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ARTIGO ,.., TEORIA DA ORGANIZAÇAO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS "Uma estrutura social, racionalmente organizada, envolve padrões de atividade claramente definidos, nos quais, segundo a maneira ideal, cada série ou conjunto de ações está funcionalmente relacionado com os propósitos da organização." Robert K. Merton Carlos Osmar Bertero Professor Titular e Chefe do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV. * RESUMO: O texto aborda a questão da Teoria Organiza- cional como existente nos meados da década de 1960, enquanto expressão na racionalidade instrumental weberiana. Fazen- do uso de um referencial teórico estruturalista, como o apre- sentado por Amitai Etzioni, procura dimensionar a lacuna entre as sociedades ocidentais e as não ocidentais. O centro do argumento é que as sociedades ocidentais, ao longo de seu processo formativo, acabaram por caracterizar-se como mais adequadas ao surgimento e funcionamento das organizações formais enquanto expressão da racionalidade instrumental. Exigências organizacionais formais seriam a subordinação do interesse individual ao geral, adesão a uma postura epistemológica pragmática, comportamento calcado em neu- tralidade emocional (Sine ira ac studio) e capacidade de objetivação sob aforma de ação organizada. As sociedades não ocidentais apresentariam, por sua própria formação e gênese, dificuldades maiores para abrigar e desenvolver organizações formais, caindo no círculo vicioso da baixa densidade organi- zacional. PALAVRAS-CHAVE: Organização formal, racionalidade 14 Revista de Administração de Empresas instrumental, análise funcional e estruturalista, sociedades não ocidentais. * ABSTRACT: The article approaches organizational theory, as existing in the 1960's as an expression of weberian ins- trumental rationality.Utilizing Amitai Etzioni ideas it tries to fathom the gap between westem and non westem societies. The core of the argument states that western societies, by their own historical formation ended by exhibiting conditions by far more congenial and adequa te for the nurturing, development and operation of formal organizations as an expression of instrumental rationality. Thus formal organizational requirements would be of a society displaying ability to subordina te individual to social interests, adoption of a pragmatic epistemological posture, a behaviour based upon emotional neutrality and capacity of objectification through organized action. Non westem societies do not have yet, due to their own history and formative process, the same conditions. Thus a greater difficulty, in nurturing and developing formal organizations what end sup in the vicious circle of low organizational density. * KEY WORDS: Formal organization, instrumental rationality, functional and structural analysis, toesiern societies. São Paulo, 32(3): 14-28 Ju1./Ago.1992

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ARTIGO

,..,

TEORIA DA ORGANIZAÇAO ESOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

"Uma estrutura social, racionalmente organizada, envolve padrões de atividade claramentedefinidos, nos quais, segundo a maneira ideal, cada série ou conjunto de ações estáfuncionalmente relacionado com os propósitos da organização."

Robert K. Merton

Carlos Osmar BerteroProfessor Titular e Chefe do Departamento deAdministração Geral e Recursos Humanos daEAESP/FGV.

* RESUMO: O texto aborda a questão da Teoria Organiza-cional como existente nos meados da década de 1960, enquantoexpressão na racionalidade instrumental weberiana. Fazen-do uso de um referencial teórico estruturalista, como o apre-sentado por Amitai Etzioni, procura dimensionar a lacunaentre as sociedades ocidentais e as não ocidentais. O centrodo argumento éque as sociedades ocidentais, ao longo de seuprocesso formativo, acabaram por caracterizar-se como maisadequadas ao surgimento e funcionamento das organizaçõesformais enquanto expressão da racionalidade instrumental.Exigências organizacionais formais seriam a subordinação dointeresse individual ao geral, adesão a uma posturaepistemológica pragmática, comportamento calcado em neu-tralidade emocional (Sine ira ac studio) e capacidade deobjetivação sob a forma de ação organizada. As sociedades nãoocidentais apresentariam, por sua própria formação e gênese,dificuldades maiores para abrigar e desenvolver organizaçõesformais, caindo no círculo vicioso da baixa densidade organi-zacional.

PALAVRAS-CHAVE: Organização formal, racionalidade

14 Revista de Administração de Empresas

instrumental, análise funcional e estruturalista, sociedadesnão ocidentais.

* ABSTRACT: The article approaches organizational theory,as existing in the 1960's as an expression of weberian ins-trumental rationality.Utilizing Amitai Etzioni ideas it triesto fathom the gap between westem and non westem societies.The core of the argument states that western societies, by theirown historical formation ended by exhibiting conditions byfar more congenial and adequa te for the nurturing,development and operation of formal organizations as anexpression of instrumental rationality. Thus formalorganizational requirements would be of a society displayingability to subordina te individual to social interests, adoptionof a pragmatic epistemological posture, a behaviour basedupon emotional neutrality and capacity of objectificationthrough organized action. Non westem societies do not haveyet, due to their own history and formative process, the sameconditions.

Thus a greater difficulty, in nurturing and developingformal organizations what end sup in the vicious circle of loworganizational density.

* KEY WORDS: Formal organization, instrumentalrationality, functional and structural analysis, toesiernsocieties.

São Paulo, 32(3): 14-28 Ju1./Ago.1992

INTRODUÇÃO

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

o que nos levou a escrever este artigoforam algumas reflexões sobre a Teoria dasOrganizações quando colocada em face darealidade brasileira, ou, de maneira maisampla, quando tentamos utilizar um"modelo" originado numa realidade cul-tural diversa daquela em que vivemos esomos obrigados a agir. Já têm sido feitasobservações a respeito da inadequação dateoria econômica clássica, enquanto ele-mento explicativo da realidade não oci-dental. Recentemente, chegou-se até a falarda inadequação do marxismo enquantogerador de ideologias para países da Áfricae a pequena aceitação que as idéias mar-xistas desfrutavam entre os próprios líde-res africanos, pois que, sendo o marxismoum conjunto de idéias oriundas da EuropaOcidental e surgindo num momento derelativa sofisticação dialética, em muitopouco poderia corresponder aos anseios,necessidades e desejos de autoafirmaçãode comunidades negras ainda primitivas erecém emancipadas, e que buscam um es-tatuto ideológico a fim de fundamentar suaação política no conjunto das nações in-dependentes.

A Teoria das Organizações vem seconsolidando, enquanto disciplina autô-noma, principalmente nos Estados Unidose tem resultado do esforço de estudiososcom a mais diversificada formação cultu-ral. É possível relacionar entre os "teóri-cos" da Organização sociólogos, psícólo-&os,matemáticos, economistas e biólogos.E inevitável que tentem aplicar às suasreflexões os modelos e conceitos funda-mentais das ciências em que foram for-mados, o que explica o caráter eclético epouco orgânico da Teoria das Organiza-ções na sua fase inicial. Porém todos esteselementos apesar de sua diversidade con-têm, a nosso ver, alguns elementos emcomum que poderiam ser resumidos sob aelevada racionalidade atingida pelassociedades ocidentais nos últimos quatroséculos. Foi esta racionalidade e particu-larmente o desenvolvimento das ciênciassociais, e dentre elas, a economia, as res-ponsáveis pelo oferecimento de um qua-dro conceitual altamente elaborado e do-tado de suficiente operacionalidade quepermitiu a todos os teorizadores a formu-lação de uma Teoria das Organizações.

Ora, considerando-se que os países nãodesenvolvidos, o que equivale a dizer não-ocidentais de um ponto de vista cultural (aUnião Soviética é, em nosso entender, umpaís permeado de cultura ocidental, o quese tomou definitivo após a revolução de1917), não têm o mesmo passado que ospaíses ocidentais, e suas culturas se afas-tam, por vezes, diametralmente dos pa-drões de racionalidade, tal qual esta é en-tendida na cultura ocidental, cabe questio-nar da validade da Teoria das Organiza-ções quando aplicadas a um contexto di-verso do ocidental.

Portanto, propomo-nos desenvolvereste artigo em quatro etapas:

• As teorias de organização como expressão da racionalidade.

