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FÁBIO DE SOUZA LUIZ A ARTE EM MOBILIÁRIOS COLONIAIS Análise de sua trajetória histórica e suas ressonâncias na Contemporaneidade. Belo Horizonte Universidade do Estado de Minas Gerais – Escola Guignard 2010

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A presente pesquisa apresenta uma investigação sobre o trabalho com o Mobiliário Colonial Brasileiro. A partir de pesquisa bibliográfica discute a importância na classificação estilística, ornamental, além da divisão do trabalho no período que compreende entre o início do século XVII ao início do século XIX. Apresenta estudo sobre a relevância desse trabalho, de forma que possa vir a contribuir para futuras pesquisas entorno do assunto discutindo a desvirtualização do barroco na reprodução de móveis coloniais e a importância da preservação desses móveis nos dias atuais. Apresenta os resultados de investigação e pesquisa campal à COOPERARTES (Cooperativa de Artesanato de Sabará), a uma indústria de confecção e reprodução de móveis em estilo colonial do século XVIII, e visita ao Museu do Ouro na cidade de Sabará. O estudo ainda apresenta além de distintas referências textuais, imagens que objetivam a construção do conhecimento.

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FÁBIO DE SOUZA LUIZ

A ARTE EM MOBILIÁRIOS COLONIAIS

Análise de sua trajetória histórica e suas ressonâncias na Contemporaneidade.

Belo Horizonte Universidade do Estado de Minas Gerais – Escola Guignard

2010

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FÁBIO DE SOUZA LUIZ

A ARTE EM MOBILIÁRIOS COLONIAIS

Análise de sua trajetória histórica e suas ressonâncias na Contemporaneidade.

Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Graduação em Educação Artística Requisito parcial para obtenção da Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas. Orientação: Professora Fátima Pinheiro de Barcelos

Belo Horizonte Universidade do Estado de Minas Gerais – Escola Guignard

2010

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Dedico esta pesquisa a todos que acreditaram

na sua viabilidade, me auxiliando e dando forças

nos momentos de dificuldade.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus por me proporcionar o don da vida, do

conhecimento e, sobretudo, perseverança para a conclusão desta pesquisa.

A minha orientadora Fátima Pinheiro de Barcelos, por ter acreditado em minha

pesquisa, pelo apoio técnico, pela paciência e principalmente pelo companheirismo

nesta importante etapa de minha graduação.

A minha família pelo apoio contínuo, carinho e palavras de incentivo.

Aos meus amigos, companheiros de caminhada que sempre depositaram forças

positivas para a conclusão deste trabalho; sobretudo, a todos aqueles que de

alguma forma direta ou indireta, contribuíram para que eu chegasse até aqui.

A todos o meu muito obrigado.

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A autenticidade de uma coisa é a quintessência de

tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de

sua origem, desde sua duração material até o seu

testemunho histórico. (BENJAMIM 1993, p. 168).

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Resumo

A presente pesquisa apresenta uma investigação sobre o trabalho com o Mobiliário

Colonial Brasileiro. A partir de pesquisa bibliográfica discute a importância na

classificação estilística, ornamental, além da divisão do trabalho no período que

compreende entre o início do século XVII ao início do século XIX. Apresenta estudo

sobre a relevância desse trabalho, de forma que possa vir a contribuir para futuras

pesquisas entorno do assunto discutindo a desvirtualização do barroco na

reprodução de móveis coloniais e a importância da preservação desses móveis nos

dias atuais. Apresenta os resultados de investigação e pesquisa campal à

COOPERARTES (Cooperativa de Artesanato de Sabará), a uma indústria de

confecção e reprodução de móveis em estilo colonial do século XVIII, e visita ao

Museu do Ouro na cidade de Sabará. O estudo ainda apresenta além de distintas

referências textuais, imagens que objetivam a construção do conhecimento.

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Glossário Especial

Adobe:

O adobe é uma técnica de construção natural onde o principal recurso utilizado para construí-lo é o barro, que é encontrado no próprio local da construção. A fabricação dos blocos de adobe requer a mistura de barro cru, areia, estrume e fibra vegetal. Estes "ingredientes" são pisoteados até formarem uma massa homogênea. Após este processo, a massa é colocada em fôrmas de madeira chamadas de ''adobeiras'' e finalmente os blocos são deixados em locais reservados para secar.

Almofada:

Na marcenaria e carpintaria, peça com saliência superposta à superfície, podendo ser em alto ou baixo relevo. É um item decorativo comumente aplicado a móveis, portas, janelas e em algumas ocasiões, como forma de ornato à arquitetura.

Arabesco:

Termo oriundo do árabe. Um arabesco é um enfeito que imita formas de folhas, flores, frutos, fitas, e aparece muito em certas construções árabes. Não obstante, o arabesco é bem mais antigo que os árabes. Aparece em monumentos egípcios e assírios; também em alguns etruscos, gregos e romanos. Na Idade Média, utilizou-se pára toda a classe de adornos, e no Renascimento foi muito usado e ressaltado na Itália.

Arcaz:

O Arcaz é um móvel muito utilizado para a guarda de equipamentos litúrgicos, e, por vezes, alguns outros objetos utilizados durante as celebrações religiosas. Geralmente, localiza-se na sacristia de igrejas, capelas e conventos. Por vezes, o arcaz é utilizado como móvel de guarda de outros objetos, de uso regular.

Barroco:

O Barroco foi um período estilístico e filosófico da História da sociedade ocidental, ocorrido desde meados do século XVI até ao século XVIII. Foi inspirado no fervor religioso e na passionalidade da Contra-reforma. Principais características são o claro e o escuro, a dramaticidade e vanidade.

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Bisagras:

Dobradiça. Conjunto de duas peças unidas por um pino sobre o qual giram, o que lhes permite afastar-se ou aproximar-se uma da outra, formando ângulo mais ou menos aberto; charneira, gonzo, bisagra.

Brutesco de meio relevo:

Representação artística de animais ou cenas bucólicas, por meio de entalhe ou incisões.

Bufetes:

Mesa retangular portuguesa do século XVII, com bolachas sobrepostas nas pernas (torneados achatados) e gavetas a toda à volta (simuladas num dos lados).

Canapé:

Móvel longo para estender o corpo, com espaldar e braços.

Capitel: É a extremidade superior de uma coluna, de um pilar ou de uma pilastra, cuja função é transmitir os esforços para o fuste, que é parte da coluna entre a base e o capitel. É classificado em vários modelos: greco-romanos (dórico, jônico, coríntio), e ainda, bizantino, gótico, persa e egípcio.

Carapina:

Aprendiz do ofício da madeira que envolve a carpintaria ou marcenaria. Atua como um ajudante.

Cartela:

Estilo de ornato que se adequava a cada peça, podendo ser um pendente de folhas, ramos, conjunto de curvas e conchas ao estilo rococó, obedecendo, portanto a um formato pré definido.

Catre:

Pequeno leito de lona, dobradiço e portátil. Cama pobre, tosca.

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Chinesice: Decoração imitando a estética chinesa.

Cornija:

Arquitetura. Moldura que remata o entablamento de uma coluna. Ornatos salientes na parte superior de parede, porta, pedestal.

Escabelo:

Pequeno banco para descanso dos pés; tamborete, banqueta.

Étagère: Móvel com prateleiras; aparador. É um móvel antigo, parecido com uma cristaleira, só que mais largo do que alto, com as mesmas funções: guardar pratos, copos, talheres, etc.

Filete:

Traço com que se ornamenta uma peça dando a ela aspecto harmonioso. Utilizado para distinguir as molduras e almofadas de um móvel e delimitar o espaço dos ornatos decorativos na pintura.

Filigrana:

Obra em forma de renda tecida. Marca ou desenho ou linha que se encontra em uma determinada superfície. Ornamento que compõe de forma requintada sendo marcante neste estilo.

Goivado:

Que sofreu goivadura. Que foi entalhado, sulcado, marcado. Peça que recebe entalhes com o auxílio de uma goiva (ferramenta para desbastar).

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Goma Laca:

A Goma Laca é uma substância orgânica derivada da secreção de um inseto (coccus lacca) encontrado em países do oriente como a Índia e a China. Para a preparação do verniz, estes galhos são colhidos e quebrados em pequenos pedaços de onde é extraída e purificada a substância que depois dissolvida em álcool será o “verniz de goma laca".

Esta resina é apresentada no comércio em torrões escuros e em finas escamas, semitransparentes, com diversas tonalidades, indo do âmbar escuro ao amarelo pálido. Esta variação de cores é resultado da presença de substâncias colorantes naturais da árvore.

Massa Corrida:

Feita a partir de PVA ou acrílico, dá acabamento liso à determinada superfície, corrigindo as imperfeições e deixando-a pronta para receber pintura.

Mísulas:

Uma mísula é um formato que ressai de uma superfície, geralmente vertical, e que serve para sustentar um arco de abóbada, uma cornija, figura, busto, vaso, etc.

Papel Machê:

O Papier Maché (papel machê), massa de papel picado, é uma técnica milenar. Depois de seca, resulta numa massa resistente com textura e acabamento rústico.

Pau a pique:

Parede feita de ripas ou varas entrecruzadas, e barro; taipa. A técnica de construção do pau-a-pique constitui-se em barro aplicado sobre um entramado de bambu.

Pau Santo:

Árvore rutácea intertropical, (guaiacum officinalis).

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Pintura Barroca:

Técnica que prioriza valorizar o vermelho, o azul o amarelo

além do dourado presente em forma de folhas de ouro, trazendo

para a peça uma característica própria do barroco mineiro.

Portada:

Porta grande com ornatos; portal, pórtico. Frontispício, fachada.

Rocaille ou Rocalha:

Sinônimo de rococó, e que designa um tipo de decoração irregular com

rochas e conchas.

Rococó:

Diz-se de, ou estilo artístico que floresceu na Europa ocidental e dominou grande parte do séc. XVIII, do fim da época barroca até a gênese do pré-romantismo, e que se caracterizava pelo excesso de ornatos. Estilo rebuscado.

Sofá Recamièr:

Assento comprido, estofado, com encosto, para mais de

uma pessoa; canapé, marquesa. Um tipo clássico de

divã reclinado, com a cabeceira ligeiramente mais alta e

suavemente curvada.

Têmpera:

Mistura usada em pintura, constituída de gema e clara de ovo, água e pigmentos em pó. Também é obtida misturando-se ingredientes oleosos com uma solução de água e cola. O artista pinta sobre um painel revestido de cola e gesso. Quando a têmpera é corretamente aplicada, distribuída em finas camadas, não fica transparente, nem completamente opaca.

Tremidos:

Tipo de ornato muito comum na decoração de mobílias em estilo colonial. Trata-se de saliências agrupadas de forma a compor um efeito de torções, ondulações.

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Vinhático:

O Vinhático (Persea indica) é uma planta do gênero botânico da família Lauraceae, espécies endêmica da ilha da Madeira, Açores e Canárias. Ao longo dos tempos a madeira desta planta de cor avermelhada, muito valorizada, conhecida como "mogno da Madeira", foi muito utilizada em marcenaria. A casca foi utilizada para curtir peles.

