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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Sandy Rodrigues Faidherb REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE 2009 BELÉM 2009

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Lei 11.952 e análise crítica

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

Sandy Rodrigues Faidherb

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA

AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE

2009

BELÉM

2009

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Sandy Rodrigues Faidherb

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA

AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE

2009

Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Universidade Federal do Pará como requisito para obtenção de grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Girolamo Domenico Trecanni

BELÉM

2009

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3

Faidherb, Sandy Rodrigues

Regularização fundiária de terras na Amazônia: uma análise da Lei 11.952/ Sandy Rodrigues Faidherb, Belém 2009.

Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação)- Universidade Federal do Pará. 2009.

Curso: Bacharelado em Direito

Orientador: Girolamo Treccani Domenico.

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Sandy Rodrigues Faidherb

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ÁREAS RURAIS NA

AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.952 DE 25 DE JUNHO DE

2009

Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Universidade Federal do Pará como requisito para obtenção de grau em Bacharel em Direito.

Banca examinadora

___________________________________

Prof. Msc. Dr. Girolamo Domenico Treccani

___________________________________

Prof. Msc. Ronald Corecha Bastos

___________________________________

Prof.

Apresentado em: 08 de dezembro de 2009

Conceito:

BELÉM

2009

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Dedico este trabalho a todos e todas que contribuíram para que eu concluísse o curso de Direito com a determinação de não me bastarem as leis.

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6

Eu sou a grande Mãe Universal. Tua filha, tua noiva e desposada. A mulher e o ventre que fecundas. Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

Cora Coralina (O Cântico da Terra)

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RESUMO

O trabalho realizado aborda uma análise da recente lei 11.952 de 25 de junho de 2009 (conversão da MP 458/09), conforme o recorte temático da regularização fundiária em terras de áreas rurais na Amazônia. A abordagem do tema traz em seu conteúdo o levantamento de aspectos históricos que apontam as dificuldades já encontradas para se estabelecer o ordenamento fundiário no campo, bem como os aspectos do contexto presente no território amazonida, no que concerne a realidade agrária, ambiental e social. O desafio proposto para lei 11.952/09 permite com que se possa traçar uma análise crítica com base na exegese dos artigos que mais foram destacados pela sociedade civil e órgãos durante e após o processo de elaboração da lei. Portanto, corresponde a uma análise material sobre discussão que traz questionamentos da “boa técnica” usada pelo legislador para o sucesso da relação norma-resultado, diante de tantos equívocos históricos já cometidos nesse assunto.

Palavras chaves: Regularização fundiária – áreas rurais – Amazônia – Pará – Lei 11.952/09.

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ABSTRACT

This work is about a analyse of the recent 11.952 law of june 25th of 2009 (conversation od the MP 458/09), accordant with the thematic recort about regularization of land in rural areas of the Amazonia. The development of the thematic have in your content the relation of historycs aspects that expose the difficulties already finded to have ordenament territory in grassland, as well as the aspects of present context in Amazonia, concerning the agrarian, environment, social reality. The objectives proposed to the law 11.952/09 gives conditions of to project an critic analyse of the articles more detached by the civil society and institucionales organisms while and after the elaboration of the law. So, correspond an material analyse about discussion that bring questionaments of “technic good” used by the legislator to success of the relation norm-result, in relation so historics mistakes did in the topic.

Keywords: Land regularization- rural areas – Amazônia – Pará –11.952/09 law.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1- Focos do desmatamento na Amazônia................................34

ILUSTRAÇÃO 2- Destino das terras na Amazônia...........................................35

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10

LISTA DE SIGLAS

ADCT- Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADIN- Ação Direta de Inconstitucionalidade

CEDENPA- Centro de Defesa do Negro do Pará

CPT- Comissão Pastoral da Terra

CSN- Conselho de Segurança Nacional

DETER- Detecção de Desmatamento em Tempo Real

GEBAM - Grupo Executivo do Baixo Amazonas

GETAT- Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

BRA- Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

IMAZON - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

IN- Instruções Normativas

INCRA- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INDA- Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário

INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

IRFAM- Instituto de Regularização Fundiária da Amazônia

ITERPA- Instituto de Terras do Pará

MDA- Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEAF- Ministério Extraordinário de Assuntos Fundiários

MP- Medida Provisória

MPF- Ministério Público Federal

PAS- Plano Amazônia Sustentável

PGR- Procuradoria Geral da República

PIN- Planos de Integração Nacional

PPCDAM- Plano de Ação Para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal

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11

PROTERRA - Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste

SAGRI- Secretaria de Estado de Agricultura

SUDAM- Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

UNESP- Universidade Estadual Paulista

ZEE- Zoneamento Econômico Ecológico

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...............................................................................................12

2. INICIATIVAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA AO LONGO DA

HISTÓRIA..........................................................................................................14

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.....14

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA.....................16

2.2.1. Ciclo do extrativismo e da borracha ...................................................17

2.2.2 Ciclo dos grandes projetos e agropecuária .......................................18

2. 3. INTERVENÇÕES DO ESTADO PARA (DES)ORDEM FUNDIÁRIA ........21

2.3.1. Estado Colonial e República Velha .....................................................21

2.3.2 . Estado de República Populista e Ditadura Mi litar ............................25

2.3.3. Nova República e Estado Democrático de Direi to ............................31

3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E O ESTADO ATUAL .............................33

3.1. BREVE CONTEXTO PRESENTE DA SITUAÇÃO AGRO- AMBIENTAL DA

AMAZÔNIA .......................................................................................................33

3.2. INTERVENÇÕES RECENTES SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA.36

3.2.1. Na região Amazônia Legal ...................................................................36

3.2.2 No Estado do Pará ................................................................................39

4. A MEDIDA PROVISÓRIA 458 CONVERTIDA EM LEI 11.252 /09 ..............40

4.1 ANTECEDENTES DE ELABORAÇÃO DA LEI ...........................................40

4.2 ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEOR ....................................................42

4.3. ASPECTOS ESPECÍFICOS SOBRE O TEOR .........................................45

4.3.1 Art. 4°, § 2°: Terra de quilombos e comunidad es tradicionais ........45

4.3.2 Art. 13: Dispensa de vistoria ...............................................................47

4.3.3 Art. 15: Recuperação da degradação ambienta l ...............................49

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13

4.3.4 Art. 15, §§, 3° e 4°: Tempo diferenciado da s venda de áreas ...........52

5 CONCLUSÃO ...............................................................................................55

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................59

7 ANEXOS ........................................................................................................66

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14

INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda em temos gerais sobre regularização

fundiária em áreas rurais da Amazônia Legal e mais precisamente do Estado do

Pará, tendo como enfoque a iniciativa consignada na lei advinda da conversão da

Medida Provisória 458, a Lei 11.952, de 25 de junho de 2009. Os apontamentos que

esta monografia se propõe a fazer sobre esta lei consistem em uma análise material

sobre a consistência jurídica da mesma diante dos desafios históricos postos a

imbricada tarefa de regularização fundiária na Amazônia Legal.

O tema possui sua importância na medida em que se volta para uma

realidade agrária de conflitos e violência, resultados de um contexto fundiário

coberto de obscuridades e equívocos cometidos a partir do marco referencial da

colonização. Daí o desafio lançado neste trabalho tem a necessidade do

levantamento de aspectos históricos sobre a formação territorial da região ora

afetada pela lei 11.952 e em breves momentos específicos sobre o Estado do Pará.

Com isso, ocorre a preocupação de primeiramente destacar-se o

processo de ocupação e os atores envolvidos ao longo dos tempos, já que se está

falando da influência de interesses diferenciados no estabelecimento de conquista

da terra. Depois se procura resgatar as principais iniciativas em que o poder estatal

posicionava-se com a finalidade suposta de ordenamento territorial, seja em âmbito

nacional ou localizado regionalmente.

Após esse resgate histórico passa-se a compreender a conjuntura

atual e as intervenções mais recentes no que concernem as afetações do contexto

fundiário, tal como os planos e programas que envolvem a Amazônia. Esse

panorama é importante na localização do leitor sobre a inserção do projeto da lei

11.952/09 no plano da política agrária desenvolvida pelo Estado em âmbito federal.

A partir de então, ainda que com uma escassa formulação teórica

sobre o tema desenvolvido, adentra-se nas formulações críticas sobre o processo

legislativo que deu origem a lei ora analisada e como se formularam as principais

alterações até se chegar no texto atual. Desse momento em diante, se passa a

identificar contradições e omissões apontadas no teor da lei.

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15

A fundamentação da coerência jurídica em sede dos princípios

sustentadores do direito agro-ambiental e constitucional, bem como a leitura da

histórica em relação aos fins que a lei se propõe são os pontos centrais que

sustentam a leitura crítica que se faz sobre os aspectos específicos da lei.

Por fim, se conclui o trabalho com o objetivo de compor uma leitura

de como se percebe o modelo de regularização proposto pela lei 11.952 para áreas

rurais e como este pode ser encarado em sua proposta, diante das vicissitudes

apontando do ínterim da análise e dos fatores da evolução histórica apresentada.

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2. INICIATIVAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA AO LONGO DA HISTÓRIA

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Antes que se comece a levantar as principais iniciativas esparsas do

Estado que incidiram e incidem na aplicação da regularização fundiária da Amazônia

e em especial do Pará, faz-se necessário dizer que não se está aqui separando esse

conceito da compreensão de uma política agrária, ou seja, como inserido em um

“conjunto de medidas tendentes a solucionar os problemas ligados à propriedade e

uso da terra pública ou particular, em face da indefinição do domínio, da ocupação

pela simples posse, ocupação do espaço vazio e distorção fundiária.” 1

Desta feita, regularização e/ou ordenação fundiária está em

convergência aos princípios garantidores da efetivação da reforma agrária, não se

desvinculando da garantia de justiça social, conforme a máxima do artigo 16 do

Estatuto da Terra (Lei 4.504/64):

A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.2 (grifo meu)

Não obstante a isso, temos o recorte diferencial, em que a

regularização pressupõe a necessidade de apuração das terras públicas devolutas,

que, segundo um conceito residual, são aquelas que não se incorporam ao domínio

particular, bem como as já incorporadas ao patrimônio público, porém não afetadas

a qualquer uso, estando disponíveis para que o Estado encaminhe ao devido

destino.3

São, as terras devolutas, em seu conceito originário, aquelas que

deveriam ter sido devolvidas à Coroa, por haverem caído em comisso, o que veio a

ser incorporado ao Decreto- lei n° 9.760/46, em seu artigo 5º 4.

1 ALMEIDA, Paulo Guilherme. Aspectos jurídicos da reforma agrária no Brasil . São Paulo: LTr, 1990. p. 92 2 BRASIL. Lei 4.504 de 30 de Outubro de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L4504.htm. Acesso: 2 de set. 2009. 3 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo . São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 682. 4 São devolutas, na faixa da fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito Federal, as terras que, não sendo próprios nem aplicadas a algum uso público federal, estadual territorial ou municipal, não

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17

Para apuração das terras devolutas o Estado faz uso do processo

discriminação5, que poderá ter a função de legalização de posses também. Assim,

por meios de procedimentos administrativos e judiciários o Estado poderá encerrar a

identificação dos imóveis públicos ou privados.

A regularização faz parte de uma política fundiária, que envolve

outros instrumentos importantes como a legitimação de posse, a discriminação e a

arrecadação. Sendo que todos envolvem a necessidade de definir a origem das

terras, com a particularidade de que, a regularização exige “o exame preliminar da

situação de cada possuidor, para verificar-se quais os que podem ter as suas

posses regularizadas e quais terão que desocupar as áreas que possuem”6

O processo de reconhecimento da propriedade pública ou particular

rural, que é objetivado com as tentativas de ordenamento fundiário no campo,

deveria compreender um leque de critérios que são determinados pelo cumprimento

da função sócio-ambiental que exercem. Assim “reconhece-se o espaço de

manifestação da liberdade do indivíduo ou da coletividade e, concomitantemente,

assegura-se que o exercício da autonomia privada esteja sujeito a função social e

ambiental da propriedade privada rural”7

Desta forma, ao se falar de normas que visam o ordenamento

fundiário, como as instruções normativas do INCRA e institutos de terra estaduais,

se está abordando não simplesmente uma série de procedimentos burocráticos que

permitem a localização do domínio e/ou uso da terra, mas a identificação dos fins a

se incorporaram ao domínio privado: a) por fôrça da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, Decreto nº 1.318, de 30 de janeiro de 1854, e outras leis e decretos gerais, federais e estaduais;b) em virtude de alienação, concessão ou reconhecimento por parte da União ou dos Estados; c) em virtude de lei ou concessão emanada de govêrno estrangeiro e ratificada ou reconhecida, expressa ou implícitamente, pelo Brasil, em tratado ou convenção de limites;d) em virtude de sentença judicial com fôrça de coisa julgada; e) por se acharem em posse contínua e incontestada com justo título e boa fé, por têrmo superior a 20 (vinte) anos; f) por se acharem em posse pacífica e ininterrupta, por 30 (trinta) anos, independentemente de justo título e boa fé; g) por fôrça de sentença declaratória proferida nos têrmos do art. 148 da Constituição Federal, de 10 de Novembro de 1937. Cf. BRASIL. Decreto-lei 9.760. Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del9760.htm. Acesso em 2 de Set. 2009 5 Considera-se discriminação de terras como o ato pelo qual um órgão fundiário realiza o reconhecimento de áreas efetivando demarcação e registro de terras da União ou do Estado. 6 DE MENDONÇA, Rafael Augusto. Direito Agrário . São Paulo: Renovar, 1994, p. 329. 7 IPAM. A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileir a. Brasília: MMA, 2006, p. 23.

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18

que a mesma está servindo, o que gera a discussão sobre a compatibilidade ou não

da função social da terra.8

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA

Para se entender o processo de ocupação das terras da Amazônia

brasileira e em específico do Pará é necessário se fazer um resgate histórico do

processo de “colonização” da região, ou seja, da composição dos sujeitos que

atualmente estão disputando o território. Por isso, é necessário perpassar pelo

dinamismo migratório que sofreu nossa região, conjuntamente aos ciclos

econômicos.

Antes, é necessário se registrar que em nosso território paraense,

que originalmente pertenciam aos povos nativos e depois definido pelo Tratado de

Tordesilhas como pertencente à Espanha, a exploração foi iniciada pelos

portugueses que trataram de fundar um território sobre seu domínio conhecido como

“Maranhão e Grão Pará” e expulsar os demais estrangeiros da região.9

Assim, percebe-se que ao longo tempos a área condizente hoje ao

Estado do Pará, bem como a Amazônia, já eram objeto de cobiça internacional,

devido ao seu potencial de riquezas naturais, florestas, minerais. Nesse sentido, se

pode constatar que desde o século XVI temos a presença de projetos exógenos, de

colonizadores que determinam os ciclos econômicos para a região.

Com isso, passa-se a analisar as principais interferências desses

ciclos na origem da configuração dos atores sociais que hoje estão presentes na

região. Tendo em vista que é de suma relevância conhecer quem tem ocupado as

áreas da fronteira do nosso território para compreender os avanços e equívocos de

qualquer processo regulatório das terras amazonidas.10

8 Cf. MARÉS, Carlos Frederico. A função Social da Terra. Porto Alegre: Editora Fabris, 2003. 9 BASTOS, Ronald Corecha Bastos. A atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rura is Sem- Terra) na estrutura jurídico agrária do Pará. Belém: CEJUP, 2002. p. 21 10 Concepção de Fronteira: é “o lugar em a expansão da concepção “civilizatória” , que empurra e confronta as culturas e terras dos povos originários. Desse modo, é o lugar em que há frentes diversificados de uso da terra.”. (In Darcy Ribeiro apud Violeta Refkalefsky Loureiro. Amazônia do Século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Empório Livros, 2009, p. 67)

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19

2.2.1 Ciclo do extrativismo e da borracha

Este período colonial, em seu começo marcado pela exploração de

drogas do sertão (séc. XVII e parte do séc. XVIII), foi inicialmente caracterizado pela

utilização do trabalho forçado de índios, facilitado pelo processo de aculturação da

catequese e pela dizimação de povos que resistiam. Segundo registros de carta do

cônego Manoel Teixeira, em 5 de janeiro de 1654 foram extintos, no espaço de 32

anos, 2 milhões de índios de mais de 400 aldeias.11

Com a chegada do Marquês de Pombal ao poder de Portugal o

incentivo do abastecimento para a colônia fez aumentar a preocupação com mão de

obra escrava. Por isso, foi criada a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão para

realizar o tráfico de pessoas negras da África para região. Estimasse, por dados do

CEDENPA apud Treccani (2001: p. 55), um indicativo de 54.000 de negros trazidos

como escravos ao Pará.

Mas, foi com a inauguração do ciclo da borracha (fim do século XVIII

e parte do século XIX) que se intensificou a preocupação pelo domínio do território

no Estado, já que a incorporação à divisão internacional do trabalho, com a nascente

revolução industrial na Europa, fez com que houvesse a “inauguração da vocação

extrativista da Amazônia.” 12

Esse levante da exploração da borracha, fez com que junto a

consolidação da classe dominante regional, composta de fazendeiros, comerciantes,

negociantes e proprietários em geral, houvesse uma corrente de imigração

nordestina intensa, tanto para trabalhar na extração do látex, quando para compor

as reservas de peões na construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré.

