teoria sobre dicionário para surdos

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    CAPTULO 01: SURDEZ, DICIONRIO E MULTIMODALIDADE

    Quem no v bem uma palavra,no pode ver bem uma alma

    (Fernando Pessoa)

    01 DA EDUCAO BILNGE DOS SURDOS1

    A educao de surdos vem passando por grandes mudanas. Hoje,muitos pesquisadores aceitam a LIBRAS como lngua materna dos surdos e alngua portuguesa como segunda lngua o que caracteriza uma educaobilnge. Todavia, a implementao do Bilingismo recente e conhecer opercurso histrico pelo qual os surdos passaram bem como alguns conceitosbsicos na rea de estudos da surdez de fundamental importncia para que setenha uma postura crtica diante da realidade educacional dos surdos. No nosso objetivo apresentar um estudo completo e exaustivo sobre essa temtica,no entanto, mostrar-se-ia uma falha ignorar tais questes. Apresentaremos, assim,neste captulo, um breve relato da viso bilnge que adotamos para este trabalho.

    01.1 O incio da educao de surdos

    Imagina-se que existam surdos desde o comeo da humanidade e,devido sua necessidade de comunicao, eles desenvolveram formas delinguagens gestuais que serviriam de base para o surgimento das lnguas desinais. Contudo, a falta de informaes sobre o assunto uma conseqncia daatitude do ser humano, dito normal, em esconder aquilo que no entende, o outro.Mais ainda se esse outro possui caractersticas limitantes consideradas pelamaioria como doena. Desse modo, podemos perceber que a histria da surdez,

    1 Adotamos a mesma concepo de surdo defendida por vrios pesquisadores (Nunes de Souza2008, Sacks 1998, etc): surdo o sujeito que, independentemente do nvel de perda auditiva, usurio de lngua de sinais, sua primeira lngua, e assume para si a identidade social, poltica,cultural e lingstica surda. Tal definio pode parecer uma simplificao da realidade, todavia,tanto para os trabalhos mencionados quanto para este, ela se mostra funcional.

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    da educao dos surdos e de sua lngua, um prprio reflexo do modo como ahumanidade atua sobre o indivduo surdo.

    H poucos registros sobre a maneira que os surdos eram tratados naAntigidade. A maior parte do que sabemos so inferncias com base nasociedade como um todo. Durante este perodo, houve uma cultura de idolatria daperfeio seja do corpo, como em Esparta, seja da mente como com os filsofos.Todo aquele que fosse considerado incapaz era excludo da sociedade, ou mesmosacrificado. Aqueles que sobreviviam eram tratados como seres primitivos,

    amaldioados pelos deuses. Como no conseguiam se comunicar com outraspessoas e a lngua era vista como expresso do pensamento, nem eramconsiderados seres humanos e, muito menos, possuam direitos.

    Tal atitude persistiu por muitos sculos at que, com a influncia daIgreja na sociedade, as pessoas, em especial os religiosos, comearam adefender o direito dos deficientes vida. Quem sacrificasse um recm-nascido porsua deficincia era severamente punido. Apesar disso, os surdos permaneciamexcludos do convvio social, sendo colocados em instituies como sanatrios.Ainda assim, segundo Moores (1987, apudSouza 1998), desde que pudesseescrever, o surdo poderia ter o direito de administrar a prpria vida, herdar bens ese casar. Isso abriu espao para que, no sculo 16, os surdos pudessem sereducados.

    Foi nesse perodo, na Espanha, que o monge beneditino Pedro Ponce

    de Leon (1520-1584) tentou escolarizar os primeiros surdos. Seu mtodo deensino se baseava no uso de um alfabeto manual e, inicialmente, o surdo eraensinado a ler e escrever para ento aprender a falar. Ele chegou a criar umaescola para surdos filhos de ricos nobres. No entanto, o alfabeto manual erautilizado como um instrumento para se chegar lngua oral, isto , qualquer formade comunicao gestual no possua o patamar de lngua.

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    A primeira escola pblica para surdos foi o Instituto de Surdos-Mudos deParis fundado pelo abade Charles Michel de LEpe nos primeiros anos da dcada

    de 1760. A partir do contato que teve com os surdos que mendigavam pelas ruasde Paris, ele criou osSinais Metdicos , uma combinao do que aprendera comos surdos com a gramtica do francs, sendo assim, uma espcie defrancssinalizado . Os sinais metdicos foram a base do Mtodo Gestual de LEpe.

    Paralelamente, na atual Alemanha, Samuel Heinick criou um mtodoque se oporia ao Gestual e que seria base do Oralismo hoje. Heinick dizia que a

    nica forma de o surdo ser inserido na sociedade era pela da Oralizao e o usode lngua de sinais impediam o surdo de ser oralizado. Fundou, com isso, aprimeira escola pblica baseada exclusivamente na oralizao. Sobre esteperodo, Godfeld (1997) afirma:

    As metodologias de LEpe e Heinick se confrontaram e foramsubmetidas anlise da comunidade cientfica. Os argumentos deLEpe foram considerados mais fortes e, com isso, foram negados aHeinick recursos para a amplificao de seu instituto. (GOLDFELD,1997, p. 26)

    A mesma autora afirma que, nesse mesmo perodo, a educao dossurdos deu um salto de desenvolvimento tanto quantitativamente quantoqualitativamente graas ao uso das lnguas de sinais. Vale destacar a fundaoda primeira universidade para surdos em meados do sculo seguinte, aUniversidade Gallaudet em Washington nos EUA.

    01.2 O Congresso de Milo e o Oralismo

    Um dos fatos mais marcantes da histria da educao de surdos foi ocongresso realizado em Milo, na Itlia, em setembro de 1880. Ele ocorreu em umcontexto que, devido aos avanos tecnolgicos e ao desenvolvimento dos estudosfonticos e fonolgicos das lnguas orais, as idias de Samuel Heinick sobreoralizao ganhavam uma nova fora. Sobre isso Souza (1998) afirma:

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    [...] A abordagem oralista no s se manteve como acabou por sereorganizar em uma base de sustentao mais forte do que amanualista, principalmente a partir do sculo XIX, quando as lnguasorais foram objeto de estudo fontico cuidadoso. Alguns foneticistas dapoca, entre eles Alexander Bell, dirigiram seu interesse em estudar aposio dos rgos fono-articulatrios na emisso de cada fonema,preocupados mesmo com a questo do ensino da fala para os surdos.Seu filho, Alexander Grahan Bell, dedicou grande parte de sua vida aesse projeto. O oralismo se alicerou, pois, nos estudos biolgicos dosrgos da fala e no modo como produzem sons. Trein-los edesenvolv-los passou a ser meta educacional na crena de que, aoestimul-la, a fala emergisse por si [...]. (SOUZA, 1998, p. 157)

    Essa foi a segunda conferncia internacional sobre o tema. AlexanderGraham Bell teve uma grande influncia nesse evento de modo que a abordagemgestualista foi marginalizada e as lnguas de sinais proibidas. Vale ressaltar que oseducadores surdos, como representantes da Universidade Gaulladet, no tiveramdireito de participar do evento. E assim foi institudo o mtodo oralista.

    Tal mtodo objetiva integrar o aluno surdo comunidade ouvinte, umavez que a surdez tida como uma deficincia e o surdo, portanto, um doente.

    Para o Oralismo, a lngua oral deve ser a nica forma de comunicao dos surdose qualquer forma de comunicao de base gestual deve ser evitada. Valeressaltar, inclusive, que os alunos novatos e veteranos eram ensinados emambientes diferentes para que os mais antigos, que j haviam recebido umaeducao gestual, no exercessem influncia aos recm ingressados. Isso ocorriaporque a maioria dos oralistas no considerava a lngua de sinais como lngua e julgavam seu uso prejudicial ao aprendizado da lngua oral o que ainda comum

    hoje.

    A oralizao deve ser iniciada cedo, ainda no primeiro ano de vida,sendo necessrio detectar os problemas auditivos precocemente. Detectada asurdez, vem a etapa de estimulao auditiva, ou seja, os resqucios auditivos soaproveitados e a criana incentivada a discriminar os sons que ouve. Aoralizao direcionada no sentido de permitir que a criana surda domine asregras gramaticais O professor mostra diversas aes para a criana e ressalta

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    que so diferentes (por exemplo: andar, pular, correr, engatinhar) e depois soapresentados esquemas com frases simples e verbos no presente. Posteriormente

    o professor inclui verbos no passado e vai aumentando a complexidade dasfrases.

    No obstante, h muitas lacunas de natureza terica e metodolgicaexistentes no Oralismo principalmente por tal mtodo desconsiderar as lnguasde sinais. O conceito de lngua materna diz que ela que traz significaes para acriana. Ela adquirida naturalmente em contextos de interao social e no em

    um aprendizado sistematizado. Por mais que se tente contextualizar aaprendizagem da lngua oral, ela sempre ser artificial porque a criana surda notem o principal sentido para oinput dessa lngua. Sem condies naturais deaprender uma lngua oral,o surdo precisar sempre de um apoio fonoaudiolgico.Mesmo a leitura labial no totalmente confivel. Pode-se perceber a diferena deuma consoante biliabial (b por exemplo) e uma dental (como t), mas no entreas bilabiais surda, sonora e nasal. Outrossim, a criana surda tem dificuldades deaprender conceitos generalizados e abstratos. Por exemplo, como explicar criana o significado da palavra felicidade se essa palavra no temcorrespondncia concreta? A nica forma de se adquirir tais conceitos participando, interagindo socialmente e compartilhando seus conceitos. Porm,para o Oralismo apenas o canal oral-auditivo considerado eficaz. So ignoradasas relaes scio-afetivas e sua importncia para o desenvolvimento do aluno.Outra desvantagem do mtodo oralista o tempo. necessrio um perodo de 8 a12 anos para que as crianas surdas aprendam a lngua oral dependendo do grau

    de perda auditiva, contudo, comum a surdez ser detectada tardiamente e anecessidade de comunicao com os filhos leva os pais a utilizarem gestos,mmicas, j que a comunicao por via oral no bem sucedida. Limeira de S(2005) apresenta um depoimento de um surdo sobre Oralismo:

    No Oralismo os surdos cresciam fracos em Sinais (sic ), a oralizao eraperfeita mas no conheciam profundamente as palavras. Decoravam aspalavras, mas no conheciam o que estavam falando. O surdo sofre h

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    anos porque sempre foi imposto o Oralismo. (LIMEIRA DE S, 2005, p.174).

    Assim sendo, a despeito de o que os defensores do Oralismo digam, asnecessidades sociais e comunicativas vo alm daquilo que tal mtodo podeoferecer.

    01.3 O surgimento da Comunicao Total

    A instituio do Oralismo causou uma queda na qualidade da educao

    dos surdos, principalmente, por conta da marginalizao das lnguas de sinais.Porm, na dcada de 40, como alternativa para melhorar a educao dos surdos,Dorothy Shifflet, uma professora da Califrnia e me de uma menina surda, criouum mtodo que unia a lngua de sinais, fala, leitura labial e treino auditivo. Talmtodo foi chamado por ela deTotal Approach (Gannon, 1981 apudRamos, 1995,p. 63).