Voluta:

A voluta é uma forma em espiral muito comum no reino animal, que lembra um caramujo. Há séculos vem sendo utilizada em exemplos aplicados na geometria, além de servir como objeto de adorno, no arremate de capitéis de colunas, modilhões, mísulas e outros. As colunas ornadas por essa forma têm origem no povo jônio, da Grécia antiga. É também um dos símbolos da arquitetura dos períodos Maneirista e Barroco.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14

CAPITULO I

O Mobiliário Colonial

Histórico do Mobiliário – Características, origens e evolução. ......................... 16

1.1 – O móvel colonial e seus estilos. ................................................... 18

1.2 Características do mobiliário.

1.2.1 - Armários. ......................................................................... 23 1.2.2 - Mesas .............................................................................. 24 1.2.3 - Cadeiras ........................................................................... 25 1.2.4 - Camas .............................................................................. 27 1.2.5 - Arca, Baú, Caixa, Contador, Cômodas. ........................... 28

1.3 - Organização do trabalho no período Colonial ......................................... 31

CAPITULO II

Compreendendo a Policromia ........................................................................... 34

2.1 - Um paralelo entre o emprego da policromia em móveis do período

Colonial e na Indústria de confecção de réplicas no séc. XXI ............... ......... 34

2.2 - A preparação do suporte

2.2.1 - Encolagem ...................................................................... 35 2.2.2 - Base de preparação ........................................................ 36 2.2.3 - A pintura .......................................................................... 37 2.2.4 - Técnicas de Acabamento ................................................ 38

2.3 - Mobiliário: A relação entre o passado e atualidade ................................. 38

2.4 - A arte da policromia em móveis de madeira: O processo de criação inicial e o processo de criação na atualidade com o advento da tecnologia: o que mudou no processo de criação, e quais mudanças no resultado final com a interferência da tecnologia. ..................... 39

2.4.1 – O processo de criação na Atualidade. ...................................... 41 CAPITULO III

O processo de confecção na atualidade: um paralelo entre a produção de peças em cooperativas de artesanato e na indústria de confecção de reproduções de mobiliário do século XVII ao início do século XIX a partir de pesquisa de campo. ......................................................................................... 42

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3.1 – Pesquisa de campo em uma Cooperativa de Artesanato em Sabará - MG. ................................................................................................... 42

3.2 – Relato de experiência: O trabalho em indústria de confecção de reproduções de móveis de estilo colonial do séc. XVIII .................................. 46

CAPITULO IV

Resquícios do Barroco na atualidade. Analise com base do texto de Walter Benjamin – A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Desvirtualização do Barroco no ramo de móveis e a Preservação de móveis de época nos dias atuais. ..................................................................................... 51

4.1 – Desvirtualização do barroco na reprodução de móveis coloniais nos dias atuais. ............................................................................................................... 52

4.2 – A Preservação de móveis de época nos dias atuais. Visita guiada ao Museu do Ouro em Sabará. .......................................... 56

4.2.1 – Histórico da Instituição. ................................................... 56 4.2.2 – Visitação ao Museu do Ouro. .......................................... 58

Considerações Finais ....................................................................................... 59

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 62

ANEXOS ......................................................................................................... 64

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INTRODUÇÃO

A pesquisa aqui apresentada parte de uma investigação em documentos históricos e

trabalho de campo. Objetivou conhecer sobre a presença do mobiliário colonial no

cenário nacional durante seu período colonizador com enfoque para a fase que

compreende do início do século XVII até o início do século XIX. Pretendeu-se

investigar os estilos propostos pelos colonizadores, apontando suas referências e

particularidades no que se refere no trato com a ornamentação. Objetivou-se

também discutir a relação entre características econômicas e sociais da colônia e a

construção moveleira no Brasil deste período.

Buscou-se também conhecer e discutir sobre a importância de Mestres

Ornamentistas, a organização do trabalho no período colonial, aprofundar no que se

diz respeito à confecção do móvel, e limitou-se a investigar, sobretudo, os ornatos,

além de buscar a constatação e a evolução do mobiliário colonial em relação ao

mobiliário presente no cenário contemporâneo. Discutir a policromia, o processo de

criação inicial, o processo de criação na atualidade, a interferência da tecnologia

informatizada: o que mudou no processo de criação, o que mudou no resultado final

com a interferência dessa tecnologia também foram objetivos desse trabalho.

A pesquisa apresenta também um detalhado estudo sobre os ornatos e

particularidades que compreendem o mobiliário colonial. Buscou abordar a

desvirtualização presente na confecção de reproduções de móveis em estilo barroco

e rococó em face às interferências econômicas e modismos em que se vive na era

da globalização.

Para se compreender melhor o processo de criação e construção do mobiliário que

tem como seu principal aspecto estético os ornatos, foi feito também um estudo, que

objetivou investigar como o móvel colonial vem sendo tratado na

contemporaneidade.

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Pretende-se demonstrar na pesquisa a importância do comprometimento em se

preservar o estilo e a memória, no mundo contemporâneo, apontando a

desvirtualização do móvel barroco em face aos modismos e ao lucro, apresentando

como referência os estudos de Walter Benjamin, no texto A obra de arte na era de

sua reprodutibilidade técnica.

Faz parte da pesquisa também, um estudo das dificuldades que os artesãos

encontram no cotidiano de sua profissão. Assim sendo, esta pesquisa pretende

apresentar oportunidade de trazer informações e esclarecimento sobre a importância

de se preservar a originalidade desse rico meio de produção mesmo que seja

apenas como documento histórico e também discutir as interferências que

descaracterizam a originalidade, na investigação sobre as técnicas, tanto o

artesanato, quanto na indústria, apontando as possíveis distorções às qual o

mobiliário em estilo colonial é submetido.

A pesquisa apresenta também o resultado da visita ao acervo do Museu do Ouro na

cidade de Sabará, buscando evidenciar o seu acervo, fluxo de visitação e

apropriação do espaço como fonte de manutenção da memória presente nas peças

desse acervo mobiliário.

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CAPITULO I

O Mobiliário Colonial.

Histórico do Mobiliário – Características, origens e evolução.

De acordo com Ávila, historiador e pesquisador da história do barroco mineiro em

seu livro Iniciação ao barroco mineiro, aponta Minas Gerais como referência

importante para a evolução e aprimoramento do referido estilo no Brasil, para o autor

Minas foi o local:

onde se ergueram os nossos primeiros templos de suntuosidade típica do estilo, o barroco acompanhou a corrida do ouro e acabou por insular-se em Minas, aqui alcançando grandeza e autonomia criativa e fazendo demorar por todo o século dezoito a prevalência de suas formas. (1984, p. 7).

Desde os primórdios até os dias atuais é notório que a maior parte da vida do ser

humano se passa em espaços internos, com os quais, mantém relações afetivas que

podem também ocorrer com os objetos que os integram. No Brasil a história do

mobiliário tem sua origem durante a colonização, período em que grande parte

desses objetos eram produzidos na Europa. Segundo Canti:

O móvel no Brasil foi considerado, inicialmente, quase um objeto de luxo, tal o primitivismo em que viviam os primeiros povoadores. Somente em fins do século XVI aparecem, em certas regiões mais ricas da Colônia, algumas peças e interiores dignos de nota, como os das fazendas e engenhos de açúcar da Bahia e do Nordeste. (1980, p. 9).

Pode-se verificar através de registros históricos e até atuais que o mobiliário

brasileiro possui inspiração portuguesa. Em Portugal a evolução do mobiliário até o

fim do século. XVII recebeu influências das inúmeras expedições ao Oriente, que

propiciaram uma riqueza estilística que se espalhou por todo ocidente com grande

força e influência, além de elementos oriundos do Renascimento. O contato com a

Espanha também não pode ser desprezado no tocante as influências. Contadores,

Arcas, Ornatos Barrocos, Camas, Mesas Torneadas e Cadeiras estilizadas

nasceram dessa influência.

O mobiliário do século XVII apresenta características bastante rudes, quer nas

mesas, nas arcas e arcazes ou nos catres. Estes móveis trazem como elemento

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decorativo, as almofadas e molduras que guarnecem portas, gavetas e, sobretudo

nas arcas, arcazes ou caixões, os goivados e tremidos, além de torneados fundidos

nos formatos de bolas, bolachas, discos e em forma de SS invertidos e afrontados,

ou em formatos de lira. Já o século XVIII vai assistir transformações em função do

período aurífero, principalmente em Minas Gerais.

No século XVIII, o estilo barroco se difunde por todo o Brasil e suas linhas curvas vêm substituir gradualmente o estilo anterior, onde predominavam a linha reta e os torneados, o todo enquadrado em massas retangulares e rígidas. O estilo barroco português, mais simples e severo que o barroco corrente no resto da Europa, encontrou no Brasil, sobretudo no trabalho de entalhe, um campo vastíssimo, devido à qualidade e riqueza de nossas madeiras. O móvel brasileiro distancia-se da arquitetura, que se torna carregada de ornatos, conservando, dentro do estilo, seu aspecto mais simples. (CANTI, 1980, p. 9).

Segundo Rodrigues (1970), o mobiliário de estilo colonial brasileiro é composto por

linhas e formas derivadas do estilo colonial português, que por sua vez, acabou por

influenciar em alguns períodos, o estilo colonial brasileiro, particularmente no século

XVIII. De acordo com esse autor, o móvel colonial brasileiro se origina do estilo

Holandês, com influências espanholas e portuguesas. Essas influências chegaram

ao Brasil durante o período colonial.

Devido à dificuldade de matéria prima e de mão-de-obra, o estilo colonial brasileiro

adquiriu características próprias, perdendo todo o rebuscamento do estilo colonial

português como, por exemplo, o sofá recamièr, que em Portugal era todo realizado

em volutas e lavrados, perdeu no Brasil estas características, sofrendo uma

gradativa redução de formas e assumindo uma considerável simplificação,

mantendo-se, no entanto a forma, mas com características mais rústicas e simples.

O que se pode verificar nas imagens a seguir.

Figura 01: Sofá recamièr, século XVIII. Foto: disponível em http://glossario_design_de_interiores.blog.ig.com.br

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Já o século XVIII vai assistir as transformações, como já mencionadas por Ávila, em

função do período aurífero. A riqueza surgida provocou até a imigração para o Brasil

chegando a por em jogo a própria economia portuguesa.

1.1 – O móvel colonial e seus estilos.

O mobiliário colonial é riquíssimo em ornatos e formas estruturais, porém, em alguns

exemplares encontramos características que se manteve durante os séculos, ficando

assim muito difícil de compreender estes móveis baseando-se apenas em sua época

de fabricação; para tanto, faze-se necessário situar o mobiliário de acordo ao seu

contexto histórico, pois os móveis carregavam as influências e as condições

impostas por cada monarca. Neste trabalho a pesquisa tratará do período que

compreende do reinado de D. João V, passando pelo reinado de D. José I e

finalizando com o período do reinado de D. Maria I, período este que assinala a

entrada do século XIX, em que o mobiliário a partir da segunda década assume

características múltiplas, tornando-se eclético.

De acordo com Rodrigues:

No início do reinado de D. João V foi Portugal alcançado pelo espírito renovado que já se manifestara em toda a Europa, no fim do século XVII. (...). O enriquecimento pelo ouro do Brasil, pela indústria e pelo comércio possibilita grande esplendor na corte, uma vida faustosa na classe nobre e conforto na burguesia. (1968, p. 51).

É no reinado D. João V que se caracterizará esse apogeu, prolonga-se esse reinado

de fantasia. A sensualidade do período não poderia deixar de transparecer nas

manifestações artísticas, e é o que acontece com o mobiliário. Bancos, mesas,

arcazes e demais peças no Brasil terão melhor tratamento e acabamento. É também

importante destacar que neste período o móvel em estilo D. João V sofre influências

do estilo Inglês, como podemos constatar através de Rodrigues:

A influência do estilo inglês no mobiliário, ao alvorecer do seiscentos, é evidente. Será devida à tradicional amizade política entre as duas nações, desde a aliança Lancaster, ou ao simples intercâmbio comercial; o fato é que tal influência perdurará por todo o século XVIII. (...). Foi portanto, o

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móvel inglês aceito como padrão da moda e, algumas vezes, reproduzido integralmente em cadeiras e mesas. (1968, p. 54).

Esta influência pode ser percebida através das figuras 02 e 03.

Posteriormente ao estilo D. João V, entra em vigor o estilo D. José I, período este

em que se percebe uma influência de ornatos ao gosto Francês, como proposto por

Rodrigues:

Com efeito, a arte ornamental francesa, em suas várias modalidades, penetra por toda a parte e domina de forma avassaladora. Em muitas peças do mobiliário, (...), constatam-se elementos da rocalha, marcando assim o momento de transição – curto período em que o ornato francês suavemente se insinua, acomodando-se onde pode. (1968, p. 69).

Os ornatos aparecem com sobriedade e bom gosto; é neste período que se instaura

o gosto pelo baixo relevo. Pode-se destacar ainda a grande contribuição de

Aleijadinho para este período como ornamentista. Este fato, de acordo com o próprio

Rodrigues deve ser considerado:

Figura 02: Cadeira em couro lavrado de sola com influência inglesa de estilo D. João V, século XVIII. Dimensões: 134,0 x 57,0 x 5,08 cm. Fonte: Acervo Museu do Ouro Sabará – MG. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 03: Detalhe de Espaldar alto com ornatos lavrados em estilo D. João V, século XVIII. Fonte: Acervo Museu do Ouro Sabará – MG. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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Não podemos fugir a uma referência: a figura que em Minas Gerais, nesta fase estilística do século, se impõe imperativamente. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que, como ornamentista, não só sentiu e interpretou o estilo D. José I, como criou – em portadas, lavabos e púlpitos – obras singulares, nas quais exalta e domina o estilo com a segurança de mestre insuperado. (1968, p. 70).

Além de contribuir singularmente para os ornatos do período, tanto para a

arquitetura, quanto para outros equipamentos, nota-se também a sua contribuição

para com o mobiliário. Pode-se constatar esta afirmativa a partir de um recente

estudo apresentado por Ângela Brandão em 2009, e publicado na Revista Científica

FAP (Faculdade de Artes do Paraná) – Curitiba. Doutora em História da Arte pela

Universidade de Granada, Espanha, professora-adjunta de História da Arte no

Instituto de Artes e Design e professora colaboradora do Mestrado em História do

Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ângela

Brandão realizou pesquisas sobre a recepção do barroco mineiro pelos modernistas

e vem estudando, mais recentemente, as relações entre as artes aplicadas ou

decorativas e as expressões artísticas consideradas maiores, no contexto mineiro do

século XVIII, em caráter de pós-doutoramento, junto ao Departamento de História da

Arquitetura e Estética do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo – FAU-USP.

