância de o professor aprender a articular a avaliação de sistema e a avaliação do rendimento escolar, compreendendo que os objetivos, métodos e procedimentos dessas duas dimensões avaliativas, embora diferentes, podem convergir para subsidiar decisões em sala de aula que conduzam à melhoria da prática educativa. Em seguida, discutiremos orientações básicas para o planejamento da avaliação do rendimento escolar. Finalmente, vamos propor um roteiro para o professor analisar se está desenvolvendo uma avaliação formadora. Avaliação de sistema e avaliação do rendimento escolar O principal propósito de uma avaliação de sistema é possibilitar o desenvolvimento de políticas públicas na área educacional que contemplem a qualidade do ensino oferecido a todos os alunos, e a igualdade de oportunidades para que os alunos possam aprender. Em países compromissados com políticas democráticas de educação, esse tipo de avaliação vem sendo realizada procurando focalizar prioritariamente o nível de aprendizagem que os alunos estão alcançando em determinadas séries escolares. No Brasil, a avaliação de sistema desenvolvida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) – O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) – analisa, através de uma amostra proporcional de alunos de cada estado da Federação, qual o desempenho conquistado pelos alunos na 4ª e na 8ª séries do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio, em disciplinas como Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. Nessas avaliações, além da aprendizagem dos alunos, procura-se também analisar variáveis que interfiram no desempenho do aluno e possam assim ajudar na compreensão de diferenças encontradas nos resultados apresentados pelos alunos, como por exemplo: formação dos docentes, situação das escolas etc. A exemplo do Ministério da Educação, muitos estados brasileiros têm procurado realizar uma avaliação de seus sistemas de ensino, para obter resultados mais específicos, que permitam orientar as políticas de suas regiões. O planejamento dessas avaliações exige um delineamento metodológico e a construção de medidas rigorosas, de forma a permitir a comparação entre as escolas que compõem o sistema e o diagnóstico preciso do nível de aprendizagem dos alunos em determinado momento, comparado com padrões internacionais, nacionais ou mesmo com critérios teoricamente definidos por um sistema de ensino. No entanto, embora a comparação de resultados entre escolas e sistemas seja uma característica da avaliação do sistema, a fim de permitir referências para a análise, a avaliação do rendimento escolar que se realiza no contexto da escola e da sala de aula enquanto prática educativa, não tem nenhum propósito classificatório. Deve ser realizada de forma contínua, cumulativa e integrada a processos de progressão dos alunos nas séries escolares, a estratégias de aceleração de aprendizagem, de recuperação, e deve estar apoiada em análises qualitativas que permitam compreender o desempenho do aluno. A realização freqüente nestes últimos anos, no Brasil, de avaliações de sistema, e o emprego de testes objetivos, característica desse tipo de avaliação, têm levado muitos professores a supor que deveriam desenvolver seu processo de avaliação utilizando a mesma metodologia e os mesmos tipos de instrumentos que são recomendados para avaliações de grande porte. Perdem com isso a possibilidade de aperfeiçoar procedimentos e instrumentos que permitiriam análises mais aprofundadas de seus alunos, no contexto de sala de aula. Planejar a avaliação de sistema e a avaliação do rendimento escolar que subsidiem o aperfeiçoamento do ensino e garanta a eqüidade da educação oferecida nas escolas é no entanto um grande desafio. Os avaliadores que planejam uma avaliação de sistema enfrentam a questão de como, por um lado, 1 Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. 01

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Page 1: Texto avaliação

9 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM FORMADORA/AVALIAÇÃO FORMADORA DA APRENDIZAGEM

Clarilza Prado de Sousa1

A verificação do rendimento escolar observará os seguintescritérios:

a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno,com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos edos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provasfinais;

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos comatraso escolar;

c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries medianteverificação do aprendizado;

d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência

paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimentoescolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seusregimentos.

