6643 25196 1 sm talha dourada

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Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v.20, n.26, 1º sem. 2013 54 1. Este trabalho é decorrente da pes- quisa de mestrado em Arquitetura e Urbanismo desenvolvida pelo autor. 2. Doutorando em Arquitetura e Urba- nismo pela UFMG, mestre em Arqui- tetura e Urbanismo pela UFMG, espe- cialista em História e Cultura da Arte pela UFMG, graduado em Design pela UEMG, professor do Centro Universi- tário Newton Paiva.

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Tetos sobre o Barroco e a Talha Dourada

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Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v.20, n.26, 1º sem. 2013

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1. Este trabalho é decorrente da pes-quisa de mestrado em Arquitetura eUrbanismo desenvolvida pelo autor.

2. Doutorando em Arquitetura e Urba-nismo pela UFMG, mestre em Arqui-tetura e Urbanismo pela UFMG, espe-cialista em História e Cultura da Artepela UFMG, graduado em Design pelaUEMG, professor do Centro Universi-tário Newton Paiva.

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CONSIDERATIONS ABOUT GILDED SCULPTUREIN MINAS GERAIS

cONSIDERAÇõES SOBREATAlHA DOURADA EMMINAS gERAIS1

Aziz José de Oliveira Pedrosa2

Resumo

Importante elemento decorativo, a talha dourada se integra àmassa arquitetônica, compõe e ordena os espaços internosdas igrejas setecentistas. Na Capitania de Minas, a produçãoda talha foi influenciada pelo repertório artístico vigente naEuropa, principalmente em Portugal, configurando-se, dessaforma, em importante veículo divulgador das novidades e mo-dismos em voga no universo das artes. Assim, este estudotraz à reflexão considerações sobre a talha retabular em MinasGerais e seus diversos aspectos.

Palavras-chave: Talha dourada; Estilos; Retábulos; Arquitetura.

Abstract

Important decorative element, the golden gilded integrates it-self to the architectural movement compounding and sortingthe seventh century churches inner spaces. In the Minas Ge-rais County, the production of gilded was influenced by theartistic view currently used in Europe at that time, especially inPortugal, assuming, in this way, an important aspect of a meanof communication to disseminate the newest tendency in thearts universe. Following this, the present study brings intodiscussion the considerations regarding the gilded retables inMinas Gerais and all its aspects, such as stile and influence onthe ornatos production choices.

Key words: Gilded sculpture; Styles; Retables; Architecture.

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A talha retabular

O aspecto espetacular das igrejas setecentistas de MinasGerais é devido, entre outros fatores, às soluções arquitetô-nicas que nelas foram empregadas, fruto da aclimatização daspráticas ornamentais e estilísticas vigentes em Portugal e emalgumas regiões do Brasil colonial. Esse processo de adapta-ção da arte e da arquitetura religiosa em solo mineiro foi con-sequência de uma nova realidade em que a disponibilidade derecursos financeiros ofertados pelas ordens leigas, o uso demão de obra especializada vinda da Metrópole, a abundânciade matéria-prima e a difícil geografia de uma região monta-nhosa foram fatores determinantes para o delineamento dasquestões relativas ao fazer artístico e à construção arquitetôni-ca engendrados nesse período.

Nesses templos religiosos, os detalhes arquitetônicos mar-cam a paisagem das cidades onde se encontram, mas é emseus interiores que a arte se fez intensamente presente pormeio, principalmente, da pintura e da talha dourada.3 Esta últi-ma foi utilizada não somente como elemento de composiçãoornamental, mas também como veículo de divulgação dospreceitos católicos contrarreformistas, delimitados pelo Con-cílio de Trento.

É nos retábulos4 das igrejas que a talha alcança grande des-taque. Isso ocorre por serem eles indispensáveis e impor-tantes elementos espaciais que se integram à arquitetura,ultrapassando a função inicial de decoração aplicada. Talcaracterística da talha retabular é favorecida por sua estru-tura, que se completa por meio da junção de elementosde arquitetura, perspectiva e ornamentação impregnadosde forte carga iconográfica, cumprindo, assim, as funçõesespetaculares para as quais eram destinados. Nesse sen-tido, funcionavam os retábulos como pequenas represen-tações arquiteturais de elaborada composição plástica,transformando as áreas internas dos templos religiosos emespaços únicos, onde a arte da talha se afigurava, encanta-va e complementava a cenografia barroca. Essas estruturasarquitetônicas, como cita Alvim (1997, p. 183), podem serentendidas como formas soltas e independentes, pratica-mente peças de mobiliário com tamanha autonomia que aspossibilitava serem transferidas para outras igrejas sem sernecessário fazer grandes adaptações.

Já a talha, com suas diversas possibilidades de aplicação,tinha a nobre função de ordenar e compor a alegoria reta-bular, podendo ser distribuída na composição das paredesdas igrejas, das capelas-mores, púlpitos e até mesmo noemolduramento de pinturas, em busca de se preencheremos espaços vazios das igrejas. Descreve Alvim (1997, p. 51)que inúmeras vantagens eram encontradas no uso da ta-lha, principalmente o fato de ela poder ser elaborada após aconstrução da caixa arquitetônica que a abrigaria e fora dolocal onde seria aplicada, possibilitando trocas, reformas eacréscimos.

Esse fenômeno, em que a talha extravasa os retábulos e in-vade as estruturas parietais, foi conhecido em Portugal como

3. Conforme Borges (1986, p. 47), atalha conferia ao interior das igrejas omovimento, contraste e riqueza quenem sempre a arquitetura era capazde provocar. Sua aplicação ocorriaem retábulos, púlpitos, paredes,constituindo elementos indispensáveisà arquitetura religiosa setecentista.

