tcu condena ex-prefeito de miguel alves-pi

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 012.348/2014-7 GRUPO I – CLASSE II – 2ª Câmara TC 012.348/2014-7 Natureza: Tomada de Contas Especial Entidade: Município de Miguel Alves/PI Responsável: Valter Lima (CPF: 078.708.503-06) Representação legal: Edson Vieira Araújo (3285/PI-OAB). SUMÁRIO: TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS DE RECURSOS DE CONVÊNIO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO PREFEITO SUCESSOR. CITAÇÃO. ALEGAÇÕES DE DEFESA. TRANSFERÊNCIA INTEGRAL DOS RECURSOS PARA CONTA DA PREFEITURA. IMPOSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE BENEFÍCIO À MUNICIPALIDADE. RESPONSABILIDADE DO EX-PREFEITO PELA INTEGRALIDADE DO DÉBITO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA. RELATÓRIO Trata-se de tomada de contas especial instaurada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em desfavor dos Srs. Valter Sá Lima e Miguel Borges de Oliveira Junior, ex-prefeitos municipais de Miguel Alves/PI, diante da omissão no dever de prestar contas dos recursos oriundos do Convênio 655661/2008, celebrado entre o FNDE e a municipalidade, com vistas à aquisição de veículo automotor destinado ao transporte diário de alunos da educação básica, no âmbito do Programa Caminho da Escola. 2. O Convênio 655661/2008 vigorou entre 24/6/2008 e 31/3/2011, abrangendo as respectivas gestões dos dois responsáveis: Valter Sá Lima (2005/2008) e Miguel Borges de Oliveira Junior (2009/2012), destacando que, por intermédio da avença, foi transferida a quantia de R$ 170.973,00 para o município, ao qual coube a contrapartida de R$ 1.727,00, totalizando R$ 172.700,00. 3. Os recursos foram creditados em parcela única (2008OB656635), em 8/7/2008, e sacados integralmente no dia 8/8/2008, remanescendo o 1

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Convênio de 2008 para compra de ambulância;Contas reprovadas

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 012.348/2014-7

GRUPO I – CLASSE II – 2ª CâmaraTC 012.348/2014-7 Natureza: Tomada de Contas EspecialEntidade: Município de Miguel Alves/PIResponsável: Valter Sá Lima (CPF: 078.708.503-06) Representação legal: Edson Vieira Araújo (3285/PI-OAB).

SUMÁRIO: TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS DE RECURSOS DE CONVÊNIO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO PREFEITO SUCESSOR. CITAÇÃO. ALEGAÇÕES DE DEFESA. TRANSFERÊNCIA INTEGRAL DOS RECURSOS PARA CONTA DA PREFEITURA. IMPOSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE BENEFÍCIO À MUNICIPALIDADE. RESPONSABILIDADE DO EX-PREFEITO PELA INTEGRALIDADE DO DÉBITO. CONTAS IRREGULARES. DÉBITO. MULTA.

RELATÓRIO

Trata-se de tomada de contas especial instaurada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em desfavor dos Srs. Valter Sá Lima e Miguel Borges de Oliveira Junior, ex-prefeitos municipais de Miguel Alves/PI, diante da omissão no dever de prestar contas dos recursos oriundos do Convênio 655661/2008, celebrado entre o FNDE e a municipalidade, com vistas à aquisição de veículo automotor destinado ao transporte diário de alunos da educação básica, no âmbito do Programa Caminho da Escola.2. O Convênio 655661/2008 vigorou entre 24/6/2008 e 31/3/2011, abrangendo as respectivas gestões dos dois responsáveis: Valter Sá Lima (2005/2008) e Miguel Borges de Oliveira Junior (2009/2012), destacando que, por intermédio da avença, foi transferida a quantia de R$ 170.973,00 para o município, ao qual coube a contrapartida de R$ 1.727,00, totalizando R$ 172.700,00. 3. Os recursos foram creditados em parcela única (2008OB656635), em 8/7/2008, e sacados integralmente no dia 8/8/2008, remanescendo o saldo de R$ 973,00 na conta corrente específica do ajuste, conforme evidenciado em extrato bancário (Peça 1, p. 350).4. Em vista da configurada omissão no dever de prestar contas dos recursos recebidos por intermédio do Convênio 655661/2008, a Secex/PI apresentou a proposta de que fosse citado apenas o Sr. Valter Sá Lima, conforme a instrução inaugural do feito (Peça 4), fundando essa proposição no reconhecimento de que o Sr. Miguel Borges de Oliveira Júnior, como prefeito sucessor, havia adotado as medidas legais cabíveis em face da omissão de seu antecessor, bem como na insignificância do valor remanescente na conta bancária específica (R$ 973,00), durante o seu período de gestão.5. Regularmente citado, o responsável apresentou alegações de defesa que mereceram a detida análise por parte da Secex/PI, nos termos da instrução de mérito lançada pelo auditor federal à Peça 4 dos autos, com a anuência dos dirigentes da unidade técnica, nos seguintes termos:

“HISTÓRICO3. Conforme o Relatório de TCE n. 6/2014

DIREC/COTCE/CGCAP/DIFIN/FNDE/MEC (peça 2, p. 194-203), com a expiração do prazo para apresentação da prestação de contas, foram encaminhados o Ofício n. 1.595/2009 – DIREL/COAPC/CGCAP/DIFIN/FNDE (peça 1, p. 174) ao Sr. Valter Sá Lima, prefeito à época da

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aplicação dos recursos, e o Ofício n. 1.596/2009 – DIREL/COAPC/CGCAP/DIFIN/FNDE (peça 1, p. 182) ao Sr. Miguel Borges de Oliveira Júnior, então prefeito, solicitando a prestação de contas faltante.

3.1 O FNDE informa que uma vez mais diligenciou aos Srs. Valter Sá Lima e Miguel Borges de Oliveira Junior para obtenção da documentação comprobatória da aplicação dos recursos. O primeiro ainda apresentou “expediente não numerado, de 12 de agosto de 2011, protocolizado neste FNDE, em 29 de agosto de 2011, sob o n. 180474/11/-1 afirmando ter prestado contas” (peça 1, p.260).

3.2 Como não foi apresentada a documentação solicitada e remanescesse saldo na conta específica do convênio na gestão do Sr. Miguel Borges de Oliveira Júnior, o qual também omitiu-se no dever de prestar contas nos termos da Súmula 230 do TCU, conforme extrato bancário, arrolaram-se tanto o prefeito municipal à época da formalização da avença quanto seu sucessor como responsáveis.

3.3 Notificados novamente a apresentarem esclarecimentos, quedaram-se inertes. 3.4 Certificado de Auditoria (peça 2, p. 224), Parecer do Dirigente de Controle Interno

(peça 2, p. 225) e Pronunciamento Ministerial (peça 2, p. 228) acompanharam os pronunciamentos técnicos no sentido da corresponsabilidade do prefeito e seu sucessor.

4. Na sequência, elaborou-se instrução inicial (peça 4), da qual destacamos alguns excertos:

4. Configura-se, pois, a omissão no dever de prestar contas, hipótese ensejadora de julgamento pela irregularidade das contas, nos termos do art. 16, III, ‘a’, da Lei 8.443/92.

4.1 Fixado o prazo de vigência do convênio entre os dias 24/6/2008 e 31/3/2011, a responsabilidade pela omissão no dever de prestar contas, causa da instauração do presente processo, recairia sobre os Srs. Valter Sá Lima e Miguel Borges de Oliveira; o primeiro, responsável pela celebração do convênio e recebedor dos recursos e o segundo, sucessor no cargo ainda durante a vigência da avença.

4.2 A Súmula TCU 230 dispõe competir ao prefeito sucessor apresentar as contas referentes aos recursos federais recebidos por seu antecessor, quando este não o tiver feito ou, na impossibilidade de fazê-lo, adotar as medidas legais visando ao resguardo do patrimônio público com a instauração da competente tomada de contas especial, sob pena de corresponsabilidade. Nada mais que um corolário do próprio princípio da continuidade administrativa.