(...) Em 1885, foi criada a Sociedade Paraense de Imigração e, um ano depois, era promulgada uma lei que autorizava o governo a promover a vinda de dez mil migrantes. Estas tentativas tiveram, porém sucesso. Foram sobretudo os nordestinos, que fugiam como flagelados e retirantes da seca, que adentravam mata adentro para explorar a borracha. Em 1855 e 1889, entraram no Grão Pará 18.173 migrantes, 17.166 dos quais eram cearenses.13

11 LEAL. Aluísio Lins. Uma sinopse histórica da Amazônia . Belém, Universidade Federal do Pará: 1991. p. 9. 12 Ibid. p. 25 13 TRECCANI, Girolamo Domenico. Violência e Grilagem: instrumentos de auisição da propriedade da terra. Belém: UFPA, ITERPA, 2001, p. 89.

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20

Após o ciclo da borracha esse boom migratório foi em parte utilizado

para o ciclo da castanha, onde a exploração continuou. Essa população, que foi

reproduzindo a miscigenação com os povos nativos da região, veio constituir a

massa expurgada e miserável do fim do século XIX, que seja na mata ou na cidade,

continuaram sendo o produto da marginalização do nascente projeto imposto pelos

interesses de fora.

Entre os resultados desta fase, verifica-se uma intensa urbanização,

foram mais de 50 aldeias elevadas a categorias de vilas e Belém que tinha 4.000

habitantes na primeira metade do século, passou a ter mais de 10.000 a partir dessa

época14. Isso significou um inchaço populacional da região, a qual já começava a

sofrer com a migração espontânea em decorrência do estímulo do Estado e

empresas de exploração extrativista.

Mas foi a partir da política de colonização durante a ditadura militar

(Decreto Lei 1.164, de 1° de abril de 1971) que ess e processo migratório de

flagelados da seca do nordeste, grandes empresas e fazendeiros contribuiu

sensivelmente para “engrossar o caldo” dos conflitos e problemáticas atuais na

região.

2.2.2 Ciclo dos grandes projetos e agropecuária

Foi a partir da segunda metade do século XX que, além do povo da

Amazônia começaram a ser dizimadas também as florestas com intensidade.

Tratavam-se das áreas devastadas para construção de estradas, pastagens e

grandes projetos minerais e energéticos. Tudo isso sob o incentivo do Estado

brasileiro, a serviço dos interesses estrangeiros.

Segundo Aluísio Leal (1991: p. 48), a política econômica de entrega

do território amazônida ao capital estrangeiro teve como fator aliado o

endividamento da burguesia local, que após a quebra do ciclo da borracha e da

dívida pública causada com a construção de infra-estrutura destinada à economia

gomífera, viu nos empreendimentos privados oportunidade de exploração da região.

14 DIAS 1970: p. 118 apud TRECCANI, ibid, p. 56

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21

Primeiramente foram abertas rodovias, que haviam como slogan

principal a possibilidade de “integrar”15 a Amazônia às demais regiões do país.

Assim, foram construídas a Belém-Brasília, Pará-Maranhão e parte da

Transamazônica, com mão-de-obra em suma maioria das correntes migratórias

nordestinas.

Cada vez que um trecho era concluído os trabalhadores ficavam desempregados, indo engrossar as levas de ocupantes das terras que iam sendo amansadas. (...)Todas estas rodovias tinham sido planejadas para acolher pequenos lotes ao longo de suas margens e lotes maiores nos fundos, mas na realidade aconteceu exatamente o contrário. A ocupação pela pata do boi , passou a ser o lema para o desenvolvimento da região.16 (grifo meu) .

A Amazônia era divulgada como um grande “vazio demográfico” e

assim, especialmente pós-1964, foram implantados projetos de colonização, que

eram na verdade incentivos fiscais para que empresas se instalassem na região

amazônica. Foram criados os Planos de Integração Nacional e de Desenvolvimento,

que reproduziram a expansão da agropecuária extensiva e extração dos recursos

minerais, bem como fomentaram a “Marcha para Oeste”17 para onde não havia

constatação de propriedades avançadas.

(...) Na pressuposição dos tecnocratas não entrou o dado prévio sobre a já existente ocupação da Amazônia por índios e posseiros e muito menos entrou em cogitação o povoamento da região que se daria em conseqüência das próprias medidas da política econômica concentracionista aplicadas no conjunto do país, expulsando lavradores em direção às terras amazônicas, forçados a disputá-las com as grandes empresas (...).18

Junto aos planos institucionais iam sendo federalizadas as terras dos

Estados e, onde não eram constatadas propriedades particulares, as terras iam

sendo incorporadas aos planos de ocupação da Amazônia. Com isso eram abertas

novas fronteiras e sendo constituída uma tessitura social de conflitos, entre os

sujeitos que iam se apropriando das terras e os nativos (povos indígenas,

quilombolas), além dos colonos que vinham com as correntes migratórias.

15 Foi a estratégia política e militar do nacionalismo, com o discurso que proclamava a integração da Amazônia às demais regiões do país- “integrar para não entregar”. A finalidade era abrir vantagens para a incorporação do espaço da Amazônia às demandas do mercado mundial. 16 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...,, op. cit. p. 165 17 “Marcha para o Oeste” foi como ficou conhecido o movimento migratório de brasileiros expropriados de suas terras em outras regiões, principalmente Nordeste, para a Amazônia. 18 MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: A questão política no cam po . São Paulo: Editora Hucitec, 1991, 3ª ed, p. 73

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22

Como nos relata Éleres Paraguassú (2002: p. 42) a “euforia por

procura de terras no Pará”, iniciada na década de 70, contribuiu para acentuar o

drama fundiário que se vivencia hoje.

Para o posseiro amazônida constitui-se num inferno: grandes correntes migratórias de investidores médios e pequenos proprietários formaram no vetor dos grandes eixos rodoviários, penetrando em todas as frentes. Do Pará a Rondônia; do Acre ao Sul do Amazonas, Norte do Mato Grosso, e Roraima, levas de gaúchos, catarinenses, paranaenses, mato-grossenses do sul capixabas e mineiros – brasileiros de Estados sabidamente minifundiários, aventuraram-se no mito da terra prometida, “terra sem homens para homens sem terra” (...)19

A agressividade dessa ocupação, oriunda de um projeto geopolítico

equivocado para os interesses e peculiaridades da região, teve efeitos inestimáveis

de destruição nas áreas onde foi implantada. Foram exterminadas espécies de vida,

culturas e saberes locais historicamente construídos e gerados desmatamentos

incontrolados ao lado da exploração de madeira e da pecuária.

Dados do IBGE de 2007 demonstram como atualmente se pode

enxergar o produto dessa ocupação. Sendo mais da metade da população da

Amazônia Legal, originária de outros estados, principalmente das regiões Nordeste e

Sul do Brasil. Segundo análise da localização dessa população, enquanto os

nordestinos se concentram nas proximidades da rodovia Belém-Brasília, nas

margens do rio Amazonas e no estado do Maranhão, os sulistas se fixaram nas

margens da BR-364 e no norte do Mato Grosso, região da fronteira agrícola.20

O empobrecimento dos colonos, das populações originárias,

caboclos e posseiros e o avanço dos fazendeiros, empresários, grileiros, promoveu

e promove até hoje o deslocamento dessa população para os centros urbanos.

Expropriados das terras, tornam-se proletários e vão vender sua mão-de-obra,

inchando os exércitos de reservas.21

19 ÉLERES, Paraguassú. Intervenção territorial federal na Amazônia . Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 45 20 BANDEIRA, Luisa. Estudo do IBGE mostra como está sendo feita a ocupa ção da Amazônia . Agência Brasil. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/01/25/materia.2007-01-25.6039021197/view. Acesso em 14 de Ago. de 2009 21 “Se, por um lado, predominou a grande concentração fundiária, por outro ocorre o empobrecimento das etnias indígenas, caboclos amazonenses e posseiros. Essa era a grande meta do capital, expropriar os povos originários e os posseiros, deslocar as populações, tornando-as proletárias para servirem ao sistema ali implantado.” Cf. PICOLI, Fiorelo. O capital e a devastação da Amazônia . São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 50.

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23

Só no Pará, no ano de 2005 a população urbana já correspondia a

4,1 milhões de 6,9 no total, quase 60% da população total. Nos nove (9) Estados da

Amazônia Legal já se chegou a 11 milhões vivendo na cidade, nesse mesmo ano.22

Ao se fazer uma leitura das condições desse inchaço populacional nas cidades, é

notória a relação de conseqüência do que tem ocorrido no campo, compreendendo

que quem está atualmente ocupando o território rural tem sido cada vez mais uma

parcela minoritária da população.

2. 3. INTERVENÇÕES DO ESTADO PARA (DES)ORDEM FUNDIÁRIA

2.3.1. Estado Colonial e República Velha

Os marcos legais que acompanharam a evolução da conquista de

terras da Amazônia, em especificidade no Pará, possuem peculiaridades que nos

permitem avaliar indícios de equívocos dos fatos jurídico-históricos incidentes ao

longo dos tempos. Daí a necessidade de se levantar algumas dessas intervenções

na estrutura agrária nacional e regional, no que concerne ao regimento do Pará,

principalmente.

Pode-se afirmar que o primeiro marco regulatório estatal que veio

demarcar critérios para ser “dono” de terras brasileiras iniciou-se com as

Ordenações Reinós23 e com Lei de Sesmarias em Portugal, de 26 de julho de 1375,

bem antes da conquista de fato do território brasileiro.24 Nestas já haviam as

previsões do que viria a ser Carta Foral de 6 de Outubro de 1531, quando o regime

sesmarial foi oficialmente introduzido no Brasil.

As exigências para serem concedidas as sesmarias eram

verdadeiras condições resolúveis, ou seja, determinantes para que as sesmarias

22 MIRANDA, E. E. de; GOMES, E. G. GUIMARÃES, M. Mapeamento e estimativa da área urbanizada do Brasil com base em imagens orbitais e modelos estatísticos. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, 2005. Disponível em: <http://www.urbanizacao.cnpm.embrapa.br/conteudo/discussao.html> Acesso em 02 de Set. 2009. 23 Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. 24 “Os doutrinadores são hoje unânimes em reconhecer que a história do direito agrário e a estrutura agrária brasileira fincaram suas raízes no direito português, pois quando começou o processo de colonização não foi elaborada uma legislação específica para a colônia, mas passaram a vigorar no Brasil as leis lusitanas, que estabeleciam a maneira de adquirir, exercer, conservar, alienar e perder as terras.” Cf. TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência... , op. cit, p. 27.

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24

não caíssem em comisso. Porém isso se dava em tese, posto que na prática eram

critérios dificilmente fiscalizados naquela época.

As condições se resumiam em aproveitar a terra (considerado como

semeá-la, cultivá-la); medir e demarcá-la; pagar impostos sobre estas (pagamento

de foro); obter confirmação dos procedimentos realizados pelo rei. Dentre essas,

destaca-se a condição de demarcar os imóveis, que, após o Alvará de 5 de outubro

de 1795, tornou-se uma condição sine-qua-non para confirmação das sesmarias,

posto que deveria ser antes da utilização do imóvel e não depois. 25

Com isso se pode identificar uma tentativa legislativa de manter o

controle das terras concedidas como sesmarias e portanto, que estavam sendo

regulamentadas pelo Estado português, ainda que se tenha o caráter colonial

implícito. No entanto, como já exposto essas normas dificilmente eram utilizadas na

prática ou tinham algum efeito em terras tão pouco desbravadas, como da região

amazônica. Prova disso são os números de sesmarias registradas como

confirmadas na Província do Grão-Pará, o que envolvia o Pará, Amazonas,

Maranhão e Piauí, sendo somente 25,95% de 2.158 títulos emitidos26,.

Como enfatiza VIDAL et al (2009, p. 55) a fiscalização das sesmarias

era dificultosa, dentre os motivos nos expõe:

A imensidão territorial, o desconhecimento de sua real dimensão, das características da terra e do clima dificultavam sobremaneira o trabalho dos representantes da Coroa. Os delegados do Rei residiam e trabalhavam nas sedes das capitanias, a maioria plantada na costa, pouco sabiam do que se passava no interior do continente e eram constantemente assediados por demandas defensivas contra as incursões estrangeiras que se faziam ao território.27

Ainda que não houvesse efetivação e resultados de grandes

proporções com a demarcação das sesmarias, o Alvará de 1795 foi suspenso por

decreto de 10 de dezembro de 1976, devido à pressão dos grandes proprietários de

25 “IV – Item: Ordeno que a esta utilíssima condição (com que se devem gravar os Sesmeiros, a fim de que cada um regule o seu Direito, segundo os Marcos, e Balizas da sua demarcação) em nenhum caso poderão dispensar os Governadores, e Capitães Generais do dito Estado do Brasil nas suas respectivas Capitanias, nem ainda o Conselho Ultramarino, depois de publicado em cada uma delas este Alvará, antes sim como parte seu Regimento, nunca mais poderá confirmar Sesmaria alguma, sem que se lhe apresente, junto com a Carta dela, Certidão legal, e autêntica, de se haver feito, e passado em Julgado a demarcação, que respeita a cada uma das ditas Sesmarias;” Cf. BRASIL. Alvará de 5 de outubro de 1795. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/files/leis/Legislacao_agroambiental_antiga/Periodo_Colonial/Alvara_05-10-1795_Diploma_final_das_sesmarias.doc 26 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...., op. cit. p. 56. 27 VIDAL, Marly Camargo e MALCHER, Maria Ataíde. Sesmarias. Belém: ITERPA, 2009, p. 55.

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25

terra no Brasil (VIDAL, 2009, p. 72 apud BENNATI, 2003, p. 41). E em 17 de Julho

de 1822 ocorre a Resolução que suspende definitivamente a concessão de

sesmaria, ratificada em 22 de Outubro de 1823.

Teve início o período conhecido como “regime de posse”28, em que a

regulamentação de terras no Brasil não estava regida por ordem legislativa, quando

o país vivenciou um momento de total descontrole sobre as terras. O Estado não

concedia, nem confirmava sesmarias.

As concessões de sesmarias colocavam à justiça em intricadas situações, ora reconhecendo o direito dos sesmeiros, ora reafirmando a primazia da posse. Os conflitos gestados mostravam ainda que a obrigatoriedade do cultivo era o constrangimento maior para aqueles que – ao arrepio da lei – buscavam um título legítimo. Era preciso então consagrar a propriedade, sem ter que fazer um acerto com o passado, “contendo providência para o pretérito e regras fixas para o futuro”, como afirmara Vergueiro. A sesmaria fundara a propriedade territorial no Brasil e estabelecia um constrangimento estranho aos interesses do liberalismo, sempre pronto a fazer cumprir a lei “na casa do vizinho”. Era preciso deslegitimar a noção de que a propriedade da terra deveria estar assentada na obrigatoriedade do cultivo.29

A constituição de 1824, apenas extinguiu definitivamente o sistema

sesmarial e só tivemos novamente uma regulamentação agrária no país em 1850, a

Lei n° 601, mais conhecida como a Lei de Terras. Na sua razão jurídica, vinha trazer

diretrizes de como demarcar as terras e identificar as devolutas, considerando como

parâmetro para aquisição destas a compra, o que já deixava a margem os

“despossuídos” de poder aquisitivo para tal, ou seja, ex-escravos e imigrantes

camponeses.

Essa lei trouxe no seu bojo exigências relevantes para a

discriminação de terras do Brasil, tal como a demarcação como critério para

transmissão do domínio público ao particular30, a necessidade de cultivo e moradia

28 Como ficou conhecido o período em que foram suspensas as concessões de título dominiais de sesmarias, expedidos pelo poder público. No Brasil iniciou-se em 1882. 29 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Descontentamentos e protestos: territorialização da coroa e o direito a terra na América portuguesa . s/a, p. 28. Disponível em: http://www.euronapoleon.com/pdf/private/MARCIA_MOTTA.pdf. Acesso em 4 de Set. 2009. 30 Art. 8º Os possuidores que deixarem de proceder á medição nos prazos marcados pelo Governo serão reputados cahidos em commisso, e perderão por isso o direito que tenham a serem preenchidos das terras concedidas por seus titulos, ou por favor da presente Lei, conservando-o sómente para serem mantidos na posse do terreno que occuparem com effectiva cultura, havendo-se por devoluto o que se achar inculto. Cf. BRASIL. Lei 601/1850. Dispõe sobre as terras devolutas do império. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em 6 de set. 2009.

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26

habitual para revalidação das sesmarias. No entanto, esses critérios não impediram

o desarme do caos fundiário inicialmente instalado.

Dispositivos como o art. 10 da Lei 601/185031, não tiveram

efetividade, diante da inoperância em discriminar as terras devolutas. Além disso, a

escassez de agrimensores era utilizada como justificativa para o não cumprimento

da discriminação de terras.

Os institutos básicos da Lei 601/1850: demarcação, registro de terras possuídas, discriminação e arrecadação das terras devolutas que voltariam a incorporar-se ao patrimônio público, fracassaram redondamente. Sem a discriminação das terras devolutas era impossível, de um ponto de vista jurídico, institucionalizar a estrutura agrária.32

Com a constituição de 1891, art. 64, as terras devolutas da União

passam a ser administradas pelos Estados e com isso temos no Pará a primeira Lei

de Terras, o Decreto n° 410 de 8 de Outubro de 189 133. O teor desse decreto foi

muito similar a Lei de Terras 601 de 1850, posto que dispunha sobre a alienação de

terras devolutas do Estado do Pará, revalidação de sesmarias e outras concessões

do Governo, bem como a legitimação das posses mansas e pacíficas.