4. Retábulo: “Estrutura ornamental, empedra ou talha de madeira, que se elevana parte posterior do altar. Às vezes, échamado genericamente de altar [...]”(ÁVILA, 1996, p. 171)

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as “igrejas forradas de ouro”, como a talha da Sé do Porto.No Brasil, onde a arte portuguesa de cunho religioso exerceuinfluência direta e pontual no uso de recursos ornamentais earquitetônicos em voga na Metrópole, e mais especificamen-te nas igrejas de Minas, essa tônica teve grande abrangênciae hoje pode ser vista, por exemplo, na Matriz do Pilar, emOuro Preto. Essa forma de ornar todo o espaço interno dostemplos religiosos perdeu força após a segunda metade doséculo XVIII, com início da introdução de novo repertório ar-tístico que despontava e seria rapidamente assimilado pelaarte da talha. Nessa nova temática artística, as igrejas deixa-riam de receber acabamentos de talha em toda sua estrutura,e assim as paredes começariam a revelar sua pintura branca.A talha, então, passou a se concentrar apenas nos retábulose em alguns outros poucos lugares, atuando apenas comograciosos detalhes ornamentais.

Para tanto, foi necessário o uso de um importante elementoque deu forma ao imaginário artístico na produção da talha: amadeira. Essa matéria-prima foi amplamente empregada norevestimento das igrejas de Minas Gerais, em contraposiçãoa outros materiais tradicionalmente utilizados nas esculturas,como o ferro e o mármore. O uso da madeira foi muito difun-dido devido a sua maleabilidade escultórica, que possibilita aeliminação do material supérfluo com grande facilidade, produ-zindo configurações estéticas diversas sem praticamente limi-tes de formas. Ela possibilitou aos entalhadores e ao escultoro pleno desenvolvimento de sua criatividade.

Não só os custos da matéria-prima compensavam seu uso,mas também a agilidade percebida no ritmo do trabalho,que nem sempre era alcançada com o uso de outros materiais.Em Minas Gerais, a madeira mais usada para confeccionar re-tábulos foi o cedro (ÁVILA, 1996, p. 62). Suas boas caracterís-ticas (maleabilidade e durabilidade), somadas à cuidadosa se-leção da madeira, devendo o artífice (o entalhador) selecionaro toro de melhor qualidade e que mais se ajustasse à obra quese executaria (TEIXEIRA, 2007, p. 183), foram fatores prepon-derantes para plena execução da talha.

Somados a isso, tem-se a experiência do entalhador e suahabilidade de lidar com os instrumentos de esculpir a ma-deira, pré-requisitos essenciais para o perfeito trabalho datalha. Entre o ferramental mais utilizado para o trabalho daescultura em madeira têm-se as goivas e os formões, alémde alguns outros instrumentos, como martelos, serras,puas e demais peças de corte e desbaste. Raros são osregistros documentais em que se cita o uso desses instru-mentos pelos profissionais do ofício de entalhe. Ressalve--se, porém, que, no inventário do entalhador José Coelhode Noronha, encontra-se inventariado “um estojo com vá-rios ferros do ofício de escultor”.5 Essa referência revela ouso de ferramentas próprias do ofício ao qual se dedicavaCoelho de Noronha. Lamentavelmente, não são descritosesses instrumentos, mas certamente deveriam fazer partedo citado estojo a goiva, o formão e o martelo de pontaou de desbastar, ferramentas essenciais para o trabalho deesculpir a madeira.

5. ARQUIVO do Escritório Técnico II doIPAHN – São João del-Rei. Inventário,1765 – Noronha, José Coelho de.Inventariante: Leitão, Sebastião Ferreira.Caixa: 345, fl. 21.

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Os estilos ornamentais no mundoluso-brasileiro

Para se compreender o mundo das artes nas Minas coloniais,é essencial promover discussões acerca dos estilos artísticosem voga no século XVIII em Portugal que, consequentemen-te, devido às relações da Metrópole com a Colônia brasileira,exerceram influência direta na produção artística da Capitaniade Minas Gerais.

As dificuldades sobre o delineamento das questões de estilos,principalmente o enquadramento de objetos artísticos comopertencentes a uma ou outra corrente estilística, ocorrem pelofato de os “[...] tempos históricos não coincidirem com os tem-pos estilísticos [...]” (MOURA, 1986, p. 160) que, por sua vez,conforme Hauser (1997, p. 11), são influenciados pela dinâmicacultural, social, econômica e institucional, que, diante das tra-dições locais, comandam a gênese artística e contribuem paracondicionar a atividade do artista e delimitar os caminhos quesua arte deva percorrer. Essas condições promovem uma infi-nidade de programas artísticos, imbuídos de particularidades,ocorrendo simultaneamente. Ainda como cita Hauser, toda asituação descrita é fruto das mudanças de estilos que ocorremquando uma determinada gramática estilística “[...] alcança ummáximo e dá-se uma mudança, quando as condições históricasgerais – sociais, econômicas e políticas – realizam o seu desen-volvimento numa determinada direção, para alcançarem um fime mudar o seu curso [...]” (HAUSER, 1997, p. 36). No séculoXVIII, essa evolução artística e a rápida difusão de tendênciasestéticas resultaram da assimilação e importação de repertó-rio artístico realizado em outros países e divulgado por meio dacirculação de tratados, gravuras e de artistas que transitavamentre regiões diversas, atualizando, assim, o gosto artístico eadaptando-os às realidades locais (MOURA, 1986, p. 160).