4.4 No caso em tela, quanto à responsabilização do gestor sucessor pela não apresentação da prestação de contas, entretanto, entende-se que seria uma demasia sua citação pessoal e a apenação com rejeição de suas contas.

4.5 É que, conforme o extrato bancário (peça 1, p. 350), a quase totalidade dos recursos foram sacados de uma vez só (R$ 170.000,00), em 8/8/2008, sendo que o saldo de valor diminuto (R$ 973,00) é que permaneceu em conta no início de 2009, quando do início do mandato do Sr. Miguel Borges de Oliveira Júnior.

4.6 Nesse ponto, impende destacar que embora a responsabilidade da apresentação da prestação de contas se transmita ao sucessor, o efetivo gestor dos recursos continua com o dever de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos federais que geriu perante os órgãos de controle externo e interno por mandamento constitucional (CF, art. 70, parágrafo único).

4.7 Pelo princípio da continuidade administrativa, incumbiria, sem dúvida, ao sucessor, caso possível, a apresentação da prestação de contas. No entanto elide-se a responsabilidade daquele impossibilitado de prestar as contas e que adotou as medidas legais cabíveis.

4.8 No caso concreto, o sucessor apresentou representação ao próprio TCU, autuado sob o número TC 022.777/2009-4, dando conta da ausência de prestação de contas do convênio (Acórdão 5.947/2009 – TCU – 1ª Câmara à peça 1, p. 218; instrução

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de mérito à peça 1, p. 220-221). Também manejou ação judicial perante juízo federal (petição à peça 2, p. 170-184) e representação criminal (peça 2, p. 86-192) acusando a inexecução do convênio e a ausência da documentação correlata, buscando retirar o município da situação de inadimplência no Siafi.

4.9 Vê-se que buscou o município, através do prefeito, adotar as medidas legais cabíveis, o que é indicativo da impossibilidade efetiva de prestar contas.

4.10 Restaria, pois, a questão do saldo de convênio em conta no período da gestão do sucessor. Como dito, trata-se de valor de pouquíssima monta e os extratos acostados aos autos demonstram que os recursos permaneceram em conta específica, pelo menos até a data em que os documentos bancários cobriam (junho/2009).

4.11 Os custos decorrentes da execução de um débito tão irrisório recomendam a exclusão, desde logo, do gestor sucessor do rol de responsáveis, simplificando assim o próprio transcorrer desta TCE, recaindo a citação somente na pessoa do Sr. Valter Sá Lima.

(...)PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO7. Ante o exposto, propõe-se:a) realizar a citação do Sr. Valter Sá Lima (CPF 078.708.503-06), ex-prefeito do

município de Miguel Alves, com fundamento nos arts. 10, § 1º, e 12, incisos I e II, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 202, incisos I e II, do RI/TCU, para que, no prazo de quinze dias, apresente alegações de defesa e/ou recolha aos cofres do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a quantia abaixo indicada, atualizada monetariamente a partir da respectiva data até o efetivo recolhimento, abatendo-se na oportunidade a quantia eventualmente ressarcida, na forma da legislação em vigor, em decorrência da omissão no dever de prestar contas dos recursos transferidos ao município de Miguel Alves-PI por força do Convênio 655661 (Siafi 626238), em desacordo ao previsto no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal, o art. 93 do Decreto-Lei 200/67 e à cláusula nona do referido convênio:

VALOR ORIGINAL

(R$)

DATA DA OCORRÊNCIA

170.000,00 8/8/2008

5. O responsável foi citado por força do Ofício 0504/2015 – TCU/SECEX/PI (peça 8), e apresentou suas alegações de defesa (peça 10), que passamos a sumariar e, na sequência, a analisar.

EXAME TÉCNICOARGUMENTO6. À guisa de justificativa, o ex-gestor afirma, à peça 10, que, em face da proximidade

do pleito eleitoral, e da consequente pressão sofrida por parte do Ministério Público e dos adversários, postergou a aplicação dos recursos para depois das eleições.

6.1 Tendo sido derrotado, resolveu passar todos os recursos para a nova Administração. Assim, não houve aplicação dos recursos, mas transferência destes, por um erro burocrático, para uma conta do município, onde ficou à disposição da nova administração municipal.

