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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS
Vanessa Ramos Rocha
O FALAR TAPIRAIENSE: UM ESTUDO SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE
A FALA DE JOVENS E DE IDOSOS DO MUNICÍPIO DE TAPIRAÍ.
Sorocaba/SP2012
Vanessa Ramos Rocha
O FALAR TAPIRAIENSE: UM ESTUDO SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE
A FALA DE JOVENS E DE IDOSOS DO MUNICÍPIO DE TAPIRAÍ.
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como exigência para
obtenção do Diploma de Graduação em
Letras Português e Inglês, da
Universidade de Sorocaba.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando
Gomes
Sorocaba/SP2012
Vanessa Ramos Rocha
O FALAR TAPIRAIENSE: UM ESTUDO SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE
A FALA DE JOVENS E DE IDOSOS DO MUNICÍPIO DE TAPIRAÍ.
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado
como requisito parcial para a obtenção do
Diploma de Graduação em Letras
Português e Inglês, da Universidade de
Sorocaba.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA:
Ass. ______________________________
1ºexaminador _______________________
Ass. ______________________________
2º.examinador ______________________
Ass. ______________________________
3º.examinador ______________________
Dedico este trabalho primeiramente, a Deus, pois em todos os momentos que eu achei que não seria possível seguir, ele me deu forças para continuar. Gostaria de dedicá-lo também a todas as pessoas que acreditaram em mim, e ao professor e orientador Luiz Fernando Gomes, que além de ter me guiado desde o principio, me fez enxergar que muitas vezes o caminho não é fácil, mas o resultado de todo o esforço é muito gratificante.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus pela oportunidade de realizar o meu grande
sonho de concluir um curso superior, e por ele nunca me abandonar nos momentos
mais difíceis da minha vida.
À minha mãe, Marilene, e ao meu pai, Gildate, que sempre torceram por mim.
Tenho certeza que mesmo distante, como eles se mantiveram desde o começo, os
dois pediram em oração para que eu vencesse essa etapa tão sofrida.
Às minhas irmãs, Cristiane e Priscila, que não acompanharam o meu
processo passo a passo, mas sempre tiveram orgulho de mim, pois eu sou a única
das quatro irmãs que até o momento cursou uma faculdade.
À minha irmã, Daiane, que sempre esteve ao meu lado. Foi ela quem
comprou o meu primeiro caderno quando eu comentei que pretendia estudar. Ela
sempre me deu forças quando eu achava impossível prosseguir com os estudos.
Ao Gilmar que, por inúmeras vezes, apoiou-me, ouviu-me reclamar, teve
muita paciência nos meus momentos de estresse. Ele ficou algum tempo afastado
da minha vida, não presenciou todos os momentos dessa minha luta, mas acredito
que ele sempre torceu pela minha vitória.
Ao meu querido e ilustre orientador, Luiz Fernando Gomes, que sempre me
ajudou. Ele foi muito importante para a elaboração deste trabalho, pois sempre
esteve pronto para instruir da melhor maneira possível. Fico muito feliz pelo
privilégio de ter sido orientada por um grande mestre, que me ensinou a questionar
ao invés de buscar por respostas prontas.
Aos meus professores, que de alguma maneira contribuíram para a minha
formação, especialmente: Roberto Samuel Sanches, a quem eu sou muitíssimo
grata, Paulo Edson Alves Filho, Maria Angélica Lauretti Carneiro, Daniela Ap.
Vendramini Zanella e Roberto Gill Camargo.
E, por fim, gostaria de agradecer a todos os meus amigos, principalmente:
João Paulo Hergesel, Lígia Martins, Paula Soares, Edi Moraes e Luciana Garbim,
pelo companheirismo, pela alegria e por toda a ajuda que me deram durante esses
três anos de curso.
Para realizar grandes conquistas, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar.
(Anatole France)
RESUMO
Há quem afirme que qualquer forma linguística que seja diferente da defendida pela
Nomenclatura Gramatical Brasileira é considerada errada, mas, de acordo com
alguns especialistas da língua, “falar diferente” não é falar erroneamente, e o que
pode parecer “erro” tem uma explicação lógica e científica (linguística, histórica,
sociológica, psicológica) na linguagem informal. Este trabalho pretende fazer uma
análise para descobrir as mudanças que estão ocorrendo na fala dos moradores
jovens do município de Tapiraí, em termos de léxico, fonemas e sintaxe. Nesta
pesquisa, discutem-se os conceitos de língua e fala. São também utilizadas a
sociolinguística e as variações linguísticas. Para o desenvolvimento da presente
análise, foi necessário gravar conversas do cotidiano, de cada categoria dos falantes
(homens, mulheres, jovens e idosos), sendo estes de diferentes classes sociais.
Essas gravações foram feitas de maneira simples e natural, afim de não constranger
o entrevistado. Após essa etapa, toda conversa foi transcrita para poder verificar as
possíveis variações. Ao concluir a presente pesquisa foi possível verificar algumas
poucas variações na fala dos tapiraienses, e perceber que tais mudanças podem
ocorrer em qualquer pessoa, visto que a língua não é usada de modo homogêneo
por todos os seus falantes, já que até mesmo os falantes são diferentes em muitos
sentidos.
Palavras-chave: Língua, Variações linguísticas, Sociolinguística.
ABSTRACT
Some people say that any linguistic form which is different from that defended by
NGB (Brazilian Grammatical Nomenclature) is considered wrong, but, according to
some experts in language, speaking differently is not speak wrongly, and what can
seem like an “error” has a logical, scientific (linguistic, historical, sociological, psycho-
logical) explanation in the informal language. This paper aims to do an analysis to
discover the changes that are occurring in the speech of young people who are resi-
dents in Tapiraí city, in terms of lexicon, syntax and phonemes. This research dis-
cusses the concepts of language and speech. Sociolinguistics and linguistic varia-
tions are also used. For the development of this analysis, it was necessary to record
the everyday conversations, from each category of speaker (men, women, young
and elderly people), which are of different social classes. These recordings were
made in a simple and natural way, in order to not embarrass the interviewee. After
this step, all conversations were transcribed in order to assess the possible variation.