Diante dessas reflexões que poderiam render, como já o fize-ram outros autores, grandes trabalhos, não se tentará limitara ocorrência dos estilos ornamentais a severas especificaçõesdelimitadoras. Adotar-se-ão os conceitos estilísticos, de modoa irem de encontro às bases dos movimentos artísticos e ogosto da época, que têm características passíveis de tereminfluenciado a estética da obra dos entalhadores atuantes emMinas Gerais, apesar de não ser possível enquadrar a obra deum entalhador em definições estáticas, movidas pela influ-ência de apenas uma corrente estilística. Deve-se, portanto,ressaltar que a obra de talha, na Colônia, promoveu o diálogocom o repertório ornamental em voga na Metrópole e em ou-tras partes do continente europeu, o que provocou o trânsitoentre as estéticas artísticas vigentes e as que por hora des-pontavam. Diante de tudo isso, adotou-se alguns conceitosestilísticos para demonstrar os modos pelos quais se formou aobra de talha mineira, suas relações na assimilação de padrõesartísticos vigentes e também na manutenção de princípios es-téticos oriundos de uma escola de talha lisboeta, marcada pelaitalianização do gosto e por tendências francesas.

Essas questões nos fornecem parâmetros para se compreen-der os estilos ornamentais não como padrões estéticos rígi-

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dos, mas como composições artísticas que, imersas em deter-minados contextos, têm seu repertório simbólico, iconográficoe gráfico em consonância com o ambiente social e cultural queo cerca. Portanto serão analisados os estilos de acordo com asestruturas composicionais que os aproximam sem a preten-são de enquadrá-los em características limitadoras. Situar-se-á,pois, este estudo acerca do Barroco6 e sua evolução para oRococó, destacando as questões do Barroco português devidoàs correlações da arte da Metrópole e a da Colônia, em quenão só o repertório do Barroco encontrou espaço fértil para sedesenvolver, mas também foi adaptado às condições de diver-sidade encontradas no território da Capitania de Minas Gerais.

Assim, o Barroco português se estende da segunda metadedo século XVII até o século XVIII sem que se possa definir umadata precisa de seu início e de seu desaparecimento.7 Nesseínterim, o Barroco desenvolve suas diversas ramificações deconceitos estéticos que sofriam alterações de acordo com ogosto da época. Conforme Hauser: “[...] o barroco abraça tan-tas ramificações de caráter artístico, aparece em tão diversasformas, nos diferentes países e esferas de cultura, que pa-rece duvidoso, à primeira vista, ser possível reduzi-las a umdenominador comum” (HAUSER, 1997, p. 27). Deve-se seusurgimento, principalmente, a uma oposição ao Maneirismo,o que facilita seu estabelecimento por meio das diferenças derepertório artístico que provocam o rompimento com os pa-drões estéticos maneiristas, onde reminiscências estilísticasdesse período, de certo modo, participaram da constituiçãodos códigos ornamentais barrocos.

O Barroco português abarca um período em que a arte intro-duz nova dinâmica aos “[...] espaços estáticos [...]” (MOURA,1986, p. 164), elevando as áreas internas dos prédios, princi-palmente dos templos religiosos, à categoria de plenitude ar-tística, provocada principalmente pela movimentação espacialque a talha dourada, uma de suas maiores formas de expres-são em terras luso-brasileiras, foi capaz de suscitar nesses am-bientes. O ornamento complementa a estética arquitetônicabarroca, elevando os prédios ao caráter monumental, em quenem sempre a ornamentação e a arquitetura eram planejadascomo elementos integrados, mas que, em seu conjunto final,a massa arquitetônica e o ornamento, materializado pela ta-lha dourada, completavam-se. Provavelmente o grande méritodos entalhadores do período foi o de integrar a talha a umespaço que não fora devidamente pensado para abrigá-la. As-sim, a atuação desses artífices não era condicionada à funçãode simples “decoradores”, apesar de gozarem de liberdadecriadora que os potencializava a desenvolver novas formas econceitos, fazendo com que o ornamento deixasse de se atera cânones e ficasse condicionados à livre imaginação de suacriatividade, como cita Pereira (1989, p. 70).

Todas essas distinções colocam o Barroco em um quadro emque seu programa artístico, pensado e divulgado por meio datratadística de arquitetura, pintura e escultura, foi capaz de fi-xar modelos, influenciar o gosto e estabelecer quadros globaisde referência formal (PEREIRA, 1989, p. 69). Deve-se tambémsalientar que o Barroco português foi marcado por variação de

6. Sobre a origem da palavra barroco,consultar Pereira (1989, p. 69).

7. Sobre o Barroco, Pereira cita que “Asua extensão temporal abarca a segundametade do século XVII, todo o séculoXVIII e alguns anos do século XIX, semque se possa precisar uma data, umaobra ou um autor que assinale com rigoro seu princípio e o seu fim” (PEREIRA,1989, p. 69).

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repertório, coexistindo diversidade de linguagens dentro deum conceito inicial, fundamentado na arte espanhola, francesae, principalmente, na arte romana que tanto incidiu em Portu-gal. Todas essas fontes de referências contribuíram para que oBarroco português se transformasse, em um período em quea arte revelava seu próprio conteúdo, mesmo estando vincula-da a referências de outros países.

Para facilitar o entendimento das características principais dealgumas tipologias ornamentais barrocas portuguesas, que ti-veram grande aceite na Capitania Mineira, pode-se ter comoreferência as designações de Robert Smith (1962), que enqua-drou os códigos ornamentais da talha em Portugal em duasgrandes principais vertentes: o estilo nacional e o estilo joani-no. O uso dessa referência deve-se ao fato de que essas duassubdivisões do Barroco tiveram grande emprego nas obras detalha das igrejas mineiras, com certo destaque para o estilojoanino, cujo repertório artístico e ornamental, desenvolvidoe dissipado pela Metrópole, marcou a obra de entalhadorescomo Francisco Xavier de Brito e José Coelho de Noronha.