    J na dcada de 60, com os estudos de Willian Stokoe sobre a Lnguade Sinais Americana, as lnguas de sinais comearam a sair da marginalidade.Isso incentivou ainda mais uma reflexo sobre a surdez. Por conseguinte, em1968, Roy Holcomb desenvolveu o mtodo de Dorothy Shifflet rebatizando-o deTotal Comunication , ou Comunicao Total. A maior preocupao daComunicao Total (CT) com os processos comunicativos entre surdos e surdose entre surdos e ouvintes. Os defensores dessa metodologia acreditam quesomente o aprendizado da lngua oral no suficiente para o pleno

    desenvolvimento da criana surda. Leva-se em considerao que as crianassurdas inventam sinais nas suas primeiras tentativas de se comunicar com ospais.

    A CT considera as pessoas surdas nicas e com diferenas individuaisiguais aos ouvintes. Os aspectos sociais e emocionais no so ignorados em favordo aprendizado de uma nica lngua. Com isso, a educao do sujeito surdo

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    individualizada. Utiliza-se quaisquer recursos lingsticos necessrios para facilitara comunicao: lngua oral, lngua de sinais, datilologia (uso do alfabeto manual),

    gestualizao, pigdins, portugus sinalizado, etc. sendo que esses recursospodem ser usados sozinhos ou ao mesmo tempo de acordo com a necessidadede cada um. Ademais, a surdez encarada no apenas como uma patologia deordem mdica, mas como uma caracterstica que altera as relaes sociais,afetivas e cognitivas das pessoas.

    Apesar de a CT ampliar a viso sobre a surdez ao trazer de voltaquestes relacionadas s formas de comunicao no-oral, ela no valoriza

    suficientemente as lnguas de sinais consideradas apenas um recurso a mais isso levou ao surgimento de diversos cdigos gestuais que se confundiam com aslnguas de sinais.

    importante que a criana surda esteja situada em um contexto de usoscio-interativo da lngua. O indivduo no se desenvolve quando domina apenasum conjunto de regras. Apesar de levar em considerao aspectos sociais,emocionais e cognitivos no desenvolvimento infantil, a CT no evidencia algunspontos essenciais no uso da lngua como: a semntica e a pragmtica; apossibilidade de se criar novas estruturas utilizando regras prprias; ou mesmo aabstrao, pois os cdigos visuais no podem cumprir a funo de lngua. Nessecontexto, os surdos continuam sem ter contato com uma lngua que possa seradquirida naturalmente.

    Alm disso, a CT, ao valorizar a linguagem apenas como instrumento,

    deixa de lado caractersticas sociais, histricas e culturais das lnguas de sinaisto importantes para a cultura surda. Os prprios surdos parecem rejeitar o uso decdigos artificiais o que pode levar a uma discriminao dos surdos contra osouvintes usurios da CT e mesmo dos surdos que no dominam a lngua desinais.

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    Assim sendo, a CT nos parece resolver parte do problema dacomunicao, j que a criana consegue informar o que deseja, desde que seu

    desejo esteja num plano concreto. Contudo, a CT pouco contribui na construoideolgica da identidade cultural surda. Ramos (1995) apresenta um brevehistrico da educao de surdos em treze pases. Em todos eles, a ComunicaoTotal se apresenta, na verdade, como um caminho para se chegar ao Bilingismo.

    01.4 O Bilingismo e o contexto atual

    Como j afirmamos, as pesquisas de Stokoe sobre a Lngua Americanade Sinais chamaram a ateno apara as caractersticas lingsticas das lnguas desinais e sua importncia na educao de surdos2. As idias desse autor deixavamevidentes a complexidade do sistema da lngua americana de sinais o quetrouxe inmeras implicaes para os estudos lingsticos e educacionais ligados surdez e serviria como base para a educao bilnge dos surdos.

    Diante desse contexto, em 1987, a Federao Mundial de Surdosorganizou um novo congresso, em Espoo, Finlndia, onde foi deliberado que osurdo teria o direito (e no o dever) ao uso da lngua oral, mas tambm (eprincipalmente) o direito sua lngua de sinais. Tal atitude favoreceu o incio daconsolidao do Bilingismo, abordagem educacional que percebe a lngua desinais como lngua materna do surdo e tambm advoga a favor da existncia deuma cultura surda.

    Goldfeld (1997) afirma que o Bilingismo parte do pressuposto de que oaluno surdo deve ser bilnge, isto , ele adquire a lngua de sinais de suacomunidade como lngua materna, para, em seguida aprender, a lngua oral deseu pas na modalidade escrita. O Bilingismo percebe o surdo de forma diferente

    2 Apesar dos estudos de Stokoe terem sido fundamentais para a aceitao das lnguas de sinaiscomo lngua de fato, Ramos (1995) afirma que o interesse por essas lnguas so bem mais antigo.De acordo com a autora, o primeiro livro conhecido que busca descrever uma lngua de sinais datade 1644, escrito por J. Bulwer.

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    do Oralismo e da Comunicao Total. Para os bilingistas, o surdo no precisaalmejar uma vida semelhante do ouvinte, ele pode assumir sua diferena como

    uma caracterstica identitria. Assim, a surdez deixa de ser vista como umadeficincia, as escolas deixam de lado o papel de clnicas e os surdos passam aformar uma comunidade com caractersticas prprias (Skliar, 2005; Nunes deSouza, 2008).

    Atualmente, o Bilingismo est ocupando um grande espao no cenriocientfico mundial. Nos EUA, Canad, Sucia, Venezuela, Israel, entre outrospases, existem diversas universidades pesquisando o tema. No Brasil, seguindo atendncia mundial, o Bilingismo voltou discusso a partir da dcada de 80 enos anos 90, comeou a ser implantado nas escolas.

    No existe uma unanimidade entre os pesquisadores em relao steorias adotadas. H pesquisas sobre o Bilngismo baseadas no Gerativismo deChomsky e, tambm, no Scio-interacionismo, principalmente no que se refere aVygotsky. O mesmo acontece quando o assunto a aplicao das teorias s

    prticas no contexto de sala de aula.

    O maior problema do Bilingismo ainda sua acessibilidade. A maioriados surdos possui pais ouvintes e, para que a criana tenha sucesso na aquisioda lngua de sinais, necessrio que a famlia tambm aprenda essa lngua demodo a incentivar a criana a utiliz-la em casa. Porm, nem sempre os pais seinteressam por essa aprendizagem, mesmo alguns surdos herdam o preconceito

    da sociedade ouvinte e acabam se considerando como deficientes e nobuscando aprender a lngua de sinais. A famlia tem um papel importante, j queela ser responsvel por cultivar os hbitos do indivduo no que se refere aos usosda linguagem.

    Outro ponto importante, chamado a ateno por Lorezini (2004) que oBilingismo deve ser tratado em toda sua amplitude poltica e cultural, do contrrio

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    seria restringir a educao dos surdos a uma simples abordagem lingstica. Elaafirma:

    A comunidade surda no , e no ser nunca, prisioneira de umadualidade; outras lnguas correntes no Brasil, como o espanhol e oingls, tambm so necessrias. Um outro perigo o bilingismo comvistas a um final feliz, isto o monolinguismo, o que novamenteprovocaria um gueto no sentido do fechamento da comunidade surdaem relao a uma esmagadora hegemonia ouvinte. (LOREZINI, 2004p. 19)

    Ademais, Mendes da Silva (1997) adverte para o fato de simplesmente

    se aceitar as lnguas de sinais como lngua materna dos surdos sem o seu devidoconhecimento estrutural, suas especificidades e, principalmente, os motivos quelevam a elas serem consideradas como primeira lngua dos surdos.

    01.5 A educao dos surdos no Brasil

    A histria da surdez no Brasil segue caminhos semelhantes ao quehouve no resto do mundo. Em 26 de setembro de 1857, foi fundado o Imperial

    Instituto de Surdos-Mudos (atual Instituto Nacional de Educao de Surdos INES), no Rio de Janeiro, sob orientao do francs Hernest Huet, discpulo deLEpe. Perlini (2002) apudLorezini (2004) dita que a sociedade brasileira por faltade informaes relutava em educar os surdos, todavia a interveno de Huet e oapoio que este possua foram essenciais para o surgimento do INES.

    De acordo com Fernandes (1998), o Programa do Instituto utilizava

    lngua de sinais e oferecia um programa educacional completo para a poca(Lngua Portuguesa, Aritmtica, Geografia, Histria do Brasil, EscrituraoMercantil, Linguagem Articulada, Leitura sobre os Lbios e Doutrina Crist.).Mesmo com poucos alunos os resultados foram positivos. Lorezini (2004),inclusive fala sobre os resultados obtidos:

    Em janeiro de 1856, apresentou o programa para a educao dossurdos e, dois anos mais tarde, apresentou os seus sete alunos aoimperador, realizando o exame pblico dos mesmos, de acordo com os

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    moldes daquela poca, entusiasmando o pblico que assistiu, frente aosresultados que eles alcanaram. Parece evidente que a forma de ensinarsurdos utilizada por Huet era a didtica especial de surdos-mudos,

    como era chamada naquela ocasio essa modalidade de ensino.Tratava-se do mesmo processo utilizado por LEpe no Instituto deSurdos de Paris. (LOREZINI, 2004 p. 20)

    Em 1911, seguindo a tendncia do Congresso de Milo, o mtodooralista foi implantado na escola, mas, segundo Ramos (1995), a LIBRAS manteveresistncia at 1957, quando foi fortemente proibida dos corredores da escola.Sobre esse perodo, que durou at a dcada de 80, Ramos (op. cit. ) apresenta odepoimento de uma professora da poca3:

    Em depoimento informal, uma professora que atuou naquela poca deproibies (que durou, alis, at a dcada de 1980) contou-nos que ossinais nunca desapareceram da escola, sendo feitos por debaixo daprpria roupa das crianas ou embaixo das carteiras escolares ou aindaem espaos em que no havia fiscalizao. (RAMOS, 1995, p. 77)

    De fato, a dcada de 80 marcou o incio das mudanas na educaodos surdos: foi fundada a Federao Nacional de Educao e Integrao dosSurdos (FENEIS); as pesquisas sobre a lngua de sinais utilizada do Brasil recm batizada de LIBRAS4 se desenvolveram; na 33 Reunio Anual daSociedade Brasileira para o Progresso da Cincia em Salvador, falou-se pelaprimeira vez educao bilnge para surdos. Tambm neste incio de sculo,houve conquistas importantes pelos surdos brasileiros como: a criao do dia dosurdo, 26 de setembro; legitimao da LIBRAS em 2002 por meio da lei 10.436; odecreto lei no. 5626 de 22 de dezembro de 2005 que, dentre outras coisas, inclui aLIBRAS nos cursos de licenciatura, Pedagogia e Fonaudiologia; o surgimento dos

    cursos de Letras LIBRAS em 2006 na Universidade Federal de Santa Catarina; e

    3 Outra escola de referncia, apontada pela autora o Instituto Santa Terezinha, atualmente emSo Paulo, fundado em 1929 pelas Irms da Congregao de Nossa Senhora do Calvrio eatendia um pblico feminino. De acordo com Ferreira Brito (1993) citada por Ramos (op.cit. ),ambas as escolas, o INES e o Instituto Santa Teresinha, so provavelmente o bero da LIBRAScomo a conhecemos hoje em dia (RAMOS, 1995, p. 77)4 O nome LIBRAS, proposto pela surda Ana Regina Campelo, ex-presidente da FENEIS, somentefoi reconhecido pela comunidade acadmica em 1993. Alguns pesquisadores utilizam a sigla LSB(Lngua de Sinais Brasileira).