6.2 Posteriormente, requisitou, ainda, através de procurador, a juntada da petição original (peça 12, p. 2-3) e a juntada de documentação anexa (peça 12, p.4-107). A documentação anexada constituía-se de cópias do próprio processo e de contas bancárias de titularidade da prefeitura de Miguel Alves.

ANÁLISE

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7. Compulsando a documentação bancária, verifica-se que, nos extratos referentes à conta de titularidade da PM de Miguel Alves, conta nº 13.084-2-X, Ag. 2298-5, consta crédito de R$ 170.000,00 no dia 8/8/2008 (peça 12, p. 50), mesma data e valor da transferência verificada na conta específica do convênio (peça 12, p. 40).

7.1 Trata-se de um indício de que houve a transferência dos valores para outra conta de titularidade do município, o que, se confirmado, poderia elidir a responsabilidade pelo débito, que recairia sobre o município, em caso de comprovação de que este se beneficiou dos recursos, embora o ex-gestor continuasse passível de punição com multa e julgamento pela irregularidade das contas, nos termos da jurisprudência dominante do TCU (ver Acórdão 249/2014 – Plenário, Acórdão 2.160/2007 – 1ª Câmara, Acórdão 2.370/2005-1ª Câmara) e do disposto na Decisão Normativa TCU 57/2004.

7.2 No entanto, há de restar comprovado cabalmente tanto que não houve locupletamento do gestor quanto os benefícios à pessoa jurídica. Veja-se que a conta pretensamente beneficiada, só naquele mês, foi objeto de vários saques de recursos cuja destinação é incerta (ver peça 12, p. 49-56), fato se repete nos meses anteriores (ver peça 12, p. 61-80, 83, 94-105).

7.3 Importante notar que a retirada dos recursos da conta específica impede o estabelecimento do nexo causal entre as despesas realizadas e os recursos federais recebidos. Vale dizer que, sendo bem fungível, o dinheiro desviado da conta mistura-se à massa de recursos da conta municipal, que é alimentada, conforme o extrato, com recursos do FPM e da arrecadação de tributos municipais.

7.4 Ademais, cabe ressaltar que não restou cabalmente comprovada a transferência entre a conta corrente específica e a conta corrente da prefeitura, haja vista que não foi apresentado o respectivo comprovante de transferência bancária.

7.5 Ainda que estivesse devidamente documentada, a transferência de recursos para a conta municipal não comprova que os recursos conveniados foram utilizados em benefício da municipalidade, uma vez que o ônus de provar o nexo causal entre os recursos transferidos e as despesas é do gestor, não da prefeitura. Não o tendo feito, cabe ao gestor responder pessoal e integralmente pelo débito. Neste sentido são os Acórdãos 3.945/2009-1ª Câmara e 2.529/2008-2ª Câmara, entre outros. É que, tendo o gestor transferido os recursos do convênio da conta específica para outra geral em que transitam inúmeras receitas e despesas, os recursos financeiros, como bens fungíveis que são, tornam-se indistintos. Dessa forma, é impossível afirmar-se que os recursos foram gastos para o pagamento desta ou daquela despesa, tornando-se impossível provar que determinada despesa foi efetuada com os recursos federais objeto do convênio.

7.6 Nesse sentido o voto do Relator, Exmo. Sr. Ministro José Múcio Monteiro, no julgamento do processo TC 011.699/2006-3 (Acórdão 2275/2013-1ª Câmara):

17. O Ministério Público ratifica a proposição da unidade técnica, assentando que a reparação do dano deve ser de exclusiva responsabilidade do ex-prefeito, diante da inexistência nos autos de prova concreta de que a aplicação dos recursos tenha favorecido o interesse público e beneficiado a comunidade.

18. Traz excerto do Acórdão 3.945/2009-1ª Câmara para ilustrar entendimento firme do Tribunal de que, em casos como o ora enfrentado, ‘não bastaria comprovar o crédito dos recursos em outras contas da prefeitura, mas seu efetivo destino a partir da transferência irregular, sob pena de se acolher a tese, incorreta, claro, de que a transferência dos recursos federais para outras contas do convenente lhe daria maior flexibilidade na utilização dos recursos, fazendo letra morta da exigência legal de comprovação das despesas e do respectivo nexo de causalidade’.