By completing this survey we observed a few changes variations in the speech of
tapiraienses, and realize that such changes can occur in anyone, since the language
is not used seamlessly by all its speakers, since even the speakers are different in
many senses.
Keywords: Language, Language Variation, Sociolinguistics.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................10
1 LINGUÍSTICA: O ESTUDO DA LINGUAGEM HUMANA......................................11
1.1.Linguística: linguagem, língua e fala...............................................................11
1.2.Sociolinguística.................................................................................................15
1.3.Variações linguísticas.......................................................................................19
2 METODOLOGIA DE PESQUISA...........................................................................24
3 TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS...................................................................26
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................30
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................33
Outras referências...................................................................................................33
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INTRODUÇÃO
Desde o princípio, a minha intenção era pesquisar um assunto que me
trouxesse alegria e satisfação em desenvolvê-lo, por isso decidi falar de uma
situação que está entrelaçada ao meu dia-a-dia, ou seja, a linguagem dos habitantes
da minha cidade.
Eu trabalho na prefeitura municipal de Tapiraí, convivo diariamente com
diversas pessoas de diferentes idades e classes sociais. Com esse contato pude
perceber que há uma grande variação na linguagem delas, deixando-me intrigada
com o motivo de tal mudança, sendo que todos pertencem ao mesmo município.
A princípio eu iria pesquisar as gírias dos jovens tapiraienses, mas resolvi
ampliar a abrangência do assunto e, por fim, optei por analisar as mudanças que
estão ocorrendo na fala dos moradores jovens, em termos de léxico, fonemas e
sintaxe e verificar se tais mudanças podem ser atribuídas ao contato com a mídia e
a comunicação de massa.
Constantemente muitas pessoas afirmam que qualquer forma linguística
diferente é considerada errada, mas de acordo com o autor Marcos Bagno no seu
livro “A língua de Eulália” (2006, orelha do livro), falar diferente não é falar errado e o
que pode parecer erro no português não padrão tem uma explicação lógica,
científica (linguística, histórica, sociológica, psicológica). Sendo assim, o objetivo
pretendido é estudar a linguagem dos tapiraienses, desde os antigos até os mais
jovens, de acordo com o contexto (social, cultural e/ou financeiro) que cada um está
inserido e as mudanças que esta sofreu diante da modernidade.
Com essa pesquisa pretendo descobrir quais mudanças estão ocorrendo na
fala dos moradores jovens, em termos de léxico, fonemas e sintaxe? Tais mudanças
podem ser atribuídas ao contato com a mídia e a comunicação?
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1. LINGUÍSTICA: O ESTUDO DA LINGUAGEM HUMANA
Neste capítulo, estudarei sobre a linguística como ciência que estuda as
ações da linguagem e seus elementos: língua e fala. Estudarei ainda a
Sociolinguística, considerada a parte da linguística que estuda os aspectos
resultantes da relação entre a língua e a sociedade; e as variações linguísticas que
são as propriedades que a língua adquire com o passar do tempo em função do uso
de uma determinada comunidade.
1.1. Linguística: linguagem, língua e fala
Linguística é a ciência que estuda a linguagem humana, ou seja, a estrutura e
a função desta. O objeto da linguística é a linguagem, em outras palavras, é o
conjunto de componentes sonoros que os homens utilizam para comunicar-se. É
também por meio da linguagem que os indivíduos atuam entre si. Borba (1932, p.
36) afirma,
A linguística é uma ciência que procura determinar, com métodos próprios, a estrutura e a função da linguagem humana. Como a linguagem humana, isto é, a capacidade que tem o homem de comunicar-se por meio de sons articulados em si, é uma abstração, a linguística procura a concretização desta linguagem, ou seja, as línguas. O campo de ação da linguística é a linguagem, entendendo-se por este termo o sistema de elementos sonoros de que os homens se servem para comunicar seus sentimentos, volições e pensamentos. É também pela linguagem que os membros de um grupo social atuam entre si.
É por intermédio da linguagem que trocamos informações e experiências,
sendo possível conversar sobre tudo o que está a nossa volta, sobre coisas que
existiram ou até mesmo referente a coisas que imaginamos que virão a existir. De
acordo com Petter (2002, p. 11), “a linguagem verbal é, então, a matéria do
pensamento e o veículo da comunicação social. Assim como não há sociedade sem
linguagem, não há sociedade sem comunicação”.
A linguagem humana é um processo adquirido por aprendizagem, ou seja, o
homem é capaz de falar, sendo capaz de transferir sua experiência, da mesma
forma que pode tomar para si as experiências dos mais velhos, apropriando-se
13
também da sua língua. De acordo com Borba (1932, p. 39,40), “a linguagem é um
produto da cultura, pois uma língua só terá existência na medida em que depender
da cultura que, por sua vez, é grandemente expressa por ela. Assim a língua só
existe para expressar a cultura”.
A língua é uma linguagem verbal, um sistema programado em nosso cérebro,
um mecanismo abstrato, usado para os humanos se comunicarem, mas que não
provêm das nossas experiências, devido já estar enraizada em nós desde o nosso
nascimento. Tal mecanismo estabelece uma relação entre os esquemas mentais
que formam nossa compreensão do mundo. Segundo Perini (2010, p. 1),
Chamamos “língua” um sistema programado em nosso cérebro que, essencialmente, estabelece uma relação entre os esquemas mentais que formam nossa compreensão do mundo e um código que os representa de maneira perceptível aos sentidos. Os seres humanos utilizam um grande número de tais sistemas (“línguas”), que diferem em muitos aspectos e também se assemelham em muitos outros aspectos.
Para Saussure (1972 apud LOPES, 2001, p. 67), “língua constitui um sistema
supra-individual, na medida em que ela é definida não por um indivíduo, mas pelo
grupo social ao qual esse indivíduo pertence: a língua é um conceito social”.
Por ser um bem social, cada indivíduo encontra, ao nascer, formada e em
pleno funcionamento, a língua que deverá falar. A sociedade nos fixa a sua língua
como um código do qual devemos seguir se desejamos que as nossas mensagens
sejam compreendidas.