É válido retomar que, antes mesmo da revolução dos cabanos34, a

Província do Grão Pará teve 2.158 títulos de concessões sesmarias confirmadas

entre 1700 e 183535, os quais tinham como beneficiados aqueles que apresentavam

posses e facilidades burocráticas junto à metrópole. Desta feita, se pode tirar

conclusões de quem seriam os contemplados pelas revalidações.

Apesar das exigências de medição e demarcação das terras

passíveis de legitimação e revalidação em prazo de cinco (5) anos, segundo o

regulamento publicado em 28 de outubro de 1891, bem como a preocupação do

31 Art. 10. O Governo proverá o modo pratico de extremar o dominio publico do particular, segundo as regras acima estabelecidas, incumbindo a sua execução ás autoridades que julgar mais convenientes, ou a commissarios especiaes, os quaes procederão administrativamente, fazendo decidir por arbitros as questões e duvidas de facto, e dando de suas proprias decisões recurso para o Presidente da Provincia, do qual o haverá tambem para o Governo Cf. BRASIL, ibid. 32 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência..., op. cit. p. 81. 33 Art 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Parágrafo único - Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados Cf. BRASIL. Constituição 1891. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm. Acesso em 6 de Set. 2009. 34 Revolta popular no Pará, que ficou conhecida como Cabanagem. Chegou a constituir um governo próprio e independente entre 1835-1840. 35 MUNIZ, João da Palma apud ÉLERES, Paraguassú. Intervenção..., op. cit., p. 41.

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27

legislador em definir a forma descritiva que corresponderia ao laudo do agrimensor

para obtenção do título definitivo36, os cuidados com a forma não foram suficientes

para que houvesse a aplicação da mesma ao longo dos tempos e os prazos foram

prorrogados sucessivas vezes, até 1995.37

Pouco antes do começo do século XX, se teve no Pará uma leva de

regulamentos que possuíam o cunho de concessão de terras. Um deles, de 30 de

junho de 1894, a lei 223 permitia a concessão gratuita de 25 hectares (ha), o que

trouxe aproximadamente 13.000 imigrantes da Europa para o estado do Pará.38

Já no início do século XX, a legitimação e revalidação de terras,

segundo análise de Ronald Corecha39, apresentou sérios defeitos por meio da Lei

1.108 de 6 de novembro de 1909. Nesta tínhamos a desconsideração da

necessidade de medição para confirmação de Sesmarias, afirmando como critério

válido “atos emanados do poder ou autoridade competente”.40 Isso permitia com que

fossem oficializadas as ilegalidades cometidas no ato das concessões de terras no

Estado antes de 1854.

Também deste período aproximado, em 1918, ocorreu a incidência

da Legislação Estadual (Lei 1.741) que concedia grandes extensões de terras

públicas41, entre estas a abertura de castanhais para particulares, o que se

possibilitou a base da constituição de oligarquias na região do sul do Pará, mas

propriamente Marabá e municípios vizinhos.42

2.3.2 Estado de República Populista e Ditadura Mil itar

36 Fato este reforçado pela publicação da Lei 82 de 1892, que estabelecia disposições sobre a venda, revalidação, transferência e legitimação das terras devolutas exclusivamente pertencentes ao Estado. 37 TRECANNI, Girolamo Domenico. Violência...., op. cit. p 98. 38 Ibid, p. 101. 39 BASTOS, Ronald Corecha. A atuação..., op. cit., p. 28. 40 Art. 8° - A medição e demarcação das posses terão por base o registro criado pelo Art. 17, da lei n° 82, de 15 de setembro de 1892, mantido pelo Art. 21, n° 2°, 3° , 4° e 5° da presente lei. ( BRASIL. Le i 1.108 de 6 de novembro de 1909. Dá nova organização ao serviço de Terras. Disponível em: www.iterpa.pa.gov.br/files/leis/Legislacao.../Lei_PA_1.108-1909.doc. Acesso em 9 de set. 2009) 41. Art. 4°- As posses de terras adquiridas em virtud e do art. 5° § 5°, do Dec.n° 410, de 8 de outubro de 1891; do art. 5°, § 6°, da lei n° 82, de 15 de s etembro de 1892; do art. 5°, § 6° da lei n° 1.1 OS, de 6 de novembro de 1909 ainda não legitimadas até a data da presente lei, não poderão exceder das extensões seguintes: 1.098 hectares para terrenos de indústria extrativa; 2178 hectares para terrenos de lavoura, e 4.356 hectares para campos de criação, ficando o excedente em área sujeito a pagamento como terras devolutas que são. Cf. BRASIL. Lei Estadual do Pará n° 1.741 de 1914. Disponível em www.iterpa.pa.gov.br/ListaLeis.iterpa?...tleiCodigo. Acesso em 9 de set. 2009. 42 IPAM. A grilagem ... , op. cit., p. 29.

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28

Foi no período da segunda metade do século XX, com a intervenção

do governo federal e seus projetos de “colonização” da Amazônia que se percebe as

injustiças fundiárias agravadas. Já em plena ditadura militar, após a era Vargas e os

planos falidos de reforma agrária do governo de João Goulart, foram lançados

diversos instrumentos jurídicos que contribuíram na alteração da estrutura fundiária

da Amazônia.

A Lei 4.504 de 30 de Novembro de 1964, o Estatuto da Terra, trouxe

institutos importantes para a agregação de terras públicas por particulares, tratavam-

se de: legitimação gratuita de posse de até 100 ha; alienação com dispensa de

licitação de áreas até 3.000 ha; concessão com dispensa de licitação de áreas até

600 vezes o módulo rural; alienação com concorrência pública por licitação;

alienação com licitação e direito de preferência e concessões especiais; ratificação

dos títulos concedidos pelos Estados.

Além desses o Estatuto vem criar os Institutos que cuidavam do

desenvolvimento e da reforma agrária (INDA- Instituto Nacional de Desenvolvimento

Agrário e Instituto Brasileiro de Reforma Agrária- IBRA43), bem como sacramentar a

desapropriação por interesse social e o imposto territorial rural (ITR), como formas

de realização da reforma agrária.

Foi também criado o cadastro de imóveis rurais nacionais44, uma

proposta de unificação de dados a nível de Brasil, que teria sido uma relevante

determinação se este não fosse declaratório, ou seja, cada proprietário ou suposto

alimentaria o cadastro com dados prestados pelos mesmos, o que seria factível de

alterações falsas.

O que era para ser prioridade por meio dessa lei, ou seja, a

desapropriação de terras para a reforma agrária, se tornou segundo plano e as

burocracias (cumprimento de zoneamento, cadastros, vistorias, etc.) foram usadas

como justificativas para cobrir os entraves jurídico- políticos, os quais eram utilizados

para conservar o propósito a que deveria servir o Estatuto.

Um ano antes de decidir pela entrega da Amazônia ao grande capital, os militares haviam pensado em utilizá-la para a colonização e assentamento de pequenos agricultores sem-terra, propondo para isso um Estatuto da Terra, que viabilizaria uma reforma agrária voltada para a transformação de

43 O que viria a ser o INCRA posteriormente. 44 Caput do art. 46: O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá levantamentos, com utilização, nos casos indicados, dos meios previstos no Capítulo II do Título I, para a elaboração do cadastro dos imóveis rurais em todo o país, mencionando. Cf. BRASIL. Lei 4.504 de..., op. cit.

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29

pequenos produtores em pequenos empresários. A mudança de decisão fez com que a Amazônia se reproduzisse o padrão latinfundista da agricultura brasileira, em escala ampliada.45

Acompanhando a efetivação dessa lógica, foram concedidos diversos

incentivos fiscais às atividades de pecuária por meio da criação de órgãos e

programas incorporados aos Planos de Integração Nacional (PIN). Em 1966 era

criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia- SUDAM46; em 1971

veio o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte

e Nordeste (PROTERRA- Decreto-lei 1.179 de 6 de julho de 1971), que colocou “por

terra” a utilização de títulos de dívida agrária como pagamento das desapropriações

para que fosse utilizado em dinheiro47.

Mais tarde, já em 1980, foi criado o Grupo Executivo de Terras do

Araguaia-Tocantins – GETAT (Decreto-lei 1.767 de 1° de Fevereiro de 1980), ligado

ao Conselho de Segurança Nacional e o Grupo Executivo do Baixo Amazonas –

GEBAM (Decreto-Lei 84.516 de 20 de Fevereiro de 1980), além do Ministério

Extraordinário de Assuntos Fundiários (MEAF). “O balanço das realizações desses

três órgãos, no entanto, é pobre, com registro de alguns poucos milhares de títulos

de terra de posseiros regularizados”, segundo a avaliação do próprio governo

federal.48

Quase uma década antes disso, foi efetivado em terras da Amazônia

intervenção federal por meio do Decreto 1.164/1971, que concedia boa parte do

território ao controle da União, ao chamar áreas devolutas de cem quilômetros de

largura em cada lado do eixo das rodovias na Amazônia Legal à jurisdição federal,

declarando-as indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais. Em

45 MARTINS, José de Souza. Expropriação... , op. cit., p. 168. 46 Na verdade, os recursos públicos da SUDAM acabaram promovendo a grilagem de terra na Amazônia, por que, primeiro, terras apropriadas ilegalmente cumpriam a função de “garantias” exigida para empréstimos. Segundo, os projetos fictícios de investimentos na agropecuária exigiam a apresentação de área disponível para sua implementação, estimulando a grilagem de terras públicas. Cf. SAUER, Sérgio. Violação dos Direitos Humanos na Amazônia: conflito s e violência na fronteira paraense . Goiania: CPT e outros, 2005, p. 29) 47 Na avaliação de documentos oficiais da Presidência da República: “O desempenho do PROTERRA também deixou a desejar: o programa desapropriava áreas escolhidas pelos próprios donos, pagava à vista, em dinheiro, e liberava créditos altamente subsidiados aos fazendeiros. Apenas cerca de 500 famílias foram assentadas depois de quatro anos de criação do programa”. Cf. BRASIL. Reforma Agrária: um compromisso de todos . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/REFAGR3.HTM. Acesso em 8 de set. 2009) 48 Ibid.

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30

verdade, essas terras foram objeto de diversas finalidades: “venda, implantação de

grandes projetos, alguns projetos de colonização oficial.”49

Somente foram deixados ao Pará apenas 29,9 % de seu território50.

As demais áreas que, se já não eram propriedades particulares, tornaram-se

instrumentos a serviço da União, ou melhor, foram destinadas aos planos e projetos

de regularização que tiveram como produto o repasse de terras à grandes

conglomerados de agropecuários mineradoras, como já mencionado anteriormente.

As terras do Estado do Pará, apesar da incidência do Decreto-Lei

57/69, (correspondente ao Estatuto de Terras no Pará) que tratava de todas as

formas de procedimentos necessários para cada tipo de aquisição das terras

públicas, a confusão fundiária era reforçada por meio do seu art. 88, que permitia a

todos os títulos nulos fossem revalidados51

No que concerne às terras repassadas para União, destaca-se a

afetação das Exposições de Motivo 005 e 006 do Conselho Nacional de Segurança

Nacional52 de 1976. Estes foram instrumentos legais de regularização considerados

uma das “mais fundas brechas abertas na legislação agrária de legalização de

terras”53, já que, por meio destes havia possibilidade de apropriação das terras

devolutas, sem concorrência pública, ou melhor sem critérios de licitação, de áreas

até setenta e dois mil ha, o que infringia a normatização constitucional que

requisitava necessidade do estabelecimento de critérios, inclusive para um limite

menor, em áreas de até cem ha (art. 171 da Constituição de 196754).

49 LOUREIRO, Violeta Refkalefsky; PINTO, Jax Nildo Aragão. A questão fundiária na Amazônia , 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000200005. Acessado em 12 de Set. 2009. 50 ÉLERES, Paraguassú. Intervenção , op. cit., p. 108. 51 Art. 88, caput: Os atuais possuidores de terras do Estado cujos títulos definitivos houverem sido ou vierem a ser declarados nulos poderão, até 31 de dezembro do corrente ano, requerer a compra das mesmas áreas, em condições especiais, desde que satisfaçam os seguintes requisitos:. Cf. BRASIL. Decreto-Lei do Estado do Pará n° 57/69. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/ListaLeis.iterpa?pager.offset=60&buscar=0&tleiCodigo=38. Acesso em 12 de Set. 2009. 52 Passaram a ter força de lei pela aprovação do Presidente-general Ernesto Geisel. 53 CONTAG/CIMI/CNBB/ABRA/IBASE. Campanha Reforma Agrária . Rio de Janeiro: Editora Codecri, abril de 1973, p. 11. Disponível em: http://www.dieese.org.br/cedoc/005978.pdf. Acesso em 13 de Set. 2009. 54 Art. 171. A lei federal disporá sôbre as condições de legitimação da posse e de preferência para aquisição, até cem hectares, de terras públicas por aquêles que as tornarem produtivas com o seu trabalho e o de sua família. Cf. BRASIL. Constituição 1967/ Alterada em 1969. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acesso em 12 de set. de 2009)

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31

As duas iniciativas foram sugeridas ao governo através de duas exposições de motivos (conhecidas como 005 e 006), assinadas pelo ministro da agricultura e o ministro-chefe do todo poderoso Conselho de Segurança Nacional. Passaram a ter força de lei quando o presidente da república as aprovou, desencadeando processos que acabaram por consolidar grilagens e ocupações irregulares de terras na Amazônia. 55

Assim, se dava o fechamento do ciclo, em que as aquisições de terra

de forma fraudenta recebiam do governo federal o título de propriedade, se tornando

regularizadas por meio dos procedimentos cabíveis pelas Resoluções

(posteriormente) 005 e 006 do CSN. Portanto, o próprio Estado coadunava com a

prática irregular, legalizando e investindo nestas.

Segundo Violeta Loureiro et al, esses instrumentos legais utilizados

no governo de Ernesto Geisel, “aceleraram a legalização da fraude e da grilagem e

intensificaram os conflitos”56, não permitindo a quem deveria ser beneficiado que

fosse de direito, já que:

As áreas pleiteadas por grileiros, madeireiros e criadores de gado eram habitadas por centenas de famílias de colonos que nelas viviam e seus direitos à terra, apesar de contestados junto à Justiça ou por confronto direto, estavam amparados legalmente: os naturais da região já estavam na terra há algumas décadas e nelas se haviam estabelecido com posse mansa e pacífica, trabalho efetivo e morada habitual, portanto, na forma da lei.57

Além desses, outro arcabouço legal criado em 1976 trazia em seu

texto possibilidades de intervenção no contexto fundiário nacional por meio da

discriminação de terras como forma de regularização fundiária, tratava-se da Lei n°

6.393, que até hoje produz efeitos. Segundo os procedimentos exigidos por essa lei,

se pode resumir como etapas ideais para discriminação: a) publicação em edital de

convocação, b) reunião de documentos e testemunhas que comprovam posse ou

propriedade dos imóveis envolvidos, c) vistoria e demarcação das terras com

levantamento de mapa.

Após a discriminação, que pode ser provocada por litígio judicial ou

procedimento administrativo comum, as terras que por exclusão não apresentavam

indícios de propriedade, deveriam ser arrecadadas e incorporadas ao patrimônio

público e assim tituladas.

55 PINTO, Lúcio Flávio. Terra Assada. Jornal Pessoal, Belém. Agosto de 2009, 2ª quinzena, p. 1-2. 56 LOUREIRO Violeta Refkalefsky et al . A questão ..., op. cit. 57 Ibid.

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32

O GETAT se valia desses instrumentos para agregar como

patrimônio da União terras que eram propriedades privadas e coletivas, o que

contribuiu para posteriores focos de conflitos, já que não eram utilizados os devidos

“critérios e cautelas inerentes aos critérios que deveriam prevalecer e nortear o

processo”58. Além disso, as ações discriminatórias davam chance que se

“consolidasse e legitimassem a grilagem especializada”, nas palavras de. Girolamo

Trecanni (2001: p. 132), o que ocorria por meio da simples arrecadação59 da União

sobre terras ditas terras “devolutas” e posterior alienação, inclusive com a dispensa

da licitação.

Nesse círculo se tornava comum a venda de terras com posseiros

dentro ou mesmo o aparecimento de posseiros que se aliavam e serviam a uma

atividade empresarial, incentivados por grandes empresários que construíam infra-

estrutura básica para a área, o que abria oportunidade para o surgimento daqueles

chamados “laranjas” ou prepostos.

Violeta Loureiro (2004: p. 37), nos aponta como essa forma de

regularização fundiária por meio somente da arrecadação se produzia ineficaz,

posto que eram os proprietários de terras os únicos que dispunham de

comprovantes de titulação de imóveis, sendo suas áreas confirmadas pela ação do

Estado. Em contrapartida, os moradores e trabalhadores antigos da região eram

destituídos de sua condição original e obrigados a reclamar junto ao Estado o que

haviam conquistado historicamente com sua habitação e produção.

Assim, a política de regularização dos órgãos fundiários nos

governos militares tinha em sua prática formas de realizar a “grilagem

especializada”, a qual não precisava utilizar da força física, mas que se valia da

garantia de titulação para que se consolidasse a suposta “segurança jurídica” como

pilar das atividades econômicas predatórias ao benefício da população originária.

