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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

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PUC GOIAS

TEORIA GERAL DO

PROCESSO

Profª Evelyn Cintra Araújo

2018

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TEORIA GERAL DO PROCESSO Profª: Évelyn Cintra Araújo

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1 INTRODUÇÃO

Se pudéssemos conceituar Direito diríamos que é “o conjunto das normas gerais e

positivas que regulam a vida social”.

Portanto, o principal objetivo do Direito é harmonizar as relações sociais

intersubjetivas; é tornar possível a vida em sociedade, conferindo-lhe ordem (ubi jus ibi societas

– não há direito sem sociedade) através de regras de conduta dotadas de coercibilidade.

Estabelecido o direito objetivo, faz nascer, por outro lado, a prerrogativa ou a

faculdade individual de exigir o cumprimento dos preceitos que lhe diga respeito. Portanto, se

a norma diz que “todos são iguais”, surge para cada um o direito de ser tratado sem

discriminação. Fala-se, então, em direito subjetivo.

A facultas e a norma são os dois lados de um mesmo fenômeno: um é o aspecto

individual, o outro o aspecto social. Qualquer direito pode ser apreciado pelo lado do

indivíduo, que dele extrai uma segurança jurídica ou uma função, como pelo lado do

agrupamento social, que institui uma regra de conduta.

O direito subjetivo manifesta-se através de uma relação jurídica, a qual pressupõe um

sujeito, que é o ser a quem a ordem jurídica assegura um poder ou um dever de agir; um

objeto, que é o bem ou a vantagem sobre a qual o sujeito exerce tal poder ou dever; e um

vínculo, que é o liame que une ambos os sujeitos ou partes entre si e estes com o objeto,

formando a relação jurídica.

A vida em sociedade produz uma série de relações, que, quando protegidas pela

ordem jurídica, transformam-se em relações jurídicas, como o casamento, o emprego, o

aluguel de um imóvel etc. Todas elas são motivadas pelo desejo de satisfazer um direito

subjetivo1, ou seja, uma necessidade, um interesse (formar uma família, ganhar dinheiro, ter um

lugar para morar etc). Quando isso ocorre fala-se em relação jurídica material.

Mas pode acontecer que, numa relação jurídica material entre A e B, os interesses

sejam opostos; por exemplo, A quer manter o casamento, mas B não. Surge, então, um conflito

de interesses, ou seja, um “choque de duas ou mais vontades sobre o mesmo objeto”.

Nesse momento, se A insiste em manter a sua posição, exigindo que B subordine ao

seu interesse, surge o que chamamos de pretensão. Pretensão, portanto, é “a exigência de

subordinação de um interesse alheio ao próprio.”

Se B ceder, o conflito é resolvido pela satisfação da pretensão de A.

1 Para Ihering, direito subjetivo é o “o interesse juridicamente protegido”.

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Porém, se B resiste, nasce uma lide, que, no conceito brilhante de Carnellutti, nada

mais é que “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”.

Nesse momento ENCERRA O PLANO DE DIREITO MATERIAL2...

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Acontece que, quando o Estado se estruturou e passou a dotar-se de maior poder,

trouxe para si a responsabilidade de ditar a solução para os conflitos de interesses, proibindo

qualquer espécie de justiça privada (atualmente, excepcionalmente, admite-se a autotutela,

como o desforço imediato, a legítima defesa e a greve).

O Estado assume, assim, o monopólio da JURISDIÇÃO (que significa dizer o direito

no caso concreto), exercido precipuamente por um de seus poderes – o Poder Judiciário.

Como conseqüência da previsão desse direito objetivo à jurisdição (aliás, consagrado

a nível constitucional – art. 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”), ofertou-se ao indivíduo, que não podia mais realizar o seu interesse

através da própria força, o poder, a prerrogativa, a faculdade, o direito subjetivo de bater às

portas do Judiciário para exigir a solução do litígio que porventura pudesse estar envolvido.

Tal direito subjetivo de provocar a jurisdição denominou-se direito de AÇÃO. Mas,

como ele é exercido?

O direito de ação é exercido através de um ato processual chamado demanda.

Portanto, demanda é o ato processual pelo qual o autor exercita o direito de ação. Este ato

materializa-se através de um instrumento denominado petição inicial.

Mas, assim como se assegura ao autor o direito à tutela jurisdicional, o qual é

exercido por meio do direito de ação, ao réu é garantido direito correlato, dando-lhe a chance

de receber a prestação jurisdicional (direito à análise do mérito; de preferência, no sentido de

improcedência do pedido do autor – tutela jurisdicional negativa). A este direito dá-se o nome

de direito à defesa, previsto constitucionalmente no art. 5º, LV.

O direito de defesa é exercido através de alguns atos, quais sejam, a contestação, a

reconvenção e as exceções, os quais se materializam também através de uma petição, que, por não

mais ser inicial, é chamada genericamente de petição interlocutória. Contestação (assim como os

demais atos da defesa) não é, portanto, a petição da contestação, mas sim o ato processual

2 As leis classificam-se, quanto à sua natureza, em materiais ou substanciais (as que regulam o direito em si) e formais ou processuais (modo de realização da lei material - atos processuais).

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pelo qual o réu exerce o direito de defesa, se opondo, formal e/ou materialmente, à pretensão

do autor.

Oportunizado ao réu o direito de defesa, independentemente se ele o tenha exercido

ou não através de quaisquer daqueles atos, tem-se por formado o PROCESSO completamente.

Assim, o processo poder ser entendido como sendo a relação jurídica de direito

público (processual) que une autor, juiz e réu, e que se exterioriza e se desenvolve pela

seqüência ordenada de atos com vistas a um fim, qual seja, a sentença.

O processo será civil (ou de natureza cível, como queira) se a lide posta em juízo se

instaurou em virtude de qualquer ramo do direito que não seja trabalhista ou penal (que

possuem processos próprios correlatos, a saber, processo do trabalho e processo penal), ou

seja, em virtude de um direito pertencente ao Direito Civil, Empresarial, do Consumidor,

Tributário etc.

Para regular o processo, o Estado criou um conjunto de normas jurídicas que formam

o chamado Direito Processual, também denominado de formal ou instrumental, por servir de

forma ou instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material ou

substancial, que solucionarão as lides colocadas pelas partes em juízo.

1.1 Conceito de Direito Processual Civil

A bem da verdade, Direito Processual é um só. A divisão em sub-ramos (Processo

Civil, Processo Penal, Processo do Trabalho etc) e suas respectivas legislações são de ordem

prática e didática, conforme a natureza da lide posta em juízo.

Todavia, se pudéssemos individuar e conceituar, diríamos, com auxílio da doutrina

mais robusta nessa matéria, que Direito Processual Civil é “o complexo de normas e princípios

que regem o exercício conjunto da jurisdição pelo Estado, da ação pelo demandante e da

defesa pelo demandado” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO).

Ou, ainda: “é o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas

reguladoras do exercício da jurisdição civil”. (AMARAL SANTOS).

Por fim, uma das melhores conceituações é a trazida pelo processualista italiano

Chiovenda, para quem o Direito Processual Civil é “o ramo da ciência jurídica que trata do

complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil” (CHIOVENDA).

É, portanto, ramo do direito público, não se confundindo com o direito material que

instrumentaliza (este normalmente pertencente ao direito privado, p. ex., D. Civil), devendo,

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portanto, sempre ser afastada a denominação direito adjetivo, por aludir a uma relação de

dependência do direito processual para com o direito material, o que, na verdade, não existe.

Enquanto o direito material cuida de estabelecer as normas que regulam as relações

jurídicas entre os particulares, o direito processual visa regular uma das funções soberanas do

Estado (função jurisdicional). Dessa forma, ainda que a lide seja eminentemente de interesse

privado, há no processo sempre um interesse público, qual seja, a pacificação social e a

manutenção da ordem jurídica.

1.2 Evolução Histórica do Direito Processual Civil

A história do Direito Processual Civil, assim como toda a Ciência Jurídica, encontra

suas bases no Direito Romano, cujo processo se desenvolveu em 3 fases, que, em seu conjunto,

denominou-se de IMANENTISTAS (direito processual imanente, dependente do direito

material):

a) primitiva ou das legis actiones (das ações da lei) => havia 5 ações da lei, as quais deviam ser

manejadas pelas partes com muito rigor e formalismo, sob pena de perder a demanda caso se

equivocasse em uma palavra ou gesto (não havia advogados).

b) período formulário => com a expansão do Império, o manejo das 5 ações da lei ficou

limitado. O magistrado, agora, examinava a pretensão do autor e a defesa do réu, e concedia

uma fórmula de ação capaz de compor especificamente o conflito (ele fixava o objeto do

conflito, cabendo ao árbitro, escolhido entre os cidadãos, o julgamento da causa – semelhante

ao instituto do Júri Popular). Já havia advogados e princípios do livre convencimento do juiz e

do contraditório.

c) fase da cognitio extraordinária => desaparecem os árbitros, surgindo a figura do juiz como o

único investido do poder jurisdicional. O procedimento passa a ser eminentemente

ESCRITO, compreendendo desde o pedido do autor até a sentença e sua execução.

Porém, com a queda do Império, já no período medieval, o processo civil sofreu um

retrocesso ao ser influenciado pelo direito do povo bárbaro-germânico, caracterizado pelo

formalismo exacerbado, fanatismo religioso e misticismos. Foi nesse contexto que surgiram os

chamados “juízos de Deus”, “duelos judiciais” e “ordálias”.

O processo era FORMAL, e as provas produzidas deviam ser interpretadas segundo

regras legais, não possibilitando qualquer participação do juiz. Este só reconhecia o

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cumprimento/realização da “prova” e fixava a sentença segundo as regras do direito positivo.

Não se buscava a verdade real, mas a formal, pois se acreditava na INTERFERENCIA DIVINA

nos julgamentos (autênticos jogos de azar ou rituais de bruxaria).

Entretanto, com o fim de preservar o direito romano, surge o Direito Canônico e o

direito desenvolvido pelos glosadores nas Universidades, que, em conjunto com o direito

germânico, formaram o chamado PROCESSO COMUM, que vigorou desde os séculos XI até

XVI.

O processo comum era escrito, lento e extremamente complicado. Mas, dele se

extraíram as características que, aperfeiçoadas, inspiraram o processo moderno. Foram

abolidas as ordálias e juízo de deus, mas a tortura continuou até o século passado, como meio

de obtenção da verdade. Somente após a Revolução Francesa retomou-se o conceito de livre

convencimento do juiz, relativamente às provas, eliminando a tarifa legal, primeiramente no

processo penal, depois no civil.

Além dessas 3 fases, o Direito Processual Civil conheceu outras duas:

- CIENTÍFICA ou MODERNA (expoentes: Calamandrei, Chiovenda, Carnelutti, Liebman):

emergida no século passado, com ela desenvolveu-se a teoria do processo como relação

jurídica, e não mais como contrato; o direito processual passou a ser compreendido como

ramo autônomo e público; as provas deixaram de ser tarifadas e passaram a ser valoradas pelo

juiz segundo critérios próprios (deixando de atuar como expectador da vitória do mais hábil),

tendo amplos poderes, inclusive, na sua produção; etc.

- INSTRUMENTISTA ou ATUAL: processo passa a ser visto como instrumento não só de

realização dos interesses particulares, como também de pacificação social e realização da lei.

Mas, apesar de instrumental (meio para se atingir um fim – solução do litígio), exige-se que o

processo seja efetivo, realizador de justiça, em tempo hábil e com o menor dispêndio possível.

Pode-se dizer, resumidamente, que o processo de hoje e do futuro buscam: facilitação

do acesso à justiça; duração razoável do processo; instrumentalidade; tutela de interesses

coletivos e difusos; universalização; constitucionalização do direito processual; e efetividade

do processo (GONÇALVES, 2015, p. 44).

1.2.1 Direito Processual Civil Brasileiro

Até a independência (1822), vigorou no Brasil a legislação portuguesa, consistente

nas chamadas Ordenações do Reino (Ordenações Afonsinas, de D. Afonso V, de 1446; as

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Ordenações Manuelinas, de D. Manuel, de 1521; e as Ordenações Filipinas, de Filipe II, de

1603). Tinham por principais características:

a) forma escrita, o juiz só podia apreciar o que estava nos autos (verdade formal);

b) as partes não participavam da inquirição de testemunhas;

c) princípio do dispositivo: autor e réu eram os donos do processo, cuja movimentação era

privilégio das partes.

Em 1850, o Brasil editou o Regulamento n. 737, o primeiro Código Processual

nacional, que visava regular apenas as causas comerciais. Já no período republicano, o

referido regulamento alcançou também as causas cíveis, por força da alteração dada pelo

Regulamento n. 763, de 1890.

Logo após, em 1891, a Constituição estabeleceu a divisão da Justiça Federal e

Estadual, e, consequentemente, o poder de legislar sobre processo para cada esfera da

federação, dando surgimento a um Código Federal e a vários Códigos estaduais, que acabaram

por ser repetições do primeiro.

Todavia, a Constituição de 1934 pôs fim aos códigos estaduais, atribuindo

exclusivamente à União a competência para legislar sobre processo. Desta feita, uma comissão

foi formada para a elaboração de um código unitário, o que redundou no surgimento de nosso

primeiro CPC (Código de Processo Civil) em 1939.

Como bem nos ensina Sérgio Bermudes (apud THEODORO JR, 2007, p. 17), havia no

CPC de 39 “uma parte geral moderna, fortemente inspirada nas legislações alemã, austríaca,

portuguesa e nos trabalhos de revisão legislativa da Itália, e uma parte especial anacrônica,

ora demasiadamente fiel ao velho processo lusitano, ora totalmente assistemática”.

Após 33 anos em vigor, o CPC foi totalmente reformado, com base no Anteprojeto do

Ministro Alfredo Buzaid, destaque da Escola Paulista de Direito e discípulo direto do

processualista italiano Enrico Tullio Liebman (radicado no Brasil no período da 2ª Guerra

Mundial, viendo aqui falecer). Daí surgiu o nosso atual CPC, a Lei n. 5869, de 11.01.1973, que é

composto de 5 Livros:

- Livro I: Do Processo de Conhecimento;

- Livro II: Do Processo de Execução;

- Livro III: Do Processo Cautelar;

- Livro IV: Dos Procedimentos Especiais;

- Livro V: Das disposições gerais e transitórias.

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O CPC vigente sofreu, ao longo de sua vigência, diversas alterações e reformas, todas

na tentativa de se alcançar, conforme prega os instrumentalistas, um processo mais efetivo

possível. O propósito foi abandonar a preocupação exclusiva com conceitos e formas, tão nos

bem ensinado pela tradição romana e lusitana, para dedicar-se à busca de um processo de

resultados, prevendo, por exemplo, uma tutela antecipada generalizada nos processos de

conhecimento; a execução das sentenças no mesmo processo de conhecimento; o

procedimento monitório; o poder geral de efetivação; os poderes dados ao relator frente, em

especial, da afronta aos precedentes jurisprudenciais etc.

Todavia, tantas reformas e as mudanças próprias da sociedade tornaram

recomendável a edição de um novo código.