• O significado dessa racionalidade.• Exigências organizacionais e• Conclusão.

AS TEORIAS DE ORGANIZAÇÃO COMOEXPRESSÃO DA RACIONALIDADE

As primeiras tentativas no sentido deelaborar uma teoria organizacional tiveramlugar nos Estados Unidos, na Inglaterra ena França e, considerando-se a disputa quese tem desenvolvido entre os especialistas,decidimos não nos deter na determinaçãode quem teria sido realmente o primeiro aformular um conjunto de idéias a respeitodas organizações. Conseqüentemente nosateremos às doutrinas de Frederick W.Taylor e Henri Fayol como os teorizadoresque exerceram influência decisiva na for-mação de uma teoria que já nos habitua-mos a chamar de clássica.

O que importa considerar do nossoponto de vista não são as várias medidasde racionalização do trabalho empreendi-das por Taylor ou a enumeração de "fun-ções" administrativas realizadas por Fayol,mas antes nos determos sobre os procedi-mentos metodológicos e os pressupostosde uma filosofia da ciência, que per-meavam as etapas da elaboração das teo-rias dos referidos pensadores. Acreditamosque a "escola clássica" foi a manifestaçãode uma racionalidade de tipo baconiano ecartesiano ao nível da teoria da organiza-ção. O próprio Taylor lamentava diante daComissão de Inquérito, instaurada parainvestigar os efeitos e conseqüências do

Copyright ©1992, 1967, Revista de Administração de Empresas I EAESP I FGV, São Paulo, Brasil. Texto publicado na RAE, 7 (25): 107-35, dez. 1967. 15

taylorismo sobre o regime de trabalhooperário em algumas organizações ameri-canas por volta de 1912, o desperdício emque se incorria por causa da ineficiênciaindustrial que acarretava enormes prejuí-zos à nação, retardando o seu ritmo dedesenvolvimento. Esta ineficiência, noentender de Taylor, era motivada pela faltade uma ciência da administração que per-mitisse a objetivação dos procedimentos ea constituição de um corpo de conheci-mentos que dessem à administração asmesmas características de universalidadeencontradiças em outros setores do co-nhecimento e da atividade humana. Aausência de uma "verdade" administrativaimplicava em que se dependesse para acondução das empresas dos "homens degênio", cuja incidência e aparecimentoeram aleatórios.

A criação de uma categoria especial, osadministradores profissionais, só seriapossível quando se consolidasse um"conjunto de princípios" à maneira do queacontecia com outras atividades, tal comona medicina, no direito, na matemática,para citar apenas alguns exemplos. Aconsolidação de um conjunto de conheci-mentos, que se faria de maneira ordenadae segundo uma metodologia adequada aoobjeto em estudo, permitiria não apenas aacumulação de conhecimentos, bem comoa sua transmissão através de um processoformal de educação. E esta transmissão deconhecimentos de maneira sistemática,rotinizaria, de certa forma, o processo decriação de habilidades administrativas,eliminando a contingência em que entãoacreditava Taylor - todos se encontravamcom relação ao "homem de gênio", o queimplicava na crença de que o administra-dor não podia ser formado, pois as suashabilidades seriam o resultado misteriosode capacidades inatas que se desenvolve-riam mediante a prática. Quando se tratoude buscar uma forma de criar uma "ciênciada administração", Taylor voltou-se, maispor intuição do que por reflexão, à utili-zação da já tradicional metodologia da ci-ência que há três séculos vinha se mos-trando frutífera no campo das ciências danatureza. A "revolução" do espírito cien-tífico na idade moderna tivera lugar graçasà contribuição decisiva de Francis Bacon,Galileo Galilei e René Descartes. O queaqueles pensadores realizaram foi a trans-

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formação radical da própria concepção deciência, bem como de sua finalidade, sendoabandonada a noção de ciência, enquantoatividade especulativa, o que vale dizercontemplativa, que dominara o pensa-mento ocidental desde a antiguidadeclássica até os fins da Idade Média, parasubstituí-la por uma concepção de ciênciaenquanto instrumento ativo para possibi-litar a extensão do domínio do homemsobre os fenômenos da natureza.

•••••••••••••••••••••••A atitude de fazer da teoria deorganização uma disciplinavoltada para o estudo e à

reflexão sobre estas funções éexatamente o que permite imputar

ao fayolismo um caráteruniversalista e localizá-lo numa

posição destacada entre osadministradores "clássicos".

•••••••••••••••••••••••A ciência deveria possibilitar o entendi-

mento dos fenômenos naturais para queestes pudessem ser explicados, verificadose previstos, objetivando-se ao final o seucontrole. A utilização dos resutados damatemática, como instrumento para ex-pressar quantitativamente os referidos fe-nômenos, foi um passo decisivo, pois, aoexpressar-se quantitativamente um fenô-meno, nós automaticamente lhe imputa-mos um caráter mecânico e repetitivo, oque permite, em conseqüência, prevê-lo e,em última instância, controlá-lo.

As etapas desse método são bastanteconhecidas, porém não cremos impróprioassinalá-las. Num primeiro momento, te-mos a observação, que, todavia, não é maisrealizada de maneira puramente con-templativa, mas pressupõe uma atitudecrítica da inteligência ao caracterizar o quedeve ser observado. Um segundo mo-mento é o de elaboração de hipótese. Oterceiro momento é aquele em que as hi-póteses são verificadas e, dependendo doresultado dessa verificação, elas passam aser consideradas verdadeiras ou falsas e naprimeira alternativa são incorporadas a umconjunto de conhecimentos que possibili-tem a construção de teorias mais amplas.

Na verdade, o taylorismo na sua busca

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

da one best way partia do pressuposto deque existia uma verdade implícita na ma-neira de se fazerem as coisas e constituía atarefa da razão a sua descoberta. Apesar deTaylor ter-se tornado particularmente cé-lebre como o criador dos estudos de "tem-pos e movimentos", cumpre notar que ostempos e movimentos não constituíam,como ele mesmo assinalou várias vezes, oponto central de suas idéias. Constituíamantes um meio de racionalizar o trabalhohumano e um instrumento de verificação,análogo aos métodos de medição utiliza-dos na etapa de observação para as ciênciasda natureza. A Escola Clássica de admi-nistração caracterizou-se por aplicar à rea-lidade industrial, dos fins do século pas-sado e princípios de nosso século, os mes-mos procedimentos e o mesmo quadroconceitual que se havia provado de grandevalia e, inclusive, permitindo um grandedesenvolvimento das ciências da natureza.

A necessidade de "transformação dementalidade", que Taylor chega a proporcomo definição final e a mais adequadapara o movimento da "administração ci-entífica" (scientific management), não seriamais do que a aceitação de que a adminis-tração deveria tornar-se um campo de co-nhecimento tão científico, como a realida-de da natureza já se tornara para as ciênciasde tipo físico-matemático, e que seria for-çosamente passível sua transformaçãonuma ciência quantificável, onde se en-contraria uma verdade definitiva, à ma-neira matemática, e que tal seria fatalmentealcançado, sendo apenas uma questão detempo.

O quadro de uma ciência da adminis-tração, como visto pelo francês H. Fayol,não divergia em suas idéias gerais do quehavia sido tentado por Taylor. É misterreconhecer, contudo, que Fayol é, indis-cutivelmente, o nível mais elevado quandose cogita esse assunto. Sempre se notaraque as formulações de Taylor permanece-ram a nível de fábrica, sendo tal afirmaçãoparticularmente verdadeira para o seu li-vro Shop Management, publicado em 1906.O Principies of Scientific Management, ape-sar do caráter ponposo de seu título, nãointroduz grandes inovações quando com-parado com a obra anterior, e a mesmasensação de que se permanece ao nível defábrica persiste. Já não é possível fazer asmesmas afirmações a respeito de H. Fayol.