O estilo nacional

Em seu importante estudo sobre a talha barroca em Portugal,Smith (1962, p. 69-94) analisa as transformações que, após1675, marcaram a talha dourada portuguesa, quando ocorre asubstituição do repertório artístico alicerçado em referênciasespanholas, dominante na ornamentação retabular portuguesa,por uma linguagem estética mais genuína e peculiar denomina-da por ele como “estilo nacional”,8 no qual o uso de colunas comfuste de cinco ou seis espiras (pseudossalomônicas)9 e o re-mate com arcos concêntricos promoveram uma estrutura maisescultural em oposição a aspectos arquitetônicos com efeitosde movimento e unidade. Os fustes dessas colunas eram deco-rados com cachos de uvas, aves fênix, pequenos anjos e folhasde acanto, elemento decorativo que teria grande uso no estilojoanino e que foi uma das influências exercidas, conforme Smi-th, pela arte seiscentista italiana e a arte decorativa alemã. Taiselementos reproduziram na talha a primeira manifestação daarte barroca internacional portuguesa (SMITH, 1962, p. 69-71).

Outro destaque teve, nos retábulos erigidos sob os preceitosda gramática composicional do estilo nacional, a peça retabu-lar, em que, em sua parte central, instala-se a tribuna com otrono, utilizado para exposição do Santíssimo Sacramento etambém para abrigar as imagens devocionais.

Muitos são os templos portugueses que foram ornados comtalha dourada, baseada no vocabulário ornamental do estilonacional (SERRÃO, 2003, p. 99). Isso ocorre quando a talhaextravasa a estrutura dos retábulos e invade as superfícies dasparedes das capelas das igrejas, constituindo o que conhe-cemos como igrejas forradas de ouro (SMITH, 1962, p. 89).Como exemplo, cita-se o retábulo-mor da Igreja de Santa Ma-ria da Graça de Setúbal, obra do entalhador José RodriguesRamalho, e o retábulo-mor da Igreja do Convento do Carmo,em Moura (1711), obra do entalhador Manuel Machado, comorelata Serrão (2003, p. 104-105).

8. As controvérsias sobre a designaçãodo que vem a ser o estilo nacional eseu vocabulário ornamental dominantena talha portuguesa, ca. 1670 a1715, não serão aqui discutidos,visto que o interesse maior destapesquisa é demonstrar que umaarte com características portuguesasfoi engendrada e, com base nestesconceitos, novas matrizes estilísticasforam empreendidas. Assim, o estilonacional atravessa as temporalidadesartísticas portuguesas vigentes noséculo XVIII.

9. Sobre o uso da coluna salomônicanas artes e na arquitetura, Hill analisaa origem desses elementos e seu usona arte. O autor ainda explicita que ascolunas do “Estilo Nacional Portuguêscorrespondem à denominação de‘pseudossalomônicas’ [...]” estatipologia de colunas, além de outrascaracterísticas que as determinam, nãotêm seu terço inferior espiralado (verHILL, 1993-1996, p. 231-240).

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O estilo joanino

Não há que se prolongar a discussão acerca do estilo nacional,apesar de algumas igrejas mineiras terem exemplares de talhacom predominância das características desse estilo. Interessasim, o estilo joanino, rotulado assim por Smith por ter sidoesse período do Barroco luso-brasileiro a principal fonte deriva-tiva da gramática ornamental, em que grandes obras de talhaforam fundamentadas em Minas Gerais.

Das variadas vertentes assumidas pelo Barroco, tem-se, emPortugal, o barroco joanino, que se desenvolveu, aproximada-mente, a partir de 1720, não sendo possível prever uma datainicial exata para seu surgimento e para seu fim, pois há a per-manência de algumas estruturas do estilo nacional na talha jo-anina e do prolongamento do uso de ícones-chave do joaninopor alguns anos, quando já estava em voga a linguagem rococó.

Smith delimita como estilo joanino a arte empreendida duran-te o reinado absolutista de Dom João V (1706-1750), quandoo Estado se afirma no território português. Um período cons-truído por uma corte requintada, na qual o luxo e as cerimô-nias pomposas marcaram época e traçaram o caminho quea arte deveria percorrer. Os reflexos da sofisticação dessasociedade eram demonstrados por meio de festas, como ade Corpus Christi, em que a pompa e o poder estatal de-monstravam sua magnificência.

Nesse período, “Roma será para Dom João V a matriz a partir daqual a imagem de Portugal se reinventará e se consolidará comoseguidora fiel dos cânones artísticos e espirituais” (FERREIRA,2002, p. 13). Refletia sobre o governo de Dom João V o símbolode Roma como cidade do poder papal devido ao fervor religiosodo monarca, o que vem a favorecer a “mimetização de todoconteúdo artístico, espiritual e litúrgico dessa cidade” (FERREI-RA, 2002, p. 13) por meio da importação de modelos romanoscolocados como padrões a serem seguidos, construindo, as-sim, toda estética artística joanina, que foi amplamente difundi-da na Colônia brasileira. Esses fatos fizeram com que Lisboa, naprimeira metade do século XVIII, se transformasse em palco daimportação do gosto estético artístico italiano, quando artistas,mercadorias, livros, estampas, tratados e objetos de arte favo-receram a circulação da cultura italiana em Lisboa e fomentoua cultura local (FERREIRA, 2002, p. 14). Outro fator importanteque marca a importação do gosto estético italiano em Portugal,segundo Oliveira (2003, p. 72), foi a criação, por Dom João V,em Roma, da “Academia Portuguesa das Artes”, para artistaspensionistas mantidos pelo Estado Português.

