terra dourada

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Agronegócio Agregar valor à produção agrícola é um desafio para todos os brasileiros © RS Negócios

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Suplemento editorial desenvolvido por estudantes do 4º termo de Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC UNESP-Bauru), para as disciplinas de Impresso e Planejamento Gráfico.

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Page 1: Terra Dourada

AgronegócioAgregar valor à produção agrícola é um

desafio para todos os brasileiros

© RS N

egócios

Page 2: Terra Dourada

Terra Dourada • Novembro 2012 3

Feirante mundial, sim senhor!Agronegócio brasileiro é vital para economia interna e externa

Jéssika Elizandra

Ataque ao World Trade Center, crise eco-nômica nos Estados Unidos e dificulda-

des na zona do Euro. Os conhecidos “fortões” da segunda metade do século XX estão enfra-quecidos e, em consequência, deixam vagos os espaços de potências. Muito se especula sobre quem os ocuparia, e o Brasil é um forte candidato, mas será que ele dá conta?

Jim O´Neill, economista que elaborou a teoria do BRIC, acredita que sim. De acordo com suas projeções, há quatro países emer-gentes que, em menos de 30 anos, poderão ser mais influentes que o G6. Juntos, Brasil, Rús-sia, Índia e China terão em torno de 40% da população mundial e um PIB de mais de 85 trilhões de dólares. Mas como eles consegui-rão esse feito? Fortalecendo as suas parcerias comerciais e, assim, completando-se. A Rús-sia forneceria petróleo e gás natural, a Índia tecnologia e formação aos profissionais dessa área, a China, além de um enorme mercado consumidor, mão-de-obra, e o Brasil...? A fome e a vontade de prover

Nossa função é garantir a segurança ali-mentar dos outros países. “O Brasil conta com vários tipos de clima, chuvas previsí-veis, sol abundante e por volta de 13% de toda a água doce disponível no planeta. Além disso, há por aqui 388 milhões de hec-tares de terras agricultáveis férteis e de alta produtividade, dos quais 90 milhões ainda não foram explorados. Esses fatores fazem do Brasil um lugar de vocação natural para o agronegócio, que é hoje a principal locomo-tiva da economia brasileira e responde por um em cada três reais gerados no país”, ex-plica a Gerente de Assuntos Regulatórios e Relações Governamentais da ArborGen Tec-nologia Florestal, Luciana di Ciero.

E, no artigo “O Brasil e o desafio de ali-mentar o mundo”, o Presidente do Conselho Superior de Agronegócio da FIESP, Roberto

Rodrigues, comenta que os outros países pre-cisam dessa nossa vocação: “Vários fatores têm contribuído para uma alta vertiginosa no preço desses produtos. O primeiro deles é a explosão da demanda nos países emergentes, onde a população e a renda per capita crescem muito mais que nas nações ricas (por exemplo, o crescimento da economia da China transfor-mou o país no principal destino dos produtos brasileiros: enquanto em 2000 exportamos para lá US$ 1,1 bilhão, em 2011 esse valor sal-tou para US$ 44,3 bilhões)”. Nos últimos anos, complementa o Presidente do Conselho Supe-rior de Agronegócio da FIESP, “problemas de seca na Europa e América Central, além da Austrália, provocaram, ainda, a queda da produção de trigo, encarecendo enormemente esse produto e puxando para cima os preços de milho, soja e arroz, substitutos naturais daque-le grão essencial”. Em 2011 o agronegócio foi responsável por 26% das exportações brasilei-ras e mais do que o triplo do saldo da balança comercial do país.

Aí eu vi vantagem!Tudo bem. O país investir na produção de

alimentos é muito bom para a economia ex-terna, mas e a interna, como fica? Ainda de acordo com Rodrigues, muito bem, obrigada. “O agronegócio move a gigantesca roda da economia nacional e ainda alimenta nossa ba-lança comercial, criando renda para a cidade e o campo, agregando valor na indústria de alimentos e a de energia e fibras, como vestu-ário, fiação e moda”.

Sobre a crença de que o agronegócio não gera empregos nos centros urbanos, o Presi-dente do Conselho Superior de Agronegócio da FIESP é taxativo: “Se enfrentarmos os gargalos que nos afligem, geraremos milhões de empregos no país todo, e não apenas no campo, mas também na indústria, no comér-cio e nos serviços. Afinal, não se produz nada

na área rural sem adubo, semente, defensivo, máquinas agrícolas, equipamentos, correti-vos; não se transporta nada sem caminhão, trem, trilhos, portos; não se estoca nada sem silos e armazéns; não se faz nada sem crédito, planejamento, assistência técnica, pesquisa e extensão rural. E tudo isso é urbano”.

Vocação ameaçadaOs gargalos aos quais o Presidente do

Conselho Superior de Agronegócio da FIESP se refere e que ameaçam o crescimento do agronegócio no país são inúmeros: problemas de logística, desperdício de produção, falta de modernização do crédito rural, da implanta-ção do seguro agrícola (inclusive de renda), da reformulação da Política de Garantia de Preços Mínimos, são só alguns deles.

Luciana di Cierro chama a atenção para a necessidade de agregar valor às matérias que produzimos: “Um produto bruto vendido tal como encontrado na natureza tem pouco va-lor agregado. Ao processá-lo, acrescentando-se etapas de trabalho manual e/ou intelectu-al, há mais agregação de valor. Dessa forma, agregar valor significa trabalhar o produto bruto para que seja transformado em algo mais valioso”. Gislaine Balbinot, Assessora de Comunicação da Associação Brasileira do Agronegócio, explica o que é necessário para que isso aconteça: “O Brasil tem potencial para a diversificação da produção e exporta-ção de produtos manufaturados, para isso é preciso que haja políticas públicas que via-bilizem esse crescimento. O governo divul-gou, no primeiro trimestre deste ano, medi-das de estímulo às exportações de produtos manufaturados para reduzir a dependência da balança comercial dos produtos primários e semimanufaturados. O país precisa aumentar a competitividade, mediante a redução dos custos logísticos e desoneração tributária. Es-sas reivindicações são antigas”.

Agronegócio: ame-o ou deixe-o

Com quantas inspirações se faz uma boa música? Com quantas mãos se produz um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza? E o que uma coisa tem a

ver com a outra? Na década de 1960, e até os dias atuais, absolutamente tudo.Em uma viagem rápida a esse período, sem muito esforço e sem muitos detalhes, nos

lembramos do regime militar, da censura e do “milagre econômico” do governo Médici, dos manifestos políticos e culturais e do ufanismo brasileiro. Com um PIB que cresceu a uma taxa média acima de 10% ao ano, era difícil não se exaltar com o horizonte de possibilidades que se formava. O governo militar investiu pesado no agronegócio e somente nessa década a pro-dução de soja, atualmente com um domínio em 35% do mercado internacional, multiplicou-se por cinco, passando para 1,056 milhão de toneladas já em 1969.

