teoria da firma: comportamento dos administradores, custos de agÊncia e estrutura de propriedade

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ABR./JUN. 2008 RAE 87 RAE-CLÁSSICOS • TEORIA DA FIRMA: COMPORTAMENTO DOS ADMINISTRADORES, CUSTOS DE AGÊNCIA E ESTRUTURA DE PROPRIEDADE TEORIA DA FIRMA: COMPORTAMENTO DOS ADMINISTRADORES, CUSTOS DE AGÊNCIA E ESTRUTURA DE PROPRIEDADE RESUMO Este artigo integra elementos da teoria da agência, da teoria dos direitos de propriedade e da teoria das finanças para desenvolver uma teoria da estrutura de propriedade da firma. Definimos o conceito de custos de agência, demonstramos a sua relação com a questão da “separação e controle”, investigamos a natureza dos custos de agência resultantes da presença de capital de terceiros e capital próprio externo, demonstramos quem arca com esses custos e por quê, e investigamos o ótimo de Pareto para a sua exis- tência. Também fornecemos uma definição de firma e mostramos como a nossa análise dos fatores que influenciam a criação e a emissão de capital de terceiros e os direitos sobre o capital próprio cobre um caso especial do lado da oferta no que se refere à totalidade do problema dos mercados. Michael C. Jensen HBS William H. Meckling (in memoriam) ABSTRACT This paper integrates elements from the theory of agency, the theory of property rights and the theory of finance to develop a theory of the ownership structure of the firm. We define the concept of agency costs, show its relationship to the “separation and control” issue, investigate the nature of the agency costs generated by the existence of debt and outside equity, demonstrate who bears these costs and why, and investigate the Pareto optimality of their existence. We also provide a new definition of the firm, and show how our analysis of the factors influencing the creation and issuance of debt and equity claims is a special case of the supply side of the completeness of markets problem. PALAVRAS-CHAVE Teoria da agência, custos de agência, estrutura de propriedade, estrutura de capital, direitos de propriedade. KEYWORDS Agency theory, agency costs, ownership structure, equity, property rights.

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  • ABR./JUN. 2008 RAE 87

    RAE-CLSSICOS TEORIA DA FIRMA: COMPORTAMENTO DOS ADMINISTRADORES, CUSTOS DE AGNCIA E ESTRUTURA DE PROPRIEDADE

    TEORIA DA FIRMA: COMPORTAMENTO DOS ADMINISTRADORES, CUSTOS DE AGNCIA E ESTRUTURA DE PROPRIEDADE

    RESUMO

    Este artigo integra elementos da teoria da agncia, da teoria dos direitos de propriedade e da teoria das fi nanas para desenvolver uma teoria da estrutura de propriedade da fi rma. Defi nimos o conceito de custos de agncia, demonstramos a sua relao com a questo da separao e controle, investigamos a natureza dos custos de agncia resultantes da presena de capital de terceiros e capital prprio externo, demonstramos quem arca com esses custos e por qu, e investigamos o timo de Pareto para a sua exis-tncia. Tambm fornecemos uma defi nio de fi rma e mostramos como a nossa anlise dos fatores que infl uenciam a criao e a emisso de capital de terceiros e os direitos sobre o capital prprio cobre um caso especial do lado da oferta no que se refere totalidade do problema dos mercados.

    Michael C. Jensen HBS

    William H. Meckling(in memoriam)

    ABSTRACT This paper integrates elements from the theory of agency, the theory of property rights and the theory of fi nance to develop a theory of the ownership structure of the fi rm. We defi ne the concept of agency costs, show its relationship to the separation and control issue, investigate

    the nature of the agency costs generated by the existence of debt and outside equity, demon strate who bears these costs and why, and investigate

    the Pareto optimality of their existence. We also provide a new defi nition of the fi rm, and show how our analysis of the factors in fl uencing the

    creation and issuance of debt and equity claims is a special case of the supply side of the completeness of markets problem.

    PALAVRAS-CHAVE Teoria da agncia, custos de agncia, estrutura de propriedade, estrutura de capital, direitos de propriedade.KEYWORDS Agency theory, agency costs, ownership structure, equity, property rights.

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    sobre o capital prprio;5. por que aes preferenciais seriam emitidas;6. por que relatrios contbeis seriam fornecidos volunta-

    riamente aos credores e acionistas e por que auditores independentes seriam envolvidos pela administrao para verifi car a preciso e a exatido desses relat-rios;

    7. por que os credores costumam impor restries s atividades das fi rmas a quem concedem emprstimos e por que as prprias fi rmas so levadas a sugerir a imposio de restries como essas;

    8. por que algumas indstrias so formadas por fi rmas operadas pelo proprietrio cuja nica fonte externa de capital consiste em emprstimos;

    9. por que indstrias altamente regulamentadas, como companhias de servios pblicos ou bancos, apresen-taro razo entre capital de terceiros e capital prprio para nveis equivalentes de risco do que uma empresa no regulamentada comum;

    10. por que as anlises de ttulos podem ser socialmente produtivas mesmo se no aumentarem os retornos do portflio aos investidores.

    Teoria da fi rma: uma caixa vazia?Apesar de a literatura sobre a cincia da economia estar repleta de referncias teoria da fi rma, o material geral-mente includo nessa classifi cao no consiste em uma teoria da fi rma, mas, na verdade, em uma teoria dos mer-cados nos quais as fi rmas so importantes participantes: a fi rma uma caixa preta manipulada de forma a atender s condies marginais relevantes no que diz respeito a inputs e outputs, maximizando, desta forma, os lucros, ou, mais precisamente, o valor presente. Com a exceo de algumas poucas tentativas recentes, contudo, no temos uma teoria que explique como os objetivos confl itantes dos participantes individuais atingem o equilbrio de for-ma a gerar esse resultado. As limitaes dessa abordagem de caixa preta para a fi rma j foram citadas por Adam Smith e Alfred Marshall, entre outros. Mais recentemente, debates populares e profi ssionais referentes responsa-bilidade social das empresas, a separao entre posse e controle e as precipitadas revises da literatura sobre a teoria da fi rma tm evidenciado um interesse contnuo por essas questes.2

    Vrias importantes tentativas foram feitas nos ltimos anos para desenvolver uma teoria da fi rma por meio da substituio de outros modelos pela maximizao de va-lor ou lucro; cada uma dessas tentativas foi motivada por uma convico de que a ltima tentativa inadequada para explicar o comportamento dos administradores de

    Contudo, no se pode esperar que os membros do con-selho dessas empresas (de sociedade annima por aes), por serem os administradores do dinheiro alheio e no do prprio dinheiro, o protejam com a mesma vigilncia atenta que os scios de uma empresa privada costumam dedicar ao prprio dinheiro. Como os capatazes de um homem rico, eles tendem a se envolver em detalhes no necessariamente visando a honra de seus senhores, e muito facilmente concedem a si mesmos permisso para tanto. A negligncia e a profuso, portanto, devem sem-pre prevalecer, em maior ou menor grau, na administra-o dos negcios de uma empresa como essa (SMITH, 1776, p. 700).

    INTRODUO

    Motivao do artigoNeste artigo, recorremos aos recentes desenvolvimentos da teoria (1) dos direitos de propriedade, (2) da agncia e (3) das fi nanas para desenvolver uma teoria da estrutura de propriedade1 da fi rma. Alm de relacionar elementos da teoria de cada uma dessas trs reas, a nossa anlise lana uma nova luz e conduz a implicaes para uma srie de questes abordadas pela literatura profi ssional e popular, como a defi nio da fi rma, a separao entre posse e con-trole, a responsabilidade social do negcio, a defi nio de uma funo objetiva corporativa, a identifi cao de uma estrutura de capital tima, a especifi cao do conte-do dos acordos de crdito, a teoria das organizaes e o lado da oferta no que se refere totalidade do problema dos mercados.

    A nossa teoria ajuda a explicar:1. por que um empresrio ou um administrador de uma

    fi rma com uma estrutura fi nanceira mista (incluindo os direitos tanto sobre o capital prprio quanto sobre o capital de terceiros) optar por um conjunto de ativida-des para a fi rma de forma que o valor total da fi rma seja menor que o valor possvel se eles fossem seus nicos proprietrios e por que esse resultado independe de a fi rma operar em mercados monopolistas ou competi-tivos de fatores ou de produtos;

    2. por que o seu fracasso em maximizar o valor da fi rma perfeitamente consistente com a efi cincia;

    3. por que a venda das aes ordinrias uma fonte vivel de capital, apesar de os administradores literalmente no maximizarem o valor da empresa;

    4. por que j se contava com o capital de terceiros como uma fonte de capital antes de o fi nanciamento por capital de terceiros oferecer qualquer vantagem fi scal

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    grandes empresas.3 Algumas dessas tentativas de reformu-lao rejeitam o princpio fundamental do comportamento maximizador alm de rejeitaram o modelo mais especfi co da maximizao de lucros. Continuamos a empregar a no-o do comportamento maximizador por parte de todos os indivduos na anlise que se segue.4

    Direitos de propriedadeUma srie independente de pesquisas com importan-tes implicaes para a teoria da fi rma foi impulsionada pelo trabalho pioneiro de Coase e ampliada por Alchian, Demsetz e outros.5 Furubotn e Pejovich (1972) apresen-tam um amplo levantamento dessa literatura. Apesar de o foco dessa pesquisa ter sido sobre os direitos de proprie-dade,6 o contedo englobado muito mais abrangente do que o termo sugere. O que nos interessa para os pro-blemas abordados neste artigo que a especifi cao dos direitos individuais defi ne como os custos e as recompen-sas sero distribudos entre os participantes em qualquer organizao. Pelo fato de a determinao dos direitos ser, em geral, afetada pelos contratos fi rmados (tanto os im-plcitos quanto os explcitos), o comportamento indivi-dual nas organizaes, incluindo o comportamento dos administradores, depender da natureza desses contratos. Neste artigo, nos concentraremos nas implicaes com-portamentais dos direitos de propriedade especifi cados nos contratos fi rmados entre os proprietrios e os admi-nistradores da fi rma.

    Custos de agnciaMuitos problemas associados inadequao da teoria atu-al da fi rma tambm podem ser levados em considerao como casos especiais das relaes da teoria da agncia sobre as quais h uma crescente literatura.7 Essa literatu-ra tem sido desenvolvida independentemente dos textos sobre os direitos de propriedade, apesar de as questes de interesse serem similares; as abordagens so, na verdade, altamente complementares.