L.D.B./ 9.394 – dezembro de 1996Capítulo II – Da educação básica – Seção I – Das disposições

gerais –Art.24 .V a) b) c) d) e)

O propósito de uma avaliação educacional é fornecer subsídios para que osresponsáveis pela coordenação e desenvolvimento de ações educativas possamtomar decisões que permitam o aperfeiçoamento de processos e condições deensino. Dependendo do nível de abrangência das ações educativas e do focoprivilegiado em um processo avaliativo, pode-se classificar a avaliaçãoeducacional em várias dimensões: avaliação de sistema, avaliação de currículo,avaliação institucional, avaliação de programa e avaliação de rendimento escolar.

Neste texto procuraremos discutir primeiramente a importância de oprofessor aprender a articular a avaliação de sistema e a avaliação do rendimentoescolar, compreendendo que os objetivos, métodos e procedimentos dessasduas dimensões avaliativas, embora diferentes, podem convergir para subsidiardecisões em sala de aula que conduzam à melhoria da prática educativa. Emseguida, discutiremos orientações básicas para o planejamento da avaliação dorendimento escolar. Finalmente, vamos propor um roteiro para o professoranalisar se está desenvolvendo uma avaliação formadora.

Avaliação de sistema e avaliação do rendimento escolar

O principal propósito de uma avaliação de sistema é possibilitar odesenvolvimento de políticas públicas na área educacional que contemplem aqualidade do ensino oferecido a todos os alunos, e a igualdade de oportunidadespara que os alunos possam aprender.

Em países compromissados com políticas democráticas de educação,esse tipo de avaliação vem sendo realizada procurando focalizar prioritariamenteo nível de aprendizagem que os alunos estão alcançando em determinadas sériesescolares. No Brasil, a avaliação de sistema desenvolvida pelo Ministério daEducação e Cultura (MEC) – O Sistema deAvaliação da Educação Básica (SAEB)– analisa, através de uma amostra proporcional de alunos de cada estado daFederação, qual o desempenho conquistado pelos alunos na 4ª e na 8ª séries doEnsino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio, em disciplinas como LínguaPortuguesa, Matemática e Ciências. Nessas avaliações, além da aprendizagemdos alunos, procura-se também analisar variáveis que interfiram no desempenhodo aluno e possam assim ajudar na compreensão de diferenças encontradas nosresultados apresentados pelos alunos, como por exemplo: formação dosdocentes, situação das escolas etc.

A exemplo do Ministério da Educação, muitos estados brasileiros têmprocurado realizar uma avaliação de seus sistemas de ensino, para obterresultados mais específicos, que permitam orientar as políticas de suas regiões.

O planejamento dessas avaliações exige um delineamentometodológico e a construção de medidas rigorosas, de forma a permitir acomparação entre as escolas que compõem o sistema e o diagnóstico preciso donível de aprendizagem dos alunos em determinado momento, comparado compadrões internacionais, nacionais ou mesmo com critérios teoricamente definidospor um sistema de ensino.

No entanto, embora a comparação de resultados entre escolas esistemas seja uma característica da avaliação do sistema, a fim de permitirreferências para a análise, a avaliação do rendimento escolar que se realiza nocontexto da escola e da sala de aula enquanto prática educativa, não tem nenhumpropósito classificatório. Deve ser realizada de forma contínua, cumulativa eintegrada a processos de progressão dos alunos nas séries escolares, aestratégias de aceleração de aprendizagem, de recuperação, e deve estarapoiada em análises qualitativas que permitam compreender o desempenho doaluno.

A realização freqüente nestes últimos anos, no Brasil, de avaliações desistema, e o emprego de testes objetivos, característica desse tipo de avaliação,têm levado muitos professores a supor que deveriam desenvolver seu processode avaliação utilizando a mesma metodologia e os mesmos tipos de instrumentosque são recomendados para avaliações de grande porte. Perdem com isso apossibilidade de aperfeiçoar procedimentos e instrumentos que permitiriamanálises mais aprofundadas de seus alunos, no contexto de sala de aula.

Planejar a avaliação de sistema e a avaliação do rendimento escolar quesubsidiem o aperfeiçoamento do ensino e garanta a eqüidade da educaçãooferecida nas escolas é no entanto um grande desafio. Os avaliadores queplanejam uma avaliação de sistema enfrentam a questão de como, por um lado,

1 Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo (PUC-SP), pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.