Como não se sentir motivado com um solo tão fértil e com tanta riqueza sendo gerada? Como não querer expressar que o Brasil é sim um país abençoado e com uma natureza mara-vilhosa? Sem entrar no mérito das problemáticas de concentração latifundiária, o fato é que o país se sustenta no agronegócio e auxilia também a economia mundial, com grandes chances de emergir, em um futuro não tão distante, como a potência que irá alimentar o mundo.

Sendo assim, não faltam justificativas para escolha do tema deste suplemento. O que o Ter-ra Dourada pretende é dar luz a um assunto fundamental à vida humana. O jornalismo aqui presente busca explorar as diversas facetas do Agronegócio Brasileiro: da produção familiar e em cooperativas ao investimento tecnológico e os desafios sustentáveis, das dificuldades de logística e desperdício de alimentos ao uso de transgênicos e defensivos agrícolas.

Da mesma forma que Jorge Ben se inspirou nas potencialidades brasileiras, nós, da redação, queremos destacar uma dentre outras tantas possibilidades de crescimento e desenvolvimento do país. Agora que já sabe se relacionar com o solo, é tempo de o homem investir em seu conhecimento para descobrir as melhores maneiras de explorar sua natureza a fim de sempre dar e nunca deixar faltar.

Os desafios são imensos e as controvérsias mais ainda. Reverter o cenário que já se instau-rou não é mais possível. Gostando ou não, o agronegócio é a realidade de um país bonito por natureza, e que junto com o seu povo, quer e precisa ser ainda mais abençoado.

Da redação

ExpedientePublicação realizada por estudantes do 4º termo de Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

(FAAC UNESP-Bauru), para as disciplinas de Impresso e Planejamento Gráfico.

Índice3

Feirante mundial, sim senhor!Esclarecendo mitos sobre o

agronegócio

4Um problema inadmissívelNo Brasil desperdiça-se comida

suficiente para alimentar 19 milhões de pessoas

Um por todos e todos por umCooperativas beneficiam

pequenos produtores

5Um Brasil na contramãoCalcanhar de Aquiles da área

é a Logística

6 Do arado às grandes máquinas

Tecnologia aumenta produção e, consequentemente, lucros

8As famílias que

alimentam uma naçãoPequeno produtor é fundamental para abastecer mercado interno

9Dos laboratórios para as lavouras

Prós e contras da produção de alimentos transgênicos

10Um mal necessário

Agrotóxicos e a sua necessidade

11Para consumir e exportar

Cana pode ser considerada o “ouro verde” do país

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Reitor: Julio Cezar Durigan

Diretor da FAAC: Roberto Deganutti

Coordenação do Curso: Juarez Tadeu de Paula Xavier

Chefe do Departamento de Comunicação Social: Ângelo Sottovia Aranha

Orientação: Ângelo Sottovia Aranha e Tássia Zanini

Diagramação e Infografia: Jéssika Elizandra

Reportagens: Ana Carolina Monari; Augusto Junior; Bianca Teixeira Morelli; Camila Nascimento David; Caro-line Lima; Jéssika Elizandra; Juliana Garcia; Maria Letícia Marques; Tayane Abib; e Wanessa Medeiros

Endereço: Av. Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Vargem Limpa - Bauru - SPTelefone: (14) 3103-6000 Ramal: 6066

Page 3: Terra Dourada

4 Novembro 2012 • Terra Dourada Terra Dourada • Novembro 2012 5

Obje�vos que o governo pretende a�ngir com o Programa de Inves�mento em Logís�ca *

modalaquaviário

modalferroviário

modalrodoviário

60%

25%

14%

30%

35%

29%

20252015

Um por todos, todos por umCooperativas agrícolas geram mais de 100 milhões de empregos

Juliana Garcia e Maria Letícia Marques

Um problema inadmissívelA produção é altíssima, mas o acesso à comida é cada vez mais

difícil e o destino dos alimentos é o lixoCamila Nascimento David

Muito se fala sobre o cooperativismo agrícola, mas poucos sabem definir o

seu real significado. As cooperativas são um tipo especial de empresa social que equilibra os objetivos de satisfazer as necessidades de seus membros e, ao mesmo tempo, procurar o lucro e a sustentabilidade. Podem, tam-bém, assumir outros nomes e formas, como organizações de produtores, grupos de ajuda mútua, associações e federações de produto-res ou câmaras de agricultura.

Essa forma de trabalho surgiu há aproxima-damente 200 anos, em Manchester, na Ingla-terra. Em 1844, cerca de 28 tecelões se uniram com o objetivo de driblar os efeitos da revolu-ção industrial, e com isso deu-se início à pri-meira cooperativa instituída no mundo. Para o Pesquisador e Assistente de Desenvolvimento Agrário no INCRA-SP, Ralph Panzutti, “o sur-gimento do cooperativismo é visto como um movimento de reação aos problemas econômi-

cos e sociais que surgiram no século XIX com o advento do capitalismo na Europa”.

Mais de 800 milhões de pessoas estão associadas a algum tipo de cooperativa, o que corresponde a 12% da população mun-dial, segundo dados da Aliança Cooperati-va Internacional (ACI). Somente no Brasil, são 7.261 cooperativas, com 8 milhões de associados e cerca de 275 mil trabalhadores distribuídos em 13 ramos.

O cooperativismo é uma das maneiras mais eficientes do produtor se beneficiar no processo de compra e venda. “Nesse sistema, os orga-nizadores são os próprios produtores, que têm objetivos comuns: comercializar a produção, comprar insumos e ingressar no processo de agroindustrialização”, afirma Panzutti. O siste-ma de cooperativas favorece, principalmente, os pequenos produtores, que ficam diretamente inseridos no mercado, já que o lucro não é reti-do por intermediários.

No Brasil, as cooperativas movimentam a economia e são responsáveis por 40% do PIB agrícola e 6% do total das exportações na área. Segundo André Luiz Reis, Presi-dente da Cooperativa de Produtores de Café Especial de Boa Esperança, “elas são funda-mentais nas comunidades em que estão inse-ridas, devido à distribuição de renda. O ca-pital fica na região, gerando mais empregos nos comércios locais, diferentemente das grandes empresas, que subtraem esse capital levando-o para outros lugares”.