19. Realmente, a simples transferência dos recursos para outras contas de titularidade da prefeitura não se mostra bastante para afastar a responsabilidade do gestor dos recursos pela recomposição dos cofres públicos, nem para condenar em débito o ente federativo.

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7.7 Veja-se, ainda, excerto de voto condutor do Acórdão 1.637/2015-TCU-1ª Câmara, também da lavra do Exmo. Sr. Ministro-Relator José Múcio Monteiro:

Por ocasião da auditoria realizada pelo Denasus, os responsáveis pela gestão financeira dos recursos vinculados a programas federais de saúde no Município de Serrano do Maranhão/MA não foram capazes de apresentar documentos comprobatórios de diversos lançamentos observados nas respectivas contas-correntes.

2. Por outro lado, a documentação obtida pelo Tribunal a respeito da movimentação bancária evidenciou que houve emissão de cheques para transferência de valores para outras contas da prefeitura e para saques em dinheiro.

3. Como consequência, não é possível estabelecer qualquer correspondência entre os recursos envolvidos em tais operações e sua aplicação nas finalidades previstas.

4. Cabe, de fato, a responsabilização dos então prefeito e tesoureiro municipais, que assinaram os cheques determinando as retiradas, não obstante o óbvio conhecimento de que não seriam para o pagamento direto de fornecedores ou colaboradores, como prescrevem as normas. Neste caso, não vejo sequer como responsabilizar solidariamente o município, uma vez que, mesmo quando valores foram transferidos para outras contas, não há demonstração de que o ente federativo tenha efetivamente se beneficiado, porque não se sabe a destinação final do dinheiro.7.8 Não é despiciendo lembrar, ainda, que, em face do ordenamento jurídico vigente,

cabe ao responsável demonstrar, a tempo e modo, a boa aplicação dos recursos públicos federais geridos (art.70, parágrafo único da Constituição Federal c/c arts. 93 do Decreto-Lei 200/67 e 66 e 145 do Decreto 93.872/86). É neste sentido o Enunciado de Decisão TCU 176, segundo o qual “compete ao gestor comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos, cabendo-lhe o ônus da prova.”

7.9 Outrossim, não é muito lógica sua alegação de que deixou de aplicar os recursos em decorrência da pressão exercida pelo Ministério Público ou adversários. Considera-se que o melhor caminho seria garantir desde logo o cumprimento do objeto, mesmo porque tratava-se de aquisição de transporte escolar a partir de adesão à ata de pregão para registro de preços do FNDE/Caminho da Escola (cláusula terceira, II, ‘h’, do convênio), procedimento que facilita o trâmite administrativo na prefeitura e afasta a responsabilidade do gestor pelo processo licitatório e o preço de aquisição.

7.10 Isto posto, considera-se que as alegações de defesa não podem ser acatadas. 7.11 Estão resumidos no quadro abaixo os elementos necessários à responsabilização do

Sr. Valter Sá Lima nesta tomada de contas especial:

IrregularidadeNão comprovação da boa e regular aplicação dos recursos do Convênio

655661/2008

Responsável Valter Sá Lima (CPF 078.708.503-06), prefeito municipal de Miguel Alves/PI

Período de Exercício

1/1/2005 – 31/12/2008

Conduta Omissão, na qualidade de prefeito municipal de Miguel Alves/PI e responsável pela execução do Convênio 655661/2008 no município, no dever de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos ao FNDE.

Nexo de Causalidade

A omissão do responsável em prestar contas do CV 655651/2008 gera a presunção da não execução do objeto conveniado, bem como impossibilita a verificação do nexo de causalidade entre os recursos repassados e suas aplicações.

Culpabilidade

Não há nos autos nenhum indicativo de que o gestor tenha agido de boa-fé, uma vez que não respondeu às notificações do órgão repassador, bem como contrariou normas sobejamente conhecidas: parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal e art. 93 do Decreto-Lei n. 200/67.