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garantir uma visão global do sistema e, por outro, não desenvolver umdelineamento metodológico que acabe dando um diagnóstico tão amplo que seperca de vista o que ocorre em sala de aula, desconsiderando assim a direção queestá sendo dada à formação do indivíduo no processo educativo. Da mesmaforma, o professor é desafiado a planejar uma avaliação em sala de aula que nãoseja tão estreita que, buscando a individualidade dos sujeitos avaliados, perca devista o homem que se quer formar, o projeto da escola, o sistema em que a escolaestá inserida e a sociedade que se espera construir. A questão aqui colocada dizrespeito ao foco da avaliação e a uma maneira de articular diferentes dimensõesavaliativas. Ambas têm a mesma intenção, mas suas metodologias devem serequacionadas de forma a atender a decisões diferentes, subsidiando assimplanejamentos distintos.

O Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo(SARESP), procurando enfrentar esse desafio, vem desenvolvendo um processode avaliação de sistema que conjuga a avaliação – dos resultados detodo o sistema no final de um determinado ciclo – com a avaliaçãodesenvolvida nas escolas e delegacias de ensino. Na realização dessa avaliaçãoformativa, os educadores – professores, supervisores, AT, diretores – sãochamados a participar, analisando os processos responsáveis pelodesencadeamento dos resultados coletados na avaliação somativa, que passama ser considerados indicativos do processo educativo mais amplo que o professordesenvolve em sala de aula. Nesse sentido, os resultados da avaliação desistema passam a ter duas possibilidades: diagnosticar o sistema de ensino emsala de aula. Fornece, ainda, indicativos sobre aspectos que a avaliação derendimento deve abordar para obter um melhor diagnóstico.

No entanto, nem todo delineamento metodológico de avaliação desistema procura articular a avaliação do rendimento escolar com os resultadosobtidos na avaliação de sistema. Mesmo no caso do SARESP, apesar de a intensacapacitação que vem sendo conduzida junto aos níveis intermediários do sistemade ensino, pode-se afirmar que a construção de uma cultura avaliativa na rede deescolas públicas exigirá ainda tempo e prática para que se aprenda a articular osresultados dos dois tipos de avaliação sem reduzir os resultados e análises deuma e outra. Será necessário ainda que no planejamento da avaliação de sistemase conte cada vez mais com indicativos que permitam ao professor interpretar asconseqüências de suas práticas no rendimento dos alunos. Da mesma forma, oprofessor vai precisar aprofundar análises, em sua avaliação de rendimentoescolar, que permitam identificar os processos que os alunos utilizam pararesponder às questões propostas nas provas da avaliação de sistema. Com oobjetivo de oferecer ao professor uma possibilidade de aperfeiçoamento de suaavaliação em sala de aula, discutem-se a seguir as orientações que devem serconsideradas em um processo de avaliação do rendimento escolar.

Para iniciar uma avaliação do rendimento escolar que traduza na práticao compromisso da escola com o desenvolvimento do aluno, três questões devemorientar o trabalho do docente: PARAQUEAVALIAR, O QUE ÉAVALIAR E COMOAVALIAR.

somativaformativa,

Orientações para um processo de avaliação do rendimento escolar

Para que avaliar

Avaliação do aluno em sala de aula tem como propósito promover oaperfeiçoamento do ensino que vem sendo oferecido. Avalia-se para identificarnecessidades e prioridades, situar o próprio professor e o aluno no percursoescolar. Nesse sentido, a primeira questão que orienta um planejamentoavaliativo é definir para quê se está realizando uma avaliação. Que desicõesprecisam tomar? Que subsídios espera-se obter do processo avaliativo?

As respostas a essas questões são fundamentais no planejamento doprocesso avaliativo porque permitem ao professor refletir sobre suas intenções,sobre seu papel, os limites de sua ação e as condições que terá para interferir naeducação de seus alunos. Assim, se a avaliação do rendimento escolar tem comofunção a análise e a proposição de encaminhamentos pedagógicos para que osobjetivos do ensino sejam atingidos, evidentemente “seu processo final culminanão na aprovação ou reprovação, mas em prescrições pedagógicas que possamtornar o ensino mais efetivo” (Prado de Sousa, 1997, p.144).