As cooperativas exercem um papel fun-damental no cenário do agronegócio bra-sileiro, e estão em constante ascensão, se adaptando às novas formas de produção. Por se tratar de um sistema aceito por todos os governos e reconhecido como fórmula de-mocrática para a solução de problemas so-ciais e econômicos, o cooperativismo brasi-leiro tem conquistado um espaço próprio.

Conhecido mundialmente por ser um grande produtor agrícola, o Brasil sofre

um grave problema que prejudica o cenário social do país: com milhares de pessoas pas-sando fome, as perdas de alimentos se dão das mais variadas formas.

Cerca de 10% nem chegam a sair do campo por conta de erros no cultivo como a falta de preparo do solo, fator decisivo para uma boa produção. Nos supermercados e nas mãos dos consumidores a taxa de per-da de alimentos também é de 10%, é muito recorrente que acabem estragando por não serem vendidos ou por não serem consumi-dos no tempo adequado. Em segundo lugar, com 30% dos alimentos desperdiçados, vêm as centrais de abastecimento (por exemplo, o CEASA) onde por conta da falta de pesso-al habilitado os produtos acabam sofrendo danos e não servem mais para comercializa-ção. Mas o campeão no detrimento dos ali-mentos é o transporte. Normalmente é feito por caminhões sem a segurança necessária para suportar o peso carregado, entre outros fatores que acabam ocasionando acidentes

nas rodovias onde, geralmente, toda a carga é perdida, ou tem de ser descartada por conta de possíveis contaminações.

A principal consequência desse alto nível de desperdício é a alta no preço dos produ-tos, o que ocasiona a dificuldade das classes mais baixas para consumir hortifrutigranjei-ros. E não é preciso ser um grande especia-lista para entender que esses alimentos ca-ros, que acabam não sendo vendidos, tem o lixo como destino final.

“O que todos deveriam refletir é que não adianta aumentar a produção agrícola do país sem diminuir as perdas, pois dessa maneira estaremos jogando fora cada vez mais pro-dutos e nunca diminuiremos os custos a um nível compatível com a realidade econômica e poder aquisitivo da população brasileira”, relata o pesquisador da Embrapa, Antônio Gomes Soares, em seu artigo “Desperdício de alimentos no Brasil – um desafio político e social a ser vencido”.

ConscientizaçãoConsiderando as taxas preocupantes

de perdas de alimentos, algumas entidades criaram programas que visam diminuir esse problema social.

O Serviço Social da Indústria (SESI) criou em 2004 o programa “Cozinha Brasil – Alimentação Inteligente” em apoio ao pro-grama Fome Zero do governo federal. A ini-ciativa conta com unidades móveis com co-zinhas devidamente equipadas para ensinar à população receitas diferenciadas que utilizam as partes dos alimentos que geralmente são descartadas, como cascas e talos.Já o projeto “Mesa Brasil” é uma iniciativa do SESC e tem como objetivo recolher ali-mentos que seriam descartados nas centrais de abastecimento, restaurantes, indústrias de alimentos e associações de produtores rurais, entre outras empresas, para que sejam doados a entidades sociais que atendem pessoas ca-rentes. Porém essa doação tem cunho judicial complicado, pois de acordo com a legislação a saúde e bem estar dessas pessoas após con-sumirem as comidas doadas é de responsabi-lidade dos doadores. Assim, muitas empresas deixam de doar temendo processos judiciais.

Um Brasil na contramãoEscoamento por rodovias causa

desperdício de até 30% da produção agrícolaBianca Teixeira Morelli

O agronegócio tem um papel muito impor-

tante na economia tanto mundial quanto interna. No Brasil, a atividade re-presenta mais de um terço das riquezas geradas no país, além de ser a nossa base econômica.

O país das mais belas paisagens naturais tem por vocação a agricultura, sua extensão territorial e seus diversos climas favorecem essa característica econô-mica nata. Contudo, ao lon-go da produção, do escoa-mento e do consumo desses produtos é possível apon-tar erros, os quais, pouco a pouco, contribuem para um desperdício inaceitável.

Quando se discute des-perdícios o foco é, geralmen-te, a perda que acontece na mesa do consumidor. Porém, o desperdício começa muito antes de che-gar a ele. Algumas situações são impossíveis de serem previstas, e mais difíceis ainda de serem evitadas, contudo, existem certos vilões do des-perdício que podem e devem ser banidos ou, ao menos, melhorados. Dentre eles está o falho es-quema de circulação dos produtos agrícolas.

Vitório Donato, pós-graduado em Logís-tica na Universidade Estácio de Sá, aponta dados preocupantes: “Cerca de 10% da nos-sa safra de grãos é perdida anualmente por deficiência logística (infraestrutura ou baixo nível de educação técnica dos que trabalham nas diversas etapas da cadeia logística). Se formos para a área do hortifrúti as perdas chegam a 30%”.

Embora os dados oficiais informem que cerca de 60% de nossas cargas sejam mo-

vimentadas por rodovias, na prática, os nú-meros reais mostram muito mais que isso, talvez perto de 85%. A alta taxa de utiliza-ção do transporte rodoviário pode ser expli-cada pelo fato dele ser o mais disponível, e os outros meios, como o ferroviário e o hidroviário, serem esquecidos.

Segundo Ricardo Martins, professor de Operações, Logística e Supply Chain, da Ce-pead/UFMG, chegamos a esta situação por razões históricas: “Nossas ferrovias unem o interior a um ponto do litoral, ou seja, senti-do oeste-leste, sendo incapaz de atender uma boa parte de nossa demanda. Nos restando mesmo as rodovias”.

Vocação Marina Rocha, uma das autoras do artigo

“Desempenho logístico e inserção econômi-

ca do agronegócio da soja: as transformações no escoamento da safra”, e Sueli Alves Morei-ra Souza, Economista e Pesquisadora Científica do Instituto de Econo-mia Agrícola, garantem que o ideal seria estimu-lar a construção e/ou re-cuperação de ferrovias e hidrovias, o que já ocor-re no resto do mundo, e explicam: “Os modais ferroviário e hidroviário são mais adequados para o transporte de produtos agrícolas devido às ca-racterísticas das cargas e movimentações no Bra-sil, ou seja, grandes vo-lumes, com concentração em curtas épocas do ano, baixos quocientes valor/

frete das mercadorias e longas distâncias”. Conforme estudos na área, o transporte por hidrovias, por tonelada transportada, é 40% mais barato que o rodoviário e 20% mais ba-rato que o ferroviário.