Assim, por iniciativa de uma comissão de juristas, presidida pelo então Ministro do

STF, Luiz Fux, foi levado ao conhecimento do Senado Federal, em 2010, o Projeto de Lei nº

166, que, depois de passar pelas 2 casas legislativas, foi aprovado em dezembro de 2014 e

sancionado pela Presidente da República em março de 2015, convertendo-se na Lei n.

13.105/15 – o NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/NCPC, com vigência prevista para o dia

18/03/16.

Dentre as alterações, pode-se destacar tanto a de cunho organizacional, com a

previsão inédita de uma parte geral e uma parte especial, quanto a de cunho material, com o

maior rigor nas fundamentações judiciais; a unificação das tutelas cautelar e antecipada sob a

rubrica “tutelas de urgência”; a consagração de um processo sincrético; a força dos

precedentes judiciais; o fortalecimento dos meios de solução consensual dos conflitos; o fim

do juízo de admissibilidade pelo juízo de origem nos recursos; a solução coletiva de ações e

recursos repetitivos, evitando o abarrotamento dos tribunais com causas que contém a mesma

questão de direito; além da incorporação em seu texto entendimentos já consagrados na

doutrina e na jurisprudência do STJ e do STF.

Assim, o NCPC tem a seguinte configuração:

- PARTE GERAL (dedicada à formulação de regras sobre as Normas Processuais Civis.

Contém princípios e regras gerais, aplicáveis a todos os tipos de processo): está dividida em 6

Livros, quais sejam:

=> Livro 1: trata das Normas Fundamentais do Processo Civil;

=> Livro 2: da Função Jurisdicional;

=> Livro 3: dos Sujeitos do Processo;

=> Livro 4: dos Atos Processuais;

=> Livro 5: da Tutela Provisória;

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=> Livro 6: da Formação, Suspensão e Extinção do Processo.

- PARTE ESPECIAL: contém 3 Livros, a saber:

=> Livro 1: do Processo de Conhecimento (tanto procedimento comum, como

procedimentos especiais, de jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária);

=> Livro 2: do Processo de Execução;

=> Livro 3: dos Processos nos Tribunais e os Meios de Impugnação das Decisões

Judiciais.

- LIVRO COMPLEMENTAR: das Disposições Finais e Transitórias

1.3 Fontes

O termo "fontes" provêm de fontos, expressão latina que significa "lugar de onde

perenemente nasceu", "nascente de água". Em sentido figurado, fonte é a origem de algo, causa,

motivação.

Fonte do Direito seria, portanto, a origem do Direito, o seu nascedouro. Trata-se dos

fatores reais que condicionaram o aparecimento da norma jurídica, seja elas quais forem

(princípios morais, políticos, pareceres, teorias etc), desde que influenciem na criação e

aplicação do direito.

Fontes do Direito Processual são os lugares de onde provém este ramo do Direito,

dentre os quais podemos destacar:

a) Constituição Federal => nela se encontram as normas fundamentais aplicáveis ao processo,

especialmente no rol do art. 5º, como, por exemplo, os princípios do devido processo legal

(inc. LIV), do contraditório e da ampla defesa (LV), da acessibilidade ao Judiciário (XXXV),

da proibição de obtenção de provas ilícitas (LVI), da celeridade ou da duração razoável do

processo (LXXVIII), além de regras acerca da organização e competência de julgar processos,

em única ou última instância, pelos juízes e tribunais (arts. 102 e ss).

Destaque-se o fato de o NCPC ter incorporado praticamente todos estes princípios

constitucionais, fortalecendo e consagrando um sub-ramo do Direito Processual: o Direito

Processual Constitucional3 (consiste num conjunto de normas de índole processual que se

encontram na Lei Maior, objetivando garantir a sua aplicação e a sua supremacia. Ex: previsão

do mandado de segurança, mandado de injunção, recurso extraordinário).

3 Certo é que se tem falado também do contrário, ou seja, de um Direito Constitucional Processual, consistente num conjunto de normas de índole constitucional que visam garantir o processo, assegurando que este seja mais justo.

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Por fim, vale lembrar, ainda, das emendas constitucionais. À guisa de exemplo,

podemos citar a EC 62/2009, que trata do novo regime dos precatórios, e a EC 66/2010, que

instituiu o divórcio direto, independentemente do prazo de separação.

b) Leis Federais => a mais importante é a Lei n. 5.869/73, ou seja, o CPC, que está prestes a ser

substituído pelo então NCPC, a Lei n. 13.105/2105. Mas há outras também relevantes como a

Lei 6.515/77 (lei do divórcio), Lei n. 6.830/80 (execução fiscal); Lei n. 8.245/91 (lei da

locação/despejo); a Lei n. 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis); Lei 12.016/09 (novo mandado

de segurança), etc.

c) Leis Estaduais => as leis estaduais relativas ao processo são suplementares às federais, que

são gerais, pois a competência para legislar sobre Direito Processual é de exclusividade da

União. Sendo assim, cabem aos Estados legislar apenas sobre procedimentos administrativos

de apoio ao processo, como, por exemplo, regras acerca da publicação dos atos processuais na

imprensa oficial local.

Todavia, calha lembrar que, no que se refere aos Juizados Especiais (art. 24, X, CF),

têm os Estados e o DF competência concorrente com a União para legislar sobre processo,

desde que não sejam contrárias às normas gerais (instituídas na Lei 9.099), e, nessa hipótese,

não há como se negar à lei estadual o caráter de fonte do Direito Processual.

d) Regimentos Internos dos tribunais => são conjuntos de normas que regem o

funcionamento interno dos tribunais. Tais atos normativos podem conter normas atinentes ao

procedimento. Ex:. embargos de divergência (art. 1.043, NCPC), cujo procedimento é o

estabelecido nos RI’s do STJ e do STF.

e) Princípios Gerais do Direito => são regras não escritas que se encontram presentes em todo

o sistema, informando-o. Exs:. ‘O Direito não socorre os que dormem’ – primado geral presente em

institutos como os da prescrição, decadência, preclusão; ‘O que não está nos autos não existe no

mundo jurídico’ ou ‘Alegado e não provado é como não alegado’ – deles derivando regras como a do

ônus da prova (art. 333), a do livre convencimento motivado (art. 131) etc.

Obviamente, não se pode esquecer que dos princípios gerais derivam os específicos,

aplicáveis a todo o Direito Processual, inclusive o Civil, tais como: devido processo legal,

contraditório e ampla defesa, isonomia processual e paridade de armas, cooperação entre as

partes, da duração razoável do processo etc.

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f) Costumes => conduta socialmente aceita e que é realizada para criar uma sensação de

obrigatoriedade. Ex:. por força do disposto nos arts. 282, inc. VI e art. 300, do CPC/73, autor e

demandado devem anunciar, de maneira específica, na petição inicial e na contestação,

respectivamente, as provas que pretendem produzir. Há, porém, um hábito de muitos

advogados de descumprir esse comando, anunciando apenas que pretendem produzir ‘todos os

meios de prova admissíveis no direito’. Por conta dessa práxis (costume), os magistrados, após o

encerramento da fase postulatória, tem determinado às partes que especifiquem as provas que

pretendem produzir.

g) Doutrina => conjunto de lições ou obras dos jurisconsultos acerca do Direito Processual

Civil, desde os mais tradicionais aos mais de vanguarda. Exemplos: Moacyr Amaral Santos;

Ernane Fidélis dos Santos; Athos Gusmão Carneiro; José Frederico Marques; Ovídio Baptista

da Silva; Humberto Theodoro Jr.; Nelson Nery Jr; Cândido Rangel Dinamarco; Ada Pelegrini

Grinover; Arruda Alvim; Sérgio Scarpinella Bueno; Luiz Guilherme Marinoni; Eduardo

Talamini; Elpídio Donizete; Luiz Rodrigues Wambier; ; Marcos Vinicius Rios Gonçalves; José

Carlos Barbosa Moreira; Fredie Didier Júnior; Alexandre Freitas Câmara; Daniel Amorim;

Luiz Fux; Thereza Arruda Alvim Wambier etc.

h) Jurisprudência => decisões reiteradas dos pretórios nacionais sobre idêntica matéria. É

inegável a força das súmulas da jurisprudência dominante dos tribunais, principalmente dos

superiores, que, no nosso atual sistema, são capazes de fazer recursos fracassarem

precocemente (não tendo o seu mérito sequer apreciado pelo tribunal- art 557) ou terem seus

méritos julgados procedentes (providos) monocraticamente pelo relator (art. 557, §1º-A); ou,

ainda, de considerar uma causa com repercussão geral, para fins de conhecimento de recurso

extraordinário (art. 543-A, §3º, CPC/73) etc.

Aliás, convém registrar que, com o novo CPC, a força dos precedentes jurisprudenciais

ganhou maior intensidade, vez que o próprio art. 557 foi profundamente alterado pelo art. 932

do NCPC, que confere maiores poderes ao relator. Agora, este, mais do que impedir que o

recurso seja julgado, está autorizado a indeferi-lo (o correto é dizer: negar o seu provimento),

definitivamente, caso o mesmo esteja contrário a súmulas do STJ ou do STF, ou a acórdão

proferido em julgamento de recursos repetitivos.

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1.4 Princípios

Como qualquer outra ciência jurídica, o Direito Processual Civil está sujeito a

princípios norteadores de todo o desenvolvimento da disciplina e tais primados servem de

orientação segura a interpretação dos institutos que integram o campo de atuação da ciência,

sendo certo que os mais importantes princípios processuais encontram-se consagrados na Lei

Maior, por onde iniciaremos o nosso estudo.

1.4.1 Princípios Constitucionais do Direito Processual

a) Devido Processo Legal (Due Processo f Law)

É o princípio dos princípios, pois dele irradiam os demais, estando prescrito no inciso

LIV do art. 5º da CF/88.

Tem origem no Direito Inglês, especificamente na Magna Carta de 1215, do Rei João

Sem Terra, sob a cláusula due process of law, que, traduzida pela doutrina pátria, significa

‘devido processo legal’.

Surgiu como garantia de índole exclusivamente processual, assegurando aos

jurisdicionados o trâmite de um processo conforme as regras processuais vigentes (devido

processo legal formal).

Mas, depois, passou a ter um aspecto de direito material, o que levou a doutrina a

considerar a existência de um devido processo legal substancial, que deve ser entendido

como uma garantia ao trinômio ‘vida-liberdade-propriedade’, através do qual se assegura que

os indivíduos só sejam submetidos a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da

sociedade. Tal vertente pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade ou da

proporcionalidade, onde se busca a prevalência da solução mais justa.

Também, sob esta vertente, deve ser entendida como a garantia de acesso à ordem

jurídica justa (KAZUO WATANABE), no sentido de que a todos aqueles que se encontram

numa posição jurídica de vantagem deve ser assegurada uma verdadeira, efetiva e justa tutela

jurídica.

b) Isonomia => também conhecida como paridade de armas, a isonomia compreende dois

aspectos:

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➢ Formal – todos devem ser tratados com igualdade, dando-se as mesmas oportunidades às

partes. Ex:. art. 5º, CF, e art. 139, I, NCPC.

➢ Substancial – respeita-se as diversidades entre as partes para que a garantia da igualdade

seja mais do que formal, mas seja real ou substancial. Para isso, lança-se mão de uma

igualdade proporcional. Ex: prerrogativas da Fazenda Pública (art. 183 – prazo dobrado; art.

58, §3º - honorários proporcionais; art. 496 – remessa necessária) e do Ministério Público (art.

180); prioridade às causas de pessoas maiores de 60 anos (Lei 10.173).

O NCPC trouxe duas novidades importantes que visam garantir maior efetividade ao

princípio da isonomia: a ordem cronológica de conclusão para que os juízes e tribunais

profiram sentenças ou acórdãos (art. 12); e a observância aos precedentes judiciais,

impedindo que pessoas que estejam em situações iguais tenham soluções diferentes

c) Contraditório e Ampla Defesa => estão previstos no art. 5º , inciso LV, da CF e art. 9º,

NCPC. O contraditório também deve ser estudado sob dois enfoques ou aspectos:

➢ Jurídico – garantir o contraditório implica em dar à parte oportunidade de participar do

processo em igualdade de condições. Dessa forma, por exemplo, se a uma parte foi dado o

direito de juntar um documento no processo, à outra deve ser garantido o direito de sobre ele

manifestar-se. Ou, então, se à autora deu-se o direito de acionar o Estado-juiz formulando

suas pretensões, ao respectivo requerido deve ser dada oportunidade de responder aos termos

da ação.

➢ Político – assim como se garante o direito de participação no exercício das outras funções

estatais (p. ex., no Legislativo, por meio do plebiscito e do referendo; no Executivo, por meio

do orçamento parcipativo etc), garante-se pelo contraditório o direito do jurisdicionado de

participar no processo com o fim de legitimar o provimento jurisdicional (isso decorre do

Estado Democrático de Direito).

A exceção é a liminar (in limine – no início do processo, antes da citação do réu), onde o

requerido só tem a chance de participar depois que o provimento judicial é proferido. Nesse

caso, fala-se, na verdade, da existência de um contraditório postergado ou diferido, já que ele

só será estabelecido num momento posterior do procedimento.

Já a Ampla Defesa consagra, junto com o contraditório, o binômio ‘ciência+participação’,

na medida em que a participação oportunizada se materializará pela prática de atos de

defesas. Portanto, não basta à parte ser ouvida, é preciso que se lhe garanta o direito de provar

a sua tese (antítese, na verdade) por todos os meios e recursos de defesa. Por isso é que é

ampla!

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d) Dispositivo (da Ação ou da Demanda) e Inquisitivo (ou Impulso Oficial)

Para assegurar a imparcialidade do juiz, a iniciativa do processo e da maioria da

prática dos atos processuais cumpre às partes, à sua disposição, sob pena de contumácia. Tem

previsão legal no art. 2º, NCPC. Do princípio do dispositivo derivam-se outros como o

princípio da congruência ou da adstrição da sentença ao pedido (arts. 141 e 492).

As exceções estão consagradas nos arts. 139, IV, e 297 (poder geral de efetivação e de

cautela); art. 370 (produção de provas de ofício = interesse público/busca da verdade real/juiz

de mero expectador à posição ativa), do que se conclui que o princípio do dispositivo

restringe-se à propositura da ação e aos limites objetivos da lide, mas não à efetivação e à

instrução do processo.

Convive o princípio do dispositivo harmonicamente com o do inquisitivo, principalmente

porque cabe ao juiz, provocada a jurisdição, promover o andamento do feito (art. 2º, 2ª parte),

pois é interesse do Estado a rápida solução das causas, não podendo ficar à mercê das partes.

e) Duplo Grau de Jurisdição

Consiste na possibilidade de provocar reapreciação e o julgamento de matéria já

decidida, mediante recurso, por órgão hierarquicamente superior. É com base nesse princípio

que se estruturou o atual sistema recursal previsto no CPC, garantindo uma dualidade da

jurisdição, em nítida observância extensiva ao princípio da acessibilidade ao Judiciário.

