teoria versus prÁtica: dialÉtica necessÁria para a

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TEORIA VERSUS PRÁTICA: DIALÉTICA NECESSÁRIA PARA A PROMOÇÃO DA LEITURA LITERÁRIA Noedi Cecato 1 Cláudio José de Almeida Mello 2 Resumo Com o objetivo de explicitar metodologias alternativas para o ensino da literatura em sintonia com a concepção interacionista da linguagem, e de acordo com a necessidade de realizar os conteúdos disciplinares como prática social, este trabalho apresenta um estudo da leitura literária no Brasil, o papel da escola no ensino da literatura e a relação entre Universidade e Educação Básica. Especifica, nesse panorama, as dificuldades pedagógicas no ensino de literatura e, após um estudo das alternativas metodológicas que apontam contribuições para esse problema, aprecia o Método Recepcional como uma possível estratégia para ser utilizada por professores que buscam motivar seus alunos à prática da leitura literária. Além da revisão bibliográfica, faz a descrição de uma proposta teórico- metodológica de intervenção na prática com alunos da 5ª série do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Dr. Arnaldo Busato, no município de Cruzeiro do Iguaçu. Os resultados apresentaram evidências significativas no interesse e na qualidade da prática da leitura literária em contexto escolar. Palavras-chave: Leitura Literária. Formação de professores. Método Recepcional. Estética da Recepção. Abstract This work presents a study of literary reading in Brazil, the role of school in the teaching of literature and the relationship between University and basic education, aiming to clarify alternative methodologies for the teaching of literature in tune with interactionist concepction of language, and according to the need to make the school subjects as a social practice. It specifies, in this scenario, the difficulties in teaching literature and after a study of alternative methods that indicates contributions to this problem, it appreciates the Recepcional Method as a possible strategy to be used by teachers who intend motivate their students to the practice of literary reading. In addition to the literature review, is the description of a theoretical and methodological proposal for intervention in practice with students in the 5 th grade of Elementary School on Dr. Arnaldo Busato State School, on Cruzeiro do Iguaçu town. The results showed significant evidences in the interest and quality of the practice of literary reading in the school context. Keywords: Literary Reading. Teacher training. Recepcional Method. Aesthetics of reception. 1 Graduada em Letras-Inglês. Especialista em Língua Portuguesa. 2 Orientador. Doutor em Letras. Professor do Departamento de Letras da UNICENTRO.

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Page 1: TEORIA VERSUS PRÁTICA: DIALÉTICA NECESSÁRIA PARA A

TEORIA VERSUS PRÁTICA:

DIALÉTICA NECESSÁRIA PARA A PROMOÇÃO DA LEITURA LI TERÁRIA

Noedi Cecato1 Cláudio José de Almeida Mello2

Resumo Com o objetivo de explicitar metodologias alternativas para o ensino da literatura em sintonia com a concepção interacionista da linguagem, e de acordo com a necessidade de realizar os conteúdos disciplinares como prática social, este trabalho apresenta um estudo da leitura literária no Brasil, o papel da escola no ensino da literatura e a relação entre Universidade e Educação Básica. Especifica, nesse panorama, as dificuldades pedagógicas no ensino de literatura e, após um estudo das alternativas metodológicas que apontam contribuições para esse problema, aprecia o Método Recepcional como uma possível estratégia para ser utilizada por professores que buscam motivar seus alunos à prática da leitura literária. Além da revisão bibliográfica, faz a descrição de uma proposta teórico-metodológica de intervenção na prática com alunos da 5ª série do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Dr. Arnaldo Busato, no município de Cruzeiro do Iguaçu. Os resultados apresentaram evidências significativas no interesse e na qualidade da prática da leitura literária em contexto escolar.

Palavras-chave: Leitura Literária. Formação de professores. Método Recepcional. Estética da Recepção. Abstract This work presents a study of literary reading in Brazil, the role of school in the teaching of literature and the relationship between University and basic education, aiming to clarify alternative methodologies for the teaching of literature in tune with interactionist concepction of language, and according to the need to make the school subjects as a social practice. It specifies, in this scenario, the difficulties in teaching literature and after a study of alternative methods that indicates contributions to this problem, it appreciates the Recepcional Method as a possible strategy to be used by teachers who intend motivate their students to the practice of literary reading. In addition to the literature review, is the description of a theoretical and methodological proposal for intervention in practice with students in the 5th grade of Elementary School on Dr. Arnaldo Busato State School, on Cruzeiro do Iguaçu town. The results showed significant evidences in the interest and quality of the practice of literary reading in the school context.

Keywords : Literary Reading. Teacher training. Recepcional Method. Aesthetics of reception.

1 Graduada em Letras-Inglês. Especialista em Língua Portuguesa. 2Orientador. Doutor em Letras. Professor do Departamento de Letras da UNICENTRO.

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Muito se tem discutido sobre a necessidade de se melhorar a qualidade da

educação no país. O ponto central da discussão, dentro da disciplina de Língua

Portuguesa, no que se refere ao fracasso escolar, tem sido a questão da prática da

leitura. É impossível falar de qualidade de ensino sem falar da formação do

professor, questões que estão interligadas.

A grande reclamação por parte dos professores de Língua Portuguesa e

Literatura tem sido a falta de interesse dos alunos pela leitura. Porém, sabe-se que

nem sempre o próprio professor é um leitor assíduo, e essa é uma questão que

merece ser destacada dentro desse contexto. Como formar alunos leitores quando

nós mesmos não o somos? Como despertar o gosto pela leitura, quando nós não

desenvolvemos esse hábito? Para Snyders, (1990) “O professor que não aprende

com prazer não ensinará com prazer”.

O objetivo principal do ensino de Literatura nas escolas deveria ser a

formação do leitor. Contudo, isso não acontece, pois na medida em que a

escolarização do aluno aumenta, diminui o seu encanto pela leitura. E nós,

professores de Língua Portuguesa e Literatura, na maioria das vezes, contribuímos

para que isso ocorra.