Investir em diferentes opções para o escoamento da produção agrícola é ape-nas aceitar a vocação do país, afinal são 8 mil quilômetros de costa (10 mil km se considerarmos a extensão do rio Ama-zonas até Manaus) e 38 mil km de vias navegáveis, e uma extensão territorial de mais de oito milhões de Km². Apesar dos inúmeros pontos positivos encontrados no transporte ferroviário e hidroviário, essas modalidades encontram resistência em temáticas ambientais e de interesses políticos, dificultando ainda mais a evo-lução desses meios.

Os mais desperdiçados são...

50 %45 %40 %40 %40 %

© Jéssika Elizandra

• estudar a logís�ca brasileira• antecipar inves�mentos

• estruturar projetos• atrair a inicia�va privada

O programa prevê, ainda, a criação da Empresa de Planejamento e Logís�ca, de 9 trechos rodoviários e 12 ferroviários *

* Fonte: Sofit4

Obje�vos da

EPLBR-040 DF/GO/MG

BR-050 GO/MG

BR-060 DF/GO

BR-101 BA

BR-116 MG

BR-153 TO/GOBR-153 GO/MG

BR-163 MT

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BR-153BR-101

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BR-262

BR-262 ES/MG

BR-262 MS

BR-262 MS

BR153

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BR-040BR-163 MS

Page 4: Terra Dourada

6 Novembro 2012 • Terra Dourada Terra Dourada • Novembro 2012 7

Agricultura desafia agrônomos, políticos e todos os brasileirosDo arado às grandes máquinas:

Bianca Teixeira Morelli, Caroline Lima, Tayane Abib e Wanessa Medeiros

Nos últimos quarenta anos, o agronegó-cio brasileiro tem assistido a avanços

verticais na cadeia produtiva, resultado di-reto da inserção da tecnologia nos proces-sos agrícolas. Do preparo do solo à planta-ção e colheita, a mecanização das técnicas tornou-se parte da rotina produtiva do agricultor. A modernização dos processos vai além da qualidade e eficiência no re-sultado final. As consequências implicam também uma mudança do perfil do traba-lhador e das empresas, em uma crescente necessidade de adaptação e capacitação do profissional do campo.

Em uma agricultura muito mais empre-sarial com altos investimentos, maquinários modernos e mais rápidos tomam o espaço do trabalho manual, em uma transição cujo objetivo é atender à demanda produtiva. O agricultor, que antes plantava, esperava e colhia, agora assume outras funções. Com computadores de bordo, informações instan-tâneas sobre o cultivo e colheita, e utilização de novas técnicas de plantação, o trabalha-dor passa a interferir na produção de maneira menos braçal e mais decisiva. Assim pensa Vander Renato Giacon, Agricultor há cerca de 20 anos. Tendo como principal cultivo o pimentão, ele sente as consequências das inovações tecnológicas na necessidade de um trabalho com interferências diárias. “A diferença entre aquela época de plantio ma-nual e agora é muito grande. Hoje temos que seguir e nos adaptar às novas tecnologias, se não ficamos fora do mercado”, comenta.

De acordo com o chefe do Departamen-to de Engenharia Rural da UNESP de Ja-boticabal, Rouverson Pereira da Silva, o impacto da tecnologia no que se refere à mecanização agrícola é, sobretudo, social. Ao utilizar uma colhedora, por exemplo, o trabalho de 80 a 100 homens é substitu-ído. “A consequência são os trabalhadores braçais procurando outros tipos de empre-go, havendo, portanto, a necessidade de se criar condições de capacitação desses tra-balhadores para exercerem outras funções no meio rural”, argumenta.

CapacitaçãoAcompanhando essa crescente tendência

do agronegócio brasileiro de aplicar a tecno-logia nos procedimentos produtivos, aumenta a exigência de mão de obra especializada e treinada para a operação de máquinas mo-dernas e controle de processos cada vez mais complexos. “Os novos empregos a serem ge-rados demandam maior nível técnico, sendo que programas de treinamento têm se difun-dido, para solucionar as dificuldades que se têm encontrado na contratação de mão de obra capaz e com escolaridade para os cargos existentes”, explica o orientador do Grupo de Estudos em Cana-de-Açúcar da ESALQ/USP, Edgar Gomes Ferreira de Beauclair.

Com a missão de desenvolver na área ações de formação profissional e atividades de promoção social, foi criado, em 1991, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), uma instituição de direito priva-do e paraestatal. Com programas de inclusão digital e empreendedorismo rural, o SENAR busca profissionalizar o trabalhador e assim incentivar sua inserção nos processos meca-nizados da agricultura.

Sustentabilidade Para movimentar o agronegócio, setor

correspondente a 26% das exportações, é necessário usar recursos naturais e tecnoló-gicos. Então o atual desafio do Brasil é inse-rir práticas sustentáveis no setor, o que exige equilíbrio entre as áreas de conservação da biodiversidade e de produção agrária.

Nas melhorias das condições socioeco-nômicas, levando em consideração a questão humana, há uma série de conflitos entre agro-negócio e sustentabilidade. Porém, “o que ainda falta no Brasil é uma fiscalização mais eficaz e severa, por parte dos órgãos dos go-vernos e uma atuação mais eficiente dos cen-tros de pesquisa, na busca de novas soluções para as questões ainda pendentes no setor”, critica Adalberto Cunha, Mestre em Desen-volvimento Regional e Meio Ambiente.

Ainda de acordo com Cunha, algumas áreas do agronegócio não se adéquam às

práticas sustentáveis, gerando uma rela-ção muito delicada. Um delas é o modelo de grandes grupos que dominam as cadeias produtivas e colocam os pequenos e médios produtores em segundo plano. Há também o uso de produtos tóxicos ou agressivos para o meio ambiente e para o homem e um grande conflito entre a produção (que visa o aumen-to dos os lucros) e a preservação. Devido às grandes pressões dos consumidores e de ONG`s ligadas ao setor, já é possível encon-trar alguns grupos que buscam o equilíbrio.

Próximos anosSegundo Gislaine Balbinot, Assessora de

Comunicação da Associação Brasileira do Agronegócio, o setor tem contribuições para a sustentabilidade e metas estabelecidas para os próximos anos. Duas delas são reduzir a taxa de desmatamento em 80% no Amazonas e 40% no Cerrado e ampliar a eficiência ener-

gética, fazendo uso de biocombustíveis e de fontes renováveis (como a eólica e a hidrelé-trica). Juntas, as duas medidas podem impe-dir a emissão de 686 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Há também seis objetivos para 2020: plantio direto na palha; recuperação de áreas degradadas; integração entre lavoura, pecuária e floresta; plantio de florestas comerciais; fixação biológica do ni-trogênio; e tratamento de resíduos animais.