Sua obra Administração Geral e Industrial,cuja primeira edição data de 1916,contémelementos que nos colocam claramentenoutro nível administrativo, ou seja, a ad-ministração de cúpula. Não encontramosno fayolismo a preocupação com a "racio-nalização" de tarefas e os estudos de"tempos e movimentos" que constituem otraço distintivo e ocupam amaior parte dasobras de Taylor. Nada de propriamenteoperacional, ou a nível de execução de ta-refas, é abordado pelo industrial francês, esuas preocupações voltam-se no sentido deabstrair a partir de um grande número detarefas, forçosamente heterogêneas, aque-las que seriam propriamente administrati-vas e que conseqüentemente seriam atri-buição específica do administrador. Daípoder qualificar-se Fayol como umfuncionalista, pois sua preocupação fun-damental foi conseguir agrupar as tarefasessencialmente administrativas desempe-nhadas pelas pessoas no interior das or-ganizações e dar-lhes o nome de funções.O que estas possuem de mais característicoé o seu afastamento com relação ao roti-neiro das organizações. O administradorpara Fayol é justamente aquele que não sededica à realização de tarefas rotineiras e,em resumo, aquele que não se deixa ab-sorver pela operação da empresa.

A atitude de fazer da teoria de organi-zação uma disciplina voltada para o estudoe à reflexão sobre estas funções é exata-mente o que permite imputar ao fayolismoum caráter universalista e localizá-lo numaposição destacada entre os administrado-res "clássicos". A identificação entre a ci-ência da administração e a teoria das fun-ções administrativas é que dá ao fayolismoo seu caráter de tentativa científica, namedida em que tenta reduzir a multi-plicidade à unidade, ou pelo menos tentaintroduzir um ordenamento racional aoreal singular e até certo ponto caótico.

Não cremos que as demais "escolas" deadministração tenham se afastado destesentido da racionalidade até o momentoapontado. As experiências e teorias de G.Elton Mayo e de seus seguidores, do cha-mado grupo das Relações Humanas nãonegaram a necessidade da racionalidadena esfera da administração, mas antes sesatisfizeram em apontar algumas limita-ções dos teóricos anteriores, sem todaviacontestar-lhes os fundamentos. O próprio

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Mayo em seu último livro The SocialProblems of an Industrial Civilization, aoavançar uma explicação sobre as causas denão se terem desenvolvido em nossa civi-lização industrial as "habilidades sociais"isocial skills) com amesma intensidade comque se desenvolveram as "habilidadestécnicas" (technical skills), acaba por de-plorar o estágio em que se encontravam asciências sociais, devido, em última instân-cia, ao fato de não terem logrado realizarainda a "revolução científica" que as ciên-cias da natureza haviam realizado no iní-cio da Idade Moderna. As "habilidadestécnicas" se transformaram no traço pre-dominante da civilização ocidental, atravésde sua industrialização e do domínio danatureza pela tecnologia, porque as ciên-cias da natureza haviam se limitado aatacar pontos específicos do real e emconseqüência tornaram possível a "opera-cionalidade" neste setor do conhecimentoe da atividade humanos. O mesmo aindanão havia sucedido com as ciências sociaisque permanecia presas a um passado ain-da de pura especulação, sendo mais uma"filosofia social" do que uma ciência social.

•••••••••••••••••••••••A atividade econômica anterior ao

capitalismo desconheceu, de maneirageral, a empresa, enquanto entidade

de duração indefinida,preferivelmente permanente, cujamissão fundamental era realizar amais-valia e dessa forma prosseguirindefinidamente a dominação danatureza pelo homem através do

reinvestimento e do aperfeiçoamentotecnológico ilimitado.

•••••••••••••••••••••••Acreditamos desnecessário estender-

nos sobre a alta racionalidade que presideàs especulações de tendências mais recen-tes no campo da Teoria da Organização. Atentativa de aplicação de modelos mate-máticos e de técnicas bastante sofisticadas,tomadas às ciências sociais, são prova su-ficiente de uma racionalidade crescente ecada vez mais exigente para a formulaçãoteórica.

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Porém, não poderíamos deixar de men-cionar a teoria weberiana da burocraciaquando nos referimos à racionalidade quetem presidido à elaboração das várias teo-rias de organização. A elaboração do soci-ólogo alemão é sobremaneira interessantepelo fato de Weber não ter sido um inte-lectual especialmente preocupado com osproblemas da prática administrativa. Di-ríamos que a abordagem weberiana aoproblema das grandes organizações, in-clusive as de natureza econômica, não ti-nha por objetivo o aumento da eficácia,como sempre ocorreu com a grandemaioria dos estudiosos. Em autores comoTaylor, Fayol e E. Mayo, este constitui oobjetivo fundamental. O aumento da pro-dutividade industrial com a eliminação daineficiência e dos atritos - particularmentede natureza humana que dificultam o an-damento dos procedimentos administrati-vos - sempre foi a causa fundamental desuas pesquisas, reflexões e recomendações.O mesmo não ocorreu com Max Weberteórico preocupado fundamentalmente emexplicar uma situação histórica que foiatingida pela cultura ocidental num dadomomento. Weber chega à teoria da orga-nização pelo que ousaríamos chamar devia política. Ao estudar as transformaçõeseconômicas, políticas e sociais da socieda-de ocidental a partir da Idade Média,Weber não pode deixar de fascinar-se pelaimportância que gradativamente veio as-sumindo o Estado até atingir sua atualfisionomia. O Estado como centralizadorde poder e responsável pela manutençãoda soberania, o que implicava no controlede uma determinada área geográfica e noestabelecimento de uma estrutura jurídica,viu-se forçado a criar uma superestruturaadministrativa para administrar a coletados recursos com que sustentar forças ar-madas de caráter permanente e manter osquadros administrativos não militares paraimplementação dos ordenamentos jurídi-cos. Isto levou à criação de uma "máquinaadministrativa" ou "burocracia" que secaracteriza, antes de mais nada, pela sua"profissionalização". O que deve caracte-rizar um "corpo de funcionários" é a suadedicação a tarefas específicas, de nature-za razoavelmente complexa, que pressu-põe um treinamento adquirido através deum processo formal de educação e quetransforma o admiriistrar numa "profís-

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADES SUBDESENVOL VIDAS

são" que se desempenha mediante o pa-gamento de salários e modalidades váriasde benefícios e que confere aos adminis-tradores "estabilidade", como dimensãotemporal, a fim de assegurar a própriacontinuidade da ''burocracia''.

A ''burocracia'' é indiscutivelmente umaformulação ideal e o próprio Weber já areconhecia como tal, mas isto não signifi-ca o seu desvinculamento da realidade,uma vez que o responsável pela sua ela-boração partiu de um dado histórico con-creto, a saber, as grandes estruturas da"administração pública", que acompa-nharam o desenvolvimento do modernoEstado Ocidental. O que torna a teoriaweberiana digna de interesse para o mo-derno teórico das organizações, bem comopara o administrador prático, é a suairrefutável atualidade, que se deu graças aogrande desenvolvimento atingido pelamoderna empresa industrial no sistema docapitalismo e que é particularmente per-ceptível na moderna sociedade anônimacom a diluição da propriedade por umgrande número de acionistas, implicandonuma modificação real do tradicionalconceito de propriedade privada e pelacomplexidade de suas operações e pelo seuporte que freqüentemente atinge dimen-sões internacionais.

Se retomarmos as afirmações de Weber,a respeito da importância de um direitoabstrato e genérico, que tomou possível oEstado Ocidental Moderno, e que ''buro-cracia" é a estrutura criada para dar apli-cação à racionalidade abstrata contida nasnormas jurídicas, desnecessário seráestendermo-nos sobre o caráter altamenteracional da administração burocrática.