58 Idem. Amazônia: Estado, Homem, Natureza . Belém: CEJUP, 2004. P. 138 59 Arrecadação é a constatação da inexistência de títulos e registros sobre uma área. Administrativamente os órgãos da União requerem aos cartórios e órgãos do Estado certidões sobre o território e caso negativo são matriculados como áreas federais.

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33

2.3.3. Nova República e Estado Democrático de Direi to

Apesar da anunciada “abertura democrática”, os efeitos das

ocupações irregulares incentivados pelo Estado da ditadura militar se projetaram

sem que houvesse uma preocupação imediata de revisão fundiária ou programas

que tratassem de desapropriações que alterassem a estrutura fundiária.

Os dispositivos constitucionais que previam a desapropriação

(Constituição de 1988, art. 5 °, XXIV) e a promulga ção da nova Lei Agrária (Lei

8.628), bem como o artigo 51 do ADCT60, foram passos importantes no campo da

regularização fundiária, porém as práticas que seguiam não incluíam esse

instrumento como prioridade na política fundiária.

Além disso, o Decreto 2.375/87, que revogava o Decreto 1.164/71 e

permitia a retomada pelo Estado de áreas que não foram destinadas a projetos de

colonização ou tituladas a particulares para atividade produtiva, trouxe um novo

cenário de possibilidades, que exigia com urgência a identificação dessas terras e a

divisão entre abrangência federal e estadual.

Em contrapartida, as prioridades de lançamento de programas de

política agrária que seguiram davam continuidade a lógica de distribuição de terras,

sem proposições de alterar o quadro caótico acumulado. Sendo que estes

programas sequer chegaram a alcançar as metas mínimas previstas, originados de

problemas de vontade política e a real inviabilidade em “ocupar” mais fronteiras,

sem que houvesse o enfretamento da desapropriação e efetivação de correições

fundiárias no campo.61

Durante o período antecedente ao governo federal atual, a situação

em termos das iniciativas de regularização não se altera e os números de

60 Prevê revisão legal das terras de áreas acima de três mil ha, revisão esta que nunca foi realizada pelo Congresso Nacional comprovando, mais uma vez, o descaso com a questão agrária quando não a conivência dos parlamentares com a grilagem de terras públicas. 61 No governo do presidente Sarney foram assentadas cerca de 90.000 famílias, quando propagandeava com o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que seriam 1 milhão e 400 famílias (INCRA). Já governo Collor, apesar de anunciado o Programa da Terra, a proposta ficou só no “plano das idéias”. Quando assume Itamar Franco este lança o Programa Emergencial de Reforma Agrária, que pretendia assentar 80 mil famílias, mas que atendeu somente 23 mil (BRASIL, Reforma Agrária... , op. cit.)

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assentados (em torno de 306.285 famílias) não traduzem que o Estado estivesse

tomando para si a tarefa de organizar o contexto fundiário para então agir com os

programas de reforma agrária, posto que foram registradas aproximadamente 1.986

ocupações (UNESP, 2007) 62. Isso demonstra que a pressão popular obrigava que

houvesse as desapropriações de imóveis rurais e não exatamente o interesse de

governo.

Apesar da promulgação da Lei que previa o Cadastro Nacional de

Imóveis Rurais - Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 200163 – não houve resultados

significantes no final desse ciclo de governo, no que concerne ao esforço de realizar

um trabalho coletivo para tal unificação de registro, o que só veio a se manifestar por

meio do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, que dava regulamentação a lei

e que ainda assim não cumpria com a efetivação da mesma.

Somente no Pará, em 2003, dos 124.770.268,33 hectares, apenas

40.095.952,00 ha estavam no cadastro oficial do Sistema Nacional de Cadastro

Rural, ou seja, 67,8% das terras que não tinham qualquer controle estatal e que se

foram registrados, era através de mecanismos fraudulentos da grilagem de terras. 64

Com a criação do ITERPA, pela lei 4.584 de 08 de Outubro de 1975,

a competência de regularização das terras do Estado passou da SAGRI para esse

instituto, o que em tese viria facilitar a descriminação das terras estaduais. Ainda no

período de 1996 e 1997, o órgão chegou a ajuizar 44 Ações de Cancelamento de

62 UNESP. Análise e Mapeamento dos tipos de assentamento no B rasil: compreender a diversidade e a atualidade da reforma agrária brasi leira: estudo dos assentamentos do norte e nordeste. 2007. Disponível em: http://www4.fct.unesp.br/nera/projetos/relatorio_estevan.pdf. Acesso em 15 de set. 2009. 63 Essa lei trazia a inovações de exigir que junto ao cadastro de imóveis rurais fosse incluído o mapa georeferenciado das áreas e que e que os detentores de imóveis maiores do que quatro módulos fiscais na Amazônia fossem responsáveis por apresentar o georeferenciamento no cadastramento e recadastramento, conforme as alterações da lei 6.015/73, artigo 176, § 3° e 4°: § 3o Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais. § 4o A identificação de que trata o § 3o tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo. Cf. BRASIL. Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/LEIS_2001/L10267.htm. Acesso em 15 de Set. 2009. 64 IPAM. A grilagem ... , op. cit., p. 38.

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35

registros irregulares, que correspondia a 24.076.000 de hectares, porém obteve

somente 2 sentenças favoráveis, totalizando 8.712 hectares65.

3. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E O ESTADO ATUAL

3.1. BREVE CONTEXTO PRESENTE DA SITUAÇÃO AGRO- AMBIENTAL DA

AMAZÔNIA

Como ficou demonstrado pela evolução histórica do processo de

ocupação na Amazônia e no Pará, se tem o ousado desafio de se levantar a

radiografia fundiária do Estado, diante de tantos atores presentes no território. Ainda

mais quando se analisa abertura indiscriminada de fronteiras agrícolas e a presença

conflitante de sujeitos sociais com interesses incompatíveis.

A abertura de novas estradas e o processo acelerado de ocupação no Estado do Pará tem reativado fronteiras econômicas antigas (como o que ocorre no nordeste, sul e oeste paraense com o cultivo da soja e a exploração mineral) e movimentado novas fronteiras como o que ocorre em Anapu, Castelo dos Sonhos (Altamira), Novo Progresso e São Felix do Xingu. Essas novas dinâmicas têm acelerado o processo de expropriação e a exploração irracional do território, que resultam em desmatamento e muita violência envolvendo novos e antigos ocupantes do espaço territorial.66

Com isso, se percebe que o crescente desmatamento não advém

apenas da produção de carvão vegetal, mas alimenta uma série de atividades

econômicas, em que a exploração madeireira é a primeira a ser beneficiada,

seguindo o avanço da pecuária e soja, o que dá continuidade aos ciclos econômicos

de monocultura.

Os grandes produtores de soja e gado- ao primeiros principalmente, e em particular, no estado do Mato Grosso-, além de utilizarem terras próprias, costumam arrendar terras de pequenos produtores agrícolas. A crescente demanda por terras naquele estado tem elevado o preço das mesmas e provocado uma corrida dos plantadores, que passaram a buscar terras mais baratas em pontos centrais da Amazônia67

Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente de 1997 a 200468 já

foi devastada uma área de 95.318 km² na Amazônia Legal, 58% da qual foi

responsabilidade da pecuária. Em julho, o sistema de alerta DETER indicou 836 km²

65 ITERPA. Análise dos Registros de Imóveis Rurais Bloqueados no Pará. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/ListaDownloads.iterpa. Acesso em 16 de Set. de 2009. 66 SAUER, Sérgio. Violação dos Direitos… , op. cit., p. 22 67 LOUREIRO Violeta Refkalefsky. Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvim ento . São Paulo: Empório Livro, 2009 P. 89 68 Ibid, p. 88.

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de desmatamentos na Amazônia. Deste total, 577 km² foram registrados no Pará.

Isso demonstra como na atualidade se coexiste com as conseqüências do

deslocamento das fronteiras agrícolas que dão origem a novas áreas de devastação

e apropriação do patrimônio coletivo com altos passivos sociais e ambientais. 69

ILUSTRAÇÃO 1- Focos do desmatamento na Amazônia.

FONTE: INPE/ DETER70.

Amarelo- Focos de desmatamento identificados no mês de Julho/2009

Soma-se a esse contexto atual o cruzamento de outro dado

alarmante: o Pará possui aproximadamente 3,9 vezes mais o seu tamanho em terras

registradas71. Esse dado foi fruto do trabalho da Comissão de Estudo e

Monitoramento das Questões Ligadas a Grilagem de Terras no Estado do Pará72,

com base em pesquisas nos cartórios do estado, obtidos desde 2007. Os números

revelam o desordenamento que dá chance a impunidade das infrações ambientais,

por exemplo.

69 Dentre as ações inibitórias desse quadro, o Ministério Público Federal, em Junho de 2009, encaminhou recomendações a diversas redes de compra de carne que suspendessem as compras de produtos oriundos de criação realizadas em áreas devastadas, sob pena de responsabilidade solidária. Cf. MPF quer gado fora de área devastada . Belém, Jornal O’Liberal, Caderno Atualidades. 2/06/09. P. 5. 70 INPE. DETER indica 836 km2 de desmatamento na Amazônia em julho. 01 de set. 2009. Disponível em: <http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=1937>. Acesso em 9 de Ago. 2009. 71 Ana Conceição. Terras registradas no Pará são 4 vezes a área do Es tado . Estadão On-line. 21 de jul. 2009. Disponível em: http://www.estadao.com.br/geral/not_ger406149,0.htm. Acesso em 17 de Set. 2009. 72 Comissão composta por Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Procuradoria Geral do Estado, ITERPA, INCRA, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil- Seção Pará, FETAGRI-PA, SDDH, CPT e FAEPA.

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37

Nas últimas décadas, mais de 300 mil pessoas ocuparam informalmente e ilegalmente milhões de hectares na Amazônia. Considerando, por exemplo, apenas terras federais, cerca de 67 milhões de hectares foram ocupados, o que equivale aos territórios da Alemanha e Itália. Essa ocupação desenfreada – em que os posseiros exploraram madeira e obtiveram rendas da agropecuária sem sequer pagar um aluguel pela terra- tem estimulado conflitos, o desmatamento e dificultado o estabelecimento de usos sustentáveis dos recursos naturais da região.73

Como conquências desse cenário, os dados da continuidade dos

registros de conflitos e violência no campo são preocupantes. Segundo dados da

Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 1971 a 2008, foram assassinados 830

camponeses no Pará. Sendo que na primeira metade do período mencionado (1971-

1985) foram registrados 340 assassinatos em conflitos fundiários. Na segunda

metade do período (1986-2008) foram vitimados 490 camponeses, demonstrando

assim a persistência no tempo do padrão de violência existente no Pará.74

Na Amazônia a distribuição incerta da situação jurídica das terras, se

resume no seguinte quadro, publicado pelo IMAZON:

ILUSTRAÇÃO 2- Destino das terras na Amazônia

FONTE: IMAZON/ 200975

73 BRITO, Brenda e BARRETO, Paulo. Os perigos da privatização generosa de terras na Amazônia . 2009. Disponível em: http://www.imazon.org.br/novo2008/publicacoes_ler.php?idpub=3557. Acesso em 17 de Set. 2009. 74 CPT. Caderno Conflitos no Campo 2008 . Disponível em: http://www.cptnacional.org.br/?system=news&action=read&id=3311&eid=6. Acesso em 17 de Set. 2009. 75 BRITO, Brenda e BARRETO, Paulo. Os riscos e os princípios para regularização fundi ária na Amazônia . 2009. p. 1. Disponível em: http://www.imazon.org.br/novo2008/arquivosdb/173332oea10.pdf. Acesso em 19 de Set. 2009.

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A incerteza da localização das áreas que supostamente são tomadas

como áreas “privadas” é o desafio posto para os planos de regularização fundiária

do ciclo atual da gerência de Estado. Segundo dados do laboratório de

geoprocessamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

(IMAZON), “mesmo as áreas protegidas são alvo de ocupações ilegais”, a estimativa

é de que “pelo menos 10 milhões de hectares dentro de Unidades de Conservação

possuem pendências fundiárias, incluindo a necessidade de desapropriar imóveis

privados e de resolver a situação de posseiros em seu interior”76

3.2. INTERVENÇÕES RECENTES SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

3.2.1. Na região da Amazônia Legal

Com entrada do ciclo de governo Lula, foram incorporados aos

planos de política agro-ambiental algumas iniciativas legais que apontavam para a

possibilidade de regularização fundiária. Primeiramente, tivemos em 2003 o

lançamento II Plano Nacional de Reforma Agrária, que previa entre suas metas a

regularização fundiária de 500 mil famílias até o final de 2006.77 Porém, regularizou

a situação de 113 mil famílias de 2003 à 2007, ou seja, atingiu apenas 23% da

meta.78

Em 2004 foi lançado o PPCDAM- Plano de Ação Para a Prevenção e

Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, com um leque extenso de diretrizes

estratégicas. Entre os desafios estavam o ordenamento fundiário.79 Para a

76 Ibid, p. 1 77 MDA. Plano Nacional de Reforma Agrária . Disponível em: http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/184. Acesso em 12 de Set. 2009 78 UMBELINO, Ariovaldo. O governo Lula dá adeus a reforma agrária . Radio Agência Notícias do Planalto. 18 de Dezembro de 2008. Disponível em: http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5990&Itemid=43. Acesso em 19 de Set. de 2009. 79“ iii) a tomada de medidas urgentes de ordenamento fundiário e territorial, visando à redução do acesso livre aos recursos naturais para fins de uso predatório e o fortalecimento de instrumentos de gestão democrática e sustentável do território, priorizando o combate à grilagem de terras públicas, a regularização fundiária, viabilização de modelos alternativos de reforma agrária adequados à Amazônia, e a criação e consolidação de unidades de conservação e terras indígenas; (grifo meu). Cf. BRASIL. Plano de Desmatamento . Disponível em http://www.planalto.gov.br/casacivil/desmat.pdf. Acesso em 10/09/09.

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39

efetivação dessa medida foi promulgada uma Portaria conjunta entre INCRA e MDA

n° 10, de 1° de dezembro de 2004. 80

Para que fosse efetivada com sucesso a iniciativa dependia de uma

estrutura institucional que o INCRA não possuía, de acordo com o texto do primeiro

relatório de avaliação do plano, que trazia:

Em termos gerais, avalia-se que a atual estrutura institucional do INCRA (recursos humanos, equipamentos, etc.) é insuficiente para conduzir as atividades de recadastramento e regularização fundiária, bem como outras ações do Plano sob a sua responsabilidade em nível regional. Conforme demonstrado pela Operação Faroeste, em que de 11 dos 18 indivíduos presos pela Policia Federal eram funcionários do INCRA (inclusive o superintendente no Pará), a fragilidade institucional do órgão envolve a susceptibilidade à corrupção, perante o poder econômico de quadrilhas de grilagem de terras públicas 81

Em fevereiro de 2008, o Greenpeace publicou um dossiê de

avaliação do plano, dentro do qual abrangia também as iniciativas de regularização

fundiária, onde se confirmava a exposição da fragilidade dos órgãos responsáveis

por efetivar a mesma. Dentre as ações desse eixo, foram identificadas como não

executadas ou com resultado incipiente: i) a demarcação e regularização fundiária

de terras indígenas e ii) a regularização fundiária e combate a grilagem e destinação

de terras públicas em áreas de conflito no Arco do Desmatamento e na região da

BR-163.82

Ainda nesse relatório avaliativo, o Greenpeace em sua conclusão

encerra afirmando a necessidade emergencial da etapa de regularização para que

houvesse a efetivação do plano:

Uma medida é vital: nenhum plano dará certo sem que o governo federal e os governos estaduais promovam o imediato ordenamento e a regularização fundiária da Amazônia, convocando forças-tarefa do executivo e judiciário para concluir o cadastramento de propriedades rurais e analisar, julgar e encerrar os processos litigiosos sobre propriedade de terra na região. A curto prazo, esse ordenamento passa pela adoção do

80 Por meio desta, os proprietários com mais de 400 hectares de terra na Amazônia legal, teriam o prazo até 30 de janeiro de 2005 para registrar seus imóveis e para quem tinha de 100 a 400 hectares, o prazo estendia-se até 31 de março de 2005. 81 BRASIL. Relatório de Avaliação do Plano de Desmatamento . 2005, p. 8. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/casacivil/arquivospdf/RelatorioAvaliacaoPlanoAcaoPrevencaoControleDesmatamentoAmazoniaLegal,.pdf. Aceso em 20 de Set. 2009. 82 GREENPEACE. O leão acordou . 2008, p. 7. Disponível em: http://www.greenpeace.org/brasil/documentos/amazonia/desmatamento-na-amaz-nia-o-l.

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SLAPR (Sistema de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais) em por todos os estados da Amazônia Legal, ou de sistema similar de cadastro ambiental das propriedades rurais. 83 (grifo meu).

Para incorporação desse plano chegaram a ser expedidas instruções

normativas pelo INCRA (INs 31 e 32 no ano de 2006), as quais regularizavam

pequenas posses entre 100 ha e até 500 ha na Amazônia Legal. Segundo a

avaliação final do PPCDAM, em 2008, apesar das normatizações, a regularização

fundiária foi considerada “muito pequena” e “pouco avançada”, nos anos de 2005 a

2007.

Logo após, em junho de 2007, o INCRA editou normas para alienação

de áreas acima de 500 ha até 1.500 ha, a IN 41, que envolvia o uso de licitação.