O agronegócio brasileiro já evolui em pontos como a aplicação de tecnologias de produção menos agressivas e que mantêm as qualidades do solo e da água, o uso de equipa-mentos modernos com menores impactos no campo, os plantios consorciados que reduzem os desgastes comuns do solo, a manutenção das áreas obrigatórias para conservação das florestas e água, o uso de defensivos agríco-las menos agressivos e mais eficazes e o uso de sementes mais eficientes, que aumentam a

produtividade nas mesmas áreas. Alguns as-pectos ainda devem ser questionados: o uso duvidoso das sementes transgênicas; o confli-to entre as empresas e os trabalhadores com a redução da mão-de-obra por conta do au-mento da tecnologia; e as monoculturas ex-tensivas, que podem causar a destruição da biodiversidade em determinadas regiões.

Mudar para crescerO agronegócio corresponde a 1/3 do Pro-

duto Interno Bruto do Brasil (PIB). Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO/OCDE), organização ligada a ONU, a pro-dução agropecuária nacional poderá crescer em torno de 37% nos próximos 10 anos. “É preciso resolver questões que são entraves no crescimento e eficácia do setor”, lembra Ta-nice Andreatta, Doutora em Economia Rural, para quem “apesar dos avanços alcançados, o Brasil precisa investir mais em tecnologias e em formas de produção mais limpas. O agro-negócio deve ser capaz de fornecer alimentos para a população mundial, mas também ter ações concretas no que se refere às questões sociais e ambientais”.

Tecnologia, a chave da ascensãoO uso dessa ferramenta na produção e no

cultivo agrário tem como princípio aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos produtos, tanto para o mercado interno quan-to para a exportação. A tecnologia permite que em um espaço menor se consiga produzir muito mais, como exemplifica Beauclair: “O emprego de tecnologias possibilitou que, uti-lizando apenas 9% do território, por exemplo, a área plantada com oleaginosas aumentasse 27% e a produção 213%, ou seja, a produtivi-dade aumentou em 2,5 vezes”.

Como consequência, há também a dimi-nuição do número de trabalhadores sem espe-cialização e o aumento da procura por mão-de-obra especializada. No caso da colheita mecanizada, as máquinas agrícolas chegam a substituir até 100 trabalhadores. Assim, os novos empregos a serem gerados exigem maior nível técnico dos trabalhadores, além

de mudanças e adequações na produção. Para isso, certas empresas oferecem programas de treinamentos para que os antigos trabalhado-res se realoquem em outra área do processo.

Nesse ambiente tecnológico agrícola, o Brasil vem ganhando espaço e se tornando referência em relação ao sistema de produ-ção. Um exemplo disso são as entidades de pesquisas agropecuárias criadas, como a Em-presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e os estudos desenvolvidos nas universidades do país. Esses investimentos têm como objetivo “contribuir para transfor-mar os biomas brasileiros através da expansão das fronteiras agrícolas, não visando apenas à produção, mas também uma produção que gere resultados com sustentabilidade social, econômica e ambiental”, defende o pesquisa-dor da ESALQ-USP, Fábio Luiz Consoni.

Agregando valor à produçãoAtualmente, o país investe em pesqui-

sas nos setores relacionados ao agronegócio, como ressalta o professor Wanderley José de Melo, da UNESP: “na geração de álco-ol combustível, por exemplo, o Brasil é dos mais desenvolvidos do mundo e técnicos de outros países vêm para cá em busca de conhe-cimento”. Contudo, tal avanço ainda não é o suficiente para a demanda.

O cenário é positivo e algumas empresas brasileiras estarão se destacando no mercado interno e externo, no entanto, o país ainda é dependente de tecnologias estrangeiras, como fertilizantes, defensivos e mecanização.

Dessa forma, empresas do exterior veem no Brasil uma possiblidade de ex-pansão de seus negócios e acabam fazen-do com que as nacionais deixem de ser competitivas e percam espaço no merca-do mundial. Ou seja, além do incentivo às pesquisas e experimentos nos processos de produção, há a necessidade de investimen-tos também no processo de criação de no-vas tecnologias para que a importação seja menor e, em um futuro próximo, se possa agregar valor aos nossos produtos, deixan-do de exportar apenas matéria-prima.

© Ig

epri

© Laboratório de Máquinas e Mecanização Agrícola (LAMMA)

Page 5: Terra Dourada

8 Novembro 2012 • Terra Dourada Terra Dourada • Novembro 2012 9

Dos laboratórios para as lavourasFunções e história dos transgênicos no Brasil

Augusto Junior e Maria Letícia Marques

Por serem pouco conhecidos pela popula-ção brasileira, os transgênicos ainda são

objeto de discussão e receio. Afinal, muito se fala sobre esses organismos geneticamente modificados, mas poucos são aqueles que re-almente sabem quais são as suas finalidades.

Transgênico é uma palavra sucinta para se referir à “Organismo Geneticamente Mo-dificado”. Esses organismos são fruto da tec-nologia do DNA recombinante, criada em 1973, que permite a transferência de material genético entre espécies. Segundo Walter Colli, Doutor em Biotecnologia, “o termo transgêni-co está profundamente ligado a uma técnica ou metodologia que é, simplesmente, a de isolar um gene de um organismo e introduzi-lo em outro visando uma vantagem, econômica, de segurança alimentar, de saúde, de obtenção de medicamentos mais seguros, entre outras”.

Desse modo, pode-se perceber que esses organismos foram idealizados para contri-buir para o bem estar do ser humano, me-lhorando sua qualidade de vida. “O primeiro transgênico utilizado para fins comerciais, foi uma bactéria que recebeu o gene da in-sulina humana e a produz para o tratamento de diabéticos”, afirma a doutora em Biolo-gia Funcional e Molecular, Luciana Di Cie-ro. Após ser utilizada para o tratamento do diabetes, a agricultura percebeu que a tec-nologia do DNA recombinante seria uma excelente ferramenta para realizar o melho-ramento genético de plantas. “A primeira planta transgênica utilizada comercialmente foi um tomate mais resistente, que demora-va mais para apodrecer. A partir daí, muitas plantas foram melhoradas com a introdução de características de interesses agronômicos e nutricionais para resistirem a pragas e do-enças, aumentar o teor de compostos benéfi-cos a saúde, entre outros”, aponta a Bióloga.

Há um intenso conflito entre defensores e críticos da tecnologia transgênica. Para a Doutora em Saúde Pública, Maria Clara Co-elho Camara, “grande parte dessa polêmica emerge da falta de informações completas e confiáveis sobre situações de risco, benefí-

cios e limitações dessa aplicação”.