Tem por fundamento a falibilidade e a má-fé do julgador, associado, por outro lado, ao

inconformismo natural da parte vencida. O fundamento político assenta-se no controle

interno (pelo próprio Judiciário) sobre a legalidade e a justiça de suas decisões.

Malgrado tudo isso, certo é que o juiz de 1º grau se cerca de maiores cuidados ao

decidir por saber que sua decisão é passível de reforma pelo órgão superior.

Dessa forma, garante-se, mediante recurso, o reexame da matéria decidida pelo juízo

de 1º grau por órgão hierarquicamente superior, que supostamente tenderá a errar menos, por

ser composto de vários juízes mais experientes e, para isso, dotados de um maior saber

jurídico.

O princípio do duplo grau esteve previsto expressamente apenas na Constituição do

Império. As demais constituições, inclusive a atual, vigente, cuidaram tão somente de prever a

existência de tribunais, dando-lhes competência recursal, sem garantir de forma explícita o

referido princípio.

Em virtude dessa omissão, permitiu-se a possibilidade de o legislador

infraconstitucional vedar ou limitar o direito de recurso em alguns casos (Exemplo: não cabe

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apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTN’s4 - art. 34 da Lei n.

6.830/81; não cabe recurso de despachos – art. 1.001, NCPC).

Mas, embora o princípio do duplo grau de jurisdição não se encontre expressamente

previsto na Constituição Federal de 1988, é ele consectário direto do princípio do devido

processo legal (art. 5º, inc. LIV), segundo a doutrina mais balizada. Por outro lado, o Código de

Processo Civil, as demais leis extravagantes e as leis de organização judiciária o adotam como

regra geral.

José Frederico Marques (2000, p. 5-6) sustenta a existência não do duplo grau, mas da

pluralidade dos graus de jurisdição face à previsão constitucional dos recursos especial e

extraordinário, cujo julgamento compete ao STJ e STF, respectivamente, aludindo a um

suposto 3º grau de jurisdição, o que, com a devida vênia, não existe.

São, na verdade, juízos extraordinários, pois não reapreciam matéria de fato, mas tão

somente matéria de direito, com o fim de velar pelo direito objetivo, garantindo a ordem

jurídica.

f) Juiz Natural

Previsto no art. 5º, inc. XXXVII e LIII, da CF, pelo princípio do juiz natural se proíbe a

existência de juízo ou tribunal de exceção (instaurado especificamente para o julgamento de

determinadas causas ou pessoas. Ex:. Tribunal de Nuremberg que julgou os nazistas),

garantindo ainda que ninguém seja sentenciado senão pela autoridade competente, ou seja,

aquela investida de jurisdição, a qual é exercida pelos juízos concursados.

Esta garantia está ligada a dois aspectos:

➢ associa-se ao órgão jurisdicional => as causas devem tramitar em juízos competentes. A

competência é preestabelecida na Constituição Federal. Por isso, se proíbe juízos de exceção

ou ad hoc.

➢ diz respeito à pessoa do juiz => exigência de imparcialidade (ausência de interesse

pessoal; estranho às partes) para que se tenha um processo justo.

g) Inafastabilidade jurisdicional/judicial

4 Conforme orientação do STJ, a atualização deve ocorrer pela conversão

sucessiva da OTN em BTN e UFIR. Da exegese jurídica da evolução desses

índices resulta a seguinte fórmula, a ser considerada quanto ao valor de alçada

recursal, a ser apurado na data da distribuição da execução fiscal: 50 OTN =

440,30 BTN = 444,85 UFIR.

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Está previsto no art. 5º, XXXV, CF/88. Garante a todos o acesso ao Poder Judiciário,

que não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão, pois a jurisdição

é monopólio do Estado. A partir do momento que o Estado trouxe para si a responsabilidade,

o poder de tão-somente ele dizer o direito ao caso concreto, na mesma medida atraiu para si o

dever de assim o faze-lo, não podendo se eximir de julgar em qualquer situação.

Essa é a inteligência dos arts. 4º, LINDB, e art. 140, NCPC, os quais consagram um

princípio derivado, denominado de princípio do non liquet.

A consequência da garantia da inafastabilidade é outra garantia: a do acesso à

jurisdição a todos quantos a invoquem, sem restrição. Havendo lesão ou ameaça de lesão a

direito, nasce para o seu titular a pretensão de vê-lo tutelado pelo Judiciário.

h) Persuasão racional do juiz ou do Livre convencimento motivado

Previsão no art. 93, IX, CF/88, segundo o qual todas as decisões judiciais deverão ser

fundamentadas, sob pena de nulidade, e no art. 371 do NCPC, para quem o juiz apreciará livremente a

prova.....mas deverá indicar os motivos que lhe formaram o convencimento.

Quanto à apreciação da prova, o sistema do livre convencimento motivado coloca-se

como intermediário a outros dois, a saber:

➢ sistema da livre apreciação ou da convicção íntima => o juiz tem ampla liberdade para

decidir, convencendo-se segundo critérios de valoração íntima, independentemente do que

consta nos autos ou de uma fundamentação de seu convencimento. Ex: Tribunal do Júri.

➢ sistema da prova legal ou tarifada => é justamente o oposto do anterior. Cada prova tem

seu peso e valor preestabelecidos pela lei, ficando o juiz vinculado dosimetricamente às

provas apresentadas. Este sistema limitava a liberdade de o juiz convencer-se da verdade. Ex:

no Direito Romano.

O nosso sistema, do livre convencimento motivado, dá liberdade ao juiz para apreciar

a prova segundo critérios íntimos, mas o obriga, em contrapartida, a motivar as suas decisões,

sem se esquecer das regras legais porventura existentes e as máximas de experiência,

previstas nos arts. 374, IV e 375, NCPC.

i) Proibição de emprego de prova obtida ilicitamente (art. 5º, LVI, CF/88)

O ordenamento constitucional coíbe a utilização nos autos do processo das provas

obtidas por meio ilícito, ou seja, em violação das normas jurídicas materiais (ex: documento

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obtido mediante vício de consentimento, como coação ou estado de perigo; confissão obtida

mediante tortura).

Diferente é a chamada prova ilegítima, que é aquela produzida mediante violação de

normas processuais (ex: no depoimento pessoal, uma parte ouvir o depoimento da outra –

art. 385, §2º, NCPC; o testemunho das pessoas incapazes, impedidas ou suspeitas para tanto –

art. 447, §§1º, 2º, e 3º, NCPC; o testemunho de quem não é obrigado a depor sobre certos fatos

– art. 448, NCPC).

Desta feita, pode-se afirmar o seguinte:

➢ PROVA ILÍCITA => a mácula, a ilegalidade ocorre no momento da OBTENÇÃO da prova.

➢ PROVA ILEGÍTIMA => a ilegalidade se dá no momento de sua PRODUÇÃO.

Ambas, as provas ilícitas e as provas ilegítimas, são espécies de um gênero maior,

denominado prova ilegal.

Mas o que a Constituição Federal proíbe é a prova cuja OBTENÇÃO tenha violado

norma material, especialmente se corresponder a uma garantia fundamental. Ex:

inviolabilidade de domicílio; da intimidade; do sigilo da correspondência ou de comunicação

telefônica (sem o conhecimento de ambos interlocutores. Importante frisar que, se um deles

tinha esse conhecimento, para o STF, a prova é lícita); em violação ao princípio da presunção

de inocência (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo – ex: bafômetro, coleta

de material genético para exame de DNA...).

Isso porque a violação de um direito material é mais grave que a violação de uma

regra processual. Todavia, se a violação for de uma norma processual que traduz um direito

fundamental processual, como é o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa etc,

tal prova será considerada tanto quanto ilícita, sem qualquer possibilidade de influir sobre o

convencimento do juiz.

Por fim, há de se ressaltar que, como toda garantia fundamental, a proibição das

provas ilícitas não é absoluta, porque pode haver necessidade de conciliá-la com outras

garantias fundamentais da mesma grandeza. Imagine a hipótese de uma associação de

proteção ao meio ambiente que não tem outra alternativa para proteger o direito ambiental

senão por meio de uma prova ilícita?

Portanto, o uso da prova ilícita poderá excepcionalmente admitido, por força do

princípio da proporcionalidade, quando houver colisão entre o direito fundamental material

que se deseja ver tutelado através do processo e o direito fundamental material violado pela

obtenção da prova ilícita, sendo ambos igualmente dignos de tutela.

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j) Celeridade ou Duração Razoável do Processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88; art. 4º, NCPC)

Trata-se do mais recente princípio constitucional aplicável ao processo inserido na

Constituição Federal, repetido no NCPC, de forma também inédita, em seu art. 4º, para

quem “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade

satisfativa”.

A inserção constitucional se deu por meio da EC 45/04, que, em linha ao já

consagrado princípio do devido processo legal e seus consectários, previu, no último inciso

do extenso rol do art. 5º, a garantia da celeridade processual, ou, simplesmente, na dicção da

doutrina constitucional portuguesa (cf. J.J. Gomes CANOTILHO), da duração razoável do

processo.

Com este princípio visa-se assegurar um processo, cuja duração seja o estritamente

necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados. Duração esta que não

significa que será mínima, pois nem sempre conduzirá a um resultado justo, mas uma

duração razoável para se alcançar o melhor, o mais adequado, o mais efetivo, enfim, o mais

justo resultado possível ao processo.

Tal princípio está estampado em vários artigos do NCPC, tais como:

➢ art. 80, VII => litigância de má-fé contra quem procrastina o feito;

➢ art. 143, II => responsabilidade do juiz que injustificadamente retarda a prática do ato que

deveria praticar.

➢ art. 311, I => antecipação dos efeitos da tutela contra réu que abusa do direito de defesa.

➢ art. 1.026, §2º => multa contra o embargante de declaração o opõe com o intuito de tão

somente de interromper o prazo para os demais recursos (intuito protelatório).

k) Instrumentalidade das formas

Consiste em dar validade a ato processual que atingiu seu fim, ainda que praticado

em inobservância à forma legal. Está previsto no art. 277, NCPC, que assim afirma: “quando a

lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a

finalidade”. Isso porque o processo é apenas um meio, um instrumento, e não um fim.

l) Oralidade

Autoriza a prática dos atos processuais na forma oral, primando pela sua

concentração, pela imediação e identidade física do juiz, entre outras conseqüências

procedimentais.

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Não é aplicado na sua inteireza no Processo Civil, principalmente no rito comum,

diante da complacência dos magistrados em permitir que se façam inquirições sem a sua

intervenção. A previsão legal da conversão das alegações orais por memoriais escritos é outro

exemplo de sua mitigação (art. 364, §2º, NCPC).

Esperava-se um maior prestígio ao princípio com o advento do NCPC, mas não é isso

o que se viu, mantendo-se um processo eminentemente escrito, com alguns elementos de

oralidade (oralidade na conciliação e mediação; a identidade física do juiz; redução a termo

de todos os atos judiciais orais; substituição de debates orais por memoriais; produção de

provas em audiência como regra; oitiva de perito em audiência para prestar esclarecimentos;

não interrupção da audiência como regra, bem como a sentença proferida em audiência).

O rito sumaríssimo, previsto na Lei n. 9.099/95 (Lei que instituiu os Juizados

Especiais Cíveis Estaduais), é que adotou verdadeiramente tal princípio.

m) Publicidade

Previsto no art. 93, IX, da CF, e no art. 189 do NCPC, consiste na garantia

fundamental de tornar públicos todos os atos judiciais.

É, portanto, um instrumento de proteção das partes contra juízos arbitrários e

secretos, bem como de fiscalização popular aos atos judiciais, tendo, assim, 2 dimensões:

uma interna – publicidade para as partes; e outra externa – publicidade para terceiros, salvo

quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigir a restrição da publicidade apenas à

interna.

Tais exceções estão mais bem descritas nos incisos I a IV do art. 189 do NCPC,

exigindo, portanto, que o processo corra em segredo de justiça nas seguintes situações:

- processos que exigir interesse público ou social;

- processos que dizem respeito a casamento, separação de corpos, divórcio, separação

(acabou com a EC66/10), união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e

adolescentes;

- processos em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;

- processos que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral,

desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.

Em tais casos, restringe-se às partes e seus procuradores o direito de consultar os

autos e de pedir certidões (§1º), podendo o terceiro juridicamente interessado obter certidão

do dispositivo da sentença mediante requerimento (§2º).

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n) Boa-fé processual

Previsto no art. 5º, NCPC, tal princípio impõe a todo aquele, que de qualquer forma

participa do processo, o dever de comportar-se de acordo com a boa-fé. Portanto, trata-se, na

verdade, de uma regra de conduta que se aplica não apenas às partes, mas aos seus

advogados, e até ao juiz e aos auxiliares da justiça.

Apesar de não ter previsão constitucional, a maioria dos autores, com apoio do STF,

vê no princípio do devido processo legal o seu fundamento constitucional, vez que esta

cláusula geral exige um processo leal, ético e pautado na boa-fé (criou-se, inclusive, a

expressão: devido processo leal).

O desrespeito ao princípio traduz-se em ilícito processual, combatido severamente

pelo legislador com sanções do tipo condenação em litigância de má-fé (arts. 79 a 81);

responsabilidade civil do juiz (art. 143, I), do escrivão e do oficial de justiça (art. 155), do

intérprete (art. 164); do advogado (art. 32 do Estatuto da OAB); a condenação em ato

atentatório à dignidade da justiça (ao devedor que pratica quaisquer atos previstos no art.

774; e às partes que não comparecem injustificadamente na audiência de conciliação ou

mediação, cf. §4º do art. 334); a tutela de evidência quando o réu abusar do direito de defesa

(art. 311, I); etc.

o) Princípios inéditos no NCPC

o.1) Princípio da Eficiência

Corolário do devido processo legal (pois não se concebe como devido um processo

ineficiente) e já previsto no art. 37 da CF, o qual também se dirige ao Poder Judiciário, este

princípio foi inserido no NCPC, pelo legislador de 2015, no art. 8º, o qual estabelece que o

juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, deverá observar, dentre outros princípios, a eficiência.

Ou seja, deve haver uma condução eficiente do processo pelo órgão jurisdicional, não

só no sentido de que a prestação jurisdicional deve ser encarada como um serviço público, e,

como tal, deve ser gerido e entregue com eficiência (consoante o art. 37 da CF), mas também

segundo a velha ideia de um processo que prima pela economia processual, ou seja, deve-se

dar o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades

processuais.

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Dessa forma, o processo deve perseguir a justiça de modo satisfatório, utilizando-se,

para tanto, dos meios mais rápidos, seguros e econômicos, evitando o dispêndio exagerado

de tempo e dinheiro na prática dos atos processuais.

Exemplos/aplicações do princípio:

1) poder geral de efetivação => para entregar a tutela específica das obrigações de fazer e não

fazer, o juiz pode aplicar a medida de efetivação que julgar mais adequada para satisfazer o

direito do autor (art. 536, §1º);

2) limite de prazo para a suspensão do processo (art. 313, §4º);

3) reunião de causas conexas ou não (art. 55, §§1º e 3º);

4) litisconsórcio => mais de uma pessoa litigando contra o mesmo autor ou réu (art. 113);

5) nulidades processuais => possibilidade de sanar vício suprível (art. 288).

o.2) Princípio da Efetividade

Também decorrente do devido processo legal, o princípio da efetividade garante o

direito fundamental à tutela executiva, ou seja, à satisfação de um direito já reconhecido.