É nesse contexto que compreendemos os critérios definidos nalegislação educacional brasileira quando estabelece os propósitos da avaliaçãodo rendimento escolar. O texto da LDB 9.304/96, em seu artigo 23, item V, é claroquando define os critérios que devem orientar a avaliação do rendimento: “b)possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c)possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação doaprendizado; d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito; c)obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao períodoletivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelasinstituições de ensino em seus regimentos”.

Essas possibilidades e obrigatoriedades apresentadas na legislação, narealidade vêm ampliar o nível das decisões que o professor pode tomar a partir desua avaliação. Tradicionalmente realizada para classificar alunos e definiraprovação e reprovação, a avaliação do rendimento escolar assume agora

o que a teoria especializada preconizava como sua função básica:subsidiar o aperfeiçoamento do ensino.

Pesquisa realizada com professores do ensino fundamental (Prado deSousa, 1997) nos informa que também “os professores se sentem indignadoscom as conseqüências socioemocionais que identificam com a reprovação doaluno, mais ainda, se sentem insatisfeitos com o fato de utilizarem eles própriosessa medida. A grande dificuldade que pontuam está em como colocar em práticauma medida que para eles exige grande preparo profissional, mudanças demétodos de ensino, abandono de procedimentos tradicionais e reformas globaisdo sistema de ensino” (p.15).

Na realidade, os professores compreendem claramente a dificuldadeque um processo de avaliação bem conduzido deve considerar: professorescapacitados, dispostos a mudar sua prática e suporte do sistema de ensino.Vasconcellos (1998), analisando o papel do professor na avaliação do rendimentoescolar, reforça a idéia de que a mudança do processo avaliativo depende tantodo próprio sujeito quanto do apoio institucional, mas ressalta que há também a“dificuldade de os educadores valorizarem as pequenas práticas, os passospequenos possíveis de serem dados, bem como... a dificuldade de articular essas

legalmente

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práticas com uma visão maior” (p.274). Ressalta ainda o autor como o pensar“dicotômico (tudo ou nada) revelou-se como altamente pernicioso pelo estado deimobilidade que acaba levando os professores, visto não ser possível umamudança total de imediato” (ibidem).

Mudar o processo avaliativo é uma caminhada que se inicia passo apasso, começando pelas reflexões “para que vou avaliar o aluno”, “para que servea avaliação”. Em última instância, o que estamos considerando comofundamental é somente iniciar um processo de avaliação quando se tem claro eexplicitado coletivamente o significado que a avaliação vai desempenhar naescola.

A avaliação do aluno desenvolvida pelo professor em sala de aula deveser deduzida a partir das diretrizes de seu próprio ensino.

É analisando o seu curso, as aprendizagens que prioriza e o tipo deensino que pretende desenvolver que o professor define o que irá avaliar. Assim,por exemplo, como salientam Hurtado & Navia (1998), os cursos destinados àaquisição de habilidades e à formação de lideranças em determinada área irãorealizar avaliações não só do ensino desenvolvido em sala de aula, mas tambémprocurarão analisar experiências dos alunos fora da classe.

Da mesma forma, escolas que atendem uma população de alunosbastante diversificada e com habilidades escolares muito heterogêneasprecisariam concentrar seus processos avaliativos no diagnóstico de pré-requisitos, na eficácia dos programas de aceleração que são desenvolvidos paraos estudantes com maiores dificuldades, na análise das necessidades de alunostendo em vista a preparação de programas que levassem à superação.

Mesmo escolas que priorizaram projetos de ensino voltadosbasicamente para as habilidades intelectuais do aluno podem estar interessadasem analisar como os seus alunos estão se saindo em avaliações padronizadasnacionalmente, em resultados a longo prazo em termos de postos obtidos nomercado de trabalho, e no sucesso na superação de barreiras que dificultam acontinuidade dos estudos.