"A administração burocrática significa,fundamentalmente, o exercício da dominaçãobaseada no saber. Este é o traço que a tornaespecificamente racional. Consiste, de um lado,em conhecimento técnico que, por si só, é sufi-ciente para garantir uma posição de extraordi-nário poder para a burocracia. Por outro lado,deve-se considerar que as organizações buro-cráticas, ou os detentores do poder que dela seservem, tendem a tornar-se mais poderososainda pelo conhecimento proveniente da práticaque adquirem no seroiço":' E no que diz res-peito à racionalidade da empresa capita-lista e à inevitabilidade da adoção da ad-ministração de tipo burocrático para acondução dos afazeres empresariais cum-

pre observar que "... a burocracia é superiorem saber ... o que normalmente é privilégio daempresa capitalista.?

O texto weberiano ainda fazia distinçãoentre empresa capitalista e forma buro-crática de administração. Não se devedeixar de considerar que o capitalismo dosfins do século e das primeiras décadas denosso século ainda se caracterizava fun-damentalmente pelo livre empresaria-lismo, e o planejamento, bem como os de-mais ingredientes de uma administraçãoburocrática estavam fundamentalmentevinculados à administração pública, ouseja, ao Estado. Mas com o fim do "em-presário schumpeteriano" - que acredi-tamos ser um personagem já histórico, ecujo reaparecimento se torna cada vezmenos possível- a empresa capitalista foigradativamente assumindo as mesmascaracterísticas decisivas da administraçãoburocrática.

o SENTIDO DA RACIONALIDADE

Nas páginas anteriores já tivemosoportunidade de esboçar o que se deveriaentender por racionalidade. Acreditamosque se trata de conceito exclusivo da cul-tura ocidental e de origem relativamenterecente. A racionalidade, no sentido emque hoje a tomamos, não tem mais do quecinco séculos e seu nascimento está ligadoà Revolução Filosófico-Científicaque tevelugar na Europa ao longo dos séculos XVIe XVII. Já mencionamos que sua origempoderia ser localizada no novo conceito deciência, expresso pela primeira vez, porFrancis Bacon no seu Novum Organon. Atradição grega, que a Idade Média cristãincorporou, via na razão o instrumentopara a aquisição de um saber destinadoexclusivamente à satisfação do sujeitocognoscente e que deveria conduzir à con-templação. O ideal foi apresentado demaneira relativamente clara no pensa-mento platônico, e grande parte dos"ideais de vida" da cristandade medievalnão são mais do que a sua versão revestidade um caráter evangélico. A razão deveriaaplicar-se ao conhecimento das coisas,massempre como mediação para o conheci-mento das coisas divinas. Daí a inexistênciade uma concepção de "vocação", no senti-do weberiano, enquanto "chamamento"para a realização com todo o empenho e

1. "TEXTOS Básicos de CiênciasSociais". Sociologia da Burocracia.Rio de Janeiro, GB, Zahar Editores,1966, p. 26.

2. Idem, ibidem, p. 26.

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energia de uma tarefa neste mundo, comopor exemplo o desempenho de uma pro-fissão laica. Esse aspecto já foi suficiente-mente desenvolvido pelo próprio Weberem seu livro sobre a ética protestante e assuas relações com o aparecimento de umamentalidade capitalista e não julgamosnecessário entrar em pormenores.

•••••••••••••••••••••••A "debilidade organizacional" de

sociedades não ocidentais é em grandeparte devida a uma ênfase excessivadada ao indivíduo e à tentativa de

fazer prevalecer, no quadro de valoreséticos, os princípios da

individualidade, onde o sucesso oua valorização são dados em última

instância por uma medida individualde sucesso.

•••••••••••••••••••••••Um dos atributos da racionalidade é a

Iogicidade, definida no sentido formal ematerial, ou seja, a coerência da inteligên-cia consigomesma ao longo do processo deconhecimento e a sua adaptação ou ade-quação a uma realidade exterior a estaprópria inteligência. Todo ato de investi-gação que pretenda atingir algum conhe-cimento assume implicitamente um pa-ralelismo entre o sujeito que conhece e oobjeto de conhecimento. É exatamenteneste paralelismo que está a possibilidadede conhecimento. Tal atitude da ra-cionalidade não constituiu um atributoespecífico dos tempos modernos, uma vezque toda a filosofia e toda a ciência gregae medieval dela já faziam extenso uso, in-clusive chegaram a teorizar sobre o pro-blema de maneira exaustiva.

O que é típico da racionalidade moder-na é a sua preocupação com utilizar alogicidade para dominar a realidade exte-rior ao homem, particularmente as forçasda natureza. O desenvolvimento da mo-derna Economia Política sempre conside-rou a economia como a ciência que cuida-va das atividades desempenhadas pelohomem no sentido de transformar os re-cursos brutos ou naturais em bens econô-micos que pudessem ser utilizados para amanutenção da vida humana e para au-

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mentar o conforto. É a preocupação emrefinar e fazer progredir sempre as formase instrumentos de domínio do homemsobre a natureza que preside ao apareci-mento e ao posterior desenvolvimento detoda a tecnologia. Dentre as Teorias deOrganização, a de Chester Barnard é a quecarrega traços mais fortes deste tipo deconcepção, e a sua teoria da cooperaçãocomo pressuposto para o aparecimento das"organizações formais" está sempre fun-damentada na necessidade de reunir es-forços e criar "sistemas cooperativos" a fimde superar as limitações "físicas" e "bio-lógicas" à consecução de objetivos grupais.

Todavia, a logicidade e a aplicação dainteligência à modificação da realidadeexterior não constituem os únicos atributosda racionalidade. Na verdade, é impossíveldesvinculá-la da eficácia, enquanto parteinseparável de um determinado sistema deprodução, o que constitui a marca distin-tiva da racionalidade num mundo em quepredomina o modo industrial de produ-ção.

A aplicação da razão à produção de benseconômicos constitui o traço predominan-te da Revolução Industrial. O antigo siste-ma artesanal já havia indiscutivelmenteintroduzido algumas modificações nosentido de aumentar a sua produtividade.Exemplo bastante conhecido é o que tevelugar na produção de livros. Durante aIdade Média, os copistas dedicavam-se àpaciente e minuciosa tarefa de preservar etransmitir às gerações posteriores o co-nhecimento acumulado. Cada copistaocupava-se da elaboração de um únicoexemplar que era feito a partir de um ori-ginal. Jáno séculoXN eXV,vários copistasescreviam vários exemplares a partir deuma outra pessoa que lia em voz alta. Isto,porém, ainda se achava bastante distantedo sistema de produção em massa que sóse tornou possível com a criação dos tiposmóveis. Além disso, a racionalidade, en-quanto busca da eficácia de um sistema deprodução em massa, relaciona-se direta-mente com a racionalidade própria do ca-pital, que tem suas próprias leis.

A explicação do crescimento econômicooferecida pelos economistas clássicos, oude expansão do capital, no entender dealguns marxistas, particularmente Rosa deLuxemburgo, reveste-se de uma racio-nalidade que nunca foi atingida pela ati-

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

vidade econômica em outras épocas dahistória. É por isso que o termo capitalis-mo, quando aplicado a outros períodoshistóricos, especificamente ao comérciofenício ou grego, só pode ter um sentidoanalógico, pois o que distingue o capital éa necessidade de realização da mais-va-lia, que só pode ser entendida como formade um domínio progressivo sobre a natu-reza. A atividade econômica anterior aocapitalismo desconheceu, de maneira ge-ral, a empresa, enquanto entidade de du-ração indefinida, preferivelmente perma-nente, cujamissão fundamental era realizara mais-valia e dessa forma prosseguir in-definidamente a dominação da naturezapelo homem através do reinvestimento edo aperfeiçoamento tecnológico ilimitado.

As atividades econômicas pré-capita-listas, ou anteriores ao sistema capitalista,satisfaziam-se com a realização de umadicional que deveria ser propriedade dosque haviam contribuído com o principal, eque poderiam utilizar como bem lhesaprouvesse. A idéia de empresa comogoing concern, cuja missão é reinvestir,crescer, desenvolver-se tecnologicamente eexpandir-se, avançando contra o pré-ca-pitalismo que a cerca, constitui marca in-discutível de sua racionalidade.