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    vrios projetos de lei que implementam o ensino de LIBRAS nas escolasregulares.

    De acordo com o artigo 58 da LDB, entendemos porEducao Especial a modalidade de educao escolar, oferecida preferencialmente na rede regularde ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. E segue emseus pargrafos iniciais:

    1. Haver, quando necessrio, servios de apoio especializado, na

    escola regular, para atender s peculiaridades da clientela da educao especial;2. O atendimento educacional ser feito em classes, escolas ou

    servios especializados, sempre que, em funo das condies especficas dosalunos, no for possvel a sua integrao nas classes comuns de ensino regular.

    O aluno surdo, portanto, pode estar inserido em trs realidadesescolares:

    a) Escola especial com sala de aula especial;b) Escola regular com sala de aula regular;c) Escola regular com sala de aula especial.

    No primeiro caso, s h alunos surdos na escola. A lngua de instruosistematizada a LIBRAS e o ideal que o professor domine a mesma, assimcomo, os funcionrios e administradores. Como segunda opo, faz-se uso do

    profissionalintrprete . No segundo caso, h presena de alunos surdos e ouvintesdentro e fora da sala de aula. imprescindvel o uso do intrprete para realizar acomunicao com os alunos surdos, j que a ateno do professor estar divididaentre os ouvintes e surdos. Na terceira realidade, o convvio entre alunos surdos eouvintes se d nos intervalos entre as aulas pois h uma sala de aula especficapara os alunos surdos. Dentro da sala, os alunos se comunicam atravs daLIBRAS com o professor ou com o intrprete.

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    O Bilingismo a proposta de ensino a ser usada hoje por escolas que

    propem a tornar acessvel criana duas lnguas no contexto escolar. Seuobjetivo, segundo Skliar. (1998) so:

    Criar um ambiente lingstico apropriado; Assegurar a identificao das crianas surdas com adultos surdos; Garantir criana a construo de uma teoria de mundo; Oportunizar o acesso completo informao curricular e cultural.

    A escola (professores, funcionrios) deve estar preparada para adequar-se realidade assumida e apresentar coerncia diante do aluno e de sua famlia.Quadros (1997; 2005) sinaliza para os significados de uma escola bilnge: apresena de professores surdos na escola; a oportunidade dos pais aprenderemLIBRAS.

    Levando-se em conta o currculo de uma escola bilnge, sugere-se quetal currculo deva incluir contedos desenvolvidos nas escolas para ouvintes. Aescola deve ser especial para surdos ou seja, contemplar temas relativos acultura surda , mas deve ser, ao mesmo tempo, uma escola regular de ensino.Os contedos devem ser trabalhados na lngua nativa dos alunos, ou seja,LIBRAS. A lngua portuguesa dever ser ensinada em momentos especficos dasaulas e os alunos devero saber que esto trabalhando com o objetivo dedesenvolver tal lngua. Em sala, o ideal que sejam trabalhadas a leitura e a

    escrita da lngua portuguesa. Se a escola optar por oralizao, essa dever serfeita por pessoas especializadas e fora do horrio escolar para no prejudicar elimitar o acesso aos contedos curriculares pelos alunos surdos. Nesse caso, alngua de sinais abrange dois papis diferentes dentro do ambiente escolar, oprincipal deles que ela usada para veicular o conhecimento, isto , paratrabalhar com as demais disciplinas escolares, inclusive o portugus. O outropapel o de ser uma disciplina, isto , tal qual o ouvinte estuda portugus, a

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    LIBRAS estudada como uma disciplina autnoma. Isto ajuda a minimizar aproblemtica de surdos que desconhecem sua lngua natural.

    Um professor de surdos competente deve conhecer os usos situacionaisda LIBRAS para poder comunicar-se fluentemente com alunos surdos e tercontato com a cultura e a histria dos surdos. Ele deve conhecer alguns detalhestpicos do dia-a-dia da sala de aula com alunos surdos como, e.g., a campainhadeve ser luminosa e no sonora, deve haver um nmero reduzido de alunos nasala e, em sala especial, as cadeiras devem ficar dispostas em semi-crculo; em

    sala de aula regular, os surdos devem sentar sempre na frente. imprescindvelque o educador exera um papel de mediador entre a realidade ouvinte e arealidade do aluno.

    Por fim, certo que as perspectivas futuras so positivas. Uma novaviso sobre a surdez tem surgido graas s pesquisas promovidas e luta doprprio surdo por seus direitos. Entretanto, esta mudana profunda tem acontecidolenta e gradualmente.

    02 DA ESTRUTURA DA LNGUA DE SINAIS BRASILEIRA (LIBRAS)

    No sendo nosso objetivo discutir sobre o estatuto de lngua das lnguasde sinais, partimos do princpio de que elas so lnguas de fato, com todascaractersticas necessrias para serem identificadas como tal. Esse princpiobaseia-se no s em estudos realizados no Brasil, por Ferreira-Brito (1995),

    Quadros; Karnopp (2004), como na prpria lei de no. 10.436 de 24 de abril de2002, que legitima a LIBRAS como lngua oficial da comunidade surda do Brasil.5 Na verdade, Ferreira-Brito (op. cit.) afirma logo na introduo de sua obra:

    5 Em seu artigo primeiro, a lei 10.436 diz: Art. 1o reconhecida como meio legal de comunicaoe expresso a Lngua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expresso a elaassociados. E continua no pargrafo nico: Pargrafo nico. Entende-se como Lngua Brasileirade Sinais - Libras a forma de comunicao e expresso, em queo sistema lingstico denatureza visual-motora, com estrutura gramatical prpria, constituem um sistema lingstico

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    O canal visuo-espacial pode no ser o preferido pela maioria dos sereshumanos para o desenvolvimento da linguagem, posto que a maioriadas lnguas naturais so orais-auditivas, porm uma alternativa querevela de imediato a fora e a importncia da manifestao da faculdadede linguagem das pessoas. (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 11)

    Desse modo, percebemos que a grande diferena entre as lnguas oraise as lnguas de sinais a maneira como realizada a comunicao. Enquanto naslnguas orais a produo feita pelo aparelho fonador e a recepo, pelo aparelhoauditivo; as lnguas de sinais so produzidas pelas mos, tronco e face epercebidas pela viso.

    As lnguas de sinais so to complexas em sua estrutura efuncionalidade quanto quaisquer outras lnguas orais. possvel, por exemplo, emLIBRAS: expressar fatos histricos passados, poemas, peas teatrais, piadasdentre outras coisas. Ela sofre variaes a nvel diatpico, diacrnico e diastrtico; passvel de polifonias e metforas.

    Tal qual a lngua portuguesa (LP), a LIBRAS tambm possui nveisgramaticais organizveis em nveis fonolgico, morfolgico, sinttico e semntico-pragmtico. Pretendemos agora fazer uma breve descrio da estrutura daLIBRAS de acordo com os estudos de Ferreira-Brito (1995) e Quadros; Karnopp(2004). claro que, mesmo que tentssemos fazer um estudo aprofundado, noconseguiramos esgotar todo potencial descritivo que essa lngua comporta.Direcionaremos, ento, esta descrio para elementos que sero essenciais para

    nosso trabalho.

    Todavia, antes de iniciarmos a descrio da LIBRAS, necessriodeixar explcito o sistema de transcrio aqui adotado para a lngua de sinais.

    de transmisso de idias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil .[grifo nosso]

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    Utilizamos a adaptao feita por Nunes de Souza (2008), de Felipe (2001) assimcaracterizada:

    1. Os sinais so representados por letras maisculas do nosso alfabeto.Ex.: APRENDER;

    2. A soletrao manual ou datilologia representada pela palavra,separada letra por letra, por hfen. Ex.: A-I-D-S.

    3. Quando duas ou mais palavras do portugus podem ser traduzidas porum nico sinal, elas vm unidas por hfen. Ex: EU-GOSTAR, cujo sujeito

    aparece omisso. Caso ele fosse realizado no haveria o hfen (EUGOSTAR).

    4. Um sinal composto que seja formado por dois ou mais sinais representado pela unio de itens lexicais por meio de um acentocircunflexo (^). Ex.: CASA^ESTUDAR, para a palavra escola

    5. As marcas no-manuais (expresses faciais e corporais) so registradaspor meio da idia que representam (ex.: rapidamente, muito...), em fontesobrescrita. Ex.: ANDARrapidamente .

    6. O plural marcado pela letra S Ex.: CASAS.7. A ausncia de marcao de gnero ser representada apenas quando

    necessria pelo smbolo @. Ex.: MENIN@ (menino ou menina).8. As frases exclamativas e interrogativas so marcadas com os sinais de

    pontuao da escrita das lnguas orais :!, ? etc.

    02.1 Fonologia da libras

    A Fonologia o ramo da Lingstica que se preocupa em descrever oselementos mnimos distintivos de uma lngua, os fonemas. Para a Lingstica daLIBRAS, Quadros; Karnopp (2004, p.45) afirmam que a Fonologia6 ir se deter em

    6 Alguns autores, como Ferreira-Brito (1995), preferem chamar de Querologia ou Quirologia,fazendo uma relao palavra mo (chiros ) em vez de som (fone ). Nesse caso teramos, ento,como unidades mnimas distintivas osqueremas que se combinam para formar os morfemas.

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    descrever os elementos mnimos e o modo como eles iro se combinar paraformar o sinal. De acordo Ferreira-Brito (1995) a LIBRAS composta dos

    seguintes parmetros: configurao de mo, ponto de articulao ou locao emovimento. A orientao e as expresses no-manuais foram acrescentadasposteriormente por Quadros; Karnopp (op. cit)7. Desse modo, a mudana emalgum desses parmetros pode gerar mudana de significado, observe8:

    Neste trabalho optamos por usar os termos convencionais, j que os autores em quenos embasamos assim procedem.7 Estamos nos referindo aqui aos trabalhos realizados no Brasil. Na verdade, quem primeiro falouem parmetros fonolgicos para as lnguas de sinais foi Stokoe, em 1960, mas ele analisavaapenas trs parmetros (configurao de mo, ponto de articulao e movimento), porm foiBattison, em 1974, quem primeiro chamou a ateno para a orientao e as expresses faciais.(Karnopp, 2008) 8 As fotos aqui apresentadas foram tiradas por Joo Batista de Oliveira Filho, tendo como modeloKtia Lucy Pinheiro para a presente pesquisa. Ambos alunos surdos do curso de Letras/ LIBRASda Universidade Federal de Santa Catarina (plo da Universidade Federal do Cear) e sevolutariaram para esse trabalho.