Mais ainda, nos cursos cujo foco é promover uma formação de altaqualidade, as avaliações não podem apenas visar a coleta de informações sobre oalcance de resultados, mas também deverão procurar identificar as causas dasdificuldades e sucessos dos alunos, e promover o desenvolvimento demotivações internas dos alunos de forma a comprometê-lo com o seu própriodesenvolvimento. Ressaltam ainda Hurtado & Navia (1998) que somente quandoo professor tem claros os propósitos educacionais do seu curso – o que avaliar –poderá planejar a sua avaliação e analisar os resultados obtidos e os processosutilizados.

É portanto a clareza dos objetivos do curso que está ministrando, osignificado da sua disciplina na formação do aluno, os propósitos delineados nasdiretrizes do projeto de escola que permitirão ao professor definir osprocedimentos a serem seguidos e assim planejar avaliações que permitam aosalunos e a ele próprio ter uma gestão dos erros e do processo de superação. Isto

O que avaliar

é, poder utilizar a avaliação como instrumento de promoção da aprendizagem doaluno e aperfeiçoamento de seu ensino e da prática educativa da escola.

No entanto, para explicitar os objetivos a serem alcançados e osresultados pretendidos, é preciso que o professor enfrente algumas dificuldadesque essa questão suscita. Freqüentemente a definição de objetivos tem levado osprofessores a indagar: a escola deve levar o aluno a adquirir conhecimento ou adesenvolver competências? Conseqüentemente, a avaliação a ser realizadadeve se centrar na análise do domínio de conhecimento ou voltar-se paraidentificar as competências adquiridas?

Na realidade, essa questão revela-se um mal-entendido e encerra umdilema, segundo Perrenoud (1997). É um mal-entendido porque muitos acreditamque é possível desenvolver competências sem garantir a aquisição deconhecimentos. Ao contrário, assinala o autor, quanto mais complexa fordeterminada competência, mais se exigirá do aluno a aquisição de amplosconhecimentos especializados, organizados e confiáveis. Além disso, argumentao autor, ações complexas, abstratas, mediadas por tecnologia, exigirãoconhecimentos cada vez mais extenso, especializados, organizados e confiáveis.

Essa questão encerra também um dilema porque, para realizar um cursovoltado para o desenvolvimento de competências, é preciso que os alunos seapropriem de determinados conhecimentos que suportarão o exercício dascompetências exigidas. Contudo, cursos voltados apenas para a aquisição deconhecimentos não levarão, ao desenvolvimento de competênciaspelos alunos.

Aquestão apresentada coloca então ao professor um desafio a enfrentar,ou, melhor dizendo, definir o que avaliar conduz o professor a refletir sobre oensino que pretende desenvolver e as dificuldades que terá que enfrentar paraalcançar os propósitos esperados.

Definir o que exige do professor muita clareza sobre a formaçãopretendida de seus alunos. É a partir do planejamento que realizou para promovero processo de ensino-aprendizagem, isto é, da seleção das competências econhecimentos que priorizou e das estratégias que escolheu para desenvolvê-losque o professor irá estavelecer o que

Avaliar não é medir. Avaliar envolve o levantamento de informaçõessobre a aprendizagem dos alunos que devem ser analisadas considerando oscritérios e objetivos do plano de ensino, e inclui também o processo de tomada dedecisões. A avaliação envolve portanto a medida, ou a prova, mas não se reduz aela. Nesse sentido, analisar como vou avaliar não implica definir apenas queprovas, testes vou realizar, ma sobretudo estabelecer como vou permitir que osdados levantados permitam o autoconhecimento do aluno e o diagnóstico doensino oferecido.

Evidentemente será sempre importante para o professor aprender aconstruir instrumentos um pouco mais precisos, que permitam analisar com maisrigor o nível de competência e as habilidades que os alunos estão alcançando.Contudo, reforçar somente esse aspecto da avaliação do rendimento escolar

ipso facto,

avaliar

avaliar.

Como avaliar

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pode levar a desenvolver uma prática que não considera a sua possibilidadeformadora. Isto é, uma prática fragmentada, que reduz e estreita o olhar doprofessor sobre a pessoa do aluno que está formando.