A língua pertence a todos os membros de uma sociedade, portanto é um fato
social, e esta, não pode ser criada nem modificada. Borba (1932, p. 64) afirma:
Enquanto a linguagem abrange um conjunto multiforme de fatores físicos, fisiológicos e psíquicos, a língua aparece como uma totalidade uniforme, pois tem uma função social predominante e é um sistema de signos distintos que pertencem a ideias distintas.
Esse mecanismo é uma parte essencial para a linguagem. Conforme
Saussure (1969 apud PETTER, 2002, p. 14) “é um produto social da faculdade da
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social
para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos”.
14
Sendo assim, a língua é um sistema que permite a comunicação entre os
indivíduos de uma sociedade, mas ela não pode ser alterada pelo falante, devido ao
fato de estar estabelecida pelos membros desta comunidade. A língua é para
Saussure (1969 apud PETTER, 2002, p. 14),
“um sistema de signos” – um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo. É “a parte social da linguagem”, exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade.
Diante disso, podemos perceber que a língua, é um mecanismo que não
muda e que está pronta para o uso, mas sem finalidade em si mesma, só tem uma
função quando empregada pelo indivíduo. Ao uso individual, que depende da
vontade e da inteligência do falante, dá-se o nome de fala.
De acordo com Lopes (2001, p. 77), “a langue é a condição para a existência
da parole, exatamente como a sociedade é a condição para a existência do
indivíduo”.
Segundo Borba (1932, p. 64) “na linguagem, pois, distinguem-se dois fatores
– a língua e a fala. Na parte psíquica da linguagem, a língua aparece como
essencial e social e a fala como parte acessória, executiva da língua”.
Com tal afirmação, é possível entender por fala, a realização consistente da
língua, feita por um indivíduo de uma determinada comunidade. É um ato individual
que cada pessoa realiza com o uso da linguagem, diferente da língua, que é um ato
social. O linguista Saussure (1969 apud PETTER, 2002, p. 14) afirma, “a fala é um
ato individual; resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código
da língua”.
Cada falante seleciona, ou seja, escolhe na língua os meios de expressão de
que precisa para comunicar-se, tornando possível a realização da fala. De acordo
com Borba (1932, p. 65), “a fala, de aplicação momentânea, é fruto da necessidade
psicológica de comunicação e expressão. Porque é a realização individual da língua,
torna-se flutuante e varia, pois muda de indivíduo para indivíduo, de situação para
situação”.
A fala pode variar de pessoa para pessoa, ou até mesmo conforme a situação
em que ela está inserida, mas a língua não muda e, nem pode ser criada pelo ato da
fala, pois o indivíduo recebe e usa aquilo que a sociedade lhe forneceu, ou até
15
mesmo, lhe estabeleceu. Borba (1932, p. 65) afirma, “falar é sempre um ato social,
mesmo quando se executa sem qualquer objetivo de intercâmbio social de ideias”.
A língua e a fala estão intimamente ligadas, as duas partes são inseparáveis
visto que uma depende da outra. De acordo com Saussure (1969 apud PETTER,
2002, p. 14), “a língua é condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o
exercício da fala”. Sendo assim, a língua é um produto social, imposto ao falante
pela sociedade.
Com a ação do tempo, as línguas podem se transformar. Mas junto com o
fator tempo devemos considerar ainda, a ação da fala, porque normalmente as
mudanças linguísticas começam com o falante, sendo ele o principal responsável
por ela. Conforme afirmação de Borba (1932, p. 66),
Uma língua só se transforma através dos tempos porque os falantes introduzem inovações. Uma inovação, porém, só passa para o domínio da língua quando sai do âmbito pessoal ou familiar e se coletiviza. Deve-se a mudança ao indivíduo porque a sociedade não é uma realidade independente desligada de seus membros.
A nossa língua materna é aprendida por ouvirmos a fala de outros, mas a fala
faz evoluir a língua, porque com o passar do tempo nossos hábitos linguísticos
mudam devido ao que ouvimos. Em outras palavras, as alterações da língua se
devem à fala.
O linguista Saussure (1962 apud BORBA, 1932, p. 66) afirma, “a fala é
anterior à língua, pois não se poderia associar uma ideia a uma imagem verbal se
não se surpreendesse logo esta associação num ato de fala”.
A língua não é um mecanismo constante, cada pessoa tem uma
característica, uma maneira especial de usá-la, preferências por determinadas
expressões ou até mesmo algumas palavras. Uma novidade na pronúncia começa
por um indivíduo e, logo passa à família, amigos e pessoas próximas, abrangendo o
circulo até tornar-se coletivo. A junção dessas mudanças dá origem ao dialeto, que é
um efeito que não depende do espaço geográfico, mas do tempo. De acordo com
Borba (1932, p. 71),
A ação do tempo é muitas vezes ajudada pela mudança de língua, por um motivo histórico qualquer (invasão, conquista, migração, etc.). Sabemos que os dialetos se formam não só pela diferenciação inerente como também pela transferência da língua.
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“A língua abandonada nunca desaparece de todo – hábitos de pronúncia,
construções idiomáticas e muitas palavras ainda subsistem e atuam na língua
estrangeira adotada”. (BORBA, 1932, p. 72)
Portanto, nenhuma língua permanece idêntica a si mesma com o decorrer do
tempo. O indivíduo, porém, não percebe as mudanças da língua e tem a impressão
de que ela permanece da mesma forma. Sendo assim, Porzig (1964 apud BORBA,
1932, p. 56) afirma,
Embora haja opiniões contraditórias a respeito, no estado atual, a ciência tende a considerar que cada grupo cultural tem maneiras peculiares de encarar e sentir o mundo. Isto fatalmente se traduzirá na língua, que, então, tem uma representação diferente do mundo objetivo. Cada comunidade pensa, exterioriza-se e apreende o universo a seu modo.
1.2. Sociolinguística
Sociolingüística é um campo da linguística que estuda as relações entre a
língua e a sociedade, ou seja, as diversidades linguísticas.
A língua funciona como um componente de comunicação entre o indivíduo e a
sociedade em que ele representa. De acordo com Preti (1977, p. 2),
“a língua é o suporte de uma dinâmica social, que compreende, não só as relações diárias entre os membros da comunidade, como também uma atividade intelectual, que vai desde o fluxo informativo dos meios de comunicação de massa, até a vida cultural, científica ou literária.