    Figura 01: Sinal para APRENDER

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    No exemplo acima, a configurao de mo e o movimento so osmesmos para APRENDER, SBADO e DESODORANTE, apenas o ponto dearticulao muda, o que diferencia o sinal das palavras exemplificadas.. Vejamosagora, com um pouco mais de detalhes, os parmetros citados:

    Figura 02: Sinal para SBADO

    Figura 03: Sinal para DESODORANTE

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    a) Configurao das mos

    So as formas que a(s) mo(s) envolvidas na produo do sinalassume(m) ao realiz-lo. importante no confundirmos a configurao de mocom o alfabeto manual. Esse um emprstimo lingstico utilizado na soletraomanual em situaes especficas como: palavras que no possuem sinais enomes prprios. Ele, ainda, difere de pas para pas. Vejamos dois exemplos dealfabetos manuais retirados de Kojima e Segala (2008):

    Assim sendo, no possvel determinar com exatido quantasconfiguraes de mo existem, qualquer que seja a lngua de sinais. medidaque a lngua vai se desenvolvendo e a necessidade surgindo, novas configuraesde mo podem aparecer. Acreditamos que haja entre 50 a 70 configuraes naLIBRAS. Adotaremos o modelo utilizado dentro dos cursos de Letras/ LIBRAS,

    Figura 04: Alfabeto manual brasileiro e italiano, respectivamente.

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    promovidos pela Universidade Federal de Santa Catarina, que apresenta 61configuraes de mo, a saber9:

    9 Retirado de Quadroset.al. (2008)

    Figura 05: As 61 configuraes de mo da LIBRAS.

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    Vale ressaltar que podem existir sinais com uma configurao diferente

    para cada mo. Quando tivermos tal situao, teremos uma mo que semovimenta enquanto a outra serve de apoio, a primeira chamada de modominante oumo ativa10. A mo que serve de apoio mo ativa, denominamosde mo passiva . Quando ambas as mos tiverem a mesma configurao, nohaver nem mo passiva nem ativaa priori , pois a duas se movimentam. Por fim,frisamos que, em muitos sinais, durante sua execuo, a(s) mo(s) inicia(m) comuma configurao e muda(m) para outra, so os movimentos internos que sero

    explicados frente.

    b) Ponto de articulao

    a regio do corpo ou prxima a ele onde os sinais so articulados.Quadros; Karnopp (2004, p. 58) citando Friedman (1997); Ferreira-Brito eLangevin (1995) dizem que os sinais podem ser articulados na regio da cabea,da mo, do tronco ou mesmo em espao neutro (quando o sinal realizado afrente do corpo sem tocar o tronco). Assim, temos, por exemplo, o sinal dePESSOA, realizado na testa:

    10 Extramos essa terminologia da anlise feita por Carvalho e Marinho (2007) da obra de Lira eSouza (2005).

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    Do mesmo modo, teremos DOENA, realizado na mo:

    O verbo TER, realizado na regio do tronco:

    Figura 06: Sinal para PESSOA

    Figura 07: Sinal para DOENA

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    E CASA realizado em espao neutro:

    c) Movimento

    o deslocamento da mo no espao durante a realizao de um sinal.Os sinais podem ter movimento ou no e podem envolver uma vasta rede deformas e direes. De acordo com Ferreira-Brito (1995, p. 38):

    Figura 09: Sinal para CASA

    Figura 08: Sinal para TER

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    [...] Nos movimentos internos da mo, os dedos se mexem

    durante a realizao do sinal, abrindo-se, fechando-se,dobrando-se ou estendendo-se, o que leva a rpidasmudanas na configurao da(s) mo(s). O movimento quea(s) mo(s) descreve(m) no espao ou sobre o corpo podemser em linhas retas, curvas, sinuosas ou circulares em vriasdirees e posies. Em certos sinais o movimento direcional e icnico. (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 38)

    Dentro dos exemplos que j apresentamos, analisemos os movimentosDos sinais PESSOA e CASA:

    PESSOA possui um nico movimento retilneo, da esquerda paradireita;

    CASA possui um movimento retilneo curto, repetitivo para dentroe para fora.

    H ainda situaes, como mencionamos anteriormente, em que o

    movimento no realizado pelas mos nem pelos braos ou corpo, mas sim,pelos dedos. Esse tipo de movimento possui uma grande importncia para afonologia da LIBRAS porque ele muda a configurao da mo durante a execuodo sinal o chamadomovimento interno (Ferreira-Brito, 1995, p. 225). Nosexemplos j expostos (Figura 01 a 03, APRENDER, SBADO eDESODORANTE), o movimento de abrir um pouco e fechar a mo durante aexecuo do sinal modifica a configurao da mo. Da mesma forma, emDOENA (Figura 07), h um movimento de tamborilar dos dedos em seqncia.

    d) Orientao

    A orientao da palma da mo de grande importncia na descrio dosinal. A palma pode ser voltada para cima, para baixo, para o corpo, para fora,para direita, para esquerda:

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    e) Expresses no-manuais

    Por fim, temos as expresses no manuais (expresso facial, expressocorporal). De acordo com Quadros; Karnopp (2004), essas expresses tm doispapis: marcao de construes sintticas (interrogaes, exclamaes etc) ediferenciao de itens lexicais (referenciao, negao etc). Temos, por exemplo,

    Figura 10: BAIX@ orientao da palma para baixo.

    Figura 11: MOSTRAR orientao da palma para fora.

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    sinais com a cabea para baixo, com as sobrancelhas levantadas, bochechasinfladas etc.

    Ao combinar todos esses parmetros, temos o sinal. importante terateno a todos esses elementos ao descrever como o sinal produzido.Observemos o exemplo retirado de Capovilla e Raphael (2008) para o sinal deAIDS:

    Podemos notar que Capovilla e Raphael (2008) no usam aterminologia que apresentamos aqui, mas sim, uma descrio mais acessvel parano-especialistas. Contudo, o verbete contm toda descrio do sinal com osparmetros colocados: Mo esquerda vertical aberta (configurao da mo

    passiva ), palma para a direita (orientao da mo passiva ); mo direita verticalaberta, dedos separados e curvados (configurao da mo ativa ), palma para aesquerda vertical (orientao da mo ativa ), lado a lado. Mover a mo direitapara a esquerda (movimento), e bater as pontas dos dedos na palma esquerda (ponto de articulao ) com expresso facial negativa (expresso no manual ).

    Figura 12: Verbete AIDS. Na parte inferior, a descrio do sinal (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2008)

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    02.2 Morfologia da LIBRAS

    De acordo com Ferreira-Brito (1995) e Quadros; Karnopp (2004), umadas principais caractersticas estruturais que diferencia a linguagem humana dalinguagem animal a dupla articulao. Nas lnguas orais, como portugus,existem unidades significativas (morfemas) que so constitudas de unidadesarbitrrias e sem significado (fonemas) estas so, respectivamente, a primeira esegunda articulao. O mesmo ocorre com as lnguas de sinais, pois, de modogeral, o morfema corresponde ao sinal realizado com todos os seus parmetros,

    como no exemplo j visto de AIDS (figura 12). Vejamos agora algumaspeculiaridades no que se refere estrutura morfolgica da LIBRAS.

    a) Categoria de gnero

    Para indicar o gnero de uma palavra, a LIBRAS usa sinal de HOMEMou de MULHER anteposto ao sinal do nome por essa razo a transcrio feitausando o smbolo de @ para indicar a ausncia de gnero. Entretanto, importante deixar claro que os sinais de HOMEM e MULHER no funcionarocomo sufixo e sim, formaro sinais compostos. Observemos:

    Figura 13: Sinal para HOMEM

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    Vejamos agora o sinal para FILH@, sem a especificao de gnero:

    Assim, se quisssemos especificar o gnero, filho ou filha , bastariaantepor o sinal de HOMEM ou MULHER ao sinal de FILH@. Tal recurso usadoindistintamente para pessoas e para animais.

    Figura 14: Sinal para MULHER.

    Figura 15: Sinal para FILH@

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    b) Categoria de nmero.

    De acordo com Ferreira-Brito (1995), teremos em LIBRAS trs valoresde nmeros: singular, dual, plural. A dualidade e a pluralidade so marcadas pelarepetio do sinal quantas vezes necessrias, a anteposio ou posposio de umsinal indicativo do nmero, ou ainda um movimento semicircular que abranja ossujeitos envolvidos. Em algumas situaes tambm possvel usar o sinal deMUITO para um plural indefinido:

    Figura 17: Sinal quantificador de DOIS.

    Figura 16: Sinal quantificador de UM.

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    c) Categoria de tempo

    Para Ferreira-Brito (1995); Quadros; Karnopp(2004), esta categoria

    gramatical, em LIBRAS, faz uso do movimento e do ponto de articulao paraindicar passado, presente e futuro. Sinais relacionados com o passado podem serrealizados com movimentos para trs e/ ou em pontos nos ombros do sinalizante; j o presente realizado no espao em frente, prximo ao corpo; e o futuro, commovimentos direcionados para frente. Quanto mais distante do presente, maislongo o movimento. possvel repetir o movimento (para qu repetir omovimento?). Tambm possvel fazer referncia ao tempo usando o sinal de

    PRESENTE/ HOJE, PASSADO, FUTURO/ AMANH. Vejamos o exemplo deANO:

    Figura 18: Sinal de MUITO

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    No exemplo da figura 20, ser o movimento para frente ou para trs quedefine o tempo. No caso de um passado distante, o sinal de ANO-PASSSADOpode ser realizado vrias vezes e ainda direcionando as mos para trs. Para ofuturo, o movimento poder ser direcionado para frente.

    Figura 20: Sinal ANO-PASSADO

    Figura 19: Sinal de ANO.(presente)

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    Figura 23: Sinal para VOC

    Figura 22: Sinal de NS.

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    Um outro assunto, dentro da morfologia, que merece destaque aformao de palavras principalmente porque alguns dos termos analisadosnesta pesquisa foram compostos a partir de sua necessidade e, outrossim, muitosdesses lxicos especializados parecem se configurar como neologismos naLIBRAS. De acordo com Quadros; Karnopp (2004) h, em LIBRAS, tanto umprocesso flexional quanto derivacional. Elas afirmam:

    Nas lnguas de sinais h descries que referem tanto os processosderivacionais como os processos flexionais. Vale destacar, no entanto,que h um consenso no sentido de se entender os processosenvolvendo a combinao de aglutinao e incorporao. (QUADROS;KARNOPP, 2004, p. 94)

    Assim, segundo as autoras, dentro dos processos derivacionais h a

    nominalizao (nomes que derivam de verbos e vice-versa), a formao decompostos (que um processo extremamente produtivo na LIBRAS) e aincorporao. Interessa-nos os dois primeiros por terem sido observados nacriao dos neologismos tecnoletais analisados.