Não se quer aqui culpar somente os professores ou a escola pela situação

caótica em que se encontra a prática da leitura. Compreende-se que a formação

do gosto pela leitura, não cabe somente à escola, e sim envolve fatores sociais,

culturais, econômicos e até políticos. No entanto, ela tem um papel a desempenhar

dentro dessa formação e, normalmente, não desempenha.

A má formação dos professores de Língua Portuguesa e Literatura, muito

tem colaborado para a não formação do leitor na escola. O professor, ao sair da

Universidade, não está tendo fundamentação teórica consistente de acordo com a

prática, e nem conhecimento de encaminhamentos metodológicos adequados que

efetivamente, assegurem-no trabalhar com uma prática de leitura significativa e

que atenda aos reais interesses dos jovens. Isso acaba acarretando em aulas de

literatura fundamentadas apenas no ensino historiográfico e a leitura literária está

sendo deixada em segundo plano.

Uma pesquisa realizada em Porto Alegre, pelo Centro de Pesquisas

Literárias da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para

o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),

em 1984, revelou que a tendência dos professores é adotar e recomendar o livro

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didático, ou folhas avulsas com fragmentos de textos e exercícios. Os livros de

literatura são usados esporadicamente, como um complemento ao livro-texto

(BORDINI & AGUIAR, 1988).

O ensino oferecido pelo curso de Letras nas Universidades está centrado

em muitas teorias sem relação com a prática. O professor vai para a sala de aula

sem, muitas vezes, conhecer qual é o verdadeiro objetivo de se ensinar Literatura

para o aluno. Além das teorias, seria interessante ele conhecer encaminhamentos

metodológicos que priorizem efetivamente a prática da leitura literária. Faz-se

necessário também, proporcionar ao futuro professor um contato maior com obras

da literatura infanto-juvenil, possibilitando-lhes identificar aquelas que apresentam

qualidade estética e que merecem ser trabalhadas.

É importante que ele conheça e vivencie as dificuldades de se trabalhar com

o ensino de literatura nas escolas e, que possa experimentar o que viu na teoria,

confrontando essas realidades. Ele precisa saber que é também sua, a

responsabilidade do “letramento literário” do aluno. Para isso, deve estar bem

fundamentado para encontrar caminhos que contribuam para o aluno aprender a

ler textos literários e descobrir os prazeres que essa prática proporciona, sabendo

o que é um bom texto literário e como encaminhá-lo em sala de aula.

Segundo Bordini & Aguiar, (1988, p. 32),

Contudo, a formação recebida nos cursos de Letras e nos de 2º grau, com terminalidade em Magistério, bem ou mal propicia uma bagagem de conteúdos relacionados à literatura que deveria sustentar um ensino mais eficiente. Da mesma forma, o professor em exercício conta com vasta bibliografia para alimentar seus conhecimentos nessa área. Isso tudo, entretanto, parece não resolver a crise, pois, ainda que eventualmente de posse de todas as referências necessárias, o professor vê-se desorientado quanto ao modo de organizar experiências a elas atinentes em sala de aula.

O que ocorre é que o estudante ao sair da graduação, muitas vezes tem

conhecimento das teorias, mas não conhece as dificuldades e necessidades de

uma sala de aula, nem tampouco conhece a principal ferramenta que utilizará em

sala de aula, os textos literários e obras infanto-juvenis de boa qualidade

estética.

Enquanto não houver uma aproximação maior entre Universidade e escolas,

não será possível reverter esse quadro. A Universidade, especialmente o Curso de

Letras, precisa voltar o seu olhar para a escola e promover maior integração entre

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o seu ensino e a real situação de sala de aula. Deve haver um contato maior entre

o professor pesquisador da Universidade e o professor das séries fundamentais,

possibilitando a troca de experiências e que as escolas possam, através de seus

professores, estarem a par do que há de mais recente e que pode ser incorporado

a sua prática, para melhorar a qualidade do ensino.

Sandra Moser, em seu estudo sobre o processo de formação reflexiva do

professor, afirma em seu texto que “dar espaço para a reflexão durante a formação

se faz necessário.” O professor ao refletir sobre sua ação, torna-se menos executor

de metodologias dos outros e investiga a sua própria prática. Segundo ela, “a auto-

reflexão, faz com que o professor descubra seu “eu” professor e seja capaz de

resolver situações conflituosas em sala de aula” (MOSER, 2005).

Porém, é importante ressaltar que uma boa graduação é necessária, mas,

ela por si só, não basta. É essencial que o profissional da educação esteja sempre

atualizado. Isso remete à necessidade da formação continuada no processo

educacional, oportunidade essa vivida por alguns professores estaduais do estado

do Paraná, nos últimos dois anos, através do Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE).

A Secretaria de Estado da Educação em cooperação com a Secretaria de

Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, instituiu esse programa como

uma política educacional inovadora de formação continuada para os professores

da rede estadual. O programa possibilita a progressão na carreira e contribui para

a melhoria na qualidade de educação, pois os professores, após aprovação num

concurso, foram afastados da sala de aula, com tempo livre para estudos e

elaboração de um Plano de Trabalho que será aplicado na escola em que atua.

O programa foi uma oportunidade única na nossa vida profissional. A

atualização do professor é algo indiscutível, contudo, torna-se difícil conciliar as

atividades escolares, os cursos de aperfeiçoamento e leituras que devemos

realizar. As atividades previstas nesse programa foram desenvolvidas em parceria

com as Universidades. O contato com os professores pesquisadores e as leituras

realizadas paralelamente, muito contribuíram para o nosso crescimento

profissional. Essa parceria com as Universidades oportunizou uma reflexão

pedagógica crítica acerca da real formação do profissional do curso de Letras,

viabilizando a integração entre a formação de graduação e a formação continuada

dos egressos do Ensino Superior.