Entendida como manifestação da vida em sociedade, a sociolinguística ou
sociologia da linguagem estuda as relações entre as variações linguísticas e as
variações sociológicas, ou seja, os aspectos resultantes da relação entre a língua e
a sociedade, tendo como objetivo a língua falada em seu contexto, isto é, em
situações reais do cotidiano. De acordo com Alkmim (2001, p. 23),
Interessantemente, para Saussure, a língua é um fato social, no sentido de que é um sistema convencional adquirido pelos indivíduos no convívio social. Mais precisamente, ele aponta a linguagem com a faculdade natural que permite ao homem constituir uma língua. Em consequência, a língua se caracteriza por ser “um produto social da faculdade da linguagem”.
A linguagem do homem é adquirida por aprendizagem, sendo ele capaz de se
relacionar diariamente com outros da sua comunidade, dessa maneira ele poderá
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transferir as suas experiências e da mesma forma absorver experiências dos mais
velhos. A linguagem humana é resultado da cultura, tornando a língua um produto
resultante do vinculo social. Conforme o linguista francês, Benveniste (1963 apud
ALKMIM 2001, p. 26), “é dentro da, e pela língua, que indivíduo e sociedade se
determinam mutuamente, dado que ambos só ganham existência pela língua”.
Alkmim (2001, p. 31) coloca de forma simples e direta o objetivo da
sociolinguística,
é o estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Seu ponto de partida é a comunidade linguística, um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos.
A sociolinguística surge da união dos estudos relacionados à cultura social e
o estudo da língua. Sendo assim, o que a sociolinguística faz é estabelecer relações
entre as variações da fala e as diferenças sociais, “entendendo cada domínio, o
linguístico e o social, como fenômenos estruturados e regulares”. (CAMACHO, 2001,
p. 50).
O termo sociolinguística fixou-se em 1964, em um congresso em Los Angeles
(UCLA), do qual participaram vários estudiosos que trataram da relação entre
linguagem e sociedade. No ano de 1966, Bright publica um livro com os trabalhos
apresentados no referido congresso sob o título Sociolinguistics. A proposta de
Bright para a sociolinguística é a de que ela deve “relacionar as variações
linguísticas observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes na
estrutura social desta mesma sociedade”. (ALKMIM, 2001, p. 28).
Bright nos fala de alguns fatores definidos socialmente, com os quais imagina
que as variações linguísticas estejam relacionadas. A princípio, são três: a dimensão
do emissor, que envolve a identidade social do falante, que é exemplificada com os
“dialetos de classe”, onde as diferenças de fala são estabelecidas de acordo com a
classe social da pessoa; a segunda diz respeito ao receptor ou ouvinte, importante
nos vocabulários especiais de respeito, usados em conversas com superiores; e a
terceira trata da situação ou contexto social, que diz respeito aos estilos formais e
informais, existentes na maioria das línguas, independente da identidade do
indivíduo. (PRETI, 1972, p. 6).
18
Nenhuma língua é considerada igual a outra, sendo assim, quando
estudamos a linguagem de alguma comunidade, percebemos mais do que depressa
a existência de variações ou diversidades linguísticas. Conforme Alkmim (2001, p.
33), “língua e variação são inseparáveis: a Sociolinguística encara a diversidade
linguística não como um problema, mas como uma qualidade constitutiva do
fenômeno linguístico”.
As variações podem ocorrer de maneira diacrônica ou sincrônica. A variação
diacrônica refere-se as diversas transformações que a língua sofre através do
tempo; e variação sincrônica são as variações que ocorrem num mesmo período de
tempo. No gráfico a seguir, entenderemos melhor as duas variações:
a) Variação Diacrônica: neste caso, as variações dos falantes de Tapiraí,
seriam estudadas desde a sua emancipação até o ano atual.
1959 Tapiraí/SP 2012
b) Variação Sincrônica: já neste caso, as variações dos falantes de Tapiraí,
seriam estudadas em um determinado período, ou seja, no ano de 2012.
1959 2012 2020
I I I I I I I I I I
Diante das diversas variações linguísticas, Camacho (2001, p. 50) nos
apresenta a Sociolinguística Variacionista. Ele afirma que, “dois falantes de uma
mesma língua ou variedade dialetal dificilmente se expressam exatamente do
mesmo modo, assim como um único falante raramente se expressa da mesma
maneira em duas diferentes circunstâncias de comunicação”.
São vários os fatores que influenciam na maneira de falar: as distinções
geográficas, históricas, econômicas, sociais, sexuais, etc., são as principais causas
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para tais variações. Entenderemos melhor tais variações com o diagrama que
veremos a seguir:
Variedades Linguísticas
Linguagem urbana
Geográficas
Dialetos ou Linguagem ruralfalares regionais
IdadeSexo
Ligados ao falante Culturapor influência de Profissão
Status (posição social)Grau de escolaridade
Sócio-culturais Local em que reside
Dialetos ou falares Ligados à situação AmbienteRegionais por influência de Tema
Estado emocional do falanteGrau de intimidade entre os falantes
1.3. Variações linguísticas
É comum ouvirmos as pessoas dizerem que, no Brasil, fala-se apenas o
português, mas existem variedades de línguas dentro da oficial, pois não se fala do
mesmo jeito em todas as regiões do país. Diante disso, percebo que cada grupo
sociocultural tem um jeito próprio de falar e, os falares variam muito de acordo com
cada região e, até mesmo de pessoa para pessoa.
No entanto, mesmo se levarmos em consideração a língua falada pelas
pessoas de uma determinada região, perceberemos que ela varia de acordo com
alguns fatores, tais como: classe social, sexo, faixa etária e escolaridade.
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Nossa maneira de falar não é criada, mas é formada, e isso é um processo
gradativo, ou seja, cada vez que decidimos dizer algo, fazemos isso de maneira não
isolada. As frases que falamos não são construídas por nós próprios
individualmente, mas sim por tudo o que está a nossa volta: a família, a sociedade a
qual estamos inseridos, a região em que habitamos, os livros que lemos, as escolas
em que estudamos, etc.