O fato de que a expansão é intrínseca aocapital e que esta só poderá ser feita namedida em que o capital for capaz demultiplicar-se, implica na necessidade debuscar a eficácia e os conseqüentes au-mentos de produtividade do sistema, sejado equipamento (bens de capital) ou damão-de-obra. É apenas pela realização deuma margem de lucro cada vez maior queserá possível assegurar um reinvestimentocrescente para consecução da expansão.

AS SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

O termo é imperdoavelmente genérico ecertamente exige uma explicação.Todavia,não é por acaso que as sociedades que sedesenvolveram economicamente foram asde cultura ocidental ou aquelas que ado-taram a cultura do ocidente. Por enquanto,o único exemplo de sociedade não oci-dental que teria logrado o desenvolvi-mento seria o Japão, e mesmo assim nãocreio que possamos ter como certo que oJapão não acabe por render-se aos padrõesocidentais, à medida que o seu enriqueci-

mento aumente. Somos tentados a afirmarque as áreas não desenvolvidas do oci-dente são exatamente as que, apesar deestarem inseridas geograficamente nomundo ocidental, se afastam em órbitasdiversas a partir dos valores centrais destacultura.

Portanto, não seria exagero afirmar queaté o momento o desenvolvimento econô-mico tem sido atributo das sociedadesocidentais, ou das que adotaram, de umaforma ou de outra, o quadro de referên-cias vigente no ocidente. A constatação re-cente de Robert Heilbronner de que após aRevolução Industrial os únicos países quelograram desenvolver-se foram os queadotaram o regime comunista", é umaprova irrefutável da ocidentalização destasculturas. Evidentemente o futuro poderáintroduzir modificações não previsíveis,como o de um marxismo altamentesinificado, como parece estar ocorrendocom o pensamento de Mao-Tse-Tung - oque seria um afastamento dos padrõesocidentais que constituem os fundamentosdo marxismo.

•••••••••••••••••••••••Se considerarmos que o

aparecimento de organizaçõesformais é a forma social maisadequada para a realização da

racionalidade, torna-se facilmenteinteligível porque as sociedades nãodesenvolvidas são as que padecemde maior fraqueza organizacional.

•••••••••••••••••••••••De maneira geral, as sociedades não

desenvolvidas, e por tal entenderíamos asque ainda não lograram uma renda real percapita razoável, são em geral não indus-trializadas, ou nelas a indústria desem-penha um papel secundário, enquantocomponente do Produto Interno, com opredomínio da agricultura em formastradicionais, tanto no que diz respeito àstécnicas de produção empregadas, comoà distribuição do espaço arável. Aqui aagricultura representa o modo tradicionalde vida, e faz parte do ethos que nela lan-ça profundamente suas raízes, a ponto dese poder falar em ethos urbano e ethos ru-ral para distinguir sociedades em que a

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3. HEILBRONNER, Robert.Commentary, abril de 1967.

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indústria ou a agricultura nas suas formastradicionais, determinam os valores dasociedade global. Estas sociedades nãopartilham das concepções do ocidente esuas "visões do mundo" são fatalmentediversas das vigentes no ocidente. Os seusvalores variam enormemente de regiãopara região emesmo de país para país, quequalquer tentativa de generalização in-correria forçosamente numa simplificaçãoperigosa e não respeitaria as peculiarida-des de cada cultura.

Todos os atributos da racionalidadedescritos anteriormente não são encontra-dos nestas culturas e, quando existe, são deorigem recente, introduzidos de váriasformas. Já se pretendeu demonstrar, que aindustrialização yode ser obra de váriostipos de elites. E interessante consultarsobre este ponto o livro de Kerr, Dunlop,Harbison eMyers, Industrialism and Indus-trial Man, onde o assunto é exposto comgrande precisão e de maneira bem orde-nada. Entretanto, não importa quem rea-lize a industrialização, uma elite militar,um grupo nacionalista fortemente imbuídode sentimentos xenóforos, uma minoria deintelectuais, ou uma classe marginalizadano sistema social vigente, como podem seros comerciantes em muitas sociedadesnão desenvolvidas de hoje, ou como o foia burguesia no contexto europeu moderno:importa é que qualquer que seja o gruporealizador da industrialização, ele estaráinovando, exatamente porque pretendeimpor à sua sociedade um quadro de va-lores e formulando objetivos estranhos aoque há de mais profundo em suas culturas,destoante da "visão do mundo" dos an-cestrais, e que em muito se aproxima daracionalidade inerente ao modo de pro-dução industrial ocidental. O fato de estaselites industrializadoras, para usar aprópria terminologia dos autores citados,terem sido profundamente marcadas poruma "experiência ocidental" constituidado suficiente para o ponto que estamosapresentando. Estas experiências seriamobserváveis no caso de membros da socie-dade que tiveram a oportunidade de rece-ber um treinamento formal em sistemasuniversitários europeus, no período do"colonialismo", como foi o caso de grandeparte dos atuais dirigentes hindus, oucomo hoje é o caso de grande parte demembros de ex-colônias, que ainda não

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dispõem de um sistema universitário ca-paz de formar mão-de-obra altamentequalificada, ou que simplesmente nãopossuem nenhum sistema universitário eque enviam parte de seus jovens para quese graduem nos Estados Unidos, na Euro-pa ou na União Soviética. Estes grupospoderão ou não vir a ocupar o núcleo depoder nestas sociedades, mas sempre aca-barão por ser inovadores na medida emque não poderão deixar de transmitir aosseus concidadãos as suas experiênciassignificativas. Estamos certos de que serãocommaior ou menor sucesso instrumentos"racionalizadores" de suas respectivas so-ciedades.

Se considerarmos que o aparecimentode organizações formais é a forma socialmais adequada para a realização daracionalidade, toma-se facilmente inteli-gível porque as sociedades não desenvol-vidas são as que padecem de maior fra-queza organizacional nos vários níveis,seja na sociedade civil e nas suas manifes-tações econômicas, seja a nível governa-mental. Daí, o paradoxo de que estas so-ciedades necessitam realizar um grandeesforço em direção à organização parapoder romper a estagnação e ao mesmotempo só poderem organizar-se na medidaem que adotarem um mínimo de racio-nalidade em seus comportamentos.

EXIG~NCIASORGANIZACIONAIS

A vida organizacional implica umagrande abstração, em conceitos gerais sóperceptíveis através de uma grande sofis-ticação de pensamento que são poucoencontradiços nas sociedades não desen-volvidas. As exigências da vida organiza-cional poderiam ser sumariadas nos se-guintes tópicos:

I - Subordinação do interesse indivi-dual ao interesse geral. Na verdade, nãoestamos afirmando o truímo de que o ho-mem é naturalmente organizado e que avida em organização constitui uma aspi-ração fundamental de sua natureza. Ateoria do homem "animal político" é in-gênua e não poderia ser repetida apóstantas e amargas experiências de conflitoentre interesses individuais e organi-zacionais. O choque entre valores e aspi-rações individuais e os objetivos formais de

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

uma organização já tem sido objeto de ex-celentes estudos e não nos deteremos maissobre o assunto. O comportamento nãoperfeitamente ajustado (deviant behaoior)pode assumir várias formas, e não existeuma adaptação perfeita entre objetivos in-dividuais e organizacionais, porém, mes-mo que se conceda uma margem relativa-mente elástica de tolerância, sempre seránecessário um certo conformismo indivi-dual aos padrões e objetivos da organiza-ção.

•••••••••••••••••••••••A crença de que é possível

modificar a realidade econômica esocial por obra legislativa é umafalácia de que muitas sociedades

ainda não conseguiram sedesvencilhar. Ainda encerra um

certo grau de "pensamento mágico"ao pressupor que a ordem jurídica"cria" uma realidade econômica,

política e social nova.