Afinal, não basta “ganhar”; para o processo ser devido, é preciso também “levar”.

Todavia, não pode ser confundido com o princípio anterior (da eficiência), pois

“efetivo é o processo que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente; eficiente é o

processo que atingiu esse resultado de modo satisfatório” (DIDIER JR, 2015, p. 103).

O princípio da efetividade está previsto no NCPC, em seu art. 4º, para quem “as partes

têm o direito (...) a atividade satisfativa”. Tal entendimento já era reforçado pelo conhecido

princípio da inafastabilidade jurisdicional, que garante não apenas, formalmente, o acesso à

justiça, mas também a obtenção de uma tutela jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e

efetiva.

o.3) Princípio da Adequação

Corolário dos princípios do devido processo legal, da inafastabilidade jurisdicional e

até da efetividade, o princípio da adequação exige que tanto o legislador, ao prever as regras

processuais (in abstrato), quanto o juiz, ao entregar a tutela jurisdicional (in concreto5), deverão

adotar o procedimento, a técnica mais adequada para a realização do direito material.

5 Há que se lembrar também da adequação negocial feita em concreto pelas próprias partes, que poderão negociar o rito que mais se amolde às suas necessidades (negócio jurídico processual – art. 190, NCPC).

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A doutrina leciona que tal princípio revela-se em 3 aspectos:

- subjetivo => o processo deve ser adequado aos sujeitos processuais. Exemplos: intervenção

obrigatória do MP em processos que envolvam interesse de incapaz – art. 178, II; diferenciação

de regras de competência em razão da pessoal, como a regra do domicílio do alimentando para

as ações de alimentos, ou da previsão de uma Justiça Federal para as causas que envolvem

entes públicos federais – art. 53, II, NCPC e art. 109, I, CF, respectivamente; prazos

processuais especiais para entes públicos – art. 183; etc.

- objetivo => adéqua-se o processo a um tipo ou outro de procedimento de acordo com a

natureza do direito litigioso (ações possessórias; ação de alimentos; busca e apreensão em

alienação fiduciária etc), com a evidência do direito litigioso (mandado de segurança; ação

monitória; tutela de evidência do art. 311), ou com a sua urgência (tutelas de urgência – arts.

300 a 310).

- teleológico => a adequação se faz a depender dos objetivos que se quer, com o processo,

alcançar. Exemplos: um tipo de processo ou de procedimento a depender da tutela pretendida

(de conhecimento, de execução ou cautelar); procedimento sumaríssimo para alcançar os

propósitos de duração razoável do processo e efetividade que impõe a lei nos Juizados.

Especificamente quanto à aplicação do princípio pelo juiz no caso concreto, também

conhecido como princípio da adaptabilidade ou da elasticidade, são exemplos:

- art. 139, VI => o juiz pode dilatar prazos processuais e alterar a ordem de produção de provas

de acordo com as peculiaridades do caso;

- art. 373, §1º => redistribuição judicial do ônus da prova;

- arts. 355 e 356 => encurtamento do rito com o julgamento antecipado do mérito;

- art. 334, §4º, II => não realização da audiência de conciliação ou mediação se a causa não

admitir a autocomposição; etc.

Portanto, desde que o juiz garanta sempre o contraditório, evitando surpresas às

partes com a alteração do procedimento, certo é que a flexibilidade procedimental às

exigências da causa é fundamental para que mais facilmente o processo alcance os seus fins

(DIDIER JR, 2015, p. 119).

o.4) Princípio da Cooperação

Embora já tenhamos visto os princípios do dispositivo e do inquisitivo separadamente,

certo é que estes estão diretamente relacionados com o que o Novo Código de Processo Civil

chama de princípio da cooperação.

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Isso porque sempre convivemos, no mundo ocidental, com dois tipos de modelos de

processo: o modelo dispositivo, intimamente ligado à atribuição de poderes às partes; e o

modelo inquisitivo, o qual confere poderes ao juiz.

Todavia, tem sido cada vez mais difícil identificar, principalmente no Brasil, qual dos

dois modelos é adotado, uma vez que ora a lei confere poderes às partes, como, por exemplo,

de instaurar o processo e fixar o seu objeto, ora ao juiz, ao investi-lo de poderes instrutórios.

Em razão disso, tem-se falado que o direito processual brasileiro adota o modelo

cooperativo, segundo o qual se espera que todos os sujeitos do processo, tanto as partes

quanto o juiz, devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de

mérito justa e efetiva. Estas são as palavras descritas no art. 6º, do NCPC.

Percebe-se que não há uma condução do processo só a cargo das partes, tampouco só

do juiz, que, tendo o contraditório, a boa fé e o devido processo legal como bases,

comparticipam de todos os atos praticados do processo.

Vê-se que o Estado-juiz adota dupla posição no processo: paritária, com diálogo e

equilíbrio na condução e cognição do processo (modelo dispositivo); e assimétrico e imparcial

no momento da decisão do processo (modelo inquisitivo).

O princípio aplica-se às partes no que se refere aos seus deveres de esclarecimento (os

demandantes devem redigir suas demandas com clareza e coerência, sob pena de inépcia), de

lealdade e de proteção (não pode a parte causar danos à outra). Já quanto ao juiz o princípio

se revela, por exemplo, no dever também de ser claro e preciso ao fundamentar suas decisões,

ou, antes de indeferir um ato, tirar dúvidas ou buscar esclarecimentos junto à parte; agir com

lealdade e boa-fé; e até o dever de consulta, de informar as partes antes de decidir (art. 10); e

de prevenção, apontando deficiências nas postulações às partes, para que possam ser supridas

(ex: arts. 76; 321; 932, par. único; 1.017, §3º; 1.029, §3º).

o.5) Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo

Originado no direito fundamental à liberdade e à dignidade da pessoa humana, o

direito ao autorregramento da vontade (ou simplesmente, a autonomia da vontade) consiste no

direito que todo indivíduo possui de regular juridicamente os seus interesses, de fazer as

próprias escolhas.

Obviamente que este princípio não tem a mesma dimensão e extensão no direito

processual civil como tem no direito civil, uma vez que naquele há a presença pública do

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Estado nas relações, o que significa que a negociação processual é mais regulada e o seu objeto

mais restrito.

A liberdade ou a autonomia da vontade no processo tem sido cada vez mais difundida

pois a liberdade é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, não se concebendo um

processo devido em que a liberdade da vontade de seus participantes é hostilizada,

prevalecendo a arbitrariedade.

É possível a convivência harmoniosa entre processo e liberdade, sem que com isso se

admita a adoção de um modelo predominantemente dispositivo (ampla liberdade às partes

para dispor dos atos processuais, figurando o juiz como mero expectador). Existe a liberdade

de negociar acerca do processo, porém limitada. A própria lei cuida de estabelecer os seus

limites, como, por exemplo, no art. 190 do NCPC, que prevê tal iniciativa apenas às partes

plenamente capazes e que estejam discutindo direitos que admitam autocomposição.

São exemplos de aplicação deste princípio:

- a autocomposição, sobre a qual hoje se estrutura o sistema processual civil brasileiro (arts.

3º, §§2º e 3º; arts. 165 a 175; arts. 334 e 335);

- delimitação do objeto do processo (art. 141 e 490) e do recurso (arts. 1.002 e 1.013) pela

vontade da parte;

- negócios processuais típicos, como eleição de foro (art. 63), negócio tácito de que a causa

tramita em juízo relativamente incompetente (art. 65); calendário processual (art. 191);

acordo para a suspensão do processo (art. 313, II); adiamento negociado da audiência (art.

362, I); etc.

- cláusula geral de negociação processual do art. 190 (subprincípio da atipicidade da negociação

processual) – as partes, desde que capazes e o direito admitir autocomposição, poderão

negociar mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa;

- consagração do princípio da cooperação (art. 6º);

- o prestígio à arbitragem, cujo processo é totalmente negociado.

o.6) Princípio da Primazia da Decisão de Mérito

Segundo este princípio, o juiz deve priorizar a entrega da decisão de mérito. Nos

termos do art. 4º do NCPC, a parte tem o direito à solução integral do mérito, seja da demanda

principal, incidental ou da demanda recursal.

São exemplos:

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- art. 6º, que diz que todos os sujeitos devem cooperar para que se obtenha decisão de mérito

justa e efetiva;

- art. 139, IX: o juiz tem o dever de determinar o suprimento dos pressupostos processuais e o

saneamento de outros vícios processuais;

- art. 282, §2º: o juiz deverá ignorar os defeitos processuais, se a decisão de mérito não

prejudicar aquele que se beneficiaria com o reconhecimento da nulidade;

- art. 321: quando a petição inicial contiver defeitos corrigíveis, não deverá o juiz indeferí-la

sem antes dar oportunidade ao autor de corrigí-la em 15 dias; etc.

o.7) Princípio da Proteção da Confiança

Trata-se da versão subjetiva do princípio da segurança jurídica, ou seja, o direito que a

parte tem de poder confiar nos atos jurisdicionais, sob a premissa de estes são praticados

segundo um devido processo legal, não podendo o Estado trair tal confiança.

Exemplos:

- o dever de o tribunal uniformizar a sua própria jurisprudência;

- o dever de o tribunal modular os efeitos de decisão que altera jurisprudência consolidada,

resguardando posições jurídicas de quem havia confiado no entendimento que até então

prevalecia;

- sistema de invalidades processuais, que dificulta a decretação de invalidades ou limita

temporariamente os seus efeitos, preservando alguns efeitos do ato invalidado;

- o órgão jurisdicional adotar “regras de transição” para minimizar o impacto da quebra da

confiança (exemplo clássico aconteceu no julgamento do RE n. 631.240 MG, que o STF

regulou a transição para aqueles que não haviam requerido administrativamente benefício

previdenciário antes do julgamento desta matéria); etc.

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2 JURISDIÇÃO

2.1 Introdução e conceito

Sabe-se que o Estado, com o fim da monarquia absolutista, em pleno Iluminismo, se

estruturou e se modernizou, consagrando a já aristotélica tripartição dos poderes, por meio

dos quais o Estado exerce as funções legislativa (responsável pela estruturação da ordem

jurídica pela elaboração das leis), administrativa (cujo papel é o de aplicar a lei na busca do

bem comum/coletivo) e jurisdicional (a qual faz atuar a vontade da lei no caso concreto,

solucionando as lides).

A função jurisdicional difere da legislativa, na medida em que esta é anterior ao caso

concreto, sendo exercida para prever casos ou situações gerais e abstratas; também difere da

função administrativa em que pese esta última não ser substitutiva à vontade das partes, mas

sim de iniciativa do próprio Estado na tutela do bem estar social mediante a aplicação de

programas e ações de governo.

Jurisdição, etimologicamente, significa dizer o direito. É, portanto, “a função pela qual o

direito é aplicável ao caso concreto”. Não obstante tal conceituação, há quem também a

identifique à atividade ou ao próprio poder estatal de decidir os litígios (Poder Judiciário).

Neste último aspecto, a jurisdição, por ser um monopólio estatal, equivale também a um

dever, já que o Estado não pode se eximir de solucionar ou de compor as lides que porventura

os indivíduos da sociedade, os quais estão proibidos de exercer a autotutela ou a justiça

privada, possam estar envolvidos.

2.2 Características

A jurisdição caracteriza-se pela:

a) substitutividade => o Estado substitui as partes e soluciona o conflito, por conta do

monopólio da atividade jurisdicional. Ou seja, o Estado cumpre a lei no lugar das partes, que

não a observaram espontaneamente.

b) definitividade ou imutabilidade => em nome da segurança jurídica, as decisões judiciais

tendem, em regra, a se tornarem imutáveis, passíveis apenas de ação rescisória. Já as decisões

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administrativas, em regra, são modificáveis, podendo ser revistas pelo Judiciário, exceto

aquelas fundadas em juízo de conveniência e oportunidade (mérito administrativo).

c) inércia => a atividade jurisdicional deve ser provocada pela parte, pois se trata de uma

atividade desinteressada, imparcial e eqüidistante dos interesses das partes. Apesar de o art.

2º confirmar esse entendimento ao dizer que “o processo civil começa por iniciativa da parte e se

desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”, há exceções ao princípio do

dispositivo ou da inércia jurisdicional, como na a execução da sentença que condena em

obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa distinta de dinheiro (arts. 536 e 538); na

arrecadação dos bens do ausente (art. 744) e na arrecadação dos bens do falecido no caso de

herança jacente (art. 738); em alguns incidentes processuais, como o incidente de resolução de

demandas repetitivas (art. 976), conflito de competência (art. 951) e incidente de arguição de

inconstitucionalidade (art. 948).

d) instrumentalidade => através da atividade jurisdicional é possível impor os comandos

legais violados, ou seja, é um instrumento da sanção.

e) presença da lide => a existência de uma lide pressupõe a existência da jurisdição, pois que

seu objetivo é justamente por fim aos conflitos de interesses surgidos entre as partes. Hélio

Tornaghi e Alexandre Câmara entendem que a lide não é elemento essencial à jurisdição, mas

sim a pretensão, pois que há casos em que o Estado é chamado a atuar sem que tenha havido

litígio. Exemplo clássico é a ação de divórcio consensual, feito no Judiciário, quando há filhos

menores.

2.3 Princípios da jurisdição

A jurisdição é também informada por alguns princípios, dentre os quais se destacam:

a) investidura => a jurisdição só pode ser exercida por quem o Estado investiu de poder para

tanto (os juízes concursados).

b) aderência ao território ou territorialidade => o juiz deve exercer a função jurisdicional

dentro de certo território definido pela lei (tem a ver com competência, ou seja, com limites

da jurisdição, que estudaremos mais adiante).

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c) indelegabilidade => as atribuições jurisdicionais só podem ser exercidas pelos órgãos

judiciais, não podendo ser delegadas a outrem.

IMPORTANTE: a carta de ordem (ato de comunicação de uma parte, que esteja fora

dos limites da jurisdição onde se processa o feito, dirigida a um juiz ou tribunal

subordinado àquele de que ela emanar) ou a carta precatória (endereçada a outro

órgão judiciário do país, entre os quais não há relação hierárquica) não contraria este

princípio, pois que não se trata de delegação de jurisdição, mas, sim, de competência.

Parte da doutrina entende que a arbitragem configura uma espécie de delegação do

exercício da jurisdição estatal a particulares (árbitros) pela vontade das partes e autorização

legisltativa.

No entanto, há entendimento no sentido de que a arbitragem se enquadra no que

Carnelutti chamou de equivalentes jurisdicionais (expressão utilizada na doutrina pátria por

Alexandre Câmara, Dinamarco etc), pois, apesar de ser proferida uma sentença, compondo o

litígio entre as partes, o árbitro não tem o poder jurisdicional de executá-la, tarefa esta

exclusiva do Estado.