Segundo análise do BARRETO et al, isso ocorreu em virtude da “pressão política e

judicial dos posseiros de área maior”, que não tinham sido beneficiados pela

titulação de imóveis públicos anterior.84

Em maio de 2008, foi lançado o PAS (Plano Amazônia Sustentável),

que estava em discussão desde 2003, no qual entre os cinco grandes eixos de

atuação está o ordenamento territorial, que se incorpora a gestão ambiental, por

meio do georreferenciamento das áreas priorizadas pelo programa.85

Pouco antes, em 25 de março de 2008, foi publicada a MP 422, que

foi convertida na Lei 11.763. Causa de alarme de algumas organizações da

sociedade civil86, essa norma já alterava a Lei 8.666/93 (art. 17, § 2-B), lei das

Licitações e Contratos da Administração Pública e permitia a dispensa de licitação

para concessão de direito de propriedade ou título real de uso de imóveis rurais

públicos a particulares, até 1.500 ha. Logo após essa alteração, o INCRA publicou

83 Ibid, p. 33. 84 BARRETO. Paulo; BRITO, Brenda; PINTO, Andréia; HAYASHY, Sanae. Quem é dono da Amazônia: uma análise do recadastramento de imóveis rurais . Belém: IMAZON, 2008, p. 46. Disponível em: http://www.imazon.org.br/publicacoes/publicacao.asp?id=537. Acesso em 1 de out.2009. 85 BRASIL. Programa Amazônia Sustentável . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/casacivil/arquivospdf/pas.pdf. Acesso em 21 de Set. 2009. 86 Manifestações de Entidade como: Comissão Pastoral da Terra (Oficializada a grilagem da Amazônia); Fórum da Amazônia Oriental (Carta Aberta ao Presidente sobre MP 458); Sociedade Paraense em Defesa dos Direitos Humanos, Movimento dos Atingidos por Barragem, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Conselho Indiginista Missionários, entre outras entidades (Petição ao Presidente Contra Partes da MP 458); Greenpeace (Toda grilagem será perdoada).

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duas Instruções Normativas (INs)–nº 45 e 46 – para fixar os novos procedimentos de

regularização fundiária, conforme a previsão da nova lei.

3.2.2 No Estado do Pará

No âmbito estadual, se teve alguns avanços em relação a tentativas

de regularização fundiária por meio do ajuizamento de diversas Ações de Nulidade e

Cancelamento da Matrícula, Transcrições e Averbações no Registro de Imóveis87.

Somado a isso ocorreu o reforço do Provimento 013/2006 da Corregedoria de

Justiça das Comarcas do Interior que veio afirmar a reorganização fundiária por

meio de bloqueio de títulos irregulares, uma prática recorrente desde 1999, que vem

tenho resultados consideráveis.88

Após os diversos “considerandos” do Provimento, vinham os

objetivos a que o mesmo se propunha:

Art. 1º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas, no período de 16/07/1934 a 08/11/1964 (independente da data que constar no suposto título), com áreas superiores a 10.000 ha (dez mil hectares), não podendo o Oficial nelas praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas. Art. 2º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas, no período de 09/11/1964 a 04/10/1988 (independente da data que constar no suposto título), com áreas superiores a 3.000 ha (três mil hectares), não podendo o Oficial nelas praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas. Art. 3º. Determinar a averbação de BLOQUEIO DE TODAS AS MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS nos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas a partir de 05/10/1988 (independente da data que constar no suposto título), com áreas superiores a 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares), não podendo o Oficial nelas

87 Foram 50 de 1996 a 2008 ajuizadas pelo mesmo e 4 ações civis públicas, correspondentes a aproximadamente 24 milhões de ha. Cf. ITERPA, Análise dos... , op. cit. 88 Em 1999, o INCRA identificou evidências de fraude em 39 cartórios, em cinco estados da Amazônia, e solicitou que as justiças estaduais conduzissem inspeções extraordinárias em vinte e um casos. De 1990 a 2006, a Justiça Estadual do Pará determinou nove cancelamentos e dezesseis suspensões de registros de terra fraudulentos, os quais representaram mais de 150 imóveis ilegais e mais de 3,2 milhões de hectares. Em 2001, a Justiça Estadual do Amazonas, motivada pelo recadastramento conduzido pelo INCRA, cancelou administrativamente 135 registros ilegais de imóveis em cartórios equivalentes a aproximadamente 28 milhões de hectares. Cf. BARRETO et al, Quem é dono... ,op. cit., p. 41.

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praticar mais nenhum ato, estendendo-se os seus efeitos a eventuais matrículas que delas tenham sido desmembradas. 89

Muito embora a iniciativa permitisse a correição de diversas situações

irregulares90, o Tribunal de Justiça do Estado não reconheceu o cancelamento

administrativo dos casos de matrículas indevidas discriminados pela Comissão de

Estudo e Monitoramento das Questões Ligadas a Grilagem de Terras no Estado do

Pará nos cartórios de registro de imóveis das comarcas do interior do Estado. Fato

este que deu origem ao pedido de Providências ao Conselho Nacional de Justiça por

várias entidades em abril de 2009.

Ao lado disso, está por se concluir o Programa de Ordenamento

Territorial, pelo Instituto de Terras do Pará, os quais objetivam em suas ações a

constituição da malha fundiária dos municípios, bem como a elaboração do

Macrozoneamento e o Zoneamento Ecológico Econômico da BR 163, a criação

unidades de conservação, o reconhecimento do direito a terra às comunidades

indígenas e quilombolas.91

4 A MEDIDA PROVISÓRIA 458 CONVERTIDA EM LEI 11.252 /09

4.1 ANTECEDENTES DA ELABORAÇÃO DA LEI

89 BRASIL. Provimento Corregedoria do Interior 013/2006- CJ CI. Dispõe sobre a averbação de Bloqueio de Matrículas de áreas rurais nos Cartórios do Registro de Imóveis nas Comarcas do Interior e dá outras providências. Disponível em http://arisp.files.wordpress.com/2009/08/prov-pa_cjci-tje_013-2006.pdf. Acesso em 22 de Set. de 2009. 90 De acordo com a Petição de Pedido de Providências ao CNJ pelo ITERPA, MPF, INCRA, AGU, FETAGRI, CPT, tínhamos: a) registros com mais de 100.000 hectares incidindo sobre terras indígenas, unidades de conservação, terras devolutas estaduais ou terras públicas já devidamente matriculadas em nome da União e do Estado; b) milhares de Títulos de Posse não legitimados declarados caducos pelo Decreto nº 1.054, de 16 de fevereiro de 1996, e sobre os quais pesa o protesto judicial apresentado pelo ITERPA no mesmo ano; c) centenas de Títulos de Domínio, supostamente emitidos na década de 60, com área correspondente a uma légua quadrada (4.356 ha), mas que foram levados a registro três décadas depois; d) registros de áreas com mais de 1.500 hectares expedidos depois de 1.989 sem a devida autorização legislativa prevista no art. 241-242 da Constituição estadual; e) registros de áreas superiores a 500 ha, sem que o Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária e Fundiária tivesse aprovado o Plano de Utilização. Cf. ITERPA. Pedido de providências ao CNJ. Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem- Pedido de providências ao CNJ. Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/files/downloads/Pedido_providencias_CNJ.pdf 91 Cf. BRASIL. Programa de Ordenamento Territorial do Pará . Disponível em: http://www.iterpa.pa.gov.br/files/PROGRAMADEORDENAMENTOTERRITORIAL.pdf. Acesso em 23 de Set. 2009.

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Desde o segundo semestre de 2008 vinha sendo sinalizada a

previsão de uma lei de regularização fundiária na Amazônia, a qual viria dar subsídio

jurídico a uma das ações previstas no Plano Amazônia Sustentável (PAS)92. Ainda

que isso não tenha se efetivado por meio do PAS, esta intenção se consagrou com a

elaboração da Lei n°11.952 de 25 de junho de 2009 ( conversão da MP 458).

O que gerava motivo de controvérsias, antes da publicação da MP

458, ainda era a forma pela qual seria instituída a lei, conforme noticiários da época:

“A doação de terras de até quatro módulos ou a cobrança só de valor histórico entre

101 hectares e quatro módulos exige mudança das leis. Não está definido se as

mudanças serão feitas por medida provisória.”93

Além deste impasse, outro foi gerado na elaboração da proposta,

tratava-se da criação de um instituto próprio para realização do trabalho de

regularização fundiária na Amazônia. Era denominado IRFAM- Instituto de

Regularização Fundiária da Amazônia e concorreria com o INCRA em recursos.

Porém, houve reação de setores na sociedade e inclusive do INCRA e MDA e essa

proposta não prosperou.

Veio então, como contraponto da idéia a criação do plano “Terra

Legal: Regularização Fundiária na Amazônia Legal”, pelo qual haveria uma parceria

entre órgãos na efetivação da lei que estaria por vir. Sabe-se que esta foi a proposta

que ganhou força e que está em execução.

A publicação da MP 458 que gerou repercussão negativa de diversas

entidades e organizações sociais (ver em anexo algumas notas). Mais ainda pela

sua conversão em lei, por meio do processo legal disposto do artigo 62 da

Constituição Federal, em que após a adoção da Medida Provisória por ato unilateral

da Presidência da República, esta é encaminhada para análise de uma comissão

mista da Câmara e Senado e depois apreciação do plenário nas duas casas, e caso

haja aprovação com alterações do texto original, o texto retorna ao Presidente para

que seja sancionado ou vetado.

92 SALAMON, Marta. Folha de São Paulo. 25 de setembro de 2008: Governo estuda doar 4% da Amazônia a posseiros. (Acesso integral apenas para assinantes do Jornal). Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2008/09/26/governo-estuda-doar-4-da-amazonia-a-posseiros/ . Acesso em 23 de Set. 2009. 93 Ibid.

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4.2 ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEOR

Como se disse, a Lei 11.952 veio em um cenário onde as razões

sociais de contenção dos crimes ambientais reclamavam urgência, principalmente

pela necessidade da identificação dos responsáveis pelos desmatamentos. Essa era

justificativa principal defendida pelo Ministério de Assuntos Estratégicos,

representado por Mangabeira Unger, que falou em uma de suas entrevistas:

“resolvido o problema da legalização da propriedade na Amazônia, o próximo passo

a ser dado será a regularização ambiental brasileira.”94

Proposta pelo presidente, conforme as regras constitucionais a MP

458 passaria pela análise da comissão mista com 29 titulares, sendo 16 senadores e

13 deputados. Chegou a receber 249 propostas de emenda, porém não foi

apreciada no prazo, sendo encaminhada diretamente para deliberação do plenário.

Mesmo em regime de urgência a MP teve sua vigência prorrogada por 60 dias.

A proposta da MP sofreu alterações no congresso, tanto no formato,

quanto no conteúdo95. Neste aspecto, tivemos como principais mudanças no texto:

retirada das terras de áreas de quilombolas e comunidades tradicionais dos incisos

de áreas com proibição de alienação (art. 4° do pro jeto original); supressão da

impossibilidade de negociação dos títulos por dez anos (art. 14 do projeto original),

com modificação para as áreas superiores a quatro módulos que teriam prazo de

três anos de inegociabilidade (art. 15 §4° do proje to congresso); supressão do texto

que garantia a recuperação de áreas eventualmente degradadas para a

condicionante “quando couber” (art. 14, inciso V do projeto original); inclusão da

possibilidade de pessoa natural de exploração indireta e pessoa jurídica

beneficiarem-se das condições da lei (art. 7° do pr ojeto do congresso).

Quadro comparativo das principais mudanças entre a Medida

Provisória n° 458 de 2009 e o Projeto de Lei de Con versão n° 9 de 2009 (após

modificação do Congresso):

94 AGÊNCIA BRASIL. Mangabeira Unger defende legalização de proprieda des da Amazônia . 26 de Mai. 2009. Disponível em http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/05/26/materia.2009-05-26.9901605872/view. Acesso em: 30 de Set. 2009. 95 Cf. Quadro comparativo completo entre a Medida Provisória 458 e Projeto de Conversão n° 9 de 2009. Disponível em http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/58747.pdf. Acesso em 30 de Set. 2009.

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MEDIDA PROVISÓRIA

N° 458 DE 2009

PROJETO LEI DE CONVERSÃO N° 9 DE 2009

Art. 4º Não serão passíveis de alienação ou concessão de direito real de uso, nos termos desta Medida Provisória , as ocupações que recaiam sobre áreas: (...)

II - tradicionalmente ocupadas por população indígena, comunidades quilombolas e tradicionais ;

Art. 4º Não serão passíveis de alienação ou concessão de direito real de uso, nos termos desta Lei , as ocupações que recaiam sobre áreas: (...) § 2º As terras ocupadas por comunidades quilombolas ou tradicionais que façam uso coletivo da área serão regularizadas de acordo com as normas específicas, aplicando-se-lhes, no que couber, os dispositivos desta Lei.

Art. 7º Mediante processo licitatório que assegure ao ocupante direito de preferência, far-se- á a regularização em área de até 15 (quinze) módulos e não superior a 1.500 ha (mil e quinhentos hectares), com ocupação mansa e pacífica, anterior a 1º de dezembro de 2004, efetivada por: I - pessoa natural que exerça exploração indireta da área ou que seja proprietária de imóvel rural em qualquer parte do território nacional, respeitado o disposto nos incisos I, III e V do caput do art. 5º; II - pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, anteriormente à data referida no caput deste artigo, que tenha sede e administração no País, respeitado o disposto nos incisos II e III do caput do art. 5º desta Lei .

Art. 14. O título de domínio e o termo de concessão de direito real de uso deverão conter, entre outras, cláusulas sob condição resolutiva pelo prazo de dez anos, que determinem: I - a impossibilidade de negociação do título; (...) V - identificação das áreas de preservação permanente e recuperação de áreas eventualmente degradadas, conforme regulamento ;

Art. 15. O título de domínio ou, no caso previsto no § 4º do art. 6º, o termo de concessão de direito real de uso deverão conter, entre outras, cláusulas sob condição resolutiva pelo prazo de 10 (dez) anos, que determinem:

(...)

III - a identificação das áreas de preservação permanente e, quando couber, o compromisso para sua recuperação na forma da legislação vigente ; (...) § 3º Os títulos referentes às áreas de até 4 (quatro) módulos fiscais serão intransferíveis e inegociáveis por ato inter vivos pelo prazo previsto no caput .

§ 4º Desde que o beneficiário originário esteja cumprindo as cláusulas resolutivas,

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decorridos 3 (três) anos da titulação, poderão ser transferidos títulos referentes a áreas superiores a 4 (quatro) módulos fiscais, se a transferência for a terceiro que preencha os requisitos previstos em regulamento.

Legenda:

Vermelho: alterações do texto anterior

Azul: inclusão e/ou alterações no texto proposto pelo Congresso

O texto seguiu para veto ou sanção do presidente no último dia de

prazo, dia 25 de Junho de 2009 e obteve veto em relação ao artigo 7°, que concedia

a transferência de terras da União pessoa jurídica e pessoa natural exploração

indireta da área.96 Assim, ficou instituída a Lei 11.952, que, segundo o cabeçalho:

“Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas

em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal”.97

Em síntese, a lei originada da MP 458/09 prevê a transferência de

propriedade fundiária ou a concessão de uso de terras rurais da União de até 1.500

hectares para pessoas físicas brasileiras, que sejam ocupantes mansas e pacíficas

destas áreas até 1º de dezembro de 2004, e que as explorem economicamente de

forma direta. Tais terras representam, segundo o plano de regularização Terra

Legal, 67 milhões de hectares. (13,42% da Amazônia Legal).98

Para isso, o texto permite que as áreas de até um módulo fiscal, que

variam conforme a região (100 hectares na Amazônia), sejam objeto de doação e

áreas acima disso, até 1.500 hectares, sejam objeto de alienação ou concessão real

96 Esse foi um dos posicionamentos mais forte da sociedade civil organizada em relação a pedidos de alteração do projeto de conversão em lei, posto que se tratava de uma clara possibilidade de abertura para empresas e “laranjas” serem beneficiados com a lei e se repetissem erros históricos crassos que permitiram o avanço da grilagem de terras institucionalizada. Sobre isso, conferir a Carta aberta ao Presidente, de Marina Silva. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/senador/marinasi/detalha_noticias.asp?codigo=57679>. Acesso em 01 de Out. 2009. 97 BRASIL. Lei 11.952 de 25 de junho de 2009. Dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal; altera as Leis nos 8.666, de 21 de junho de 1993, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11952.htm 98 BRASIL. Regularização de posses e propriedades . 29 de Set. 2009. Disponível em : http://www.sae.gov.br/site/?p=429

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de uso99, sem concorrência pública (licitação) e com pagamento parcelado até vinte

(20) anos, com carência de três (3) anos. Com isso, são alteradas: a lei 8.666/93,

que regula as licitações e contratos da administração pública e a também a lei

6.015/73, que dispõe sobre registros públicos.

4.3. ASPECTOS ESPECÍFICOS SOBRE O TEOR

Como se disse anteriormente, o conteúdo proposto para a Lei 11.952

foi ponto de discussão por diversas entidades e organizações sociais, os quais

destacamos aqui alguns dos principais questionamentos levantados no âmbito

sócio-jurídico sobre o texto final da mesma, partindo do pressuposto de que tivemos

alguns embasamentos de caráter técnico para que houvesse sustentação dos

argumentos aqui expostos.