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O conhecimento da realidade escolar pelos professores da rede estadual e

as teorias apresentadas pelos professores pesquisadores, permitiu-nos muitas

discussões e reflexões a respeito de dificuldades encontradas na nossa prática

pedagógica. A grande vantagem desse programa é que foi possível ver a teoria

associada à prática. O professor, na medida em que participava dessas atividades,

estabelecia comparações com a sua prática e elaborava, paralelamente, uma

proposta de intervenção na escola, visando melhorias no ensino de sua disciplina.

Essa formação continuada resultará numa mudança de postura do professor

enquanto profissional em sala de aula, que voltará para a sua realidade escolar

melhor fundamentado teoricamente e com novas propostas para desenvolver em

sala de aula.

Porém, já que esse programa terá continuidade, como forma de

contribuição, seria necessária a revisão de alguns aspectos, como o oferecimento

de cursos centrados especialmente nos fundamentos educacionais e em

estratégias de como utilizar os recursos tecnológicos para complementação da

aprendizagem, que acredito ter deixado a desejar.

A leitura na escola

Há 14 anos, quando iniciei o trabalho como professora de Língua

Portuguesa e Literatura, tenho me preocupado com a falta de interesse dos alunos

em ler. Observo que ao entrar na 5ª série o aluno tem um encantamento pela

leitura e isso vai se perdendo, na medida em que ele avança para as outras séries.

Ao chegar ao Ensino Médio, os alunos, em sua maioria, não lêem, ou se o fazem é

por imposição do professor. Durante toda a minha prática, tenho buscado novas

estratégias para reverter essa situação ou, ao menos, diminuí-la.

Essa preocupação não é só minha, pois a discussão sobre a importância da

leitura é uma preocupação também da maioria dos professores de Língua

Portuguesa e de muitos estudiosos (VIEIRA, 1989 e SILVA, 1993). Porém,

enquanto se afirma isso, destina-se o mínimo de tempo para essa prática e o aluno

vai afastando-se cada vez mais da leitura.

Percebe-se que nas 5ª e 6ª séries muitos professores ainda têm o hábito de

ler para o aluno. Essa atitude desperta nele o encantamento pelas histórias, e faz

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com que ele tenha maior motivação para ler. Esse ritual de leitura acaba abrindo

espaço para outros trabalhos interessantes que jamais serão esquecidos pelos

alunos como: dramatizações, jograis, maquetes, ilustrações, exposição oral da

história, etc. Esse encantamento vai se desfazendo na medida em que o professor

deixa essa prática de lado (7ª e 8ª séries), priorizando outros conteúdos e

destinando pouco tempo para trabalhar com os textos literários. A leitura, muitas

vezes, não é vista como um conteúdo e acaba sendo trabalhada de forma

desvinculada, como se não necessitasse de um encaminhamento por parte do

professor. Assim, ela torna-se para os alunos uma atividade mecânica, visando

apenas a nota, ou simplesmente para “matar aula”.

Segundo Coracini (1995, p. 19):

raramente se observa, na prática de sala de aula, a concepção de leitura enquanto processo interativo (leitor-texto, leitor-autor), a partir da recuperação explícita do que se acredita serem as marcas deixadas pelo autor, únicas responsáveis pelos sentidos possíveis.

Não há como negar a obrigação da escola em formar alunos leitores. Mas,

para que isso ocorra, é fundamental que o professor de Língua Portuguesa e

Literatura tenha uma boa fundamentação teórica que lhe permita oferecer um

diversificado repertório de leituras ao aluno. A prática da leitura literária deve levar

o aluno a pensar e interagir com o texto, exercendo sua criticidade, uma vez que a

formação de leitores implica na formação de pessoas que pensam.

Silva (2005, p. 14), afirma que, “ [...] para orientar a leitura, o professor tem

de ser leitor, com paixão por determinados textos ou autores e ódio por outros.”

Segundo ele o que se percebe nas escolas são professores desmotivados, não-

leitores e “apegados” somente ao livro didático.

Em contrapartida, critica também a falta de recursos nas escolas, (Silva,

2005, p. 24), “[...] de que adianta ter um professor leitor, crítico se não se tem

equipamentos de apoio para a produção da leitura nas escolas?” Ou seja, a

promoção da leitura deve ser compreendida como responsabilidade de todo o

corpo docente e não somente dos professores de Língua Portuguesa.

Kleiman (2004, p. 20) acredita que,

Quanto mais conhecimento textual o leitor tiver, quanto maior a sua exposição a todo tipo de texto, mais fácil será sua compreensão, pois [...] o conhecimento de estruturas textuais e de tipos de discurso determinará,

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em grande medida, suas expectativas em relação aos textos, expectativas estas que exercem um papel considerável na compreensão.

Muitos professores acreditam que a prática da leitura se resuma à leitura de

qualquer “coisa”, desde que o aluno leia, esquecendo-se de que é seu dever

ensiná-lo a ler. É comum observar que, durante a aula de leitura, o aluno procure

por gibis, revistas, jornais e dificilmente ele procura um texto literário. Não que

essas leituras não possam ser realizadas. O que se quer ressaltar é que se

desperte nele o interesse por textos com uma qualidade estética mais elaborada.

Pode-se até partir do gosto dele, mas é necessário que haja uma ampliação desse

horizonte.

De acordo com as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (DCE, 2006,

p. 25) “a leitura é um processo de produção de sentido que se dá a partir de

interações sociais ou relações dialógicas que acontecem entre o texto e o leitor”.

Diante disso, é necessária a busca por metodologias para a prática da leitura, que

sejam centradas no leitor. Há que se considerar, primeiramente, o interesse dos

alunos, para que depois, nessa interação, se possa propor leituras mais

elaboradas. O contato do aluno com uma grande variedade de textos e livros, fará

com que ele considere as diferentes leituras de mundo e, a partir de uma temática

que lhe é prazerosa, ele possa despertar para a leitura de outras obras.