Neste estudo a autora descreve uma importante contribuição do Mestre Aleijadinho

para o mobiliário, mais especificamente para as cadeiras litúrgicas. Figuras 04,05 e

06.

A relação da obra de Antônio Francisco Lisboa com a produção de mobília foi bastante discutida desde os anos 1960, com a descoberta e atribuição das peças na reserva do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana (...) e com o achado desta citada documentação referente a trabalhos de marcenaria realizados pelo escultor. Tais idéias culminaram na grande exposição de comemoração dos trinta anos do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1978, quando se apresentou ao grande público esta “nova faceta” de Aleijadinho. (...) Ao manter a idéia da atribuição do trono a Antônio Francisco Lisboa, (...) constatamos que arquiteto e escultor trabalhara em outras formas, incluindo o mobiliário, e o trono era uma evidência disso. (...) Aleijadinho via a arquitetura, o mobiliário, a escultura e outras ornamentações de edifícios e outras decorações de ambientes como interdependentes, harmonizando-as num contexto específico como parte de um complexo e detalhado projeto. (2009, p.59-62).

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Com a decadência do estilo D. José I, vê-se a ascensão do estilo D. Maria I que

mantêm em seu repertório além da inspiração Inglesa e do rococó de D. José I,

mantêm a moda de se copiar os móveis franceses de estilo Luís XV e Luís XVI com

toda a perfeição. A respeito deste período estilístico podemos perceber entorno da

imitação algo positivo, como proposto por Rodrigues, ao relatar o seguinte:

Figura 04: Detalhe do Trono Episcopal. Madeira entalhada. Museu de Arte Sacra da Arquidiocese de Mariana

Figura 05: Trono Episcopal e cadeiras. Atribuída a Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho) Jacarandá entalhado e estofado. Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana. Foto: Ângela Brandão.

Figura 06: Cadeira atribuída a Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho) Jacarandá entalhado e estofado, c. 1778-1783. Museu da Inconfidência, Ouro Preto. Foto Catálogo Banco Safra.

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Desta imitação resulta que a rocalha portuguesa aparecerá nos fins do século de mistura com grinaldas de flores, fios de pérolas, laços de fitas, palmas aquáticas e junquilhos, tanto em móveis de linha neo-clássica como noutros, que mantêm a silhueta portuguesa. (...). (1968, p. 87).

Com a entrada do século XIX, o uso do sofá, do canapé e do sofá-cama de palhinha se desenvolve, tornando-os móveis vulgares no Brasil. O guarda-louça envidraçado substitui aos armários de portas almofadas as novas casas fazem-no já embutido, mas na maioria são formados de dois corpos volantes: a étagère, e, por sobre esta, a caixa envidraçada. (1968, p. 92).

Figura 9: Detalhe Armário Guarda-louças envidraçado e com pinturas figurativas de um casal. Século XVIII. Fonte: Acervo Museu do Ouro. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 8: Armário Guarda-louças envidraçado policromado. Século XVIII. Fonte: Acervo Museu do Ouro. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 07: Canapé retangular, com pernas curvadas pra fora, pés em garra de animal, assento revestido por palhinha. Século XIX. Fonte: Acervo Museu do Ouro. Foto: Fábio de Souza Luiz

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1.2 Características do mobiliário

De acordo com Ávila, o requinte e o cuidado eram marcantes na produção dos

móveis, características essas presentes em:

Armários, arcazes e outras peças de mobiliário evidenciam igualmente o cuidado e até mesmo o requinte observados no equipamento de alguns templos de Sabará, móveis que restam em exemplares que lograram resistir, ao lado de esparsas peças de alfaia em metal nobre, aos sucessivos desfalques verificados. (1984, p. 59).

1.2.1 – Armários

Os armários possuem características imponentes, grandes, de bases amplas;

possuem portas finamente trabalhadas por entalhes artísticos e pintura a cola sendo

bastante utilizada com motivos florais, volutas variadas e em formatos de leques,

imitação de cenas, pássaros e outros motivos. Nota-se a prevalência da forma

retangular mantida em Portugal nos mais variados modelos deste gênero de móvel,

sendo mais comum o armário dividido ao centro formando duas partes iguais com

portas de duas folhas, tendo algumas vezes gavetas na linha central; alguns

exemplares são inteiros, sem divisão, em um só corpo. J. Wasth Rodrigues (1968)

em suas reflexões sobre a história do mobiliário colonial, o autor descreve em sua

pesquisa uma série de ornatos presentes nos armários, ornamentos estes, dispostos

em variadas soluções nas almofadas e postes, pois obedecem a uma disposição

clássica como: base, pilastras e cornija.

Figura 10: - Armário Século XVIII, madeira encerada com almofadas nas folhas das portas e remate em rendilhado na parte inferior. Fonte: Acervo Museu do Ouro. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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As almofadas, quando lisas, são retangulares, requadradas de molduras, podendo

também apresentar saliências, ou formar losangos ou outro desenho geométrico.

Quando entalhados apresentam motivos inspirados no barroco: cartelas, folhagens e

ornatos como tranças, palmas, pendentes de folhas ou meandros, tendo por vezes

capitéis e ornamentos em filetes distribuídos com sobriedade.

Segundo Rodrigues:

(...) os armários de cozinha e os armários embutidos em pares, que são peças esquemáticas, sem grandes preocupações de estilo, ou mesmo rústicas, havendo belos exemplares pintados a cola com ornatos rococó e flores. Muitos levaram sucessivas mãos de tinta a óleo e apresentam delas uma grossa espessura em camadas d diferentes cores. (1968, p. 82 e 84).

Ainda no mesmo estudo, Rodrigues (1968, p.30), traz informação importante sobre

as madeiras utilizadas para a fabricação do mobiliário: “As madeiras empregadas

então são o castanho (que pode ser pintado ou encerado), ou o pau santo, o

vinhático e, raramente, o carvalho e a sucupira”.

1.2.2 – Mesas

As mesas que eram rebuscadas na sua origem na Europa, passam a assumir

formas mais quadradas, retangulares, ovais e semi-ovais, mesas oitavadas e de

abas tombantes (ver figura 11); seus pés em forma de bases mais amplas por vezes

ganharam volutas grandiosas e torneados (ver figura 12); a caixa e as gavetas

abauladas ou em molduras de variados tipos. Sob a caixa das mesas há,

constantemente, uma tarja em espinhado, uma moldura ou um cordão. Essa tarja ou

moldura dava à peça mais resistência e durabilidade.

Figura 11: Mesa Dobradiça; executada em castanho, com pernas torneadas, gavetas com desenhos geométricos e ferragens de época e tampo de forma circular quando aberto. Portugal, meados do século XVIII. 77 x 143 cm diam. Fonte: Catálogo JAMES LISBOA ESCRITÓRIO DE ARTE ©

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As mesas maiores têm na tampa as bordas com a presença de molduras, cordão ou

outro entalhe. Compreendendo este cenário temos também a presença de Bufetes,

nome usado em Portugal, que são as mesas do mesmo estilo, porém menores, a

presença de mobílias sob a forma de mesas dobradiças, mesas com as pernas em

formato de SS invertidos e afrontados, ou de lira, alguns exemplares simples e

outros mais rebuscados, assumindo torneados caprichosos, entalhes com toscas

rosetas, palmas e folhagens com fundos goivados; mesas com pernas facetadas em

perfil de balaústre, ou seja, de secção quadrada, e não torneada como no geral.

1.2.3 – Cadeiras

A cadeira luso-brasileira, de toque rebuscado e talhada de cima a baixo, também

sofreu radicais transformações, apresentando-se com linhas mais claras e

prevalecendo as formas retas; os assentos podiam ser totalmente em madeira ou de

couro de sola, preso por tachas de metal, sendo estas cadeiras em maior número de

exemplares, como observado por Rodrigues, que revela a riqueza de detalhes no

ornato em sola e aponta para a escassez no Brasil das cadeiras em tecido ou

veludo.

As solas, profusamente trabalhadas, mostram vasos de flores, ornatos que lembram brocados, cartelas com figuras ou brazões (...). Outras cadeiras, que devem ser lembradas, são as de estofado em veludo, seda ou tapeçaria, guarnecidas ou não de franjas, e que são raras no Brasil. (1968, p. 48 e 62).

Figura 12: Mesa executada em jacarandá, com rico torneado nas pernas e pés em forma de “bolachas”, gavetas com tremidos, entradas de chaves em marfim, puxadores de jacarandá torneado, tampo retangular com goldrões. Brasil, Bahia, século XVII/XVIII. 87 x 156 x 105 cm. Exemplar idêntico encontra-se no livro: “O Móvel no Brasil”, de Tilde Canti, pág. 142. Fonte: Catálogo JAMES LISBOA ESCRITÓRIO DE ARTE ©

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As figuras 13, 14,15 e 16 demonstram algumas dessas características.

Rodrigues (1968, p.49) ainda demonstra em seus estudos, que bancos, tamboretes

e escabelos com assento de madeira, sola ou couro acolchoado são, em geral, de

grande simplicidade, os bancos com o espaldar de dobrar, usados antigamente em

mesas administrativas, são raríssimos se não inexistentes hoje em dia.

Figura 13: Cadeira em estilo D. Maria I, casquinha pintada com entalhamentos dourados, assento de palhinha, portuguesa, século XVIII. Fonte: Catálogo Cabral Moncada Leilões p.36

Figura 14: Banco em madeira pintada de vermelho com dourados, assento em couro com pregaria, português, século XVII/XVIII, faltas na decoração, pequenos defeitos - 51 x 52 x 41 cm. Fonte: Catálogo Cabral Moncada Leilões p.41

Figura 16: Par de cadeiras, D. José I, executadas em Jacarandá, de linhas curvas, fina talha, trempe em forma de tesoura, acento de palhinha, Brasil, século XVIII. 106 x 65 x 55 cm. Fonte: Catálogo JAMES LISBOA ESCRITÓRIO DE ARTE ©

Figura 15: Trono em estilo, D. José I, executado em vinhático de linhas curvas, braços em forma de rocaille, com fina talha vazada. Brasil, segunda metade século XVIII. 147 x 64 x 56 cm. Fonte: Catálogo JAMES LISBOA ESCRITÓRIO DE ARTE ©

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1.2.4 – Camas

As camas deste período não se diferenciam das similares espanholas, assumindo

com o decorrer do tempo um caráter regional e alcançando grande efeito e elevado

grau de bom gosto. Ao descrever este tipo de móvel, Rodrigues afirma que:

Compõe-se a cabeceira de uma ou duas ordens de torneados que sustentam um frontão, cuja composição varia, sendo em geral em curvas e todo vasado em ramagens ou meandros que lembram a filigrana, por vêzes com flôres estilizadas, volutas, símbolo, escudo darmas ou monogramas em cartela (...). O docel ou céu da cama é formado por um quadro simples de madeira coberto antigamente por uma guarnição de tecido com bambinela ou babado e com cortinas forradas, que eram de seda, linho estampado, etc. (...) Em algumas camas intervem o marfim, a prata, o latão, sendo as chapas dos parafusos em metal rendilhado. (1968, p. 40).

Há a presença de torneados no formão de pendentes, e sendo geralmente os

esteios ou lanças que sustentam o docel seguindo esta mesma configuração. Pode-

se observar nestas camas pinhas, plumas ou florões de madeira como remate dos

torneados além da presença de colunetas gêmeas sustentando um frontão em

arcaria, que se aproxima dos padrões italianos da época.

Figura 17: Cama Leito em estilo D. Maria I séc XVIII Fonte: Acervo do Museu Mariano Procópio. Foto: Ângela Brandão.

Figura 18: Detalhe da Cabeceira Cama em estilo D. Maria I. Fonte: Acervo do Museu Mariano Procópio. Foto: Ângela Brandão.

Figura 19: Catre de cabeceira recortada em curvas em estilo rococó. Século XVIII. Fonte: Acervo Museu do Ouro. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 20: Leito retangular, de pernas retas, torneadas em discos e bolachas, intercalados por pináculos em forma de bilros. Fonte: Acervo Museu do Ouro. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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1.2.5 - Arca, Baú, Caixa, Contador, Cômodas.