•••••••••••••••••••••••A esta altura torna-se inevitável que nos

adentremos no problema do indivíduo,enquanto membro de organizações for-mais. O assunto tem sido tratado por es-pecialistas americanos e europeus e cremosque algumas observações devem ser feitasquanto à sua aplicação a países não oci-dentais. Acreditamos que a lacuna entre ospadrões e referências para o comporta-mento individual ou os valores da organi-zação informal estão nas sociedades oci-dentais muito mais próximos dos objetivosde uma organização formal do que entreoutras sociedades. Não podemos deixar derelacionar a vida organizacional com umasociedade de massas, ou seja, onde o re-sultado da interação social já prepara oindivíduo para integrar-se nas organiza-ções formais. Hester Barnard, ao tratar dapossível contribuição dos fatores psicoló-gicos e sociais para a formação de sistemasde cooperação, conclui que o resultado dainteração de indivíduos é o dado funda-mental para que se chegue ou não a umsistema de cooperação', de onde cabe in-ferir que são as formas de socialização queocorrem a nível dos grupos primários -em grande parte responsáveis pela ten-

dência a uma integração eficiente do indi-víduo, enquanto membro de uma organi-zação formal. Tal forma de interação de-verá, inevitavelmente, moldar valores maisgerais do que particulares na personalida-de básica de uma comunidade e será umaforma de interação que oferecerá poucasoportunidades para o florescimento detendências individualistas.

A "debilidade organizacional" de socie-dades não ocidentais é em grande partedevida a uma ênfase excessiva dada ao in-divíduo e à tentativa de fazer prevalecer,no quadro de valores éticos, os princípiosda individualidade, onde o sucesso ou avalorização são dados em última instânciapor uma medida individual de sucesso.

Exemplificando nossa afirmação - deque a lacuna entre a sociedade com os seusrespectivos padrões e, conseqüentemente,os objetivos e valores da organização in-formal não se distanciaram fundamental-mente das metas da organização formalnas sociedades ocidentais - faríamos re-ferência ao célebre estudo de Max Webersobre o protestantismo e as origens do es-pírito capitalista em alguns países da Eu-ropa Ocidental e nos Estados Unidos. Alaicização do significado da vocação (caU,beruj), que se fez graças à ética protestantee dentre as várias seitas, particularmente ocalvinismo, foi responsável pela formaçãode uma "consciência verbal" que os pre-dispunha a uma certa neutralidade afetiva,a uma busca de realização de uma vocação,especialmente em termos profissionais e auma tentativa de trabalhar arduamente,sem expectativa de uma compensaçãoimediata, que em muito prepararam o ad-vento e o estabelecimento de objetivosorganizacionais, tais quais são definidospara as grandes organizações de tipo bu-rocrático que, posteriormente, surgiram.

A idéia de uma vocação (caU, beruj), emtermos weberianos, ou a existência de umpropósito organizacionalmente realizável,não é uma formulação encontradiça nassociedades não ocidentais, onde prevaleceo individualismo, o fatalismo ou uma in-diferença mística que conduz a um fata-lismo em muitas sociedades no tocante arealizações profissionais que levem a umatransformação da realidade exterior.

11 - Adesão a uma filosofia do conheci-mento que envolva o pragmatismo. Ou-

4. BARNARD, Chester. TheFunctions of the Executive. Oxford,Harvard Universily Press, 1936.

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5.MERTON, Rober1K.,SocialTheoryand Social Structure. Glencoe, TheFree Press, 1959, p. 196.

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tra exigência é a adesão a uma filosofia doconhecimento que envolva o pragmatismo.A concepção que as sociedades não oci-dentais possuem do conhecimento é emgrande parte de natureza puramenteespeculativa, onde o ato de conhecer é umfim em si mesmo e por si plenamente jus-tificável.

•••••••••••••••••••••••Numa sociedade como a brasileira,as organizações estão quase semprepermeadas de relações que têm suaorigem em relações familiares ou de

amizade. Ainda é grande ainsegurança que se apossa das

pessoas quando têm de estabelecerrelacionamento formal, onde as

relações de tipo simpático deixam deexistir, e o primado deve pertencer à

norma geral e abstrata.

•••••••••••••••••••••••A concepção pragmática do conheci-

mento envolve um relacionamento entresujeito e objeto de conhecimento que não sesatisfaz e não termina com a adequaçãoentre sujeito e objeto de conhecimento noato de conhecimento, mas prossiga indobuscar a validação na esfera da práxis.

O pragmatismo, enquanto posição re-ferente à teoria do conhecimento, deve serentendido como validação em função daação. Este foi o sentido dos moralistas in-gleses do século passado, particularmente[ohn Stuart Mill e Jeremy Bentham, queforam os responsáveis pela nova formula-ção sobre a finalidade e a validação do co-nhecimento em nossos dias.

A concepção pragmática será capaz dedespertar uma outra atitude intelectual pormeio da qual todos os esforços da inteli-gência convergiriam para um ideal derealização e de eficácia.

Ao pragmatismo aborrece a grandeconstrução sistemática, feita exclusiva-mente em nome da coerência e do for-malismo lógico, se tal sistematização não seprestar a uma aplicação concreta tendentea modificar a realidade exterior. O desen-volvimento tecnológico que assume di-mensões cada vez mais assombrosas tem

sido em grande parte o resultado de umavisão pragmática do processo de conheci-mento e no abandono da distinção entreteoria e prática, ou entre ciência pura eaplicada para a elaboração de uma sínteseem que a teorização é vista como parteinseparável de um único processo que é ode modificação da realidade.

As grandes construções verbais que setraduzem nos códigos de uma legislaçãopositiva constituem uma das formas quepode assumir a elaboração intelectualnuma cultura em que o pragmatismo ain-da não penetrou. A paixão da casuísticaque conduz à jurisprudência é uma destasmanifestações. A crença de que é possívelmodificar a realidade econômica e socialpor obra legislativa é uma falácia de quemuitas sociedades ainda não conseguiramse desvencilhar. Ainda encerra um certograu de "pensamento mágico" ao pressu-por que a ordem jurídica "cria" uma rea-lidade econômica, política e social nova.

III - Neutralidade afetiva. A vida orga-nizacional pressupõe a adoção de modosde comportamento fundamentados na"neutralidade afetiva". A hierarquização,a designação de pessoas para o cumpri-mento de determinadas tarefas, a estabili-dade inevitavelmente associada ao ocu-pante do cargo, o relacionamento daspessoas em função de suas posições e dastarefas que devem cumprir fazem com quea organização de tipo formal obrigue osseus membros a não levarem em conta o"amor" ou o "ódio", enquanto móvel desuas ações. O relacionamento puramenteafetivo transforma-se quase inevitavel-mente numa fonte de ineficácia organiza-cional, pois que permite a introdução dedistorções, tais como a quebra de objetivi-dade nos procedimentos administrativosabrindo campo para práticas igualmentepatológicas do ponto de vista organizacio-nal, como o "favoritismo" ou a "discrimi-nação". "A estrutura (burocrática) se aproxi-mará da eliminação completa das relações pes-soais e das considerações não racionais (hosti-lidade, ansiedade, envolvimentos afetivos, etc.rs

Tal formulação encontraria restriçõesem nossos dias em trabalho levado a cabopor David McClelland em seu livro TheAchieving Society onde são buscadas ascomponentes psico-sociológicas do de-senvolvimento econômico, McClelland

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

estuda as condições culturais de uma so-ciedade no período imediatamente ante-rior àquele em que tem lugar um grandesurto de atividade econômica, com o con-seqüente crescimento da riqueza da co-munidade. O que se verificou é que oachievement levei de uma sociedade não estárelacionado obrigatoriamente com condi-ções em que tenda a existir uma certaneutralidade afetiva, que se faz sentir par-ticularmente nos métodos educacionais.Como exemplo, o autor em questão refere-se às práticas educacionais adotadas porfamílias protestantes, calvinistas e meto-distas entre outras, com relação ao desen-volvimento de um senso de independênciada criança. As mães protestantes, pelomenos nos Estados Unidos, tendem a fazercom que seus filhos cuidem de si próprioso mais cedo possível, preparando-os paraenfrentar por si só as dificuldades que lhesaparecerem. Um tal procedimento implicaem preparar a criança para "deixar o lar"e "desligar-se dos pais" quando chegaremà idade adulta. A prática adotada por mãescatólicas, via de regra imigrantes - poisnos Estados Unidos o catolicismo foi umareligião trazida por alguns grupos de imi-grantes - era a oposta, ou seja, a mãe ten-dia a prolongar em demasia suas atençõespara com os filhos, retardando mesmo oprocesso de objetivação da criança, criandoemantendo vinculações afetivas que não apreparavam para a autonomia e para o"abandono dos pais". Estas duas atitudeseducacionais, ou melhor, estas duas formasde relacionamento entre pais e filhos de-veriam levar a um maior achievement leveientre os protestantes e a outro sensivel-mente menor entre osmembros de famíliascatólicas.