4.3.2 Art. 4°, § 2°: Terra de quilombos e comunidad es tradicionais

Primeiramente, se entende aqui quilombo de acordo com o conceito

de Acevedo e Castro (1998:1) apud Treccani (2001: 61):

O quilombo enquanto categoria histórica detém um significado relevante, localizado no tempo, e na atualidade é objeto de uma reinterpretação jurídica quando empregado para legitimar remasnescentes de quilombos (...). No âmago, estão, as questões chamadas terras de preto ou terras quilombolas, associadas ao forte sentimento de fazer parte da história de um grupo identificado com um território. O processo de ressemantização da categoria quilombo, tanto política quanto juridicamente, contribui à afirmação étnica e mobilização política desses segmentos camponeses, particularmente, as ‘comunidades negras rurais’.

Também se coaduna com a explanação jurídica da Instrução

Normativa n° 57 do INCRA, de 20 de outubro de 2009, em seu artigo 3°:

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.100

99 “(...) quando se trata de concessão o Estado não aliena a coisa, isto é, não se despe do domínio da terra, cede-a apenas para um determinado fim, e cumprida a finalidade para a qual fora feita a concessão a terra volta a integrar o patrimônio do Estado ”. Cf.TENÓRIO, Igor apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito... , op. cit., p. 652. 100 BRASIL. Instrução Normativa do INCRA n° 49 de 29 d e Set. 2008. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das

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Comunidades tradicionais, apesar de ser um conceito de

complexidade antropológica e que não se tem a pretensão de sanar aqui, é

compreendida conforme a simples colocação de José Benatti (2008: p. 204) como:

“comunidades camponesas, que tem sua origem nos laços rituais, de parentesco e

de cooperação econômica e política”.

Juridicamente encontra-se na legislação brasileira tradução no

Decreto 6.040 de 7 de fevereiro de 2007, que os define, bem como o território em

que vivem, nos incisos I e II do art. 3°:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações;101

Dessa forma, o conceito compreendido por essa categoria de povos

é tão diversa quanto a quantidade de povos indígenas e podemos classificar

segundo a compreensão dos recortes expostos aqui, como sendo os ribeirinhos,

seringueiros, castanheiros, quebradeiras de babaçu, entre outros.

Por isso, a mudança de posição desse tipo de ocupação para a o §

2° do artigo 4° da Lei 11.952, nas textuais: “ As terras ocupadas por comunidades

quilombolas ou tradicionais que façam uso coletivo da área serão regularizadas de

acordo com as normas específicas, aplicando-se-lhes, no que couber, os

terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988 e decreto 4.887 de 20 de nov. 2003. Disponível em www.incra .gov.br/portal/index.php?option=com...task. Acesso em 01 de Out. 2009. 101 BRASIL. Decreto 6.040 de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6040.htm. Acesso em 01 de Out. 2009.

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dispositivos desta Lei102.” (grifo meu), causou estranheza de compreensão da forma

destinada a regularização de terras quilombolas e povos tradicionais.

Em entrevista, a procuradora Débora Duprat, expõem o entendimento

da Procuradoria Geral da República, aplicado na Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADIN) requerido pelo órgão:

Na ação, Deborah Duprat explica que o dispositivo em questão, como foi aprovado, sugere que terras tradicionalmente ocupadas por comunidades quilombolas e tradicionais possam ser regularizadas em favor de terceiros, diferentemente do que ocorre com as terras indígenas. De acordo com a procuradora- geral, “tal interpretação afronta a Constituição, em especial o seu artigo 216, pelo qual está suficientemente claro que o exercício de direitos culturais não é uma prerrogativa de povos indígenas”.103 (grifo meu)

O questionamento da procuradora parte do princípio de que a não

incorporação expressa das áreas de quilombo e povos tradicionais às hipóteses não

passíveis de regularização nos termos da lei em questão, estaria infringindo a

garantia dos direitos culturais, assegurado pela Constituição.

A extensão da interpretação das terras indígenas aos casos dos

povos tradicionais e quilombolas, se dá principalmente pelo fator determinante dos

critérios garantidores da posse, que detém aspectos do viver coletivo, o que se pode

denominar de um tipo de posse agroecológica.104

4.3.2. Art. 13: Dispensa de vistoria

Art. 13. Os requisitos para a regularização fundiária dos imóveis de até 4 (quatro) módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante, sujeita a responsabilização nas esferas penal, administrativa e civil, dispensada a vistoria prévia.

Parágrafo único. É facultado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário ou, se for o caso, ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

102 BRASIL. Lei 11.952 de..., op. cit. 103 MPF Notícias. PGR questiona lei que resultou da MP 458 para prote ger a Amazônia , em 09 de Jul. 2009. Disponível em: http://www.prpa.mpf.gov.br/noticias/pgr-questiona-lei-que-resultou-da-mp-458-para-proteger-a-amazonia. Acesso em 9 de Agosto de 2009 104 “A posse agroecológica tem como característica a simultaneidade da forma coletiva de apossamento e o poder de fato individual sobre a coisa”. Cf. BENATTI, BENATTI, José Heder. Posse agroecológica... , op. cit., 116)

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determinar a realização de vistoria de fiscalização do imóvel rural na hipótese prevista no caput deste artigo.105

Esse artigo, que traz em seu texto a dispensa da vistoria prévia para

áreas de até quatro módulos, esse dispositivo permitiu que fossem tecidas críticas

quanto a possibilidade de descrições falsas. Segundo Greenpeace: “Nesses casos,

o governo aceitará uma declaração do próprio beneficiado descrevendo a situação

em que sua porção de terras se encontra, o que abre brecha para fraudes.”106

O texto foi um dos pedidos de veto requeridos por diversas

organizações sociais em cartas de apoio à solicitação da Senadora Marina Silva 107,

que trazia em sua exposição de motivos a seguinte justificativa:

Por meio da regulamentação, pode ser definido procedimentos mais ágeis de vistoria nas pequenas propriedades, de até 1 Módulo Fiscal, conferindo a eficiência desejada na ação de regularização, sem abrir mão dos instrumentos de controle mínimos e da segurança necessária para a sociedade.108

Segundo o programa Terra Legal, que está aplicando as normas da

lei 11.952 os imóveis de até 4 módulos fiscais poderão ser vistoriados “sempre que

houver necessidade”. O MDA estabeleceu os seguintes critérios que traduzem essa

necessidade: (i) registro de ocupação recente (pós dezembro de 2004); (ii) conflito

agrário; (iii) desmatamento ilegal; (iv) baixa adesão ao cadastramento; (v) denúncias

sobre possíveis irregularidades no processo de regularização.109

A dificuldade da garantia de eficácia no levatamento desses critérios,

se encontra não só na prestesa da segurança jurídica positivada, mas também, e

principalmente, na rede complexa de conflitos de terra estabelecidas ao longo dos

anos, de acordo com a projeção histórica constituída no território amazônida, já

esboçado brevemente aqui.

Assim, se admite a possibilidade de diversos riscos, caso não se

levante primeiramente a situação fundiária das posses, violando-se o princípio da

105 BRASIL. Lei 11.952 de..., op. cit. 106 GREENPEACE. Toda grilagem será perdoada. 20 de Mar. 2009. Disponível em: http://www.greenpeace.org/brasil/amazonia/noticias/toda-grilagem-sera-perdoada. Acesso em 5 ago. 2009. 107 Carta da FAOR e Carta dos Movimentos Sociais. 108 BRASIL. Carta aberta ao presidente . 4 de jul. 2009. Disponível em: www.senado.gov.br/comunica/agencia/docs/CartaPRVetos.doc. Acesso em: 12 de Ago. 2009. 109 BRASIL. Programa Terra Legal . Disponível em: http://portal.mda.gov.br/terralegal/pages/pt:faq#2327109. Acesso em: 5 de out. de 2009.

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razoabilidade110, posto que, conforme a situação do caos fundiário encontrado na

Amazônia e de acordo com as constatações levantadas sobre contexto atual, é

possível que haja discrepância entre a medida legal e a prudência que deveria se ter

para alcançar a finalidade que se propunha a lei.

A incerteza fundiária do país – e especialmente da Amazônia – se originou de vários problemas. O cadastro de imóveis rurais foi construído com base em informações declaratórias dos ocupantes, as quais não foram sistematicamente avaliadas pelo governo durante vários anos (Brasil, sem data e Brasil, 2002). A falta de um cadastro confiável permitiu o surgimento de vários tipos de fraudes de documentos de terras (popularmente chamadas de grilagem).111

A ADIN que a PGR ingressou junto ao MPF traz entre seus

argumentos relavante questão, no que se refere a esta controvérsia encontrada na

efetivação da lei:

Não bastasse, a falta de vistoria impedirá ao Poder Público de verificar se há no local conflitos fundiários, em especial envolvendo terras ocupadas por indígenas, quilombolas e populações tradicionais, com risco de que estes venham a perder suas terras tradicionais.112

Ademais, conforme a previsão do programa Terra Legal, somente no

estado do Pará seriam aproximadamente 89 mil posses passiveis de regularização,

a maior parte 58 mil, em áreas de até 1 módulo fiscal, no máximo de 100

hectares.113 Os efeitos desse dado são questionados quando se verifica que a

obrigatoriedade de vistoria para áreas acima de 1 módulo fiscal não foi estendida

para a maioria das posses do plano de regularização.

Além disso tudo, cai em desvantagem o argumento de que a

regularização proposta pela nova lei permitiria o combate da devastação ambiental,

afinal não se faz claro no texto desta de que forma órgãos do Estado fariam o

reconhecimento fiel e localização dos danos ambientais reais das áreas afetadas.

110 Celso Antonio Bandeira de Mello fala acertadamente sobre esse princípio: “Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situação a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas.” Cf. Curso de Direito Administrativo , Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Malheiros, 2007. p. 105. 111 BARRETO, Paulo et al. Quem é.. ., op. cit, p. 15 112 PGR. ADIN ao STF em 7 de Jul. 2009, p. 8. Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site-pdsfs/adi_grilagem.pdf. Acesso em 9 de Ago. 2009. 113 BRASIL. Regularização fundiária na Amazônia Legal. Disponível em: http://www.mda.gov.br/arquivos/1726920047.pdf. Acesso em 8 de out. 2009.

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4.3.3 Art. 15: Recuperação da degradação ambiental

Na discussão das alterações da MP 458 no Congresso, foram feitas

quatro (4) referencias a inclusão de critérios ambientais para áreas já degradadas,

com a menção da necessidade de recuperar e/ou compensar as reservas legais

(Emendas n° 113, 135, 136, 138), o que demonstra a matéria não ter sido uma

questão irrelevante e de desmerecida de atenção.

A lei 11.952, em seu artigo 15, que não prevê a obrigatoriedade da

recuperação de áreas devastadas (o que era previsto pelo projeto original, conforme

já se pode comparar), permitiu em sua criação o questionamento sobre a ausência

das condicionantes da legislação ambiental para áreas com passivo ambiental,

critério claramente expresso pelo Código Florestal, Lei 4.771 de 1965, em seu artigo

16, inciso I, incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001:

Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

Como se verificou, os dados de desmatamento na Amazônia e no Pará

são motivadores do uso de instrumentos jurídicos que promovam a regularização

fundiária e os planos de combate ao desmatamento perpassam pela necessidade

primeira do ordenamento fundiário para que o mesmo funcione. Dessa forma, se

compreende que um resultado está intimamente ligado ao outro e que as questões

ambientais são também questões agrárias.

Para que houvesse uma harmônica combinação entre esses fatores e

facilitar a regularização, há recomendações que fossem concluídos os Zoneamentos

Ecológico-Econômicos nos estados da Amazônia.114 Sendo que este teria o cunho

de discriminar as áreas prioritárias de preservação e utilização da terra para fins

determinados, o que não se trata de uma tarefa de pequenas proporções, posto que

114BRITO, Brenda et al. Os riscos..., op. cit., p. 2

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o ZEE, “é um instrumento de dupla face: técnica, referente à informação precisa

sobre o território e política, referente à negociação entre atores.”115

No entanto, antes mesmo que houvesse a conclusão dos ZEE em

todos os Estados da Amazônia veio a lei 11.952, ainda sem a previsão clara sobre a

recuperação das áreas degradadas, o que agrava a exposição do item anterior, em

que não sem tem a segurança da localização dessas áreas por meio da lei.116

Antes mesmo que fosse convertida em lei, documentos de análise da

MP, já apontavam essa crítica:“Uma omissão ambiental também preocupante da MP

nº 458/2009 é a dispensa da identificação e localização dos danos ambientais antes

da emissão do Título de Domínio, bem como da sua forma de recuperação.”117

(BRITO et al, 2009, p. 3).

Entre sugestões para a conversão da MP 458 em lei o IMAZON já

indicava uma possibilidade de resolução para esse impasse: “Uma sugestão seria

exigir que a partir dos dados do georreferenciamento dos imóveis, ocorresse uma

análise da cobertura vegetal do imóvel identificando as áreas a serem

recuperadas.”118

A PGR, em ADIN contra a lei 11.952, trata dessa falha como uma

violação ao princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de proteção

insuficiente. Além disso, manifesta que a redução da proteção ambiental na lei

traduz um prêmio “aqueles que lesaram a floresta Amazônica no passado”. Também

identifica outras falhas do legislador nesse aspecto: “ao deixar injustificadamente de

sancionar outras hipóteses de desmatamento irregular, tal como se dá, a título

115 BECKER, Bertha K. Revisão das Políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários. p. 21. Disponível em www.unifap.br/ppgbio/ppgbio2007/Becker .pdf. Acesso em 19 de ago. 2009. 116 A importância da ZEE é “evitar consolidação de posses em áreas com potencial para criação de Unidades de Conservação ou de reconhecimento de direitos de populações tradicionais.” Cf. BRITO, Brenda et al. Os riscos..., op. cit., p. 3. 117 Idem. 118 IMAZON. Sugestões para apreciação da conversão em lei da Medida Provi sória nº 458/20091. 10 de fevereiro de 2009. Disponível em: www.imazon.org.br/.../Sugestoes%20Imazon_MP%20458_13%20fev.pdf. P. 4

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meramente exemplificativo, com o desmatamento sem autorização competente, sem

plano de manejo ou sem estudo de impacto ambiental.” 119

4.3.4 Art. 15, §§, 3° e 4°: Tempo diferenciado das venda de áreas

Derrotado no senado o projeto da manutenção de impossibilidade da

venda das terras regularizadas com a nova lei por dez (10) anos, o projeto aprovado

manteve o texto dos deputados que atribuía esse prazo somente para quem

regularizasse extensões de até quatro módulos fiscais, permitindo que os

proprietários de parcelas maiores pudessem vendê-las depois de três anos, o que

resultou no texto final da sanção presidencial. 120

A medida de atribuir prazos diferenciados de tempo para ocorrência da

venda do imóvel rural trouxe o questionamento sobre qual finalidade estaria apoiada

essa norma para se manter tal sustentação. Em matéria no jornal O Globo, de 10 de

julho de 2009, Bruno Lima, cientista político, é exemplo das manifestações de

surpresa quando essa parte da norma:

Pois bem, pelo texto, sobre este pequeno recai a desconfiança do Estado e o titular do lote só poderia vendê-lo após dez anos da regularização fundiária. Já para os médios, que em tese podem ter representantes legais (prepostos, também conhecidos como “laranjas”) à frente, os lotes seriam passíveis de venda após três anos!121

A regra foi adotada em partes pela Câmara foi conteúdo de um

elencado de sugestões feita pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, na época

representada por Mangabeira Unger, que apresentava como justificativa da

mudança o seguinte texto:

"Excluir o parágrafo 5° do artigo 15°, que estabele ce cláusula de inalienabilidade por 10 anos para posses de até 4 m ódulos fiscais.

119 PGR. ADIN ao..., op. cit., p. 11. 120 Essa regra vem em contraposição ao que dispunha a Instrução Normativa n° 46 do INCRA, que fixava os procedimentos sobre a regularização de posses rurais da União em áreas de 100 ha até o limite de 15 módulos fiscais a Amazônia, onde se previa como clausula resolúvel para obtenção de títulos a impossibilidade de negociação por dez (10) anos. 121 LIMA, Bruno. A MP 458 e o futuro da Amazônia . O Globo On-line. 10 de julho de 2009. Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/06/10/a-mp-458-o-futuro-da-amazonia 194228.asp. Acesso em 10 de out. de 2009

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Justificativa: A proibição por 10 anos da comercialização de áreas regularizadas irá promover o retorno gradual das irregularidades fundiárias, revertendo o que é objetivo central da MP 458. A despeito da proibição, áreas continuarão a ser vendidas e compradas, mas ao invés de legítimos proprietários, teremos "laranjas". Ao invés de escrituras regulares, teremos "contratos de gaveta". Ao invés de governança fundiária plena, persistirá a incerteza sobre quem de fato ocupa que pedaço de terra.

A proibição é, em muitos casos, não apenas insensata, mas absurda. Nos casos em que o agricultor (homem) morre, como exigir que sua viúva permaneça na terra até o fim da carência? Como tratar os casos de incapacidade por doença? Por que impedir que um agricultor familiar venda sua propriedade para outro agricultor com o mesmo perfil? Tem sido efetiva a proibição (Constitucional) ao comércio de lotes em Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária?