São considerados equivalentes jurisdicionais todos os outros meios alternativos de

solução dos litígios fora da jurisdição estatal, como:

✓ autotutela => é a solução do litígio pela força (justiça privada) por um dos litigantes. A

princípio, é proibida, mas há resquícios da autotutela no nosso atual ordenamento jurídico

(desforço imediato, legítima defesa e a greve).

✓ autocomposição => solução dada pelos próprios litigantes que abrem mão total ou

parcialmente de seu direito em favor do outro (e não pela força).

Pode haver ou não interferência de terceiros. Se houver, como no caso da mediação ou

da conciliação, o terceiro (mediador, conciliador ou juiz) apenas sugere a solução, que

continua sendo dada pelas partes. A autocomposição se subdivide em 2 espécies:

- transação ou acordo => a solução é dada pela partes que estabelecem concessões mútuas

ou recíprocas, cada qual abrindo mão de parte do seu direito a favor da outra. Pode ser dentro

ou fora do juízo (judicial ou extrajudicial);

- submissão => há verdadeira abdicação espontânea do direito, o qual poderá ser feita em

juízo (renúncia, se autor; ou reconhecimento do pedido, se réu).

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✓ tribunal administrativo => solução dada por um terceiro, mas de caráter administrativo,

sem cunho jurisdicional (não opera coisa julgada, passíveis de controle externo). Ex: Tribunal

Marítimo; Tribunal de Contas; Agências Reguladores; CADE (Conselho Administrativo de

Defesa Econômica).

✓ arbitragem => diferentemente da mediação, o terceiro escolhido pelas partes, conhecido

como árbitro, soluciona o litígio, proferindo uma decisão a que as partes deverão se sujeitar.

A arbitragem foi adotada no Brasil pela Lei n. 9.307/96, recentemente alterada pela Lei

n. 13.129/15, e é constituída pela chamada convenção de arbitragem, onde as partes pactuam, por

força da previsão em contrato da cláusula compromissória, a arbitragem como meio de solução de

conflitos que porventura sobrevierem sobre o negócio jurídico ali avençado, abrindo mão da

jurisdição estatal (há quem defenda a inconstitucionalidade desta lei por ferir os princípios do

acesso ao Judiciário e do juiz natural – art. 5º, incisos XXXIV e LIII, CF/88). Caso o conflito

de fato ocorra, tais partes firmarão o compromisso arbitral.

Segundo a Lei 9.307, a decisão do árbitro é uma sentença, contra a qual não cabe

qualquer recurso (salvo ação anulatória, num prazo de até 90 dias após sua publicação, caso

tenha sido dada com vício), e nem pode ser rediscutida no Judiciário, a quem cabe tão

somente executá-la, já que ao árbitro carece apenas do poder executar suas próprias decisões.

Por fim, convém lembrar também que o árbitro deverá ser pessoa física e capaz; e que a

arbitragem só se dá entre pessoas capazes que estejam litigando direito disponível.

Para a maioria da doutrina, a arbitragem é jurisdição, porém não delegada pelo Estado,

mas escolhida pelas partes e autorizada pela lei, e não equivalente jurisdicional.

d) inevitabilidade => independentemente da vontade das partes, a jurisdição deve alcançar o

seu fim, qual seja, o de compor o litígio, sujeitando-as à decisão. A autoridade das decisões se

impõem, independentemente da aceitação dos seus destinatários, pois se trata de um ato

emitido por um poder soberano do Estado.

e) indeclinabilidade => com o monopólio estatal da jurisdição, os órgãos judiciais têm a

obrigação de prestar a tutela jurisdicional quando invocada, não lhe sendo mera faculdade. O

juiz não pode deixar de julgar alegando omissão na lei (art. 5º, XXXV, CF – princípio da

inafastabilidade da jurisdição; e art. 140, NCPC - princípio do non liquet). Para tanto, ele dispõe

dos meios integrativos (costumes, analogia e princípios gerais do direito – art. 4º, LINDB).

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f) improrrogabilidade => a função jurisdicional, delimitada segundo a organização judiciária

brasileira, não pode ser alterada pelo legislador ordinário.

2.4 Poderes da jurisdição

Por outro lado, são poderes da jurisdição:

a) conhecimento (notio, cognitio) => implica no poder de conhecer, investigar, instruir. Ou seja,

compreende o poder atribuído aos órgãos jurisdicionais de conhecer dos litígios, de prover a

regularidade do processo, de investigar a presença de pressupostos de existência e de validade

da relação processual, das condições da ação e de recolher o material probatório.

b) chamamento (vocatio) => consiste no poder de convocar, de fazer comparecer em juízo

todos aqueles cuja presença seja necessária ao regular desenvolvimento do processo. Faz-se

mediante os atos de comunicação (citação, intimação etc).

c) coerção (coertio, coercitio) => também conhecido como poder de polícia, abrange o poder de

utilização de medidas coercitivas a fim de que se observe o regular desenvolvimento do

processo. Ex: aplicação de multas (astreintes) por atraso no cumprimento da decisão; retirar

alguém da sala de audiência etc.

d) julgamento (juditio) => engloba o poder de julgar, o poder de concretizar a vontade da lei

diante de um conflito de interesse ou de definir o direito a partir de uma situação de

controvérsia. Ao decidir, o juiz deve observar as seguintes regras:

d.1) o juiz é obrigado a decidir, ainda que a lei for omissa – art. 140, NCPC e art. 4º, LINDB

(princípios da inafastabilidade da jurisdição e do non liquet; e princípios da indeclinabilidade

da jurisdição);

d.2) o juiz deve, a princípio, observar a lei – interpretação a contrário do art. 4º, LINDB;

d.3) excepcionalmente, apenas nos casos previstos em lei, o juiz julgará com equidade –

parágrafo único do art. 140. Exemplos: art. 85, §8º (valor dos honorários por apreciação

equitativa); art. 723, parágrafo único (o juiz não é obrigado observar a legalidade estrita nos

feitos de jurisdição voluntária);

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d.4) o juiz decidirá a lide nos limites do pedido do autor (a sentença tem que ser congruente,

adstrita ao pedido) – arts. 141 e 490;

d.5) o juiz pode decidir prejudicando as partes quando estas agem com fraude – art. 142;

d.6) o juiz decide de acordo com o seu livre convencimento, mas deve motivá-lo – art. 371.

e) execução (executio) => consiste no poder de cumprir o definido em decisão judicial e

realizar/concretizar no mundo dos fatos o comando judicial. A melhor e mais moderna

doutrina tem lembrado do chamado poder geral de efetivação do juiz, que poderá, de ofício,

determinar medidas coercitivas (astreintes, por exemplo) em nome do princípio da

efetividade processual.

f) poder geral de cautela (nem sempre lembrado pela doutrina) => poder de adotar medidas de

cautela sobre o bem, objeto da demanda, quando houver fundado receio de dano irreparável

ou de difícil reparação pela demora do processo (arts. 297 e 301).

2.5 Espécies de jurisdição

Por fim, calha lembrar que a jurisdição pode ser voluntária, cujo procedimento está

previsto nos arts. 719 a 770, NCPC; ou contenciosa.

A jurisdição voluntária, também conhecida como jurisdição graciosa ou administrativa,

é aquela exercida inter volentes, isto é, entre pessoas que não estão litigando, mas que têm

interesses comuns.

Segundo a doutrina majoritária, que se filia à teoria clássica ou administrativista, a

jurisdição voluntária não é jurisdição, mas apenas uma administração judicial de interesses

privados, já que a autoridade judicial intervém não para compor um litígio, pois que este nem

sequer existe, mas, sim, para dar validade, chancelar, homologar um ato ou negócio jurídico

firmado pelas partes.

Já a jurisdição contenciosa, ou jurisdição propriamente dita, pressupõe um litígio

(contenda) a ser resolvido pelo Estado.

Todavia, convém notar que pequena parcela da doutrina (como Dinamarco, Ovídio

Baptista, entre outros) filia-se a teoria revisionista, segundo a qual será considerada jurisdição

sempre que o juiz aprecia um caso concreto, decidindo-o (aplicando a lei) ou simplesmente

homologando-o.

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Apesar das divergências, pode-se resumir as diferenças entre jurisdição contenciosa e

jurisdição voluntária através do seguinte paralelo:

Daí, conclui-se que atividade judicial é o gênero, das quais são espécies as atividades

jurisdicional, exercida no âmbito da jurisdição contenciosa, e administrativa, exercida no âmbito

da jurisdição voluntária.

6 Segundo a doutrina majoritária, que adota a teoria clássica ou administrativista, jurisdição voluntária ou graciosa não é jurisdição, mas apenas “administração pública de interesses privados”, ou seja, a autoridade judiciária intervém não para compor um litígio, mas para validar, para chancelar um ato ou negócio jurídico.

CONTENCIOSA VOLUNTÁRIA

Lide Interesses comuns

Ação Requerimento

Partes Interessados

Contraditório Sem contraditório

Processo Procedimento

Sentença Decisão homologatória

Coisa julgada Sem Coisa julgada

Atividade Jurisdicional Atividade administrativa6

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3 ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário do Brasil é o conjunto dos órgãos públicos ao qual a Constituição

Federal brasileira atribui a função jurisdicional, ou seja, de solucionar as lides que lhes são

encaminhadas.

O Poder Judiciário é regulado pela Constituição Federal nos seus artigos 96 a 126.

Em geral, os órgãos judiciários brasileiros exercem dois papéis. O primeiro, do ponto

de vista histórico, é a função jurisdicional, também chamada jurisdição. Trata-se da obrigação

e da prerrogativa de compor os conflitos de interesses em cada caso concreto, através de um

processo judicial, com a aplicação de normas gerais e abstratas. O segundo papel é o controle

de constitucionalidade.

O exercício da jurisdição, assegurado constitucionalmente, é disciplinado por vários

princípios, balizas doutrinárias, conexões com a principiologia processual, ligações com a

Teoria do Estado, mas também deve ser regrado de ponderações de ordem mais praticista,

fundadas na ordem jurídica constitucional vigente.

É com este escopo que se organiza uma espécie de “esquema” de apresentação do

exercício da jurisdição no Brasil, indo do STF até o juiz estadual de primeira instância.

Os órgãos judiciários brasileiros podem ser classificados quanto ao número de

julgadores (órgãos singulares e colegiados), quanto à matéria (órgãos da justiça comum e da

justiça especial) e do ponto de vista federativo (órgãos estaduais e federais).

Um Tribunal Regional Federal é órgão colegiado, enquanto que um Juiz Federal é

considerado órgão singular. Da mesma maneira, o Tribunal de Justiça de um estado é órgão

colegiado, sendo o Juiz de Direito um órgão singular.

Os Tribunais e Juízes estaduais, os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais

são considerados órgãos de justiça comum. Já os Tribunais e Juízes do Trabalho, Eleitorais e

Militares formam a justiça especial, por decidirem sobre matérias específicas de cada área de

atuação.

Por fim, os juízes de 1º grau estão distribuídos em comarcas (de diferentes entrâncias –

aqui em Goiás, as maiores são de 3ª entrância; as médias são de 2ª; e as menores são de 1ª;

havendo aquelas, ainda, que de tão pequenas são respondidas por outra, por região), se tratar

de justiça estadual; ou seções judiciárias, se justiça federal, os quais costumam coincidir com

as comarcas.

Segue abaixo um organograma para ilustrar melhor a estrutura do Poder Judiciário

brasileiro:

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3.1 Supremo Tribunal Federal (STF)

Trata-se do tribunal eminentemente “constitucional” na sistemática jurisdicional

pátria, responsável pelo julgamento dos casos mais notórios de eventuais ofensas à

Constituição Federal.

O STF não é uma Corte só de controle e guarda da Constituição, uma vez que, na

estrutura pátria, também se vê às voltas com o julgamento de recursos extraordinários

(controle constitucional difuso), conflitos de competência entre tribunais, conflito entre

Estado estrangeiro e a União, a revisão criminal de seus julgados, dentre outras matérias nas

quais o foco não é um julgamento apenas de ordem constitucionalista mas que são abordadas

matérias constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição Federal. Compete-

lhe, dentre outras tarefas, julgar as causas em que esteja em jogo uma alegada violação da

Constituição Federal, o que ele faz ao apreciar uma ação direta de inconstitucionalidade ou

um recurso contra decisão que, alegadamente, violou dispositivo da Constituição.

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Na CF/88, o STF é disciplinado nos arts. 101/103. É composto por 11 Ministros,

escolhidos entre cidadãos com mais de 35 anos e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e

conduta ilibada. Os Ministros são nomeados pelo Presidente da República, mas a escolha

passa pela apreciação do Senado Federal.

3.2 Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Trata-se do tribunal responsável pelo controle da legislação infraconstitucional (CDC,

Lei Inquilinato, ECA, ente outras) no ordenamento pátrio, introduzido pela CF/88,

substituindo o já extinto Tribunal Federal de Recursos.

Previsto na Constituição Federal, nos arts. 104/105, é composto por 33 ministros,

também escolhidos pelo Presidente da República dentre cidadãos com mais de 35 e menos de

65 anos de idade, de notável saber jurídico e conduta ilibada. Assim como o STF, tal indicação

carece de aprovação do Senado Federal.

Os 33 Ministros devem ser escolhidos tendo em mente os seguintes critérios:

- 11 devem ser escolhidos entre desembargadores federais dos Tribunais Regionais Federais;

- 11 devem ser escolhidos entre desembargadores dos Tribunais Estaduais;

- 11 devem ser escolhidos dentre advogados ou membros do Ministério Público.

3.3 Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Embora não exerça jurisdição propriamente, um estudo completo da estrutura básica

do Poder Judiciário não poderia deixar de abordar este Conselho, instituído no artigo 103-B

da CF/88 pela Emenda Constitucional 45/04.

Tal Conselho, objeto de muita controvérsia e discussões acerca de sua

constitucionalidade, deve ser composto por 15 membros com mais de 35 anos e menos de 66

anos, com mandato de 2 anos, permitida uma recondução. Interessante na composição deste

Conselho é a inclusão de membros indicados pelo Ministério Público, pela OAB e dois

cidadãos com notório saber jurídico indicados pelo Poder Legislativo.

O Conselho Nacional de Justiça colima o controle da atuação administrativa e

financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos

juízes.

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3.4 Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais)

A Justiça Federal é prevista na Constituição Federal nos arts. 106/110. É composta

pelos Tribunais Regionais Federais os Juízes Federais.

À Justiça Federal compete processar e julgar todos os feitos em que a União,

autarquias, empresas públicas e fundações públicas e federais sejam autoras, rés ou

intervenientes, bem assim os processos criminais quando se tratar de crimes que o Brasil, por

convenção internacional, obrigou-se a coibir.

Os Tribunais Regionais Federais são compostos por no mínimo 07 juízes, recrutados,

quando possível, na região do Tribunal. São nomeados pelo Presidente da República dentre

brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos, sendo certo que 1/5 dos nomeados deve ser

dentre advogados com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e membros do

Ministério Público Federal com mais de 10 anos de carreira. Os outros membros são

escolhidos mediante a promoção de juízes federais com mais de 05 anos de exercício,

promovidos por antiguidade ou merecimento.