Tal formulação seria a confirmação datese weberiana, posteriormente desenvol-vida por Winterbottom, segundo a qualascetismo, austeridade e neutralidadeafetiva conduziriam à criação de uma ati-tude que se manifestaria no impulso parao comportamento racional e para o acú-mulo de riqueza. Em conclusão nos repor-taríamos a McClelland que afirma ser /I odesenvolvimento de autocontrole nos primeirosanos de vida um elemento promotor do elevadodesempenho (high and achieoemeni), uma vezque não seja o reflexo da coação, autoritarismoou 'rejeição' por parte dos pais","

É conveniente observar que McClelland

não se refere ao conteúdo doutrinário oudogmático das duas religiões em questão,mas simplesmente a dois tipos de práticasencontradas. Nem acreditamos seja possí-vel relacionar de maneira inequívoca aexistência de dois tipos fundamentalmen-te diversos de relacionamento com a prá-tica de uma determinada religião. Nadanos impede de aventar a hipótese de quenos encontramos diante de fatos acidentaissem conexão causal obrigatória. De qual-quer forma nos utilizamos dos exemplosem questão porque acreditamos que fos-sem ilustrativos para o que estamos abor-dando.

•••••••••••••••••••••••A capacidade de organizar-seestá diretamente relacionada

com a capacidade e apossibilidade de

comunicação. A palavra escritaé de importância fundamentalna vida de todas as formas deorganização, particularmente

das organizações formais.

•••••••••••••••••••••••Estamos atentos ao fato de que ao insis-

tirmos na relativa "neutralidade afetiva"como exigência organizacional estamosnos atendo ao modelo weberiano de efici-ência, e não ignoramos as críticas que aformulação tem merecido ao longo dasduas últimas décadas. Nossa afirmaçãomanteve-se apenas atenta ao fato de que astarefas organizacionais tendem hoje em diasempre em direção às grandes organiza-ções e nestas é impossível fugir ao tipo"burocrático" de administração. Nãoacreditamos que sejam válidas as análisessobre disfunções, uma vez que estas sópodem ser válidas a partir de uma experi-ência burocrática suficientemente longa, oque via de regra não ocorre em países ondeas organizações ainda constituem ele-mentos recém-chegados ao quadro insti-tucional.

Numa sociedade como a brasileira, asorganizações estão quase sempre permea-das de relações que têm sua origem emrelações familiares ou de amizade. Aindaé grande a insegurança que se apossa das

6. McCLELLAND, David. TheAchieving Society. Princeton,D.vanNostrana Company, Inc., 1961, p.345.

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7. STINCHCOMBE, Arthur L. "So-cial Slructure and Organizalions".ln:MARCH, James E. (org.) Handbookof Organizations. Chicago, RandMcNally and Co., 1965, pp. 150-3.

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pessoas quando têm de estabelecer relacio-namento formal, onde as relações de tiposimpático deixam de existir, e o primadodeve pertencer à norma geral e abstrata.Um sentimento de desconforto e desconfi-ança permeia a realização de negócios comestranhos, ou a outorga de posições queenvolvam poder de tomar decisões a pes-soas que não pertençam ao círculo dos pa-rentes, ou, quando muito, dos amigos. Aschamadas "oligarquias" que ocupam po-sições-chave simultaneamente no comér-cio, na indústria, nos meios bancários e emúltima instância no próprio governo sãovia de regra, oligarquias de relacionamen-to familiar ou de amizade, sempre funda-mentadas em relações de tipo simpáticoentre um chefe e seus subordinados e quedeixam de lado a competência profissionalformalmente comprovada ou o processode avaliação de mérito. A ocupação deposições-chave na administração pública ede grupos de empresas privadas por ho-mens que se relacionam a um determina-do chefe, numa base puramente pessoal, éum evento corrente e aceito sem ques-tionamento pela sociedade como um todo.

•••••••••••••••••••••••Numa formulação quase silogística,

Etzioni afirma que a eficácia e aprópria existência das organizações

formais só são possíveis numasociedade que tenha atingido as

características de racionalidade e deobjetivação sob forma da ação.

•••••••••••••••••••••••IV - Objetivação sob forma de ação or-

ganizada. Em último lugar, faríamos refe-rência ao fato de que a vida organizacionalimplica o desenvolvimento de objetivaçãosob forma de ação organizada, o que deixade ocorrer com freqüência em sociedadesnão ocidentais. Na verdade, a capacidadede objetivação sob forma organizada deação constitui um corolário de uma atitudede sociedade de massa onde se crê que oesforço grupal é superior em eficácia aoesforço individual, não por motivos que seestabeleceram previamente a partir depostulados e axiomas, mas simplesmenteporque a prática e a experiência bem-su-

cedidas acabaram por demonstrá-lo. A ca-pacidade de objetivação sob forma de açãoorganizada elimina em grande parte o"mito do herói", uma vez que as grandesrealizações deixam de ser creditadas a umúnico indivíduo, para se tornarem acervoda comunidade. A partir de um certo nívelde complexidade organizacional a açãoorganizada passa a ser uma necessidde enão é mais possível abandoná-la. Todavia,o progresso maior ou menor no caminhode organizações formais dependerá emgrande parte do processo de socialização edo que esse venha gerar nos componentesda sociedade.

Numa universidade contemporânea nãoseria mais possível repetir o episódio do"doutor medieval" ou do "sábio helênico",pois que o próprio desenvolvimento dacultura não mais permite o enciclopedismoe o trabalho universitário será fatalmente oresultado de uma ação organizada. Omesmo poderia ser dito de uma oficinaartesanal e de uma indústria de certo por-te. A oficina comportará o "artesão cria-dor". A moderna indústria só criará atra-vés de suas equipes de especialistas e pes-quisadores, agrupados no departamentode Pesquisa e Desenvolvimento .

CONCLUSÕESAlgumas observações de cunho socio-

lógico permitiriam verificar que certascondições são essenciais para aumentar oudiminuir a capacidade de organizar-se deuma determinada comunidade. Assim éque as organizações formais, que consti-tuíram o nosso objeto de especulação,porque são a melhor expressão alcançadada racionalidade, resultam de um proces-so evolutivo que tem suas raízes numaconstelação social maior que são as orga-nizações informais, dentre as quais avultacom especial importância os grupos pri-mários. Vários fatores afetam a capacidadede organização, lato senso, de uma comu-nidade, e com mais intensidade ainda acapacidade de se criarem organizaçõesformais. Dentre eles cumpre relacionar: onível de alfabetização, a urbanização, aexistência de uma economia monetária, aexistência ou não de revoluções políticas ea própria densidade da vida social,"

Não acreditamos que seja necessárioestendermo-nos muito sobre a alfabetiza-

TEORIA DA ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

ção. A capacidade de organizar-se está di-retamente relacionada com a capacidade ea possibilidade de comunicação. A palavraescrita é de importância fundamental navida de todas as formas de organização,particularmente das organizações formais.Todo grupo tem as suas tradições, e estasconstituem parte integrante do grupo, esem as tradições não há possibilidade decontinuidade social. A organização formalpossui uma tradição que se registra sobforma escrita e são os seus arquivos ou suamemória. Esta pressupõe a palavra escrita,e constitui o elemento fundamental para opróprio processo decisório que é vital paraa sobrevivência da organização formal.