    Figura 24: Sinal de ELE

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    a) Nominalizao

    O processo de nominalizao, na LIBRAS, ocorre, principalmente, apartir do verbo que fornece o morfema-base para o nome, o morfema-produto.Isso ocorre por meio da mudana do parmetro do movimento e a permannciados demais parmetros (configurao da mo, ponto de articulao etc).Geralmente o que ocorre uma reduplicao, isto , o sinal do verbo, que possuium movimento simples e longo, produzido de forma repetitiva e curta, como emSENTAR e CADEIRA. Este produzido de forma similar ao primeiro, mas

    repetindo o movimento duas vezes:

    Figura 25: Sinal de SENTAR

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    Figura 28: ESTUDAR

    Figura 27: CASA

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    No exemplo acima, vemos os sinais de CASA e ESTUDAR, ambos comcontato e ambos com movimento interno (repetio). A partir desses morfemas-base temos ESCOLA, sinal em que h a permanncia do contato, mas no hrepetio do movimento interno.

    Figura 30: SABER

    Figura 29: ESCOLA (CASA^ESTUDAR)

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    Nesse segundo exemplo, temos a composio de ACREDITAR a partirde SABER e ESTUDAR. Nesse caso, os morfemas-base perdem o movimento e,ainda, a mo passiva do morfema-base ESTUDAR (a mo que serve de apoio) jsurge antecipadamente no morfema-base SABER.

    Existem ainda outros aspectos alm dos apresentados sobre a estruturada LIBRAS como o uso da negao, a sintaxe, a semntica e pragmtica. Noobstante, para o presente trabalho, acreditamos que os tpicos abordados semostraram suficientes. Recomendamos a leitura dos autores aqui citados paraestudos mais aprofundados.

    03 DA IMPORTNCIA DA ESCRITA DE SINAIS DA LIBRAS

    A escrita exerce uma indiscutvel influncia na sociedade. Ela noapenas cumpre funes de comunicao distncia, registro cultural etc. comoainda possui um poder legitimado por ser uma tecnologia consideradafundamental para o conceito de civilizao. Basta vermos o preconceito quesofrem as sociedades grafas, ou ainda, como a oralidade (pouco) tratada naeducao comparada escrita. Devido o carter recente da legitimao das

    Figura 31: ACREDITAR (SABER^ESTUDAR)

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    lnguas de sinais, o surgimento de uma forma de registro escrito tardou a aparecer o que, de certo modo, penalizou as interaes entre os surdos distncia.

    As lnguas de sinais atendem s necessidades de comunicaopresencial dos surdos, isto , s suas necessidades de se comunicar com outrossurdos em interaes face a face. Quando se trata de uma comunicao distncia, os ouvintes geralmente usam a escrita, os surdos, de modo geral, aindatm que recorrer escrita da comunidade ouvinte em que vivem porque s aslnguas sonoras tm formas estabelecidas de escrita, no havendo, ainda, formas

    amplamente divulgadas de escrita de sinais. Registrar suas idias, emoesatravs da literatura, enfim, todos os seus aspectos culturais em uma lngua queno a sua prpria, causa um impacto educacional principalmente no que serefere s questes de letramento. Da as peculiaridades da escrita em lnguaportuguesa feita por surdos11. Apenas para ilustrar tal problemtica, podemos citaro exemplo de uma sentena retirada de MARINHO SILVA (2001), em que o surdoescreve Eu quero namorado com voc , no lugar deeu quero namorar voc .

    Do ponto de vista de interaes sociais, contudo, isso significa que nos as relaes pessoais entre surdos esto presas momentaneidade, mas,tambm, que esto distanciadas no espao. Elas seriam, ento, mediadas porelementos culturais e comunicativos que no lhes so prprios, o que significa queas expresses culturais e comunicativas dos surdos de uma poca s podiam serregistradas em forma escrita atravs desses elementos. Isso implica,necessariamente, na interveno de um processo de traduo das lnguas de

    sinais para orais. Teatro, narrativas, literatura surda em geral etc. s podiam serescritos aps serem traduzidos para uma lngua oral, mesmo quando criadosoriginalmente em uma lngua de sinais.

    11 Apesar de no ser o foco da discusso, ressaltamos que a escrita dos surdos em lnguaportuguesa extremamente influenciada pela estrutura da LIBRAS, gerando um tipo de interlnguaconhecida como portugus surdo ou tambm portulibras. Para mais informaes confira:MARINHO SILVA (2001)

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    Por esses motivos, Valerie Sutton12, na Califrnia, desenvolveu, em1974, uma notao grfica para a Lngua de Sinais Americana, o sistemasignwriting (escrita de lnguas de sinais), que seria usada como base para aescrita de sinais de outros pases. Sutton havia criado um sistema para descrevere registrar, em papel, os movimentos de danas (dancewriting ). Essa forma deregistro chamou a ateno de pesquisadores da lngua de sinais dinamarquesa. Adancewriting foi, ento, adaptada para registrar os sinais por escrito. Com isso,surgiu, na Dinamarca, a escrita de sinais conhecida comosignwriting .

    A escrita de sinais comporta cerca 900 smbolos que buscam descreveros movimentos, as configuraes, parmetros no-manuais e os pontos dearticulao, isto , mostra a forma como o sinal pode ser produzido. Desse modo,ela pode ser equiparada a um alfabeto fontico, cuja juno de smbolos paraformar o sinal pode ser adaptada de acordo com as necessidades da lngua.Sendo estes smbolos internacionais, podemos dizer que a escrita de sinais podeser adaptada para descrever qualquer lngua de sinais do mundo.

    Apesar de ser mais prtica que os clssicos desenhos feitos nas aulasde LIBRAS, a escrita de sinais ainda est em seus primeiros passos. A maioriados surdos brasileiros ignoram a existncia dessa modalidade escrita. Aindaassim, sua importncia para a concretizao da educao bilnge um fator queno pode ser negligenciado. Desse modo, um dicionrio bilnge para surdos tma importante misso de ser uma ferramenta de divulgao da modalidade escritada LIBRAS, tanto para surdos quanto para ouvintes. claro que, como um

    sistema ainda em desenvolvimento, tal escrita tende a possuir uma grandevariao de traos. Explicando melhor: para o sinal de surdo, Capovilla e Raphael(2008) registram:

    12 Para maiores detalhes sugerimos consultar o site

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    O smbolo asterisco indica que h toque, no caso na boca e no ouvido.Entretanto h uma variao na produo do sinal. O sinal de surdo pode ser feitosem que haja toque, ou havendo toque apenas em um dos pontos (no ouvido ouna boca). Em tese, sua escrita variaria entre as seguintes formas:

    Todavia, ressaltamos que esses traos so fonticos e no fonolgicos,isto , estando apenas no plano da produo, no geram mudana de significado.Sobre esse assunto, Capovilla e Raphael (2008) afirmam :

    Da mesma forma que a escrita de uma lngua falada ignora detalhes noessenciais de pronncia e prosdia, mas atm-se aos fonemas quecompem essa lngua e s correspondncias grafonmicas estabelecidas;para que venha a ser um sistema prtico,Signwriting no pode registrarcada pequeno detalhe quirolgico dos sinais, mas apenas seus quiremasfundamentais, ignorando variaes menos importantes de pronncia eprosdia da articulao dos sinais, e atendo-se aos quiremas crticoscapazes de distinguir entre si sinais semelhantes em forma (i.e.,composio quirmica) (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2008, p.55)

    Figura 33: variaes para a escrita do sinal de SURDO

    Figura 32: a escrita do sinal de SURDO

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    Essa foi a posio assumida pelos autores para seu dicionrioenciclopdico e que iremos tentar seguir, mesmo diante das dificuldades que

    podemos vir a sofrer no decorrer da validao dos verbetes uma vez quepraticamente no h especialistas no tema.

    04 DA LEXICOGRAFIA PEDAGGICA E A IMPORTNCIA DO DICIONRIONA SALA DE AULA

    Antes de tratar sobre a Lexicografia Pedaggica, mister situar a

    disciplina dentro do campo de estudos do lxico. Dentro desse campo de estudos,temos dois grandes grupos, as cincias que tratam do lxico em uma perspectivageral e as cincias que tratam do lxico em uma perspectiva especializada. No fcil delimitar o que seja palavra ou o que seja termo e, por conseguinte, ascincias que tratam de cada um desses objetos. Em muitos casos, uma mesmaunidade lingstica pode ser conceituada como termo ou no de acordo com asituao comunicativa. Temos, por exemplo, a palavra biruta que pode significar,dentro de uma conversa entre amigos, uma pessoa inquieta, meio amalucada(Larousse, 2004), ou, no contexto da Aeronutica, dispositivo feito com umaespcie de saco cnico fixado perpendicularmente a um mastro, a fim de indicar,por sua orientao, a direo do vento (idem). Essa discusso ser retomada frente com mais detalhes, a princpio, podemos afirmar que ser o contextocomunicativo que ir definir se o item lexical ou no um termo.

    Paralelas a essa diviso, temos as cincias tidas de cunho terico e as

    cincias de cunho prtico. Turazza (2005) ilustra bem essa questo ao diferenciara Lexicologia da Lexicografia. A primeira compreende um discurso modalizadopelo fazer-saber (TURAZZA, 2005 p.56), enquanto a Lexicografia modalizadapelo saber-fazer (idem). Assim ns teremos: a Lexicologia (fazer-saber dentrodos estudos do lxico geral), a Terminologia (fazer-saber dentro dos estudos dolxico especializado), a Lexicografia (saber-fazer dentro dos estudos do lxicogeral), a Terminografia (saber-fazer dentro dos estudos do lxico especializado).

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    Com o tempo e o surgimento de novas teorias lingsticas, a

    Lexicografia especializada, nosso foco em questo, foi deixando de se preocuparapenas com a produo de dicionrios. Comeou-se a teorizar sobre asmetodologias de produo de dicionrio: novas tcnicas, novos recursos etc. Talcorrente passou a ser chamada de Lexicografia terica ou Metalexicografia(Welker, 2004). Por seu turno, as pesquisas na rea de ensino de lnguascomearam a se questionar sobre o papel do dicionrio no processo de aquisio/aprendizagem lexical. Essa obra, que h muito era negligenciada e sofria

    preconceito por parte de professores de lngua, comeou a ter sua importnciarevisada. A partir de ento, no tardaria muito para que a ateno dosmetalexicgrafos fosse voltada para a sala de aula. No apenas isso, uma vez quea sala de aula um ambiente bastante heterogneo, heterogneos tambmdeveriam ser os dicionrios de aprendizagem: dicionrio para aprendizes delngua materna ou lngua estrangeira, dicionrio para alunos iniciantes ouintermedirios ou avanados etc.