Neste período as arcas e os baús são de grande utilização, assumindo

características próprias, porém, no entanto com tendências a formas mais rústicas

do que rebuscadas e que faziam parte de um conjunto de móveis que comumente

se percebia nas residências coloniais (ver figura 21). Poucos exemplares

apresentam motivos barrocos e assim mesmo de inspiração tardia. São de origem

tipicamente portuguesa as que apresentam almofadas, com molduras lisas ou

tremidas, em losangos ou retângulos, ou apenas com pregueados e suas ferragens

(ver figura 22). A peculiaridade da arca portuguesa se deve ao fato de ser

produzidas geralmente por tábuas inteiras, ligadas e envolvidas por molduras, por

cantoneiras de ferro ou outro enfeite, as hastes de duas ou três bisagras se

prolongam pela face posterior da tampa, presas estas, por pregos rebitados, de

grossa cabeça achatada ou em gomos; nas laterais apresentam-se puxadores sobre

uma chapa recortada e na frente uma fechadura com o espelho bem recortados e

vasados confeccionados em estanho ou latão.

A arca tem, em geral, no seu interior um escaninho com tampa. É comum arca com duas gavetas na parte inferior. Fortes molduras guarnecem a tampa e a base; naquela, por vêzes, entalhes em gomos ou em cordão. Os pés são em forma de bolas lisas ou trabalhadas ou em forma de pequenos bancos. Estas arcas, com seus ferros e molduras, foram fabricadas até os fins do século XVIII. (RODRIGUES, 1968, p. 44).

Figura 21: Arca De Gravitados Com Saial, cedro ou zimbro, decoração incisa “leões, animais fantásticos, frutos e plantas”, gravação M e C, Açores, século XVI. - 72 x 159 x 57 cm. Fonte: Catálogo Cabral Moncada Leilões p.35.

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Segundo CANTI:

a arca evolui até se transformar em cômoda ou caixão de sacristia (o caixão de sacristia seria o atencessor do arcaz, nome conhecido somente a partir do século XVIII em Portugal, para designar o móvel de sacristia com gavetões ou, às vezes, armários e gavetões), e, como tal, perde o tampo de abrir e, com apenas gavetões ou gavetas, passa a ser um móvel empregado nas sacristias de igrejas, capelas e conventos para a guarda de paramentos litúrgicos. Entretanto, as arcas continuaram sendo feitas em seus moldes primitivos, mesmo depois do surgimento da cômoda, e posteriormente à cômoda papeleira, sobretudo em áreas menos populosas. (1980, p. 17-18).

Figura 23: Papeleira Com Alçado Oratório, em estilo D. Maria I, castanho pintado e dourado, decoração de fundo vermelho e azul com policromia “jarras de flores” e “flores”, frisos dourados, interior da papeleira com escaninhos, interior do oratório com mísulas e fundo pintado “resplendor”, ferragens em bronze com restos de dourado, portuguesa, século XVIII. Fonte: Catálogo Cabral Moncada Leilões p.32

Figura 22: Arca de Tremidos, pau santo e vinhático, almofadas em forma de losango, ferragens em ferro estanhado, Portuguesa, século XVII. - 79 x 156 x 69 cm. Fonte: Catálogo Cabral Moncada Leilões p.40.

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O Baú possui as mesmas configurações da arca, e geralmente recoberto por couro

cru ou curtido, porém, possui o tampo abaulado, e utilização data a partir do século

XV, sobretudo ao advento das expedições marítimas onde se fez de grande utilidade

seja para o transporte de pertences ou até de alimentos; sendo utilizado também

durante todo o período colonial no Brasil. O Contador é um dos móveis que mais

sofreram influência Oriental (ver figura 24). Era utilizado para guardar documentos e

valores; podia ser transportado o que se adequava perfeitamente à dinâmica da

corte, pois possuía como nas arcas, puxadores nas laterais, dos quais com o

decorrer dos tempos foi substituído por pingentes assumindo um caráter meramente

ornamental. Rodrigues descreve a ornamentação destes contadores afirmando que

estes, “são filetados em losangos e desenhos geométricos à moda árabe, ou com

embutidos na maneira indiana, em diferentes madeiras e marfim gravado”. (1968 p.

36).

Sobre as cômodas deste período Rodrigues em seu estudo revela que; “As

cômodas, na passagem do século, tomam linhas retas e enfeitam-se de filetes e

flores nas mais curiosas soluções”. (1968, p. 90).

Figura 24: Contador, Jacarandá. Século XVII. Acervo do Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora, Minas Gerais. Fonte: MORESI 2005 - LEPAC p. 09

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1.3 – Organização do trabalho no período Colonial

Caio Boschi em seu trabalho O Barroco Mineiro: Artes e Trabalho de 1988 reúne

informações valiosas em torno da organização da sociedade no período colonial,

exercendo um maior enfoque para as atividades produtivas da época. Neste

trabalho, Boschi demonstra como se comportava o individuo trabalhador apontando

a sua importância, sobretudo, em Minas Gerais, e devido a este fato, a ascensão

social que estes trabalhadores conseguiam por meio de suas respectivas funções.

Dentro desta linha de raciocínio Boschi afirma:

O alto grau de criatividade dos artistas, artesãos e artífices que aturaram na Minas Gerais Colonial lhes dava posição singular no interior do corpo social: se não chegavam a atingir a condição de “homens de qualidade”, pelo menos não foram marginalizados socialmente, ao contrário, a sociedade cosmopolita que ali se organizou careceu da presença de artistas e artesãos e os prestigiou. (...) O profissional de que tratamos é todo aquele que exercitava – por conta própria, em sociedade ou por delegação – a pintura, a escultura, a talha e a arquitetura. Em outros termos, estamos falando concretamente de pintores, entalhadores, carpinteiros, marceneiros, carapinas e pedreiros. (1988, p. 13-16).

Nesta perspectiva, Campos (2005, p. 79), relata em seu estudo a respeito da

aprendizagem artística nas Minas Gerais coloniais que: “O uso de mão-de-obra

escrava em trabalho artesanal e artístico foi usual no período”. O profissional da

época colonial comumente migrava de uma função à outra, pois os artistas

raramente exerciam uma única função trabalhando de acordo com as oportunidades

de trabalho surgidas. Neste grupo de profissionais, os pintores, de um modo geral,

se dedicavam exclusivamente ao seu ofício. Dentre todos os ofícios presentes na

época setecentista eram os pintores que todos os outros oficiais tinham como os

finalizadores de suas obras, seja esta obra em talha, esculturas, pintura de forros e

até mesmo nos móveis; como pode se observar no estudo de Rodrigues (1968, p.

21), onde a pintura de um armário de sacristia datado do século XVIII é atribuída a

Manoel da Costa Ataíde, armário este que se encontra na Igreja de São Francisco

em Mariana. É muito interessante constatar-se isto, pois o mestre Ataíde é muito

conhecido por seu trabalho de pintura em forros de igrejas, um exemplo é a pintura

no teto da igreja de Santo Antônio em Santa Bárbara - MG. A importância deste

profissional em pintura no período colonial se comprova também, nos estudos de

Boschi:

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Embora sejam vulgarmente conhecidos poucos nomes, sabe-se que, especialmente após a terceira década do século, mais de uma centena de oficiais da pintura trabalharam em Minas Gerais, quer representando por meio das tintas, figuras e cenas religiosas ou profanas no interior das igrejas, residências, oratórios, passos e pequenas capelas, quer exercendo seu labor em imagens, caixinhas de esmola e outros objetos móveis. (1988, p.20).

No mesmo estudo Boschi relata ainda as funções de carpinteiro, marceneiro,

entalhador e carapina, onde os carpinteiros eram os oficiais que detinham um

domínio mais amplo do setor como um todo; os marceneiros, em menor número,

eram encarregados de lavrar a madeira destinada à confecção de ornatos, como por

exemplo, móveis; ou seja, eram os oficiais que trabalhavam a madeira para

atividades que exigiam certa delicadeza e uma atenção maior do que as exigidas

dos carpinteiros. Já os carapinas eram os que possuíam menos qualificação dentre

os outros dois, exercendo; portanto, a função de auxiliar. O entalhador era o oficial

responsável em executar os trabalhos em talha, ou seja, representar, gravar, lavrar

ou esculpir (laçarias, flores, folhagens, brutescos de meio relevo), em madeira.

Neste contexto encontra-se a presença de santeiros e imaginários que absorviam

grande parte das encomendas destinadas a escultores.

Figura 25: Caixinha de esmolas da Sª. das Mercês – Catas Altas do Mato Dentro. Século XVIII, pintada à mão. Fonte: Acervo Museu do Ouro – Sabará. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 26: Cofre pessoal em madeira pintada e com entrada para três chaves. Século XVIII. Fonte: Acervo Museu do Ouro – Sabará. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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Seguindo esta linha de discussão a respeito da produção artística da época, é

conveniente mencionar o estudo apresentado por Bastos, no IX Seminário História

da Cidade e do Urbanismo, em São Paulo no ano de 2006, e publicado na Revista

do IEB-USP em 2007; Bastos ao se referir ao modo de produção e de vida dos

séculos XVII e XVIII, oferece dados que certamente são relevantes neste contexto

das organizações do trabalho no período colonial.

O autor menciona:

Não se pode esquecer que nos seiscentos e setecentos luso-brasileiros a produção artística – e sobretudo a produção artístico-construtiva – era pensada em virtude de sua utilidade. Não se produzia segundo a noção moderna de autonomia da arte. Elas obedeciam sempre a um propósito de utilidade. A beleza deveria ser, acima de tudo, uma conveniência; ou melhor, uma reunião arguta, perspicaz e versátil, de conveniências concordadas. Conveniências políticas, teológicas, de gênero, de estilo, de assunto, de recepção e utilização. Os artistas e artífices dos séculos XVII e XVIII luso-brasileiros não criavam para contribuir para a História da Arte, tampouco para serem alvos de um juízo estético autônomo, a que as categorias modernas – anacrônicas para esse contexto retórico – acabam induzindo. A competência do artista ou do artífice serial literalmente “louvada”, ou seja, reconhecida por mestres do respectivo ofício eleitos anualmente pelos pares ou eventualmente pelas irmandades, se ele conseguisse acomodar engenhosa e convenientemente as distintas circunstâncias envolvidas na concepção, produção e recepção da obra: os riscos e modelos (porventura emulando-os), os materiais, os lugares de implantação e disposição, os ornatos capazes de ultimar a elocução e os efeitos apropriados aos destinatários. As artes possuíam finalidades e destinações específicas, finalizando-se, por assim dizer, no fundamento mesmo que as justificava. Deus era a causa primeira, e também o fim de todas as coisas. (2007, p. 36).

O enfoque deste trabalho se direciona ao profissional da pintura, da carpintaria, da

talha, marcenaria e carapina, pois estes ofícios que circundam o mobiliário. Isso não

significa que estes profissionais eram os de maior importância no período colonial,

não esquecendo o esmerado trabalho da arquitetura, afinal estes ofícios

comungavam das mesmas fontes inspiradoras, porém, não é o objetivo de estudos

desta pesquisa, mas certamente é uma fonte de estudos até os dias atuais.

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CAPITULO II

Compreendendo a Policromia.

O campo das artes decorativas, em que o mobiliário se insere, costuma ser mais

detalhista nas suas denominações estilísticas, procurando delimitar cada nova

transformação ocorrida no repertório formal dos objetos e observando a

especificidade de cada peça. Dentro destas especificidades encontra-se policromia

que é nada mais nada menos que a utilização de várias cores na execução da

pintura de um trabalho artístico. Comumente a policromia é muito pesquisada e

investigada para fins de se estabelecer um maior conhecimento sobre as camadas

que compreendem o acabamento de uma obra. Normalmente essa linha de

pesquisa se volta para análises de esculturas, oratórios, retábulos, forros de igrejas

dentre outros ramos que englobam o ramo de restauração e conservação de bens

móveis e culturais; sobre esta linha de pesquisa muitos autores realizaram grandes

estudos que abarcam essas obras, porém, pouco se sabe entorno da policromia

empregada em mobiliários. Para uma maior compreensão entorno desta ótica, faz-

se necessário situar o mobiliário do período colonial em seu aspecto histórico dos

séculos XVII ao início do XIX, e apontando a sua utilização e reprodução nos dias

atuais.

2.1 - Um paralelo entre o emprego da policromia em móveis do período

Colonial e na Indústria de confecção de réplicas no séc XXI

De acordo com o dicionário Aurélio, Policromia “é o estado de um corpo em que há

diferentes cores; um conjunto de cores; algo multicolorido”. (1995, p.514).

O emprego da policromia no processo de acabamento na produção dos móveis

envolvia uma série de cuidados para com o suporte, a madeira. Estes cuidados não

se diferem das técnicas empregadas na confecção de uma escultura. Tal cuidado

para preparar a superfície se deve a oportunidade de corrigir as imperfeições da

madeira como forma de proteção e, sobretudo para que se obtenha uma superfície

uniforme para que esta possa receber a cor definitiva e as demais camadas que

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compreendem as etapas finais de acabamento, incluindo os motivos artísticos e

ornamentais. É possível perceber que esta preocupação para com o acabamento

final das peças também é utilizado na confecção de réplicas de móveis coloniais nos

dias atuais. Com as devidas diferenças e adaptações de materiais empregados no

processo de criação. A divergência de materiais não implica na série de métodos

que envolvem a preparação, pintura e acabamento do mobiliário, sendo estes

similares em termos de metodologia, como já mencionado, porém com diferenças de

materiais e até de recursos durante a execução.