3.5 Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho é prevista nos arts. 111/116 da CF/88. É composta pelo Tribunal

Superior de Trabalho (TST), Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) e Juízes do Trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho é composto por 27 Ministros, todos escolhidos

dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos. São nomeados pelo Presidente da

República, dependendo de aprovação do Senado Federal. A composição do TST deve conter

um 1/5 de membros entre advogados com mais de 10 anos de efetividade profissional e

membros do Ministério Público do Trabalho com mais de 10 anos de efetivo exercício. Os

demais membros devem ser indicados através de promoção entre juízes dos Tribunais

Regionais do Trabalho oriundos da Magistratura.

Já os Tribunais Regionais do Trabalho são compostos por no mínimo 07 juízes,

recrutados, quando possível, na respectiva região. São nomeados pelo Presidente da

República, dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos, sendo 1/5 dentre advogados

com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do

Trabalho com mais de 10 anos de efetivo exercício e os demais retirados mediante promoção

de juízes do trabalho, seja por merecimento, seja por antiguidade.

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Os órgãos da Justiça do Trabalho são o Tribunal Superior do Trabalho (TST), os

Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os Juízes do Trabalho. Compete-lhe julgar as

causas oriundas das relações de trabalho. Os Juízes do Trabalho formam a primeira instância

da Justiça do Trabalho e suas decisões são apreciadas em grau de recurso pelos TRTs. O TST,

dentre outras atribuições, zela pela uniformidade das decisões da Justiça do Trabalho.

Em 31.12.2004 teve a sua competência fortemente ampliada, para processar e julgar

toda e qualquer causa decorrente das relações de trabalho, o que inclui os litígios envolvendo

os sindicatos de trabalhadores, sindicatos de empregadores, análise das penalidades

administrativas impostas pelos órgãos do governo incumbidos da fiscalização do trabalho e

direito de greve. Recebe anualmente cerca de 2,4 milhões de processos trabalhistas.

3.6 Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral, prevista nos arts. 118/121, é formada pelo Tribunal Superior

Eleitoral, pelos Tribunais Regionais Federais, pelos juízes eleitorais e pelas juntas eleitorais.

O Tribunal Superior Eleitoral é composto por no mínimo 07 membros, escolhidos

(mediante eleição secreta) dentre 03 juízes entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal e

02 juízes dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Os outros dois membros são

escolhidos pelo Presidente da República dentre advogados notável saber jurídico e idoneidade

moral.

Os Tribunais Regionais Eleitorais (há um em cada capital de Estado e no Distrito

Federal) são compostos de 07 juízes, sendo eleitos, por voto secreto, dois juízes entre

Desembargadores de Justiça e 02 juizes entre juízes de direito escolhidos pelo Tribunal de

Justiça; um juiz do Tribunal Regional Federal com sede na Capital do Estado ou, não havendo

tal tribunal no Estado, um juiz federal escolhido pelo Tribunal Regional Federal respectivo e

dois juízes nomeados pelo Presidente da República dentre advogados de notável saber

jurídico e idoneidade moral.

São órgãos da Justiça Eleitoral o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os Tribunais

Regionais Eleitorais (TREs), os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Compete-lhe julgar as

causas relativas à legislação eleitoral. Os TREs decidem em grau de recurso as causas

apreciadas em primeira instância pelos Juízes Eleitorais. O TSE, dentre outras atribuições,

zela pela uniformidade das decisões da Justiça Eleitoral. A Justiça Eleitoral desempenha,

ademais, um papel administrativo, de organização e normatização das eleições no Brasil.

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A composição da Justiça Eleitoral é sui generis, pois seus integrantes são escolhidos

dentre juízes de outros órgãos judiciais brasileiros (inclusive estaduais) e servem por tempo

determinado.

3.7 Justiça Militar

A Justiça Militar, prevista na Constituição Federal nos arts. 122/124, é composta pelo

Superior Tribunal Militar, pelos Tribunais Militares Estaduais pelos juízes militares.

O Superior Tribunal Militar é composto por 15 membros vitalícios, nomeados pelo

Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal. Na indicação

do Presidente, 03 devem ser oficiais generais da Marinha, 04 do Exército e 03 da Aeronáutica.

Já os ministros civis, dentre 35 e 65 anos, devem ser escolhidos dentre 03 advogados de

notório saber jurídico e conduta ilibada (com mais de 10 anos de efetiva atividade

profissional) e dois dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça

Militar.

A Justiça Militar compõe-se do Superior Tribunal Militar (STM) e dos Tribunais e

Juízes Militares, com competência para julgar os crimes militares definidos em lei. No Brasil, a

Constituição Federal organizou a Justiça Militar tanto nos Estados como na União. A Justiça

Militar Estadual existe nos 26 Estados-membros da Federação e no Distrito Federal, sendo

constituída em primeira instância pelo Juiz de Direito e pelos Conselhos de Justiça, Especial e

Permanente, presididos pelos Juiz de Direito. Em Segunda Instância, nos Estados de Minas

Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul pelos Tribunais de Justiça Militar e nos demais Estados

pelos Tribunais de Justiça.

3.8 Tribunais e Juízes dos Estados

A Constituição Federal determina que os estados organizem a sua Justiça Estadual,

observando os princípios constitucionais federais. Como regra geral, a Justiça Estadual

compõe-se de duas instâncias, o Tribunal de Justiça (TJ) e os Juízes Estaduais. Os Tribunais

de Justiça dos estados possuem competências definidas na Constituição de nosso país, bem

como na Lei de Organização Judiciárias dos Estados.

Basicamente, o TJ tem a competência de, em segundo grau, revisar as decisões dos

juízes e, em primeiro grau, determinadas ações em face de determinadas pessoas.

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A Constituição Federal determina que os estados instituam a representação de

inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais ou municipais frente à Constituição

Estadual (art. 125, §2º), geralmente apreciada pelo TJ.

É facultado aos estados criar a justiça militar estadual, com competência sobre a

polícia militar estadual.

Os integrantes dos TJs são chamados Desembargadores. Os Juízes Estaduais são os

chamados Juízes de Direito.

Previstos nos arts. 125/126 da CF/88, também devem se reportar às Constituições

Estaduais, principalmente no que concerne à fixação de competência.

Versa sobre as causas comuns, menos especializadas, tais como família (separação),

cível (indenização), entre outras.

Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça poderá propor a criação de

varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias (art. 126 da CF/88).

Assim como na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho, também há a possibilidade,

implementada pela Emenda Constitucional 45/04, dos Tribunais de Justiça dinamizarem a

Justiça itinerante.

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4 COMPETÊNCIA

4.1 Conceito

Vimos que jurisdição é o poder do Estado de dizer o direito no caso concreto,

solucionando o litigo.

Vimos também que, dentre outros, a jurisdição é regida pelo princípio da investidura,

segundo o qual só poder ser exercida por quem foi investido de tal poder, a saber, os juízes.

Portanto, todo juiz é dotado de JURISDIÇÃO, ou seja, é dotado do poder jurisdicional.

Entretanto, pela impossibilidade de os juízes exercerem tal poder em todo território

nacional, é que o ordenamento jurídico previu uma distribuição, uma repartição desse poder,

em partes iguais ( na mesma proporção), entre todos os juízes que compõe o Poder Judiciário.

A essa distribuição ou repartição do Poder Jurisdicional é que se denomina

COMPETÊNCIA.

Não há diferença substancial entre jurisdição e competência comparando, seria falar

do bolo e da fatia. A competência é a fatia, é uma fração da jurisdição.

ASSIM, competência é a quantidade de poder atribuído a determinado órgão judicial;

é a delimitação da jurisdição.

4.2 Fixação da Competência (artigo 43, NCPC)

“Art. 43 - Determina-se a competência NO MOMENTO do registro ou da distribuição

da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito

ocorridas posteriormente salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a

competência absoluta. ”

Significa dizer que se fixa a competência do juízo no momento em que a petição inicial

é protocolizada ou distribuída (onde houver mais de um), ainda que posteriormente houver

modificações, como, por exemplo, alteração /correção do valor causa ou adiantamento de

pedido pelo autor, tais modificações não tem o condão de alterar a competência.

Consagra-se regra da perpetuação da jurisdição (perpetuatio jurisdicionis), que é

ressalvada apenas quando houver supressão do órgão judiciário ou alteração de sua

competência absoluta (Ex: fim da Justiça do Trabalho, deslocando os processos para a Justiça

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comum; ou alteração da competência das Varas de Família para abranger causas que versam

sobre sucessões).

4.3 Critérios para a distribuição de competência

A Constituição Federal de 1988 já faz a grande 1º distribuição de competência ao

dividir o Judiciário em 5 “Justiças”: Justiça Estadual, Justiça Federal, Justiça do Trabalho,

Justiça Militar, Justiça Eleitoral, a depender da causa, ou seja, da natureza do litígio.

À Justiça do Trabalho incumbe, especialmente a solução dos litígios trabalhistas.

À Justiça Militar, aos litígios Militares.

À Justiça Eleitoral, cumpre solucionar apenas os litígios eleitorais.

Por darem solução à litígios específicos é que chamamos de Justiça Especial.

Por exclusão, à Justiça Estadual e à Justiça Federal caberá a solução de litígios

comuns, ou seja, que não sejam trabalhistas, eleitoral ou militar. Em virtude disso, são

conhecidas por Justiça comum.

Dentro da chamada Justiça Comum, também por critério de exclusão, o que não for

competência da Justiça Federal (artigo 109, CF) será da Justiça Estadual.

Mas, as denominadas “justiças” possuem vários órgãos jurisdicionais, cuja

competência é identificada/ distribuída através de quatro critérios os quais se resumem em

quatro:

a) Material (competência em razão da matéria) => leva em conta a natureza da causa, ou seja, a

qualidade da relação jurídica material. Exemplo: Questões de família, falência, registro público,

criminais, etc.

b) Pessoal (competência em razão da pessoa envolvida no litígio): causas que envolva a Fazenda

Pública do Estado ou do Município; Justiça Federal nas causas em que a União esteja envolvida.

c) Valor da causa => a competência se define de acordo com o valor que se atribui à causa no

momento da propositura da ação (alterações posteriores não interferirão na competência que está

perpetuada).

Assim, a depender do valor, a causa será de competência de um ou outro órgão

jurisdicional. Vale lembrar os Juizados Especiais Cíveis estaduais são competentes nas causas

de até 40 salários mínimose e os Juizados Especiais Cíveis federais, nas causas de até 60

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salários mínimos. Acima destes valores, a causa deverá ser processada necessariamente na

Justiça Comum, estadual ou federal. Lembrando que abaixo desses valores é opcional.

d) Funcional (competência em razão da função ou hierárquica) => define de acordo com as funções

desempenhadas pelo órgão jurisdicional no processo, repartindo a competência em competência de 1º

grau, recursal, para a execução etc.

e) Territorial (ou de foro) => causas distribuídas segundo a comodidade das partes ou pela facilidade

do processo (artigos 46 ao 53, NCPC). Leva em consideração o local onde a causa dever ser ajuizada.

Há 2 (duas) regras gerais:

✓ domicílio do réu (art. 46) => ações fundadas em direito pessoal e real (posse, propriedade) sobre

bens MÓVEIS (Ex: entrega de coisa; descumprimento contrato de compra e venda).

✓ situação da coisa (art. 47) => ações fundadas em direito real sobre bens IMÓVEIS, inclusive as ações

possessórias imobiliárias (§2º). Nesse caso, por não haver opção ao autor, o critério territorial se revela

como um critério de competência absoluta, como será visto mais adiante. Todavia, se o litígio não

recair sobre propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra

nova (§1º), será opcional entre o foro da situação da coisa, do domicílio do réu ou do foro de eleição

(porém, raramente veremos um litígio assim).

- Foros Especiais:

✓ Sucessão hereditária => variável nos casos do artigo 48.

✓ Ações em desfavor de ausente => artigo 49.

✓ Ação em desfavor de incapazes => artigo 50.

✓ Artigo 53 => outras regras (ações de família, indenização etc).

4.4 Competência relativa e absoluta

Os primeiros critérios (material, pessoal e funcional) são de competência absoluta, ou

seja, não pode a competência ser modificada pelas partes, pois é determinada para atender o

interesse público (art. 62, NCPC).

Já os dois últimos critérios (valor da causa e territorial) se referem à competência

relativa, ou seja, aquela que pode ser alterada pela vontade das partes, as quais podem alterar

o regime legal caso disponham em contrário através da chamada cláusulas de eleição de foro

(art. 63, NCPC).

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CUIDADO: Como já visto, nem sempre o critério territorial implicará em competência

relativa. Quando artigo 47, caput e §2º (ações possessórias) estabelece a competência apenas

no foro da situação da coisa, não deixa opção para as partes, revelando-se excepcionalmente

em um critério absoluto.

COMPETÊNCIA ABSOLUTA

(arts. 62, 64, §1º)

COMPETÊNCIA RELATIVA (ART. 63)

1 . Determinada no interesse público; 1. Determinada para atender interesse

particular;

2. Inderrogável pela vontade das partes; 2. Derrogável pela vontade das partes;

3. Pode ser alegada em preliminar de

contestação ou em qualquer tempo e grau de

jurisdição;

3. Só pode ser alegada pelo réu em

preliminar da contestação, sob pena de

prorrogação da competência;

4. Pode ser conhecida de ofício; 4. Não pode ser conhecida de ofício (Súmula

33, STJ);

Se a alegação de incompetência, absoluta ou relativa, for acolhida, a consequência é a

remessa dos autos ao juízo competente, conservando-se os efeitos das decisões proferidas pelo

juízo incompetente até que outra seja proferida pelo competente (art. 64, §§3º e 4º, NCPC).

OBS: Nos J.E.C’s a conseqüência é a extinção do processo.

4.5 Prorrogação de competência

Ocorre quando se amplia a esfera da competência de um órgão judiciário para

conhecer de certas causas que, ordinariamente, não estariam enquadradas em sua esfera de

atribuição.

Pode ser:

- prorrogação voluntária:

✓ quando as partes estabelecem foro de eleição para determinado negócio jurídico (art. 78, CC) ou

✓ quando o réu não alega a incompetência relativa no prazo da defesa (contestação).

- prorrogação legal ou necessária => decorre da lei que prevê a reunião de ações que tramitam

em juízos diferentes, para julgamento em conjunto perante o juízo prevento (ou seja, no juízo

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onde houve o protocolo ou a distribuição da petição inicial), evitando, com isso, decisões

contrárias, desde que estejam ligadas pela conexão ou continência.

Só é possível a modificação de competência RELATIVA (Art. 54).

a) Conexão (artigo 55)

Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o PEDIDO ou a

CAUSA de pedir.

Como, na prática, é quase que impossível se verificar tal identidade, o §3º do art. 55

entendeu se tratar de conexas também duas ou mais causas que guardam entre si um veículo

de semelhança de tal ordem que justifique a reunião delas num mesmo juízo para evitar

decisões contraditórias e racionalizar o trabalho do judiciário.