CONCLUSÃO5

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8. O responsável não logrou comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos, uma vez que não adquiriu o objeto do convênio e não comprovou adequadamente a destinação dos recursos desviados da conta específica. Sendo assim é passível de imputação de débito e aplicação da multa do art. 57 da Lei 8.443/92.

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO9 Ante o exposto, propõe-se:9.1 julgar irregulares as contas do responsável Valter Sá Lima (CPF 078.708.503-06),

com fundamento nos arts. 16, inciso III, alíneas “a” e “b”; 19, caput; e 23, inciso III, da Lei nº 8.443/92 c/c o art. 214, inciso III, alínea “a”, do Regimento Interno/TCU, condenando-o a pagar o valor relacionado abaixo, atualizado monetariamente e acrescido dos juros de mora, calculados a partir da respectiva data até o dia do efetivo pagamento, e fixando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias, contados da ciência, para que comprove perante o TCU o recolhimento do montante aos cofres do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE):

VALOR ORIGINAL(R$)

DATA DA OCORRÊNCIA

170.000,00 8/8/2008

9.2 aplicar ao responsável a multa do art. 57 da Lei 8.443/92, fixando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias contados da notificação para que comprove perante o TCU o recolhimento do respectivo valor aos cofres do Tesouro Nacional, o qual deverá ser atualizado monetariamente, se pago após o vencimento;

9.3 autorizar, desde já, com amparo no art. 26 da Lei nº 8.443, de 1992, e no art. 217 do RITCU, o parcelamento das dívidas em até 36 (trinta e seis) prestações mensais e sucessivas, caso requerido, esclarecendo ao responsável que a falta de pagamento de qualquer parcela importará no vencimento antecipado do saldo devedor (art. 217, § 2º, do RITCU);

9.4 autorizar, desde logo, a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações; e

9.5 remeter cópia deste acórdão, acompanhado do relatório e voto, à Procuradoria da República no Estado do Piauí, para as medidas que entender cabíveis, nos termos do art.16, §3º, da Lei 8.443/92, e do art.209, §7º, do RI/TCU.”6. Enfim, à Peça 17, o representante do MPTCU manifestou a sua concordância com a aludida proposta da unidade técnica.

É o Relatório.

VOTO

Cuidam os autos de tomada de contas especial instaurada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em desfavor dos Srs. Valter Sá Lima e Miguel Borges de Oliveira Junior, ex-prefeitos municipais de Miguel Alves/PI, diante da omissão no dever de prestar contas dos recursos oriundos do Convênio 655661/2008, celebrado entre o FNDE e a municipalidade, com vistas à aquisição de veículo automotor destinado ao transporte diário de alunos da educação básica, no âmbito do Programa Caminho da Escola.2. Tal como historiado no Relatório precedente, o aludido ajuste foi firmado em 2008, na gestão do Sr. Valter Lima Sá, pelo valor de R$ 172.700,00, dos quais R$ 170.973,00 provieram da União e R$ 1.727,00, do município, lembrando que os recursos federais foram creditados na conta específica em parcela única, na data de 8/7/2008, e que, posteriormente, em 8/8/2008, foram transferidos na quase integralidade (R$ 170.000,00) para a conta corrente da prefeitura, restando um saldo de R$ 973,00 na conta específica do convênio.