O nobre objetivo de proteger a propriedade familiar e evitar a concentração fundiária efetiva deve ser perseguido por políticas de apoio, tais como crédito, assistência técnica, infra-estrutura, cooperativismo. Não pela transformação institucionalizada de mercado regulado em mercado negro."122

As justificativas direcionadas para a exclusão total da clausula

resolúvel de inegociabilidade das terras até dez (10) ano, invocam a situação fática

de inevitabilidade das vendas com o regulamento de proibição e dessa forma, exclui

essa obrigatoriedade como condição determinante para validade do título de

domínio.

Segundo a argumentação do PGR, o texto aprovado para a lei sobre

esse assunto vem de encontro ao princípio da igualdade, pelo qual se deve observar

a limitação do legislador, de acordo com as “razões de ordem jurídica, social, ética e

política que são inerentes a norma, a de obstar discriminações e extinguir privilégios,

devendo ser examinado sob dupla perspectiva da igualdade na lei e igualdade

perante a lei”123

Na hipótese, além da ofensa à igualdade, verifica-se um nítido desvio de poder legislativo, já que não se vislumbra na diferenciação adotada qualquer resquício de interesse público, mas apenas o indisfarçado propósito de favorecer os mais poderosos, abrindo espaço para que pratiquem especulação imobiliária ao abrigo da lei. Eles poderão obter lucro extraordinário com o “negócio”, pois receberão as terras públicas, sem licitação, em condições econômicas extremamente favoráveis (vide art. 12, § 1º, da Lei nº 11.952/09) e poderão revendê-las pouco tempo depois, a preço de mercado, locupletando-se às custas do Erário.124

122 CONGRESSO EM FOCO. Conheça as recomendações de Mangabeira para Amazôn ia. 19 de junho de 2009. Disponível em: http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=28649 123 AgR- /360.461-7- MG. STF- Relator: Ministro Celso de Mello, 06 de Dez.2005. 124 MPF Notícias. PGR questiona..., op. cit., p. 13

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Com isso, a constitucionalidade dos parágrafos analisados é

contestada, sob a alegação de que não haveria explicações coerentes para a

discrepância apresentada na lei, posto que, na sua criação, a distinção dos prazos

de impedimento de negociação e transferência não teriam justificativas razoáveis

para inclusão dos mesmos no artigo 15. Ademais seria uma oportunidade de

descaso histórico, em que a não intervenção do poder público dá margem a

possibilidade de venda.

Os argumentos da hipótese que liberava a venda das terras

regularizadas traz em seu conteúdo o reconhecimento dos fatos de que existe

vendas de terras de áreas regularizadas, independente da sua proibição e ainda

aponta medidas que ajudariam a sanar esse tipo de prática. De fato, conforme se

verificou entre os aspectos históricos aqui levantados, os avanços das fronteiras

agrícolas utilizam-se de diversos métodos para explorar irracionalmente a região e

quando não são aplicados meios lícitos, como o arredamento de terras legalizadas,

a violência se faz presente para garantia dos interesses da grande produção.125

Todavia, isso denota que o Estado tenha a responsabilidade de

garantir complementarmente tanto medidas de cunho interventivo (que envolve a

aplicação de uma política agrária), como de cunho cautelar no combate a esse tipo

de prática, o que exige neste segundo sentido a precaução jurídica quanto a

possibilidade de serem beneficiados quem não é alvo principal das ações de

regularização fundiária.

Nesse aspecto, se faz compreensível o posicionamento de que o

projeto original da MP 458 quanto a previsão da obrigatoriedade do prazo de dez

(10) anos para disposição de transferência ou negociação do título, e assim se faz

questionável o prazo diferenciado, trazido pelo dispositivo da conversão em lei, que

beneficia uns em detrimento de outros.

125 Cf. LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia como espaço de acumulação de capital: reflexões amargas do passado, Capítulo 1, parte 1., p. 38- 66. In A Amazônia do Século XXI: novas formas de desenvolvimento, op. cit.

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CONCLUSÃO

As tentativas de regularização fundiária levantadas no histórico da

Amazônia e, mais precisamente, no Pará se apresentavam no desafio histórico de

lidar com os diversos interesses sociais e contextos de cada período, o que também

fez das limitações fáticas aspectos favoráveis à sobrepujança de interesses de uma

classe dominante economicamente.

O caos fundiário inicia com a implantação do modelo de Sesmarias,

que determina os novos “donos” das terras brasileiras. Apesar de haver previsão de

demarcação nos marcos regulatórios sobre o sistema de sesmarias, ressalta-se o

Alvará de 5 de outubro de 1795, foi verificado que pouco se tinha efetivação quanto

ao registro de terras.

Na vigência da Lei de Terras (601/1850) as previsões legais não

foram suficientes para que houvesse um levantamento discriminatório das terras

públicas e as negligências se alargaram com a passagem da administração de

terras para os Estados, no ano 1891, posto que nestas as exigências para

legitimação de sesmarias se davam com “rédeas mais frouxas”, tanto que foi

estendido diversas vezes o prazo no Estado do Pará (até o ano de 1995), tamanha

sua inoperância.

Seguiram a essa lei, no final do século XIX e início do século XX, um

apanhado de regulamentos que concediam terras e confirmavam títulos irregulares,

com destaque para os efeitos das leis estaduais 223/1894 e 1.741/ 1918 e a lei

federal 1.108/1909, as quais formalizaram a venda e concessão indiscriminadas das

terras do Pará.

Evidenciou-se que com a ditadura militar ocorre um período de

acentuação do estado caótico da questão fundiária na Amazônia, quando se utiliza

da estrutura institucional criada para que houvesse o repasse de terras públicas à

particulares que a utilizavam de forma predatória a terra, o que ficou consagrado

como “grilagem especializada”, nas palavras de Girolamo Trecanni

Como principais instrumentos jurídicos apontados para o esse tipo de

procedimento verificou-se a utilização das Resoluções 005 e 006 do Conselho de

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Segurança Nacional e a Lei 6.393, ambos de 1976. Por esses meios, era atribuída a

“segurança jurídica” com fins de aquisição de incentivos fiscais.

Pode-se constatar que apesar da entrada da Nova República, a

lógica dos planos de colonização foram prosseguidos pela política agrária adotada e

a ordenação fundiária se manteve novamente não privilegiada, o que somou-se para

configuração do quadro desafiador de discriminar a malha fundiária de propriedades

indefinidas na Amazônia.

Em meio a alto números de conflitos agrários e ao crescimento da

prática crimes ambientais, verifica-se com o início do governo federal atual o

lançamento de planos ousados no aspecto da regularização fundiária, destaca-se a

iniciativa do PPCDAM- Plano de Ação Para a Prevenção e Controle do

Desmatamento na Amazônia Legal, que previa o ordenamento territorial como uma

das metas para o alcance do objetivo estratégico de combate ao desmatamento.

Não obstante, conforme os relatórios de avaliação do plano, percebeu-se que suas

ações foram consideradas de pouco efeito no aspecto da regularização fundiária,

apesar do reforço das regulamentações do INCRA por meio da IN 31 e 32, que

providenciavam a regulação de pequenas posses.

Desta feita, as ações de regularização fundiária destinadas à

Amazônia foram relocadas a outro programa, o PAS (Programa de Amazônia

Sustentável). Pode-se observar, a partir de então, o esforço legislativo para

implementação de novas medidas regulatórias destinadas à terras da União, que

iniciou-se com a abertura da possibilidades de venda de áreas até 1.500 ha, sem

licitação, por meio da MP 422, convertida em Lei 11.763/09.

Em âmbito estadual constatou-se alguns avanços, como o início do

Programa de Ordenamento Territorial e Zoneamento Ecológico Econômico e o

ajuizamento do bloqueio de títulos irregulares terra. As medidas ainda estão por

serem concluídas, mas já representam avanços na preocupação de identificar as

irregularidades e recompor a discriminação de terras.

Ainda assim, sem conclusão dos projetos de ordenação em nível

estadual, foi publicada a MP 458 destinada a regularização de terras na Amazônia, o

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que foi causa de diversas críticas no campo de setores políticos e sociais variados,

mas que, após processo legislativo exigido, foi convertida em Lei 11.952.

A partir da coleta de dados esparsos, pode-se identificar na lei traços

de desvios legislativos, no que concerne a sua finalidade, os quais puderam ser

alcançados principalmente por meio da fundamentação jurídica da ADIN ingressada

pelo Procuradoria Geral da República em 7 de Julho de 2009 e que está ainda por

ser julgada pelo STF.

A Lei é questionável basicamente em quatro aspectos: a indefinição

sobre o processo de regularização das terras quilombolas e comunidades

tradicionais, a dispensa de vistoria para determinadas áreas, a omissão quanto a

necessidade de recuperação de passivos ambientais e por fim, a diferenciação para

a carência das vendas das terras regularizadas pela lei.

Para a análise desses pontos específicos da lei averiguou-se a

utilização dos princípios constitucionais que garantem o interesse público e a relação

causa/efeito dos atos jurídicos emanados a partir da vigência da lei, tendo em vista

os aspectos histórico-sociais que a mesma se propõem a atingir. A partir disso, se

levanta questionamentos quando a forma como foi proposta a regularização

fundiária pela lei 11.952/09.

O texto da lei ora analisada não se faz preciso quanto aos

procedimentos demonstrados falhos ao longo do levantamento histórico das

iniciativas nesse sentido, como a necessidade preliminar da localização das terras

públicas na Amazônia e o manto de proteção jurídica quanto a possibilidade de

repasse dessas terras a entes desprestigiados do cumprimento das prioridades

agro- ambientais, ou seja, a função social da terra no território amazônida.

Apesar do programa de aplicação da lei (Programa Terra Legal)

dispor de prováveis respostas a essas lacunas, como a utilização de imagens de

satélites e dados cadastrais já existentes, os procedimentos mínimos de

discriminação da situação das terras públicas teriam de estar presentes em uma lei

que se propusesse a regularizar as terras da Amazônia, já que a esperteza dos

grileiros tem se aproveitado das margens regulatórias para legitimar suas

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irregularidades e ainda fazer uso do registro legal para captação de recursos,

conforme já se constatou.

Ademais, se deparou com iniciativas necessárias na obtenção de

resultados favoráveis para o ordenamento fundiário, como as ações de

cancelamento das matrículas dos imóveis rurais e a execução do Macro-

Zoneamento Econômico Ecológico, os quais ambos não se encontram concluídos

em Estados da Amazônia. Ressalta-se que tais ações não foram conjugadas na

iniciativa de regularização fundiária proposta pela lei.

Em detrimento dos apontamentos levantados, se verifica que não são

sem fundamentos razoáveis os anúncios de que mais uma vez haveriam

possibilidades de “oficialização da grilagem na Amazônia” (nota da CPT e

movimentos sociais) e que o modo como foi priorizada a forma de regularizar, por

meio de alienação e concessão de uso de terras públicas, estaria criando condições

de “anistiar” os erros do passado.

Desta feita, apesar de não se ter a pretensão de descrever o futuro,

se cumpriu com o compromisso mínimo de por em evidência alguns dos possíveis

equívocos técnicos apontados sobre a promulgação da Lei 11.952/09 por análises

feitas antes mesmo que houvesse a conversão da MP 458.

Tem-se a clareza de que o assunto não se esgota e somente o andar

histórico junto ao acompanhamento avaliativo poderão demonstrar o produto obtido

com a vigência desta nova lei, que veio se propor a contribuir com a regularização

fundiária sobre terras da Amazônia. Assim, a pesquisa veio emergir elementos para

o acúmulo e provocação do debate desse tema tão imbuído de complexidades de

cunho histórico-social, bem como afirmar a necessidade de que esse assunto não

caia no esquecimento da academia e da sociedade.

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ANEXOS

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• NOTA DA CPT: Oficializada a grilagem na Amazônia

Comissão Pastoral da Terra – Secretaria Nacional

Assessoria de Comunicação

NOTA PÚBLICA

Oficializada a grilagem da Amazônia

A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra, CPT, se junta ao clamor nacional diante de mais uma agressão ao patrimônio público, ao meio ambiente e à reforma agrária.

No último dia 4 de junho, o Senado Federal aprovou a MP 458/2009, já aprovada com alterações pela Câmara dos Deputados, e que agora vai à sanção presidencial. É a promoção da “farra da grilagem”, como se tem falado com muita propriedade.

Com o subterfúgio de regularização de áreas de posseiros, prevista na Constituição Federal, o governo federal, em 11 de fevereiro baixou a MP 458/2009 propondo a “regularização fundiária” das ocupações de terras públicas da União, na Amazônia Legal, até o limite de 1.500 hectares. Esta regularização abrange 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União, ou seja, terras devolutas já arrecadadas pelo Estado e matriculadas nos registros públicos como terras públicas e que pela Constituição deveriam ser destinadas a programas de reforma agrária. Desta forma a Medida Provisória 458, agora às vésperas de ser transformada em lei, regulariza posses ilegais. Beneficia, sobretudo, pessoas que deveriam ser criminalmente processadas por usurparem áreas da reforma agrária, pois, de acordo com a Constituição, somente 7% da área ocupada por pequenas propriedades de até 100 hectares (55% do total das propriedades) seriam passiveis de regularização. Os movimentos sociais propuseram que a MP fosse retirada e em seu lugar se apresentasse um Projeto de Lei para que se pudesse ter tempo para um debate em profundidade do tema, levando em conta a função social da propriedade da terra. O Governo, entretanto, descartou qualquer discussão com os representantes dos trabalhadores do campo e da floresta.

Esta oficialização da grilagem da Amazônia está chamando a atenção de muitos pela semelhança com o momento histórico da nefasta Lei de Terras de 1850, elaborada pela elite latifundiária do Congresso do Império, sancionada por D. Pedro, privatizando as terras ocupadas. Hoje é um presidente republicano e ex-operário quem privatiza e entrega as terras da Amazônia às mesmas mãos que se tinham apoderado delas de forma ilegal e até criminosa.

Esta proposta de lei, que vai para a sanção do Presidente Lula, pavimenta o espaço para a expansão do latifúndio e do agronegócio na Amazônia, bem ao gosto dos ruralistas. Por isto não foi sem sentido a redução aprovada pela Câmara dos Deputados de dez para três anos

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no tempo em que as terras regularizadas não poderiam ser vendidas e a regularização de áreas para quem já possui outras propriedades e para pessoas jurídicas. Daqui a três anos nada impede que uma mesma pessoa ou empresa adquira novas propriedades, acumulando áreas sem qualquer limite de tamanho. Foi assim que aconteceu com as imensas propriedades que se formaram na Amazônia, algumas com mais de um milhão de hectares, beneficiadas com os projetos da Sudam.

Ironia do destino, Lula , que em 1998 afirmou que “se for eleito, resolverei o problema da reforma agrária, com uma canetada”, ao invés de executar a reforma agrária prometida, acabou com uma canetada propondo a legalização de 67 milhões de hectares de terras griladas na Amazônia, um bioma que no atual momento de crise climática mundial aguda grita por preservação para garantir a sobrevivência do planeta.

O mesmo presidente que, em entrevista à Revista Caros Amigos, em novembro de 2002 dizia: “Não se justifica num país, por maior que seja, ter alguém com 30 mil alqueires de terra! Dois milhões de hectares de terra! Isso não tem justificativa em lugar nenhum do mundo! Só no Brasil. Porque temos um presidente covarde, que fica na dependência de contemplar uma bancada ruralista a troco de alguns votos” acabou sendo o refém desta bancada, pior ainda, recorreu à senadora Kátia Abreu, baluarte da bancada ruralista, inimiga número um da reforma agrária, para a aprovação da medida no Senado. Já cedera à pressão dos ruralistas aprovando a Lei dos Transgênicos. Não atualizou os índices de produtividade estabelecidos há mais de 30 anos atrás, o que poderia possibilitar o acesso a novas áreas para reforma agrária. Não se empenhou na aprovação da proposta de emenda constitucional PEC 438/01 que expropria as áreas onde se flagre a exploração de trabalho escravo. Além disso, promoveu à condição de “heróis nacionais” os usineiros e definiu como empecilhos ao progresso as comunidades tradicionais, os ambientalistas e seus defensores.

Lula que, com o Programa Fome Zero, teve a oportunidade de realizar um amplo processo de reforma agrária, transformou-o, porém, em um cartão do Bolsa Família que a cada mês dá umas migalhas a quem poderia estar produzindo seu próprio alimento e contribuindo para alimentar a nação.

Os movimentos sociais do campo, inclusive a CPT, vem defendendo há anos, por uma questão de sabedoria e bom senso, um limite para a propriedade da terra em nosso País. Mas o que vemos é exatamente o contrário. Cresce a concentração de terras, enquanto que milhares de famílias continuam acampadas às margens das rodovias à espera de um assentamento que lhes dê dignidade e cidadania, pois, como bem afirmaram os bispos e pastores sinodais que subscreveram o documento Os pobres possuirão a terra “A política oficial do país subordina-se aos ditames implacáveis do sistema capitalista e apoia e estimula abertamente o agronegócio”.

Goiânia, 09 de junho de 2009.

Dom Ladislau Biernaski- Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Maiores informações:

Assessoria de Comunicação/Comissão Pastoral da Terra Secretaria Nacional - Goiânia, Goiás./ Fone: 62 4008-6406/6412/6400 www.cptnacional.org.br

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• Manifesto da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária)

Manifesto da ABRA contra a MP 458!

Como tem feito em várias ocasiões ao longo de sua existência, inclusive nos difíceis

tempos da ditadura militar, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) vem

mais uma vez a público para denunciar a política agrária do governo federal.