EXEMPLO: Alimentos e investigação de paternidade não são, na letra da lei, conexas,

pois não possuem o mesmo pedido ou causa de pedir. [1ª) dever alimentar decorrente da

relação de parentesco e do binômio necessário-possibilidade; 2ª) vinculo de filiação]. Há aqui,

na verdade, uma relação de prejudicialidade (o julgamento de 1 prejudica a da outra).

b) Continência (artigo 56)

Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às

partes e a causa de pedir, mas o PEDIDO de uma, por ser mais amplo, ABRANGE (contém) o

das outras.

EXEMPLO: anular uma cláusula é diferente de anular um contrato (este último é mais

amplo).

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5 AÇÃO

5.1 Conceito e Natureza jurídica

A AÇÃO é o direito pelo qual a jurisdição é provocada, pois que ela é inerte. Mas

qual é a natureza jurídica da ação? É um direito subjetivo, público, autônomo e abstrato.

É direito subjetivo, pois quando o direito objetivo previu o Judiciário como sendo o

único dotado de poder para solucionar os conflitos, em contrapartida, deu ao indivíduo a

prerrogativa de chamar o Estado para tal responsabilidade toda vez em que estivesse

envolvido em algum litígio.

É direito público exatamente porque provoca um dos poderes do Estado – o

Judiciário.

É direito autônomo porque ele é exercido independentemente da existência do direito

material.

E, por fim, é abstrato, pois o direito de ação existe independentemente da efetiva ou

concreta existência do direito alegado, ou seja, ele é exercido em abstração do direito material

litigioso, aludindo o autor a ele hipoteticamente.

Todavia, as características da autonomia e da abstração surgiram ao longo dos anos,

numa crescente evolução do direito de ação desde o Direito Romano até a fase científica dos

processualistas italianos e, principalmente, alemães, tendo surgido várias correntes teóricas,

as quais podem ser assim resumidas:

- teoria civilista ou imanentista (Celso, Ulpiano, Savigny) => para eles, a ação estava atrelada,

imanente ao direito material, só havendo ação se houvesse direito (art. 75, CC/16).

Esqueceram-se, pois, de que o autor poderia lançar mão do direito de ação para buscar, por

exemplo, justamente a declaração de inexistência de uma relação jurídica (ação declaratória

negativa – art. 4º, I, CPC/73; art. 19, I, NCPC). Esqueceram-se também de que o juiz poderia

julgar improcedente o pedido, negando a existência do direito; ou, ainda, simplesmente

decretar a prescrição (perda da pretensão).

Vê-se a fragilidade da teoria, que não vingou, embora ainda hoje, na prática, muitos

profissionais insistem em nomear a ação de acordo com o bem pretendido (v.g. ação de

despejo, de cobrança, de indenização etc).

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- teoria do direito de ação autônomo (Windscheid e Müther) => a ação não é o direito material

ou substancial em movimento, como queria Savigny; é o direito à solução do conflito pelo

Estado, independentemente se ao autor assiste ou não razão. Como bem ensinou os alemães, é

“direito à tutela jurisdicional”, que pode ser o reconhecimento, a certificação de um direito (ação

de conhecimento); ou a satisfação, a concreção, a realização de um direito já reconhecido ou

certificado num título (ação de execução). Por isso mesmo que a ação é dirigida CONTRA o

Estado, pois só ele pode oferecer tais tutelas, e não o sujeito passivo da relação jurídica

material, que virá a ser o réu do processo.

Entretanto, os autonomistas se subdividiram em outras 3 sub-correntes:

- teoria do direito autônomo e concreto (Oskar Von Bulow e Adolf Wach) => reconheciam a

distinção entre o plano material e o processual, porém condicionaram a EXISTÊNCIA do

direito de ação ao preenchimento de certos requisitos de direito material. Exemplo: a “ação de

cobrança” tinha que ser dirigida em face de quem, concretamente, devia, sob pena de o autor

não ter direito à ação. Nota-se que, apesar de propugnarem pela autonomia do direito de ação,

acabaram por condicioná-lo ou limita-lo à uma sentença favorável ao autor, novamente

associando-o ao direito material.

- teoria do direito autônomo e abstrato (Degenkolb e Plósz) => o direito de ação existe

independentemente da efetiva ou concreta existência do direito alegado, ou seja, em abstração

do direito material litigioso. Assim, para os abstratistas, o direito de ação é absoluto,

semelhante ao direito cívico de petição. Basta ingressar no Judiciário contra quem quer fosse,

alegando qualquer direito, ainda que inexistente qualquer vínculo material, para que

existente a ação.

- teoria eclética (Enrico Tullio Liebman) => em posição intermediária aos concretistas e

abstratistas, defende a idéia de que o direito de ação existe em abstração do direito material,

mas não é absoluto e incondicionado. Na verdade, Liebman tentou achar um meio-termo

entre as teorias concreta e abstrata, não concordando que o direito de ação seria identificável

com o direito à uma sentença favorável, tampouco, concordando com a idéia de que poderia

ser mero direito cívico de petição, consistente na faculdade de que dispõe todo cidadão de

reclamar providências frente ao Estado, em caráter absoluto e incondicionado, por

conseqüência do monopólio da jurisdição pelo mesmo.

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Para ele, necessário se faz que o autor atenda algumas condições, as chamadas de

condições da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a

legitimidade das partes. Ou seja, seria necessário ao autor aludir a um interesse previsto no

ordenamento jurídico, em face de alguém que hipoteticamente fosse o sujeito passivo da

relação material, que deu origem à lide, etc, para que o Estado prestasse a tutela jurisdicional.

Críticas não faltaram à teoria eclética de Liebman, sob o argumento de que, apesar de

a referida teoria considerar o direito de ação abstrato, estabelece o prévio atendimento às

condições da ação que, na verdade, estão intimamente conexas a uma pretensão de direito

material, a uma concreta situação de fato, o que seria um retrocesso.

A crítica procede no sentido de que, para aferir a existência das mesmas, é necessária

a comprovação mediante exame de provas, e não apenas a afirmativa feita pelo autor na

petição inicial. Assim, nesse caso, condições da ação e mérito da causa seriam a mesma coisa,

de forma que, se presentes aquelas, o juiz estaria pronunciando a respeito da própria lide,

julgando não a ação, como queria Liebman, mas o pedido procedente.

Todavia, é bom lembrar que o próprio Liebman, em conferência pronunciada em

1949, teria reconhecido o problema de que padece a sua teoria, admitindo, para efeito de

aferição das condições da ação, a análise meramente hipotética dos fatos afirmados pelo autor,

realizando uma cognição superficial, perfunctória, sem incorrer no erro de adentrar na

situação fática posta em juízo, ou seja, no mérito da causa. A única condição da ação que o

jurista italiano reconheceu ser realmente questão de mérito foi a possibilidade jurídica do

pedido.

Não obstante essa aparente deficiência, a teoria eclética da ação foi a adotada em

nosso diploma processual de 1973 (art. 3º e 295, parágrafo único), que afirma não se encontrar

as condições da ação naquilo que chamamos de mérito, mas sendo antecedente ou

pressuposto lógico de sua apreciação, condicionando não a existência do direito de ação, mas

o seu exercício.

Entretanto, o NCPC aboliu tal categoria, não havendo que se falar mais em condições

da ação. O legislador de 2015, em aparente adoção à teoria abstrata, não condiciona mais o

exercício da ação a qualquer situação, enquadrando o interesse de agir e a legitimidade das

partes naquilo que chamamos de pressupostos processuais, já que a possibilidade jurídica do

pedido passou a figurar definitivamente como questão de mérito.

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5.2 Elementos (identificadores) da ação

A ação se identifica e se difere de outra pela existência e configuração de três

elementos: partes, causa de pedir e pedido.

Quando duas ou mais ações tiverem os mesmos elementos (mesmas partes, mesma

causa de pedir e mesmo pedido) diz-se que ocorreu litispendência (pendência de duas lides

ou causas idênticas), o que autorizará o juiz a extinguir o segundo processo (art. 485, V), já

que o sistema não admite a coexistência de duas ou mais ações idênticas (isso pode gerar a

coexistência de decisões conflitantes sobre a mesma causa, conflitantes, e, por conseqüência,

trazer insegurança jurídica).

A litispendência está conceituada no art. 337, §§1º, 2º e 3º, NCPC.

a) Partes

Quando se fala em partes, fala-se nas pessoas que estão envolvidas no litígio. E só se

envolvem em conflitos, em litígios, pessoas, ou seja, aqueles que são dotados de personalidade

jurídica. Nesse sentido, fala-se em capacidade de ser parte, que corresponde exatamente à

personalidade civil (arts. 1º e 2º do Código Civil). Portanto, podem ser partes autora e ré:

➢ a pessoa natural: seja criança, doente mental ou adulto normal etc;

➢ a pessoa jurídica: de direito privado (empresa, associações, fundações, sociedades de

economia mista e empresas públicas) ou de direito público (União, Estados, DF,

Municípios, Territórios, e suas respectivas autarquias e fundações públicas).

Na prática, muitos profissionais incorrem no erro de figurar como parte órgãos

governamentais ou departamentos, como Secretarias da Saúde, da Educação, Polícia Militar

etc, que, na verdade, não são dotados de personalidade jurídica. Nesse caso, a parte deverá ser

a pessoa jurídica a qual o respectivo órgão se vincula, ou seja, o Município, o Estado etc. Por

se tratar de uma ficção, ou seja, de uma abstração, deverá ser representada legalmente (art.

75).

➢ os entes derpersonalizados: como a massa falida, a herança jacente ou vacante, o

espólio e o condomínio, que a própria lei (art. 75, V, VI, VII, XI, NCPC,

respectivamente) excetuou, permitindo que figurem como partes.

Mas, não basta a capacidade de ser parte. É necessário ter a capacidade de estar em

juízo ou processual, o que não é privilégio para todos que se envolvem em litígios. A capacidade

de estar em juízo corresponde à capacidade civil, prevista no art. 5º do CC/02. Portanto,

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apenas aqueles que são habilitados à prática de todos os atos da vida civil é que podem estar

em juízo (art. 70, NCPC), Do contrário, é preciso que a parte esteja representada, quando se

tratar de absolutamente incapaz; ou assistida, quando relativamente incapaz (art. 71, NCPC).

É por isso que que lê, por exemplo, nas petições de ação de conhecimento com

pedido de investigação de paternidade, ou de alimentos, o seguinte: “FULANINHO DE TAL,

neste ato representado por sua genitora, FULANA DE TAL....”.

Esse assunto voltará a ser tratado no contexto do estudo do Processo,

especificamente quando falarmos em pressupostos processuais subjetivos.

b) Causa de Pedir

Tratam-se das razões fáticas e jurídicas que justificam o pedido.

Segundo a doutrina, a causa de pedir pode ser de duas espécies: remota ou próxima.

A remota diz respeito aos fatos, que podem ser constitutivos (que dão vida à vontade

da lei, ou seja, fazem nascer o direito a que se alega – ex: empréstimo, ato ilícito); extintivos

(fazem cessar uma vontade da lei, extinguindo um direito – ex: pagamento, remissão de

dívida); modificativos (tendem a alterar a constituição de um direito – ex: alegação de

parcelamento de dívida); ou impeditivos (circunstância que impede a constituição de um

direito – ex: incapacidade, simulação, erro etc.).

É importante a diferenciação dos fatos, pois que, segundo o art. 373 do CPC, o autor

tem o ônus de provar apenas os fatos constitutivos, e o réu os demais, mesmo porque,

obviamente, só a ele interessa alegar extinção, modificação ou impedimento à direito.

Normalmente, o autor justifica a declaração, a constituição ou a condenação à prestação de

um direito seu, através dos fatos que o constituem.

Já a causa de pedir próxima diz respeito aos fundamentos jurídicos que embasam o

pedido. Não se quer dizer aqui o fundamento legal, o dispositivo da lei, pois não há

necessidade de indicar ao juiz a norma violada. Segundo a velha máxima romana, “juria novit

cúria”, o juiz conhece o direito. Por conseguinte, os fundamentos jurídicos são as

conseqüências jurídicas que extraem dos fatos. Por exemplo, se o locatário não paga o aluguel,

a conseqüência jurídica é o seu despejo.

No processo civil, adota-se a teoria da substanciação, que exige do autor, na petição

inicial, a indicação dos fatos (causa remota) e dos fundamentos jurídicos (causa próxima),

conforme o inciso III do art. 319. Opõe-se a esta a teoria da individuação, segundo a qual basta

ao autor indicar apenas os fatos OU apenas os fundamentos jurídicos.

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c) Pedido

O pedido pode ser dividido em duas espécies: o imediato e o mediato.

O pedido imediato é o tipo de providência jurisdicional pretendida, que pode ser de

conhecimento ou de execução. Especificamente considerando os efeitos produzidos pela

sentença de conhecimento, o pedido pode consistir em um(a):

=> declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica (ação declaratória, positiva

ou negativa – art. 19, I, NCPC);

=> constituição ou desconstituição de uma relação jurídica (ação constitutiva ou desconstitutiva);

=> condenação do réu a prestar uma obrigação dar quantia (ação condenatória);

=> condenação do réu a prestar uma obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa (diferente de

dinheiro), ordenando-o (coerção indireta) a prestá-la, sob pena de sofrer alguma medida de

efetivação (multas – astreintes; remoção de pessoas ou coisas; desfazimento de obras; busca e

apreensão etc – art. 497, NCPC) e até crime de desobediência (ação mandamental);

=> a condenação do réu a prestar uma obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa (diferente de

dinheiro), determinando a adoção de medidas de sub-rogação (coação direta – há

substituição da vontade do réu pelo Estado), caso o réu não cumpra espontaneamente o

direito reconhecido nesta mesma decisão (executiva lato sensu).

Já o pedido mediato é o bem jurídico de direito material que se pretende seja tutelado

pela sentença (o despejo, o pagamento, a nulidade do contrato etc).

Diferem-se na medida em que o pedido imediato tem conteúdo processual, dirigido

contra o Estado (pois só ele pode entregar a tutela jurisdicional), e o mediato tem conteúdo

material, dirigido contra o réu (quem pode entregar o bem de direito pleiteado).

Vê-se, portanto, que a AÇÃO é classificada tomando por base o pedido imediato, já

que ela é o direito à tutela jurisdicional, não levando em conta o pedido mediato, que a ele não

se vincula (autonomia e abstração da ação).

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6 PROCESSO

O processo completa a trilogia processual, pois, provocada a jurisdição pela ação, a

vontade da lei se concretizará mediante o processo, que atua como um instrumento da

jurisdição.