    Defi nimos uma relao de agncia como um contrato sob o qual uma ou mais pessoas (o(s) principal(is)) em-prega uma outra pessoa (agente) para executar em seu nome um servio que implique a delegao de algum poder de deciso ao agente. Se ambas as partes da rela-o forem maximizadoras de utilidade, h boas razes para acreditar que o agente nem sempre agir de acordo com os interesses do principal. O principal pode limitar as divergncias referentes aos seus interesses por meio da aplicao de incentivos adequados para o agente e incor-rendo em custos de monitoramento visando a limitar as atividades irregulares do agente. Alm disso, em algumas

    situaes, o principal pagar ao agente para despender recursos (custos de concesso de garantias contratuais) visando a assegurar que o agente no promover certas aes que prejudicariam o principal ou para assegurar que o principal ser recompensado se o agente promover essas aes. Contudo, em geral impossvel para o principal ou o agente manter a relao de agncia a um custo zero para assegurar que o agente tomar decises de nvel timo do ponto de vista do principal. Na maioria das relaes de agncia, o principal e o agente incorrero em custos positivos de monitoramento e de concesso de garantias contratuais (tanto no pecunirios quanto pecunirios) e, alm disso, haver algum nvel de divergncia entre as decises do agente8 e as decises que maximizariam o bem-estar do principal. O equivalente monetrio da redu-o do bem-estar vivenciada pelo principal devido a essa divergncia tambm representa um custo da relao de agncia e nos referimos a este ltimo custo como custo residual. Defi nimos custos de agncia como a soma:(1) das despesas de monitoramento por parte do princi-

    pal;9

    (2) das despesas com a concesso de garantias contratuais por parte do agente;

    (3) e do custo residual.

    Observe tambm que os custos de agncia surgem em qualquer situao que envolva esforo cooperativo (tal qual a co-autoria do presente artigo) por parte de duas ou mais pessoas, mesmo se no houver uma relao principal-agente claramente defi nida. Visto dessa forma, fi ca claro que a nossa defi nio de custos de agncia e de sua im-portncia para a teoria da fi rma implica em uma estreita proximidade com o problema da negligncia e do moni-toramento da produo da equipe, levantado por Alchian e Demsetz (1972) em seu estudo da teoria da fi rma.

    Pelo fato de a relao entre os acionistas e o adminis-trador de uma empresa se encaixar na defi nio de uma relao pura de agncia, no deveria ser uma surpresa descobrir que as questes associadas separao entre posse e controle na empresa moderna de posse pulve-rizada so intimamente associadas ao problema geral da agncia. Demonstramos abaixo que uma explicao do porqu e de como os custos de agncia so gerados pela forma corporativa leva a uma teoria da estrutura de pro-priedade (ou de capital) da fi rma.

    Antes de prosseguirmos, contudo, vale notar a gene-ralidade do problema de agncia. O problema de induzir um agente a se comportar como se ele estivesse maxi-mizando o bem-estar do principal relativamente geral. Ele se faz presente em todas as organizaes e em todos os

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    esforos cooperativos em qualquer nvel da administra-o das fi rmas,10 em universidades, em empresas mistas (de sociedade annima e cooperativa), em cooperativas, em rgos pblicos, em sindicatos e em relaes normal-mente classifi cadas como relaes de agncia, como nas artes cnicas e no mercado imobilirio. A elaborao de teorias para explicar as formas que os custos de agncia assumem em cada uma dessas situaes (nas quais as re-laes contratuais diferem signifi cativamente) e como e por que eles so gerados levar a uma importante teoria das organizaes, hoje inexistente no estudo da econo-mia e das cincias sociais em geral. Restringimos a nossa ateno neste artigo a apenas uma pequena parcela desse problema geral a anlise dos custos de agncia gerados pelos acordos contratuais entre o proprietrio e a alta ad-ministrao da empresa.

    A nossa abordagem ao problema do agncia difere fundamentalmente da maior parte da literatura existente. Essa literatura se concentra quase que exclusivamente nos aspectos normativos da relao de agncia; isto , como estruturar a relao contratual (incluindo incen-tivos de remunerao) entre o principal e o agente para proporcionar os incentivos apropriados visando a induzir o agente a fazer escolhas que maximizaro o bem-estar do principal, considerando a existncia de incerteza e monitoramento imperfeito. Concentramos-nos quase ex-clusivamente nos aspectos positivos da teoria. Em outras palavras, presumimos que esses problemas normativos so solucionados pelos indivduos e, considerando que apenas aes e obrigaes podem ser emitidas na forma de direitos, investigamos os incentivos de cada uma das partes e os elementos envolvidos no estabelecimento do equilbrio contratual que caracteriza a relao entre o administrador (i.e., o agente) da fi rma e os detentores do capital prprio externo e do capital de terceiros (i.e., os principais).

    Alguns comentrios gerais sobre a defi nio da fi rmaRonald Coase (1937), em seu artigo seminal sobre a na-tureza da fi rma The Nature of the Firm , observou que a cincia da economia no possui uma teoria positiva para determinar os vnculos contratuais da fi rma. Ele ca-racterizou os vnculos contratuais da fi rma como a faixa de trocas nas quais o sistema de mercado foi suprimido e a alocao de recursos foi realizada em oposio a me-canismos de autoridade e controle. Ele se concentrou no custo de utilizar os mercados para efetivar os contratos e as trocas e argumentou que as atividades seriam includas na fi rma sempre que os custos de utilizao dos mercados

    fossem maiores que os custos da utilizao da autoridade direta. Alchian e Demsetz (1972) discordaram da noo de que as atividades na fi rma so governadas pela autoridade e enfatizaram, corretamente, o papel dos contratos como um veculo de trocas voluntrias. Eles enfatizaram o papel do monitoramento em situaes nas quais h um input coletivo ou uma produo em equipe.11 Simpatizamos com a importncia que eles atribuem ao monitoramento, mas acreditamos que a nfase dispensada por Alchian-Demsetz ao insumo e produo em conjunto deveras estreita e, em conseqncia, enganosa. As relaes contratuais com-pem a essncia da fi rma, no somente com os empregados mas tambm com fornecedores, clientes, credores etc. O problema dos custos de agncia e do monitoramento existe para todos esses contratos, independentemente de haver uma produo coletiva no sentido utilizado por Alchian-Demsetz; i.e., a produo coletiva s pode explicar uma pequena parcela do comportamento dos indivduos asso-ciados a uma fi rma. A anlise detalhada dessas questes ser reservada para um outro artigo.

    importante reconhecer que a maioria das organi-zaes no passa de fices legais12 que servem como um ponto de conexo para um conjunto de relaes contratuais entre indivduos. Isso inclui empresas, instituies sem fi ns lucrativos como universidades, hospitais e fundaes, organizaes mistas (de sociedade annima e cooperati-va), alguns clubes privados e at mesmo rgos pblicos como cidades, estados e o governo federal, empreendi-mentos pblicos como os correios, departamentos de trnsito etc.

    A empresa privada, ou fi rma, simplesmente uma for-ma de fico legal que serve como um ponto de conexo para relaes contratuais e que tambm se caracteriza pela exis-tncia de direitos residuais divisveis dos ativos e fluxos de caixa da organizao, que em geral podem ser vendidos sem a permisso dos outros participantes do contrato. Apesar de essa defi nio da fi rma apresentar pouco contedo tangvel, a nfase na natureza essencialmente contratual das fi rmas e de outras organizaes direciona a ateno a algumas questes fundamentais por que determinados conjuntos de relaes contratuais surgem para vrios ti-pos de organizaes, quais so as conseqncias dessas relaes contratuais e como elas so afetadas pelas mudan-as externas organizao. Visto dessa forma, faz pouco ou nenhum sentido tentar distinguir o que est dentro da fi rma (ou de qualquer outra organizao) do que est fora dela. H, na verdade, apenas uma srie de relaes complexas (i.e., contratos) entre a fi co legal (a fi rma) e os proprietrios do trabalho, dos inputs de material e capital e dos consumidores da produo.13

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    Considerar a fi rma como o ponto de conexo de uma srie de relaes contratuais entre indivduos tambm es-clarece que a personalizao da fi rma implicada por per-guntas como qual deveria ser a funo-objetivo da fi rma ou a fi rma teria ou no uma responsabilidade social extremamente enganosa. A firma no um indivduo. A fi rma uma fi co legal que serve como um foco para um processo complexo no qual os objetivos confl itantes de indivduos (alguns dos quais podem representar outras organizaes) atingem um equilbrio no contexto de re-laes contratuais. Neste sentido, o comportamento da fi rma se assemelha ao comportamento de um mercado; i.e., o resultado de um complexo processo de equilbrio. Raramente camos na armadilha de caracterizar o trigo ou o mercado de aes como um indivduo, mas costumamos cometer esse erro pensando nas organizaes como se fos-sem pessoas com motivaes e intenes prprias.14

    Viso geral do artigoA teoria aqui apresentada ser desenvolvida em etapas. As Sees 2 e 4 apresentam anlises dos custos de agncia do capital prprio e do capital de terceiros, respectivamente. Essas sees compem a base da teoria. A Seo 3 apresen-ta algumas questes no-respondidas referentes existn-cia da forma corporativa da organizao e examina o papel da responsabilidade limitada. A Seo 5 apresenta uma sntese dos conceitos bsicos fundamentados nas Sees de 2 a 4 em uma teoria da estrutura de propriedade corpo-rativa que leva em considerao os trade-offs disponveis ao empresrio-administrador entre o capital de terceiros e o capital prprio interno e externo. Algumas qualifi caes e extenses da anlise so discutidas na Seo 6, e a Seo 7 apresenta um breve resumo e as concluses.

    OS CUSTOS DE AGNCIA DO ACIONISTA EXTERNO

    Viso geralNesta seo, analisaremos o efeito da existncia de acionis-tas externos sobre os custos de agncia por meio da com-parao do comportamento de um administrador quando ele proprietrio integral (de 100 por cento) dos direitos residuais de uma fi rma com o seu comportamento quando ele vende uma parte desses direitos a terceiros. Se uma fi rma de propriedade integral administrada pelo proprie-trio, ele tomar decises operacionais que maximizaro a utilidade para si prprio. Essas decises envolvero no apenas os benefcios que ele ter com os retornos pecuni-rios como tambm a utilidade gerada pelos vrios aspec-tos no pecunirios de suas atividades empreendedoras,

    como as instalaes fsicas do escritrio, a atratividade do pessoal administrativo, o nvel de disciplina dos emprega-dos, o tipo e a quantia de contribuies para a caridade, relaes pessoais (amor, respeito etc.) com os em-pregados, um computador mais do que timo, a compra de insumos de produo de amigos etc. O mix timo (na ausncia de impostos) dos vrios benefcios pecunirios e no pecunirios atingido quando a utilidade marginal resultante de uma unidade monetria adicional de gastos (medida lquida de quaisquer efeitos produtivos) for igual a cada item no pecunirio e igual utilidade marginal resultante de uma unidade monetria adicional de poder de compra depois dos impostos (riqueza).