Segundo Cosson, (2007, p. 26),

Não é possível aceitar que a simples atividade da leitura seja considerada a atividade escolar de leitura literária. Na verdade, apenas ler é a face mais visível da resistência ao processo de letramento literário na escola. Por trás dele encontramos pressuposições sobre leitura e literatura que, por pertencerem ao senso comum, não são sequer verbalizadas. Daí a pergunta honesta e o estranhamento quando se coloca a necessidade de se ir além da simples leitura do texto literário quando se deseja promover o letramento literário.

O autor afirma que “a leitura é, de fato, um ato solitário, mas a interpretação

é um ato solidário” (COSSON, 2007, p. 27). Sendo assim, quando a escola realiza

somente a leitura nas aulas está desperdiçando tempo que seria utilizado para

aprender. O aluno deveria ler em casa e ter momentos para discutir, compartilhar

expressar os sentidos do texto, pois ninguém nasce sabendo ler literatura.

Dependendo da maneira como ela acontece, essa aprendizagem pode ser bem ou

malsucedida, trazendo conseqüências para a formação do leitor.

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De modo geral, a Literatura é trabalhada nas escolas, existindo ou não a

disciplina denominada na grade curricular, tanto no Ensino Fundamental quanto no

Ensino Médio. O que é ocorre, é que se priorizam outros conteúdos antes da

leitura. Para a literatura sobra pouco tempo e ela acaba sendo trabalhada de forma

estanque, dando ênfase ao ensino das características das escolas literárias e

biografias, deixando em último lugar a leitura e análise dos textos literários. Sabe-

se que, muitas vezes, o aluno sai do Ensino Médio sem ler sequer um livro de

literatura brasileira. Por que isso acontece? Como trabalhar com a literatura para

despertar e formar alunos leitores?

Essa é uma dúvida que acompanha quase todos os professores de Língua

Portuguesa e Literatura. Volta-se então para a questão anteriormente discutida

neste texto. O professor não sabe como conduzir o ensino de Literatura, uma vez

que a sua formação o encaminha para uma metodologia que prioriza a

historiografia e não à prática da leitura de textos literários.

Para Vieira (1989), a proposta curricular dá autonomia ao professor para

conduzir o processo quanto à escolha de conteúdos e metodologias. Mas, para que

isso ocorra de forma satisfatória, é necessário que o professor tenha uma boa

formação profissional, um amplo e diversificado repertório de leitura, o que

dificilmente acontece.

No Ensino Fundamental predominam, como atividades de leitura, as

interpretações de textos dos livros didáticos, atividades extra classe como:

resumos dos textos, fichas de leitura, recontar as histórias lidas com suas próprias

palavras, etc. No Ensino Médio, ela resume-se, geralmente, a uma aula por

semana, onde os alunos recebem muitas informações sobre autores,

características de escolas e obras, sobrando poucas oportunidades para o aluno

ler um texto integral e, quando isso acontece, dá-se prioridade para debates,

resumos, ou, simplesmente, comentários assistemáticos sobre o texto. Não há

compartilhamento das leituras realizadas. O ato de ler como é concebido nas

escolas, muitas vezes, é visto como uma obrigação. Poucos lêem por espontânea

vontade, buscando prazer, emoção ou pela simples essência do texto literário.

Segundo Bordini e Aguiar, (1988, p. 34), “o esvaziamento do ensino de

literatura se acentua, portanto, não só pelo pequeno domínio do conhecimento

literário do professor, mas também pela falta de uma proposta metodológica que o

embase”.

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A busca incessante do professor pelos encaminhamentos do seu trabalho

com Literatura em livros didáticos, é mais uma prova de uma formação universitária

ineficiente frente aos problemas da educação que acaba contribuindo pela não

formação de leitores na escola. O que se percebe nos livros didáticos é que as

atividades de literatura propostas dão privilégio à memorização de autores, de

obras, de características dos períodos literários. Isso, infelizmente, não contribui

para o despertar do gosto pela leitura e não é, definitivamente, ensino de

Literatura. E, se isso ainda vem ocorrendo nas nossas escolas, é porque falta ao

professor uma fundamentação teórica consistente durante a sua graduação no

curso de Letras.

Segundo Cosson (2007, p. 47), o ensino de Literatura compreende três tipos

de aprendizagem: a aprendizagem da literatura que é onde o aluno experiência o

mundo através da palavra; a aprendizagem sobre a literatura, envolvendo os

conhecimentos de história, teoria e crítica; e a aprendizagem por meio da literatura,

os saberes assimilados que essa prática proporciona. O problema das aulas de

Literatura é que oscilam entre as duas últimas, e a primeira que deveria ser o

centro das atividades com literatura na escola é, na maioria das vezes, ignorada.

A literatura não está sendo ensinada nas escolas de forma a garantir a

construção e a reconstrução da palavra. O ensino de Literatura deve estar

centrado na experiência literária. As práticas em sala de aula não devem

contemplar apenas a leitura de obras, mas todo o processo de letramento. A

resposta que damos a partir de uma leitura, é tão importante quanto a própria

leitura.

Quanto à atuação do professor, segundo afirma Vieira (1989), é preciso que

o professor tenha uma nova concepção de ensino de literatura, sem preconceitos,

afastada da tradição escolar e que seja aberta à realidade de nosso tempo,

rompendo com padrões e comportamentos. É importante que haja a

desmistificação de textos e autores literários, que se trabalhe com textos

contemporâneos de interesse dos alunos para que ele possa estabelecer

comparações.

Se o ensino de literatura na escola quer alcançar seu objetivo que é o de

promover a leitura, precisa rever posturas e métodos para a orientação e formação

de leitores. Cabe ao professor conscientizar-se de que ele é fundamental nesse

processo, pois, segundo Silva (1993, p. 22), “sem professores que leiam, que

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gostem de livros, que sintam prazer na leitura, muito dificilmente modificaremos a

paisagem atual da leitura escolar.”