Dos principais nomes de escultores e arquitetos italianos queatuaram como responsáveis pela criação da estética seiscentistaromana, que muito influenciou a estética do Barroco português,destacam-se Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) e Francesco Bor-romini (1599-1667), além do arquiteto e pintor Pietro da Cortona(1596-1669) (OLIVEIRA, 2003, p. 60). Ainda diante do fervor dasreferências exercidas na arte portuguesa pela arte italiana, relem-bre-se que a aproximação da arte dessas duas regiões europeiasteve sua maior expressão no Período Joanino, mas cuja participa-ção em território português tivera início desde o reinado de Dom

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Pedro II, quando Carlo Fontana (1638-1714), discípulo de Bernini,trabalhou para a Coroa Portuguesa (MOURA, 1986, p. 177).

No que se refere à talha barroca joanina em Portugal, tem-seseu grande momento após a década de vinte dos setecentos.Nessa época, o Barroco atinge seu maior estágio de expres-sividade, imbuído de influências italianas e com um repertórioornamental composto de

[...] conchas, leques de plumas, volutas entrelaçadas,palmas, frisos verticais de folhas e botões de plantas,grinaldas e festões de flores, onde predominam rosas,margaridas e girassóis; empregam-se motivos arqui-tetônicos, como fragmentos de arcos, e uma grandevariedade de baldaquinos e sanefas, donde pendempanos e cortinas; o retábulo atinge nova expressão tea-tral. (BORGES, 1986, p. 48)

Os retábulos desse período são altos, esguios e não mais têmos remates de arcos concêntricos presentes no estilo nacio-nal, ganhando novos adereços, como dosséis, baldaquinos efragmentos de frontões onde se assentam anjos. Os anjospassam a compor a talha retabular, e uma infinidade de cabe-ças angelicais, anjos adultos, serafins e atlantes assentadosnas mísulas onde se apoiam as colunas, invadem a cena edominam o espaço. O trono eucarístico, as pilastras e as colu-nas salomônicas, juntamente com outros elementos de cunhoarquitetônico, conferem à talha retabular joanina o aspecto demonumentalidade, devido, principalmente, ao fato de a talhater se espalhado pelas paredes das capelas-mores das igrejas.

Outro importante elemento de destaque nos retábulos joani-nos foi o uso da coluna salomônica,10 comumente empregadanas composições retabulares barrocas portuguesas e poste-riormente trazidas para Minas Gerais. A origem do uso desseelemento em Portugal se remonta à influência de Bernini que,entre 1624 e 1633 (HINTZEN-BOHLEN, 2005, p. 480), empregacolunas salomônicas no monumental baldaquino de São Pedro(Figura 1), conferindo à composição dinamismo e movimento.Nessas colunas, as espiras de seu fuste são adornadas com fo-lhagem acântica e seu terço inferior é completamente estriado.Em Lisboa, Smith cita a Capela de Nossa Senhora da Piedade,da Igreja de São Roque (ca. 1711), como a marca de transiçãodo estilo nacional para o joanino (SMITH, 1962, p. 86). Já em suaevolução, os retábulos de maior expressão desse período, emLisboa, encontram-se nas igrejas de São Miguel, no bairro deAlfama, Nossa Senhora da Pena e na Igreja dos Paulistas. Umdos primeiro exemplares dessa tendência estilística em Lisboaé o retábulo-mor da Igreja de Nossa Senhora da Pena, executa-do entre 1715 a 1719, por intervenção de Claude de Laprade eMiguel Francisco da Silva (SERRÃO, 2003, p. 195).

Das variadas obras de talha erigidas no Período Joanino, gran-de notabilidade tem o retábulo-mor da Igreja dos Paulistas emLisboa (Figura 2), executado por um dos maiores entalhadoreslisboetas: Santos Pacheco de Lima (c.1684 – 1768).11 Esse re-tábulo é composto por colunas salomônicas com o terço in-ferior estriado, onde grinaldas de flores cobrem o cavado dascolunas cujo modelo muito se aproxima das colunas que Ber-

10. Sobre a decorrência histórica dacoluna salomônica, ver Pereira (1989, p.130-131).

11. Sobre a vida e obra do entalhadorSantos Pacheco de Lima, ver Ferreira(2002).

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nini instalou no baldaquino em Roma. Já na estrutura retabular,destacam-se os atlantes e imagens de anjos que, juntamentecom o trono e o sacrário, enobrecem a composição. É curio-so notar que esse retábulo-mor tem grandes aproximaçõesestilísticas e plásticas com as soluções empregadas na talharetabular de Minas Gerais pelos entalhadores José Coelho deNoronha e Francisco Xavier de Brito. Diante disso, necessitaser investigado pela atual historiografia da arte mineira se exis-tiram relações de trabalho, aprendizagem e influência entreesses dois entalhadores com a obra de Santos Pacheco deLima, o que pode trazer novos subsídios para o estudo da talhamineira setecentista.

Deve-se ressaltar, entretanto, que é no Período Joanino, apartir de 1730, que a talha portuguesa começa a assimilar asinfluências francesas, que, mais tarde, culminariam no rococó,quando conchas e florões assimétricos do estilo rococó come-çam a se manifestar na talha lisboeta (BORGES, 1986, p. 49).

A divulgação e a circulação de todo esse repertório artísticodo Barroco, de fins dos seiscentos e dos setecentos entre aItália e Portugal e, posteriormente, entre Portugal e sua Colô-nia brasileira, foram possíveis devido à circulação de gravuras,estampas, tratados de arquitetura e pintura (FERREIRA, 2009,p. 476), assuntos estes já decididamente comprovados pelahistoriografia da arte. Esses meios de divulgação, juntamentecom a importação de obras de arte, circulação de livros, mer-cadorias e pessoas, foram fatores essenciais para que as artes

Figura 1 • Baldaquino, Basílica de SãoPedro (Roma). Fonte: Foto do autor

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em regiões diversas mantivessem proximidades estilísticas.De acordo com Ferreira (2009, p. 477), além desses meiosóbvios de divulgação, Portugal contou com objetos de arteefêmera, como carros alegóricos, arcos triunfais e outros ele-mentos destinados às ocasiões de celebração que ornavam acidade em épocas festivas e eram desenvolvidos pela criativi-dade de mestres e arquitetos, atuando, assim, tais elementos,como fontes de divulgação do repertório artístico coevo.