Para tanto é possível analisar as etapas que envolvem o processo desde a

preparação do suporte, da pintura e o acabamento, apontando as semelhanças em

termos de métodos de produção, as diferenças entre as técnicas utilizadas no

período do Barroco e Rococó em Minas, com as empregadas na indústria de

confecção de réplicas nos dias atuais.

2.2 - A preparação do suporte

2.2.1 – Encolagem

De acordo com Medeiros (1999, p. 26), “a encolagem é a primeira camada aplicada

sobre o suporte de madeira”. Ela consiste em uma cola protéica, feita a partir de

cartilagem, osso ou pele animais, tendo a função de cobrir os poros da madeira,

evitando que a madeira absorva o adesivo das camadas posteriores. A cola

preparada para a camada de encolagem é usada também para o preparo de várias

outras camadas.

Nesta primeira etapa, a indústria atual substitui esta cola protéica por uma camada

de Gesso, pó de madeira e cola sintética, porém apesar de utilizar um material

diferente há a mesma preocupação nesta etapa que consiste em reduzir as

imperfeições da madeira, ou como atualmente vem sendo utilizado o compensado e

o MDF (Medium Density Fiberboard - Fibra de Média Densidade), promovendo um

maior evidenciamento e prevalência da forma estrutural do móvel.

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2.2.2 - Base de preparação

A aplicação da base de preparação é a etapa que se segue a encolagem na

construção da policromia. Esta base consiste:

(...) no uso de um pigmento ou carga (gesso), geralmente branca, adicionada a uma cola protéica. A base de preparação tem as funções de isolamento, uniformização da superfície e efeito ótico. Dessa forma, quando estendida sobre a superfície do suporte promove uma base homogênea e lisa, que permite nivelar as irregularidades da madeira, da talha, uniformizando a superfície e fazendo um isolamento entre a madeira e as camadas posteriores. (...) essa preparação é geralmente branca, mas pode também ser colorida. (MEDEIROS 1999, p. 30).

Neste módulo a base de preparação na indústria é substituída por massa corrida, na

cor branca, porém, nesta etapa é acrescido à massa corantes líquidos, pigmento

estes geralmente na cor amarela, verde, azul e rosa sendo cada cor misturada em

uma determinada porção de massa e estas dispostas sobre a peça de forma

aleatória e em camadas. Este processo se deve ao fato de reproduzir as várias

camadas em que o móvel colonial legítimo sofrera durante os anos que se seguiam

após a sua confecção. O móvel era constantemente submetido a novas camadas de

tinta, como forma de manutenção que era empreendida pelas irmandades e os

proprietários no século XVIII e XIX. Pode-se constatar esta prática através de

estudos apresentados por Freire, em encontro da Associação Nacional de

Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP, em torno do tema, o autor afirma que:

Se a policromia inicial transformava e até camuflava o trabalho do escultor, a prática da re-pintura e re-douramento periódicos, empreendida pelas irmandades, párocos, responsáveis pelas igrejas e pela iniciativa particular dos fiéis, como forma de atualizarem estilisticamente e manterem as imagens sempre íntegras e decentes para o culto divino, provocava diferenciações múltiplas, que, às vezes, chegavam ao número de quatro ou cinco, ampliando de tal maneira a espessura das camadas que as nuances das esculturas e as marcas estilísticas dos escultores desapareciam e a pintura original, a primeira, ficava totalmente encoberta dificultando as relações entre as esculturas encomendadas e os documentos das encomendas, assim como o reconhecimento dos estilemas. (2009, p. 2143).

Mesmo estas impressões tendo sido observadas nas esculturas, os meios de

produção e de conservação, tanto de peças sacras quanto mobiliárias, recebiam o

mesmo tratamento e cuidado, pois a época exigia uma reafirmação da pompa, da

manutenção de um certo estilo de vida, ou seja, manter as aparências.

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Segundo estudo realizado por Moresi:

A preparação do fundo, camada de espessura variada, uniforme e, geralmente, lisa, além de nivelar as irregularidades do suporte, proporciona luminosidade à pintura. Da segunda metade do século XVI até meados do século XIX, as preparações são diversas, brancas e coloridas, sendo constituídas, basicamente, de mistura de aglutinante e carga. Carga ou “Extender” é definido como material incolor ou branco, normalmente transparente, incorporado às tintas por razões técnicas particulares ou econômicas, por exemplo, para diluir pigmentos coloridos. Temos: carbonato de cálcio, gesso, alúmen etc. As preparações claras proporcionam maior luminosidade à pintura, pelo seu alto valor de reflexão da luz. As coloridas podem tornar as cores mais “vivas” ou mais “frias” e, ainda, aumentar o contraste claro/escuro. (2005, p.113).

2.2.3 - A pintura

Esta etapa compreende na definição da coloração definitiva da peça. Neste módulo

são realizados os diversos motivos pictóricos, ornamentações e ilusões óticas como

o marmorizado, ou representação por meio da pintura de talhas ou baixos relevos e

uma combinação bem sóbria e harmoniosa de filetes. Nesta etapa, a não ser pelas

tintas que no período colonial eram produzidas a partir de têmperas, óleos e

gorduras, a semelhança com os processos atuais existe. Rodrigues se refere em seu

estudo ao tipo de pintura comumente utilizado, afirmando:

A pintura-a-cola foi bastante usada, em cores lisas ou com marmorizados, ou tendo ramos ou vasos de flôres, num gênero muito holandês, e também imitando cenas, pássaros e outros motivos, no gosto do laqueado chinês. O ouro sôbre fundo de côr, também foi empregado, sobretudo em armários de igreja. (...) Seduzidos pela graça do estilo extremo-oriental e pelos seus segredos técnicos, artistas portuguêses imitaram a maneira chinesa com suas pinturas a ouro, lisas ou em relevos, tanto em arcas como, mais tarde, em caixas de relógio, cadeiras, etc; e até mesmo em lambris, portas e tetos de residências ou de igrejas. (1968, p. 29-46).

Figura 27: Ornatos executados com a técnica de pintura a cola – marmorizado, motivos florais e chinesices. Fonte: Museu do Ouro – Sabará e Capela Nsª. do Ó – Sabará. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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38

Atualmente, na indústria a pintura-a-cola é substituída por tintas sintéticas,

geralmente Látex branco com o acréscimo de corantes líquidos também sintéticos,

para se produzir às variações da paleta cromática.

2.2.4 - Técnicas de Acabamento

As técnicas de acabamento compreendem uma grande variedade de vernizes e

veladuras que não só protegem, mas qualificam a obra, dando um aspecto brilhoso

e promovendo conseqüentemente a proteção final do móvel. Dentre os materiais

utilizados nesta etapa encontramos a goma laca, goma arábica e resinas vegetais.

Neste módulo a indústria emprega camadas de cola sintética, ceras produzidas com

ceras de abelha, carnaúba e parafina, e uma mistura de goma laca com álcool, além

de se utilizar ceras líquidas ou pastosas produzidas industrialmente.

2.3 - Mobiliário: A relação entre o passado e atualidade.

Em um recente estudo realizado por Marize Malta, Professora da Escola de Belas

Artes da Universidade Federal do rio de Janeiro, EBA – UFRJ, para o LEPAC –

Laboratório de Estudo e Pesquisa em Arte Colonial e publicado na revista

Pindorama revela que:

O mobiliário não desperta grande interesse pelos historiadores de arte surgindo à idéia de que os móveis não fazem parte da arte e, conseqüentemente, da história da arte; comumente sendo classificado como arte decorativa ou arte utilitária, porém, o que muito do que se conhece entorno de móveis é originário de impressões de colecionadores e antiquários que auto se intitulam como especialistas em mobiliário, mas, não há nenhum comprometimento de ambas as partes em estabelecer um estudo mais aprofundado e de cunho histórico sobre o mobiliário; seus conhecimentos são adquiridos, normalmente, de forma oral e autodidata com intenções puramente comerciais. (2007, p. 01-02).

O desenvolvimento de móveis residenciais brasileiros pode ser separado em dois

momentos distintos; os móveis que se originam antes da década de 1930, período

em que foram produzidos móveis no estilo colonial, e após 1930 quando passaram a

Page 40: Tcc    fábio de souza luiz - arte em mobiliários coloniais

39

ser produzidos móveis com temática modernista. Nessa produção foram

implementados e colocados em prática novos conceitos de fabricação de móveis no

país. Pode-se dizer que, no Brasil o setor moveleiro é dos mais enraizados na

tradição.

Pode-se observar que um sofá ou um guarda-roupa, pouco foi modificado em sua

essência nos últimos 300 anos. As interferências coincidem com melhorias de ordem

tecnológica de acordo com novos materiais, como o MDF (Fibra de Média

Densidade) e muitas ferragens inexistentes há escassos 50 anos. O aumento do

número de materiais disponíveis aumenta de forma gradativa. Um móvel de 100

anos atrás geralmente era composto por três ou quatro materiais: madeira, ferro,

cera ou goma laca. Hoje o mesmo móvel combina três ou quatro derivados da

madeira, ferragens que são miniaturas tecnológicas, puxadores em plástico

cromado, verniz de poliuretano, vidro, acrílico, luminárias halógenas, alumínio, etc.

A tradição na modernidade não é a reprodução literal do modo de vida de nossos

antepassados. Hoje não se abre mão da praticidade que a tecnologia oferece.

Porém, ainda que seja de forma subliminar, o passado interfere na segurança do

presente. Por isto o mercado oferece tantos produtos com imitação de madeiras

nobres por tratar-se de um referencial importante. Já no início do século XXI, é

possível perceber que as casas e decoração futuristas levarão um bom tempo para

cair no gosto popular.

2.4 - A arte da policromia em móveis de madeira:

O processo de criação inicial e o processo de criação na atualidade com o advento da tecnologia: o que mudou no processo de criação, e quais mudanças no resultado final com a interferência da tecnologia.

O período que consiste entre o século XVII ao início do século XIX possui um largo

repertório pictórico, com grandes nomes como Manoel da costa Ataíde e Antônio

Francisco Lisboa, o Aleijadinho, artistas de grande projeção. Outros nomes

exerceram grande importância e conseqüentemente contribuíram para a

consolidação de uma identidade nacional, mesmo com o trabalho baseado em

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40

moldes europeus. Com o passar dos anos os pintores foram alcançando uma maior

projeção na sociedade (como mencionado anteriormente na organização de trabalho

no período colonial), tornando essa profissão um dos ofícios mais procurados neste

período. A formação destes artistas se baseava em aprendizados com outros

pintores nas oficinas e em manuais e tratados de pintura e perspectiva da época. Em

relação ao processo de criação dos artistas Moresi afirma:

Por não haver uma escola formalizada na época, os artistas brasileiros aprendiam com os mestres portugueses e nos canteiros de obras. Certamente, eles tinham acesso aos manuais, tratados, pequenos dicionários nos quais estava incluída a arte da pintura e que circulavam em Portugal. (...) “Modo de moer, e destemperar as tintas”, “fabricar as tintas”, “fazer os vernizes”, “De diferentes métodos de dourar a óleo, a verniz, e a tempera” etc. (...) Os artistas executavam suas pinturas segundo as receitas descritas nestes tipos de livros, e, seguiam ainda, as cláusulas pertinentes aos contratos feitos com as irmandades. (2005, p.112-113).

A partir de manuais, tratados dentre outras fontes tanto documentais quanto através

dos relatos e vivências, os aprendizes adquiriam seu conhecimento, e o domínio de

seu ofício nos canteiros de obras e oficinas. O artista do período colonial, o pintor,

construía um repertório de técnicas com este conhecimento e desenvolvia um

método próprio de executar as obras, proporcionando e revelando características

únicas, que conseqüentemente qualificava e diferenciava cada artista, assumindo

este uma identidade pictórica única, como é possível perceber, por exemplo, nas

obras de Ataíde, marcantes em seu traçado, nos temas abordados e, sobretudo, na

técnica e pinceladas que executava em suas obras.