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3. O Controle Interno sugeriu a irregularidade das contas com a responsabilização solidária dos ex-prefeitos pela totalidade dos recursos federais repassados (Peça 2, p. 224).4. Em exame preliminar, a Secex/PI propôs a exclusão da responsabilidade do ex-prefeito Miguel Borges de Oliveira Júnior, sucessor do Sr. Valter Lima Sá na gestão do município, em vista das medidas legais necessárias por ele adotadas, visando retirar o município da situação de inadimplência.5. Ademais, a unidade técnica ponderou que o saldo remanescente na conta corrente específica do convênio era de apenas R$ 973,00, por ocasião da assunção do aludido responsável na titularidade da prefeitura municipal.6. De minha parte, considerei adequada a medida alvitrada pela Secex/PI, uma vez que o Sr. Miguel Borges de Oliveira Júnior intentou a competente Ação de Improbidade Administrativa contra o Sr. Valter Lima Sá (Peça 2, p. 170-184), bem como formulou representação criminal noticiando a inexecução do Convênio 655661/2008 (Peça 2, p. 86/192), em consonância com a Súmula nº 230 do TCU, além de se observar que a insignificância dos valores que remanesceram na conta corrente específica não justificaria os custos de execução nesta TCE, como bem apontou a unidade técnica.7. Dessa forma, procedeu-se à citação do Sr. Valter Lima Sá, tendo as suas alegações de defesa (Peça 12) sido objeto de detida análise e adequada proposta de mérito por parte da Secex/PI, que, aliás, foi acompanhada pelo MPTCU.8. Com efeito, não prosperam os argumentos deduzidos pelo responsável para justificar a não aplicação dos recursos federais recebidos com a transferência desses valores para a conta do município.9. A alegação de que teria aguardado o desfecho das eleições municipais para dar início à aplicação dos recursos, em razão da pressão sofrida por seus adversários políticos, denota o total descompromisso do gestor para com as obrigações assumidas no termo de convênio e no respectivo plano de trabalho, não se mostrando adequado o argumento de que os recursos teriam sido remanejados para a conta corrente do município, retirando-os da conta específica do ajuste, sob o pretexto de disponibilizá-los para a nova administração.10. Verifica-se que, para além da inobservância à obrigação legal de gerir os recursos do convênio em conta corrente específica, o responsável agiu com inaceitável arbitrariedade sobre esses valores, em total dissonância com os termos pactuados no convênio.11. Demais disso, a transferência de valores da conta específica para a conta da prefeitura, na qual eram geridos recursos de natureza distinta e com finalidade diversa, impossibilitou materialmente a comprovação da boa e regular aplicação dos recursos oriundos do Convênio 655661/2008, inviabilizando o estabelecimento do necessário nexo de causalidade entre a o recurso federal e a eventual despesa realizada com vistas à consecução do objeto conveniado.12. Destarte, a conduta do Sr. Valter Lima Sá merece a pronta reprimenda deste Tribunal, cabendo o julgamento pela irregularidade de suas contas, com a aplicação da multa prevista no art. 57 da Lei Orgânica do TCU, nos termos propostos pela Secex/PI, com o aval do MPTCU.13. De todo modo, a responsabilidade pelo débito apurado nos autos comporta algumas considerações, consistentes na integralidade dos recursos federais transferidos ao município.14. Anoto, inicialmente, que, a despeito da transferência da totalidade dos recursos creditados na conta específica do convênio, para a conta corrente da prefeitura, não se deve pugnar, no presente caso concreto, pela condenação em débito do ente federado, já que não há evidências nos autos quanto à obtenção de benefícios pelo aludido município com a aplicação dos recursos federais.15. Ocorre que, apesar de a documentação bancária acostada aos autos indicar o depósito de R$ 170.000,00 na conta corrente da prefeitura (Conta 13.084-2-X, Ag. 2298-5), na mesma data em que se realizou a transferência operada na conta específica do convênio (Peça 12, pp. 40 e 50), não foi apresentado qualquer documento comprobatório dessa operação, nem prova de aplicação desses valores efetivamente se deu em proveito do objeto pactuado.16. Pelo contrário, observa-se que os demonstrativos bancários trazidos pelo responsável (Peça 12, pp. 49-56, 61-80, 83, 94-105) apenas corroboram a impossibilidade de se aferir a correta aplicação

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dos recursos federais do convênio, vez que os valores se somaram à massa financeira movimentada na conta corrente da prefeitura, sendo objeto de sucessivos saques para utilização em finalidades diversas.17. Por conseguinte, ao ex-prefeito Valter Sá Lima, cabe a responsabilidade pelo débito integral apurado nestes autos, em consonância com a proposta da unidade técnica e do MPTCU.19. Por tudo isso, e considerando a ausência de indicativos de boa-fé por parte do responsável, pugno pela irregularidade das contas do responsável, com a imputação do débito e a aplicação da multa legal, conforme proposto pela Secex/PI e pelo Parquet especial.