Desses veículos de divulgação das artes e da arquitetura res-ponsáveis pela promoção da circularidade artística e culturalna qual viveu Portugal, principalmente no século XVIII, merecedestaque a tratadística estrangeira, principalmente a italiana,que teve ampla divulgação em território luso. Ressalte-se,nesse sentido, a obra do ornamentista Filipo Passarini, NuoveInventioni, publicada em Roma, em 1698.12 Essa publicaçãotrouxe vasto repertório ornamental, com modelos de talha queforam grandes fontes de divulgação, amplamente consultadospor artistas e arquitetos portugueses. Outro tratado de rele-vância no contexto do Barroco13 português foi a obra do padrejesuíta italiano, Andrea Pozzo (1642-1709), Perspectiva picto-rum et architectorum, organizado em dois tomos, nos quaiso segundo apresenta elementos empregados nos retábulosde estilo nacional e, posteriormente, nos retábulos do estilojoanino. Uma das características mais marcantes, oriundas do

12. Sobre os tratados e as fontes dedivulgação da arte e da arquitetura emPortugal nos séculos XVII e XVIII, verFerreira (2009, p. 476-488).

13. Sobre o estilo joanino em Portugal,ver Smith (1962, p. 95-122).

Figura 2 • Retábulo-mor da Igreja dosPaulistas (Lisboa). Fonte: Silvia Ferreira,2002, volume III.

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tratado do padre Pozzo e implantadas na arte retabular portu-guesa foi o caráter arquitetural da estrutura retabular, com aintrodução de fragmentos de frontão interrompidos. Os dese-nhos e as obras de Francesco Borromini, Gian Lorenzo Bernini,Alessandro Algardi e Giovanni Paolo Schor (FERREIRA, 2002,p. 80) podem ser também consideradas influências da arteseiscentista romana na talha portuguesa. Registra-se que aprodução de tratados por portugueses, salvo a tratadística mi-litar, não foi de grande expressão no que concerne à novidadeteórica e inovadora que esses livros traziam.

Não se pode deixar de citar também a azulejaria como fonte dedisseminação desse conteúdo artístico em Portugal. Sua recor-rência à decoração das igrejas e os grafismos explícitos nessesrevestimentos foram certamente cartilhas de referência paraa arte da talha portuguesa. Outro fator importante na dissemi-nação e divulgação de estéticas arquitetônicas e ornamentais,como cita Ferreira (2009, p. 485), pode ter sido o convívio entreartistas, a ocorrência de opiniões simultâneas no mesmo es-paço, o aprendizado, o parentesco entre eles e a amizade quemantinham, em que, certamente, questões relativas ao ofício,como técnicas e inovações, faziam parte das discussões.

O Rococó

Conforme Myriam de Oliveira (2003, p. 28), o Rococó14 inicia--se por volta de 1730, com trabalhos de artistas ornamentistascomo Juste-Aurèle Meissonnier (1695-1750), Nicolas Pineau(1684-1754) e Jacques de Lajoue (1686-1761). Em suas matri-zes iniciais, o Rococó surge na França como um estilo ligadoàs artes ornamentais e se estende de 1730 a 1770, aproxima-damente, não sendo possível prever realmente seu início eseu fim, sendo que, em algumas regiões, como em Portugal,onde a gramática estilística do Rococó teve grande adaptaçãode repertório, ele se estende até início do século XIX. Da Fran-ça, o Rococó se espalha para Europa e chega até Minas Geraiscarregado de influências francesas que, também, incidiram so-bre a arte portuguesa do período. Grande aceite teve tambémesse estilo na Europa Central: Baviera, Francônia e a Boêmia.

Sua abrangência e divulgação em território português ocorre-ram por meio das obras dos entalhadores André Soares15 efrei José de Santo Antônio Vilaça16 (PEREIRA, 1989, p. 418), eteve sua influência exercida, inicialmente, pela decoração na-turalista do coche cerimonial (1729-1730) de Dom João V, “obrafundamentalmente francesa” (PEREIRA, 1989, p. 420).

Na talha dourada portuguesa, as tendências francesas doRococó começaram a ser introduzidas por volta de 1730 e ti-veram melhor aceite na ornamentação do que nas estruturasarquitetônicas, conforme Serrão (2003, p. 266), com uso decomposições assimétricas e efeitos decorativos em detrimen-to dos arquitetônicos (OLIVEIRA, 2003, p. 43), apropriando-sedo uso de elementos naturalistas vegetalistas, flores e folhasde delicada forma e graciosidade, ondulação das superfícies,remates sinuosos, folhas estilizadas, curvas e contracurvas,volutas, ornatos complicados, formas opulentas que invadema talha retabular (PEREIRA, 1989, p. 469).

14. De acordo com Borges, o termo“rococó” origina-se da palavra francesarocaille e surge na França, depois damorte de Luís XIV, apresentando seuprincipal momento no reinado de LuísXV. Tem-se no Rococó um vocabulárioornamental ainda vinculado à estéticabarroca, com repertório de extremaelegância e feminilidade, em queprincipalmente conchas, trepadeiras efolhas de acanto passam a compor osespaços ornados (BORGES, 1986, p. 51).

15. André Soares (1720-1769) foi, alémde arquiteto, desenhista e projetista deretábulos. É dele a autoria do retábulode Nossa Senhora do Rosário, na Igrejade São Domingos de Vianna do Castelo(1760-1762), uma das maiores obrasde talha do estilo Rococó em Portugal(SERRÃO, 2003, p. 274).