    Com isso, podemos agora definir melhor o que seja a Lexicografiapedaggica. A Lexicografia pedaggica se caracteriza pelo seu carter especficodo seu objeto de estudo e seu pblico-alvo. Enquanto a Metalexicografia se ocupados dicionrios de um modo geral, a Lexicografia pedaggica tem como foco odicionrio produzido com finalidades pedaggicas, isto , dicionrios paraaprendizes, ou dicionrios escolares. Para Humbl (1998), citado por Pontes(2009), a Lexicografia pedaggica se define a partir de duas caractersticas

    fundamentais:a escolha de um pblico definido (o aprendiz de lngua) e deum fim especfico (a aprendizagem de lngua, seja materna, seja estrangeira). Essas discusses vo ampliar a viso que temos de dicionrio escolar e seususos em sala de aula. Tais obras possuem muito mais utilidades do que o sensocomum dita. Amorin (2004), ao definir o que significa o termo dicionrio, ressaltasua importncia:

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    Como possvel observarmos, o dicionrio assume diferentes facesdiante de perspectiva de estudo, ora um conjunto de entradas maispartes complementares, ora um livro ligado ao desenvolvimento da

    comunicao escrita, ora o acervo lxico-cultural de uma sociedade,ou ainda uma obra usada como complemento didtico na resoluo deexerccios. necessrio entendermos que, alm de ser uma obra deconsulta, seja do significado, seja da ortografia das palavras, oferecetambm outras possibilidades de uso, cabendo ao professor sesensibilizar e abrir espao em sua prtica pedaggica para um trabalhocompleto e eficaz com o dicionrio, esgotando todos os possveis usos.(AMORIN, 2004, p. 86)

    De fato, se so vrias as questes que um lexicgrafo deve levar emconta durante a confeco de um dicionrio, maiores e mais complexas so as

    questes que orientam um dicionrio com finalidades didticas. Em tese, aprincpio, o lexicgrafo pedagogo define o usurio ideal da sua obra. Saber o nveldo conhecimento lingstico, comunicativo e de mundo far com que o dicionaristafocalize sua produo nas necessidades de aprendizagem do usurio.Percebamos que so dois extremos: as necessidades de consulta de um aluno emprocesso de alfabetizao e as necessidades do aprendiz de lngua estrangeira denvel avanado. Definindo este ponto, o produtor do dicionrio poder trabalhar aestrutura do dicionrio a favor de seu objetivo. Esses so apenas alguns pontoschave dentro das discusses que permeiam a Lexicografia pedaggica.

    Uma das conseqncias da ateno dada ao usurio em potencial dodicionrio foi a proposta de tipologia de dicionrio. PONTES (2009) afirma:

    Os usurios so um elemento essencial para definir os diversos tipos dedicionrios, a partir das diferentes caractersticas formais motivadaspelos seus diversos usos e finalidades. Acrescenta-se, ainda, algo mais:

    o pblico a que se destinam e a funo que pretendem cumprir. Noutraspalavras: os aspectos que podem servir para caracterizar o usurio (...)podem estar relacionados com questes, como, por exemplo, a idade, acompetncia na lngua que mais conhecem, o nvel de conhecimentodas lnguas estrangeiras ou a funo voltada para a produo ou para acompreenso. Por isso, dada a importncia do usurio para caracterizarum tipo dicionrio, cabe indicar informaes relacionadas s suasfinalidades e a que tipo de usurio pretende atender em suas pginasiniciais. (PONTES 2009, p. 40.)

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    Na verdade, h de se convir que existem vrias formas diferentes declassificarmos dicionrios de acordo com o tipo de usurio. Se o usurio j possui

    um certo domnio da lngua, teremos osdicionrios gerais: so obras volumosase tencionam uma descrio exaustiva do lxico de uma lngua; mas se, aocontrrio, eles esto em perodo de aprendizagem teremos osdicionrios paraaprendizes : como j falamos, o objetivo dessas obras dar conta dasnecessidades vocabulares de um aprendiz, ou seja, no possuem carterexaustivo. Estes podem ser para aprendizes delngua materna (no nosso caso,nossos alunos das aulas de portugus), ou para aprendizes delngua estrangeira

    (alunos de cursos de lnguas). Para ambos, teremos dicionrios diferentes deacordo com o nvel do aluno. Por exemplo: as informaes microestruturais paraum aluno em fase de alfabetizao poderia contemplar informaes sobrepronncia e diviso silbica, j para um aluno de Ensino Mdio, tais informaespoderiam ser descartadas em favor de uma descrio gramatical e lingstica maisdensa, informaes etimolgicas ou mesmo acepes mais detalhadas. No casodo aluno de lngua estrangeira, poderemos ter o dicionriobilnge: cujamicroestrutura focaliza a equivalncia entre a lngua de partida e lngua alvo;monolnge: com todas as informaes dispostas no verbete na lnguaestrangeira; ou semibilnge: cujo verbete, mesmo sendo disposto na lnguaestrangeira, h espao para equivalentes, este um pouco raro. Temos aindadicionrios especficos comodicionrios etimolgicos, de sinnimos etc; almde dicionrio de interesses especficos de uma rea de conhecimento, osdicionrios especializados ou terminolgicos.

    claro que no podemos esquecer o suporte, isto , o meio em que odicionrio feito principalmente hoje, com os recursos tecnolgicos quedispomos. Assim sendo, vamos ter osdicionrios impressos , que fazem uso dosuporte de papel, e os dicionrios eletrnicos , que fazem uso do meio digital e

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    organizao macroestrutural especialmente em relao a obrasdestinadas a uso escolar. (KRIEGER, 2007, p. 305)

    As questes acima ficam mais explcitas quando pesquisas, como a daprpria autora e, por exemplo, Pontes (2009), afirmam que os dicionrios do tipomini que, comumente, so usados em ambiente escolar so apenas um recortede seus correspondentes gerais, isto , no h um tratamento lexicogrfico paraque os elementos estruturais dos dicionrios sejam adaptados aos diferentespblicos escolares. Na verdade, em geral, a tradio lexicogrfica brasileira nodiferencia os mini-dicionrios dos dicionrios escolares.

    Diante do exposto, a importncia do dicionrio chega a serincontestvel. Pesquisas como Cano (1998), Costa (1994) e Dubois (1974) todos citados por Amorim (2004) e da prpria Amorim (op. cit. ) destacam arelao entre dicionrio e educao: os dicionrios esto ligados educaolingstica, especialmente no que se refere ao desenvolvimento da competnciacomunicativa, principalmente da produo escrita. O dicionrio possui um grandevalor informativo, tornando acessvel ao aprendiz o conhecimento cientfico. Amesma autora defende que essa obra no serve apenas para saber o significadoe a ortografia de palavras, mais que isso:

    [...] necessrio, agora, tentar ampliar esse leque de finalidades,mostrando que essa obra lexicogrfica pode se transformar numcomplemento didtico para o estudo daderivao [grifo nosso] (aoserem apresentadas as palavras formadas pelo morfema lexical), davariao lingstica [grifo nosso] (quando os verbetes informam em quesituao ou regio uma determinada palavra utilizada), daregnciaverbal ou nominal [grifo nosso] (quando os exemplos ou explicaes dapalavra apresentam a preposio que a ela se liga), a mudanalingstica [grifo nosso] (quando se observa os neologismos e osarcasmos em dicionrio de pocas diferentes) e outras possibilidadesque o professor pode encontrar. (AMORIM, 2004, p. 108-109)

    Na verdade, apesar do carter juvenil da Lexicografia pedaggica,segundo Murakawa (2001), desde a Renascena, o ensino de lnguas temmotivado a produo de dicionrio. Eles passaram a ser vistos como um auxiliar

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    professor, de modo geral, em pouco ou quase nada toca nesse tema. Nessesentido, Krieger (2007) aponta algumas barreiras que vo de encontro a um

    melhor uso didtico do dicionrio:

    Crenas negativas sobre os dicionrios: so todos iguais,diferenciam-se pela quantidade de palavras;

    Falta de uma tradio lexicogrfica crtica no Brasil; Falta de parmetros claros que avaliem a qualidade de dicionrios A quase inexistncia de estudos que ofeream um panorama

    crtico-sistemtico da Lexicografia brasileira

    Contudo, o problema mais gritante a m formao dos professoressobre a temtica.

    O mesmo pode ser dito sobre Educao de Surdos, j que, com oadvento do Bilingismo, a lngua portuguesa deve ser ensinada como segundalngua e poucos professores tm uma formao para trabalhar com portugusdessa forma. Tudo isso, sem citar o fato de os dicionrios no estarem adaptadosa essa realidade. Um dicionrio para o aluno surdo, alm do que j abordamos,deveria ser bilnge (portugus-libras-portugus), mas h uma carncia depesquisas em dicionrios para surdos pela prpria dificuldade de se pesquisar otema todavia, a tendncia que haja cada vez mais pesquisas. CitamosCarvalho; Marinho (2007) como exemplo. No referido artigo, as autoras descreveme analisam dois dicionrio de LIBRAS: oDicionrio enciclopdico IlustradoTrilinge da Lngua de Sinais Brasileira de Capovilla e Raphael (2001) e oDicionrio Digital da Lngua Brasileira de Sinais de Lira e Souza (2005) ambas obras tambm usadas como referncias importantes neste trabalho.

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    TGT. A preocupao central de Wster era a padronizao das terminologias.Isso, segundo o terico, facilitaria sua difuso na comunidade cientfica

    internacional. Assim, ele se concentrou mais nos conceitos que nos termos,fazendo uma anlise onomasiolgica destes. Krieger; Finatto (2004) explicam:

    Como se depreende a prevalncia do componente conceitual sobre olingstico est intimamente relacionada concepo wsteriana de queos termos expressam conceitos e no significados. Ao contrrio destesque so lingsticos e variveis, conforme o contexto discursivo epragmtico, os conceitos cientficos so atemporais, paradigmticos euniversais. (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 33)

    Como conseqncia da viso onomasiolgica da TGT, teremos oprincpio wsteriano da univocidade terminolgica: um nico termo designa umconceito. Tal princpio se justifica nos trabalhos de normalizao, mas no , noentanto, a realidade encontrada nos trabalhos terminolgicos descritivos(BARROS, 2004, p.23). Esse princpio exclui polissemias, sinonmias ehomonmias. De fato, apesar do comportamento lingstico dos termos pouco sediferenciar do lxico geral como j discutimos haver situaes em que o

    terminlogo dever assumir uma postura normatizadora16

    . De acordo comBenveniste (1989), quando uma cincia est em pleno nascimento, a constituiode seu repertrio terminolgico se configura como o primeiro e mais importantepasso para sua legitimao. O mesmo pode ser dito, por exemplo, quando umalngua est passando por um processo de legitimao. Cabr (1998) afirma:

    Em contextos prescritivos fortemente estruturados e com o desejoprioritrio de garantir uma univocidade comunicativa (padronizaonacional e internacional, documentao, inteligncia artificial) aTGT inquestionvel [grifo nosso]. Em situaes de comunicaonatural, de base social, com pretenses de identificar, a TGT se mostrainsuficiente. (CABR, 1998. Traduo livre)17

    16 Krieger; Finatto (2004) distiguemnormatizar e normalizar. Enquanto a primeira fixa umadeterminada expresso como a mais adequada, a ltima emparelha as lnguas para todas asformas de expresso, sobretudo a expresso especializada.17 En contextos prescriptivos fuertemente estructurados y con la voluntad prioritria de garantir umaunivocidad comunicativa (estandarizacin nacional e internacional, documentacin, intelignciaartificial), la TGT es incuestionable. En situaciones de comunicacin natural, de base social, conpretensiones identitarias, la TGT resulta insuficiente. (CABR, 1998)

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    Assim sendo, o paradigma terico defendido por Wster encontraaplicaes, apesar de sua utilidade se restringir a objetivos especficos.