O Método Recepcional

A partir daqui, apresentarei o processo de implementação do projeto de

ensino, em que pesou a busca de um trabalho científico, como também,

inevitavelmente, está presente a questão emocional, nele está contido todas as

emoções e frustrações vivenciadas durante esse processo.

Baseado na constatação do problema da falta de leitura, que é geral,

elaborou-se um Plano de Trabalho que teve como objeto o estudo sobre a leitura

literária no Brasil e o papel da escola no ensino da literatura. Buscou-se

especificar, nesse panorama, as dificuldades pedagógicas na literatura e após um

estudo das alternativas metodológicas que apontam soluções para esse problema,

apreciar o Método Recepcional como uma possível estratégia para ser utilizada por

professores que buscam motivar seus alunos à prática da leitura literária. Em

seguida, farei uma breve apresentação desse método.

O Método Recepcional surge, no Brasil, com estudos realizados por Bordini

& Aguiar, a partir da Estética da Recepção, proposta por Hans Robert Jauss, em

1975, durante o Congresso Bienal dos romancistas alemães.

Zilberman (1989, p. 10), salienta que Jauss considerava inaceitável a

autonomia absoluta do texto sobre o leitor, só porque ele conta com uma estrutura

auto-suficiente que faz sentido tão-somente pela sua organização interna.

Nesse sentido, a estética da recepção propõe uma teoria que tem como

principal foco o leitor, que é designado por Jauss de “Terceiro Estado”, e não

exclusivamente sobre o autor e a produção. Neste caso há uma inversão

metodológica na abordagem dos fatos artísticos.

Jauss concebia o leitor como alguém com um horizonte de expectativas, que

era fruto de suas experiências, e que alcançava sua emancipação através da arte.

Segundo Zilberman (1989, p. 49),

Seu conceito de leitor baseia-se em duas categorias: a de horizonte de expectativa, misto dos códigos vigentes e da soma de experiências sociais acumuladas; e a de emancipação, entendida como a finalidade e

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efeito alcançado pela arte, que libera seu destinatário das percepções usuais e confere-lhe nova visão da realidade.

Para a estética da recepção é irrelevante se a literatura reproduziu fielmente

o universo circundante, importa o modo como a realidade foi transferida para a

ficção, pois isso permite definir a resposta do artista às necessidades do seu

público.

A estética da recepção está fundada no diálogo e na discussão pública,

coerente com o princípio da pergunta e da resposta. Segundo Zilberman (1989, p.

109), Jauss “critica a teoria da intertextualidade que, como a literatura comparada

de outras décadas, renuncia à visão histórica e separa literatura da vida social.”

Essa crítica ainda é válida, pois se percebe que esse modelo tradicional vigora na

maioria das escolas.

Zilberman (1989, p110), afirma ainda que,

(...) colocar o leitor sob o spot da atenção teórica significa trazer o professor e o aluno para esse centro. São eles que desempenham a função de interlocutores diante da obra literária, representando o interesse do presente e o novo horizonte a questionar a obra pelo confronto estabelecido entre os dois tempos em que ela se situa, (...)

Assim, o trabalho com a prática da leitura sob a perspectiva da Estética da

Recepção sugere que o professor parta do interesse dos alunos. O que se percebe

é que a leitura literária nas escolas é trabalhada de forma descontextualizada e,

principalmente, os textos e livros propostos não são de interesse do aluno, tanto na

temática, quanto no gênero. Sabe-se, portanto, que a escola precisa trabalhar com

assuntos, conteúdos, que nem sempre são de preferência do aluno, mas quando

se trata de formar leitores, há que se pensar em algo que motive os alunos a lerem.

Segundo Bordini e Aguiar (1988, p. 86):

O método recepcional de literatura enfatiza a comparação entre o familiar e o novo, entre o próximo e o distante no tempo e no espaço. Por conseguinte, são sempre cotejados textos que pertencem ao arsenal de leitura do grupo com outros textos, documentos de outras épocas, regiões e classes sociais, em diferentes níveis de estilo e abordando temáticas variadas.

Com base nessa concepção, é que se propõe um método que leve em

consideração a temática que é de preferência do aluno para depois apresentar-lhe

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uma leitura mais aprofundada. Acredita-se que, com este trabalho, o aluno possa

estabelecer comparações e desperte para outras leituras, descobrindo assim o

grande universo dos livros. Essa estratégia também possibilita ao aluno perceber

que há obras consideradas clássicas que tratam de temática que são de seu

interesse.

É necessário ressaltar, portanto, que esse é um trabalho muito árduo para o

professor, que precisará trazer para a sala de aula uma variedade grande de obras

e livros de temáticas diferentes e, assim, estabelecer relações com outras obras

que considera importante o aluno conhecer. Para que essa metodologia possa dar

um bom resultado, o professor precisa ser um bom leitor que incentive e mostre,

através de sua prática, que é realmente um apaixonado pela leitura e que seja

capaz de estabelecer comparações entre a temática de preferência do aluno e

obras da literatura clássica.

O Método Recepcional é uma alternativa para o ensino de literatura que tem

o leitor como principal foco da investigação e compreende as seguintes etapas:

1. Determinação do horizonte de expectativas : essa etapa corresponde à

investigação inicial para se fazer um levantamento diagnóstico sobre a temática ou

gênero preferido dos alunos em relação à leitura. Ela pode ser realizada através de

observações, conversas com alunos e professores, visita à Biblioteca da escola.

2. Atendimento do horizonte de expectativas : após se conhecer qual é a

temática ou gênero preferido pelos alunos, o professor atende às expectativas

deles, trazendo livros ou textos com os temas ou gêneros sugeridos.