    Se o proprietrio-administrador vender direitos sobre o capital prprio da empresa que sejam idnticos aos deles (i.e., participao proporcional nos lucros da fi rma com responsabilidade limitada), os custos de agncia sero ge-rados pela divergncia entre o seu interesse e o interesse dos acionistas externos, j que ele, neste caso, arcar ape-nas com uma parcela dos custos de quaisquer benefcios no pecunirios que utilizar para maximizar a sua pr-pria utilidade. Se o administrador detiver apenas 95 por cento das aes, ele gastar os recursos at o ponto em que a utilidade marginal gerada pelo gasto de um dlar dos recursos da fi rma nesses itens ser igual utilidade marginal de 95 centavos de dlar adicionais no poder de compra geral (i.e., a participao do administrador na re-duo da riqueza), e no igual utilidade marginal de um dlar. Atividades como essa, por parte do administrador, podem ser limitadas (mas provavelmente no eliminadas) pela alocao de recursos em atividades de monitoramen-to pelos acionistas externos. Contudo, como mostramos abaixo, o proprietrio arcar com todos os efeitos desses custos esperados sobre a riqueza enquanto o mercado de aes se antecipar a esses efeitos. Acionistas minoritrios potenciais percebero que os interesses do proprietrio-administrador divergiro em algum nvel de seus prprios interesses, de forma que o preo que pagaro pelas aes refl etir os custos de monitoramento e o efeito da diver-gncia entre os interesses do administrador e os dos acio-nistas. Contudo, ignorando por enquanto a possibilidade de tomar emprstimos com a sua riqueza, o proprietrio considerar desejvel arcar com esses custos enquanto o incremento de bem-estar que ele ganhar convertendo seus direitos sobre a fi rma em poder de compra geral14 for grande o sufi ciente para compens-los.

    medida que a parcela do capital prprio do propriet-rio-administrador diminui, os seus direitos parciais sobre o resultado tambm diminuem, o que o incentivar a se apropriar de maiores quantias dos recursos corporativos

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    na forma de vantagens ou mordomias. Isso tambm far com que seja desejvel para os acionistas minoritrios gastar mais recursos para monitorar o comportamento do administrador. Desta forma, os custos do proprietrio, em termos de riqueza, para obter caixa adicional nos merca-dos de aes aumentam medida que a sua propriedade parcial diminui.

    Continuaremos a caracterizar o confl ito de agncia en-tre o proprietrio-administrador e os acionistas externos como resultantes da tendncia do administrador de se apropriar dos recursos da empresa, na forma de vantagens ou mordomias, para seu prprio consumo. No pretende-mos, contudo, deixar a impresso de que esta a nica, ou at mesmo a mais importante, fonte de confl itos. Com efeito, provvel que a maioria dos confl itos mais impor-tantes sejam provenientes do fato de que, medida que o direito pela propriedade do administrador diminui, o seu incentivo a dedicar um esforo signifi cativo a atividades criativas como buscar novos empreendimentos lucrativos tambm diminui. Ele pode, na verdade, evitar esses empre-endimentos simplesmente porque implicaria muita preo-cupao ou esforo de sua parte administrar ou aprender as novas tecnologias. A evaso desses custos pessoais e das ansiedades que os acompanham tambm representa, para ele, uma fonte de utilidade no trabalho, o que pode resultar no fato de o valor da fi rma ser substancialmente mais baixo do que seria de outra forma.

    Uma simples anlise formal das fontes dos custos de agncia do acionista externo e de quem arca com elasPara desenvolver uma estrutura para a anlise a seguir, partimos de dois conjuntos de pressupostos. O primeiro conjunto (pressupostos permanentes) inclui aqueles que nos acompanharo praticamente ao longo toda a anlise, das Sees de 2 a 5. Os efeitos da relativizao de alguns desses pressupostos so discutidos na Seo 6. O segundo conjunto (pressupostos temporrios) constitudo exclu-sivamente para fi ns argumentativos e so relativizados as-sim que os pontos bsicos tiverem sido esclarecidos.

    Pressupostos permanentes(P.1) Todos os impostos so zero.(P.2) No h crdito mercantil disponvel.(P.3) Nenhuma ao de acionistas externos d direito

    a voto.(P.4) Nenhum resgate fi nanceiro complexo, como ttu-

    los conversveis em aes, aes preferenciais ou ttulos conversveis, pode ser emitido.

    (P.5) Nenhum proprietrio externo recebe utilidade

    proveniente da propriedade de uma fi rma de qualquer maneira alm de por meio de seu efeito sobre a sua rique-za ou fl uxos de caixa.

    (P.6) Todos os aspectos dinmicos da natureza multi-perodo do problema so ignorados pela premissa de que h apenas uma deciso de produo-fi nanciamento a ser tomada pelo empresrio.

    (P.7) Os salrios monetrios do empresrio-administra-dor so mantidos constantes ao longo da anlise.

    (P.8) H um nico administrador (o principal coorde-nador) com interesse proprietrio na empresa.

    Pressupostos temporrios(T.1) O tamanho da fi rma fi xo.(T.2) Nenhuma atividade de monitoramento ou de

    concesso de garantias contratuais possvel.(T.3) Nenhum fi nanciamento do capital de terceiros por

    meio de obrigaes, aes preferenciais ou emprstimos pessoais (garantidos ou no) possvel.

    (T.4) Todos os elementos do problema de deciso do proprietrio-administrador envolvendo consideraes de portflio induzidas pela presena da incerteza e pela exis-tncia de risco diversifi cvel so ignorados.

    Defi nioX = {x

    1, x

    2,, x

    n} = vetor das quantidades de todos os

    fatores e atividades da fi rma das quais o administrador obtm benefcios no pecunirios;16 x

    i so defi nidos de

    forma que a utilidade marginal do administrador seja positiva para cada um deles;

    C(X) = custo total em unidades monetrias para prover qualquer determinada quantidade desses itens;

    P(X) = valor total em unidades monetrias para a fi rma dos benefcios produtivos de X;

    B(X) = P(X) C(X) = benefcio lquido de X para a em-presa, em unidades monetrias, de ignorar quaisquer efei-tos de X sobre o salrio de equilbrio do administrador.

    Ignorando os efeitos de X sobre a utilidade do adminis-trador e, conseqentemente, o seu salrio de equilbrio, os nveis timos dos fatores e atividades X so defi nidos por X*, de forma que:

    .

    Desta forma, para qualquer vetor X X* (i.e., no qual pelo menos um elemento de X maior do que seu elemento correspondente de X*), F B(X*) B(X) > 0 mede o custo para a empresa, em unidades monetrias (lquido

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    de quaisquer efeitos produtivos) de prover o incremento X X* dos fatores e atividades que geram utilidade ao administrador. Supomos, deste ponto em diante, que, para qualquer determinado nvel de custo para a fi rma, F, o vetor dos fatores e atividades nos quais F gasto, , que rendem ao administrador a utilidade mxima. Desta forma, F B(X*) B( ).

    At o momento ignoramos, na nossa discusso, o fato de que esses gastos em X ocorrem ao longo do tempo e, desta forma, so trade-offs a serem decididos com o tempo e entre elementos alternativos de X. Alm disso, ignoramos o fato de que os gastos futuros provavelmente envolvero incerteza (i.e., eles so sujeitos a distribuies de proba-bilidade) e, portanto, o risco deve ser, de alguma forma, deduzido. Solucionamos essas duas questes por meio da defi nio de C, P, B e F como os valores presentes de mercado da seqncia das distribuies de probabilidade no perodo de acordo com os fl uxos de caixa envolvidos no perodo.17

    Considerando a defi nio de F como o valor presente de mercado da srie de gastos do administrador em benefcios no pecunirios, representamos, com a linha F da Figura 1, a restrio de um nico proprietrio-administrador para decidir quanta renda no pecuniria ele extrair da fi rma. Isso se assemelha a uma restrio oramentria. O valor de mercado da fi rma mensurado ao longo do eixo vertical e o valor de mercado da srie de gastos do admi-nistrador em benefcios no pecunirios, F, mensurado ao longo do eixo horizontal. 0 o valor da fi rma quando a quantia de renda no pecuniria consumida zero. Por defi nio, o valor de mercado mximo dos fl uxos de caixa gerados pela fi rma para um determinado salrio do administrador quando o consumo de benefcios no pe-cunirios do administrador zero. Neste ponto, todos os fatores e atividades da fi rma que geram utilidade para o administrador esto no nvel X* defi nido acima. H uma outra restrio oramentria, F, para cada escala poss-vel da fi rma (i.e., o nvel de investimento, I) e para nveis alternativos de salrio, W, para o administrador. Por en-quanto, escolhemos um nvel arbitrrio de investimento (que presumimos que j tenha sido feito) e mantemos constante a escala da fi rma nesse nvel. Tambm presu-mimos que o salrio do administrador seja fi xo no nvel W*, que representa o valor presente de mercado de seu contrato salarial18 no pacote de remunerao timo que consiste tanto de salrios, W*, quanto de benefcios no pecunirios, F*. Pelo fato de o valor presente de um dlar de benefcios no pecunirios retirado da fi rma pelo ad-ministrador reduzir o valor de mercado da fi rma em $1, por defi nio, a inclinao de F 1.

    As preferncias do proprietrio-administrador por ri-queza e benefcios no pecunirios so representadas na Figura 1 por um sistema de curvas de indiferena, U

    1, U

    2,

    etc.19 As curvas de indiferena sero convexas enquanto a taxa marginal de substituio do proprietrio-administra-dor entre benefcios no pecunirios e riqueza diminuir com os nveis crescentes dos benefcios. Para o proprie-trio integral-administrador da fi rma, isso pressupe que no h substitutos perfeitos para esses benefcios dispon-veis externamente, i.e., em certa medida, eles so especfi -cos tarefa. Para o proprietrio parcial-administrador, isso pressupe que os benefcios no podem ser convertidos em poder de compra a um preo constante.20

    Quando o proprietrio detiver 100 por cento das aes, o valor da fi rma ser V* onde a curva de indiferena U

    2

    tangente a VF e o nvel de benefcios no pecunirios consumidos F*. Se o proprietrio vender todas as aes mas permanecer na fi rma como um administrador e se o comprador das aes puder, a custo zero, forar o an-tigo proprietrio (agora na qualidade de administrador) a receber o mesmo nvel de benefcios no pecunirios do que quando era um proprietrio, V* o preo que o novo proprietrio estar disposto a pagar pela totalidade das aes.21

    Em geral, contudo, no esperaramos que o novo proprietrio fosse capaz de forar um comportamento idntico do antigo proprietrio a custo zero. Se o antigo proprietrio vender uma parte da fi rma a um investidor externo, ele, na qualidade de um administrador, no mais arcar com o custo total de quaisquer benefcios no pecu-nirios que consumir. Suponha que o proprietrio venda uma participao da fi rma, 1 , (0 < < 1) e mantenha uma participao . Se o comprador potencial acreditar que o proprietrio-administrador consumir o mesmo n-vel de benefcios no pecunirios que consumia quando era o proprietrio integral da fi rma, o comprador estar disposto a pagar (1 )V* por uma parcela (1 ) das aes. Considerando que um investidor externo agora de-tm os direitos a (1 ) das aes, contudo, o custo para o proprietrio-administrador de consumir $1 de benefcios no pecunirios da fi rma no ser mais de $1. Em vez dis-so, ele ser de $1. Se o comprador potencial de fato pagou (1 )V* pela sua participao do valor acionrio e, se o administrador puder escolher o nvel de benefcios no pecunirios que quiser, a sua restrio oramentria ser de V

    1P

    1, na Figura 1, com uma inclinao igual a

    . Incluindo o pagamento que o proprietrio recebe do comprador como parte da riqueza ps-venda do proprie-trio, a sua restrio oramentria, V

    1P

    1, deve passar por

    D, j que ele pode, se desejar, manter a mesma riqueza e

    087-125.indd 93087-125.indd 93 4/4/08 1:24:21 PM4/4/08 1:24:21 PM

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    nvel de consumo no pecunirio que tinha quando era o proprietrio integral da fi rma.