A capacidade de uma determinada co-munidade organizar-se dependerá damaior ou menor facilidade de que dispo-nha para poder comunicar-se e a palavraescrita, quando as organizações têm derecobrir grandes espaços geográficos, é oúnico meio possível de comunicação. Alémdo mais, a alfabetização terá influênciadecisiva para aumentar a densidade davida social de uma comunidade.

A urbanização é de particular impor-tância para o aparecimento de organiza-ções formais, na medida em que a própriacidade constitui uma organização formal,nitidamente diversa da comunidade rural.O nosso quadro de referências aplica-se àcidade ocidental, que se originou na IdadeMédia, enquanto oposição à "visão domundo" e às relações de tipo místico esimpático vigentes na comunidade rural.As organizações formais tenderão a apa-recer mais em sociedades em que há umpredomínio do ethos urbano sobre o rural.

As revoluções políticas ou a sua ausên-cia e a natureza dessas revoluções poderãodesempenhar papel de importância noaparecimento de organizações formais.Um caso clássico é o aparecimento no Mé-xico do PRI (Partido RevolucionárioInstitucional), como partido único que seimplantou após a revolução. Ainda seriainteressante citar o aparecimento de váriasorganizações formais na União Soviéticaapós a revolução, e como conseqüênciadireta da mesma. Dentre elas sobressai emimportância o próprio Partido Comunistada União Soviética, mas não é menos ex-pressivo o aparecimento de todo um apa-rato burocrático, que vai desde os váriosministérios até as unidades produtoras que

são as empresas, que indiscutivelmentenão teriam sido possíveis sem a revolução.

Acreditamos não cair no truísmo se aofinal apontássemos a própria densidade davida social como outro fator a condicionaro aparecimento de organizações formais. Atautologia seria excusável na medida emque se reconheça que a melhor forma deaprender a organizar-se é organizando-se.A melhor medida do aprendizado é umasucessão de experiências numerosas, nãoimportando se bem ou malsucedidas. Namedida em que se admita que o processode aprendizado, tanto no plano indivi-dual como no social, é uma seqüência de"erros e acertos", a nossa afirmação pode-rá ser sustentada.

No que diz respeito à formação de or-ganizações formais que funcionem comeficácia em países não ocidentais, o que emnosso vocabulário significa subdesenvol-vidos, os autores só apenas recentementecomeçaram a se ocupar da questão. Apreocupação surge mais com Etzioni e osestruturalistas, na medida em que tratamde ver as organizações formais como parteda sociedade total. As afirmações deAmitai Etzioni no seu Modern Organ-izations são tão breves quanto desen-corajadoras." Numa formulação quasesilogística, afirma que a eficácia e a própriaexistência das organizações formais só sãopossíveis numa sociedade que tenha atin-gido as características de racionalidade ede objetivação sob forma da ação. Ora taisatributos só são inteligíveis a partir do ethosocidental, de onde se conclui que as socie-dades não ocidentais não poderão organi-zar-se formalmente e se o fizerem cairãofatalmente na ineficácia, pois o ethos nãoocidental condicionará inevitavelmentetais tipos de resultados.

Acreditamos que a "formulação da de-sesperança" mesmo que perfeitamente ló-gica e bem fundamentada não deve sedu-zir os que pretendem mudar e agir. Basi-camente, encontraríamos duas maneiraspara introduzir a racionalidade na açãoorganizada de sociedades não ocidentais.Em ambas as formas alguém ou algunsdeverão fatalmente desempenhar o papelde demiurgos da razão. Uma via seria a darevolução política, com o pressuposto deque o grupo que viesse ocupar o poder sepropusesse realizar a racionalidade social,mesmo se utilizando da violência se ne-

8. ETZIONI, Amitai, ModemOrganízatíons. Englewood Cliffs,PrenticeHall, 1965,p. 114.

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cessário ao longo do processo. Éo caminhoradical, na medida em que um grupo ad-judica-se o direito de investir contra opróprio ethos de um grupo. Uma segundaalternativa seria a crença na mudançagradativa sem a utilização sistemática daviolência, e sem que uma revolução políti-ca forçosamente ocorresse. A partir daquipoderíamos tentar delinear quais os agen-tes de mudança (demiurgos) encontradiçosnuma sociedade pluralista, que é a exis-tente na maioria dos países. Conquantoseja necessário reconhecer que numa de-terminada nação ou comunidade um gru-po pode ter mais importância que os de-mais, ou melhor dizendo, que alguns gru-pos poderão ter mais influência que os de-mais, será sempre forçoso reconhecervários grupos atuantes, com interessepossivelmente conflitantes, mas igual-mente interessados em atuar socialmente.

•••••••••••••••••••••••Um elemento de grandeimportância no processo

competitivo e que opera a favor daorganização "estrangeira" oumultinacional é a sua maior

capacidade administrativa, pois queé dotada de maior racionalidade, o

que resulta em maior eficácia.

•••••••••••••••••••••••Antes de nos referirmos especificamen-

te aos agentes de mudança, seria conveni-ente observar que antes de mais nada ne-cessitamos grandemente de melhores es-tudos e reflexões sobre o problema dasorganizações formais em sociedades nãoocidentais. Até o momento continuamos arepetir, quando se trata de interpretarnossas patologias organizacionais e nossaineficácia coletiva, modelos explicativosweberianos, que no fundo se reduzem aoestudo weberiano das formas de domina-ção. O grande inconveniente é que tantodiscípulos como mestres acabam por con-ceder vida e existência a modelos puros,passando a encontrá-los na própria socie-dade em que estão inseridos. Nossas or-ganizações formais fatalmente refletirão aspeculiaridades de nossas culturas e o afas-tamento de um padrão ocidental não sig-nifica obrigatoriamente algo a ser encara-

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do como definitivamente patológico edeviant. Nossas observações e comentáriosa respeito de nossas organizações limitam-se a compará-las a um modelo europeu ounorte-americano e concluir pela ineficácia,perpetuando o histórico posicionamentoprovíncia-metrópole.

Os principais agentes de mudança sãoorganizações formais oriundas de socie-dades ocidentais que se estabelecem numpaís não ocidental. Nesse sentido as em-presas estrangeiras ou multinacionaisconstituem um agente de mudança namedida em que forçam as organizaçõesnacionais não ocidentais à adoção de umaracionalidade maior a fim de poder en-frentar a competição. Freqüentemente setem descrito o embate entre empresas"nacionais" e "estrangeiras" em termos de"imperialismo", onde o arrivista tenta portodos os meios a extinção ou absorção daorganização nacional existente. Sem nosdetermos sobre a questão, gostaríamos delembrar que um elemento de grande im-portância no processo competitivo e queopera a favor da organização "estrangeira"ou multinacional é a sua maior capacidadeadministrativa, pois que é dotada de maiorracionalidade, o que resulta em maior efi-cácia. Sob esse ponto de vista, sua açãopode ser vista como sendo estimulantepara as organizações nacionais que sevêem obrigadas a incorporar aos seus pa-drões organizacionais uma racionalidademaior.

Outro agente de mudança pode serconstituído pelo processo educacional namedida em que ele se decidir pela modifi-cação dos valores tradicionais de uma so-ciedade e que principie a introdução devalores próprios de uma sociedade voltadapara a racionalidade e para a objetivaçãosob forma de ação organizada.

Finalmente, somos levados a reconhecerque o processo de introdução de maioreficácia nas organizações formais existen-tes numa sociedade não ocidental, e acriação de novas organizações formais quenão partilhem dos mesmos vícios de com-portamento vigentes nas mais antigas se-rão inevitavelmente um processo demo-rado e trabalhoso, na medida em que mu-danças substanciais deverão ocorrer naprópria cultura, pois é na sociedade maiorque encontramos as raízes para uma açãoorganizada eficaz e racional. O