A avaliação, ao possibilitar o diagnóstico do aluno oferecido peloprofessor e do desempenho do aluno, pode ser formadora quando os resultadospossibilitarem também uma reflexão sobre a prática que estamos desenvolvendo,isto é, quando os resultados obtidos pelos alunos permitirem ao professor analisara sua participação na aquisição da aprendizagem e identificar, a partir daí, quaisas estratégias mais efetivas e as que precisam ser revistas, quais os processos deaprendizagem os alunos estão construindo, quais as dificuldades que ele mesmo,professor, enfrenta no desenvolvimento do programa. Resumindo: quando oprofessor compreender que os resultados de um processo avaliativo analisatambém o seu próprio desempenho.

Uma avaliação formadora deve possibilitar, ainda, a análise do ProjetoEducacional da Escola, uma vez que são os seus princípios que orientam aavaliação do desempenho ao aluno.

Assim sendo, os resultados da avaliação, os procedimentos einstrumentos utilizados, devem permitir aos professores analisar como estãoimplantando o Projeto Educacional da Escola.

Desenvolver uma avaliação formadora significa realizar um processonão fragmentado, não punitivo e orientado por princípios éticos. Comprometidacom a transformação social, essa prática educativa reconhece o papel daeducação nessa transformação, prioriza a análise do pensamento crítico do alunoe focaliza sua capacidade de solucinar problemas reais.

Contudo, o professor, ao realizar uma avaliação formadora, nãoabandona a informação, mas procura utilizar instrumentos cada vez mais precisose válidos para diagnosticar a aprendizagem dos alunos e assim contar cominformações cada vez mais seguras para suas análises e decisões.

Mesmo aperfeiçoando seu diagnóstico, o professor que procuradesenvolver uma avaliação formadora compreende que o comportamentohumano é multideterminado e que uma dificuldade do aluno não pode seratribuída a um único aspecto específico do aluno, e que a família do aluno não é aúnica justificativa para os resultados do desempenho obtido em sala de aula.Nesse sentido, procura na sua prática elementos para atuar ante dificuldadesdetectadas, e, quando considera que um determinado fator tem importância nonível da aprendizagem de seus alunos, se esforça para desenvolver avaliaçõesque lhe permitam esclarecer melhor a influência desse aspecto para, a partir daí,atuar pedagogicamente sobre ele.

Evidentemente, a avaliação formadora de professores e alunos não podeutilizar procedimentos e instrumentos “fechados a sete chaves”, impedindo que seanalisem os critérios e os parâmetros utilizados. Ela deve ser transparente noplanejamento, nos resultados e nos critérios. Considerando que qualquer cursodeva ter como objetivo desenvolver a autonomia intelectual e a formaçãoprofissional do estudante, é fundamental que o aluno participe ativa ecompromissadamente de sua formação. Isso implica dizer que o resultado de umaavaliação deve sempre ser devolvido, e analisado com o aluno.

Finalmente, podemos afirmar que uma avaliação é formadora quandocontribui efetivamente para a formação do cidadão. Para tanto, exige uma revisão

radical da atitude avaliativa e não somente dos procedimentos e instrumentosutilizados. O professor vem utilizando procedimentos tradicionais e provasescritas como recursos básicos de análise de aprendizagens de alunos. Não secriticam aqui os métodos tradicionais de avaliação com a intenção de propornovidades metodológicas, que nem sempre significam alternativas maisadequadas e mais seguras para avaliar o aluno. Pretende-se destacar o fato deque, ao utilizar procedimentos de avaliação durante muito tempo sem questionarseus objetivos e finalidades, corre-se o risco de perder o próprio sentido de umprocesso avaliativo.

Com o objetivo de contribuir para a reflexão dos educadores, em especialdaqueles que enfrentam o desafio da sala de aula, propõe-se aqui um “Roteiropara autodiagnóstico”. Baseado em perguntas, esse roteiro pretende contribuirpara a reflexão do professor interessado em aperfeiçoar seu processo avaliativo.

Indago constantemente se meu aluno está aprendendo?Ensino sem aprendizagem é um conjunto vazio, não tem nenhuma

significação. Na verdade, essa pergunta traduz a preocupação constante doeducador e a tensão do professor comprometido.