Mesmo com um conhecimento específico a respeito de técnicas aprendidas que

compreendiam desde a preparação até a execução da pintura e acabamentos, o

artista do século XVIII e início de século XIX encontrava dificuldades ao executar

suas obras, no que se diz a respeito à idealização e elaboração de uma imagem ou

desenvolvimento de um tema, sejam estes de cunho religioso geralmente

encomendados por irmandades para ornamentação de igrejas e capelas, seja para

atender ao público urbano em seus pedidos que envolviam desde a pintura de um

móvel com motivos florais e temas bucólicos ou modismos como as chinesices, até

para a confecção de oratórios e imagens. O artista sentia a necessidade de se

basear em modelos, sejam estes encontrados em algumas pinturas de outros

Page 42: Tcc    fábio de souza luiz - arte em mobiliários coloniais

41

artistas, imagens presentes em alguns tecidos, desenhos que ornavam os missais

da época, etc. fato, que se tornou uma prática muito comum entre os artistas do

período colonial, tornando este processo de pesquisa e busca de referências como

um importante processo de criação inicial na produção de um trabalho.

2.4.1 – O processo de criação na Atualidade.

Nos dias atuais há uma grande facilidade em se adquirir fontes e referências para a

execução de trabalhos com inspiração Barroca, sejam estas, revistas, fotografias,

arquitetura de Igrejas (figura 28) ou mídias eletrônicas. Essas referências são

aplicadas no Artesanato ou na Indústria de confecção destes móveis. Com o

advento da internet este processo se multiplicou, dando ao artista uma maior riqueza

de detalhes, de formas e conseqüentemente inspiração para se criar outras peças,

com base até, em outros modelos já prontos. Mesmo com a facilidade de mídias

eletrônicas percebe-se uma tendência tanto nas cooperativas de artesanato, mas

principalmente na Indústria a utilização de revistas de decoração, além e de

conhecimentos e experiências compartilhadas entre profissionais do setor moveleiro.

Figura 28: Detalhe de ornatos que servem de inspiração para a construção de móveis na contemporaneidade. Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Sabará – MG. Entalhes em pedra sabão atribuídos a Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho). Foto: Fábio de Souza Luiz.

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42

CAPITULO III

O processo de confecção na atualidade: um paralelo entre a produção de peças em cooperativas de artesanato e na indústria de confecção de reproduções de mobiliário do século XVII ao início do século XIX a partir de pesquisa de campo.

A partir das reflexões feitas anteriormente, é possível entender como se organizava

a dinâmica na produção de móveis durante o período colonial. Porém esta prática

perdura até os dias atuais, e a confecção e reproduções de peças em estilo colonial

podem ser encontradas em lojas especializadas, em sites na internet e em feiras de

artesanato e outras específicas do ramo. Com o intuito em se estabelecer um plano

geral em relação a estas práticas na atualidade visitei uma cooperativa de

artesanato em Sabará, local no qual pude encontrar alguns exemplares, que

apontam a direção em que o mobiliário segue nos dias atuais; para isso selecionei

dois artesãos da cidade de Sabará – a artesã Sônia Neto que utiliza a técnica de

pintura barroca, e o artesão José Senna que trabalha com peças em papel machê,

incluindo mobílias.

Compreendendo o enfoque no ramo autônomo e artesanal; passo para a abordagem

da Indústria neste mesmo seguimento; para tanto, utilizo minha experiência pessoal

neste ramo, devido ao fato de ter nele atuado do período de 2004 a meados de

2008, me afastando por um período e retomando a atividade na mesma indústria no

ano de 2009, neste ramo de produção.

3.1 – Pesquisa de campo em uma cooperativa de artesanato em Sabará – MG.

No mês de novembro do ano de 2009 foi possível acompanhar a rotina de uma

cooperativa de artesanato na cidade de Sabará região metropolitana de Belo

Horizonte, situada a 23 km da capital. Tomei conhecimento da cooperativa de

artesanato em Sabará através de evento proposto pela mesma; evento este que foi

a VII Feira de Negócios do Artesanato de Sabará, que ocorreu do período de 13 a

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15 do mês de Novembro, o evento aconteceu na Praça de Esportes de Sabará –

Rua Mário Machado, s/n° - Centro. Ao visitar a feira no dia 15 e me deparar com a

riqueza do artesanato sabarense, encontrei dois artesãos dos quais cuja produção

me chamou a atenção. A primeira foi à artesã Sônia Neto que trabalha com peças

confeccionadas em gesso e que levam as cores que correspondem à paleta barroca;

o segundo foi o José Senna, artesão que reproduz imagens religiosas em papel

machê além de produzir móveis seguindo a estética dos móveis colônias, porém se

utilizando do material papel machê para realizar seus trabalhos. Foi através do

contato com ambos que tive a oportunidade de visitar as associações e ateliês que

compõem a COOPERARTES, Cooperativa do Artesanato de Sabará, contato esse

fundamental para aplicar o conhecimento em torno da produção artística seguindo

referências barrocas nos dias atuais.

Ao visitar o atelier de Sonia Neto – da associação Sabará Feito à Mão que se situa a

Rua Borba Gato, 13 – no Centro Histórico em frente à câmara de vereadores em

Sabará – pude conhecer os meios de produção da artesã. A base de sua produção é

o gesso, produzindo uma variedade de peças com este material, dentre as quais

estatuetas de santos e anjos são o seu grande foco, buscando reproduzir a cultura e

tradições do local onde mora, além de procurar preservar a tradição barroca nos dias

atuais; para isso, utiliza-se de uma técnica chamada de pintura barroca, técnica esta

que prioriza valorizar o vermelho, o azul o amarelo além do dourado presente em

forma de folhas de ouro, trazendo para a peça uma característica própria do barroco

mineiro.

De acordo com a artesã Sonia:

Com a pintura barroca; nós artesãos procuramos manter a tradição da cultura mineira, sobretudo, com a identidade barroca presentes em nossos dias através das cores características deste período. Devido ao fato de viver em uma cidade histórica e estar sempre em contato com as igrejas e as residências, naturalmente toda essa influencia do barroco é transmitida para o meu trabalho. (Entrevista Sônia Neto dia 18/11/2009).

Podemos constatar esta afirmativa através da figura 29.

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44

Ao visitar o atelier do artesão José Senna – que se situa na Praça Santa Rita, 62 no

Centro Histórico de Sabará – pude entrar em contato com algumas particularidades

de sua produção. Por exemplo, no trato com o material base de sua produção que é

o papel machê, atingindo resultados de ótima qualidade e durabilidade, além de

possuir uma consciência ecológica, pois com seus móveis confeccionados papel

machê estimula a consciência ecológica e propõe que se reduza o corte de árvores.

Seus móveis são produzidos através de uma estrutura que pode ser de arame,

canos de PVC (policloreto de vinilo) ou madeira de reflorestamento; a partir da

construção desta estrutura, a mesma é revestida com papel machê, atingindo um

Figura 29: Peças decorativas produzidas com a técnica da pintura barroca da artesã Sônia Neto. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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45

efeito e aspecto que se deseja para as mobílias, que são inspiradas em modelos de

revistas de decoração, uma delas é a revista Casa e Jardim publicação mensal da

editora, e de contato com mobílias em residências de amigos, na cidade de Sabará e

principalmente em visitas esporádicas ao Museu do Ouro. Ao perguntar ao artesão

sobre o seu interesse em reproduzir mobílias em estilo colonial o mesmo afirma o

seguinte:

Procuro com o meu trabalho retratar o passado nos dias atuais. Penso que meus móveis mesmo não produzidos em madeira de lei e, sobretudo, abordando uma paleta mais intensa e diferente da pintura barroca, mas seguindo os temas próprios do estilo como folhagens, flores e arabescos, atingem meu objetivo principal que é preservar a cultura de móveis pintados nos dias de hoje. Ou seja, consigo produzir peças que atendem a demanda de um público, preservar um modo de produção e estilo e ainda consigo o faze-lo obedecendo minhas crenças e preservando o meio ambiente. (Entrevista José Senna dia 23/11/2009).

Através das visitas à Cooperativa COOPERARTES, foi possível analisar que no

Artesanato ao se utilizar matrizes e referências que se transformam com o decorrer

da modernidade, não se pode dizer que o artesanato possui menor criatividade; a

maioria dos artesãos são conscientes e vêem em suas produções uma forma de se

Figura 30: Móveis produzidos pelo artesão José Senna. Mesa com tampo circular. Produzida através do aproveitamento dos pés de um móvel em estilo colonial recolhido na rua, os pés foram re-trabalhados e ganhando um tampo confeccionado com papel machê. Ao lado suporte de canto confeccionado com madeira de reflorestamento e com tampo em MDF. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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46

preservar uma memória, uma tradição. O mesmo móvel produzido por determinados

grupos coletivos, ou indivíduos isolados dentro do tecido urbano, relaciona-se

diretamente a um sentido prático (decorativo), do que para que é feito (simbólico) -

função determinada quando são produzidos - que pode ser posteriormente

modificado, por seu usuário (público consumidor), por exemplo, um Bufete que no

período colonial era produzido para dar suporte a oratórios finamente trabalhados,

hoje é produzido e utilizado como suporte para televisões e rádios.

3.2 – Relato de experiência: O trabalho em indústria de confecção de

reproduções de móveis de estilo colonial do século XVIII.

Obtive contato com a confecção de móveis em estilo colonial e a policromia dos

mesmos ao trabalhar no período de 2004 a 2009 em uma Indústria cujo ramo de

atividades é a manufatura de reproduções de móveis em estilo colonial do século

XVIII e início do XIX, indústria situada em Belo Horizonte – MG. Atualmente a

referida indústria não atua mais neste ramo de réplicas em estilo colonial, mais sim,

de móveis policromados e sob medida.

Nessa empresa as principais fontes de inspiração na confecção dos móveis

envolviam uma série de mídias dentre as quais a principal foi o catálogo próprio

elaborado na própria indústria. Além do catálogo outras fontes eram usadas, que

derivavam através de sugestões nos pedidos de clientes de reprodução de móveis

publicados em revistas especializadas que abordam o tema, como, por exemplo,

Casa e Jardim, Casa Vogue e Veranda, revista esta importada e de grande

respeitabilidade pelos atuantes neste ramo de confecção de móveis em estilo

colonial. Além destas mídias impressas havia também a inspiração em peças

originais adquiridas em antiquários e posteriormente reproduzidas, além de

consultas na Internet, influências adquiridas através de participação em férias do

ramo moveleiro nos Estados Unidos; e a museus que detém um acervo mobiliar rico,

como por exemplo, o Museu da Inconfidência em Ouro Preto e o Museu do Ouro em

Sabará, além de visitas esporádicas à cidade de Tiradentes com o objetivo de colher

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47

fontes de imagens, principalmente de ornatos pictóricos; dos quais todas estas

cidades estão situadas no estado de Minas Gerais.

Com o passar dos anos, e conseqüentemente adquirindo experiência técnica,

atuava nas funções de pintor artístico e auxiliar de acabamento. Como pintor

artístico, tive a oportunidade de aprimorar a minha técnica pictórica e gradativamente

me aproximando da temática Barroca e Rococó, diariamente estava em contato com

ornatos tipicamente relacionados ao estilo; arabescos, volutas, arranjos florais,

rocailles, dentre outras atividades, que exigiam uma representação minuciosa, e

estas reproduções tinham como objetivo ser o mais fiel possível ao estilo. Como

mencionado anteriormente à produção dos móveis obedeciam a uma série de

práticas, que tinham como objetivo reproduzir as inúmeras camadas de tinta além de

proporcionar um efeito de desgaste causado pelo tempo, umidade e os anos, dando

à peça a característica semelhante ao original. Ao receber o móvel preparado para a

execução da pintura da marcenaria e do setor de bases de preparação; os motivos

pictóricos e os ornatos seguiam de acordo com o pedido do cliente e seguindo aos

moldes pré-estabelecidos no catálogo da indústria. Depois de definida a cor (figura

31) e filetagem apropriada ao tipo do móvel produzido, os motivos florais, pássaros,

arabescos dentre outros motivos, (matrizes e moldes já anteriormente produzidos e

devidamente catalogados de acordo a cada tipo de móvel produzido), estes ornatos

eram transplantados para a peça, com o auxílio de papel carbono ou desenhados à

mão livre em determinadas ocasiões (figura 32). A pintura era realizada com tintas

sintéticas, em específico o Látex branco (figura 33), procurando reproduzir a pintura

presente no móvel do catálogo e seguindo a uma paleta cromática já pré-

estabelecida e obtida através de pigmentos líquidos produzidos industrialmente e

que facilmente são encontrados no mercado. Ao término da pintura o móvel era

encaminhado ao setor de acabamento.