3. Ruptura do horizonte de expectativas : nessa etapa, o professor, depois

de atender as expectativas dos alunos, propõe uma outra leitura, pode ser dentro

da temática ou gênero sugerido, só que agora um pouco mais “elaborada”. Neste

momento o professor manterá algum elemento sugerido pelos alunos (temática,

gênero, etc).

4. Questionamento do horizonte de expectativas : esse é um momento de

discussão a partir das leituras realizadas. Cabe ao professor fazer

questionamentos sobre as leituras, solicitando que os alunos estabeleçam

comparações entre as segunda e terceira etapas, reconhecendo a contribuição que

lhes trouxeram essas leituras, que tipo de linguagem fora utilizada, gênero, etc.

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5. Ampliação do horizonte de expectativas : essa etapa corresponde a

uma nova determinação de expectativas para a realização de novas leituras,

iniciando assim um novo ciclo do Método Recepcional.

No ano de 2008, compreendendo já a segunda etapa do Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), realizou-se, no primeiro semestre do ano

letivo, a implementação da proposta no Colégio Estadual Dr. Arnaldo Busato,

município de Cruzeiro do Iguaçu, região Sudoeste do estado do Paraná. A

proposta teve como objetivo principal a apreciação do Método Recepcional em sala

de aula, como uma alternativa para despertar o gosto pela leitura dos alunos da 5ª

A.

O trabalho iniciou-se em fevereiro, durante a Semana Pedagógica, com a

exposição do Plano de Trabalho à Equipe Pedagógica e professores da escola.

Fez-se um detalhamento dos desdobramentos do Plano e formas de

implementação da proposta. Houve, também, uma divulgação da Proposta aos

professores de Língua Portuguesa da própria escola, sensibilizando-os para que

também elaborassem um Plano de Trabalho em Literatura, aplicando o Método

Recepcional. Os professores demonstraram-se interessados em conhecer melhor e

aplicar esse método.

Como a proposta seria desenvolvida com os alunos da 5ª “A”, os pais

desses alunos foram convidados a participarem de uma reunião para conhecer o

Plano de Trabalho e o objetivo dessa proposta. Após a divulgação, firmou-se um

compromisso de todos em incentivar os alunos durante todo esse processo.

Antes da implementação efetiva do Método, foi preciso conhecer os alunos,

seus interesses e realidades. Para tanto, os alunos responderam um questionário

para diagnosticar, dentre outras informações, questões específicas de literatura,

tais como: relação com a obra literária, freqüência de leitura, assuntos/temas

preferidos, experiências significativas ou negativas com a leitura e a importância

da Biblioteca Escolar. Esses dados contidos na investigação inicial foram

sistematizados para que, a partir deles, fosse aplicado o Método Recepcional que

contempla o interesse dos alunos.

Ao observar as respostas dos alunos na investigação inicial, pude perceber

que o tema/assunto de preferência deles era, em primeiro lugar, histórias de

aventura; em segundo, humor e em terceiro lugar, histórias de amor. Foi a partir

desses dados, que elaborei um Plano de aplicação do Método para atender às

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expectativas deles, trabalhando com histórias de aventura. Porém, como nem

sempre as coisas acontecem exatamente como planejamos, o primeiro ciclo da

aplicação desse método não teve o resultado esperado. Foi preciso que eu

repensasse a sua forma de aplicação para que o meu trabalho tivesse êxito.

Apresentarei nesse texto as duas propostas, as quais se denominam, de ora

em diante, Proposta Primeira e Proposta Final.

Proposta Primeira

A apreciação do Método Recepcional teve início do mês de março,

compreendendo as etapas que descreverei abaixo:

•••• Determinação do horizonte de expectativas: considerando o diagnóstico

inicial em que o tema preferido dos alunos era história de aventuras, optei

por iniciar o trabalho com História em Quadrinhos (Gibis). Em seguida,

trabalharia com os livros “A Terra dos Meninos Pelados – Graciliano Ramos

e As aventuras de Pedrinho – Monteiro Lobato”.

•••• Atendimento do horizonte de expectativas: iniciei o trabalho, solicitando

àqueles que tivessem gibis em casa para trazerem na próxima aula. No dia

seguinte, juntamos os gibis da Biblioteca da escola com àqueles que os

alunos tinham trazido. Espalhei tudo sobre a mesa do professor e deixei que

eles escolhessem livremente uma revistinha para ler. A aula foi um sucesso!

Não se ouviu uma conversa durante os 45 minutos de aula. Todos estavam

encantados com as historinhas.

•••• Ruptura do horizonte de expectativas: na próxima aula, questionei-os se

haviam gostado da última aula. Todos responderam que sim e queriam ler

novamente gibis. Então, expliquei-lhes que traria mais gibis numa outra aula

e que naquele dia eu leria para eles uma história muito interessante.

Comecei fazendo uma propaganda do livro “A terra dos Meninos Pelados de

Graciliano Ramos”, falando e mostrando a capa, perguntando sobre o que

eles achavam que era a história, motivando-os para a leitura. Depois,

saímos da sala, sentamos todos no gramado que tem na parte de trás da

escola e eu iniciei a leitura do livro. Na medida em que lia a história,

envolvia-os em perguntas sobre o que aconteceria na seqüência e, alguns

deles participavam. Demoramos umas duas aulas para terminarmos de ler o

livro. Perguntei-lhes se tinham gostado da história e a maioria respondeu

que sim, alguns não se manifestaram. Como na história aconteceram muitas

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coisas estranhas num país chamado Tatipirum, solicitei que em casa

escrevessem e ilustrassem a parte que acharam mais estranha de toda

história. No próximo dia, recolhi todos os textos, expondo-os no mural da

sala com o título “Coisas estranhas que acontecem no país de Tatipirum”.

Foi muito divertido, pois todos queriam ler e ver os desenhos do colega.

Percebi que apesar de ser uma história interessante, tornou-se cansativo

para eles somente ouvir.