    Na verdade, seu modelo foi e ainda criticado, haja vista ocomportamento real dos termos frente ao processo comunicativo das cincias. Umdos primeiros crticos da TGT foi Franois Gaudin no incio da dcada de 90. Suasidias foram essenciais para que a Terminologia no ignorasse a variaolingstica, isto , ele levou as teorias pragmticas e as teorias sociolingsticaspara os estudos dos termos. De fato, para ele, a Terminologia no poderia mais

    ignorar os aspectos sociais inseridos nos termos esse modelo ficou conhecidocomo Socioterminologia. Hoje, essa perspectiva tornou-se muito comum empesquisas que visam coletar variaes terminolgicas dentro de um mesmocampo da atividade humana. A ttulo de ilustrao, citamos o trabalho de Matos(2001). A pesquisadora fez um levantamento de termos ligados cultura docaranguejo em pequenas comunidades do nordeste paraense. Seus instrumentose metodologia muito lembram as pesquisas de cunho sociolingstico. Elapriorizou as variantes socioprofissionais de tiradores de caranguejo, catadeiras,donos de catao e marreteiros/ atravessadores; e seu corpus foi retirado deentrevistas registradas. A prpria microestrutura faz remisso ao formato dacoleta, pois, nela, vemos trechos da entrevista sendo utilizados como contextos deuso. Alm dessa pesquisa, podemos citar Faulstich (2001) na qual a pesquisadoradefende a Terminologia como uma disciplina de ordem social.

    Uma outra viso dos estudos dos termos, talvez a mais defendida

    atualmente, a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), desenvolvida porMaria Teresa Cabr e o grupo de pesquisadores do Instituto de LingsticaAplicada da Universidade Pompeu Farba, em Barcelona, Espanha. Esses estudoschamam ateno do valor comunicacional do termo, isto , o lxico especializado.Na verdade, para a TCT, ele est inserido na realidade do lxico comum e sofreinfluncias socioculturais, socioeconmicas e o conseqente desenvolvimentonatural prprio da lngua. Para Cabr (1998), o termo no deixa de lado seus

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    aspectos lingsticos, cognitivos e principalmente sociais. Alis, vale destacar que,para a TCT, no h a priori termos nem palavras mas, apenas, as unidades

    bsicas e, dentre elas, aquelas que, em uma dada comunicao especializada,assumem estatuto de termo. o que Kriger; Finatto (2004) chamam deprocesode terminologizao . O inverso tambm ocorre e demonstra a fluidez do limiteentre o lxico geral e o tematizado. Essa a perspectiva que trabalhamos aolongo dessa pesquisa.

    Todas essas vises atuais sobre os termos e seus comportamentoslingsticos, levaram as pesquisas a se voltarem para as terminologias em uso oque, por sua vez, fez com que os pesquisadores observassem os textosespecializados com mais cuidado. Uma conseqncia dessa relaotexto etermos foi o surgimento de outra perspectiva que vem ganhando espao e dandouma face terica Terminografia, aTerminografia Textual. Krieger (2004)defende esse modelo metodolgico ao postular que o reconhecimento de termostcnico-cientficos est diretamente vinculado ao exame da tipologia e dosobjetivos dos textos que veiculam conhecimento especializado (KRIEGER, 2004).Na verdade, o texto especializado passa a ser analisado numa tentativa de dar umtratamento comunicativo s terminologias.

    Grande a importncia de se partir do estudo do texto especializadopara as terminologias. Krieger; Finatto (2004) tambm sinalizam para que osestudos terminolgicos devam acontecer onde os termos se realizam. Samos,ento, de uma abordagem puramente cognitiva e chegamos a uma anlise da

    constituio e funcionamento da unidade terminolgica. Corrobora para talabordagem, o fato de que muitas terminologias so formadas por unidades maiscomplexas, como os sintagmas e as fraseologias especializadas como jcomentamos, de igual modo as produes terminogrficas sofreram uma fortemudana. A Terminografia Textual tenta operacionalizar as obras terminogrficasao fazer uso das tipologias textuais. Da mesma forma que um gnero textualpossui uma finalidade de interao social, esse modelo chama ateno para o

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    usurio e a situao de consulta, bem como as particularidades textuais dacomunicao especializada. Vale ressaltar que esse modelo foi o escolhido em

    nossa pesquisa por se tratar de uma proposta com fins pedaggicos, o que vai aoencontro da abordagem aqui escolhida. Alm disso, percebermos a obraterminogrfica como um gnero textual de estrutura estatus socialmentesedimentado.

    05.4 A Terminologia aplicada ou Terminodidtica

    Como temos dito ao longo desse trabalho, o desenvolvimentotecnolgico e cientfico que temos hoje mudou o modo como vemos a linguagem eseu uso. Uma das conseqncias desse desenvolvimento o surgimento deneologismos, tanto na linguagem especializada, quanto na linguagem do dia-a-dia.Sobre essa relao da linguagem com as mudanas sociais, Barros (2004) dita:

    As mudanas socioeconmicas e polticas tiveram repercusses emnvel vocabular: a cada nova inveno, a cada nova situao, atitude,produto, servio, reivindicao, lei, etc. surgiam novos termoscorrespondentes. O universo lexical das lnguas transformou-seampliando substancialmente, o mesmo sucedendo com o conjuntoterminolgico que, alis, cresceu em maior proporo. (BARROS, 2004,p.26)

    Essas questes relativas linguagem de especialidade foram, aospoucos, chegando sala de aula. Cada disciplina escolar possui seu prpriorepertrio terminolgico e de fundamental importncia que o aluno subjugue talrepertrio de maneira que ele possa utiliz-lo em contextos comunicativos quando

    lhe for necessrio. Laface (2001) e Cabr (1993) chamam a ateno para o ensinoda lngua nas escolas: no h uma preocupao em desenvolver a competnciacomunicativa dos alunos em contextos especializados, isto , a escola apenas sepreocupa com aspectos formais da lngua geral, no satisfazendo asnecessidades dos alunos em compreenderem conceitos-chave de determinadasdisciplinas. Laface (2001) afirma:

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    Diz a autora [Cabr (1993)] que muitos estudantes escrevem de formamedocre, no porque desconhecem a lngua, mas porque, s vezes,no tm o que dizer ou no dominam o vocabulrio especializado. A

    maioria deles e, tambm dos professores, no se d conta da interaodas lnguas e das reas de conhecimento. Em conseqncia, noprestam ateno suficiente no delicado equilbrio que existe entre alngua geral e as lnguas especializadas, mesmo sabendo que, nessainterao, temticas pedaggicas devam responder pela eficincia daaprendizagem e pela posterior utilizao do conhecimento adquirido nacomunicao. (LAFACE, 2001, p.238)

    Assim sendo, a lngua de especialidade acaba se configurando comouma lngua estrangeira para o aluno e, por vezes, nem o livro didtico muitomenos os dicionrios do conta de preencher a lacuna comunicativa existenteentre o conhecimento cientfico e o universo cotidiano do aluno. De fato, umdicionrio escolar, por mais completo que seja, jamais dar conta de todasnecessidades de aprendizagem do estudante e quando nos referimos terminologia das disciplinas concordamos com Guerra (2006):

    Partimos, pois, do pressuposto de que a aquisio do saber cientfico uma das chaves para a formao da cidadania, e cabe escoladesempenhar o papel de transmissora desse saber, que fundamentado, principalmente nos livros didticos e em dicionrios.Entretanto, no existem dicionrios especializados dirigidos aestudantes [grifo nosso]. As raras obras encontradas ou so tradues,ou no esto adaptadas ao nvel do pblico a que se destinam [grifonosso]. Alm disso, no que se refere comunicao, so poucos osestudos em Terminologia, focando a aprendizagem das disciplinasespecializadas includas nas grades curriculares das escolas de ensinofundamental e mdio. (GUERRA, 2006, p. 14.).

    Assim sendo, como destacamos acima, obras terminogrficas nopodem ser levadas sala de aula sem o devido tratamento, tratamento este que j

    faz parte do cotidiano de quem pesquisa dicionrios escolares.

    Ora, certo que nenhum trabalho lexicogrfico isento deimperfeies, no entanto, um dicionrio, seja qual for ele, pode ter suas falhasminimizadas desde que o professor faa uso das estratgias de ensinonecessrias. Outrossim, a Terminografia tende apenas a se beneficiar com ascontribuies que a Lexicografia pedaggica oferece.

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    06 DA TEORIA DA MULTIMODALIDADE COERNCIA INTERSEMITICANOS DICIONRIOS PARA SURDOS

    Uma das grandes conseqncias da revoluo causada pela Informtica a potencialidade de novos usos da linguagem que o ambiente virtual oferece.Podemos, ao mesmo tempo, ler um texto, ouvir msica e interagir com umapessoa a quilmetros de distncia. A interao social tomou novos rumos, bastavermos quantas pesquisas tm sido feitas sobre os gneros digitais. A prprianoo de gneros eletrnicos, hipertextualidade, dentre outras, conseqnciadessas mudanas. Os recursos disponibilizados nos ambientes virtuais propiciam

    novas formas de leitura, significao devido s mltiplas semioses18

    envolvidas naconstruo de sentido de um texto virtual. Tudo isso levou algumas pessoas acriarem o mito que este tipo de texto substituiria (ou substituir) os textosimpressos. Se isso ir acontecer, difcil dizer, mas o fato que, at hoje, issono ocorreu ao menos no de modo geral.

    O computador e a prpria internet ainda so ferramentas de acessorestrito a certas camadas sociais e o papel guarda algumas praticidades nosuperadas pelo ambiente mediado pelo computador. Entretanto, todas asmudanas ocasionadas refletiram no modo como os textos impressos tm sidoproduzidos e como passamos a interagir com eles. Numa tentativa de usarrecursos que se assemelham aos disponveis pelos textos virtuais, os textosimpressos adicionaram, em seu corpo, mais cores, formas, tamanhos, imagensetc. ampliando o modo de construir seu sentido. fcil percebermos issoprincipalmente quando lemos os gneros publicitrios. As cores usadas, as

    imagens e sua disposio, dentre inmeros outros fatores, no so utilizados demodo aleatrio, mas sim, seguindo a estrutura prpria exigida por esses gneros.Esta discusso tem sido desenvolvida aps o advento daSemitica social e daTeoria da Multimodalidade.