Verde e Amarelo Atrás apenas dos Estados Unidos, o

Brasil é hoje o segundo maior produtor de transgênicos do mundo. Enquanto na terra do Tio Sam a última safra de orga-nismos geneticamente modificados ocu-pou 69 milhões de hectares, na terra do futebol foram 30 milhões.

Porém, bem antes de alcançar a vice-lide-rança, a relação entre o Brasil e os transgêni-cos era outra. Na década de 90, como explica Colli, agricultores do sul contrabandeavam soja modificada vinda da Argentina. “Essa soja passou a se denominar soja Maradona”, conta. Até então, os transgênicos ainda não eram regulamentados. Em 1995, sua comer-cialização foi proibida pelo Instituto Brasi-leiro de Defesa do Consumidor (IDEC), em-bargo este que foi derrubado em 2003, com a edição de uma nova Medida Provisória (MP) para autorizar a comercialização.

Toda essa novela só teve fim em 2005, quando o congresso aprovou a Lei de Bios-segurança (11.105/05), a qual, além de re-gulamentar as pesquisas nas áreas de biotec-nologia, também instaurou a nova Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio). Segundo o Biotecnologista, essa co-missão é a responsável pela liberação da produção de organismos geneticamente mo-dificados em nosso país, e tem como objetivo assegurar que um determinado produto não causará danos à saúde e ao ambiente.

Um dos motivos para o Brasil adotar essa tecnologia é a facilidade trazida por ela ao agricultor, já que eles não precisam mais se preocupar tanto em proteger as plantações de pragas. “Além disso, os que plantam transgênicos têm de 10 a 25% mais rendimento do que os que não plantam. Pelo fato de terem que roçar menos não usam tratores e, portanto, gastam menos óleo diesel (poluindo menos o ar com gás carbônico), e usam menos água por usarem menos agrotóxicos”, diz Colli.

Em países como Argentina, Índia, Cana-dá, China, Paraguai e Uruguai os transgênicos foram bem recebidos, além, claro, dos EUA. Muitos outros não manifestam sua oposição a esses organismos.

Quais são?A CTNBio já aprovou no Brasil 18 va-

riedades de milho, 5 de soja, 8 de algodão, uma de feijão e 14 de vacinas. Porém, não há como dizer qual é a quantidade desses produ-tos consumida diretamente pelo homem, uma vez que boa parte é destinada à alimentação animal e também utilizada como matéria-pri-ma para outros alimentos.

Há uma lei que determina que os produ-tos que contenham mais de 1% de transgêni-co devem ter estampado em sua embalagem um triângulo amarelo com um T em preto no centro. Na opinião de Colli, “essa provi-dência é um exagero, porque nos saquinhos de camarão não está escrito que ele pode ser altamente alergênico, nem quando compra-mos kiwi -vindo da Ásia e que plantamos alegremente no Brasil- que ele também pode ser alergênico. No entanto, se há uma lei, de-vemos obedecê-la”.

Portanto, a única forma de identificar se um produto contém transgênicos ou não é por meio da informação do fabricante ou por aná-lise química das agências fiscalizadoras.

FuturoEssa tecnologia veio para ficar, é o que

afirmaColli. Quanto ao futuro dos organis-mos geneticamente modificados, o pesquisa-dor conta que haverá alimentos mais ricos em substâncias essenciais. Exemplo disso é a alface que vem sendo desenvolvida pela EMBRAPA, e que será rica em ácido fóli-co. “Esse ácido é fundamental para o fecha-mento do tubo neural no 23º dia de gravidez, quando normalmente a mãe ainda não sabe que está grávida. Quando essa alface esti-ver no mercado certamente teremos menos anencéfalos e portadores de spina bífida”, explica o Biotecnologista.

As famílias que alimentam uma naçãoÉ do pequeno agricultor a função de abastecer o mercado interno

Caroline Lima e Tayane Abib

Acostumado a se questionar sobre o va-lor nutritivo dos alimentos, nem sem-

pre o brasileiro, ao fazer uma refeição, está habituado a considerar as etapas produtivas dos itens que compõem o seu cardápio. Cor-riqueiramente utilizados no preparo de um prato, os principais produtos de uma ces-ta básica, como o arroz e o feijão, recebem influência direta do trabalho de pequenos agricultores que, mesmo em disputa com as indústrias do agronegócio, garantem seu es-paço na economia nacional.

O agricultor familiar deve atender a três requisitos para ter sua prática garantida cons-titucionalmente, isso desde 2008: não possuir propriedade rural maior que quatro módulos fiscais, contar predominantemente com a mão-de-obra da própria família e ter a maior parte da renda proveniente das atividades agropecuárias desenvolvidas em seu sítio.

Em oposição ao papel majoritário desem-penhado pelo agronegócio na exportação de commodities, os pequenos empreendedores rurais se destacam pelo fornecimento de pro-dutos ao mercado interno. Com uma participa-ção de 70% na produção dos alimentos consu-midos pelos brasileiros, a agricultura familiar corresponde a um terço da receita dos estabelecimen-tos agropecuários do país e emprega 74% dos trabalha-dores do setor. Em determi-nadas cadeias produtivas, como a da mandioca, do leite e de aves, por exem-plo, a atividade demonstra sua importância na geração de mais da metade do valor bruto da produção.

A agricultura familiar recebe uma média anual

de R$ 15 bilhões do Governo Federal para in-vestimento em safra. No entanto, José Hum-berto Xavier, Pesquisador da Empresa Brasi-leira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), observa que o apoio não deve se resumir à concessão de créditos subsidiados: “Deve-mos ter políticas articuladas que contemplem a melhoria da qualidade de vida dos agricul-tores e de suas famílias, e isso engloba mais do que os aspectos produtivos”.

Nesse sentido, além de alocar recursos e aplicá-los na produção, as entidades federais de-veriam disponibilizar assistência técnica cons-tante e de qualidade, capacitação gerencial e infraestrutura aos pequenos agricultores, já que, segundo o Censo Agropecuário de 2006, entre as 11 milhões de pessoas do segmento familiar, um pouco mais de quatro milhões de pessoas (37%) declararam não saber ler e escrever.

Para preencher essa lacuna, as coopera-tivas tornaram-se espaços privilegiados não só para a discussão de temas técnicos, mas também para a troca de conhecimentos, resul-tante da diversidade de experiências entre os participantes. “As associações se transforma-ram em instrumentos valiosos para a solução de problemas no campo da saúde e da educa-

ção, indissociáveis do avanço tecnológico na busca do desenvolvimento”, explica Xavier. Políticas de investimento agrário

Entre passos curtos e longos, o Governo Federal realiza projetos de incentivo e desen-volvimento à agricultura familiar. No final de 2011, o Ministério do Desenvolvimento Agrário lançou o programa Rede Brasil Ru-ral, em uma iniciativa de oferecer oportuni-dades de comercialização dos produtos do segmento através de uma plataforma virtual. A intenção do projeto é permitir que o con-sumidor compre diretamente dos pequenos produtores via internet.