Segundo Ferreira et al. (1996, p. 480),
A linguística estruturalista européia (da escola de Eugenio Coseriu), utilizando o prefixo dia-, que significa «ao longo de, através de», estabeleceu uma série de compartimentos com o objetivo de delimitar os campos de estudo da variação: diacronia, diatopia, diastratia e diafasia.
Fala-se em variação diacrônica ou histórica, para designar aquela que sofre
transformações com o passar dos anos. Tais mudanças não são repentinas, mas
vão ocorrendo progressivamente. “Há geralmente um período de transição, onde
encontramos variação sincrônica entre duas ou mais formas concorrentes, acabando
uma delas por prevalecer”. (FERREIRA et al., 1996, p. 480).
Usarei a palavra “você” como exemplo para reforçar essa citação.
Antigamente usávamos “vosmecê” e, agora encontramos essa mesma palavra de
forma reduzida, muito utilizada nos meios eletrônicos, “VC”. Assim, com o passar do
tempo, as palavras usadas com maior frequência pelos falantes da língua acabam
por prevalecer.
Beline (2002, p. 121,122), nos faz lembrar, de um fato linguístico com que
sempre convivemos, uma variação muito conhecida em todo o Brasil, que é a
diferença entre o português falado em São Paulo e o português falado no Rio de
Janeiro, ou entre as cidades de Salvador e Porto Alegre. Mesmo com tais diferenças
não somos impedidos de nos comunicarmos entre nós. Algumas vezes poderemos
nos confrontar com problemas por conversarmos com pessoas de alguma cultura
muito diferente da nossa, principalmente quando se refere ao léxico, ou seja, o
vocabulário que tal pessoa usa. Na Bahia a palavra “jerimum” é bastante conhecida,
já em outras regiões faz alusão à “abóbora”. Mesmo diante dessas diferenças
lexicais nas diversas regiões do país, falamos a mesma língua.
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Esse exemplo citado é um exemplo de variação no léxico do português:
“jerimum” e “abóbora” são palavras do português falado no Brasil. De acordo com
Beline (2002, p. 122),
Esse tipo de variação, a lexical, é entretanto apenas um dos modos como uma língua pode variar. Em outras palavras, fazer referências a um elemento do mundo por mais de um termo linguístico é apenas um dos casos que mostram que, de fato, as línguas variam. Numa mesma língua, um mesmo vocábulo pode ser pronunciado de formas diferentes, seja conforme o lugar – variação diatópica -, seja conforme a situação (mais formal ou mais informal) em que se está falando – variação diafásica.
O exemplo da abóbora utilizado por Beline constitui um caso de variação
diatópica, ou geolinguística, ou ainda dialetal. Essa variação na maneira de falar
ocorre por consequência do lugar, pois cada indivíduo tem uma linguagem própria
de acordo com a sua região; tal variação também pode ocorrer devido aos diferentes
sons, e quando isso ocorre chamamos de variação diatópica no nível fonético, já que
fonética refere-se aos sons da fala. De acordo com Beline (2002, p. 122),
[...] a clara diferença que distingue falantes cariocas de paulistanos: o modo como eles pronunciam o –r em final de sílaba. Paulistanos tendem a pronunciar tal –r como uma vibrante simples – um “flap”, como costumam dizer os foneticistas - , enquanto os cariocas são conhecidos por aspirar o mesmo –r.
Às vezes a diferença não ocorre no som ou no vocabulário, mas acontece na
estrutura da frase. Em algumas regiões brasileiras, é comum o uso do pronome “tu”.
Sendo assim, um cidadão desta região falaria: “Tu já estudaste química?” Na
maioria dos outros países, o cidadão diria assim: “Você já estudou química?” A tal
variação damos o nome de variação diatópica sintática, já que sintático refere-se à
parte da gramática que estuda as palavras como componentes da frase.
Uma variação bastante evidente é a que corresponde à classe social da qual
o indivíduo está inserido. O falar de uma pessoa é relacionado ao nível social e a
cultura dele. De acordo com a sua criação, formação escolar, hábitos de leituras e
convívio com pessoas cultas, o cidadão se comunicará com mais facilidade. Essa
variação é muito frequente, basta conversarmos com uma pessoa humilde, com
poucos anos de estudo e, logo perceberemos uma linguagem diferente em relação a
outras classes sociais.
22
A variação que corresponde à classe social e cultural do indivíduo, chamamos
de variação diastrática, tal variação também pode ser lexical, fonética e sintática.
Palavras como: “adevogado, pineu, bicicreta, é variação diastrática fonética. Usar
presunto no lugar de corpo de pessoa assassinada é variação diastrática lexical. E
falar houveram menos percas no lugar de houve menos perdas é variação
diastrática sintática”.
O homem está inserido em uma sociedade a qual existe vários grupos sociais
e culturais, em que cada um possui uma maneira de se comunicar e de se organizar.
Estes são divididos de acordo com o nível social, faixa etária, profissão, sexo, etc., e
cada um destes grupos possuem comportamentos que os diferenciam dos demais.
Sendo assim, Ferreira et al. (1996, p. 481) afirma,
Alguns linguistas chamam sociolecto a uma variedade linguística que é partilhada por um grupo social, permitindo demarcá-lo em relação a outros. Se a maior parte dessas variedades é, tal como toda a língua ou dialecto materno, inconscientemente adquirida, transmitindo-se no uso quotidiano e natural da palavra, existem no entanto sociolectos que resultam do desejo de diferenciação de um grupo em relação à sua comunidade linguística.
O dialeto é uma linguagem falada por uma comunidade regional. Já as
propriedades da língua que não são especificas de um grupo regional são tidas
como socioletos, ou seja, variações próprias de um determinado grupo social.
Existem socioletos que resultam da vontade de um grupo em diferenciar-se dos
outros da comunidade. Neste caso, podemos destacar as gírias, “que se podem
definir como códigos forjados por determinados grupos com o objetivo de se
tornarem completamente ininteligíveis para os não iniciados”. (FERREIRA et al.
1996, p. 481).
Para uma palavra tornar-se um código, ou seja, incompreensível, basta
introduzir mudanças no vocabulário ou na ordem das sílabas. “Por exemplo, a
seguinte frase da gíria dos antigos vendedores ambulantes de Castanheira de Pera,
o laínte: Aroga os êtres leios que astram aquimes jordam enroba, significa agora: os
três homens que estão aqui vão embora”. (BARROS FERREIRA, 1985 apud
FERREIRA et al. 1996, p. 481).