    Mas, se o proprietrio-administrador for livre para escolher o nvel de vantagens ou mordomias, F, sujeito apenas perda de riqueza que incorrer como proprietrio parcial, o seu bem-estar ser maximizado pelo aumento de seu consumo de benefcios no pecunirios. Ele mover para o ponto A, onde V

    1P

    1 tangente a U

    1, representando

    um nvel mais alto de utilidade. O valor da fi rma cai de V* a V0, i.e., em funo da quantia do custo fi rma dos maiores gastos no pecunirios, o consumo de benefcios no pecunirios por parte do proprietrio-administrador aumenta de F* a F0.

    Se o mercado de aes for caracterizado por expecta-tivas racionais, os compradores estaro cientes de que o proprietrio aumentar o seu consumo no pecunirio quando a sua participao na fi rma for reduzida. Se a funo de reao do proprietrio for conhecida ou se o mercado de aes fi zer estimativas imparciais da reao do proprietrio s mudanas de incentivos, o comprador no pagar (1 )V* por (1 ) do capital prprio.

    Teorema. Pelo direito sobre a fi rma, (1 ), o investidor externo pagar apenas (1 ) vezes o valor que espera

    da empresa, considerando a mudana induzida do com-portamento do proprietrio-administrador.

    Prova. Para fi ns de simplifi cao, ignoramos quaisquer elementos de incerteza gerados pela falta de conhecimento perfeito da funo de reao do proprietrio-administra-dor. Essa incerteza no afetar a soluo fi nal se o merca-do de aes for grande, contanto que as estimativas sejam racionais (i.e., imparciais) e os erros sejam independentes entre as fi rmas. A ltima condio garante que esse risco seja diversifi cvel e, portanto, os preos no equilbrio se-ro iguais aos valores esperados.

    Consideramos que W representa a riqueza total do pro-prietrio depois de vender um direito sobre a propriedade igual a 1 das aes a um investidor externo. W inclui dois componentes. Um deles o pagamento, S

    o, feito

    pelo investidor externo por 1 do valor acionrio; o restante, Si, o valor da participao da fi rma retida pelo proprietrio (i.e., investidor interno), de forma que W, a riqueza do proprietrio, dada por:

    onde V(F, ) representa o valor da fi rma considerando

    Figura 1 - O valor da fi rma (V) e o nvel de benefcios no pecunirios consumidos (F) quando a parcela dos acionistas externos for (1 ) V e U

    J (j = 1, 2, 3) representar as curvas de indiferena do proprietrio entre a riqueza e os benefcios no pecunirios

    Valo

    r da

    fi rm

    a e

    rique

    za

    Valor de mercado da srie de gastos do administrador em benefcios no pecunirios

    V3

    U1P1

    P2

    U2

    U3

    V4

    V2

    V1V*

    F* F0F F

    V

    V0

    0

    V

    Inclinao = -1

    Inclinao = -

    Inclinao = -

    D

    B

    A

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    que a participao parcial do administrador seja e que ele consuma vantagens e aes de propriedade de valor atual de mercado igual a F. V

    2P

    2, com uma inclinao

    de , representa o trade-off diante do proprietrio-ad-ministrador entre os benefcios no pecunirios e a sua riqueza aps a venda. Considerando que o proprietrio decidiu vender os direitos sobre 1 da fi rma, o seu bem-estar ser maximizado quando V

    2 P

    2 tangente a

    uma curva de indiferena como a curva U3, na Figura

    1. Um preo pelos direitos sobre (1 ) da fi rma que seja satisfatrio tanto para o comprador quanto para o vendedor demandar que essa tangncia ocorra ao lon-go de F, i.e., que o valor da fi rma seja igual a V. Para demonstrar isso, suponha que este no seja o caso que a tangncia ocorra esquerda do ponto B na linha F. Desta forma, como a inclinao de V

    2P

    2 negativa, o valor

    da fi rma ser maior que V. A escolha do proprietrio-administrador por esse nvel mais baixo de consumo de benefcios no pecunirios implicar um valor mais alto tanto para a fi rma como um todo quanto para a parcela da fi rma (1 ) adquirida pelo investidor externo; isto (1 )V > So. Do ponto de vista do proprietrio, ele vendeu 1 da fi rma por menos do que poderia ter re-cebido, considerando o nvel mais baixo (presumido) de benefcios no pecunirios que recebe. Por outro lado, se a tangncia do ponto B for direita da linha F, o consumo mais alto de benefcios no pecunirios por parte do proprietrio-administrador signifi ca que o va-lor da fi rma menor que V e que, portanto, (1 )V(F, ) < So = (1 )V. O proprietrio externo, neste caso, pagou mais pela sua participao do capital prprio do que ela vale. So ser um preo mutuamente satisfatrio se, e somente se, (1 ) V = So. Mas isso signifi ca que a riqueza ps-venda do proprietrio igual ao valor (re-duzido) da fi rma, V, j que:

    Como queramos demonstrar.O requisito de que V e F caiam sobre a linha F, desta

    forma, equivale a requerer que o valor do direito adquirido pelo comprador externo seja igual quantia paga por ele ao proprietrio. Isso significa que a diminuio do valor total da firma (V* V) imposta em sua totalidade sobre o proprietrio-administrador. A sua riqueza total aps a venda de (1 ) do valor acionrio de V, e a diminui-o de sua riqueza de V* V.

    A distncia V* V a reduo do valor de mercado da fi rma resultante da relao de agncia e uma medida da perda residual defi nida anteriormente. Neste exemplo

    simplifi cado, o custo residual representa os custos totais de agncia resultantes da venda do capital prprio externo pelo fato de as atividades de monitoramento ou concesso de garantias contratuais no serem permitidas. A perda de bem-estar incorrida pelo proprietrio menor que o custo residual do valor para ele resultante do aumento dos benefcios no pecunirios (F F*). Na Figura 1, a diferena entre as interseces no eixo Y das duas curvas de indiferena U

    2 e U

    3 uma medida da perda de bem-

    estar do proprietrio-administrador devido incidncia de custos de agncia,22 e ele venderia esse direito sobre a propriedade somente se o incremento de bem-estar obtido pela utilizao do caixa equivalente a (1 )V em outros fi ns, for mais valorizado por ele do que a sua quantia de riqueza.

    Determinao da escala tima da fi rmaO caso de financiamento somente com aes. Considere o problema diante de um empresrio com riqueza pecu-niria inicial W, e o acesso do monoplio a um projeto que requeira um investimento I, sujeito a um retorno, decrescente em relao escala, I. A Figura 2 demonstra a soluo para a escala tima da fi rma levando em con-siderao os custos de agncia associados existncia de acionistas externos. Os eixos so os mesmos defi nidos na Figura 1 com a exceo de que, agora, plotamos no eixo vertical a riqueza total do proprietrio, i.e., a sua riqueza inicial, W, mais V(I) I, o incremento lquido de riqueza que ele obtm da explorao de suas oportunidades de investimento. O valor de mercado da fi rma, V = V(I, F), , agora, uma funo do nvel de investimento, I, e do valor presente de mercado dos gastos de recursos da fi r-ma em benefcios no pecunirios para o administrador, F. (I) representa o valor da fi rma como uma funo do nvel de investimento quando os gastos do administra-dor em benefcios no pecunirios, F, so zero. A linha com a interseco identifi cada como W + [ (I*) I*)] e inclinao de 1 na Figura 2 representa o lugar geo-mtrico das combinaes da riqueza ps-investimento e do custo fi rma, em unidades monetrias, de benefcios no pecunirios disponveis ao administrador quando o investimento atinge o ponto maximizador de valor, I*. Neste ponto, (I) I = 0. Se a riqueza do administra-dor fosse grande o sufi ciente para cobrir o investimento necessrio para atingir essa escala operacional, I*, ele consumiria F* em benefcios no pecunirios e teria uma riqueza pecuniria de valor W+V* I*. Contudo, se for necessrio fi nanciamento externo para cobrir o investimento, ele no atingir esse ponto se os custos de monitoramento no forem zero.23

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    A trajetria da expanso OZBC representa as combinaes de equilbrio da riqueza e dos benef-cios no pecunirios, F, que o administrador pode-ria obter se tivesse riqueza pessoal suficiente para financiar todos os nveis de investimento at I*. o lugar geomtrico de pontos como Z e C que re-presenta a posio de equilbrio para o proprietrio integral-administrador em cada nvel possvel de in-vestimento, I. medida que I aumenta, subimos ao longo da trajetria de expanso at o ponto C, onde V(I) I atinge o mximo. Investimentos adicionais alm desse ponto reduzem o valor lquido da firma e, medida que isso acontece, a trajetria de equilbrio da riqueza e dos benefcios no pecunirios do adminis-trador reconstitui (na direo inversa) a curva OZBC. Esboamos a trajetria como uma funo cncava su-ave s por uma questo de praticidade.

    Se o administrador obtivesse fi nanciamento externo e se a relao de agncia fosse de custo zero (talvez porque os custos de monitoramento sejam zero), a trajetria de expanso tambm seria representada por OZBC. Desta forma, essa trajetria representa o que poderamos chamar de solues idealizadas, i.e., solues que ocorreriam na ausncia de custos de agncia.