16. Frei José de Santo Antônio FerreiraVilaça (1731-1809), frade beneditino,deixou também importantes trabalhosna talha rococó portuguesa (SERRÃO,2003, p. 275).

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Foi certamente, como no Barroco, a circulação de pessoas,objetos, catálogos de ornamentação e, principalmente, de gra-vuras os meios de divulgação do Rococó (OLIVEIRA, 2003,p. 44). Como cita Borges, a talha rococó portuguesa sofreugrande ascendência das estampas e gravuras dos francesesRochefort, Debrie e Le Bouteux e de Ausburgo das gravurasde Jeremias Wolf, Martinho Engelbrecht entre outros (BOR-GES, 1986, p. 92).

A talha em Minas Gerais: aspectos gerais

O caráter monumental das igrejas setecentistas mineiras,revelado por meio de formas arquitetônicas, completa-seem suas áreas internas onde uma grande carga ornamentalconstituída pela talha dourada e pintura compõe e promove aintegração do espaço interno destes templos com requintadadecoração. Todo o repertório artístico implementado nas igre-jas de Minas Gerais é fruto da influência direta de tendênciasestéticas vigentes em Portugal, de onde veio a mão de obranecessária para edificar a arte e a arquitetura religiosa minei-ra. Nesse sentido, tem-se nas igrejas mineiras setecentistasuma decoração interna refletora do vocabulário luso com ca-racterísticas do Barroco italiano e apropriação da gramáticade estilos ornamentais franceses como: o Regência e o Ro-cocó, entre outras tendências em voga, sendo todas essasreferências contributos para o desenvolvimento de uma arteque, aos poucos, criou personalidade própria nas mãos dealguns artífices que em Minas atuaram, culminando na ge-nialidade criadora de artistas como o Aleijadinho. Tudo issoocorreu em um período que a arte de Minas Gerais se elevouao seu mais alto grau de desenvolvimento.

Na talha dourada dos retábulos setecentistas mineiros, pode--se encontrar o vocabulário Barroco transitando entre a esté-tica do estilo nacional português, passando pelo joanino e seconsagrando no Rococó, em que todas as fontes de referênciacontribuíram para formar um vocabulário artístico único, acli-matizado em solo brasileiro, além de ser o Rococó o marcoem que o retábulo deixa de ser uma estrutura presa à parededas igrejas e se transforma em móveis soltos que podem serencaixados em qualquer ambiente, tal como cita Alvim (1997,p. 183), ao discorrer sobre o assunto.

O estudo da talha retabular mineira setecentista revela a pre-sença de uma diversidade de estéticas ornamentais que, aolongo dos tempos, evoluiu e se transformou devido à constantee rápida assimilação do gosto estético que estava diretamentevinculado à arte barroca europeia, principalmente com as no-vidades oriundas do mundo artístico português. Para ilustrar atipologia da talha barroca e a evolução dos estilos ornamentaisem Minas no século XVIII, foram escolhidos alguns exemplaresde maior expressão, que abrangem as principais tipologias datalha existentes no período, de modo que se possa compreen-der o gosto ornamental corrente na época e assim contextua-lizar o meio onde estavam imersas as principais obras de talhadaquele tempo. Escolheram-se para tal os seguintes retábulos:o retábulo-mor da Sé de Mariana (Figura 3); o retábulo-mor da

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Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto (Figura 4); oretábulo-mor da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São Joãodel-Rei (Figura 5); e o retábulo-mor da Matriz de Nossa Senhorado Bom Sucesso, em Caeté (Figura 6).

De acordo com essa metodologia de estudo, deve-se iniciara discussão sobre o retábulo-mor da Sé de Mariana, cujodouramento da talha data de 1727.17 A talha desse retábulotem elementos do vocabulário ornamental do estilo nacionalportuguês,18 com seu corpo composto por colunas pseudos-salomônicas, sem o terço inferior estriado e com suas es-piras cobertas por folhagem de videira e pássaros. Entre ascolunas, alternam-se pilastras igualmente ornadas. Em seucoroamento, arquivoltas concêntricas alternam-se com arcosespiralados, atuando como extensão das colunas e das pi-lastras, conferindo ao retábulo o efeito de dinamismo; já osraios existentes são decorados com pequenos anjos. Comoapoio das colunas, atuam bases em forma de mísulas, segu-radas por pequenos atlantes que, juntamente com os nichoslaterais e os anjos distribuídos pela composição retabular,demonstram certa evolução da linguagem do estilo nacionalpara o joanino.

17. “O altar-mor de videira naturalistadevia existir em 1727, época em queJosé Martins e Manuel de Sousa e Silvaterminam o seu douramento. Seu estilonão se opõe a esta data” (BAZIN, 1983,p. 69).

18. Destaca-se, em Minas Gerais, a talhasetecentista com repertório intimamenteligado ao Estilo Nacional da Igreja deNossa Senhora do Rosário (Caeté) que,apesar de ser um dos mais expressivosexemplares da talha deste estilo emMinas Gerais, nunca foram devidamenteinvestigados pela historiografia da artemineira.

Figura 3 • Retábulo-mor da Sé deMariana. Fonte: Foto do autor.