Figura 31: Algumas mostras de cores utilizadas na a confecção do móvel. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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Como auxiliar de acabamento tive a oportunidade de entrar em contato com as

técnicas utilizadas no envelhecimento das peças. Ao receber a peça da pintura o

móvel, que é produzido em sua maior totalidade em compensado naval, era

completamente molhado e raspado com o auxílio de uma espátula. A espátula age

com a finalidade de reproduzir o desgaste do tempo e umidade e de revelar as

camadas inferiores de massa corrida e de tinta, com o objetivo de reproduzir a

prática da re-pintura muito comum nas irmandades e na sociedade colonial. Após o

móvel receber todo este desgaste produzido, a peça recebia de duas até quatro

camadas de cola sintética, na ocasião a cola Cascorez rótulo azul (ver figura 35); e

após esta etapa a peça recebe manchas nas laterais com ceras diversas para

simular marcas de mãos, de sujeiras acumuladas com o tempo deixando a peça com

Figura 32: Pintor artístico riscando matriz em móvel para a execução da pintura. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 33: Pintura sendo executada em almofada de móvel, utilizando tinta látex. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 34: Detalhe de ornatos (arabescos) extraídos de teto de igreja na cidade de Tiradentes – MG. Estes ornatos auxiliam na criação de matrizes, e na possibilidade de se compreender e reproduzir o tipo de ornatos do período colonial. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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o aspecto de uma peça autêntica. Após esta etapa o móvel recebia uma camada de

verniz produzido com Goma Laca Indiana, que era pulverizado por todo o móvel com

auxílio de um compressor. O móvel recebia de uma a três camadas deste verniz.

Terminada a etapa de aplicação do verniz, o móvel recebia cera para polimento de

móveis.

Ao final destas etapas o móvel (reprodução) adquire características que se

assemelham as peças originais do estilo, como podemos constatar nas figuras a

seguir.

Figura 35: Acabamento dos móveis, aplicação de cola sintética e desgaste com o auxílio de lixas. Foto; Fábio de Souza Luiz.

Figura 36: Arca em estilo colonial com ornatos ao gosto rococó. Produzida e pintada à mão. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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O motivo pelo qual abandonei a minha função foi a indignação com determinadas

práticas exercidas na fábrica como o desprezo da paleta cromática barroca,

substituindo-a por cores que não condizem ao estilo deste tipo de mobiliário; dentre

outros aspectos, além de minha crescente preocupação de se preservar valor

histórico e estético presente nas peças. Estas e outras inquietações que me afligiam

durante minha trajetória profissional, me levaram a refletir sobre a ética profissional,

sobre a desvirtualização e por que não dizer, sobre a forma como esse trabalho de

movelaria era executado e comercializado como um móvel que trazia na sua

estética, características originais do estilo colonial. O texto de Walter Benjamim – A

obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica foi fonte de reflexão para as

questões que naquele momento permeavam minha prática como artesão.

Figura 37: Banco em estilo colonial com ornatos ao gosto rococó. Produzido e pintado à mão. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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CAPITULO IV

Resquícios do Barroco na atualidade. Reflexões com base em Walter Benjamin – A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Desvirtualização do Barroco no ramo de móveis e a preservação de móveis de época nos dias atuais.

A evolução do mobiliário colonial relaciona-se diretamente a uma história social, pois

as modificações dos padrões de vida levam à procura de novos tipos de mobiliário,

como por exemplo, a escrivaninha ou papeleira, que no século XVIII, ganhou certa

projeção, pois era uma época em que a correspondência vivia seu período áureo. O

estilo e a decoração refletem a época de confecção do mobiliário e nas sociedades

hierarquizadas é também um indicativo de prestígio e distinção, existindo uma

relação com a função e o prestígio das peças que o constituem. Os conceitos de

beleza, tal como o estilo e a moda, estão em constante mudança, por esse motivo o

estilo e a decoração refletem a época em que o mobiliário é feito. Devemos também

ter em consideração que estes conceitos estão presentes no espírito do seu criador

e ao mercado a que se destina. No entanto as suas formas estão quase sempre

ligadas às suas funções, que podem ser utilitárias, decorativas e simbólicas.

Com as constantes mudanças sociais e a demanda em atender a uma clientela com

o desejo influenciado pela mídia, pela globalização de informações, torna-se

importante discutir os riscos que a produção destes exemplares incluindo o seu

caráter simbólico – representando uma época – juntamente com a riqueza de sua

policromia, ornatos e forma estética, corre; podendo chegar a um patamar de

banalidade, provocando então, a transformação do original em lucro. De acordo com

Benjamim: “O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens.

Essa imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para

a difusão das obras, e finalmente por terceiros, meramente interessados no lucro”.

(1993, p. 166).

A desvirtualização do barroco nos dias atuais deriva de um conjunto de práticas

resultantes do interesse meramente lucrativo, abandonando e destruindo a

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originalidade de uma época e estilo, presente nas formas e na policromia do

mobiliário. Contudo, é possível se preservar estes conceitos nos dias atuais, seja por

meio de estudos teóricos, em uma produção artística que visa manter uma tradição

como se pode constatar como no trabalho já mencionado dos artesãos Sônia Neto e

José Senna, ou mesmo pela preservação histórica e manutenção deste estilo

mobiliar por instituições sérias e museus.

Neste contexto é possível traçar um paralelo entre a desvirtualização do barroco sob

a ótica de móveis coloniais nos dias atuais e a manutenção deste mesmo estilo de

móveis, por parte dos museus, em exemplo dessa possibilidade e com o acervo do

Museu do Ouro em Sabará.

4.1 – Desvirtualização do barroco na reprodução de móveis coloniais nos dias

atuais.

Nunca as obras de arte foram reprodutíveis tecnicamente, em tal escala e amplitude, como em nossos dias. (BENJAMIN 1993, p. 175).

Sob a ótica da citação de Benjamin é possível refletir a respeito das inquietações

que me acompanham já algum tempo e que se torna oportunidade de espaço de

discussão com este trabalho. A partir das visitas a feiras de artesanato (Feira Hippie

de Belo Horizonte e a VII Feira de Negócios do Artesanato de Sabará/MG), foi

possível constatar traços de desvirtualização da memória barroca, em específico

para o trato com os móveis coloniais, em ambos locais. Na indústria foi possível

acompanhar a desvalorização de uma riqueza de estilo sendo suplantada por algo

que como o próprio Benjamin afirma “o mero interesse no lucro”. Aliada a está idéia

de lucro, não pode se deixar de citar o outro lado que o desejo do homem

contemporâneo em adquirir uma peça, sendo ela original ou não. Sob esta ótica,

segundo Benjamin: “Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o

objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na

reprodução”. (1993, p. 170).

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Ao percorrer estes espaços pude me confrontar com situações que só vinham

confirmar essa constante desvirtualização do estilo do móvel colonial. As imagens a

seguir revelam esse fato.

Inicialmente a Indústria em questão, ao se corromper no sentido de atender a um

determinado público, público este dos Emirados Árabes, mais especificamente de

Dubai, com poder aquisitivo altíssimo e dessa forma um grupo de clientes que

nenhuma indústria recusaria. É próprio da cultura deste país à ostentação de seus

bens através do dourado; algo que se assemelha com a pompa ostentada pela

sociedade colonial barroca, mas ao ter contato com o tipo de mobiliário em que a

indústria produzia reproduções de peças em estilo colonial, O cliente de Dubai

contratou os serviços desta, por se interessar justamente por estes móveis e a

riqueza de ornatos que o compunham. Através de contato prévio do cliente por meio

de e-mails, surgiu a proposta de subverter estes móveis que carregavam uma

riqueza de ornatos e adequá-los e ao gosto dos Xeiques árabes. Com este contato o

móvel que mantinha e preservava as características do mobiliário colonial, passou a

assumir características banais sofrendo e descaracterizando a técnica da pintura

barroca. A partir deste contato e conseqüentemente negando uma tradição

tipicamente nacional, a indústria altera o seu ramo de atuação e passa a não mais

fabricar móveis com a temática e características coloniais. (ver figuras 38,39 e 40).

Figura 38: Armário de três corpos. A imagem à esquerda demonstra o móvel com suas características coloniais preservadas. O móvel da direita já sofre a interferência do cliente seguindo o gosto dos árabes. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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No artesanato mesmo reconhecendo o empenho e tentativa de se manter uma

tradição e toda a cultura que a acompanha; o artesão pode em várias situações se

deixa levar pelo gosto do cliente. Este fato pude constatar em alguns exemplares

produzidos pelo artesão José Senna (figura 41). Senna ao alterar as cores

tipicamente da paleta barroca, acaba por desvalorizar este item, assumindo que em

Figura 39: Armário de dois corpos modelo Etagerè. A imagem à esquerda demonstra o móvel com suas características coloniais preservadas. O móvel da direita já sofre a interferência do cliente seguindo o gosto dos árabes. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 40: Arca barroca. A imagem à esquerda demonstra o móvel com suas características coloniais preservadas. O móvel da direita já sofre a interferência do cliente seguindo o gosto dos árabes. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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algumas peças as cores por ele elegidas dão um maior sentido e autenticidade à

peça.

Neste sentido Benjamim nos mostra que autenticidade como possibilidade de se

preservar a peça de acordo com a sua forma original. O autor afirma: “O aqui e

agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade, e nela se enraíza uma

tradição que identifica esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto,

sempre igual e idêntico a si mesmo”. (1993, p. 167).

Mesmo observando estas práticas acima relacionadas, mesmo de forma tímida, é

possível compreender que o mesmo esforço dispensado em se preservar esta

cultura é o mesmo dispensado em corrompê-la. Assim é possível afirmar sem

dúvidas que as instituições que se prestam a preservar a manutenção da cultura

entorno do mobiliário colonial, sejam estas instituições públicas ou particulares, são

sem dúvida fundamentais para este feito.

Figura 41: Mesa de canto de inspiração colonial. A imagem à esquerda demonstra o móvel com sai característica estrutural em estilo colonial preservadas. Porém já há uma interferência de modismos presentes na paleta cromática utilizada. A direita pode-se perceber esta interferência. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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4.2 – A Preservação de móveis de época nos dias atuais.

Visita guiada ao Museu do Ouro em Sabará.

A importância de instituições sérias se faz pertinente e deve-se, demonstrar o

empenho que as mesmas exercem para com a manutenção da História. Para a

presente pesquisa foi eleito o Museu do Ouro que se situa na cidade de Sabará –

Minas Gerais. O Museu foi escolhido pelo motivo do mesmo ser referenciado nas

fontes literárias utilizadas nesta pesquisa, mais especificamente o Museu do Ouro é

mencionado nas fontes de Afonso Ávila e J. Wasth Rodrigues. Foi levado em

consideração além da importância do Museu enquanto mantedor de um acervo rico

de mobiliários e informações específicas; o fato da proximidade de Sabará à capital

mineira.

4.2.1 – Histórico da Instituição.

O Mestre de Campo Faustino Rebelo Barbosa, segundo documento de 24 de

fevereiro de 1731, alegava ter construído uma Casa de Fundição na Vila Real de

Nossa Senhora da Conceição de Sabará. No ano de 1735 foi estabelecida a Casa

da Intendência. Por volta de 1840 o imóvel foi a leilão sendo adquirido pelo

Comendador Francisco de Paula Rocha. A construção serviu durante algum tempo

como colégio, sendo posteriormente adquirido pela Companhia Siderúrgica Belgo

Mineira no ano de 1937, que fez a doação do imóvel ao Estado para a instalação do

Museu do Ouro de Sabará, fato este concretizado pelo Decreto-Lei nº 7.483, de 23

de abril de 1945. Seu prédio está dentre as mais significativas construções por seu

inestimável valor histórico e arquitetônico. Trata-se do único exemplar ainda de pé,

no Brasil, tendo funcionado com Casa da Intendência e Fundição. Suas linhas

arquitetônicas são características do Século XVIII, em adobe e pau-a-pique. Na

fachada as janelas apresentam grades em madeira torneada. No andar superior

encontramos a sala dos Quatro Continentes com pinturas representativas no teto, de

estilo ingênuo, simbolizando a Europa, Ásia, África e América, tendo no centro as

armas portuguesas. Diversas peças de mobiliário e imaginária estão expostas no

pavimento superior, distribuídas nas diversas salas e quartos que serviram ao

Intendente. No andar inferior, calçado em seixos rolados, estão expostas peças,

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maquetes e instrumental diversificado, ligados ao Ciclo do Ouro. Uma prensa,

introduzida no prédio em início do Século XVIII para a cunhagem das barras de

ouro, encontra-se no mesmo local até os dias de hoje.

Devido ao contrabando e a abundância do precioso metal amarelo, normas

especiais foram estabelecidas pela Coroa Portuguesa. O ouro somente poderia ser

comercializado em barras, contendo o selo real. Obviamente que a cunhagem e a

transformação em barras deveriam ocorrer na Casa da Fundição, passando a haver

um maior controle por parte do Intendente. As penas eram extremamente severas

para os infratores. O Museu do Ouro possui ainda uma rica biblioteca mantendo

ainda todas as características arquitetônicas de época, levando o visitante a uma

ambientação como se estivesse em pleno Século XVIII. O museu localiza-se à Rua

da Intendência, s/nº - Centro; com visitação pública de terça a domingo, de 12h às

17h30min.