    Suponha que o administrador tenha riqueza pessoal sufi ciente para fi nanciar completamente a fi rma somente at o nvel de investimento I

    1, o que o leva at o ponto

    Z. Neste ponto, W = I1. Para aumentar o tamanho da fi r-

    ma alm desse ponto, ele deve obter fi nanciamento ex-terno para cobrir o investimento adicional necessrio, o que signifi ca reduzir a sua propriedade parcial. Quando isso feito, ele incorre em custos de agncia e, quanto menor for a sua parcela de propriedade, maiores so os custos de agncia em que ele incorre. Contudo, se os in-

    Figura 2 - Determinao da escala tima da fi rma no caso em que no h monitoramento

    Dla

    res

    atua

    is

    Valor de mercado da srie de gastos do administrador em benefcios no pecunirios

    Trajetria de expanso com propriedade integral por parte do administrador

    Trajetria de expanso com propriedade parcial por parte do administrador

    W + V(I) I

    W + VI II

    0 F F* F F

    WT =W + V I

    W + V* I*

    W + V I

    W + [V(I*)I*]

    A

    Inclinao = 1

    Inclinao = -'

    C

    D

    E H

    L

    Z

    B

    Nota: O ponto C indica o investimento timo, I*, e os benefcios no pecunirios, F*, quando o investimento 100% fi nanciado pelo em-presrio. O ponto D indica o investimento timo, I, e benefcios no pecunirios, F, quando o fi nanciamento de capital prprio externo utilizado para fi nanciar o investimento e o empresrio retm uma parcela da fi rma. A distncia A mede os custos brutos de agncia.

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    vestimentos que requerem fi nanciamento externo forem sufi cientemente lucrativos, o bem-estar do administrador continuar a aumentar.

    A trajetria da expanso ZEDHL da Figura 2 repre-senta uma trajetria possvel dos nveis de equilbrio da riqueza e dos benefcios no pecunirios do proprietrio a cada nvel possvel de investimento maior que I

    1. Essa

    trajetria o lugar geomtrico de pontos como E ou D, onde (1) a curva de indiferena do administrador tan-gente a uma linha com inclinao igual a (os seus direitos parciais sobre a fi rma no nvel do investimen-to) e (2) a tangncia ocorre na restrio oramentria com inclinao = 1 para o valor da fi rma e o trade-off do benefcio no pecunirio no mesmo nvel do inves-timento.24 medida que percorremos a curva ZEDHL os direitos parciais do administrador sobre a fi rma di-minuem medida que ele obtm maiores quantias de capital externo. Essa trajetria de expanso representa todo o conjunto de oportunidades do administrador para diferentes combinaes de riqueza e benefcios no pecu-nirios na presena de custos da relao de agncia com os investidores externos. O ponto D, onde esse conjunto de oportunidades tangente a uma curva de indiferen-a, representa a soluo que maximiza o bem-estar do administrador. Neste ponto, o nvel de investimento I, a sua participao parcial da fi rma , a sua riqueza W+ V I e ele consome uma srie de benefcios no pecunirios com valor atual de mercado de F. Os cus-tos brutos de agncia (representados por A) so iguais a (V* I*) (V I). Considerando a impossibilidade de monitoramento, I o nvel de investimento socialmente timo bem como o nvel privado timo.

    Podemos caracterizar o nvel timo de investimento como o ponto I, que satisfaz condio a seguir para pequenas variaes:

    (1)

    V I a variao do valor de mercado lquido da fi rma e F o valor em unidades monetrias para o adminis-trador dos benefcios adicionais incrementais que ele con-some (que custam empresa F unidades monetrias).25

    Alm disso, reconhecendo que V = F, onde o valor da fi rma em qualquer nvel de investimento quando F = 0, substitumos na condio tima para obter:

    (3)

    como uma expresso alternativa para determinar o nvel timo de investimento.

    A soluo de custo de agncia idealizada ou zero, I*, dada pela condio ( I) = 0 e, como F positivo, o nvel real de maximizao do bem-estar do investimento I ser menor que I*, porque ( I) deve ser positivo em I se a equao (3) deve ser satisfeita. Como a inclinao da curva de indiferena no nvel timo e, por-tanto, representa o preo de demanda do administrador por benefcios no pecunirios incrementais, F, sabemos que F o valor monetrio para ele de um incremento de benefcios adicionais que custam empresa AF unida-des monetrias. O termo (I ) F, desta forma, mede a perda em unidades monetrias para a fi rma (e para o prprio administrador) de F unidades monetrias adi-cionais gastas em benefcios no pecunirios. O termo I o incremento bruto relativo ao valor da fi rma ignorando quaisquer variaes de consumo de benefcios no pecunirios. Desta forma, o administrador pra de au-mentar o tamanho da fi rma quando o incremento bruto do valor meramente compensado pela perda incremental incorrida pelo consumo de benefcios adicionais devido a seu interesse parcial cada vez menor pela fi rma.26

    O papel das atividades de monitoramento ou concesso de garantias contratuais na reduo dos custos de agnciaNa anlise acima, ignoramos o potencial de controle do comportamento do proprietrio-administrador por meio de monitoramento e outras atividades de controle. Na prtica, isso costuma ser possvel gastando recursos para alterar a oportunidade que o proprietrio-administrador tem de se favorecer de benefcios no pecunirios. Esses mtodos incluem, entre outros, auditoria, sistemas formais de controle, restries oramentrias e o estabelecimento de sistemas de incentivo e remunerao que servem para identifi car com mais preciso os interesses do adminis-trador e os dos investidores externos. A Figura 3 repre-senta os efeitos do monitoramento e de outras atividades de controle na situao simples retratada na Figura 1. As Figuras 1 e 3 so idnticas, exceto pela curva BCE da Figura 3, que representa uma restrio oramentria formada quando as possibilidades de monitoramento so levadas em considerao. Sem monitoramento e com um capital prprio externo de (1 ), o valor da fi rma ser V e os gastos no pecunirios sero F. Ao incorrer em custos de monitoramento, M, os detentores do capital prprio podem restringir o consumo de vantagens ou mordomias do administrador a quantias abaixo de F. F(M, ) repre-senta o nvel mximo de vantagens ou mordomias que o administrador pode consumir para nveis alternativos de despesas de monitoramento, M, considerando que a

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    sua participao de . Presumimos que incrementos do monitoramento reduzam F e que isso ocorra em uma taxa decrescente, i.e., F/M < 0 e 2F/M2 > 0.

    Como o valor atual das despesas esperadas futuras de monitoramento por parte dos investidores externos redu-zem o valor de qualquer determinado direito que eles pos-sam ter sobre a fi rma em cada unidade monetria investida, os acionistas levaro isso em considerao na defi nio do preo mximo que pagaro por qualquer determinada parcela de capital prprio da fi rma. Portanto, considerando uma atividade de monitoramento positiva, o valor da fi rma dado por V = F(M, ) M e o lugar geomtrico desses pontos para vrios nveis M e para um determinado nvel de se situa na curva BCE da Figura 3. A diferena verti-cal entre as curvas F e BCE M, o valor atual de mercado das despesas futuras de monitoramento.

    Se for possvel para os acionistas externos promover essas despesas de monitoramento e, desta forma, impor restries do consumo, F, por parte do proprietrio-ad-ministrador, este voluntariamente fi rmar um contrato com os acionistas externos lhes concedendo os direitos de restringir o seu consumo de itens no pecunirios a

    F. Ele considerar isso desejvel porque isso far com que o valor da fi rma aumente para V. Considerando o contrato, as despesas de monitoramento por parte dos investidores externos, M, so da ordem de D C. Todo o aumento de valor da fi rma resultante se refl etir na riqueza do proprietrio, mas o seu bem-estar ter incre-mentos menores do que isso por ser forado a abdicar de alguns benefcios no pecunirios dos quais se bene-fi ciava anteriormente.

    Se o mercado de aes for competitivo e fi zer estimati-vas imparciais dos efeitos das despesas de monitoramento sobre F e V, os compradores potenciais sero indiferentes entre os dois contratos a seguir:(i) Compra de uma participao (1 ) da fi rma ao pre-

    o total de (1 )V e nenhum direito de monitorar ou controlar o consumo de mordomias por parte do administrador.

    (ii) Compra de uma participao (1 ) da fi rma ao preo total de (1 )V e o direito de gastar recur-sos at uma quantia igual D C, o que limitar o consumo de mordomias por parte do proprietrio-administrador a F;.

    Figura 3 - O valor da fi rma (V) e o nvel de benefcios no pecunirios (F) quando os acionistas externos possuem frao (1 ) das aes, U1, U2, U3 representam as curvas de indiferena entre a riqueza e os benefcios no pecunirios, e as atividades de monitora-mento (ou de concesso de garantias contratuais) impem o conjunto de oportunidade BCE como a restrio do trade-off diante do proprietrio

    Valor de mercado dos gastos do administrador em benefcios no pecunirios

    Valo

    r da

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    a e

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    V

    087-125.indd 98087-125.indd 98 4/4/08 1:24:22 PM4/4/08 1:24:22 PM

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    Com o contrato (ii) os acionistas externos considera-riam desejvel exercer todos os direitos de monitoramento permitidos por perceberem recompensas nisso. Contudo, se o mercado de aes for competitivo, os benefcios totais (lquido dos custos de monitoramento) sero capitalizados no preo das aes. Desta forma, no de se surpreender que o proprietrio-administrador colha todos os benef-cios da oportunidade para elaborar e vender o contrato de monitoramento.27

    Uma anlise das despesas com a concesso de garantias contratuais. Analisando a Figura 3, tambm podemos no-tar que no faz diferena quem de fato incorre nas despesas de monitoramento o proprietrio arca com a totalidade desses custos na forma de uma reduo da riqueza em to-dos os casos. Suponha que o proprietrio-administrador possa gastar recursos, que custam F empresa, para ga-rantir aos acionistas externos que ele limitar suas ativi-dades. Chamaremos esses gastos de custos de concesso de garantias contratuais e eles podem assumir diferentes formas, como garantias contratuais para que os registros fi nanceiros sejam auditados por um contador externo, contratos explcitos contra infraes por parte do admi-nistrador e limitaes contratuais ao poder de deciso do administrador (que impem custos sobre a fi rma por limitarem a capacidade do administrador de se benefi ciar ao mximo de algumas oportunidades lucrativas alm de limitar a sua capacidade de prejudicar os acionistas em benefcio prprio).

    Se a incidncia dos custos de concesso de garantias contratuais estivesse completamente sob o controle do administrador e se eles gerassem o mesmo conjunto de oportunidade BCE para o administrador que o represen-tado na Figura 3, ele arcaria com os custos na quantia D C. Isso limitaria o seu consumo de vantagens ou mordo-mias de F a F, e a soluo exatamente a mesma do que se os acionistas externos conduzirem o monitoramento. O administrador considera interessante incorrer nesses custos se os incrementos lquidos de sua riqueza gerados com isso (por meio da reduo dos custos de agncia e, conseqentemente, do aumento do valor da fi rma) vale-rem mais do que as mordomias de que ele abdica. Esse ponto timo ocorre no ponto C em ambos os casos pela nossa premissa de que as despesas com a concesso de garantias contratuais resultam do mesmo conjunto de oportunidade que as despesas de monitoramento. Em geral, claro, compensar ao proprietrio-administrador envolver-se em atividades de concesso de garantias con-tratuais e elaborar contratos que permitam o monitora-mento se os benefcios marginais de cada um excederem o seu custo marginal.