A gíria é diferente de um tecnoleto, em outras palavras, linguagem técnica ou
jargões, pelo motivo desta afetar todo o discurso, enquanto a linguagem técnica se
limita a introduzir termos necessários para a comunicação de uma determinada
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classe profissional mais específica, como é o caso dos médicos, cientistas,
profissionais de informática, entre outros.
Cada ser humano, no conjunto de seus atos de fala, tem hábitos discursivos
próprios, usa determinadas construções gramaticais e palavras que, de alguma
forma, o individualizam. Cada falante tem o seu idiolecto, ou seja, uma maneira
própria de usar a língua. (FERREIRA et al. 1996, p. 481).
Existe uma variação que corresponde a linguagem informal, ou seja, solta. É
comum essa variação em um círculo de amigos, conversa familiar ou até mesmo
conversas descontraídas em que o falante não está preocupado com os padrões da
norma culta.
Se pensarmos em um tipo especial de –r, que encontramos no final dos
verbos infinitivos, teremos um morfema flexional, que não tem significado com um
referente externo a língua, da mesma forma que o “jerimum”, mas nesse caso o
significado é o verbo no infinitivo. “Sabemos que “andar” significa “uma forma verbal
no infinitivo”, diferentemente de “anda” (presente do indicativo) por causa do próprio
–r”. (BELINE, 2002, p. 123).
Diante do exposto, podemos falar a palavra “andar” pronunciando o –r, ou
simplesmente “andá”, colocando o acento agudo no “a”. “Desse modo, as variantes
seriam respectivamente presença do –r final e ausência do –r final”. Esse é um
exemplo de variável morfológica. (BELINE, 2002, p. 123).
O paulistano “pode dizer andar ou “andá”, “fazer” ou “fazê, “sair” ou “saí”,
diante disso, Beline (2002, p. 123) afirma que o falante pode descartar partes de
palavras quando está numa situação de informalidade, assim como num jogo de
futebol, uma conversa com os amigos ou até mesmo numa conversa no bar. A
linguagem usada nessas ocasiões citadas é diferente da linguagem que o indivíduo
provavelmente usaria em uma situação de maior formalidade, assim como uma
apresentação importante diante de uma plateia. A essa variação que corresponde à
liberdade de expressão, dá-se o nome de variação diafásica.
Depois de conhecermos os diversos tipos de variações linguísticas, segue um
quadro com algumas variações dos falantes do município de Tapiraí:
Variações Português – norma culta
Abrido Aberto
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Abroba abóbora
Adevogado advogado
Assunta preste atenção
Bicicreta bicicleta
cascá o bico rir muito
Cascaio cascalho
Come comer
dá um chego aqui venha até aqui
Dedi dedo
Fí filho
Memu mesmo
Ponhar colocar
Soli sol
tamu se estranhando não estamos nos entendendo
Vambora vamos embora
Véi velho
vô falá pu cê vou falar para você
Questã questão
Pavê para ver
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2. METODOLOGIA DE PESQUISA
Neste capítulo, explicarei e descreverei os procedimentos e os instrumentos
usados para a coleta e a análise de dados. Com base na fundamentação teórica
apresentada no primeiro capítulo e também de acordo com as questões que
norteiam este trabalho, justificarei a utilização dos instrumentos escolhidos, bem
como os procedimentos adotados.
Inserida na linha de pesquisa da Linguagem e da Sociolinguística, a presente
pesquisa tem como objetivo estudar as variações linguísticas dos tapiraienses,
desde os mais velhos até os mais jovens, em relação ao contexto que o mesmo está
inserido (social, cultural e/ou financeiro), para assim, poder apontar as mudanças
que a língua sofreu diante da modernidade.
A sociolinguística estuda os aspectos resultantes da relação entre a língua e a
sociedade, tendo como objetivo a língua falada em situações reais do cotidiano. Ela
surge da união dos estudos relacionados à cultura social e o estudo da língua.
Sendo assim, para desenvolver a presente análise, farei entrevistas com o
auxílio de um gravador, para que seja possível registrar de forma fiel a fala dos
indivíduos tapiraienses. O meu objetivo não está na linguagem formal, e sim, na
linguagem do cotidiano, totalmente simples, natural e descontraída, o intuito é
manter uma conversa livre, em que o falante não se prenda as normas.
Eu trabalho na Prefeitura Municipal de Tapiraí, sou assessora do prefeito, e
diariamente atendo um público muito variado, sendo assim, irei coletar as
informações a serem analisadas no meu próprio ambiente de trabalho. Caso seja
necessário, poderei manter conversas informais fora do prédio em que trabalho, com
o propósito de coletar variações peculiares.
Como procedimento de coleta de dados, irei gravar conversas de diferentes
categorias dos falantes (homens, mulheres, jovens e idosos), sendo estes de
classes sociais distintas. Após essa etapa, farei a transcrição das conversas para
poder verificar as possíveis variações.
A minha pesquisa será desenvolvida mediante análises das variações
diacrônicas, ou seja, histórica, que sofre transformações com o passar dos anos.
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Também, seguirei meus estudos nas variações que correspondem à classe social e
cultural do indivíduo, chamada de variação diastrática, tal variação pode ser lexical,
fonética ou sintática.
Assim que as transcrições estiverem concluídas, procurarei identificar os tipos
de variações que predominam na fala dos tapiraienses: variação diastrática fonética,
relacionada ao som das palavras; variação diastrática lexical, ligada ao vocabulário;
e variação diastrática sintática, que diz respeito à estrutura da palavra.
Ao fim e ao cabo, essas análises deverão me dar subsídios para responder
as seguintes de pesquisa:
- Quais mudanças estão ocorrendo na fala dos moradores jovens, em termos
de léxico, fonemas e sintaxe?
- Tais mudanças podem ser atribuídas ao contato com a mídia e a
comunicação?