Ante todo o exposto, voto por que seja prolatado o Acórdão que ora submeto a este Colegiado.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 13 de outubro de 2015.

ANDRÉ LUÍS DE CARVALHO Relator

ACÓRDÃO Nº 8932/2015 – TCU – 2ª Câmara

1. Processo nº TC 012.348/2014-7. 2. Grupo I – Classe de Assunto: II – Tomada de Contas Especial. 3. Responsável: Valter Sá Lima (CPF 078.708.503-06).4. Órgão/Entidade: Prefeitura Municipal de Miguel Alves - PI.5. Relator: Ministro-Substituto André Luís de Carvalho.6. Representante do Ministério Público: Procurador-Geral Paulo Soares Bugarin.7. Unidade Técnica: Secretaria de Controle Externo no Estado do Piauí (SECEX/PI).8. Advogado constituído nos autos: Edson Vieira Araújo (3285/PI-OAB).

9. Acórdão:Vistos, relatados e discutidos estes autos de tomada de contas especial instaurada pelo Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em desfavor dos Srs. Valter Sá Lima e Miguel Borges de Oliveira Junior, ex-prefeitos municipais de Miguel Alves/PI, diante da omissão no dever de prestar contas dos recursos oriundos do Convênio 655661/2008, celebrado entre o FNDE e a municipalidade, com vistas à aquisição de veículo automotor destinado ao transporte diário de alunos da educação básica, no âmbito do Programa Caminho da Escola;

Os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da Segunda Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, ACORDAM em:9.1. julgar irregulares as contas do Sr. Valter Sá Lima, com fundamento nos arts. 16, inciso III, alíneas “a” e “b”, 19, caput, e 23, inciso III, da Lei nº 8.443, de 1992, c/c o art. 214, inciso III, alínea “a”, do Regimento Interno do TCU, para condená-lo ao pagamento do valor relacionado abaixo, atualizado monetariamente e acrescido dos juros de mora, calculados a partir da respectiva data até o dia do efetivo pagamento, fixando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias, contados da ciência, para que comprove perante o TCU o recolhimento do montante aos cofres do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE):

VALOR ORIGINAL (R$) DATA DA OCORRÊNCIA170.000,00 8/8/2008

9.2. aplicar ao Sr. Valter Sá Lima a multa prevista no art. 57 da Lei 8.443, de 1992, no valor de

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R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), fixando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias, contados da notificação, para que comprove perante o TCU o recolhimento do respectivo valor aos cofres do Tesouro Nacional, ma forma da legislação em vigor;9.3. autorizar, desde já, com amparo no art. 26 da Lei nº 8.443, de 1992, e no art. 217 do RITCU, o parcelamento das dívidas em até 36 (trinta e seis) prestações mensais e sucessivas, caso requerido, esclarecendo ao responsável que a falta de pagamento de qualquer parcela importará no vencimento antecipado do saldo devedor (art. 217, § 2º, do RITCU);9.4. autorizar, desde logo, a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações; e9.5. remeter cópia deste Acórdão, acompanhado do Relatório e do Voto, à Procuradoria da República no Estado do Piauí, para a adoção as medidas judiciais cabíveis, nos termos do art.16, § 3º, da Lei 8.443, de 1992, e do art.209, § 7º, do RITCU.

10. Ata n° 35/2015 – 2ª Câmara.11. Data da Sessão: 13/10/2015 – Ordinária.12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-8932-35/15-2.13. Especificação do quorum: 13.1. Ministros presentes: Raimundo Carreiro (Presidente) e Vital do Rêgo.

13.2. Ministros-Substitutos convocados: Marcos Bemquerer Costa e André Luís de Carvalho (Relator).

(Assinado Eletronicamente)RAIMUNDO CARREIRO

(Assinado Eletronicamente)ANDRÉ LUÍS DE CARVALHO

Presidente Relator

Fui presente:

(Assinado Eletronicamente)JÚLIO MARCELO DE OLIVEIRA

Procurador

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