    Escala tima da firma na presena de atividades de mo-nitoramento e de concesso de garantias contratuais. Se permitirmos que os proprietrios externos se envolvam em atividades (custosas) de monitoramento para limitar os gastos do administrador em benefcios no pecunirios e permitirmos que o administrador se envolva em ativida-des de concesso de garantias contratuais para assegurar aos proprietrios que ele limitar o seu consumo a F, isso resultar em uma trajetria de expanso como a ilustrada na Figura 4, passando pelos pontos Z e G. Supomos, ao traar a Figura 4, que as funes de custo envolvidas no monitoramento e na concesso de garantias contratuais so tais que alguns nveis positivos das atividades so de-sejveis, i.e., geram benefcios superiores ao seu custo. Se isso no for verdadeiro, a trajetria de expanso gerada pelo dispndio de recursos nessas atividades fi caria abaixo de ZD e uma atividade como essa no ocorreria em ne-nhum nvel de investimento. Os pontos Z, C e D e as duas trajetrias de expanso que passam por eles so idnticos aos representados na Figura 2. Os pontos Z e C esto na trajetria de expanso da propriedade integral e os pon-tos Z e D esto na trajetria de expanso da propriedade parcial sem nenhuma atividade (zero) de monitoramento e de concesso de garantias contratuais.

    A trajetria que passa pelos pontos Z e G curva dada pelo lugar geomtrico dos pontos de equilbrio para nveis alternativos de investimento caracterizados pelo ponto C da Figura 3, que representa o nvel timo de atividade de monitoramento e de concesso de garantias contratu-ais e os valores resultantes da fi rma e dos benefcios no pecunirios ao administrador em um dado nvel fi xo de investimento. Se qualquer monitoramento ou concesso de garantias contratuais for efi caz em termos custo, a traje-tria de expanso que passa pelos pontos Z e G deve fi car acima da trajetria de expanso de no monitoramento em alguma extenso. Alm disso, se a curva se localizar em qualquer ponto direita da curva de indiferena que passa pelo ponto D (a soluo de zero monitoramento-concesso de garantias contratuais), a soluo fi nal para o problema envolver quantias positivas de atividades de monitoramento e/ou concesso de garantias contratuais. Com base na discusso acima, sabemos que, se os con-tratos entre o administrador e os acionistas externos fo-rem claros em relao aos direitos das respectivas partes, a soluo fi nal se localizar em um ponto no qual a nova trajetria de expanso apenas tangente ao ponto mais alto da curva de indiferena. Neste ponto, os nveis timos das despesas de monitoramento e com a concesso de ga-rantias contratuais so M e b, a riqueza do administrador aps o investimento e o fi nanciamento dada por W +

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    V I M b e os seus benefcios no pecunirios so F. Os custos brutos de agncia, A, so dados por A(M, b, , I) = (V* I*) (V I M b).

    timo de Pareto e custos de agncia em empresas operadas por um administradorEm geral esperamos observar tanto atividades de conces-so de garantias contratuais quanto de monitoramento externo, e os incentivos so tais que os nveis dessas ati-vidades satisfaro s condies de efi cincia. Contudo, eles no resultaro na operao da empresa de forma a maximizar o seu valor. A diferena entre V*, a soluo efi ciente com custo zero de monitoramento e de conces-so de garantias contratuais (e, desta forma, custo zero de agncia), e V, o valor da fi rma com custos positivos de monitoramento, so os custos brutos de agncia de-fi nidos na Introduo. Esses so os custos da separao entre posse e controle, aos quais Adam Smith se referiu no trecho citado no incio deste artigo e que Berle e Means

    (1932) popularizaram 157 anos mais tarde. As solues esboadas acima para o nosso problema altamente simpli-fi cado implicam que os custos de agncia sero positivos enquanto os custos de monitoramento forem positivos o que certamente o caso.

    O valor reduzido da fi rma resultante do consumo de vantagens ou mordomias por parte do administrador, conforme descrito acima, no timo ou inefi ciente apenas em comparao com um mundo no qual seria possvel obter a conformidade do agente aos desejos do principal (de uma dvida) a custo zero ou em comparao com um mundo hipottico no qual os custos de agncia so mais baixos. Mas esses custos (custos de monitora-mento e de concesso de garantias contratuais e per-da residual) so um resultado inevitvel da relao de agncia. Alm disso, como so gerados totalmente pelo tomador de decises (neste caso, o proprietrio original) responsvel pela criao da relao, o administrador tem incentivos para minimiz-los (j que ele se favorece dos

    Figura 4 - Determinao da escala tima da fi rma para permitir atividades de monitoramento e de concesso de garantias contratuais

    Valor de mercado da srie de gastos do administrador em benefcios no pecunirios

    Dla

    res

    atua

    is

    F*F F F

    W + V I M b

    W + V* I*

    W + V I

    W + [V(I*)I*]

    G

    DZ

    C

    Trajetria de expanso com propriedade integral por parte do administrador

    Trajetria de expanso com propriedade parcial por parte do administrador com atividades de monitoramento e de concesso de garantias contratuais

    Trajetria de expanso com propriedade parcial por parte do administrador mas sem atividades de monitoramento e de concesso de garantias contratuais

    Nota: Os custos de monitoramento timos so representados por M, os custos de concesso de garantias contratuais timos so repre-sentados por b, e a escala de equilbrio da fi rma, a riqueza e o consumo de benefcios no pecunirios por parte do administrador esto no ponto G.

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    benefcios de sua reduo). E esses custos de agncia se-ro incorridos somente se os benefcios de sua criao ao proprietrio-administrador forem sufi cientes para exced-los. No nosso exemplo atual, esses benefcios surgem da disponibilidade de investimentos lucrativos que reque-rem investimento de capital acima da riqueza pessoal do proprietrio original.

    Em concluso, descobrir que os custos de agncia no so zero (i.e., que so custos associados com a separao entre posse e controle na empresa) e concluir, a partir da, que a relao de agncia no tima, ou dispendiosa ou inefi ciente equivale em todos os sentidos a comparar um mundo no qual o minrio de ferro uma commodity escassa (e, portanto, custosa) com um mundo no qual ele disponvel de graa a custo zero e concluir que o primeiro mundo no timo um perfeito exemplo da falcia criticada por Coase (1964) e caracterizada por Demsetz (1969) como uma modalidade de anlise no Nirvana.28

    Fatores que afetam a extenso da divergncia da maximizao idealA magnitude dos custos de agncia discutidos acima va-riar de uma fi rma a outra. Ela depender das preferncias dos administradores, da facilidade na qual eles conseguem exercitar suas prprias preferncias em oposio maxi-mizao de valor na tomada de decises e dos custos das atividades de monitoramento e de concesso de garantias contratuais.28 Os custos de agncia tambm dependero do custo de mensurar e avaliar o desempenho do admi-nistrador (agente), o custo de elaborar e implementar um ndice para defi nir a remunerao do administrador que se correlacione com o bem-estar do proprietrio (principal) e o custo de elaborar e aplicar regras ou polticas compor-tamentais especfi cas. Nos casos em que o administrador no detm a participao majoritria da fi rma, ela tambm depender do mercado de administradores. A concorrn-cia de outros administradores potenciais limita os custos de obteno dos servios de administrao (incluindo a extenso na qual um dado administrador pode divergir da soluo idealizada que obteria se todos os custos de moni-toramento e de concesso de garantias contratuais fossem zero). A extenso da divergncia (os custos de agncia) ser diretamente relacionada com o custo de substituir o administrador. Se as responsabilidades do administrador demandarem pouco conhecimento especializado para a fi rma, ser fcil avaliar o seu desempenho e, se os custos de busca de uma substituio forem modestos, a divergncia do ideal ser relativamente pequena, e vice-versa.

    A divergncia tambm ser limitada pelo mercado para

    a prpria fi rma, i.e., pelos mercados de capital. Os pro-prietrios sempre tm a opo de vender a fi rma, seja no total ou em partes. Os proprietrios de fi rmas operadas por um administrador podem examinar o mercado de capital de tempos em tempos, e de fato o fazem. Se descobrirem que o valor dos rendimentos futuros das outras supe-rior ao valor da fi rma deles, supondo que ambas sejam operadas por administradores, eles podem exercitar seu direito de vender. Seria plausvel pensar que outros pro-prietrios podem ser mais efi cientes no monitoramento ou at mesmo que um indivduo com talentos adminis-trativos apropriados e com uma riqueza pessoal sufi ciente grande escolheria comprar a fi rma. Neste caso, a compra por esse indivduo eliminaria completamente os custos de agncia. Se houver vrios compradores proprietrios-administradores potenciais (todos com talentos e prefe-rncias idnticos ao administrador atual), os proprietrios receberiam no preo de venda da fi rma o valor integral dos direitos residuais, incluindo o valor do capital dos custos de agncia eliminados mais o valor dos direitos administrativos.

    Monoplio, concorrncia e comportamento dos administradoresCostuma-se argumentar que a presena da concorrncia nos mercados de produtos (e fatores) restringir o com-portamento dos administradores maximizao idealizada de valor, i.e, que o monoplio em mercados de produtos (ou o monopsnio no caso de fatores) permitir maiores divergncias em relao maximizao do valor.30 A nos-sa anlise no sustenta essa hiptese. Os proprietrios de uma fi rma com poder de monoplio tm os mesmos incen-tivos a limitar as divergncias do administrador em relao maximizao de valor (i.e., a capacidade de aumentar sua riqueza) que os proprietrios de fi rmas competitivas. Alm disso, a concorrncia no mercado de administrado-res em geral tornar desnecessrio para os proprietrios compartilhar as rendas com o administrador. Os proprie-trios de uma fi rma de um monoplio s precisam pagar o preo de oferta por um administrador.

    Como o proprietrio de um monoplio tem os mesmos incentivos de riqueza para minimizar os custos adminis-trativos que o proprietrio de uma fi rma competitiva, ambos aplicaro o nvel de monitoramento equivalente ao custo marginal de monitoramento ao incremento mar-ginal da riqueza resultante do consumo reduzido de van-tagens ou mordomias por parte do administrador. Desta forma, a existncia de um monoplio no aumentar os custos de agncia.

    Alm disso, a existncia da concorrncia em mercados

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    de produtos e fatores no eliminar os custos de agncia devido a problemas de controle administrativo, como j foi repetidamente exposto [cf. Friedman (1970)]. Se todos os meus concorrentes incorrerem em custos de agncia iguais ou superiores aos meus, eu no serei eliminado do mercado pela concorrncia.