Outra modalidade de mercado também foi criada recentemente para o setor familiar. Em setembro de 2012, entrou em vigor uma mo-dalidade que permite ao pequeno agricultor a venda de sua produção para instituições pú-blicas que oferecem refeições regulares. Com a nova medida, além das escolas públicas, que já investem cerca de 30% da renda destinada à merenda em produtos familiares, as compras poderão ser feitas por presídios, restaurantes universitários, quartéis e hospitais, visando aumentar o acesso a produtos diversificados

e mais saudáveis. Para os pequenos produtores, o benefício está em um au-mento significativo de até oito mil reais anualmente, prevê a Resolução do Gru-po Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), coordenado pelo do Ministério do Desen-volvimento Social e Com-bate à Fome, em parceria com Ministério do Desen-volvimento Agrário.

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Ao centro, Elisa Paes de Oliveira, acompanhada do genro Antonio Ferreira da Silva, e da filha Lucimara

Paes da Silva, vendem na feira as hostaliças que produzem em lote de terra, em Ibiúna.

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$ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $ $Crédito acessível

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) financia projetos individuais ou coletivos dedicados à agricultura familiar. Esse programa oferece facilidades como baixas taxas de juros em financiamentos ru-rais e pequenas taxas de inadimplência entre os sistemas de crédito. Para fazer parte do projeto, a família envolvida na agricultura deve decidir em que âmbito o crédito será usado: para custeio de safra, investimento em máquinas, infraes-trutura, entre outros. Em seguida, o pequeno produtor deve procurar um sindi-cato rural que emitirá uma declaração baseada na renda anual e nas atividades exercidas. Após o procedimento, o agricultor com CPF regularizado e livre de dívidas será encaminhado para as linhas de crédito a que tem direito. Anual-mente, o Plano Safra da Agricultura familiar é divulgado com as formas de pa-gamento, taxas de juro e condições de acesso atualizadas.

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Prós

• Expansão do conhecimento científico

• Sementes com qualidade nutritiva aumentada

• Aumento e melhoria na produtividade pela maior resistência a doenças e pragas

• Redução de custos

• Utilização de tecnologias que permitem o uso mais eficiente do solo, como o plan-tio direto, evitando a erosão

Contras

• Ignora os agrossistemas sustentáveis e os possíveis efeitos de seu uso no ambiente

• Só atende os grandes produtores

• Aumento do número de casos de alergias

• Insetos mais resistentes

• Perda de biodiversidade e erosão genética

• Surgimento de “super” ervas daninhas

Fontes: Luciana Di Ciero e Maria Clara Coelho Camara

Page 6: Terra Dourada

10 Novembro 2012 • Terra Dourada Terra Dourada • Novembro 2012 11

Para consumir e exportarEstado de São Paulo garante 50% da produção de cana do país

Ana Carolina Monari e Wanessa Medeiros

A cana foi trazida para o Nordeste bra-sileiro pelos portugueses, em meados

do século XVI, com a finalidade de ser a matéria-prima do açúcar, produto que nos-sos colonizadores queriam exportar para os países europeus. Hoje, porém, 55% da produção da fruta dá origem ao álcool (ou etanol), que, sendo um combustível alter-nativo, contribui para o desenvolvimento sustentável de energia.

A produção de cana localiza-se em maior extensão na região interiorana de São Paulo, com destaque para os municípios de Piracica-ba, Ribeirão Preto e Araçatuba. Nessas áreas, em geral, o processo é altamente mecanizado (faz-se uso de tecnologia de ponta) e tem ele-vada produtividade, se comparado às demais regiões produtoras brasileiras.

O plantio dessa cultura no Centro-Sul do país é realizado durante todo o ano, já que o espaço disponível é vasto, o solo arenoso e fértil, e as condições climáticas são favoráveis para a alta produtividade, sendo a colheita mecanizada em cerca de 75% das áreas canavieiras. Já no Nor-deste, “a área cultivada de cana apresenta uma situação diversa, uma vez que o plan-tio se dá em locais com relevo ondulado, o que impede a mecanização. Além disso, a região apresenta pouca área de expansão frente ao grande percentual de espaços não mecanizados”, explica Fabio Luiz Consoni, do Grupo de Estudos em Cana de Açúcar (GECA) da ESALQ-USP. A produtividade paulista é pouco inferior à obtida nas novas regiões de produção do Cerrado brasileiro (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Sul de Goiás e Sudoeste de Minas Gerais). Apesar de essas novas usinas construídas apresen-tarem alto nível tecnológico, com colheita e plantios mecanizados e produção de ener-gia elétrica altamente eficiente, “a grande

dificuldade encontrada é a de que os solos disponíveis para a ocupação são de baixa fertilidade e há falta de mão-de-obra espe-cializada para a operação das colhedoras e tratores; além da distância das áreas consu-midoras de açúcar e álcool no país, que se encontram, sobretudo na região Sudeste”, avalia o Pesquisador do GECA-USP.

Commodity agrícolaO Brasil é o maior produtor de cana do

mundo. Tratando-se de seus derivados, o açúcar brasileiro tem como principais des-tinos Rússia, Índia, Emirados Árabes e Ni-géria, enquanto o etanol é exportado para Estados Unidos, Japão, Holanda e Suécia. O cultivo dessa cultura apresenta maior visibi-lidade na esfera econômica quando se trata da exportação de etanol, uma vez que a te-mática da sustentabilidade está tão inserida nos contextos político e social.

O setor sucroenergético representa 15% da matriz energética brasileira e movimen-

ta cerca de US$ 48 bilhões de dólares. Pode chegar a gerar mais de um milhão de empre-gos por ano, apesar da participação de traba-lhadores vindos de outras partes do país para São Paulo estar caindo fortemente no setor, devido ao avanço da colheita mecanizada, segundo informações da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP).

As diferenças entre o custo de produção da colheita manual e da mecanizada, além da rapidez e eficiência da produtividade, fize-ram com que o campo dependesse cada vez mais da tecnologia, substituindo-se a mão-de-obra humana nas lavouras por máqui-nas. Essa mudança no processo de produção também possibilitou um cultivo mais sus-tentável, já que a mecanização da colheita dispensa a queima do canavial. “Além dis-so, a palhada que é queimada para a colheita pode ser utilizada na cogeração de energia pela queima na caldeira junto ao bagaço, du-rante o processo industrial sucroenergético, havendo a possibilidade de comercialização dessa energia”, explica o Engenheiro Agrô-nomo especializado em Planejamento e Pro-dução Sustentável de Cana de Açúcar, Edgar Gomes Ferreira de Beauclair.