•••• Questionamento do horizonte de expectativas: para atender essa etapa,

apresentei-lhes um gibi e o livro “A terra dos meninos pelados” (Graciliano

Ramos), questionando-os sobre as leituras realizadas. Perguntei-lhes de

qual gostaram mais, qual foi mais divertida, por que foi mais interessante,

com qual delas aprenderam mais. Um menino disse-me que gostou do livro,

só achou difícil ficar o tempo todo prestando atenção, que se ele próprio

lesse a história seria melhor. Alguns disseram que a leitura dos gibis tinha

sido mais divertida, engraçada, mas que com a segunda história tinham

aprendido uma lição para a vida a partir das aventuras vividas pelo

personagem Raimundo.

•••• Ampliação do horizonte de expectativas: dando continuidade a aplicação do

método, trouxe, na próxima aula, o livro “Caçadas de Pedrinho – Monteiro

Lobato”. Como esse exemplar era meu e na escola onde trabalho não

possuía nenhum outro, resolvi tirar cópia do livro para realizar a leitura em

capítulos, dividindo-os em duplas. Apresentei-lhes o autor, dizendo-lhes que

era o mesmo autor do programa Sítio do Pica-Pau Amarelo. Perguntei-lhes

se já conheciam esse programa. Todos responderam que sim. Contei-lhes

que esse programa já havia sido apresentado há muitos anos atrás e que

agora estava sendo apresentada uma versão moderna da história. Em

seguida, apresentei-lhes os personagens do livro, dizendo-lhes que eram os

mesmos do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Depois de ter me certificado de que

todos compreenderam o contexto da história, organizei as duplas para que

então escolhessem um lugar, podendo ser fora da sala de aula, para

realizarem a leitura. Expliquei-lhes antes que na próxima aula eles deveriam

contar o que tinha acontecido no capítulo que leram e, na medida em que

os colegas fossem contando, iríamos conhecendo a história.

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A próxima aula, programada para o relato dos capítulos foi uma decepção.

Poucos alunos conseguiram contar o que tinham lido, pois não compreenderam a

história e ficava difícil para eles contar, faltava-lhes informações. Percebi que havia

cometido um grande erro em fragmentar o texto. Mas, apesar de frustrada, fui

acompanhando a história, ajudando-os a contarem os capítulos. Ao final, fiz um

breve resumo oral do livro para que compreendessem melhor a aventura vivida por

Pedrinho e sua turma. Essa etapa não alcançou o sucesso que eu esperava.

Após uma avaliação de todo o meu trabalho, verifiquei que houve um

descompasso entre teoria e prática – dialética difícil e necessária. Muitas vezes,

planejamos o nosso trabalho baseado numa teoria e percebemos que a sua

aplicação, na realidade, é muito mais difícil, pois enfrentamos inúmeras

dificuldades nas escolas. A maior delas, em se tratando do ensino de Literatura, é

a falta de exemplares suficientes para se fazer um bom trabalho. Geralmente

encontramos no máximo três exemplares de um bom livro e isso é insuficiente, pois

seria interessante que todos realizassem uma mesma leitura para que houvesse

uma discussão significativa a partir dessa leitura. Acreditei, na minha inexperiência,

que apresentando um texto fragmentado para os meus alunos iria obter o mesmo

resultado. Percebi então que alguns pontos de minha prática necessitavam de

revisão: a falta de exemplares suficientes do livro escolhido para trabalhar; muita

leitura feita por mim em sala de aula; e a dificuldade da leitura de textos

fragmentados. Foi a partir dessa avaliação que decidi desenvolver um novo ciclo

do Método Recepcional, o qual será descrito na seqüência.

Proposta Final

• Determinação do horizonte de expectativas: como o levantamento das

expectativas já havia sido realizado e humor era um dos temas preferido dos

alunos, decidi trabalhar com esse tema, apresentando-lhes textos nos

gêneros de piada, contos e crônicas.

• Atendimento do horizonte de expectativas: nessa etapa, encaminhei os

alunos à Biblioteca da escola e apresentei-lhes livros de piadas e

pegadinhas. Cada aluno pegou um livro e, assim que terminasse de ler

podia trocar com o colega. Propus a realização de um Festival de Piadas,

que foi aceito com muita euforia por todos. No outro dia, durante o festival,

todos participaram e divertiram-se muito. Para a minha surpresa, alunos

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muito introvertidos durante as aulas, contaram piadas muito engraçadas.

Para a próxima aula, combinamos que cada um inventaria uma piada, faria o

registro numa folha para expor no mural da sala.

• Ruptura do horizonte de expectativas: o objetivo dessa etapa era

apresentar-lhes outros gêneros textuais, com o mesmo tema, como: contos

de Câmara Cascudo, crônicas de Luís Fernando Veríssimo, poesias de José

Paulo Paes, Mário Quintana, Clarice Lispector e Ferreira Gullar. Selecionei

os textos, colei-os em papel cartolina e organizei-os numa pasta. Deixei que

os alunos escolhessem, lessem e trocassem entre si. Percebi que os alunos

não sabiam que poderiam ler poesias engraçadas, contos engraçados, e

isso era muito divertido para eles. Em seguida, pedi que se juntassem em

pequenos grupos e lessem os textos. Cada grupo deveria escolher um texto

para uma dramatização. Escolhidos os textos, partimos, numa próxima aula,

para os ensaios das dramatizações. As apresentações foram filmadas pelos

alunos e professora. Os pais foram convidados para virem à escola e assistir

as dramatizações. Foi um sucesso! Os alunos adoraram a experiência de se

verem na televisão e os pais elogiaram o trabalho realizado.