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Na sequência e evolução dos resquícios do estilo nacional emMinas Gerais, que já se mostrava evoluído para a estética doestilo joanino, introduz-se nos retábulos mineiros o dossel,elemento característico do estilo joanino, que pode ser vistonos retábulos laterais da Matriz de Nossa Senhora da Con-ceição (BAZIN, 1983, p. 76) (ca. 1735), em Ouro Preto. Esseelemento será de grande abrangência na talha joanina mineirae aparecerá, de forma grandiosa, no retábulo-mor da Matrizde Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto (Figura 4), erguido(ca. 1746) pelo risco de Francisco de Barros Barrigua (BAZIN,1983, p. 80) e talha executada por Francisco Xavier de Brito eAntônio Henriques Cardoso (BAZIN, 1983, p. 80), quando, pormeio dessa obra, afirma-se o estilo joanino em Minas Gerais.Nesse retábulo, tem-se o coroamento com dossel compostopor sanefas e elementos joaninos, em que figuras de anjos seespalham por toda composição, tendo no centro do coroamen-to a alegoria da Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o EspíritoSanto. As colunas salomônicas se apresentam com o terçoinferior estriado, intercaladas por colunas, folhas de acanto egrinaldas de flores que compõem os fustes das colunas, de-saparecendo as folhas de uva, acentuando o dinamismo doretábulo e demonstrando claramente os respingos da obrade Bernini nas Minas Gerais. Abaixo dessas colunas, têm-seatlantes sentados sobre mísulas, à semelhança do retábulo-

Figura 4 • Retábulo-mor da Matriz deNossa Senhora do Pilar (Ouro Preto).Fonte: Foto do autor.

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-mor de Nossa Senhora da Pena de Lisboa (1715-1718), ondea linguagem estética joanina teve início. Outro elemento típicoda talha do estilo joanino e presente no corpo do retábulo sãoos quartelões. Os nichos já aparecem bem integrados ao re-tábulo com a base de peanha e, no nicho principal, destaca-seo trono escalonado, em que seu último degrau é destinado aexpor a imagem da santa padroeira da Igreja, sendo o tronoimportante elemento ornamental, largamente utilizado, poste-riormente, nos retábulos rococós de Minas Gerais. O escalo-namento do trono, além de conferir relevância ao camarim,demonstra a evolução dos preceitos do estilo nacional em queo trono, em forma de cântaro, anteriormente utilizado, comona Matriz de Santo Antônio, em Santa Bárbara, e na Igreja deNossa Senhora do Rosário, em Caeté, é adaptado para abrigaruma sequência de degraus. Por toda a composição do referi-do retábulo, espalham-se volutas, e é no coroamento que ocaráter ornamental se excede, com o uso de fragmentos defrontão interrompidos, demonstrando certa vinculação às ima-gens divulgadas nos trabalhos de Andrea Pozzo; nesses frag-mentos de frontão, assentam-se anjos adultos, de grande usona talha joanina mineira. O entablamento, de aspecto arquite-tônico, demonstra sua correspondência com a talha lisboeta.É relevante também destacar que, no retábulo-mor do Pilarde Ouro Preto, como cita Oliveira (2003), começam a surgirelementos dos estilos ornamentais franceses Regência e Luís

Figura 5 • Retábulo-mor da Matriz deNossa Senhora do Pilar (São João del-Rei). Fonte: Foto do autor

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XIV, tais como “reticulados com rosáceas, palmetas Luís XIV,os mascarões de perfil, as conchas ondulantes” (OLIVEIRA,2003, p. 249).

No rumo dessa evolução, seguem-se os retábulos-mores daMatriz do Pilar de São João del-Rei, onde o estilo joanino seencontra em sua máxima plenitude formal, e o da Matriz deCaeté, que já demonstra mais claramente sinais das influên-cias do Rococó. Ressalta-se, todavia, trabalhos do entalhadorJosé Coelho de Noronha em ambos retábulos.

Tanto na Matriz de São João del-Rei quanto na Matriz deCaeté, o dossel é suprimido. São também suprimidos osatlantes segurando as colunas, e o coroamento ou arrematecom a figura de Deus Pai ganha maior destaque. Na Matrizde Caeté, os espaços em branco começam a se destacar,e o douramento ocorre apenas nos elementos ornamentaisaplicados na talha. Seguem-se a esse retábulo joanino, naevolução para o Rococó, os retábulos laterais da Matriz deNossa Senhora do Bom Sucesso de Caeté, onde elementosdo Rococó se misturam à linguagem joanina, sinalizandoque um novo repertório artístico começava a dar seus sinaisde aparecimento.

Figura 6 • Retábulo-mor da Matriz deNossa Senhora do Bom Sucesso (Caeté).Fonte: Foto do autor.

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Considerações finais

Diante das exposições arroladas, demonstra-se que o estilo jo-anino em Minas Gerais teve na talha retabular sua maior formade expressão, lançando mão de elementos do repertório doBarroco seiscentista romano, como dossel com sanefas, frag-mentos de frontões curvos interrompidos (divulgados pelo tra-tado do padre Andrea Pozzo), colunas salomônicas inspiradasno baldaquino de Bernini (Figura 1), volutas, folhas de acantoem substituição às parras de uva, rosas e girassóis ainda noespírito joanino. Inovações importantes inseridas nos retábu-los do período foram os anjos adultos sentados nos fragmen-tos de frontões interrompidos, elementos estes já vistos noretábulo-mor de Nossa Senhora da Pena, de Lisboa.

A evolução desse estilo acontece com a assimilação de ele-mentos do repertório rococó, em que formas menos robustascomeçam a ser introduzidas, e o dourado começa a ser apli-cado apenas nos relevos, conferindo à composição retabularleveza e graciosidade.

Os elementos do Barroco joanino de Minas Gerais, acimamencionados, tiveram larga influência dos retábulos-moresdas igrejas lisboetas de Nossa Senhora da Pena, São Miguelde Alfama e dos Paulistas em Lisboa, onde esse novo conjun-to de elementos decorativos teve sua máxima aplicação.

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Endereço para correspondência

Aziz José de Oliveira PedrosaRua Fernando Linhares Guerra, 16034800-000 - Caeté - [email protected]