    18 Ao fazermos uso do termo mltiplas semioses, referimo-nos aos diversos recursos verbais e/ou no-verbais envolvidos no processo de dar sentido s coisas como, por exemplo, o texto verbal,as cores, sons, movimentos etc.

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    A Semitica, tal como foi sistematizada por Peirce, analisa o processodas semioses; a Semitica social ir relacionar o mesmo processo dentro de

    contextos de interao social, tal como afirmam Pimenta e Santana (2006):

    Tem-se, portanto, a Semitica Social como a cincia que se encarregada anlise dos signos na sociedade, com a funo principal de estudar atroca de mensagens (verbais ou no-verbais), ou seja, a comunicaodentro de um contexto social. Nessa teoria, as diversas formas derepresentao so denominadas modos semiticos [grifo nosso].(PIMENTA; SANTANA, 2006, p. 154.)

    As autoras afirmam, ainda, que o centro de toda essa questo a

    motivao (social ou no) que leva o indivduo a escolher, dentre os diversosmodos semiticos, aqueles que iro cumprir sua funo discursiva dentro dosenunciados; ou ainda, criar novos modos a partir dos existentes. Tal fato nocontraria, mas, amplia a noo de signo lingstico saussureana que j no maiscontemplava os atuais usos da linguagem e do signo.

    Os vrios modos semiticos acima citados so a base daTeoria daMultimodalidade sistematizada por Kress e Van Leewen (1991) em sua obraReading images: the Grammar of Visual Design . De modo geral, a Teoria daMultimodalidade (...) busca similaridades na inteno de uma unificao das vriasteorias semiticas e crticas (PIMENTA; SANTANA 2006, p. 162,). Mais que isso,a Teoria da Multimodalidade parte do pressuposto de que toda comunicao , emmaior ou menor grau, multimodal, isto , possui mltiplas semioses envolvidas:uma combinao de gestos, falas, entoaes, cores, imagens, etc. (Petermann,2006). Mesmo em um texto acadmico, como este, temos a possibilidade de

    destacar elementos em negrito, uso de itlico ou mesmo diferentes tamanhos defonte. Em umagramtica visual temos um instrumento no s para a construode textos multimodais e seus sentidos como, tambm, para a anlise crtica destestipos de textos. (idem, ibidem). Falando da necessidade desta gramtica, Pimenta;Santana (2006) justificam a obra de Kress e Van Leeuwen:

    A criao de uma gramtica visual justifica-se pelo fato de termosnecessidade de alcanar formas de significao de outros tipos de

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    sua aprendizagem alfabetismo visual . Tal como a sintaxe de um texto verbal,onde os elementos se relacionam para estruturar a sentena, os elementos visuais

    dos textos visam a um objetivo especfico e para tanto se organizam de modo aalcan-lo. Dondis afirma:

    A sintaxe visual existe. H linhas gerais para a criao de composio.H elementos bsicos que podem ser apreendidos e compreendidos portodos os estudiosos dos meios de comunicao visual, sejam elesartistas ou no, e que podem ser usados, em conjunto com tcnicasmanipulativas, para a criao de mensagens visuais claras. Oconhecimento de todos esses fatores pode levar a uma melhorcompreenso das mensagens visuais. (DONDIS, 2003, p. 18)

    Contudo, o autor deixa bem claro que a lgica e a preciso da estruturada linguagem verbal e sua sistematizao jamais poder ser substituda pelalgica que o alfabetismo visual busca.

    Todos estes pontos nos levam a questionar sobre quais os aspectosvisuais que so empregados nos dicionrios e sua importncia para o aluno surdo.Sobre este ltimo, Reily (2003), em sua pesquisa com alunos surdos do pr-

    escolar, apresenta resultados positivos na leitura a partir do desenvolvimento doletramento visual atravs de livros com muitas imagens. Ela afirma:

    A figura visual, tanto a representao abstrata quanto a figurativa oupictrica, traz consigo o potencial de ser aproveitada como recurso paratransmitir conhecimento e desenvolver raciocnio. Para o aluno surdoque estuda na rede regular de ensino, como tambm no caso do alunosurdo atendido em instituio de educao especial,o caminho deaprendizagem necessariamente ser visual , da a importncia de oseducadores compreenderem mais sobre o poder constitutivo da imagem,tanto no sentido de ler imagens quanto no de produzi-las. (REILY, 2003,p. 169)

    Desse modo, os recursos visuais se tornam um aspecto extremamenterelevante na produo lexicogrfica voltada para o aluno surdo. Pontes (2009)defende, inclusive, que h uma gradao de recursos visuais utilizados emdicionrios. Teramos os dicionrios gerais com quase nenhum recurso visual deum lado e, do outro, os dicionrio ilustrados infantis. Tal como o autor,

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    acreditamos que realmente haja esta gradao. Observemos alguns exemplosretirados de diferentes edies do dicionrio Aurlio (Ferreira, 1975, 2001, 2005a).

    Esse exemplo foi retirado da primeira edio de um dicionrio Aurliogeral. Notemos que so poucos os recursos visuais empregados aqui. H apenaso uso de itlico , negrito, os smbolos e , alm disso, chamamos a ateno oespaamento empregado nos exemplos de uso para dar destaque s colocaes.Todavia, o dicionarista no faz uso de cores na microestrutura dessa edio,diferentemente do dois exemplos abaixo:

    O primeiro caso, Ferreira (2001), foi retirado do Mini Aurlio escolar doSculo XXI, comumente utilizado no Ensino Mdio apesar de, de acordo com oautor, conter 32 mil verbetes o que o classifica como tipo 3 para as sries finaisdo Ensino Fundamental. J o segundo exemplo, Ferreira (2005a), foi retirado do

    c.ri:e subst. Fem. Leso inflamatria crnica de osso ou dente. Crie dentria.

    Leso em que d formao de cavidade em dente, e que pode comprometer esmalte,

    dentina e polpa (3). (FERREIRA, 2005a)

    ca.re.ca . Sf. 1. Calva (1). 2. Calvce. S2g. 3. Pessoa calva. Adj2g. 3. Diz-se depessoa calva . (FERREIRA, 2001)

    Careca. S. f. 1. Calva (1). 2. Calvce, acomia. S. 2 g. 3. Indivduo calvo. S. m. 4.

    Bras. Pop. V. Diabo (2). Adj. 2g. 5. Diz-se de indivduo calvo. 6. Pop. Diz-se do

    pneu liso, com os frisos j inteiramente gastos pelo uso. Estar careca de. Bras.

    Fam. Estar habituadssimo a; estar cansado de: E s t o u c a r e c a d e falar dela;

    E s t o u c a r e c a d e ouvir aquela histria. (FERREIRA, 1975)

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    dicionrio escolar Aurlio Jnior, cuja nomenclatura, segundo o autor, comporta 30mil verbetes e indicado para 4 a 6 ano do Ensino Fundamental I.

    Em ambos os exemplos, temos uma maior variedade de recursosvisuais em uso. H uso de cores e fontes diferentes alm dos citados noexemplo primeiro. Comparemos agora os trs exemplos j citados com outros doisretirados de dicionrios infantis ilustrados, o Dicionrio Aurlio infantil ilustradopelo cartunista Ziraldo de 1989 (Ferreira, 1989) e o dicionrio Aurelinho de 2005(Ferreira, 2005b), respectivamente:

    Figura 35: verbete carneiro (FERREIRA, 1989)

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    Nos trs exemplos anteriores, no h uso de ilustraes diferentemente desses dois ltimos, Ferreira (1989) e Ferreira (2005b). Notemos,no entanto, que apesar da ilustrao, Ferreira (1989) no faz uso de tantosrecursos visuais (cores e formas) quanto Ferreira (2005b) cujas entrada e classegramatical so destacadas em verde.

    Como vimos ressaltando, tais recursos so de extrema importncia nofazer lexicogrfico, uma vez que torna o dicionrio uma ferramenta mais eficaz,principalmente, para o pblico surdo. No entanto, a teoria da Multimodalidade

    tambm abre espao para outra importante ferramenta, o uso de imagens nostexto e sua relao com o texto verbal. A essa relao, Carmargo (1999) chamade coerncia intersemitica :

    Se entendemos que a ilustrao uma imagem queacompanha umtexto, ento, preciso reconhecer que a ilustrao no tem funoisoladamente, mas s em relao a um texto. [...] A relao entreilustrao e texto pode ser denominada coerncia intersemitica ,denominao essa que toma de emprstimo e amplia o conceito de

    Figura 36: verbete carneiro (FERREIRA, 2005b)

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    ao s. masc . a -o . Liga de metal muito resistente, de cor prateada, brilhante. Esta faca feita de ao . (BIDERMAN, 2004)

    coerncia textual . Pode-se entender a coerncia intersemitica como arelao de coerncia , quer dizer, de convergncia ou no-contradioentre os significados denotativos e conotativos da ilustrao e do texto.

    Como essa convergncia s ocorre nos casos ideais, pode-se falar emtrs graus de coerncia: a convergncia , o desvio e a contradio .Avaliar, portanto, acoerncia entre uma determinada ilustrao e umdeterminado texto significa avaliar em que medida a ilustraoconverge para os significados do texto, deles se desvia ou os contradiz .(CAMARGO, 1999)

    Para uma obra lexicogrfica, essa relao se dar entre a ilustrao e adefinio e/ ou exemplo de uso. O uso desse tipo de recursos muito comum emdicionrios infantis que se caracterizam por serem ilustrados. Podemos citar, comoexemplo, Biderman (2004) com o verbete ao:

    E logo abaixo vemos a ilustrao com legenda:

    Figura 37: Imagem para ao (BIDERMAN, 2004)

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    De acordo com o conceito decoerncia intersemitica defendida por

    Carmago (1999), h uma relao de contradio entre a ilustrao, a definio emesmo o exemplo de uso. Explicando melhor: na definio temos Liga de metalmuito resistente, de cor prateada, brilhante contundo, na ilustrao, o que temos o ao em estado lquido, o que no transmite a idia de resistncia, de dureza; eo brilho que vemos, na ilustrao, dourado e no prateado. Ademais, o exemplode uso faz referncia a um objeto feito de ao, a faca, mas no esse exemploque vemos na ilustrao. De fato, para fazer uso de tais recursos visuais mister

    no ignorar o aspecto coerente entre os dois modos, o verbal e o visual.

    Observemos, para finalizar, um ltimo exemplo, o verbete AIDS nodicionrio trilnge Capovilla; Raphael (2008) e a imagem que o acompanha:

    Mesmo a imagem sendo um desenho feito mo livre e desprovido decores, faz sentido, isto , coerente no contexto do texto-verbete, uma vez que adefinio faz meno ao vrus. Claro que, idealmente, busca-se utilizar imagens omais prximo possvel do mundo concreto. Assim, para o aluno surdo, comotemos defendido at ento, os recursos visuais e ilustraes so ferramentasimprescindveis para sua compreenso dos conceitos veiculados pelo dicionrio.

    Figura 38: Verbete AIDS. Na parte superior esquerda o desenho (CAPOVILLA; RAPHAEL,

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