Diante das dificuldades apresentadas pelos alunos, procuro pesquisar oque está acontecendo? Verifico se a dificuldade do aluno se deve à falta de pré-requisito ou a outro fator? Desenvolvo meios para melhor diagnosticar asdificuldades?

Como meus alunos aprendem? Como se dá o processo deaprendizagem? Desenvolvi minha própria teoria sobre o modo como se realiza aaprendizagem? Qual é essa teoria? Procuro comparar minhas pequenas teoriascom os fundamentos teóricos da área de aprendizagem?

Essas questões visam levar o professor a ultrapassar as concepções dosenso comum, a respeito de como se realiza a aprendizagem, e alcançar um nívelde maior complexidade teórica, que lhe possibilite levantar hipótesesfundamentadas sobre os processos de aprendizagem dos seus alunos.

Roteiro para autodiagnóstico

O aluno está aprendendo? O que ele está aprendendo?

Quais as dificuldades que o aluno está apresentando?

Quais as hipóteses que levanto sobre a maneira como se realiza aaprendizagem dos alunos?

A avaliação está “cobrando” as aprendizagens de conteúdos ehabilidades prioritárias, consideradas em meu plano de curso?

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Selecionar o que avaliar é um processo difícil. Existem alguns tópicos emque o professor pode estar mais interessado, considera mais fácil de desenvolverou a respeito dos quais prefere fazer perguntas. A questão aqui colocada tem aintenção de levá-lo a refletir se sua avaliação considera os tópicos fundamentais emais relevantes do curso. A resposta a essa questão, no entanto, exige umadiscussão com seus colegas. A decisão sobre que objetivos e conteúdos sãorelevantes para determinado curso, de determinada escola, com uma populaçãoespecífica, é uma definição coletiva.

O professor nem sempre tem o hábito de registrar sua experiênciadidática. Essa questão procura levá-lo a observar, registrar e comparar, baseadoem experiências anteriores, qual a eficiência de determinadas estratégias.Espera-se com isso evitar a repetição de atividades ou métodos que se têmprovado ineficientes para produzir aprendizagens.

Para o professor que procura realizar uma avaliação formadora, aanálise dos resultados obtidos pelos alunos em sua classe é sempre um desafio,no sentido de poder selecionar a melhor ação a ser desenvolvida em determinadasituação. Mesmo quando os resultados estão de acordo com os parâmetrosesperados, é preciso se perguntar se pode avançar mais, se o nível alcançadopela aprendizagem pode ser melhorado. Enfim, o professor que realiza umaavaliação formadora é de certa maneira um “inquieto”. Em virtude dos resultadosde seus alunos está sempre se perguntando: por quê, o que fazer para melhorar?

A formação do professor, embora se inicie na faculdade ou no ensinomédio, irá se concretizar em sua prática. Na verdade, somente descobrimos aslacunas de nossa formação inicial quando nos defrontamos com as dificuldadesde fazer com que algumas crianças aprendam. O professor voltado para seuautodesenvolvimento precisa encontrar tempo para diagnosticar as dificuldadesmaiores que sente na realização de seu curso. Quais os tópicos que precisaaperfeiçoar? Que aspecto do seu curso sente insegurança em desenvolver? Porque os alunos sentem maior dificuldade em determinados tópicos de seu curso?As estratégias que está usando para desenvolver determinados tópicosproblemáticos não precisariam ser revistas?

Quais as estratégias que têm dado melhor resultado para garantirdeterminadas aprendizagens?

Que decisões devo tomar a partir dos resultados de minha classe?

Será que realmente sei este tópico de meu curso? No que exatamenteprecisaria me aperfeiçoar para melhorar o meu desempenho?

A sala de aula não deve ser concebida pelo professor como uma ilha emque ele se isola dos demais colegas e de toda a escola. As dificuldades que sentesão com certeza vivenciadas pelos demais professores. O professor que realiza aavaliação formadora compreende o coletivo escolar como o espaço onde elereflete sobre suas dificuldades e facilidades e constrói recursos para enfrentarseus desafios cotidianos.