6.1 Natureza Jurídica e Conceito

Diversas teorias se desenvolveram ao longo da história do Processo Civil para explicar

a natureza jurídica do processo.

a) contrato => os romanos concebiam o processo como um contrato, pois as partes travavam

entre si uma espécie de acordo para se submeterem à jurisdição (parecido com a convenção de

arbitragem para se sujeitarem à arbitragem). Com maior poder que o Estado passou a dotar,

atraindo para si o monopólio da jurisdição, ficou ultrapassada essa concepção privatista do

processo.

b) quase- contrato => para seus defensores, embora reconheciam não se tratar o processo de

um contrato, sustentavam se tratar de um quase-contrato, em virtude de as partes possuírem

obrigações no processo. Entretanto, esse entendimento também não prosperou, pois que, no

contrato, as obrigações são recíprocas entre os contratantes, o que não ocorre entre as partes

no processo. Além do mais, as partes não podem dispor, regular entre si quanto aos efeitos do

processo, devendo apenas a ele se sujeitarem.

c) situação jurídica => o processo seria uma situação jurídica que, a depender do empenho das

partes em exercer suas faculdades e de se sujeitarem aos ônus etc, poderia ser alterada ao final

com o provimento jurisdicional, colocando a parte numa situação de vantagem ou de

desvantagem. Enfim, instaurado o processo, surgem essas duas possibilidades de resultado,

essas duas situações, definindo o Estado por uma delas se restar convencido ou não do direito

alegado.

d) relação jurídica => o processo surge como instrumento de que dispõe o Estado-juiz para a

realização direito subjetivo material violado no caso concreto. Como a jurisdição é inerte,

posto que se trata de uma função que se mantém na sua imparcialidade, cumpre ao pretenso

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detentor desse direito provocá-la, impulsioná-la mediante a ação. Como a ação é também um

direito subjetivo (de natureza processual), este se manifestará a através de uma relação

jurídica, agora de natureza processual, que se instaurará. A esta relação jurídica denominamos

de processo.

Portanto, PROCESSO é a relação jurídica processual, por isso de direito público, que

une autor, juiz e réu, e que se exterioriza e se desenvolve pela sequência ordenada de atos,

com vistas a um fim, qual seja, a entrega da tutela jurisdicional justa e efetiva.

Convém esclarecer que não prosperou o entendimento segundo o qual a relação

jurídica processual seria estabelecida somente entre as partes, figurando o juiz como um

estranho a ela, conforma a teoria linear. Muito menos que todas as obrigações, ônus e

atividades das partes convergiriam para o juiz, formando uma relação meramente angular.

Esta relação jurídica é, na verdade, de natureza triangular, pois ao mesmo tempo em

que há vínculo entre as partes e o juiz, há também pontos de contato direto entre as partes

(v.g., quando entram em acordo para suspender o processo; ou quando se conciliam etc).

6.2 Procedimento

Vimos até agora que o processo é uma relação jurídica entre autor, juiz e réu, que se

exterioriza e se desenvolve pela seqüência ordenada de atos com vistas à sentença.

Portanto, o processo apresenta 2 aspectos:

✓ interior ou intrínseco => o processo é a relação jurídica que se instaura e se desenvolve entre

autor, juiz e réu.

✓ exterior ou extrínseco => o processo se revela num conjunto de atos concatenados visando a

sentença, a que denominamos de procedimento.

À título de ilustração, podemos afirmar que enquanto o processo é o instrumento, o

VEÍCULO conduzido pelas partes e pelo juiz rumo à sentença; o procedimento é o

CAMINHO, o CURSO, o ITINERÁRIO pelo qual o processo passa para chegar a esse destino.

Vários são os caminhos ou itinerários, ou seja, procedimentos, estabelecidos pela lei,

para se chegar à solução final da lide, dentre os quais podemos classificar: comum e especial.

O procedimento comum é aquele adotado quando não há para a causa previsão de

procedimento especial, seja no próprio código ou na lei especial (art. 318, NCPC). O rito

comum é, portanto, a regra geral, sendo aplicado subsidiariamente aos demais procedimentos

especiais e ao processo de execução.

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O Código prevê também os procedimentos especiais, seja de jurisdição contenciosa

(consignação em pagamento, exigir contas, monitória, possessórias, inventário e partilha etc,

que, normalmente, após algumas providências próprias específicas, caem no procedimento

ordinário), seja de jurisdição voluntária (divórcio e separação consensuais, herança jacente;

arrecadação dos bens do ausente; interdição etc) – arts. 539 a 718 e 719 a 770, respectivamente.

Leis especiais também regulam procedimentos especiais, como o do mandado de

segurança (Lei n. 12.016/09), o das causas de competência dos Juizados Especiais (Leis n.

9.099/95; 10.259/01; 12.153/09) etc.

6.3 Pressupostos processuais

São os requisitos necessários de existência e de validade do processo, sem os quais o

processo não se desenvolverá regularmente, podendo ser anulado, ou sequer existirá. É a

primeira categoria onde repousará a cognição do juiz, para que, então, possa analisar o mérito

da causa.

6.3.1 classificação dos pressupostos processuais

✓ pressupostos processuais de existência: necessários para o processo existir. Se subdividem

em:

a) subjetivos => estão ligados ao juiz (jurisdição – pois não existe processo perante oficial de

justiça, professor etc) e às partes (capacidade de ser parte – só quem é dotado de

personalidade jurídica, como pessoas físicas, jurídicas e, excepcionalmente, entes

despersonalizados).

b) objetivo => demanda. Só há processo se houver provocação/exercício do direito de ação, o

qual se dá por meio de um ato processual denominado demanda. Este ato, por sua vez,

materializa-se através de um instrumento denominado petição inicial.

✓ pressupostos processuais de validade: dizem respeito ao desenvolvimento regular do

processo, que já existe. Também se subdividem em:

a) subjetivos: também estão ligados:

EM SUMA: Só haverá processo se alguém, com capacidade de ser parte,

demandar perante um órgão jurisdicional!!!

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a.1) ao juiz: competência - se o juízo for incompetente, o processo estará viciado. Entretanto,

tal vício é corrigível, podendo os autos ser deslocados para o juízo competente. Se tal fato

ocorrer nos Juizados, o processo é extinto; e imparcialidade, pois se o juiz conduzir o

processo quebrando sua imparcialidade ou isenção, maculado estará o processo. O juiz pode

se declarar suspeito ou a parte poderá alegar a suspeição ou o impedimento do juiz dentro do

prazo legal (defesa), sendo ele substituído por outro magistrado na condução do feito.

a.2) às partes: capacidade processual ou de estar em juízo (corresponde à capacidade civil,

prevista no art. 5º do CC/02); capacidade postulatória (para praticar os atos processuais, que

requerem técnica específica, deverá a parte estar representada por um advogado ,

devidamente inscrito nos quadros da OAB, mediante um contrato de mandato, o qual se

instrumentaliza pela procuração); e, por fim, a legitimidade das partes (antes entendida como

condição da ação). Quanto à esta última, merece se fazer algumas observações:

Legitimidade é diferente de capacidade. Nem toda pessoa capaz pode estar

legitimada para a prática de determinado ato jurídico. A legitimação traduz numa capacidade

específica para determinados atos da vida civil. O tutor, por exemplo, embora maior e capaz,

não poderá adquirir bens móveis ou imóveis do tutelado, sendo ilegítimo para tanto. Dois

irmãos, da mesma forma, maiores e capazes, não poderão se casar entre si. Falta-lhes

legitimidade ou capacidade específica para o ato.

A mesma avaliação pode ser feita com relação às partes de um processo. Só serão

capazes especificamente para travarem uma relação jurídica processual aqueles que

hipoteticamente figuraram também na relação jurídica material. É, nos dizeres de Carnelutti,

“a pertinência subjetiva da ação”, ou seja, a pertinência entre as partes processuais e as da lide.

Portanto, numa ação de despejo, serão autor e réu o locador e o locatário,

respectivamente. Aquele que tiver fora da relação de locação, como, por exemplo, o

sublocatário, será considerado terceiro interessado, e não parte legítima.

Quando coincidirem as partes do processo com as da lide, diz-se que a legitimidade é

ordinária.

Entretanto, existem casos em que a lei autoriza outrem, que não titular do direito ou

interesse material, a pleiteá-lo em juízo em seu lugar. Assim, se não houver correspondência

entre os sujeitos do processo e da lide, de modo que quem figura na relação processual não é o

mesmo da relação material, ocorre o que denominamos de legitimidade extraordinária ou

substituição processual, prevista indiretamente no art. 18, NCPC, que diz: “ninguém poderá

pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”.

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Exemplos: 1) o Ministério Público quando, pela natureza da lide ou qualidade da

parte, houver interesse público na causa (ação civil pública, ação de

improbidade administrativa etc) – art. 177, NCPC;

2) o sindicato, na defesa dos interesses da categoria – art. 8º, III, CF/88;

3) o condomínio, na defesa dos interesses comuns – art. 1348, III, CC.

A legitimidade extraordinária, portanto, só é admitida excepcionalmente, quando

houver previsão legal, o que faz dela a exceção e não a regra.

b) objetivos: subdividem em intrínsecos e extrínsecos:

b.1) intrínseco => deve-se respeitar o procedimento (por exemplo, a comunicação dos atos

processuais – citação /art. 239).

b.2) extrínsecos => positivo (está de fora do processo e deve existir para que o processo seja

válido) ou negativos (não podem existir para que o processo seja válido).

É considerado pressuposto extrínseco positivo a então condição da ação interesse de

agir, pois que é fato que deve existir para que a instauração do processo se dê validamente. Se

faltar interesse de agir, o pedido não será analisado.

Consiste na utilidade de obter um proveito, um resultado mediante o provimento

jurisdicional, bem como na necessidade de se recorrer ao Judiciário para obter este proveito.

Está previsto no art. 17, NCPC. Ex: ação de cobrança => expor o crédito e a impossibilidade de

obtê-lo diante da recusa de cumprimento espontâneo do devedor; ou ação monitória quando

se tem um documento sem força executiva; inventário judicial quando há herdeiros menores.

O réu tem também interesse, mas de reagir, embora não precisa demonstrá-lo, pois

decorre do próprio fato de haver sido citado para a ação.

Por outro lado, são considerados pressupostos extrínsecos negativos:

- litispendência: quando se repete a ação que está em curso (coexistência de duas ou mais

ações idênticas, ou seja, que tenham as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo

pedido) – art. 337, §3º, NCPC.

- coisa julgada: quando se repete a ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado –

art. 337, §4º, NCPC.

- perempção: é a perda da faculdade de demandar contra o réu, pelo mesmo objeto, quando o

autor já deu causa, em outras três oportunidades, à extinção do processo por abandono da

causa – art. 486, §3º, NCPC.

- convenção de arbitragem: acordo prévio feito pelas partes de abrirem mão da jurisdição

estatal e optarem pela arbitragem como meio de solução de seus conflitos.

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6.4 Sujeitos do Processo

São sujeitos do processo (a relação jurídica processual é triangular):

- AUTOR: que ocupa o pólo ativo, pois foi quem procurou a jurisdição pelo exercício da ação.

- RÉU: que ocupa o pólo passivo e que vai responder pela ação.

- JUIZ: que está numa posição soberana, porém eqüidistante das partes, pelo fato de exercer a

jurisdição.

Os dois primeiros sujeitos -autor e réu - são conhecidos como PARTES. Logo,

concluímos haver no processo apenas duas partes a ATIVA e a PASSIVA.

O conceito de partes é importante na medida em que determina os efeitos da sentença,

os quais, regra geral, só alcançam elas, e também porque as diferenciam do chamando terceiro.

Aliás, essa é a inteligência do artigo 506 do NCPC, in verbis: “A sentença faz coisa julgada às partes

entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

Entretanto, quando a lei autoriza é possível ao terceiro ingressar, intervir no processo

como parte. Nesse caso, o terceiro interveniente deixará de ser mero terceiro, adquirindo

regra geral a condição de parte, o que incluir o fato de ser alcançado pelos efeitos da sentença.

São espécies de intervenção de terceiros previstos no NCPC: a assistência (arts. 119 a 124); a

denunciação da lide (arts. 125 a 129); o chamamento ao processo (arts. 130 a 132); o incidente

de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137); e o amicus curiae (art. 138), os

quais serão estudados separadamente no próximo semestre.

O MP também pode figurar como parte quando atuar na defesa de interesse coletivo.

Nesse caso, a sua atuação dar-se-á como substituto processual, posto que a sua legitimidade é

extraordinária (artigo 177 do NCPC).

Coisa diversa é quando o MP atua como fiscal da ordem jurídica (custos legis) quando a

causa versar interesse de menor questão de estado ou interesse público (artigo 178 do NCPC).

Ele o fará não na condição de parquet ou de terceiro, mas atuará como uma espécie de amicus

curiae (amigo da corte).

Advogados, peritos, assistentes técnicos, oficial de justiça, etc, JAMAIS poderão ser

entendidos como partes. O primeiro é figura indispensável à administração da justiça e os

últimos, auxiliares da justiça.

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6.4.1 Pluralidade de Partes (ou Litisconsórcio)

a) conceito e cabimento

É o fenômeno processual consistente na pluralidade de partes litigantes no mesmo

pólo da relação processual. Segundo o art. 113 do NCPC, é possível ocorrer quando:

I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigação relativamente à lide => aqui é o

direito material, que lhes são comuns que vai permitir a formação do litisconsórcio. Ex:

solidariedade ativa ou passiva, vários credores solidários acionam do mesmo devedor, ou

vários devedores solidários sendo acionados pelo credor comum.

II) entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir => basta a coincidência

com o objeto ou com a causa de pedir. Isso para evitar decisões contraditórias e também por

razão de economia processual. Ex. vítimas de um mesmo acidente automobilístico

demandando contra o responsável por perdas e danos.

III) ocorrer afinidade de questão por um ponto comum de fato ou de direito => não se trata do

mesmo fato, mas de fatos semelhantes, análogos. Ex: Ações de cobrança movida pelo síndico

de condomínio em face de dois ou mais condôminos.

b) Espécies de litisconsórcio:

b.1) quanto ao número de litigantes: ativo (mais de um litigante no pólo ativo); passivo (mais de

um litigante no pólo passivo); ou misto (mais de um litigante em ambos os pólos do

processo).

b.2) quanto ao momento em que se forma: inicial (concomitante com o processo - é a regra); ou

ulterior (se forma no curso do processo. Ex: aquele que ocorre quando falece uma parte e se

habitam vários herdeiros).

b.3) quanto à uniformidade da decisão para os litigantes: unitário (decisão uniforme para todos os

litisconsortes por participarem da mesma relação jurídica material cujo objeto seja indivisível.

Ex: dois proprietários de uma vaca; ação reivindicatória por pessoas casadas em regime de

comunhão) ou simples (quando a decisão não tenha que ser uniforme para todos os co-

litigantes).

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b.4) quanto à obrigatoriedade de sua formação: necessário (quando somente se pode formar

validamente o processo com a presença de todos os litisconsortes no feito; segundo o art. 114

do NCPC, isso ocorrerá quando a lei prever ou quando a relação jurídica controvertida assim

exigir) ou facultativo (aquele cuja formação não é obrigatória; é determinado pelas partes por

razões de economia processual; mas nada obsta ao autor litigar sozinho ou demandar contra

cada réu separadamente em ação distintas)

Vale registrar que não existe litisconsórcio necessário ATIVO, mas só passivo, pois

ninguém é obrigado a ir a juízo juntamente com o outro, sob pena de violação ao princípio

constitucional do acesso ao Judiciário.

Isso significa que ao contrário de litisconsórcio necessário, que será sempre passivo, o

litisconsórcio simples poderá ser ativo ou passivo.