    A existncia e o volume dos custos de agncia depen-dem da natureza dos custos de monitoramento, das pre-ferncias dos administradores por benefcios no pecu-nirios e da oferta de administradores potenciais capazes de fi nanciar todo o empreendimento com a sua riqueza pessoal. Se os custos de monitoramento forem zero, os custos de agncia sero zero ou, se houver proprietrios integrais-administradores sufi cientes disponveis para controlar totalmente e operar todas as fi rmas de um setor (competitivo ou no), os custos de agncia desse setor tambm sero zero.31

    ALGUMAS QUESTES NO RESPONDIDAS REFERENTES EXISTNCIA DA FORMA CORPORATIVA

    A questoA anlise at este ponto nos deixa com uma dvida bsica: por que, dada a existncia de custos positivos da relao de agncia, descobrimos que a forma corporativa normal da organizao com posse amplamente pulverizada to amplamente predominante? Se formos levar a srio grande parte da literatura referente ao poder discricionrio deti-do pelos administradores de grandes empresas, fi ca difcil compreender o fato histrico do enorme crescimento de acionistas externos nessas organizaes, no apenas nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro. Parafraseando Alchian (1968): Por que milhes de indivduos esto dis-postos a entregar uma parcela signifi cativa de sua riqueza a organizaes operadas por administradores que tm to pouco interesse no bem-estar desses indivduos? E, ainda mais notvel, por que eles esto dispostos a se envolver meramente como requerentes residuais, i.e., com base na premissa de que esses administradores operaro a fi rma de forma que os acionistas recebam rendimentos?

    Certamente no h falta de formas alternativas de in-vestimento para esses indivduos, incluindo formas com-pletamente diferentes de organizaes. Mesmo se essas consideraes se limitarem a organizaes corporativas, h, claramente, formas alternativas de levantar capital, i.e., por meio de obrigaes de vrias naturezas, ttulos, notas, hipotecas etc. Alm disso, o imposto de renda corporativo parece favorecer a utilizao de dvida, j que os juros so

    tratados como uma despesa que pode ser deduzida dos impostos. Os que afi rmam que os administradores no se comportam de acordo com os interesses dos acionistas em geral no abordaram uma questo de grande importncia: se as aes no detidas por administradores apresentam uma defi cincia to sria, por que elas j no foram subs-titudas por dvida h muito tempo?32

    Algumas explicaes alternativas da estrutura de propriedade da fi rmaO papel da responsabilidade limitada. Manne (1967) e Alchian e Demsetz (1972) argumentam que uma das caractersticas atraentes da forma corporativa vis--vis sociedades ou fi rmas de propriedade individual a carac-terstica de responsabilidade limitada dos direitos sobre o capital prprio nas empresas. Sem essa caracterstica, cada um dos investidores que comprarem uma ou mais aes de uma empresa teriam toda a extenso de sua ri-queza pessoal potencialmente suscetvel para cobrir as dvidas da empresa. Poucas pessoas aceitariam correr esse risco e os principais benefcios a ser obtidos com a reduo dos riscos por meio da diversifi cao seriam, em grande extenso, inalcanveis. Esse argumento, con-tudo, incompleto, j que a responsabilidade limitada no elimina o risco bsico, mas meramente o desloca. O argumento deve, em ltima instncia, se basear nos custos de transaes. Se todos os acionistas da GM forem responsveis pelas dvidas da GM, a mxima responsabi-lidade para um acionista individual seria maior do que se suas aes tivessem uma responsabilidade limitada. Contudo, considerando a existncia de muitos outros acionistas e que cada um responsvel pelos resgates no pagos na proporo de sua participao, altamente improvvel que o pagamento mximo que cada um deve-ria fazer fosse grande no caso de a GM abrir falncia, j que a riqueza total desses acionistas tambm seria gran-de. Contudo, a existncia de responsabilidade ilimitada imporia incentivos para cada acionista para monitorar tanto as responsabilidades da GM quanto a riqueza dos outros proprietrios da GM. plausvel pensar que os custos dessa ao seriam, no total, muito maiores do que o mero pagamento de um prmio na forma de taxas de juros superiores aos credores da GM em troca de sua aceitao de um contrato que garantisse responsabilida-de limitada aos acionistas. Os credores, ento, arcariam com o risco de qualquer inadimplncia de dvidas no caso da falncia da GM.

    Tambm no em geral reconhecido que a responsa-bilidade limitada meramente uma condio necessria para explicar a extenso da confi ana nas aes, no uma

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    condio sufi ciente. Obrigaes ordinrias tambm se caracterizam pela responsabilidade limitada.33 Se no for necessrio nada alm da responsabilidade limitada, por que no observamos grandes empresas, de propriedade individual, com uma pequena parcela do capital fornecida pelo empresrio e o resto simplesmente tomado de em-prstimo?34 primeira vista essa pergunta pode soar tola para muitas pessoas (como a pergunta relativa a por que as fi rmas emitiriam obrigaes ou aes preferenciais em condies nas quis no h benefcios de impostos obtidos do tratamento dos juros ou de pagamentos de dividendos preferenciais35). Descobrimos que, em muitas ocasies, essa questo mal compreendida como uma pergunta sobre por que as fi rmas obtm capital. A questo no por que elas obtm capital, mas por que elas o obtm por meio das formas especfi cas que observamos por perodos to longos? O fato que no existe nenhuma resposta bem articulada a essa pergunta na literatura tanto da cincia econmica quanto fi nanceira.

    A irrelevncia da estrutura de capital. Em seu arti-go pioneiro sobre o custo do capital, Modigliani e Miller (1958) demonstraram que, na ausncia de custos de fa-lncia e subsdios fi scais sobre o pagamento de juros, o valor da fi rma independe da estrutura fi nanceira. Mais tarde (1963) eles demonstraram que a existncia de sub-sdios fi scais para os pagamentos de juros faria com que o valor da fi rma aumentasse com a quantia de fi nancia-mento de dvida na quantia do valor capitalizado do sub-sdio fi scal. Essa linha de argumentao, contudo, implica que a fi rma deveria ser fi nanciada quase totalmente com capital de terceiros. Percebendo a inconsistncia com o comportamento observado, Modigliani e Miller (1963, p. 442) comentam:

    Pode ser til lembrar mais uma vez os leitores que a existncia de uma vantagem fi scal para o fi nanciamento de capital de terceiros... no signifi ca necessariamente que as empresas deveriam utilizar, o tempo todo, a quan-tia mxima de capital de terceiros nas suas estruturas de capital. ... como salientamos, h limitaes impostas pe-los credores... bem como muitas outras dimenses (e ti-pos de custos) dos problemas de estratgia fi nanceira no mundo real, que no so plenamente compreendidas no contexto dos modelos de equilbrio esttico, seja o nosso ou os mais tradicionais. Essas consideraes adicionais, normalmente agrupadas sob a rubrica da necessidade de preservar a fl exibilidade, normalmente implicaro a ma-nuteno, pela empresa, de reservas substanciais de poder inexplorado de tomada de emprstimos.

    Modigliani e Miller so, essencialmente, deixados em uma teoria da determinao da estrutura de capital ti-

    ma e Fama e Miller (1972, p. 173), comentando sobre a mesma questo, reiteram essa concluso:

    E devemos admitir que, neste ponto, h poucas pes-quisas convincentes, independentemente de serem te-ricas ou empricas, para explicar as quantias de capital de terceiros que as fi rmas decidem incorporar em sua estrutura de capital.

    O teorema de Modigliani-Miller se baseia na premissa de que a distribuio de probabilidade dos fl uxos de caixa para a empresa independe da estrutura de capital. Hoje se reconhece que a existncia de custos positivos asso-ciados falncia e a presena de subsdios fi scais para os pagamentos de juros corporativos invalidar esse teore-ma da irrelevncia justamente porque a distribuio de probabilidade dos fl uxos de caixa futuros muda medida que a probabilidade da incidncia dos custos de falncia muda, i.e., medida que a razo entre capital de terceiros e capital prprio aumenta. Acreditamos que a existncia de custos de agncia fornece razes mais slidas para ar-gumentar que a distribuio de probabilidade de fl uxos de caixa futuros no independente da estrutura de pro-priedade ou de capital.

    Apesar de a incluso de custos de falncia na presena de subsdios fi scais leva a uma teoria que defi na uma es-trutura de capital tima,36 argumentamos que essa teoria gravemente incompleta, j que implica que nenhum capi-tal de terceiro jamais deveria ser utilizado na ausncia de subsdios fi scais se os custos de falncia forem positivos. Como sabemos que o capital de terceiros j era comu-mente utilizado antes da existncia dos subsdios fi scais atuais para os pagamentos de juros, essa teoria no inclui o que seriam importantes determinantes da estrutura de capital corporativa.

    Alm disso, nem os custos de falncia nem a existncia de subsdios fi scais podem explicar a utilizao de ao preferencial ou ttulos conversveis sem nenhuma vanta-gem fi scal e no h nenhuma teoria que nos informe algo sobre o que determina a parcela dos direitos sobre o ca-pital prprio detido por insiders em oposio a outsiders, que a nossa anlise apresentada na Seo 2 sugere ser to importante. Retornaremos a essas questes mais adiante, aps analisar em detalhes os fatores que afetam os custos de agncia associados ao capital de terceiros.

    OS CUSTOS DE AGNCIA DO CAPITAL DE TERCEIROSEm geral, se os custos de agncia resultantes da existn-cia de proprietrios externos forem positivos, compen-sar ao proprietrio ausente (i.e., os acionistas) vender

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    as aes a um proprietrio-administrador que possa evitar esses custos.37 Isso poderia ser concretizado, em princpio, fazendo com que o administrador se torne o nico detentor do capital prprio por meio da recom-pra de todos os direitos sobre dos acionistas externos com fundos obtidos por meio da emisso de dvidas de responsabilidade limitada e a utilizao de sua prpria riqueza pessoal. Essa empresa de um nico propriet-rio no sofreria com os custos de agncia associados aos acionistas externos. Desta forma, deve haver razes con-vincentes para explicar por que encontramos to grande preponderncia da forma organizacional caracterizada por fi rmas corporativas de posse pulverizada fi nanciadas por capital prprio.

    Um empresrio inteligente, ansioso pela expanso, tem a possibilidade de projetar toda uma hierarquia de obrigaes fi xas sobre ativos e lucros, com prmios pagos para diferentes nveis de risco.38 Por que no observamos grandes empresas de propriedade individual com uma pequena parcela do capital fornecida pelo empresrio em forma de 100 por cento do capital prprio, e o resto simplesmente tomado de emprstimo? Acreditamos que isso ocorre por uma srie de razes: (1) os efeitos sobre o incentivo associados a fi rmas altamente alavancadas, (2) os custos de monitoramento que esses efeitos sobre o incentivo implicam e (3) os custos e falncia. Alm dis-so, todos esses custos so meramente aspectos especfi cos dos custos de agncia associados existncia de direitos sobre o capital de terceiros na fi rma.