Figura 42: Museu do Ouro na cidade de Sabará – MG. Imagem da fachada e do pátio central. Foto: Fábio de Souza Luiz.

Figura 43: Salão interno do museu que se integra a Sala dos Quatro continentes. Foto: Fábio de Souza Luiz.

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4.2.2 – Visitação ao Museu do Ouro.

Nos dias 10, 11 e 12 de Fevereiro do ano de 2010 foi possível realizar visitas

guiadas ao Museu do Ouro. Estas visitas foram realizadas com o apoio do Diretor e

Museólogo da Instituição Ricardo Alfredo de Carvalho, e o Chefe do Departamento

de Serviços Escolares Ângelo Zacarias Lanza.

A partir das visitas foi possível de se constatar em tempo real toda a informação

adquirida durante a pesquisa bibliográfica; a interação com as peças proporcionou

um maior domínio para com o assunto investigado. Os móveis do museu estão todos

de um modo geral em bom estado de conservação, além de contar com o auxílio de

dois responsáveis técnicos fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM,

para a manutenção periódica dos mesmos. Também foi possível constatar de acordo

com Ângelo, que as mobílias dispostas no museu são de um modo geral, de estilo D.

João V.

Segundo aos dados fornecidos pelo Chefe do Departamento de Serviços Escolares

Ângelo Zacarias Lanza, o total de peças do acervo mobiliário colonial do Museu do

Ouro compreende um total de 749 peças, sendo elas expostas ou resguardadas em

acervo que é catalogado e acondicionado dentro de normas técnicas. Em relação ao

número de visitantes à instituição, segundo os dados referentes de Janeiro à

Dezembro do ano de 2009, são agrupados da seguinte forma:

� Número de visitantes nacionais: 3626 ao ano

� Número de visitantes Estrangeiros: 356 ao ano

� Número de visitantes escolares: 4780 ao ano

O museu, de acordo com o diretor Ricardo, pretende ampliar as ações ali prestadas,

oferecendo cursos de capacitação para agentes culturais e profissionais

interessados, além de criar novos roteiros de visitas, objetivando ainda mais a

apreensão de conhecimentos dos distintos públicos que ali freqüentam.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a pesquisa bibliográfica e os estudos realizados para a presente pesquisa foi

possível perceber a presença do mobiliário colonial no cenário nacional, durante seu

período colonizador; com enfoque para o período que compreende do início do

século XVII até o início do século XIX. Neste contexto, a pesquisa apresentou

características gerais entorno do mobiliário da época, demonstrando sua

classificação de acordo com cada estilo proposto pelos regentes e apontando suas

referências e particularidades no que se refere no trato com a ornamentação. Estas

influências foram importantes, pois definiram uma característica nacional ao

mobiliário, constatando também, o fato das características econômicas e sociais

vividas pela população brasileira daquela época; tornando-se determinantes,

interferindo no resultado final das peças que eram fabricadas no Brasil.

A partir das fontes pesquisadas foi possível constatar a importância de Mestres

Ornamentistas, como tratados anteriormente na pesquisa, os Mestres Ataíde e

Aleijadinho; demonstrando suas contribuições para com o mobiliário colonial

nacional. Seguindo esta linha de raciocínio, foi apresentado de forma classificatória,

o mobiliário de acordo com o seu tipo, ornatos específicos a cada móvel, e a sua

evolução estrutural.

Fez-se necessário relatar a organização do trabalho no período colonial; relatando

as divisões dos ofícios e da mão-de-obra especializada; com o enfoque para os

artífices relacionados à pesquisa.

Em relação à confecção do móvel, a pesquisa se limitou a investigar, sobretudo, os

ornatos e demonstrando esta prática com base nos estudos das camadas que o

compõe; apontando desde a base de preparação até o acabamento de acordo com

os estudos de MEDEIROS (1999), que demonstraram como eram tratadas durante o

período colonial. A partir destas constatações, verificou-se um paralelo entre o

passado apresentado pela autora com a produção atual, apresentada em forma de

relato com bases em vivências pessoais que se relacionam a estes procedimentos.

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A partir de MALTA (2007), foi possível constatar a evolução do mobiliário colonial em

relação ao mobiliário presente no cenário contemporâneo, demonstrando, que

mesmo em pleno século XXI há uma tendência em se possuir mobílias com

características tradicionais.

Outro fator que se mantém até os dias de hoje, está ligado ao referencial imagético

utilizado na decoração e no aspecto estético da estrutura do mobiliário, itens estes,

constatados através de pesquisas em campo. Do início do século XVII ao início do

século XIX os artesãos se orientavam por ilustrações de livros religiosos e obras de

artistas importantes, como foi constatado a partir dos estudos de MORESI (2005).

Na atualidade, apesar do advento da Internet, o que proporcionou uma série de

informações entorno do assunto, os artesãos e a indústria continuam buscando suas

referências nos mesmos materiais.

Por considerar carência de informações específicas e visuais durante a pesquisa,

fez-se necessário investigar como o móvel colonial vinha sendo tratado na

contemporaneidade. Foi possível a partir da pesquisa, verificar a importância de se

preservar o estilo e a memória, e também apontar a desvirtualização do móvel

barroco em face dos modismos e do lucro.

Considerando as dificuldades que os artesãos encontram no cotidiano de sua

profissão, foi marcante o fato de que esses profissionais persistem investindo e

lutando por seu espaço profissional, preocupando-se com sua formação e ainda,

aproveitando as poucas oportunidades para realizar seu trabalho. Possuem a

clareza de que não é uma tarefa fácil diante da realidade comercial das demandas

da realidade social que muitos encontram, mas isto não os impede de continuar

trabalhando e investindo na profissão. Na investigação sobre as técnicas, tanto o

artesanato, quanto na indústria, possuem a consciência de que em seu fazer ainda

acontece uma distorção do que seja realmente um trabalho que segue uma tradição,

contra o trabalho que segue modismos e se curva ao financeiro.

Foi possível verificar que o processo de pesquisa no Museu do Ouro foi

imprescindível para o enriquecimento da pesquisa; foi possível acompanhar a

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dinâmica do museu, apontando a seriedade do trabalho que realizam, além do fato,

de possuir um acervo que reúne um material que contribuiu para o esclarecimento

de alguns pontos obscuros até então para essa pesquisa, como por exemplo, a

dinâmica da família colonial nas residências e a relação que mantinham com o

mobiliário; informações que, contribuíram para a construção de conhecimento e

aquisição de informações técnicas (fichas catalográficas) e imagéticas (fotos), que

vieram a dar consistência à pesquisa.

Através das visitas foi possível constatar o empenho e a preocupação de se

preservar a memória de um tempo através dos móveis ali dispostos. A instituição

procura passar para os visitantes a sensação de se voltar no tempo e nesta viagem

ir construindo laços de afinidades, de se conhecer os hábitos comuns à época,

proporcionando aos visitantes sensações agradáveis; onde se têm a sensação de

aproximação de um passado tornando-se atual e ao mesmo tempo o levando a

consciência e percepção de um presente tão remoto.

Durante a pesquisa bibliográfica, muitos materiais foram encontrados e contribuíram

de forma importante para a viabilização desta pesquisa. A pesquisa sofreu a

influência do tempo necessário à sua conclusão limitando sua amplitude.

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BIBLIOGRAFIA

ÀVILA, Affonso. Iniciação ao barroco mineiro. São Paulo: Nobel, 1984. BASTOS, Rodrigo Almeida. Regularidade e ordem das povoações mineiras no século XVIII. Estudo apresentado no IX Seminário de História da Cidade e Urbanismo. São Paulo, Novembro de 2006. Publicado na revista do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de são Paulo – IEB – USP, São Paulo: fev. 2007, n.44, p. 36. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas, magia e técnica, arte e política: ensaio sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. BOSCHI, Caio C. O barroco mineiro: artes e trabalho.São Paulo – SP: Brasiliense, 1988. CAMPOS, Adalgisa Arantes. (Org.). Manoel da costa ataíde: aspectos históricos, estilísticos, iconográficos e técnicos. Belo Horizonte: C/Arte, 2005. CANTI, Tilde. O móvel no Brasil: origens, evolução e características. Rio de Janeiro: Candido Guinde de Paula Machado, 1980. FREIRE, Luiz Alberto Ribeiro. Imaginária e imaginário no Brasil colonial. 18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Tema: Transversalidades nas Artes Visuais – Período: 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia. p. 2143 – Disponível em: < http://www.portaldopatrimoniocultural.com.br>. Acesso em 11/09/2009 às 13h51min. MALTA, Marize. Algumas questões sobre o mobiliário colonial. Revista PINDORAMA LEPAC – Laboratório de Estudo e Pesquisa em Arte Colonial. 2007, p.1-2. Disponível em: < http://www.ufrgs.br/artecolonial/pindorama > - último acesso em 26/09/2009 às 15h43min. MEDEIROS, Gilca Flores de. Tecnologia de acabamento de douramento em esculturas em madeira policromada no período barroco e rococó em minas gerais - Estudo de um grupo de técnicas. 1999. 151 p. Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Artes. Curso de Mestrado em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, 1999. Disponível em: < http: //www.patrimoniocultural.org/publicacoes/dissertacoes/1999/gilcaflores.pdf >. Acesso em 15/10/2009 às 14h35min. MORESI, Claudina Dutra. Aspectos técnicos na pintura de manoel da costa ataíde. In: CAMPOS, Adalgisa Arantes. (Org.). Manoel da costa ataíde: aspectos históricos, estilísticos, iconográficos e técnicos. Belo Horizonte: C/Arte, 2005. RODRIGUES, Edmundo. Os móveis e seus estilos através dos tempos – o seu emprego decorativo. Edições de Ouro. Rio de Janeiro. 1970. p. 133-142.

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RODRIGUES, J. Wasth. As artes plásticas no Brasil – Mobiliário. 2ª ed. Rio de Janeiro – RJ: Coleção Brasileira de Ouro, 1968. Trabalho a Campo e Entrevistas: 19/09/2009 – Visita ao MAO – Museu de Artes e Ofícios. Belo Horizonte – MG.

20/09/2009 – Visita a Feira de Artesanato de Belo Horizonte – MG (Feira Hippie)

27/09/2009 – Visita a Feira de Artesanato de Belo Horizonte – MG (Feira Hippie)

13/11/2009 – Visita a VII Feira de Negócios do Artesanato d Sabará.

14/11/2009 – Visita a VII Feira de Negócios do Artesanato d Sabará.

15/11/2009 – Visita a VII Feira de Negócios do Artesanato d Sabará.

18/11/2009 – Visita ao atelier e entrevista à artesã Sônia Neto.

23/11/2009 – Visita ao atelier e entrevista ao artesão José Senna.

10/02/2010 – Visita ao Museu do Ouro – Sabará – MG, e entrevista com o diretor e

museólogo da instituição Ricardo Alfredo de Carvalho.

11/02/2010 – Consulta ao acervo documental e visita guiada com o chefe do

departamento de serviços escolares Ângelo Zacarias Lanza.

12/02/2010 – Visita ao Museu do Ouro e registro fotográfico do mobiliário.

12/02/2010 – Visita a Capela de Nossa Senhora do Ó, e Igreja de Nossa Senhora do

Rosário Sabará – MG.

Imagens As imagens utilizadas neste trabalho são originadas a partir de acervo próprio e de registro fotográfico durante o processo de pesquisa de campo. Fez-se necessário a utilização de imagens extraídas de periódicos e catálogos encontrados na internet, tendo o seu uso exclusivo para compor a presente pesquisa. Catálogos extraídos da internet:

• Catálogo JAMES LISBOA ESCRITÓRIO DE ARTE © • Catálogo Cabral Moncada Leilões

Imagens extraídas da internet disponíveis em: http://www.ecocentro.org/bioconstruindo/adobe.html http://glossario_design_de_interiores.blog.ig.com.br http://www.portaldopatrimoniocultural.com.br http://pt.wikipedia.org http://www.dicionariodeportugues.com/ http://www.dicio.com.br/ http://www.google.com.br

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ANEXOS

Este CD contém imagens que contribuíram para a viabilidade desta pesquisa, e que não puderam ser incluídas no corpo do texto; pois o mesmo corria o risco de se tornar mais extenso e certamente ultrapassaria o formato pré estabelecido. As imagens são pertinentes pela possibilidade de se demonstrar o trajeto na pesquisa de campo e apontar as imagens que deram início a esta investigação. Na página seguinte incluo como exemplo, uma das vinte fichas catalográficas fornecidas gentilmente pelo museu do Ouro – Sabará/MG, fichas estas que foram importantes no sentido de esclarecer alguns pontos durante a realização da pesquisa.