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3. TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
Para possibilitar a presente pesquisa, entrevistei sete pessoas de faixas etárias
diferentes, sendo estas do sexo masculino e feminino. Neste capítulo, farei a
transcrição dos dados coletados. Segue a transcrição das gravações de áudio,
lembrando que os nomes apresentados são fictícios:
Nome: Pedro
Idade: 69 anos
Profissão: prefeito municipal de Tapiraí
Escolaridade: 4º série – ensino fundamental
● Vanessa: Fale da sua experiência como prefeito na Prefeitura Municipal de
Tapiraí.
● Pedro: “In resposta a esta entrevista, di sabe da minha experiência comu prefeito
da cidade de Tapiraí, eu possu dizê qui na gestão di dois mandatus em oito anu, foi
uma experiência importanti pra mim e tambein, a alegria né, pela alegria que eu
sentí di podê realizá todus os desejo que eu tinha pela cidadi, porque foi uma cidadi
aonde eu nasci, me criei, e estou aqui né. É comu conseguí sê releito comu prefeito
eu possu dizê qui a experiência foi muitu importante purque a genti conseguiu
realizá muitus anseios da população du municipiu. É fui eleitu na primeira eleição
com setenta e um purcentu e reeleitu com setenta e dois purcentu, e na última
pesquisa agora du municipiu eu ainda istou com sessenta i nove purcentu di
aprovação pelo trabalhu realizadu nu municipiu. Então isso pra mim é então mutivu
di muita alegria né, podê falá sobri a administração. I tô intregando né para u
próximu prefeito agora dia trinta i um di dezembru, i desejando a ele qui Deus u
ajudi, abençoe e que ele possa fazê uma boa administração danu continuidade nus
trabalhus que tão aí senu realizadu.”
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Nome: Maria
Idade: 67 anos
Profissão: aposentada
Escolaridade: 4º série – ensino fundamental
● Vanessa: Com é a sua rotina de atividades no Centro de Convivência do Idoso do
Município de Tapiraí?
● Maria: “Eu tô gostanu né, sigunda fêra a genti faiz lá nus aparelhus, na quarta fêra
é caminhada, i na sexta é mais ginástica lá dentru mesmu. Eu quiria té qui tivesse
mais atividade, porque...pelo menus umas viagem pá genti né, alguma
comemoração de aniversáriu, alguma coisa assim. Quiria qui tivesse mais...mais
num tá tenu, nem u aparelhu di midí a pressão num tá tenu mais, agora quê dizê qui
midiu...agora num medi mais.”
Nome: Lara
Idade: 30 anos
Profissão: funcionária pública municipal – escriturária
Escolaridade: ensino médio completo
● Vanessa: Fale um pouco da sua experiência como mãe.
● Lara: “Minha filha tem dois anos e um mêis e quando eu descobri que tava grávida
eu me...eu fiquei apavorada. Hum, achei que não ia dar conta porque eu num
custumava cuidar de crianças e foi uma experiência...é uma experiência boa, é...ao
mesmu tempu que é boa é sacrificanti, porque a sua vida muda completamente,
você vive em função do seu filho, da minha filha no casu, mais é muito gostosu você
olhar pra ela, você...ela ti dá um abraçu, ela ti dá um beju, você vê ela dormindu,
você podê cuidar de uma pessoa. Mais...é...por um ladu eu sintu um pouco di...di
falta da minha vida de soltera...não da minha vida de soltera, mais da minha vida,
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deu poder fazer qualquer coisa que eu fizesse, e num...podê ir num salão, podê
estudá, podê me divertí, coisa que eu ultimamente não tô podeno fazê. Mais é uma
experiência boa i por mais que as vezes, coitadinha, eu tenha a impressão que ela
me atrapalha, mais eu não saberia mais viver sem ela.”
Nome: Junior
Idade: 31 anos
Profissão: funcionário público municipal
Escolaridade: superior completo – administração
● Vanessa: Em sua opinião, o que falta para Tapiraí ser uma cidade melhor?
● Junior: “Oh, na minha opinião, achu que Tapiraí já feiz muitu comparadu aí a
outras gestões. Mais uma parti que eu achu que tem que ser melhorada aqui é a
parti de criação de criação de impregus, eu achu que tem grandi necessidade, até
pelus jovens que estudam, se formam e tem que sair do municípiu, porque aqui não
tem oportunidadi. Eu achu que atravéis do turismo, da expansão do turismo, da
criação di incentivos pra impresas turísticas, pousadas...essas coisas, vindu instalar
no municipiu, achu que vai melhorar bastante o nosso municipiu. Eu achu que a
maior deficiência é essa, a falta de emprego.”
Nome: Luan
Idade: 14 anos
Profissão: estudante
Escolaridade: 9º ano – ensino fundamental
● Vanessa: Quais são as atividades que você mais gosta de fazer quando não está
estudando?
● Luan: “Ah, jogá bola, videogame, saí cus amigus, andá de bicicreta, sempri
isso...diretu. Lê tamém né, internet, manda mensage, conversá cus amigus, saí pá
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rua, dá uma volta, cumê lanchi, aná de skati tamém, andá di carru, parque de
diversões.”
Nome: João
Idade: 14 anos
Profissão: estudante
Escolaridade: 9º ano – ensino fundamental
● Vanessa: Quais são as atividades que você mais gosta de fazer quando não está
estudando?
● João: “Ah tipo, chegu da escola, almoçu, vô trabalhá, daí depois que eu chegu dú
serviçu, eu tipo si divertu cu meus amigus, ficu na internet...convesu quas pessoas i
a...sei lá, gostu di saí, gostu di comê lanche, jogá bola, videogame, andá de
bicicleta, skate...só...sei lá.”
Nome: Lia
Idade: 14 anos
Profissão: estudante
Escolaridade: 9º ano – ensino fundamental
● Vanessa: Conte um dos seus momentos mais inesquecíveis de sua vida.
● Lia: “Ah, um dus fatus importantis é a primeira paixão qui eu achu qui ninguém
isqueci, uma coisa qui aconteci, cê ama muitu uma pessoa, aconteci coisas entri
vocêis e achu que é uma coisa que você vai guardá pra sempri. Outra coisa
inesquecível é uma viage que eu fiz pro Paraná, conheci várius lugaris diferentes,
várias pessoas, guardei...consigui conquistá bastante amigus, é uma coisa qui eu
vou levá pra sempri tamém.”