As devolutivas do professor que realiza a avaliação formadora sãoplanejadas de forma a se constituirem em mais um espaço de ensino-aprendizagem. Ao aluno devem ser dadas condições para analisar, compreenderseu desempenho e, dessa forma, junto com o professor, propor metas para operíodo seguinte.

O aluno sabe efetivamente por que erra? Não basta ao aluno identificar oque erra, é preciso que ele tenha claro o processo que desenvolveu para chegar adeterminado resultado e, a partir daí, poder rever sua trajetória. A avaliaçãoformadora possibilita sempre a formação do aluno.

Os alunos têm construído uma concepção de avaliação semelhante àque quero desenvolver? O professor que realiza a avaliação formadora procuraconstruir com seus alunos uma visão positiva da avaliação e, mais ainda, umavisão positiva de suas possibilidades. Nesse sentido, não têm receio, medo deserem avaliados.

A relação positiva, colaborativa e produtiva da escola e dos professorescom os pais dos alunos muitas vezes enfrenta dificuldades sérias. No momento dadevolução das avaliações, a falta de entendimento tende a se agravar. Adificuldade do professor com a educação de certos alunos o tem levado a suporque o aluno não tem um bom rendimento em razão da falta de apoio dos pais narealização do trabalho escolar. O professor que realiza a avaliação formadora, porconsiderar importante a participação dos pais na escola, deve se preparartambém para construir uma relação colaborativa, para que juntos possam apoiaras dificuldades do aluno/filho. Nesse sentido, abandona totalmente a idéia de que

O que a escola pode/deve fazer para superar determinadas dificuldadesdos alunos? Como a participação de meus colegas pode ajudar nas dificuldadesque estou enfrentando em sala de aula?

Como vou discutir os resultados da avaliação cm os alunos?

Qual a visão de avaliação que os alunos têm? Devo ou estou interessadoem mudar essa visão?

Culpabilizo os pais pelos resultados dos alunos em minha sala de aula?Peço a colaboração dos pais para que me ajudem na tarefa de educar meusalunos? Já procurei pesquisar porque não recebo a colaboração que solicito?

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se o aluno não aprendeua “culpa” é de alguém e busca alternativas para superaros problemas.

Os resultados de um processo de avaliação não podem ser tomadoscomo prescritivos, não devem possibilitar gravar negativamente o destino doaluno.Após uma avaliação, após uma reprovação, o aluno pode desenvolver umavisão negativa de si mesmo, de suas possibilidades de aprender. O professor querealiza uma avaliação formadora analisa os resultados de uma prova, de umexercício, com seu aluno e não o condena, não generaliza, mas o prepara parasua auto-avaliação e proposição de metas para superação.

O professor que realiza a avaliação formadora sabe da importância deseu papel e busca seu constante aperfeiçoamento. Tendo como meta pessoaltransformar-se em um bom professor e ser reconhecido na escola como tal, nãomede esforços para alcançar esse objetivo. Para tanto, compreende que devetraçar uma trajetória de mudanças gradativas, que se realizem em sala de aula.Não espera uma revolução, muito menos reestruturações completas do sistemapara iniciar, passo a passo, sua mudança. Essas convicções transformam oprofessor em um militante em sua escola, em sua associação, na áreaeducacional. Nesse sentido, ele compreende que realizar uma avaliaçãoformadora é antes de tudo uma questão de mudança de atitude em relação àeducação, e sobretudo uma ação política.

Mesmo quando o aluno apresenta dificuldades, estou interessado emque ele não desenvolva uma auto-estima negativa?

Considero que minha atuação em sala de aula faz diferença? Considero-me um bom professor? Estou disposto a mudar minha prática para proporcionarum melhor desempenho a meus alunos? Entendo que essa mudança dependetambém de minha disposição pessoal?

Referências bibliográficas

HURTADO, S., NAVIA, C.N. Avaliação de estudantes universitários. In: módulo dov.3. UNB/Catedra Unesco,

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Papirus, 1997.VASCONCELLOS, C. S. o

papel do professor

Curso de especialização em avaliação a distância.

Contruire des compétences dès l ‘école.

Avaliação do rendimento escolar.

Processo de mudança de avaliação da aprendizagem:

– Representações e práticas. São Paulo, 1998. Tese(Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.

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