    Os efeitos sobre o incentivo associados ao capital de terceirosNo encontramos muitas grandes fi rmas fi nanciadas quase inteiramente com capital de terceiros (i.e., direitos no re-siduais) em virtude do efeito que uma estrutura fi nanceira como essa teria sobre o comportamento do proprietrio-administrador. Credores potenciais no concedero um emprstimo de $100.000.000 a uma to fi rma na qual o a empresrio tem um investimento de $10.000. Com essa estrutura fi nanceira, o proprietrio-administrador ter um grande incentivo a se envolver em atividades (inves-timentos) que prometam compensaes pessoais muito altas se forem bem-sucedidas, mesmo se apresentarem uma probabilidade muito baixa de sucesso. Se as ativida-des tiverem sucesso, ele se favorece da maior parte dos ganhos, mas, se no tiverem sucesso, os credores arcam com a maior parte dos custos.39

    Para ilustrar os efeitos sobre o incentivo associados existncia de capital de terceiros e para proporcionar um quadro conceitual no qual podemos discutir os efeitos

    dos custos de monitoramento e de concesso de garantias contratuais, transferncias de riqueza e a incidncia de custos de agncia, consideraremos, mais uma vez, uma si-tuao simples. Suponha uma empresa de propriedade de um administrador sem dvidas em aberto em um mundo onde no existem impostos. A fi rma tem a oportunidade de optar por uma das duas oportunidades de investimen-to de mesmo custo e mutuamente exclusivas, cada uma das quais resulta em um resultado (payoff) aleatrio,

    , T perodo no futuro (j = 1, 2). Atividades de produo e monitoramento so realizadas continuamente entre o tempo 0 e o tempo T, e os mercados nos quais os direitos sobre a empresa podem ser negociados se mantm conti-nuamente abertos ao longo desse perodo. Aps o tempo T a fi rma no tem mais atividades produtivas, de forma que o resultado inclui a distribuio de todos os ativos restantes. Para fi ns de simplifi cao, presumimos que as duas distribuies apresentam distribuio log normal e o mesmo lucro total esperado, E( ), onde defi ni-do como o logaritmo do lucro fi nal. As distribuies s diferem em suas varincias, com . Os riscos sis-temticos ou de covarincia de cada uma das distribui-es,

    j, no modelo de precifi cao de ativos de capital

    de Sharpe (1964) Lintner (1965), so supostamente idnticos. Presumindo que os preos dos ativos sejam determinados de acordo com o modelo de precifi cao de ativos de capital, as premissas anteriores sugerem que o valor de mercado total de cada uma dessas distribuies idntico e representamos esse valor por V.

    Se o proprietrio-administrador tiver o direito de de-cidir qual programa de investimento escolher e, se, aps a sua deciso ele tiver a oportunidade de vender parte ou todos os seus direitos sobre os resultados na forma de ca-pital de terceiros ou de aes, ele se manter indiferente entre os dois investimentos.40

    Contudo, se o proprietrio tiver a oportunidade de primeiro emitir a dvida e depois decidir quais inves-timentos fazer e depois vender todos ou parte de suas aes no mercado, ele no se manter indiferente en-tre os dois investimentos. A razo para isso que, ao prometer optar pelo projeto de baixa varincia, vender obrigaes e depois optar pelo projeto de alta varincia, ele pode transferir riqueza dos detentores (ingnuos) das obrigaes para si na qualidade de um detentor do capital prprio.

    X* a quantia dos direitos fi xos na forma de uma obrigao sem cupom vendida aos detentores das obri-gaes de forma que o lucro total para eles, R

    j (j = 1,

    2, representa a distribuio escolhida pelo administra-dor), :

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    B1 o valor atual de mercado dos direitos dos detento-

    res das obrigaes se o investimento 1 for escolhido e B

    2 o valor atual de mercado dos detentores das obri-

    gaes se o investimento 2 for escolhido. Como neste exemplo o valor total da fi rma, V, independe da opo de investimento e tambm da deciso de fi nanciamento, podemos utilizar o modelo de precifi cao das opes de Black-Scholes (1973) para calcular os valores do ca-pital de terceiros, B

    j, e do capital prprio, S

    j, em cada

    uma dessas opes.41

    Black-Scholes obtm a soluo para o valor de uma opo de compra europia (uma opo que pode ser exercida somente na data de vencimento) e argumen-tam que a equao resultante de precifi cao da opo pode ser utilizada para determinar o valor dos direitos sobre o capital prprio de uma empresa alavancada. Isto , os acionistas de uma fi rma como essa podem ser vistos como detendo uma opo de compra europia no valor total da fi rma com preo de exerccio igual a X* (o valor nominal da dvida), que pode ser resgata-da na data de vencimento da emisso da dvida. Visto de forma mais simples, os acionistas tm o direito de comprar a fi rma de volta dos detentores das obriga-es pelo preo X* no tempo T. Merton (1973, 1974) mostra que, medida que a varincia da distribuio do resultado aumenta, o valor da ao (i.e., a opo de compra) sobe e, como as nossas duas distribuies diferem apenas em suas varincias, , o valor do capital prprio S

    1 menor que S

    2. Isso implica em B

    l >

    B2, j que B

    1 = V S

    1 e B

    2 = V S

    2.

    Agora que o proprietrio-administrador pode vender obrigaes ao valor nominal X* nas condies de que os detentores das obrigaes acreditaram que seria um direito sobre a distribuio 1, ele receber um preo B

    1.

    Depois de vender as obrigaes, a sua participao de capital prprio na distribuio 1 ter o valor S

    1. Mas sa-

    bemos que S2 maior que S

    l e, desta forma, o adminis-

    trador pode se benefi ciar mudando o investimento para se favorecer da distribuio 2 de varincia superior, re-distribuindo, desta forma, a riqueza dos detentores das obrigaes para si mesmo. Tudo isso pressupe, cla-ro, que os detentores das obrigaes no teriam como impedi-lo de mudar o programa de investimentos. Se os detentores das obrigaes no puderem fazer isso, e se nota-

    rem que o administrador tem a oportunidade de se apossar da distribuio 2, eles pagaro ao administrador apenas B

    2 pelo direito X*, percebendo que o comportamento maxi-

    mizador do administrador o leva a escolher a distribuio 2. Neste caso, no h redistribuio de riqueza entre os detentores das obrigaes e os acionistas (e, em geral, com expectativas racionais, isso nunca ocorrer) e ne-nhuma perda de bem-estar. fcil desenvolver um caso, contudo, no qual esses efeitos sobre o incentivo de fato geram custos reais.

    Suponhamos que a distribuio 2 do fl uxo de caixa no exemplo anterior tenha um valor esperado, E(X

    2), mais

    baixo que o da distribuio 1. Assim, sabemos que V1 >

    V2, e, se V, que dado por:

    for suficientemente pequeno em relao reduo do valor das obrigaes, o valor da ao aumentar.42 Reorganizando a expresso para V, notamos que a di-ferena entre o capital prprio dos dois investimentos dada por:

    e o primeiro termo do lado direito, B1 B

    2, a quantia

    de riqueza transferida dos detentores das obrigaes e V

    1 V

    2 a reduo do valor geral da fi rma. Como sabe-

    mos que B1 > B

    2, S

    2 S

    1 pode ser positivo mesmo apesar

    de a reduo do valor da fi rma, V1 V

    2, ser positiva.43

    Mais uma vez, os detentores das obrigaes no perdero se forem capazes de identifi car a motivao do adminis-trador detentor de capital prprio e a sua oportunidade de optar pelo projeto 2. Eles presumiro que ele escolher o investimento 2 e, desta forma, no pagaro mais do que B

    2 pelas obrigaes quando elas forem emitidas.Neste exemplo simples, o valor reduzido da fi rma,

    V1 V

    2, o custo de agncia resultante da emisso da

    dvida44 e gerado pelo proprietrio-administrador. Se ele pudesse fi nanciar o projeto com a sua prpria riqueza pessoal, ele claramente escolheria o projeto 1, j que o seu desembolso para o investimento deveria ser igual ao do projeto 2 e o seu valor de mercado, V

    1, seria maior.

    Essa perda de riqueza, V1 V

    2, a parcela do custo re-

    sidual do que defi nimos como custos de agncia e gerada pela cooperao necessria para levantar fundos para fazer o investimento. Uma outra parte importante dos custos de agncia so os custos de monitoramento e de concesso de garantias contratuais, cujo papel ana-lisaremos a seguir.

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    RAE-CLSSICOS TEORIA DA FIRMA: COMPORTAMENTO DOS ADMINISTRADORES, CUSTOS DE AGNCIA E ESTRUTURA DE PROPRIEDADE

    O papel dos custos de monitoramento e de concesso de garantias contratuaisEm princpio, seria possvel para os detentores da dvida, por meio da incluso de vrias disposies contratuais, limitar o comportamento dos administradores, o que re-sultaria em redues do valor das obrigaes. Clusulas que impem restries s decises da administrao re-lativas a fatores como dividendos, emisses de dvidas futuras45 e manuteno do capital ativo no so raras em emisses de dvida.46 Para proteger completamente os detentores das obrigaes dos efeitos sobre o incentivo, essas clusulas deveriam ser incrivelmente detalhadas e cobrir a maioria dos aspectos operacionais do empre-endimento, incluindo limitaes ao risco dos projetos realizados. Os custos envolvidos na elaborao de tais clusulas, os custos de garantir o seu cumprimento e a rentabilidade reduzida da fi rma (resultante da limitao contratual ocasional capacidade da administrao de promover aes timas relativas a algumas questes) provavelmente seriam signifi cativos. Com efeito, pelo fato de a administrao se manter em um processo deci-srio contnuo, seria praticamente impossvel especifi car completamente todas as condies sem que os prprios detentores das obrigaes fossem obrigados a assumir as funes do administrador. Todos os custos associados a clusulas como essas so o que chamamos de custos de monitoramento.

    Os detentores das obrigaes tero incentivos a se envolver na elaborao dessas clusulas e no monito-ramento das aes do administrador at o ponto em que o custo marginal nominal dessas atividades para os detentores das obrigaes seja igual aos benefcios marginais que percebem em sua elaborao. Utilizamos aqui a palavra nominal porque os detentores das obri-gaes na verdade no arcaro com esses custos. Se eles reconhecerem a sua existncia, eles levaro esses custos em considerao na especifi cao do preo que pagaro por qualquer direito sobre o capital de terceiros47 e, des-ta forma, o vendedor do direito (o proprietrio) arcar com os custos da mesma forma como no caso do capital prprio discutido na Seo 2.

    Alm disso, o administrador tem incentivos para le-