• Questionamento do horizonte de expectativas: utilizando o retro projetor,

iniciei uma discussão com os alunos a respeito das leituras realizadas desde

o início do trabalho. Mostrei-lhes uma piada, uma poesia, um conto e uma

crônica. Pedi que estabelecessem comparações entre os textos e

verificassem quais as diferenças e semelhanças entre eles; que tipo de

linguagem fora empregada em cada um deles, o que diferenciava um

gênero do outro, quais as características específicas de cada texto, etc. A

discussão foi muito proveitosa, pois eles compreenderam que na piada o

objetivo é somente causar humor, enquanto que nos outros, há uma

construção mais elaborada dos textos para que o humor seja compreendido

no decorrer da história.

• Ampliação do horizonte de expectativas: na aula seguinte, perguntei-lhes o

que gostariam de ler. A maioria demonstrou interesse pela leitura de

crônicas e contos. Então, já planejei uma nova etapa do método, atendendo

às expectativas deles.

Fiquei feliz ao término desse último ciclo porque acredito ter alcançado os

objetivos propostos. Percebi, na medida em que desenvolvíamos as etapas, o

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quanto os alunos estavam gostando das atividades e demonstravam interesse pela

leitura. Pude constatar também, que o método pode ser desenvolvido a partir de

textos e não somente com livros, como eu havia pensando na primeira proposta.

Outro fator bastante relevante nesse processo, foi a minha avaliação e a

minha mudança de postura frente às dificuldades. É necessário, muitas vezes,

adaptarmos o nosso trabalho à situação real da escola para que o nosso aluno não

saia prejudicado nesse contexto.

Paralelamente ao trabalho de implementação da proposta, surgiram dois

projetos paralelos que desenvolvi com alguns alunos e pais. O primeiro foi

chamando de Amigos da Leitura e tem como objetivo despertar o gosto pela leitura.

É um projeto realizado a cada 15 dias, na praça do município, onde nos reunimos

para realizar leituras e atividades referentes. Esse trabalho conta com a

participação ativa de aproximadamente 15 alunos da 5ª A, os quais estão muito

entusiasmados com as atividades de leitura.

O segundo projeto, “Palavras Vivas”, envolve a participação dos pais e

demais familiares. Os alunos levam para casa uma sacola com uma obra e um

caderno de registro dentro. Eles devem realizar a leitura junto com os pais e estes,

devem registrar suas considerações a respeito dessa experiência. Considerando

os comentários registrados no caderno, sinto-me feliz por estar proporcionando-

lhes a oportunidade de participarem da educação dos seus filhos. Estou bastante

satisfeita com os resultados dos dois projetos.

Concluo o trabalho, afirmando que a Estética da Recepção, mais

precisamente o Método Recepcional, contribuiu muito para os avanços que tivemos

durante esse primeiro semestre. Tenho percebido que há um interesse maior pela

leitura. Através das carteirinhas da Biblioteca Escolar, observei que eles estão

lendo mais. Parecem encantados com a leitura. Durante a nossa troca de livros, é

comum me procurarem para que os oriente na escolha de um bom livro, algo que

não acontecia no início do ano. Ficou comprovado que ao proporcionarmos leituras

que são de seus interesses, ajudamos na formação do aluno-leitor, mostrando-lhes

que a prática da leitura pode ser prazerosa. Ao partirmos de temas, gêneros que

são da preferência deles, conquistamo-lhes a confiança e, a partir disso, podemos

proporcionar-lhes leituras mais avançadas.

Esse progresso significativo apresentado pelos alunos que participaram

desse projeto, não foi só no ensino da literatura, eles demonstraram interesse

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maior pelas outras disciplinas, tornaram-se mais extrovertidos e, como

conseqüência, houve melhora em relação à nota também.

O método descrito aqui não deve ser considerado como uma única forma

de se trabalhar com literatura. Existem outras estratégias que devem ser

experimentadas, mas acredito que ele muito contribuiu para os resultados

alcançados e pode ser uma alternativa para o ensino de Literatura. Há que se

ressaltar também a importância do professor ser um leitor assíduo e conhecer a

literatura infanto-juvenil. Não há como despertar nos outros o gosto pela leitura,

quando esta não ocupa um espaço especial em nossa vida. O professor de

Literatura deve, acima de tudo, ser um amante dos livros e contagiar seus alunos.

Ele precisa despertar neles o encantamento pela leitura e isso só acontecerá se ele

verdadeiramente ama a leitura.

Sabemos que são muitas as dificuldades enfrentadas pelo professor de

Literatura, especialmente o de escola pública, mas não podemos deixar que esses

problemas nos impeçam de desenvolver um bom trabalho. Cabe a nós,

cumprirmos o nosso papel, proporcionando aos nossos alunos uma nova visão de

mundo, através da viagem mágica das palavras.

É urgente a necessidade de uma formação mais prática durante o curso de

Letras. A Universidade deve estar integrada à realidade da escola. O graduando de

Letras precisa chegar à sala de aula tendo uma formação teórica bem

fundamentada que lhe dê segurança para desenvolver a sua prática e adaptá-la

quando houver necessidade. Enquanto isso não acontece, ficamos à mercê de

aulas de literatura baseadas em memorização de autores, períodos literários, sem

o ensino essencial da prática da leitura.

Ao desenvolver esse trabalho, pude constatar na prática, o quanto o

conhecimento teórico nos proporciona a flexibilidade de revermos estratégias e

mudarmos a nossa postura mediante as dificuldades. Quando conhecemos

realmente qual é o nosso objetivo, o que pretendemos em relação ao nosso aluno,

torna-se muito mais fácil o trabalho. Sinto-me agora muito mais segura do que há

pouco tempo atrás. Fazer parte desse programa possibilitou-me muito mais do que

um avanço na carreira profissional. Além de muito conhecimento teórico, posso

garantir que sou conhecedora da minha verdadeira função como professora de

Língua Portuguesa e Literatura e o que fazer para que isso realmente se efetive.

Não descobri a fórmula mágica, mas encontrei caminhos, alternativas que poderão

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ajudar na formação de alunos-leitores, por meio da necessária dialética entre teoria

e prática.

Referências Bibliográficas

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