O motivo da presente denúncia é a MP 458, assinada pelo presidente da república

em 11 de fevereiro do presente ano e que trata da regularização de terras públicas

na Amazônia Legal. São 67,4 milhões de hectares de terras arrecadadas e

registradas em nome da União que serão entregues aos seus ocupantes.

Os aspectos principais da MP 458 são os seguintes:

• Em seu artigo 2º, tenta igualar o grileiro ao posseiro. O posseiro tem pela

Constituição Federal de 88 o direito à legitimação da posse, como informa o artigo

191. A grilagem é considerada crime;

• Admite a chamada ocupação indireta, praticada por intermediários e a exploração

indireta, através de algum funcionário assalariado;

• Estabelece que somente poderão ser regularizadas posses até 15 módulos fiscais

(1.500 hectares);

• Autoriza a União a licitar áreas excedentes às regularizáveis (15 módulos fiscais)

até o limite de 2.500 hectares, dando preferência de compra aos seus ocupantes;

• Determina a arrecadação de terras de posses superiores a 2.500 hectares;

• Transfere para uma Diretoria criada no Ministério do Desenvolvimento Agrário e da

Reforma Agrária - MDA, as atribuições atuais do INCRA no que se refere à titulação

das posses.

A Medida Provisória 458 inscreve-se numa seqüência de normas relativas à situação

fundiária da região amazônica:

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• Artigo 118 da Lei nº 11.196/05 (a MP do Bem) que elevou para 500 hectares a área

máxima para alienação das terras griladas;

• MP 422, emitida em março e aprovada em julho de 2008, que permitiu ao INCRA

titular diretamente, sem licitação, propriedades na Amazônia Legal com até 15

módulos rurais ou 1.500 hectares.

• Instrução Normativa nº 49 do INCRA, de 28 de setembro de 2008 que dificultou em

muito o processo de reconhecimento dos territórios quilombolas.

• MP 454 transferiu ao governo do Estado de Roraima Terras Públicas da União,

antes destinadas a programas federais de Reforma Agrária, como uma

compensação pela demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do

Sol.

O conteúdo dos dispositivos constantes das normas citadas indica a entrega da

maior parte de 67,4 milhões de hectares de Terras Públicas a grileiros,

autodenominados empresários rurais, que ocupam ilegalmente terras que, pela

Constituição Federal, não podem ser objeto de usucapião.

Quanto aos demais aspectos destacam-se:

• O dispositivo que possibilita ao governo a arrecadação de terras superiores a 2,5

mil hectares é uma farsa que afronta a Nação.

• Conforme as pesquisas recentes na região, todas as terras públicas da Amazônia

Legal já estão divididas em lotes inferiores a 2,5 mil hectares, normalmente 2499

hectares. Os pedidos de aquisição dessas terras já estão protocolados nas

Superintendências do INCRA de Santarém, Marabá, Belém, Cuiabá, Porto Velho,

Manaus e Rio Branco. Como não se pode comprar terra pública acima de 2.500

hectares, uma parte das terras será adquirida por interpostas pessoas.•

O aparato de instrumentos colocados à disposição do INCRA (ou de qualquer outro

órgão público responsável pela efetivação da política) não tem condições mínimas

para enfrentar as forças econômicas e políticas que acompanham o avanço do

agronegócio.

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• A MP 458, nada mais é do que um enorme empreendimento imobiliário a favor de

grileiros contraventores — e outros interesses do capital — que se apropriaram do

patrimônio público e contra as populações com legítimo direito às terras públicas

arrecadadas pela União: posseiros, quilombolas, povos indígenas e outros sem

terra. Dizer o contrário é desprezar as evidências de mais de trinta anos de

pesquisas, encomendadas e pagas pelo próprio governo, para a avaliação de

intervenções públicas supostamente voltadas às populações pobres e/ou vítimas do

processo da expansão do capital no campo.

• A justificativa dada pelo governo para editar a Medida Provisória 458 é o beneficio

que a lei proporcionará aos pequenos posseiros estabelecidos na Amazônia Legal.

Mas o motivo real dessa seqüência de normas está ligado evidentemente à opção

feita pelo governo Lula a favor do desenvolvimento agrícola caracterizado pela

implantação de enormes fazendas de gado, de soja, de cana de açúcar e de outros

plantios — com óbvios impactos negativos sobre o meio ambiente. Elas evidenciam

que o governo abandonou definitivamente a reforma agrária e adotou o modelo de

desenvolvimento onde prevalecem os interesses dos capitais nacionais e

internacionais consorciados no agronegócio.

No entender dos atuais formuladores das políticas agrícolas e fundiárias do governo,

prioritariamente, a região amazônica está destinada a transformar-se em uma

grande exportadora de commodities e minérios. Será um território do capital, não do

seu povo.

Não é a primeira vez, na história da questão agrária brasileira que os governos

tentam enganar a população rural com mentiras e ilusionismos: nos governos da

ditadura militar, a Reforma Agrária não ocorreu e foi transformada em ações de

colonização; nos dois governos de FHC o mesmo aconteceu e criou-se a reforma

agrária de mercado; o governo Lula ficará conhecido como aquele que no lugar da

Reforma Agrária prometida instituiu a política agrária imobiliária — a reforma agrária

imobiliária.

CONCLAMAÇÃO

A cidadania brasileira não pode aceitar esse escárnio. A Medida 458 precisa ser

sumariamente revogada. A Reforma Agrária, preceito constitucional e programa de

desenvolvimento sócio-econômico para geração de trabalho, emprego e renda, não

pode ser abandonada.

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A Abra conclama as entidades da sociedade civil e os parlamentares comprometidos

com o bem comum do povo brasileiro a unirem suas forças para barrar esse

atentado à soberania nacional!

www.reformaagraria.org/node/705

• Carta aberta da FAOR ( Fórum Amazônia Oriental)

Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) condena publicame nte a MP 458/09

19 de Junho de 2009

O Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) vem publicamente, através da sua coordenação ampliada, manifestar o seu posicionamento em relação à MP 458/09 da maneira como ela foi aprovada pela Câmera dos Deputados e ontem pelo Senado. A partir das modificações feitas na MP 458 desde a sua publicação em fevereiro de 2009, serão beneficiados aqueles grandes proprietários que grilaram as terras da União de forma e que agora poderão se beneficiar da legalização posterior dos solos ocupados. Ao mesmo tempo a MP 458, transformado no projeto de lei de conversão No 9/2009, coloca em risco os direitos coletivos à terra das populações indígenas, quilombolas e tradicionais, na medida em que ela incentiva a integração desses solos ao mercado de terras, dominado pelo agronegócio e sua finalidade de expansão da pecuária e das monoculturas de dendê, da cana-de-açucar e da soja. Enquanto a regularização de terras privadas está sendo agilizada, as terras indígenas, quilombolas e tradicionais continuam seguindo procedimentos que levam décadas para serem concluídos. De um total de 846 terras indígenas, apenas 393 estão registradas ou homologadas. Das mais de mil comunidades quilombolas existentes, até fevereiro de 2008 apenas 82 territórios quilombolas encontravam- se titulados em todo país, sendo que o governo Lula entregou apenas sete títulos para comunidades quilombolas desde 2003 e no ano de 2008 não regularizou nenhuma comunidade quilombola.

A partir da MP 458/09, será regularizada de forma rápida e prática as propriedades em cima de áreas de territórios tradicionais. No entanto, o governo nem sequer

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consegue garantir a delimitação das terras das populações tradicionais devido à lentidão burocrática e falta de vontade política, pois diferentemente do agronegócio essas populações não tem lobby nas instâncias de lei.

Diante dessa situação, o Fórum da Amazônia Oriental se manifesta a favor de um processo de ordenamento territorial rural e urbano que visa garantir os direitos dos povos tradicionais da Amazônia, e o seu acesso e direito de uso e controle social dos recursos naturais, assim como são previstos na Constituição.

Além disso, o FAOR apóia as solicitações da Senadora Marina Silva, que pede ao Presidente da República de os incisos II e IV do artigo 2, o artigo 7 e o artigo 13 da MP 458:

� Para impedir que pessoas de qualquer parte do país comprem terras na Amazônia em nome de outros (prepostos), o que acaba favorecendo a legalização da grilagem

� Para limitar a regularização de terras para as pessoas jurídicas que possuam outras propriedades rurais

� Para manter a vistoria como instrumento fundamental de controle no processo de regularização fundiária também para as terras com até quatro módulos físicos.

** O Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) é uma rede de cerca de 300 entidades populares, ONGs e movimentos sociais, e que tem como missão intervir nas políticas públicas econômicas, sociais, culturais e ambientais desenvolvidas no âmbito da Amazônia Oriental. O FAOR atua nos estados Amapá, Maranhão, Tocantins e Pará. Sua estruturação se dá a partir de instâncias de decisão das quais a coordenação ampliada tem papel fundamental de deliberação.**

Fonte: http://www.abong.org.br/final/noticia.php?faq=19723

• Pedido dos Movimentos Sociais do Pará ao Veto do Pr esidente Lula

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Luiz Inácio Lula da Silva

A sociedade civil organizada supra-assinada vem perante Vossa Senhoria manifestar a nossa insatisfação diante das ilegalidades e irreponsabilidades constantes no texto da Medida Provisória 458, publicada por esta casa em dia 10 de feveiro de 2009 e com última alteração do Parlamento no dia 4 de junho de 2009.

Enquanto população brasileira, sentimos um profundo pesar e revolta diante da notícia de aprovação da MP 458 pelo Senado. É preocupante o texto que permite que terras

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públicas de até um módulo fiscal sejam alienadas de forma gratuita e as superiores a um módulo e até quinze módulos (até o limite de 1.500 hectares) sejam aliadas de forma onerosa, sem licitação, nem vistoria.

Mas grave ainda é o Senado manter as alterações realizadas pelo Câmara, dentre as quais, garantir que terras superiores a quatro módulos fiscais possam ser vendidas a terceiros após três anos, diferentemente das inferiores a quatro módulos que só poderão ser negociadas após 10 anos. Bem como a permissão de que o pretendente a compra de terras na Amazônia possa ter outras propriedades e que este possa ser uma empresa ou mesmo estrangeiros proprietários de empresas que tenham sede e administração no Brasil.

Passamos a apontar algumas das irregularidades que identificamos mais graves diante dos fatos que cercam a aprovação do Projeto de Lei da MP 458 na forma que se encontra atualmente:

1) Regularização de posses ilegais

A MP 458 traz disposto em seu texto a dispensa de vistoria para obtenção do título de domínio da terra, abrindo brechas para que haja regularização de posses ilegais de terra, já que nesses casos, o poder executivo aceitará uma declaração do próprio beneficiado descrevendo a situação em que sua porção de terras se encontra.

Entende-se que esse medida abre brechas para fraudes na oportunidade em que retoma pressupostos utilizados pela antiga Lei de Terras de 1850, elaborada pela elite latifundiária do Congresso do Império, sancionada por D. Pedro, que privatizava terras ocupadas, assegurando grandes extensões de título de terras a quem poderia pagar mais.

Dessa forma, além de não atender quem necessita as mudanças aprovadas assumem o caráter oportunista, quanto inclui como beneficiário quem já possui outras propriedades.

Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, a MP 458 dá precendentes para que grandes e médios proprietários detenham mais de 70% das terras que hoje são públicas. Um grileiro ou uma empresa que tenham 50 prepostos poderão legalizar, praticamente de graça, latifúndios de 75 mil hectares, mesmo que já possuam outras propriedades rurais. Com cem prepostos, reais ou fictícios, a área dobrará.

Esses dados se agravam quando percebemos a realidade de pequenos municípios na Amazônia, onde a presença do Estado para evitar a coação e ameaça aos pequenos agricultores é escassa, portanto a falta de fiscalização é o caminho para um aumento desenfreado da concentração fundiária.

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Portanto, a regularização fundiária na Amazônia é fundamental para se garantir o respeito ao meio ambiente, das terras indígenas e do espaço para quem quer viver e trabalhar na Amazônia, porém da maneira proposta pela MP 458 a regularização fundiária só irá repetir e agravar os equívocos de não respeitar as peculiaridades da nossa região.

3) Infração ao princípio da participação popular

A edição da MP 458 pelo Poder Executivo e sua confirmação por integrantes do Congresso e Senado, exime a participação popular e direta de grupos organizados da sociedade civil em contribuir com o debate sobre matéria tão sensível e que perpassa por temática relevante a consagração da soberania do país.

Diante do diagnóstico que entende a Amazônia como uma região onde se chocam interesses nacionais e internacionais e que até o presente estágio não tivemos uma intervenção responsável do Estado, capaz de definir e implementar um projeto coerente ao desenvolvimento reclamado pela sociedade local, é necessário que os principais interessados, habitantes da região, sejam considerados em um processo que requer decisão determinante na configuração da raiz dos conflitos fundiários que vivenciamos.

4) Desproporção entre medida preventiva e ação do E stado

Um dos argumentos utilizados para a aprovação da Medida Provisória é a de que a falta de regularização fundiária dificulta a adoção de medidas contra desmatadores, tendo em vista o governo teria dificuldades em saber quem penalizar. Dessa forma, são utilizados os princípios da preservação ambiental para justificar a aprovação.

Não se desconsidera a necessidade urgente de se concretizar um plano de regularização fundiária no país, porém os critérios utilizados para aplicação da medida não ineficientes para que haja a intervenção necessária de proteção, tendo em vista que premia com títulos de regularização de terra quem já está nas áreas exercendo atividades monocultoras responsáveis focos de desmatamento.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta um desmatamento na região amazônica de 1.992 quilômetros em 2008, em que grande parcela é causada pela influência do avanço da produção de soja e da pecuária. Dessa forma, como querer reduzir os índices de desmatamento incentivando que responsáveis por áreas de produção irregular tenham garantidos seus títulos de terras?

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Para tanto, entende-se aqui que a seguridade do princípio da precaução-prevenção, matriz da legislação ambiental, depende sim do controle de Estado, porém sob observância de leis criteriosas, que não dêem guarida às novas formas de grilagem.

5) Oficialização da grilagem e da violência dela de corrente.

Outrossim a aprovação desta MP significa a oficialização da grilagem de terras em nosso estado, ações estas que são responsáveis direta pela violência contra defensores de direitos humanos no Estado conforme foi constatado em recente pesquisa feita pela Centro de Defesa do Negro no Pará –CEDENPA e pela Defensoria Pública do Estado.

Percentual da ocupação dos/as agressores/as dos DDH’s ameaçados/as de morte no Estado do Para:

77,46%

53,52%

32,39%

21,13%28,17%

30,99%

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

70,00

80,00

Fazendeiros Pistoleiros Madeireiros Grileiros Policiais Outros

Os conflitos em função da concentração de terra e da destruição do meio ambiente são as principais causas denunciadas pelos DDHS.

Da mesma forma a concentração de terras, que certamente se aguçará com a aprovação desta MP, também tem estimulado a violência conforme pode se contatar por outros

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Distribuição dos motivos das ameaças feitas aos DDH´s ameaçados de morte no Estado do Pará.

Motivo da ameaça %

Concentração da Terra/Retaliação em função da luta pela Reforma Agrária/Grilagem 98,50

Conflitos Ambientais/Retaliação à denúncias de crimes ambientais. (Desmatamento, Agro-negócio,etc..) 26,87

Impunidade/Luta por Justiça 17,91

Conflitos/Grandes Projetos (ALCOA,Porto da Cargill e Belo Monte) 11,94

Retaliação à DDHs que defendem a causa indígena 2,99

Vingança. 2,99

Retaliação à DDHs que defendem a causa quilombola 1,49

Fonte: Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)/ Programa Estadual de Defensores de Direitos Humanos (PEDDH)

Desta forma é urgente e necessário o veto a este projeto sob pena de aumento da escalada da violência em nosso Estado e no resto do País.

Considerações Finais

Por fim, confirma-se que a MP 458/09 vem, sobretudo, beneficiar uma parcela de pessoas que deveriam ser criminalmente processadas por usurparem áreas da reforma agrária se apropriarem indevidamente de bem público.

Receamos que os direitos difusos do povo brasileiro sejam infringidos, ao ser concebido que grileiros da atualidade sejam anistiados e confundidos com aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal. Por isso,

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somamo-nos aos clamores que compreendem não ser a simplificação de medidas a melhor a saída para o caos fundiário e ambiental acentuados.

Diante do exposto e considerando a observância do Direito de Autoderminaçãos dos Povos (referido no art. 4°, III, CF e constato no a rt. 1° Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966), requeremos:

1) Veto da proposta de Medida Provisória 458/09; 2) Apresentação de Projeto de Lei sobre regularização fundiária à Amazônia Legal, com

participação direta da sociedade da região na elaboração e debate profundo sobre o tema;

3) Cobrança de providências para votação do Projeto de Emenda Constituição 438/01; 4) Fim das ações violentas, das ameaças, e da criminalização de defensores de direitos

humanos.

Nestes termos, esperamos que seja exercida justiça social e respeito aos direitos humanos.

Em 18 de Junho de 2009.

SOCIEDADE PARAENSE DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS-SDDH

MOVIMENTO SEM TERRA- MST

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA.-CPT

MOVIMENTO DE ATINGIDOS POR BARRAGENS-MAB

MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES- MPA

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO-CIMI

COMITÊ DOROTHY

REDE EDUCAÇÃO CIDADÃ- RECID

INSTITUTO AMAZÔNICO DE PLANEJAMENTO, GESTÃO URBANA E AMBIENTAL - IAGUA