Com os altos preços do petróleo (> US$ 40/barril), houve maiores incentivos ao programa do etanol e, além da questão econômica, também ganha importância a ecológica. A biomassa da cana pode ser uma alternativa viável porque usará uma energia limpa e renovável para a fabricação de açú-car, etanol, energia elétrica e biodiesel a par-tir do bagaço da cana. Dessa forma, “a maior expectativa do Brasil, é que seja estabeleci-do um mercado global para o etanol como commodity agrícola, possibilitando uma maior movimentação na economia brasilei-ra e contribuindo para um modelo sustentá-vel de produção mundial”, avalia Beauclair.

Um mal necessárioApesar dos pontos negativos, os

defensivos agrícolas garantem grande parte da produção Ana Carolina Monari e Camila Nascimento David

O consumo de alimentos que foram cul-tivados com o uso de defensivos agrí-

colas pode causar vários efeitos colaterais e doenças como diarreia, vômitos, problemas renais e até câncer. Mas, em contrapartida, sem a utilização desses produtos cerca de 40% dos alimentos produzidos no mundo seriam perdidos, segundo dados da Organi-zação das Nações Unidas (ONU). O agro-tóxico é um mal necessário para manter a produção em níveis elevados sem a infesta-ção de pragas, doenças, fungos e ervas da-ninhas. Assim, os preços também podem se manter estáveis de maneira que não afetem o bolso do consumidor final. O professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Nildimar Gonçalves Madeira, cita que o Brasil é o maior consumidor de defen-sivos agrícolas no mundo. Apesar do Minis-tério da Agricultura trabalhar na fiscaliza-ção sobre a legislação vigente para compra, venda, manuseio e descarte, o alto índice de consumo no Brasil está intimamente ligado à venda clandestina dos produtos. “Devido ao extenso território nacional onde se pratica agricultura e ao pequeno número de fiscais torna-se impossível realizar uma fiscalização eficiente que torne a utili-zação dos defensivos uma atividade segura e funcio-nal. Por essas razões, te-mos que conviver com o risco de estarmos consu-mindo produtos hortifru-tigranjeiros com alto teor de contaminação”, relata o professor Nildimar.

Falta informação Por consumirem defensivos clandestina-mente, os produtores aca-bam não tendo as devidas instruções e o professor Madeira conta que “na maioria das vezes, o pe-queno produtor não sabe das características do invasor que se pretende controlar, de que forma mais eficiente deve ser feita a aplicação e des-conhece a composição básica do produto a ser usado”. Além disso, al-guns fatores como arma-zenamento e condições climáticas favoráveis po-dem alterar o resultado da aplicação. Nildimar também comenta que a falta de informações mais aprofundadas so-

bre a produção faz com que os agricultores acreditem no mito de que “o agrotóxico é um remédio que cura as plantas” quando na reali-dade trata-se de um veneno que erradica pra-gas. Isso afeta as medidas de segurança ado-tadas pelos agricultores na hora da aplicação. A maioria deles não utiliza equipamentos de proteção individual e os resíduos dos produ-tos geralmente são descartados de forma in-discriminada na natureza causando contami-nação de rios, lagos, e de água que serve para consumo animal e humano, além da morte de espécies da fauna. Também falta informação a respeito das embalagens dos produtos, que são incineradas sem as devidas precauções e muitas vezes reutilizadas para fins domésti-cos. É possível observar que os recipientes são apenas lavados de maneira inadequada e o agricultor acaba se expondo diretamente ao contato com o produto.

Solução distante Ainda de acordo com o professor Madeira, “substituir os agrotóxicos é invi-ável econômica e financeiramente”, pois a produção cairia, não sendo suficiente para atender a população e os preços teriam um aumento excessivo (haja visto os valores de

Viva o etanol!• Desde 1975, quando foi lançado o Pró-Álcool, a utilização de cana-de-açúcar continua a ser a maior aplica-ção de biomassa na produção e uso de energia no mundo;

• Ao longo dos últimos 25 anos , um montante de 1,8 bilhão de dólares ao ano fo economizado devido à substitui-ção de aproximadamente 200 mil bar-ris de gasolina por dia;

• A fabricação do combustível gerou mais de 400 mil empregos diretos e 200 mil indiretos na zona rural, o que diminui as rupturas sociais e ambien-tais nos grandes centros urbanos.

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produtos orgânicos). Porém, o professor traz boas notícias para a área. Segundo ele, os estudos sobre o assunto vêm crescendo e há novas formulações disponíveis no mercado com princípios ativos mais eficazes que per-mitem o uso em menor escala. Além disso, Madeira afirma que “o monitoramento da lavoura por satélite é o que há de mais mo-derno no setor”. A técnica consiste no ma-peamento da lavoura para detectar as áreas onde há maior ataque ou presença das pragas e ervas daninhas. O equipamento que aplica os defensivos tem um computador instalado no qual são inseridas essas informações via satélite, permitindo assim, que seja feito o controle do volume aplicado nas áreas mais ou menos contaminadas. Essa ação ajuda na fiscalização, torna os efeitos do produto mais eficientes, reduz os custos da produ-ção e também diminui o volume de produ-tos descartados na natureza. Mas o professor Madeira lembra que “as tecnologias alterna-tivas no controle de pragas e doenças ainda são incipientes no Brasil e o caminho mais fácil para se produzir grandes volumes de alimentos é através da utilização de agrotó-xicos. A busca pela produção limpa sem uti-lização destes ainda está longe de terminar”.

Page 7: Terra Dourada

A exportação dos produtos agrícolas em números

produtos florestais

9%

bovídeos7%

outros29%

cana18%

café10%

suínos e aves10%

cereais, legumes e

oleaginosos29%

Dados de 2011 (gráficos 1 e 3) e de 2010 (gráfico 2) - Fontes: Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MIDC)

Ásia28%

Quem compra da gente?

EUA10%

Outros17%

UE(União Europeia)

22%

AL(América La�na

e Caribe)

23%

E a China? O que exporta de nós?

O total do gráfico, em dinheiro, dá quase

16 bilhões de dólares!

cereais,legumes

e oleaginosos68% gorduras

vegetais5%

produtosflorestais

8%

suínose aves

3%

outros4%

cana8%

têxteis4%