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não podemos falar em linguagem sem relacioná-la com a sociedade, pois a re-
lação que existe entre elas á a base que constitui o ser humano. De acordo com os
linguistas a humanidade se organiza em sociedade e possuem um código, ou seja,
uma comunicação oral que seria a língua de cada falante.
Observamos que existem várias situações de fala, onde devemos saber difer-
enciar o tipo de linguagem que utilizaremos em cada uma delas. Em uma situação
como a defesa de uma tese, por exemplo, se deve usar a linguagem formal, já em
uma conversa no barzinho com os amigos se usa a informal.
Para a linguística nenhuma língua é inferior ou primitiva, pois falar diferente
não é considerado falar errado e o que para muitos é considerado erro, existe uma
explicação científica (linguística, histórica, sociológica e/ou psicológica).
As línguas são heranças históricas que passam de geração para geração. As
variações da língua são relacionadas a diversos fatores como: a faixa etária, grau de
escolaridade, status socioeconômico, cultural, entre outros.
As entrevistas foram colhidas em uma situação do cotidiano, totalmente livre,
sendo assim, ao transcrever tais conversas, pude perceber que todos os falantes, in-
dependente da faixa etária, classe social ou até mesmo grau de escolaridade, apre-
sentam o uso da linguagem informal, não seguem a norma culta para se expres-
sarem, o que é comum acontecer em conversas do dia a dia.
Diferentemente da minha hipótese inicial, pude notar que não há muitas vari-
ações diacrônicas, ou seja, histórica, que se transformam com o passar do tempo.
Existem algumas variações se compararmos as falas dos jovens com a dos mais
velhos, pude perceber que as pessoas de meia-idade têm mais facilidade em con-
struir frases, ou seja, em expor as ideias. Já os jovens entrevistados, parecem que
têm uma linguagem estereotipada, repetitiva, não conseguem formular uma con-
versa, ou melhor, uma sequência, dando a impressão que eles se comunicam por
tópicos.
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Há também as variações diastráticas, que estão relacionadas a identidade
dos falantes de acordo com a classe social, faixa etária, gênero e contexto social. Di-
ante disso, pude notar que a classe social dos falantes influencia em partes a fala
dos mesmos. No caso dos idosos, o senhor Pedro tem uma facilidade a mais de se
comunicar se comparado a fala da senhora Maria, os dois têm a mesma escolari-
dade, mas talvez devido ao status social, ele consegue formular melhor suas frases.
Já nos falantes Lara e Junior, não foi possível apontar uma variação significa-
tiva. Notei que mesmo o rapaz tendo um grau de escolaridade a mais se comparado
com o da moça, ambos conseguem manter uma comunicação. Existem sim marcas
da linguagem informal, mas em nenhum dos dois casos pude perceber problemas
de comunicação.
O caso que mais percebi as variações foi o dos jovens. Nos três casos fica
clara a linguagem típica utilizada pela faixa etária jovem. Assim como nos outros ca-
sos entrevistados, os adolescentes usam a linguagem informal para se comuni-
carem, com o diferencial que eles não conseguem formular frases completas e se-
quenciais, eles usam um estilo diferenciado para transmitir as informações pretendi-
das.
O jovem Luan apresenta um caso de variação diastrática fonética quando faz
uso da palavra “bicicreta”, quando o ideal seria bicicleta; Já na fala de João, a vari-
ação diastrática sintática está presente quando ele diz: “si divertu”, quando deveria
falar me divirto. Ainda no caso de João, ele faz uso da expressão “tipo assim” antes
de começar a falar sobre alguma coisa.
Ao final deste trabalho, pude então, responder as questões que, desde o
começo, norteiam esse trabalho e que são as seguintes:
- Quais mudanças estão ocorrendo na fala dos moradores jovens, em termos
de léxico, fonemas e sintaxe?
- Tais mudanças podem ser atribuídas ao contato com a mídia e a
comunicação?
Nas conversas analisadas foi possível perceber que não existem tantas vari-
ações linguísticas assim como eu imaginei no começo da pesquisa. Pude notar pou-
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cas variações diacrônicas e algumas variações diastráticas ligadas à fonética e a
sintaxe das palavras.
Desde os mais velhos até os mais jovens, todos usam a linguagem informal
para se comunicarem, mas as mudanças mais significativas foram percebidas nas
falas dos jovens com faixa etária de 14 anos, de classe social baixa, da rede do en-
sino público.
Não atribuo tais variações ao contato com a mídia e a comunicação, pois as
mudanças não acontecem apenas em um determinado grupo. As variações por
menores que sejam, foram percebidas em todas as pessoas analisadas, não impor-
tando a faixa etária, grupo social, cultural, sexo, entre outras.
Ao concluir a presente pesquisa foi possível verificar algumas poucas vari-
ações na fala dos tapiraienses, e perceber que tais mudanças podem ocorrer em
qualquer pessoa, visto que a língua não é usada de modo homogêneo por todos os
seus falantes, já que até mesmo os falantes são diferentes em muitos sentidos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: uma novela sociolinguística. 15 ed. São Paulo: Contexto, 2006.
BELINE, Ronald. A variação linguística. In: ________. FIORIN, José Luiz (org). Introdução à linguística. São Paulo: Contexto, 2002. p. 121 – 140.
BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos estudos linguísticos. São Paulo: Nacional, 1932.
CAMACHO, Roberto Gomes. Sociolinguística, parte II. In: __________. MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. V. 1, 2 ed., São Paulo: Cortez, 2001. p. 49 – 75.
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PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala, um estudo sociolinguístico do diálogo na literatura brasileira: apresentação de Ataliba T. De Castilho. 3 ed., São Paulo: Nacional, 1977.
4.1. Outras referências
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PERINI, Mário A. Sobre língua, linguagem e Linguística: uma entrevista com Mário A. Perini. Revel. vol. 8, n. 14, 2010. ISSN 1678-8931. Disponível em: <www.revel.inf.br>. Acesso em 17/05/2012.
Variação linguística. Disponível em: <http://www.gramaticaonline.com.br/texto/1045/Varia%C3%A7%C3%A3o_Lingu%C3%ADstica>. Acesso em 17/05/2012.